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REGIME POLÍTICO

Jorge Reis Novais

(tópicos de apoio às aulas teóricas da turma B de Direito Constitucional I do ano


lectivo de 2016/2017)

Sumário:

1. Regimes políticos e formas de governo;

2. Regimes políticos de Estado absoluto e de Estado autocrático:


2.1. Monarquia absoluta;
2.2. Ditadura

3. Regimes políticos de Estado de Direito


3.1. Regimes de monarquia constitucional:
3.1. Monarquia limitada;
3.2. Monarquia orleanista;
3.3. Regimes de monarquia parlamentar (governo representativo,
democracia representativa);
3.2. Governo representativo;
3.3. Democracia representativa;

Quando falamos em regime político referimo-nos às diferentes modalidades de


exercício do poder político no Estado moderno e contemporâneo, considerando o
relacionamento institucional entre governantes e governados e tendo especialmente em
conta a titularidade e o exercício efectivo do poder constituinte (a legitimidade originária ou
dominante), a existência e peso das instituições representativas e a natureza, graus e formas
de participação dos governados no exercício do poder.

Assim, na caracterização e distinção dos vários regimes políticos, para além da


natureza do poder constituinte originário e derivado, o principal factor a considerar será o da
existência ou não de instituições representativas dos cidadãos, o peso real que essas
instituições têm na condução da vida política, a existência ou não de pluralismo político, o

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reconhecimento ou não do direito de oposição e de alternância no poder, o carácter das
eleições.

Será em função desses parâmetros que poderemos determinar o grau e a natureza da


participação dos cidadãos no exercício do poder e o tipo de relação que se estabelece entre
governantes e governados como factor decisivo na distinção entre os regimes políticos,
mormente entre regimes políticos democráticos e regimes políticos autocráticos.

1. Regimes políticos e formas de governo

Como se pode verificar, na enumeração que fizemos dos factores a considerar na


distinção de regimes políticos não referimos a questão da forma de governo. A forma de
governo restringe-se unicamente a um aspecto particular, o da consideração do tempo e
modo de sucessão na chefia do Estado, enquanto suprema magistratura de um dado sistema
político, distinguindo-se a forma de governo monárquica da forma de governo republicana
em função, respectivamente, do carácter vitalício ou temporário do exercício do cargo e, em
regra, em função da via hereditária ou não hereditária de sucessão.

Ora, do ponto de vista da distinção material entre regimes políticos é, hoje,


indiferente a forma de governo adoptada. Para a qualificação do regime político tal como o
entendemos (isto é, caracterizado em função do relacionamento entre governantes e
governados), não é importante tratar-se de uma Monarquia ou de uma República; isso
porque a diferença na forma de governo não condiciona qualitativamente a natureza ou o
grau de participação dos cidadãos no exercício do poder político.

De facto, uma monarquia pode, tal como uma república, constituir-se em regime
democrático ou em regime de ditadura, sem que a forma de governo de algum modo
determine uma ou outra via. Veja-se o caso dos países vizinhos Portugal e Espanha, com
regimes políticos idênticos e formas de governo diferentes (actualmente ambos democracias
representativas e com uma história de regimes políticos no século XX quase paralela, sendo
que Portugal é uma República e a Espanha uma Monarquia).

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2. Regimes políticos de Estado absoluto e de Estado autocrático

No que se refere à tipologia de regimes políticos adoptada, e tendo em conta o


critério de distinção referido, distinguiremos no Estado moderno (incluindo o Estado
absoluto e o Estado constitucional) os seguintes principais regimes: monarquia absoluta,
monarquia constitucional (monarquia limitada, monarquia orleanista, monarquia
parlamentar), governo representativo, democracia representativa e ditadura.

Porém, há que fazer uma nova distinção, a que se refere aos regimes políticos de
Estado absoluto e de Estado constitucional.

No Estado absoluto (até ao século XIX) e no Estado autocrático dos séculos XX e


XXI, a ausência de pluralismo político e de verdadeira divisão de poderes determina a
simplicidade e a uniformidade de regimes políticos, pelo que, aí, a tipologia de regimes não
é verdadeiramente importante. Assim, o Estado absoluto identifica-se com o regime político
de monarquia absoluta e no Estado autocrático contemporâneo (séculos XX e XXI), mesmo
quando há uma Constituição (nominal ou semântica), o regime político é sempre ditatorial.

2.1. Monarquia absoluta

É o regime político típico do Estado absoluto. Assenta exclusivamente na


legitimidade monárquica (de fundamento divino ou de fundamento racional), o que significa
que o Rei é considerado como origem e fundamento do poder. Todo o exercício de
autoridade pública (da Administração aos tribunais) é feito em nome do Rei, que concentra
na sua pessoa todos os poderes do Estado. Não há quaisquer instituições representativas dos
cidadãos ou das classes sociais e, consequentemente, não há participação dos súbditos no
exercício do poder político.

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2.2. Ditadura

No conceito de ditadura integramos as várias, mas substancialmente convergentes,


formas de exercício do poder político que se verificam no Estado autocrático dos séculos
XX e XXI.

Independentemente das diferenças atinentes aos diversos contextos históricos,


culturais ou geográficos em que o Estado autocrático se concretiza, há sempre, no regime
político ditatorial, um núcleo de princípios que distinguem claramente este regime dos
regimes democráticos actuais.

Em certo sentido pode dizer-se que a legitimidade invocada pelas ditaduras continua
a ser uma legitimidade democrática, mas apenas no sentido de se atribuir teoricamente ao
Povo a titularidade do poder. Porém, o Povo de que se fala numa ditadura nunca é o Povo-
conjunto de todos os cidadãos próprio da democracia e que exerce o poder através de
representantes eleitos com igualdade de participação; na ditadura, de uma ou outra forma, o
conceito democrático de Povo é corrompido na medida em que na prática, e por vezes
mesmo no plano da teoria do Estado, o Povo titular do Poder numa ditadura é um Povo
identificado com uma certa raça, com um certo grupo social, com uma certa comunidade
religiosa ou uma qualquer outra entidade de contornos mais ou menos míticos.

Por outro lado, também as formas que este Povo utiliza para o exercício concreto do
poder são radicalmente distintas das formas democráticas de exercício do poder político.
Não há, em ditadura, verdadeira representação política, pois o conjunto dos cidadãos não
tem uma possibilidade efectiva de designar livremente os representantes que devem exercer
o poder em seu nome. As instituições representativas, bem como as eleições, ou não existem
pura e simplesmente ou são meros artifícios de forma, utilizados para fins de propaganda.

A rejeição —proclamada abertamente ou praticada de facto— do pluralismo político,


das liberdades democráticas, da alternância do poder, da livre escolha democrática, constitui
o núcleo de princípios identificador, pela negativa, deste regime político.

Pode, em ditadura, haver diferenças na estruturação jurídico-formal dos poderes, mas


o ponto comum é sempre a concentração efectiva de todo o poder nas mãos de um grupo

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restrito (ou, em última análise, de uma única pessoa) que se proclama intérprete privilegiado
ou exclusivo dos desígnios do Povo e se recusa submeter à prova de legitimação que
constitui uma eleição livre em que todos possam participar em condições de igualdade.

Assim, consoante a natureza do grupo restrito que detém e exerce exclusivamente o


poder, encontramos a ditadura pessoal, a ditadura de partido único (ou do seu chefe), a
ditadura militar, a ditadura de uma casta ou confissão religiosa, a ditadura de um clã ou de
uma família, ou a combinação particular de alguns destes tipos.

3. Regimes políticos de Estado de Direito

É verdadeiramente em Estado de Direito que o conceito de regime político adquire


relevância e autonomia, uma vez que, num Estado com Constituição normativa, com
pluralismo, com divisão de poderes e respeitando os direitos fundamentais, podemos
encontrar tipos de relacionamento estrutural entre governantes e governados
substancialmente diferentes e que procuramos traduzir numa tipologia que inclui os
seguintes regimes: monarquia limitada, monarquia orleanista, governo representativo e
democracia representativa.

3.1. Regimes políticos de monarquia constitucional

A chamada monarquia constitucional compreende vários regimes políticos em que se


compatibiliza a forma de governo monárquica com a vigência de uma Constituição, o que
implica desde logo, quaisquer que sejam as diferentes modalidades de concretização, a
existência de limitação jurídica do exercício do poder, ou seja, a existência de separação de
poderes, bem como de instituições representativas e de participação dos governados no
exercício do poder político.

A monarquia constitucional, mesmo não considerando o caso particular da Grã-


Bretanha, está presente ao longo dos séculos XIX, XX e XXI, pelo que são necessariamente
muito diferentes os regimes políticos nela englobados ao longo de mais de dois séculos.

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Assim, a Espanha, a Bélgica ou a Holanda dos nossos dias são monarquias constitucionais;
Portugal entre 1822 e 1910 foi uma monarquia constitucional; a Inglaterra nos finais do
século XVII era já, de certa forma, apesar da não existência de uma Constituição em sentido
formal, uma monarquia constitucional.

É assim possível e necessário distinguir, dentro da referência genérica a monarquia


constitucional (forma de governo monárquica com Constituição), entre os seguintes regimes
políticos: a monarquia limitada e a monarquia orleanista (típicas do século XIX) e os
diferentes regimes da monarquia parlamentar (que perdura desde o século XIX até aos
dias de hoje, pelo que nela devemos distinguir as monarquias de governo representativo
liberal e as monarquias de democracia representativa).

3.1.1. Monarquia limitada

É um regime político que compatibiliza de modo muito particular a forma de


governo monárquica com a existência de uma Constituição e que foi dominante no século
XIX em muitos países europeus, como na Alemanha, na França da Restauração, e que, em
certa medida, também se concretizou em Portugal, em 1826.

Trata-se de um regime ainda fundado na legitimidade monárquica, portanto


considerando o Rei como origem e fundamento do poder, mas já de poder mitigado pela
existência de uma Constituição que, todavia, de acordo com os princípios da legitimidade
monárquica, é aprovada pelo monarca. O Rei é ainda considerado origem e fundamento do
poder, mas, aceitou autolimitar-se através da outorga ao Povo de uma Constituição (mais
rigorosamente se deve falar aqui em Carta Constitucional, pois trata-se de um documento
aprovado e dado pelo Rei ao Povo e não ainda um documento de garantia conquistado e
imposto ao monarca por uma Assembleia Constituinte formada por representantes do Povo).
De qualquer forma, a simples existência de uma Constituição, que consagra a existência de
instituições representativas e de uma certa divisão dos poderes, constitui uma limitação
jurídica do exercício do poder real.

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É que, quando aceita limitar o seu próprio poder através da sua sujeição a regras
jurídico-constitucionais previamente estabelecidas, o Rei reconhece a existência de
instituições representativas dos cidadãos e, embora continue a deter um papel determinante,
institui uma certa divisão de poderes. Ou seja, acaba por verificar-se uma dualidade de
poder ou um compromisso entre o Rei e as instituições representativas dos cidadãos: o
executivo continua a ser titulado pelo Rei, mas o legislativo passa agora a ser atribuído a um
Parlamento representativo.

Há, assim, no domínio do exercício de poderes políticos, uma dualidade entre o Rei
titular do Poder executivo e um Parlamento (poder legislativo) parcialmente electivo, em
que o Rei procura conservar a sua posição de factor político central do regime através de um
chamado poder moderador (BENJAMIN CONSTANT), isto é, um conjunto de faculdades
políticas que lhe permitem uma intervenção decisiva no exercício dos restantes poderes.

Nesse mesmo sentido, a prevalência da legitimidade monárquica manifesta-se na


própria estrutura e natureza do parlamento. Em monarquia limitada, tradicionalmente o
Parlamento é composto por duas câmaras, sendo que os poderes da 'câmara baixa' (eleita
pelo Povo) são atenuados pela existência de uma segunda câmara, a 'câmara alta', não-
electiva, com membros nomeados pelo Rei e dele dependendo politicamente.

Portanto, apesar de a existência da Carta Constitucional resultar numa atenuação dos


poderes do Rei, este continua a ser ainda o factor político central da monarquia limitada, na
medida em que, além de deter o poder executivo por direito próprio, o monarca tem uma
influência significativa nos restantes poderes. Fala-se, então, no exercício da parte do Rei do
referido quarto poder (designado por BENJAMIN CONSTANT por poder moderador), através
do qual o Rei, a pretexto de moderar os eventuais excessos dos restantes poderes, estende a
sua influência ao poder legislativo e judicial. Nesse quarto poder se incluem as faculdades
constitucionalmente reconhecidas ao monarca de nomear membros da câmara alta do
Parlamento, de exercer o direito de veto, de poder dissolver a câmara baixa, de nomear e
destituir os juízes.

3.1.2. Monarquia orleanista

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A monarquia orleanista (designação derivada do regime do príncipe Luís Filipe,
duque de Orléans, na França de 1830) é um regime baseado, na sua origem, na existência de
um poder constituinte pactuado entre a legitimidade democrática e a legitimidade
monárquica, com a correspondente dualidade no exercício do poder.

Não há apenas uma dualidade do exercício do poder político (como acontecia na


monarquia limitada), mas o próprio regime nasce de um verdadeiro compromisso ou pacto
celebrado entre a legitimidade monárquica e a legitimidade democrática no próprio
momento constituinte. Ou seja, a Constituição nem é uma Carta Constitucional outorgada
pelo monarca (como acontecia na monarquia limitada), nem é uma Constituição livremente
aprovada pelos representantes do Povo reunidos em Assembleia constituinte (como
acontecerá na monarquia parlamentar): a Constituição da monarquia orleanista é aprovada
por uma Assembleia constituinte popular, mas só entra em vigor se obtiver simultaneamente
a aquiescência efectiva (e não meramente formal, como acontecerá na monarquia
parlamentar) do monarca.

Desta origem dualista e pactuada da Constituição resulta, tendencialmente, uma


estruturação compromissória dos poderes, com o Rei a perder o poder moderador, através
do qual influenciava e manietava os restantes poderes, e as instituições representativas a
surgirem reforçadas, com uma divisão de poderes mais efectiva e com o Governo
politicamente responsável não apenas perante o Rei, mas já também perante um Parlamento
em que o peso da Câmara baixa tende a ser predominante ou exclusivo.

3.1.3. Regimes de monarquia parlamentar

A monarquia parlamentar assenta já exclusivamente na legitimidade democrática (a


Constituição é feita pela assembleia representativa popular, os órgãos que efectivamente
exercem o poder recolhem a sua legitimidade da eleição, o Poder é considerado como
residindo originariamente no Povo), embora sob uma forma de governo monárquica.

A Constituição é exclusivamente aprovada pelos representantes do Povo reunidos em


Assembleia constituinte, ainda que o Rei venha a apor-lhe formalmente uma

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assinatura/promulgação que não reflecte já qualquer partilha real do poder constituinte,
antes significando o reconhecimento da soberania popular por parte de um monarca na
realidade desprovido de poder político.

Com estas características gerais, a monarquia parlamentar vai assumir uma natureza
muito diferenciada consoante se trate de monarquia parlamentar no século XIX ou
monarquia parlamentar da segunda metade do século XX e século XXI. O Reino Unido ou
a Espanha, por exemplo, são hoje monarquias parlamentares, tal como eram no século XIX;
todavia, o regime político (as relações entre governantes e governados, a estrutura do poder,
a natureza das eleições) é substancialmente diferente num caso e noutro, isto é, era um
governo representativo no século XIX e é uma democracia representativa nos dias de hoje.

Por isso, em rigor, a monarquia parlamentar não será um regime político com uma
identidade individualizada, já que tanto pode surgir como governo representativo (não se
distinguindo materialmente, nesse caso, do governo representativo republicano) ou como
democracia representativa.

3.2. Governo representativo

(ver apontamentos da aula de 24 de Outubro)

3.3. Democracia representativa

(ver, novamente, apontamentos da aula de 24 de Outubro)

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