Professional Documents
Culture Documents
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
MARIA MADALENA WÜRTH TEIXEIRA
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Onot, o espírito amigo, ignora por quê —
mas auxilia os terranos!
Sete planetas contornavam Tatlira, a estrela número 221, a 1.012 anos-luz da Terra.
Fazia mais de sessenta anos que nenhuma nave terrana visitava aquele sistema. Porém,
em sua primeira incursão, ajudaram os nativos de seu segundo mundo, o planeta Goszul,
a sacudir o jugo dos mercadores galácticos.
Impossível saber se, depois de todo esse tempo, Tatlira conservava todos seus
planetas, ou se também ali algum cataclismo cósmico varrera os habitantes do sistema
solar da dimensão temporal vigente.
Sobre a mesa de navegação da super-nave de guerra Kublai Khan encontravam-se os
dados referentes a Tatlira; bem diante dos controles do pequeno cérebro positrônico
encarregado de fazer os cálculos para os hipersaltos, um homem ocupava o assento.
Vestia o uniforme verde-pálido do Império Solar, com divisas de coronel. Sobre o
peito, um distintivo bordado a ouro identificava-o como comandante da nave. Esta, com
seu diâmetro de quilômetro e meio, era uma das potentes unidades da classe Império.
O cérebro positrônico zumbia baixinho. Estava iminente o último salto para o
sistema quase esquecido. Dentro de dez minutos... Então seria verificado o que havia de
verdadeiro na velha história.
Não bem uma história, a rigor. Pois a expedição fora devidamente documentada em
som e imagem por um filme rodado em 1.983.
O comandante Marcus Everson guardava nitidamente na memória o momento em
que fora chamado à presença de Perry Rhodan. Com a face carregada de preocupação, o
administrador do Império Solar falara, deprimido:
— Diante de situações difíceis e quase insolúveis, os amigos são os primeiros
lembrados, coronel. A luta contra os druufs exige todos os nossos recursos e esforços;
mesmo assim, o inimigo parece ser superior a nós. Sei de um sistema solar onde alguém
aguarda a oportunidade de nos prestar um favor. Se bem que isso se deu há sessenta anos
atrás...
Sorrindo, o coronel replicou:
— Um bocado de tempo, Sir. Sei lá se nestas seis décadas alguém teria a paciência
de...
— Este amigo teria, caso Harnahan falasse a verdade! — respondera Rhodan,
sorrindo igualmente. — Vou exibir-lhe um filme feito na época, enquanto retornamos na
Stardust-III de Tatlira para a Terra. Com segundas intenções, evidentemente, coronel.
Pois vou encarregá-lo de ir buscar o tal amigo.
— Posso saber de quem se trata, Sir?
Rhodan continuava sorridente. Everson tinha a impressão de viver novamente toda a
cena.
— Um momento!
Com alguns gestos, Rhodan escureceu a pequena peça que lhe servia de escritório
durante a estadia em Mirta VII. Um projetor começou a zumbir. Uma das paredes serviu
de tela.
— As cenas foram tomadas na central de comando da Stardust, com a presença do
sargento Harnahan, de Reginald Bell e eu próprio. Bell só aparece depois. Pronto?
Marcus Everson confirmou, expectante.
A parede adquiriu vida, trazendo o passado para o presente.
Perry Rhodan fitava um homem de traços rudes, porém simpáticos, de pé à sua
frente.
— Fale, sargento! O que foi que encontrou no quarto planeta?
— Numa lua do quarto planeta, Sir — retificou o sargento. — Uma bola, Sir, com
meio metro de diâmetro. Estava ao sopé de um morro, e me chamou, sim, ela me chamou
para perto. Telepaticamente, conforme já falei. Fiquei sabendo que era um ser vivo,
nutrindo-se de energia. Além disso, a bola era capaz de ver a distâncias ilimitadas, e
projetar em sua superfície o que via. Portanto, a bola poderia servir de receptor de
televisão... não se acharia melhor por aí.
— Se ela quiser — comentou Rhodan, cético.
— Mostrou-se amistosa — afirmou Harnahan, convicto. — Senti isso quando falou
comigo, por telepatia, naturalmente. Além disso, ela me salvou quando fui atacado pela
nave dos saltadores. Basta olhar para a tela, Sir. Lá está o quarto planeta...
A projeção tridimensional mostrou a tela. Um ponto luminoso atravessou-a
lentamente e mergulhou nas profundezas do espaço.
— Sua bola...? — indagou Rhodan. — Qual era mesmo o alcance telepático dela?
— Duzentos anos-luz. Pelo menos foi o que ela me disse.
— Curioso. Sempre se considerou ilimitado o alcance da capacidade telepática.
Porém não é o que se tem verificado na prática. Nem mesmo Marshall pode comunicar-se
daqui com a Terra. Imaginem... duzentos anos-luz!
Neste momento, a imagem projetada ficou fixa. Em escrita arcônida, via-se a
explicação: “Transcrição da mensagem telepática do ser-bola!” O texto dizia:
***
Marcus Everson lançou apenas um breve olhar à tira de papel ejetada pelo cérebro
de navegação, passando-a a um oficial que aguardava ordens em silêncio.
— Transição em dez minutos, Tenente Gropp! Encarregue-se da navegação da
Kublai Khan. Sabe como proceder.
— Entendido, coronel! Acenando-lhe brevemente, Everson aprofundou-se nas
instruções escritas recebidas de Rhodan.
A lua na qual a bola se abrigara há sessenta anos tinha o diâmetro aproximado de 80
quilômetros. Sem recursos para calcular com maior precisão, Harnahan dera uma
estimativa.
Porém o quarto planeta de Tatlira possuía cerca de cinqüenta luas, que contornavam
o mundo desabitado, nas órbitas mais desordenadas.
Como é que ele, Everson, ia poder encontrar justamente a lua apropriada?
Além disso, talvez a bola nem estivesse mais na mesma lua, já que revelara a
Harnahan sua intenção de buscar um mundo mais próximo do sol, a fim de reabastecer-se
de energia.
Possibilidade que dificultava a tarefa a cumprir.
Mas a bola era um telepata ativo e, portanto, de certa forma, um hipno. Poderia
transmitir seus pensamentos até a um não-telepata. Rhodan mostrara-se certo de que ela
se manifestaria assim que percebesse as intenções de Everson.
Os derradeiros preparativos foram tomados. A transição decorreu segundo a
programação feita. Quando a aguda dor da rematerialização começou a ceder
paulatinamente, o Coronel Marcus Everson dirigiu sua atenção para as telas.
O sol Tatlira flutuava a poucos minutos-luz de distância. No primeiro momento foi
difícil distinguir os planetas, mas com a ajuda da seção astronômica da Kublai Khan a
dificuldade foi rapidamente superada. O quarto planeta se encontrava por trás do sol.
— Continuamos à velocidade da luz, Gropp — decidiu Everson, por fim. — Passe
próximo ao planeta dois e rume para o quatro. Depois darei novas ordens.
Quando a gigantesca nave de guerra singrava ao longo do planeta Goszul, a central
radiofônica captou algumas frases, indício seguro de que a pequena base terrestre ainda
existia. Portanto o sistema ainda não fora engolfado pela outra dimensão temporal.
Depois o planeta habitado tornou a mergulhar nas profundezas do espaço. O sol se
aproximou, deslizou para o lado da tela e sumiu. À frente, surgiu uma estrela de luz clara.
Crescendo rapidamente, tomou a forma de um globo de brilho opaco: Tatlira-4, o planeta
desabitado.
— Reduzir velocidade! — ordenou Everson.
O Tenente Gropp, agora ocupando o lugar de piloto, efetuou a manobra. A Kublai
Khan diminuiu a marcha.
Tudo correspondia ao relato outrora feito por Harnahan.
O planeta estava cercado por uma “multidão” de luas; de pequenas a diminutas,
traçavam órbitas irregulares em torno dele. Colisões não provocariam o menor dano à
nave, mas mesmo assim Everson mandou diminuir ainda mais a velocidade. Receava
pulverizar casualmente alguma que servisse de paradeiro para a bola.
Prova evidente de quanto menosprezava o misterioso e incompreensível ser.
A Kublai Khan atravessou o pequeno cinturão de asteróides a mil quilômetros por
segundo, até avistar uma lua maior.
Sua superfície acidentada e irregular mostrava extensas cordilheiras e profundos
vales; neles jamais penetrava a luz do sol distante, e nem mesmo seus raios debilmente
refletidos pelo planeta. Everson avaliou o diâmetro em cerca de oitenta quilômetros.
Devia tratar-se da lua mencionada por Harnahan.
Everson determinou uma órbita em torno dela.
Depois começou a concentrar-se.
— Estamos à sua procura, ser de energia! Somos amigos de Harnahan e Perry
Rhodan, lembra? Há sessenta anos, na nossa contagem de tempo, Harnahan o encontrou
nesta lua. Você o socorreu contra os saltadores, e Rhodan lhe deu energia! Caso ainda
esteja aqui, esperando, manifeste-se!
Por diversas vezes Everson repetiu suas tentativas de concentração, porém não
recebia resposta. Conhecedor da missão, o Tenente Gropp mantinha silenciosa
expectativa junto aos controles. Sem tirar os olhos da tela, perscrutava incessantemente a
superfície acidentada da lua que ia passando à sua frente. Em lugar algum viu uma bola.
Everson continuou a pensar:
— Caso se encontre neste sistema, e esteja recebendo minha mensagem, manifeste-
se! Corremos sério perigo, e necessitamos de sua ajuda! Recorda ainda seu 20 primeiro
amigo humano, Harnahan? Ele já está morto há bastante tempo, mas trago-lhe uma
mensagem dele...
Foi com um choque que Everson sentiu a pressão inicialmente leve, e depois mais
forte, sobre o cérebro. Parecia que uma mão imaterial e invisível o pressionava
suavemente.
E depois a voz muda e inorgânica lhe disse:
— Recebi sua mensagem, Everson! Procura-me no lugar errado. Espero-o aqui no
primeiro planeta. A proximidade do sol me forneceu energia. Mas é quente demais para
vocês. Pousem na lua que estão circundando. Estarei lá quando descerem.
Atônito, Everson não conseguiu formular resposta imediata. No íntimo, nutria a
certeza de que as esperanças de Rhodan eram infundadas... e eis que o incrível sucedia.
— Aterrisse naquela lua, ali na planície! — ordenou a Gropp, que executou a ordem
em silêncio. Não queria perturbar seu superior.
— Como pretende vir para cá? — pensou Everson, intensamente.
Porém, desta vez, ficou sem resposta.
A gigantesca nave esférica desceu para a superfície da lua, aterrissando com
suavidade no solo relativamente plano da vasta planície, que se estendia até o horizonte
21 próximo. Do outro lado a visão era barrada por montes abruptos e escarpadas
cordilheiras.
Everson ergueu-se.
— Vou lá para fora — disse, com um olhar indeciso para o armário embutido onde
eram guardadas as armas portáteis. Depois meneou a cabeça e saiu da central sem dizer
mais palavra.
O elevador deixou-o numa das numerosas comportas de ar, onde enfiou às pressas
um traje espacial. Este possuía jatos retro-propulsores, podendo funcionar como uma
espécie de mininave autônoma até no espaço desprovido de gravidade.
A força gravitacional da pequena lua era mínima. De pé na borda da escotilha,
Everson examinou o chão, uns trinta metros abaixo. Apesar de ser ainda dia, reinava
pouca claridade. O sol estava afastado demais para fornecer muita luz.
Sorrindo de leve, Everson soltou-se e flutuou para baixo com a suavidade de uma
pluma. Pelo relatório de Harnahan, sabia que este procedera de maneira idêntica. Poderia
dar saltos de até cento e cinqüenta metros de altura ali, se quisesse. Portanto os jatos do
traje espacial eram supérfluos.
Estava debaixo da imensa esfera, que se erguia acima de sua cabeça como uma
gigantesca montanha de aço arcônida. Alguns poucos saltos deixaram-no a céu
descoberto; sem obstáculo atmosférico, as estrelas cintilavam livremente sobre o mundo
morto.
E, no entanto, repentinamente se deu o impossível!
Uma estrela cadente flamejou no horizonte, aproximando-se com alucinante rapidez.
Depois sua velocidade diminuiu perceptivelmente, e ela descreveu um amplo arco na
direção de Everson.
O coronel assustou-se.
“Em primeiro lugar, em espaço desprovido de ar não pode haver meteoros
incandescentes”, pensou automaticamente. “Além disso, meteoros jamais voam em
curvas. E ele é rápido demais também!”
Porém suas considerações foram abruptamente interrompidas.
O meteoro em brasa se precipitou para perto, freou instantaneamente e pousou sobre
as pedras da planície, a escassos dez metros de Everson.
Era a bola!
Não media mais de um metro, e brilhava em tom negro-azulado à luz das estrelas
distantes. Na superfície polida não se viam emendas, mas a luz refletida parecia pulsar.
Everson não teve muito tempo para pensar no fenômeno.
— Que aconteceu a Harnahan? — vibrou a pergunta em seu cérebro.
O coronel tomou consciência da irrealidade da situação. Encontrava-se numa lua
morta e selvagem. Diante dele estava uma bola que lhe falava. Percebeu repentinamente
que Harnahan devia ter tido os nervos em perfeitas condições. Qualquer outro sofreria
provavelmente um acesso de loucura.
— Foi envolvido com sua nave por uma tempestade cósmica, nos limites da Via
Láctea, vinte anos após aquele encontro. Jamais se soube de detalhes sobre sua morte,
pois não houve sobreviventes. Por consenso geral, supõe-se ter ocorrido falta de energia,
o que levou a nave a perder-se no vácuo existente entre as vias lácteas, totalmente
desarvoradas. Nunca mais houve sinal de vida dele.
Sem refletir, Everson falara em voz alta. Com a vantagem de poder ser ouvido por
Gropp na central, deixando-o a par do que ocorria. Naturalmente Gropp não escutava as
respostas da bola.
— Então Harnahan está morto! Quem sabe eu encontre a nave dele algum dia! Não
teria acontecido, caso eu estivesse atento.
Seguiu-se breve pausa, durante a qual Everson se pôs a calcular a provável distância
do primeiro planeta daquele sistema. Quando chegou a um resultado aproximado, novos
impulsos partiram da bola:
— Quer dizer que os homens não me esqueceram? Perry Rhodan se lembrou de
mim? Ele precisa de ajuda?
— Sim — disse Everson, absorto. Preocupava-se com uma questão intrigante. —
Como é que você veio para cá? O primeiro planeta fica a três anos-luz. Você pode saltar
pelo hiperespaço como nossas naves?
Sentiu algo semelhante a risadas invadir-lhe o cérebro.
— Não salto pelo hiperespaço, Everson; vôo através dele. A diferença é enorme.
Mas agora diga-me por que veio? Porque a Terra precisa de ajuda?
Everson retardou a resposta. Fitava a superfície da bola, porém não via nada
parecido com as afirmações de Harnahan. Não passava de uma superfície escura, que
parecia absorver toda a luz.
Não, agora ela refletia novamente. As pulsações eram irregulares, como se a bola
respirasse.
“Será que respira luz?”, pensou.
Novamente ecoaram risadas na cabeça de Everson.
— Você é ainda mais curioso do que Harnahan, Everson. Gostaria de conhecer,
algum dia, um homem que não fosse curioso. Mas, provavelmente, isto me causaria
tremenda decepção. Um homem desprovido de curiosidade, desinteressado da busca à
verdade, e indiferente à razão de ser das coisas... será que tal homem existe mesmo?
Everson despertou de seu estado de transe. Ignorou a pergunta feita.
— Tenho uma mensagem de Perry Rhodan para lhe transmitir. Refere-se à promessa
feita a Harnahan. Rhodan pede-lhe que vá até ele. Necessita de sua ajuda, senão o
Universo estará perdido. Os druufs atacam.
— Quem são os druufs?
— Não sabemos propriamente quem são eles, apesar de já os termos encontrado.
Vivem em outra dimensão temporal, que se prepara justamente para “raptar” a nossa.
Existem zonas de superposição em vários pontos, pelas quais é possível passar de uma
dimensão à outra sem empecilhos, e sem apelar para recursos técnicos. Os druufs
valeram-se desta circunstância, e lançaram enormes frotas de guerra para nosso Universo,
que planejam conquistar. Revidamos, porém o inimigo é superior.
Depois de uma pausa, a bola emitiu o pensamento:
— Repousei longamente, e ignoro o que tem acontecido. Porém tenho a impressão
de saber quem são os que chama de druufs. Bem, sigo-o a fim de ajudar Rhodan. Onde
está ele?
Everson suspirou de alívio.
— Não aqui nesta nave, porém no sétimo planeta de um sistema solar bem distante,
que denominamos Mirta. Como... como conseguirá entrar na nave conosco?
— Ora, até que eu poderia fazer o trajeto todo sozinho, mas isso me custaria muita
energia, que levaria tempo para tornar a armazenar. Portanto, viajarei na nave junto
com vocês. A fim de não pô-los em perigo, precisam me tratar como um objeto. Não me
locomovo pelos próprios meios, quando pode ser evitado. Vou contrair-me também, para
ocupar menos espaço. Retorne à nave, que eu o seguirei.
Logo depois se passou algo que até aos olhos de Everson, mais do que habituado a
presenciar cenas estranhas, pareceu milagre.
A bola começou a encolher visivelmente. Tornou-se menor e mais negra. Por fim
reduziu-se ao tamanho de uma bola de tênis, porém continuava deitada no chão
pedregoso. Seria impossível adivinhar onde fora parar a massa anterior, mas se estivesse
concentrada naquele diminuto volume, o objeto devia ter-se tornado incrivelmente
pesado.
Conclusão evidentemente errônea, pois a bola subiu de repente, como se não tivesse
peso algum. Alçando-se vagarosamente, parou na altura da face de Everson.
— Processo rotineiro — avisou ela telepaticamente, como de costume. — E meu
peso não aumentou. Energia e tempo são imponderáveis. Que esperamos ainda?
Everson não deu resposta. Deu um passo atrás, e olhou para cima. Com um pulo
oblíquo alcançaria a escotilha de embarque. Caso falhasse, teria que pular de novo.
Acenou para a bola e tomou impulso.
O cálculo fora quase exato — falhou por pouco. Antes de chegar à escotilha, tornou
a afundar para o chão. Olhou ao redor.
A bola preta se alçava lentamente e emparelhou com ele. Continuou a ascensão... e
Everson a seguiu!
Como se uma mão invisível o puxasse para a escotilha, depositando-o no umbral. E
logo, por efeito do campo gravitacional artificial da nave, ele readquiriu o peso natural.
A bola já entrara na câmara de pressão. Suspensa no meio da peça, emitia reflexos
escuros, mas de cores cambiantes.
Everson apertou um botão, fechando a escotilha externa. A câmara foi invadida por
ar, até equilibrar a pressão. Só então a escotilha interna se abriria.
Desembaraçando-se do pesado traje pressurizado, o coronel falou:
— Daqui à central existe uma série de passagens e elevadores. Acha que pode
seguir-me sem perigo?
— Segure-me em sua mão, Everson!
O oficial hesitou. Confiava no estranho e inexplicável ser, certo de que não faria
nada que o prejudicasse. Não obstante, intimidava-se um pouco diante da perspectiva de
segurar na mão nua uma porção de energia ou tempo.
Estendeu o braço com certa relutância, e abriu a mão.
A bola “rolou” no ar e pousou suavemente na palma da mão de Everson. Ele teve a
sensação de tocar algo frio e leve.
— Isso é tudo — emitiu a bola, divertida.
Everson cerrou os dedos sobre a pequena esfera e saiu para o corredor. Percorreu as
passagens da nave como num sonho, acabando por atingir a central. O Tenente Gropp
suspirou aliviado ao ver entrar o superior.
— Graças aos céus, coronel! Achou a bola?
— Está aqui na minha mão — replicou Everson, estendendo o braço na direção do
tenente.
A bola repousava calmamente no côncavo da mão.
— É esta a bola de Harnahan.
Gropp fitou-a, aturdido.
— Isto... isto é...
— Rhodan espera! — ecoou o pensamento urgente nos cérebros dos dois homens.
— Não devemos tardar mais, já se desperdiçou tempo em demasia. Não sei se minha
ajuda será decisiva, mas quero tentar, pelo menos.
Caindo em si, o Tenente Gropp voltou a ocupar-se com o cérebro positrônico, a fim
de calcular os dados para a transição. Everson disse à bola:
— Será que é capaz de ajudar? Rhodan conta firmemente com isso...
— Talvez eu devesse ter dito que espero que aceitem minha ajuda — veio a resposta
meio misteriosa.
2
***
***
***
***
Nas três horas seguintes não houve sinal do retorno de Tommy-1 com o resultado da
decisão dos Sessenta e Seis. Rhodan decidiu-se, então, pela ação.
Gucky ocultou seu dente roedor, traduzindo simbolicamente sua opinião de que a
situação se tornava séria. Pelo menos para ele. Ninguém seria capaz de adivinhar que
atitude Harno tomaria em caso de perigo.
Porém Gucky precisava de Harno, sem o qual nunca conseguiria localizar o alvo
proposto — faltariam os impulsos mentais orientadores.
O rato-castor estendeu a pata direita. Vagarosamente Harno desceu do teto,
pousando na palma aberta. Os dedos de Gucky se cerraram em torno da bola do tamanho
de uma noz.
Rhodan desejou-lhes boa sorte.
— Não se esqueçam de nos dar notícias de vez em quando. Marshall e Lloyd,
postados em locais diversos da nave, vão tentar estabelecer o paradeiro de vocês. Tentem
encontrar nosso amigo!
Só por um segundo viu-se brilhar o dente de Gucky, depois ele se desmaterializou.
Junto com ele sumiu Harno.
Gucky não saltou ao acaso.
Adivinhou que na superfície da cidade veria apenas a paisagem permitida a
estranhos. As instalações importantes dos druufs, assim como seus segredos, se
encontravam escondidos sob o solo. Da mesma forma, o amigo desconhecido que
precisava encontrar. Teleportou-se para o centro da cidade, e foi dar numa praça
retangular, contornada por prédios maciços.
O movimento era escasso.
Lentos e pesados, alguns druufs percorriam as ruas quase desertas; nem prestaram
atenção no diminuto rato-castor, que apressadamente meteu-se num recanto sombreado.
Não se via veículo de espécie alguma. As paredes a pique abaulavam-se para fora à
medida que subiam. Lá no alto havia outra via de trânsito.
“Reservada aos automóveis, provavelmente”, pensou Gucky. “Esta aqui embaixo é
só para pedestres.”
Seu diálogo com Harno baseava-se exclusivamente na telepatia, porém era como se
conversassem de viva voz.
— Bela cidade, Harno. Estou curioso por saber onde fica o próximo bar.
Harno transmitiu uma risada a Gucky.
— Temos outras preocupações, amiguinho. Lá vem um druuf!
Gucky olhou na direção indicada e sobressaltou-se. A menos de vinte metros de
distância, um gigantesco druuf se aproximava a passadas largas e majestosas... e vinha
direto para onde estavam.
— Damos o fora caso a coisa aperte, Harno. Mas gostaria de ver que impressão lhe
causo. Isso facilitará nossa tarefa.
— Para mim é indiferente — replicou Harno. — Posso pôr-me a salvo a qualquer
instante.
— Eu também — disse Gucky, preparando-se para uma fuga imediata. Tinha plena
certeza de poder escapulir sem maiores esforços a um druuf correndo atrás dele; se é que
aqueles colossos eram capazes de correr.
O druuf aproximou-se e estacou ao dar com Gucky. Seus quatro olhos detiveram-se
no estranho ser tão inocentemente recostado contra a parede, observando-o.
Jamais vira um animal daquela espécie!
Seria mesmo um animal?
Os druufs tinham subjugado uma série de outros povos. Havia no reino uma infinita
variedade de seres, e ninguém poderia conhecer todos eles. O extraordinário era dar com
um representante da classe escrava circulando livremente na capital.
— Cuidado! — sinalizou Harno. — Ele pretende pegá-lo!
Gucky reagiu de acordo com a situação.
Preferiria, naturalmente, apelar para suas faculdades telecinéticas, e fazer o druuf
voar pelo ar, mas aquilo chamaria demais a atenção. O mais conveniente era desaparecer.
O druuf se julgaria vítima de uma ilusão de ótica, e esqueceria o incidente.
Concentrou-se, e teleportou para o outro lado da rua.
Durante dez segundos, o druuf ficou com os olhos cravados no lugar onde acabara
de ver o estranho ser; depois seu cérebro se dispôs a analisar o caso. De maneira
estritamente lógica, claro!
Sim, devia ter sido uma ilusão... não havia outra explicação. Pessoa alguma seria
capaz de dissolver-se no ar.
Sacudindo a cabeçorra, prosseguiu seu caminho. De onde estava, Gucky via tudo
claramente.
— Não passam de seres semi-inteligentes — observou baixinho, mas Harno
compreendeu assim mesmo. — Se fossem mais espertos...
— Jamais se deve subestimar o adversário — acautelou Harno. — Captou o
pensamento dele?
— Não! Em que pensava?
— Pensava nas três naves estranhas pousadas no espaçoporto. Por uma fração de
segundo, julgou que você podia ter vindo de uma delas. Como vê, precisamos ser
cautelosos.
Já escurecia, porém nenhuma luz foi acesa. Tudo parecia indicar que os druufs se
recolhiam muito cedo.
— E nosso amigo? — perguntou Gucky. — Pode vê-lo?
— Este local é inseguro demais, Gucky. Temos que achar algum canto onde não
corramos risco de sermos descobertos.
— Que tal as instalações subterrâneas? — sugeriu Gucky, fitando o chão.
Harno não deu resposta. Cresceu de repente, pairando sobre o revestimento de pedra
lisa da rua, à altura de Gucky. A superfície negra se tornou leitosa. Transformara-se
novamente em tela de televisão.
— Não percebo nenhum impulso do desconhecido.
Gucky também não percebia. Ainda recostado na parede, fitou a bola em silêncio.
À sua frente estendia-se a amplidão da praça deserta. Não se via mais um único
druuf. Lá fora, na planície, o sol devia estar se aproximando da linha do horizonte.
Harno mostrava laboratórios imaculadamente limpos, e imensas instalações
técnicas, tudo efusivamente iluminado. Os corredores e ruas cobertos com tetos
abobadados eram infindáveis. Luz em toda a parte, lançando sombras negras. Enquanto
os druufs da superfície se entregavam ao sono, a atividade começava debaixo da terra.
Ou talvez druuf algum se mantivesse na superfície durante a noite...
Bruscamente a tela de Harno escureceu. Gucky estremeceu.
O impulso foi fugaz, porém muito nítido:
— Abandonem Druufon ou estarão perdidos! Os druufs pretendem atraiçoá-los!
Farei novo contato, se puder...
Antes que Gucky pudesse esboçar qualquer tentativa de contato, Harno disse:
— Localizei-o, e sei onde encontrá-lo. Vou mostrar a direção...
Em dez segundos Gucky teleportou-se. Harno se reduzira novamente ao tamanho
primitivo, e foi assim que rematerializou.
***
***
Não que Rhodan esperasse algum proveito da entrevista com o Conselho, mas
concordara em acompanhar o druuf unicamente com a intenção de tentar novo contato
com seu estranho amigo. Além disso, estava curioso por ver a reação dos governantes
druufs diante de suas propostas.
Quando deixaram o espaçoporto e desceram os largos degraus para a rua de
contorno, Rhodan ressentiu-se com a gravidade quase dobrada do planeta. Suportara-a
melhor nos minutos iniciais. Uma onda de aborrecimento o invadiu por ter esquecido de
vestir seu traje especial, que permitiria neutralizar a diferença.
Numa via próxima do espaçoporto, um veículo os aguardava. Tinha forma de
torpedo, e uma única porta. O druuf apertou um botão oculto, e ela abriu, revelando um
amplo assento, suficiente para acomodar lado a lado pelo menos três druufs.
Sentiu-se infinitamente pequeno e desamparado ao escorregar para o banco, que mal
e mal cedeu ao peso de seu corpo. O estofamento estava habituado a suportar cargas bem
maiores.
O druuf embarcou e fechou a porta. Nova pressão num botão do painel, e o veículo
se pôs em movimento. Era teleguiado, controlado certamente por alguma central técnica
no coração da cidade.
Tudo correspondia à descrição feita por Gucky. As ruas vazias, sem movimento.
Muito raramente Rhodan avistava algum druuf, avançando a passos lerdos e pesados ao
lado das paredes a pique, buscando algum rumo ignorado. O carro disparou em
velocidade relativamente elevada pelas ruas desertas; depois subiu por um plano
inclinado.
Do alto, Rhodan contemplou o imenso complexo formado pelo espaçoporto.
Centenas de naves estacionavam na orla, prontas para decolar. Pequenos tratores
transportavam armas, munições e equipamento. Em algum ponto, à luz crepuscular do sol
gêmeo, marchava uma coluna de druufs. Os movimentos lerdos e arrastados causavam
impressão irreal e fantástica, como que projetados em câmara lenta.
A cidade se distanciava cada vez mais, e o carro alcançou a via superior. Ali o
trânsito era mais intenso, mas não chegava a atrapalhar. O telecontrole automático
funcionava com perfeição.
O veículo disparou velozmente em direção de um prédio em formato de cúpula,
situado aproximadamente no centro da cidade. Um desvio da rua principal conduzia
direto para lá. Sem que se visse druuf algum, um largo portão se abriu, e o carro entrou.
Imediatamente o portão voltou à posição inicial.
A luz do dia não penetrava ali dentro. Porém, a cúpula inteira emitia radiante
luminosidade.
— Alô, Gucky, Marshall! Que tal o contato? — emitiu Rhodan.
Caso tivesse ido parar, como Gucky anteriormente, dentro de um campo defensivo,
a situação se tornaria crítica. Como é que Gucky o encontraria neste caso?
Porém a resposta foi imediata:
— Contato ótimo! Aguardamos a ordem!
— Desnecessária por enquanto! — replicou Rhodan, voltando novamente a atenção
para o que se passava a sua volta.
O carro deteve-se no meio da arena circular, com cerca de cem metros de diâmetro.
Um muro de três metros de altura cercava-a. Rhodan sentiu-se tal e qual um antigo
gladiador romano, lutando pela vida no circo. As descomunais arquibancadas reforçavam
essa impressão. Erguiam-se até o teto, a cinqüenta metros do chão.
Com um gesto, o druuf mandou-o sair do veículo. Rhodan ligou a máquina tradutora
e indagou:
— Que significa isso? Julguei que seria apresentado ao Conselho, a fim de discutir o
acordo.
— Espere aqui até que o Conselho compareça. Encontra-se no grande salão do
Conselho.
“Outras terras, outras maneiras...”, pensou Rhodan, resignado, desembarcando.
O druuf voltou a ocupar seu lugar, e o carro se afastou. Rhodan viu-se só e
abandonado no meio da arena, como um lutador já vencido.
— Já posso ir? — perguntou Gucky, que acompanhava tudo mentalmente. —
Podíamos organizar um belo espetáculo circense, obrigando esses caras a executar
alguns saltos-mortais!
— Não há ninguém por aqui para executar saltos-mortais — respondeu Rhodan. —
Fique onde está e aguarde meu chamado!
A luz forte incomodava Rhodan. Ofuscado e irritado, olhou para cima, constatando
que uma porta se abria junto ao teto, perto da última fila de arquibancadas. Deixou passar,
um após outro, uma fila de compenetrados e vagarosos druufs, que se postaram em torno
da arena. Evidentemente o povo era às vezes admitido às reuniões, mas hoje a sessão
seria exclusivamente para o Conselho interno dos Sessenta e Seis. Os dirigentes
druufinianos tomaram lugar na fila mais elevada. Ficavam pelo menos a setenta metros
de Rhodan; semicego com a intensidade das luzes, este os via como que envoltos em
sombras protetoras.
Os olhos dos chefes druufs pousaram contemplativamente sobre o minúsculo
terrano que ousava vir apresentar-lhes sugestões. Forçado a ficar de pé no meio daquela
arena, e tendo que olhar para cima, Rhodan sentiu-se completamente desamparado.
Diante do sistema de comunicação sem fio dos druufs, a distância era irrelevante.
Além disso, os “Tommys” possuíam equipamento próprio de tradução, que foi ligado com
o de Rhodan. Desta forma, a conversação não se tornava difícil.
— Você é o terrano que comanda as três naves estranhas? — foi a primeira pergunta
emitida pelo alto-falante dos tradutores. — Veio pedir-nos ajuda contra seu inimigo?
Intimamente, Rhodan achou graça naquela maneira atrevida de formular a questão, e
bem que gostaria de pôr as coisas nos devidos lugares. Porém precisava controlar-se. Por
enquanto, de certo modo, os druufs ainda eram mais poderosos do que os terranos. E mais
poderosos do que as frotas de Árcon, talvez...
— Unidos poderíamos derrotá-lo — respondeu.
— De que armas você dispõe?
A pergunta devia ter vindo de outro druuf, apesar de ser difícil perceber entonação
diferente através da voz mecânica do tradutor.
— Eu poderia fazer-vos a mesma pergunta.
Por alguns segundos reinou silêncio. Em vão Rhodan tentou nova comunicação com
o amigo desconhecido durante o intervalo. Não obteve resposta.
— Você está em nosso poder, terrano!
Mais primitivo era impossível... No íntimo, Rhodan esperara maneira de agir bem
mais inteligente.
Por que os druufs deixavam cair a máscara tão depressa?
Faltar-lhes-ia tempo?
Rhodan percebeu repentinamente que não poderia haver outra explicação para
aquela maneira pouco diplomática de levar as conversações. Para os druufs, o tempo
urgia. Cada segundo contava.
Algo devia ter acontecido!
Mas o quê?
— Enganam-se, druufs! Não estou no poder de vocês! Indagaram acerca de nossas
armas. Pois bem, vou exibir uma delas imediatamente. Sabem tornar a matéria invisível?
— Não podemos nos desviar do assunto agora! — gritou um dos druufs. — Vamos
aprisioná-lo e assim forçar seus homens a nos entregar as naves. Depois travaremos
conhecimento com suas armas. Talvez se ache entre elas a “porta” para outra dimensão
temporal.
Bruscamente Rhodan percebeu o que eles queriam: o gerador de campo de refração.
Deviam suspeitar que os terranos o possuíam. Mas teriam realmente certeza? Bem que
gostariam de apossar-se do segredo da janela de tempo!
— Perry Rhodan! É tarde demais!
O impulso mental dominou claramente a mente de Rhodan, excluindo totalmente o
som das palavras ditas pela máquina tradutora. E pouco importava naquele instante o que
os druufs tinham a dizer. O contato com o ajudante desconhecido fora restabelecido.
— Preciso falar com você! — emitiu Rhodan, intensamente.
— Ponha-se a salvo junto com suas naves, caso ainda possa! As naves-robôs de
Árcon atacam! Irromperam em quantidades inimagináveis através da grande brecha, e
avançam para Druufon. Dentro de uma hora será desencadeada a mais gigantesca
batalha espacial, e as naves dos druufs já estão levantando vôo...
O impulso enfraqueceu aos poucos.
— Posso levar você comigo, Oscar-1?
Novos impulsos, vacilantes e débeis:
— Chame-me de Onot, Perry! Esse é meu nome espiritual! Procure-me quando
regressar!
Depois a comunicação cessou definitivamente. O verdadeiro druuf devia ter
reconquistado o domínio de sua mente. Rhodan sabia que seria inútil esperar novas
mensagens.
As derradeiras e inúteis palavras dos druufs ecoaram em seus ouvidos. Nem sabia o
que tinham dito, porém constatou o efeito da fala.
Em torno dele abriram-se portas até então ocultas nas paredes da arena. Pelo menos
vinte musculosos druufs avançaram em sua direção, levando nas mãos instrumentos de
aparência ameaçadora. Pareciam armas e algemas de aço.
“Então é assim que esses ‘monstros’ tratam seus aliados?”, pensou Perry.
Agarrou nervosamente a máquina tradutora.
— Gucky!
O primeiro “monstro” estava apenas a dez passos quando Gucky materializou-se. O
reluzente dente roedor denotava-lhe a evidente intenção: dar uma lição de mestre aos
druufs.
Porém Rhodan estragou a brincadeira. Não podiam desperdiçar um único segundo!
— Fora daqui, Gucky! Imediatamente!
Os sessenta e seis governantes da assustadora raça e os vinte carrascos postados na
arena haviam visto o inexplicável aparecimento do pequenino ser. Mas antes que
pudessem compreender o fato, viram o prisioneiro desaparecer diante de seus olhos.
Os possantes holofotes iluminavam um ponto vazio na arena.
6
***
***
***
Rhodan colocou a mão sobre determinado ponto da grade, e a porta abriu sozinha. O
Tenente Stepan Potkin veio ao encontro de Rhodan, marcialmente perfilado.
— Bem-vindo a Hades, Sir! Apesar de estar aqui há pouco tempo, posso garantir-lhe
que se trata de um mundo verdadeiramente “infernal”. Espero que não pretenda passar
suas férias nele.
A fisionomia de Rhodan permaneceu séria.
— Não é hora de pensar em férias, tenente. O sistema dos druufs está sendo cenário
de uma tremenda batalha espacial. Árcon resolveu atacar os druufs em sua terra natal.
— Desculpe, Sir, eu não sabia...! — disse Potkin, consternado.
— Pois é por isso que estou lhe dizendo — replicou Rhodan. — Tem contato com a
Califórnia?
— Acaba de pedir permissão para aterrissar. Dei ordens de preparar a comporta de
ar subterrânea.
— Muito bem, tenente — olhou em torno, com ar interrogativo. — Aliás, Gucky já
chegou?
Potkin não conseguiu disfarçar o riso.
— Sim, chegou, Sir! Mas parece ter errado surpreendentemente os cálculos para o
salto; não desceu na central de comando da base, conforme era de esperar, e sim no
depósito de gêneros, bem no meio das verduras frescas congeladas.
— Comilão! — a expressão escapou involuntariamente da boca de Bell, que logo
olhou em torno, receoso.
Gucky detestava ser chamado de comilão. A vingança se manifestava, em geral, sob
a forma de um involuntário giro aéreo, sustentado pela força telecinética do rato-castor.
Porém Gucky manifestou disposição pacífica. Limitou-se a materializar-se por trás
de Bell, e espetar-lhe um dedo nas costas.
— Melhor calar o bico, invejoso. Para mostrar que não sou mesquinho, tome uma
pra você!
E enfiou uma cenoura semi-roída na mão do atônito Bell.
Harno aproximou-se flutuando, e aumentou rapidamente de volume. Sua superfície
passava a ser mais uma vez uma tela branca e leitosa.
— Chegou nova esquadrilha do regente-robô para entrar na luta.
Rhodan contentou-se com um breve olhar à cena mostrada por Harno, e comentou
calmamente:
— O regente ainda constatará bastante cedo que subestimou o adversário. Quase
incorremos no mesmo erro. Pois bem, que perca também estas naves. Creio que depois
estará disposto a negociar.
Mordiscando obedientemente sua cenoura, Bell disse, mastigando:
— E não sem tempo! Os druufs começam a dar-me arrepios!
Rhodan voltou-se para ele, dizendo:
— Você, Gucky e Harno irão comigo. Faremos uma segunda incursão a Druufon, a
bordo da Califórnia. Quero tentar resgatar Onot.
Bell abriu a boca e fechou-a sem comentário algum.
Gucky, pelo contrário, piou:
— Oba, formidável!
E mais não tinha a dizer sobre o assunto.
***
***
***
Através uma barragem de fogo, a nave disparou à velocidade da luz, deixando para
trás os espantados druufs e as esquadrilhas atacantes do regente-robô.
Dentro de pouco, Druufon não passava mais de uma pequena estrela.
Rhodan olhou para a tela.
— Receio que não seja a última vez que vemos Druufon. Nossa tarefa está apenas
começando.
Instruiu o Capitão Rous:
— Volte para Hades. Demoraremos lá algum tempo, e depois seguimos para Mirta
VII. Gostaria de presenciar daqui o desenrolar da batalha.
— E Onot? Que faremos com ele? — perguntou Bell.
Rhodan respondeu, indeciso:
— Viu-o dizer que fez uma descoberta, não foi? Talvez saiba agora, graças a Gucky,
como dominar a mente do corpo em que se hospeda. Ainda não sei por que ele preferiu
não vir conosco. Por consideração, talvez, pois neste caso teria que apossar-se do corpo
de algum terrano.
Bell observou, pensativo:
— Dizem que possuo boa memória, Perry. Se isto é exato, permita-me retornar a
uma observação que fez há pouco.
— Ah, é? — fez Rhodan, sorrindo maliciosamente.
— Ora, não me venha com evasivas — reclamou Bell. — Você deu a entender que
adivinhava a verdadeira identidade do tal de Onot.
Rhodan bloqueou instantaneamente os pensamentos, antes que Gucky ou Harno
tivessem oportunidade de tomar conhecimento do enigma, que, afinal, talvez não fosse
segredo algum. Sempre sorridente, replicou, ocultando o verdadeiro modo de pensar:
— Ah, isso...! Esqueça, Bell. É uma hipótese maluca, sem relação alguma com o
momento presente. Deixemos o passado em paz até que se transforme em presente.
Bell sacudiu a cabeça.
— Fala através de charadas, grande mestre! Quem é que pode entender?
— Você, quem sabe...! — disse Rhodan, rindo. — Só que lhe falta imaginação para
tirar determinadas conclusões, meu caro. E é o que não me falta!
Voltou-se para a tela.
O Capitão Rous desviou-se habilmente de um pequeno grupo de druufs, e realizou
uma curta transição, que os levou até a proximidade de Hades. Até então, o 13 o planeta do
sistema tinha escapado à atenção dos druufs. Ninguém suspeitava que Rhodan construíra
nele uma base que bem poderia vir a ser algum dia o ponto de partida de uma invasão em
massa.
A Califórnia entrou em contato radiofônico com Hades, recebendo a informação de
que tudo estava preparado para o pouso.
Rhodan não protestou quando Gucky teleportou-se para o planeta já próximo com
Harno.
O Capitão Rous veio arrancá-lo do devaneio.
— Fera Cinzenta no hiper-rádio, Sir. Um comunicado.
— Passe para cá.
Rous estendeu a Rhodan a tira de plástico com a mensagem gravada. Rhodan leu em
voz alta:
***
**
*