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O UNIVERSO VERMELHO
Autor
K. H. SCHEER
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Sua arma é a velocidade — A cavalgada
do cruzador rápido Califórnia...
Eram ativos como as abelhas e obstinados como um lobo faminto, que se encontra
na pista de um alce.
Trabalhavam assiduamente, sem demonstrar um fervor excessivo. Os movimentos
eram precisos, os cálculos exatos, e cada um sabia de cor onde devia pôr a mão.
Faziam seu trabalho numa excelente disposição de ânimo que, por si só, removia as
dificuldades e levava as relações entre os cientistas, oficiais e tripulantes a um nível
excelente de descontração. O observador estranho poderia até ser levado a acreditar que
se tratava de uma grande família.
Era um amontoado, uma atividade febril, um retumbar, martelar e chiar que só se via
e ouvia num dos grandes estaleiros espaciais.
Fiquei profundamente impressionado.
Há uma hora o engenheiro-chefe do estaleiro XIV me pedira encarecidamente que
abandonasse a cúpula polar superior do novo supercouraçado espacial, a nave Kublai
Khan, uma vez que perturbava o serviço de seus colaboradores.
Um tanto irritado, saí do recinto. Afinal, havia sido eu quem refletira por dias a fio
sobre a melhor maneira de retirar o transmissor fictício do velho couraçado Ganymed e
instalá-lo no posto de armamentos da Kublai Khan.
Mas quando cheguei à pequena comporta de passageiros, situada mil e duzentos
metros abaixo da cúpula, meus ressentimentos já se haviam dissipado.
Uma coisa não se poderia negar a esses bárbaros: eram honestos! Era acostumado a
submeter meus atos e sentimentos a uma rigorosa autocrítica e, por isso, constatei depois
de alguma reflexão que realmente perturbara o trabalho dos homens no estaleiro.
O cientista foi feito para indicar determinada rota ao especialista. Um vez
concluídos meus estudos, minha presença se tornara dispensável. Os engenheiros da
equipe de Michels não precisavam de conselhos para prender o transmissor em suas bases
e montar as instalações de força.
E foi assim que ainda estava sentado na mesma caixa de plástico, que trinta minutos
antes escolhera para descansar.
Dali via perfeitamente os flancos abaulados do gigante esférico de mil e quinhentos
metros de diâmetro, ao qual fora dado o nome Kublai Khan. Ao que parecia, Perry
Rhodan fazia uma ótima idéia do grande chefe mongol, que chegara a criar um império
mundial.
Com um sorriso no rosto, deixei que meus pensamentos vagassem pelo passado.
Conhecera muito bem o tal do Khan, mas Rhodan não sabia disso. Naquela época nem
sonhara com a possibilidade de que um dia ajudaria a equipar uma gigantesca nave que
traria seu nome.
Por certo, os terranos estavam muito ligados à sua história. Se dependesse dos
homens que trabalhavam no estaleiro, teria de reuni-los ao menos quatro vezes por
semana para contar histórias de minha longa vida. Mas nem pensava em aceder a esse
desejo, pois não me esquecera dos sofrimentos que nessas oportunidades me eram
impostos por meu segundo cérebro. Assim que o setor de memória funcionasse a plena
potência, o fluxo normal dos meus processos normais estaria interrompido.
O ativador celular demonstrou sua presença por uma pulsação quase imperceptível.
Um tanto surpreso, franzi a testa. Esse aparelho misterioso, do tamanho de um ovo,
começava a funcionar quando meus tecidos celulares precisavam de certos estímulos.
Estava apenas esgotado? Ou será que, mais uma vez, meu organismo passava por um
processo que os biólogos terranos identificariam pela expressão “regeneração tempestiva
de células que já deviam estar mortas?”
Era provável que jamais conseguiria decifrar o mistério do micro-ativador, que há
uns dez mil anos me conservava a juventude e o vigor. O único ser, que poderia
esclarecer-me a esse respeito, estava “desaparecido” desde o momento em que ocorrera o
desastre com o planeta artificial Peregrino.
Aquilo acreditara poder descansar por um instante de sua dimensão temporal. Eu
tinha uma idéia bem nítida daquilo que uma inteligência imaterial deveria entender por
um instante. Talvez esse instante demorasse mais de cinqüenta anos!...
A coluna de apoio mais próxima da Kublai Khan ficava a uns cem metros de
distância. Aquela construção gigantesca, com o diâmetro de uma torre, obstruía a visão
para o abismo tenebroso que se abria embaixo da calota polar. Homens e materiais
desapareciam em quantidades inacreditáveis por lá.
Provavelmente haviam passado pela mesma experiência que eu. Deveriam ter
levado semanas ou até meses para vencer a claustrofobia. Afinal, não era nenhuma
brincadeira ter alguns milhões de toneladas de aço de Árcon bem em cima da cabeça da
gente. Bastaria que uma das colunas de apoio vergasse, ou afundasse no solo de concreto,
para que houvesse um acidente de conseqüências gravíssimas.
Assustei-me ao ver subitamente uma sombra. Alguém se aproximara por trás. No
último instante, o setor lógico de minha mente me avisou de que por aqui não havia
inimigos ou atacantes. Meu corpo retesado descontraiu-se.
— Olá! — disse com uma lentidão proposital. — Será que viu um fantasma? A
gente não deve aproximar-se que nem um felino de uma pessoa nervosa.
Virei a cabeça.
O engenheiro Michels, chefe do estaleiro XIV, soltou uma estrondosa gargalhada.
Seu cabelo louro-claro saía sob o boné, e o macacão dava a impressão de ter sido posto
de molho num recipiente com óleo queimado.
Fungou ao levantar o pé e colocá-lo sobre a caixa de plástico alongada. Enxugou o
suor que lhe corria pela testa.
— Que vida de cachorro, não é? — observou. — Querem que a gente faça tanta
coisa.
— É verdade — respondi ao acaso.
Estava tramando alguma coisa; eu sentia. Às vezes, esses terranos desenvolviam um
senso de humor capaz de levar um arcônida à beira da loucura. E essa característica
sempre me surpreendia, embora já vivesse há tanto tempo entre os homens.
Mais cinco aproximaram-se. Atrás deles, uma plataforma antigravitacional de carga
planou silenciosamente. Um deles dirigia o veículo com gestos descuidados. Mantinha o
pequeno aparelho de teledireção na mão como se fosse um brinquedo.
Assim que me viram, os recém-chegados começaram a rir, como que a um
comando. Com um leve mal-estar perguntei-me qual poderia ser o motivo de tamanha
alegria. Mais uma vez, lamentei não ser um telepata.
Michels estava de pé a meu lado e me proporcionava uma sombra agradável. Faltava
pouco para o meio-dia. O céu azul e límpido do antigo deserto de Gobi estendia-se acima
de minha cabeça.
Do lugar em que me encontrava, não via os arranha-céus da cidade de Terrânia. A
silhueta da Kublai Khan era imensa e enchia todo o campo de visão.
— Que coisa! — disse um tenente muito jovem do Serviço de Segurança.
Era um dos cinco membros do comando de transporte.
Fitei-o prolongadamente e comecei a bater nervosamente com as solas grossas das
botas contra a caixa de plástico. Depois de algum tempo, Michels disse em voz baixa:
— Almirante, o senhor permite que o informe de que está sentado bem em cima do
detonador de uma bomba catalítica de quinhentos megatons? Se Sua Excelência quisesse
ter a bondade de abandonar esse local tão perigoso para o descanso...
Quando dei conta de mim, já estava correndo. Ouvi as gargalhadas estrondosas dos
homens atrás de mim. Essa gente nem parecia ter nervos!
Agora já compreendia por que aqueles oficiais armados me olharam de forma tão
estranha, quando pouco antes sentei naquela maldita caixa. E esses rapazes nem
pensaram em avisar-me de que estava cometendo um engano apavorante. Ainda cabia
outra consideração. Como é que se coloca um recipiente de plástico com um conteúdo tão
perigoso em um ponto qualquer do estaleiro?
“É a fase final do aprovisionamento, seu idiota!”, foi a mensagem lacônica
transmitida por meu segundo cérebro.
De qualquer maneira só parei de correr quando aquela gente maluca não me via
mais. Ofegante, encostei-me contra o quadro de comando de um aparelho robotizado de
controle de material, que fazia mais uma verificação de todas as mercadorias entregues, a
fim de detectar eventuais erros de fabricação.
Dali a poucos instantes, fui expulso mais uma vez. Cheguei à conclusão de que o
estaleiro realmente não era meu lugar. Só vira uma aglomeração como esta durante a
grande guerra, há dez mil anos. Naquela época, meu povo lutava pela sobrevivência das
raças humanóides. O inimigo encarniçado foram os respiradores de metano do setor das
nebulosas da Via Láctea.
Isso já fazia muito tempo. Hoje, os problemas eram outros. Mais uma vez, a Galáxia
estava tumultuada, mas desta vez não se tratava de nenhum ataque de seres que
respiravam gases venenosos. Os seres vindos de outra dimensão temporal foram
designados por algum tempo como os uuns. Além de Rhodan, pouca gente conhecia a
origem desse nome. Certos animais encontrados assim que se penetrou pela primeira vez
na outra dimensão temporal emitiram sons abafados que soavam como “uum”.
No mesmo momento, um tenente leviano da Frota Solar teve a denominação na
ponta da língua. Neste ponto os humanos costumavam ser muito rápidos. Mais tarde, por
intermédio de um robô aprisionado, ficamos informados que os verdadeiros donos da
outra dimensão eram os druufs.
Estava sacudindo os últimos resquícios de contrariedade e pretendia chamar meu
carro voador, quando o pequeno videofone de pulso emitiu o sinal de chamada.
O General Deringhouse — um dos colaboradores mais antigos de Rhodan, que se
conservara jovem em virtude da ducha celular aplicada no planeta Peregrino — surgiu na
minúscula tela. Em seu rosto notava-se uma estranha indiferença.
— Mensagem do chefe, Sir — disse em tom lacônico. — Poderia comparecer
imediatamente ao quartel-general do Serviço de Defesa? Pode? O.K. Muito obrigado.
Perplexo, fitei a tela que se apagava. Deringhouse desligara imediatamente. Fora um
convite muito estranho.
Sabia que Rhodan se encontrava no sistema de Mirta, com grandes contingentes da
frota solar. Nos últimos dez meses, uma base da frota solar fora instalada no planeta Fera
Cinzenta, que era o sétimo mundo do sistema que girava em torno do sol distante.
Sabíamos perfeitamente que, dentro em breve, ocorreria uma invasão temporal dos
druufs nas proximidades dessa estrela, mas desta vez não pretendíamos aguardar de
braços cruzados até que o desastre chegasse.
Já sabia muito bem qual era o aspecto dos mundos despovoados da Via Láctea...
Neles acontecera aquilo que já vira dez mil anos antes, quando exercia as funções de
comandante de uma esquadrilha arcônida.
Dali a dez minutos, meu veículo pousou na cobertura do grande edifício. Um
robusto oficial com cabelos louros cortados à escovinha e olhos azuis e francos me foi
apresentado após a conferência. Durante esta, os dirigentes do Império Solar me
informaram em palavras lacônicas que, nas proximidades do sistema de Marte, foram
avistadas gigantescas zonas de superposição.
O homem, que acabara de conhecer, era um coronel chamado Marcus Everson. Um
olhar para os distintivos deixou-me ciente de que tinha diante de mim experimentado
oficial das forças espaciais, consagrado em inúmeras missões.
— Muito prazer, almirante — disse Everson.
— Neste momento, o Coronel Everson é investido no comando da Kublai Khan —
disse Deringhouse em tom apressado. — Peça que Marcus lhe conte o que aconteceu
durante o vôo de regresso do planeta Epan. E olhe que sua tarefa consistia unicamente em
trazer o agente cósmico Goldstein.
Everson sorriu.
— Por pouco um homem que usava o nome de Mataal e alegava ser um nativo do
planeta Epan não se apodera de minha nave. Conhece alguma raça galáctica cujos
membros se pareçam com grandes morcegos? São dotados da capacidade de realizar o
reagrupamento das moléculas. Esse nosso “amigo” conseguiu pôr fora de ação um por
um dos meus tripulantes. Mas acabou cometendo um erro fatal. Acho que é só isto...
Everson fez um suspense, mas manteve-se calado. Parecia pensativo. Imaginei
perfeitamente o que deveria ter acontecido a bordo da pequena nave.
— Michels comunica que a instalação do transmissor fictício já foi concluída —
disse Deringhouse. — Pedimos-lhe que decole imediatamente com a Kublai Khan. Neste
momento, a nave está sendo levada para fora do estaleiro. Acho que ficará satisfeito com
Everson no comando, Atlan. Conhece nossos supergigantes.
Bastou lançar-lhe um olhar para convencer-me em definitivo de que ficaria
satisfeito. Everson acompanhara a ascenção da antiga Terceira Potência, dirigida por
Perry Rhodan. Naquele tempo, eu ainda era de opinião que deveria fazer alguma coisa
para dar uma lição à Humanidade.
Os tempos estavam mudados. Os três mundos de Árcon, onde ficava minha distante
terra natal, estavam sendo governados por um supercomputador, cuja programação
evidentemente não era adequada ao exercício de uma política galáctica racional e
humana.
Dali a alguns minutos, quando conversava com o coronel sobre as possibilidades de
utilização da Kublai Khan, recebemos uma mensagem de rádio vinda das profundezas da
Via Láctea. O impulso condensado e codificado vinha do setor de Mirta, situado a 6.562
anos-luz da Terra.
Assim que a mensagem foi decifrada, vi Deringhouse empalidecer. Estendeu-me a
fita de plástico sem dizer uma palavra e com uma expressão de insegurança no rosto.
Ocorreu caso Potomaque. Estado de emergência a partir de 1 o de agosto de 2.043, 24
horas. Leis de exceção em vigor a partir de hoje. Impedir decolagem frota mercante,
segundo instrução A-3, até segunda ordem. Atlan voltará à base. Ass. Rhodan, chefe da
Frota Espacial e Administrador do Império Solar.
Levei alguns segundos para digerir a informação. Então chegara a hora! Nossos
cálculos estatísticos sobre o grau de probabilidade de superposição total no sistema de
Mirta revelaram-se corretos.
Coloquei a fita de plástico sobre a mesa e fitei um por um os oficiais presentes. As
leis de exceção trariam certas conseqüências desagradáveis para os habitantes do planeta
Terra. Ainda haveria numerosas indagações, que, por questões de sigilo oficial, não
poderiam obter respostas verídicas.
Em meio a tais reflexões, disse lentamente:
— Então é o caso Potomaque? Isso significa que as frentes se estabilizam. Senhores,
torna-se necessário que tomem certas providências destinadas a evitar que, em amplos
círculos da população, passem a ser considerados como instrumentos dóceis de um
grande ditador. Divirta-se, Deringhouse!
Deringhouse olhou-me com certa insegurança, mas logo voltou a controlar-se.
— Conseguiremos — disse com a voz tranqüila. — Isso já era esperado. Faça o
favor de decolar imediatamente, almirante. No sistema de Mirta, precisarão mais do
senhor do que em Terrânia. Por aqui saberemos manejar as coisas.
Dali a vinte minutos, desci do meu planador aéreo. As paredes gigantescas do
supercouraçado ergueram-se à minha frente. A Kublai Khan estava pronta para decolar.
O imediato do gigante espacial apresentou-se na comporta inferior. Fui recebido
com o cerimonial pomposo, introduzido a pedido de Rhodan. Talvez isso não fosse tão
errado, pois ajudava a disciplina. Na antiga frota arcônida, vigoravam disposições
semelhantes.
Observei atentamente as unidades completamente equipadas da esquadrilha de
defesa interplanetária, que se encontravam sob o comando do próprio Deringhouse. Entre
as naves que permaneceriam por ali, para defender o sistema solar, encontravam-se as
mais velhas das supergigantes, a Titan e a General Pounder. Além disso, havia numerosos
cruzadores da classe Sol e várias unidades leves e pesadas das novas séries. O que a Terra
conseguira criar no espaço relativamente curto de setenta anos não podia ser desprezado.
Ouvi o ruído surdo de alguns cruzadores da classe Estado que decolavam. Antes que
fôssemos atingidos pelas ondas cálidas de compressão, já me encontrava no elevador
antigravitacional da comporta inferior. Acima de minha cabeça, abriu-se o ventre da
Kublai Khan, um veículo espacial dotado das conquistas mais recentes da tecnologia.
Marcus Everson, o comandante, fez continência, encostando a mão ao boné de
serviço. Na grande sala de comando da supernave reinava a atmosfera excitante, formada
por uma atividade aparentemente inútil, que me fascinava toda vez que penetrava ali.
As informações vindas da sala de máquinas sucederam-se em rápida seqüência.
Bem abaixo de nós, os reatores monstruosos das numerosas unidades energéticas
começaram a rumorejar. Era um ruído capaz de agitar todos os nervos de um homem da
minha estatura mental.
Fascinado, fitei as grandes telas da galeria panorâmica. Por enquanto as instalações
do maior espaçoporto terrano brilhavam nas superfícies tridimensionais, mas, instantes
depois, o quadro modificou-se por completo.
O único sinal da decolagem da Kublai Khan era o trovejar potente das unidades
propulsoras, que funcionavam a dois por cento de sua potência máxima. O empuxo foi
suficiente para fazer a esfera de mil e quinhentos metros de diâmetro penetrar no céu azul
do meio-dia.
Sabia que no espaçoporto todos se haviam abrigado. As ondas de compressão
produzidas pelas grandes naves tinham uma triste fama, muito embora todo comandante
fosse bastante cauteloso para levantar vôo com o mínimo possível de potência. E com
uma nave do tamanho da Kublai Khan, tal cautela teria de ser redobrada. Por isso mesmo,
os supercouraçados costumavam decolar sempre das pistas mais afastadas.
Os gigantescos mecanismos de absorção de pressão neutralizaram as tremendas
energias geradas pela força da inércia. Nem sequer senti os efeitos da lei natural que
quase causara a morte de Perry Rhodan, por ocasião do primeiro vôo tripulado à Lua.
Apoiada sobre colunas de impulso, a gigantesca bola de aço corria, leve e facilmente, em
direção a seu elemento: o espaço livre.
Suspirei aliviado e recostei-me na poltrona articulada.
Então chegara a hora! Os seres que destruíram minha esquadrilha, dez mil anos
atrás, receberiam uma amarga lição.
Minha luta não fora em vão. Durante a ligeira seqüência de idéias, meu setor de
memória começou a funcionar imediatamente. Até parecia que meu segundo cérebro
apenas esperava um impulso da parte consciente de minha mente, para dar início a mais
uma dolorosa narração.
Com um tremendo esforço, procurei vencer a crise que se iniciava. No momento
seria um absurdo relatar coisas que se haviam passado há tanto tempo. O velho Império
Arcônida deixara de existir na sua forma originária. Minhas energias pertenciam aos
habitantes da Terra, daquela mesma Terra que ainda chegara a conhecer sob outra
conformação geológica.
O rugido dos dezoito conjuntos propulsores cresceu. Depois de cruzar a órbita da
Lua, a Kublai Khan aumentou a velocidade. Mais uma vez, não senti a pressão provocada
pela aceleração. Os novos aparelhos de absorção eram excelentes.
Vi um sorriso nos lábios de Marcus Everson. Aquele homem inspirava confiança.
Chegava a apresentar certa semelhança com meu antigo mestre, o Capitão Tarts,
comandante da Tosoma.
2
Só agora tive tempo de passar os olhos pela sala de comando. Os tremendos abalos
haviam colocado fora de ação cerca de trinta por cento das telas de comunicações.
Meu rádio, ligado ao volume máximo, parecia estourar-me o ouvido. A voz de
Rhodan soou com uma potência apavorante.
Soltei um gemido e girei o regulador de volume para a esquerda. Com os outros
devia ter acontecido a mesma coisa, pois durante o vôo todos haviam tentado captar
alguma comunicação.
— ...passamos. Cuidem de Marten. Parece ter-se machucado na queda. De resto,
tudo O.K.!
Bati com a mão espalmada sobre o fecho dos cintos e levantei-me com um gemido.
Naquele instante, ouviu-se o comunicado vindo da central energética.
— A desaceleração foi de mil e oito quilômetros por segundo ao quadrado. Os
neutralizadores trabalharam em regime de sobrecarga.
— Como poderia ter acontecido isso? — perguntou Rhodan, respirando com
dificuldade. — Os dados captados pelas sondas diziam outra coisa.
Não tive necessidade de refletir para encontrar uma explicação plausível.
— São diferenças nas influências gravitacionais. A zona de compensação ainda é tão
jovem que não se poderia ter estabilizado. Deveríamos ter esperado mais algumas
semanas.
A equipe técnica da nave começou a reparar as avarias. Na altura da comporta
inferior, havia uma rachadura no envoltório da nave. Fora disso, o casco da Califórnia
parecia intacto.
— Olhem só! — disse Sikermann em tom de surpresa.
Virei a cabeça.
E o que vi nas telas teria levado qualquer outra pessoa a praguejar fortemente. No
entanto, apenas senti meu coração pulsar mais lentamente.
— Preparar a nave para o combate! — ordenou Rhodan pelo sistema de
intercomunicação do pequeno cruzador.
Enquanto as sereias começavam a uivar e os instrumentos indicavam que
desenvolvíamos apenas metade da velocidade da luz, fitei as telas.
— Bem que poderíamos ter imaginado que os druufs também tivessem postado uma
frota em seu universo — disse Reginald Bell. — Será que essa gente sabe “aceitar uma
boa brincadeira?”
Não souberam.
Provavelmente o senso de humor de Bell ficaria afetado pelos acontecimentos que
começavam se desenrolar...
As longas naves em forma de bastão encontravam-se tão próximas que as
distinguíamos nas telas do hiperlocalizador sob a forma de imagens em alto-relevo. Se
não estivessem tão perto, a imagem consistiria, quando muito, num pontinho verde.
Sikermann trabalhava como um autômato. Suas mãos deslizaram rapidamente sobre
as chaves de controle manual. Naquele momento, compreendi perfeitamente por que
motivo Rhodan o investira temporariamente como comandante da nave Califórnia.
Uma nave, que media pelo menos trezentos metros de comprimento, atingiu-nos em
cheio. Um vulcão energético irrompeu nos campos defensivos de nossa nave.
Os canhões e radiações do inimigo pegou-nos de surpresa...
Numa fração de milésimo de segundo, a Califórnia, uma nave tão bela por fora e tão
fraca por dentro, se parecia com uma bola de aço que cuspia fogo. Seu débil armamento
defensivo entregou os pontos ao primeiro ataque. É bem verdade que tivéramos azar ao
colocar-nos diante dos canhões de uma nave aparentemente muito forte.
No momento em que ouvi o ruído infernal e a incandescência irradiada pela telas
ameaçava cegar-me, perdi o apoio dos pés.
Uma tormenta varreu-me pelo soalho de plástico da sala de comando. Levei algum
tempo para conseguir segurar-me no pé da poltrona do localizador.
Gritaria, berros, um estrondo real, foram estas as impressões registradas pelos meus
sentidos. Sabia que recebêramos ao menos quatro impactos térmicos ao mesmo tempo;
era demais para o pequeno cruzador, cuja força consistia exclusivamente em suas
máquinas.
Dali a alguns segundos, a nave começou a girar em torno de seu eixo transversal. O
espaço sombrio do Universo desconhecido com suas inúmeras estrelas transformou-se
numa roda de fogo.
Já desistira de ter esperanças, quando finalmente as unidades energéticas da
Califórnia voltaram a entrar em funcionamento. Só agora tornava-se possível recorrer a
toda a força titânica dos propulsores, pois já não havia o perigo de que a força da inércia
nos reduzisse a pó.
Uma dor aguda atravessou meu corpo. Os neutralizadores de pressão entraram em
funcionamento com um atraso de cerca de um milésimo de segundo.
A forte luminosidade dos nossos campos defensivos estava cessando. Se os druufs
acelerassem com a mesma rapidez que nós, não haveria salvação.
Acontece que nem de longe conseguiram acompanhar-nos. Afastamo-nos em
velocidade tresloucada, antes que outras naves pudessem enquadrar-nos em sua mira.
Os mecanismos automáticos de estabilização fizeram cessar o giro do corpo da
nave. Quando o processo foi concluído e a imagem se ajustou, consegui ver novamente o
estranho espaço.
Enquanto nosso Universo era negro, aqui predominava o tom vermelho-escuro. A
luminosidade das estrelas era idêntica à do nosso Universo, mas sua luz natural sofria
uma distorção...
— Transição ligeira! — ordenei com um gemido. — Vamos logo! Temos que dar o
fora daqui. Estamos entrando diretamente nas falanges do inimigo. Será que isto lhe
servirá de lição, homem das cavernas? Nem sempre a audácia sai vencedora, e seus
mutantes serão mortos pelo fogo dos canhões como qualquer outra criatura. Entre logo
em transição!
Rhodan ouvira minhas palavras, que provavelmente eram desnecessárias.
Sikermann já estava comprimindo o botão do chamado autômato de saltos de emergência.
Então teve início uma transição matematicamente incontrolável, que nos levaria a
algum lugar. Podia-se realizar uma avaliação aproximada da distância que seria
percorrida, mas não da direção.
A dor da desmaterialização surpreendeu-me enquanto estava deitado. Segundo as
leis válidas em nosso Universo, a posição em que a pessoa se encontrava durante o salto
era totalmente indiferente. No entanto, até neste ponto, o Universo dos druufs parecia
oferecer algumas surpresas.
Antes que pudesse formular algo sobre a percepção desse fato, dei-me conta de que
acabáramos de cometer mais um erro.
Qualquer homem inteligente deveria abster-se de transferir as leis do espaço
einsteiniano para qualquer outra estrutura espaço-temporal. Foi um verdadeiro milagre
termos desaparecido no hiperespaço.
Notei a falta do murmúrio e do farfalhar que surgia em toda transição, logo após a
desmaterialização. Mas a dor continuou. Parecia que o sistema nervoso escapara ao
processo de desmaterialização.
Quando iniciamos o mergulho no espaço druufiniano, ainda estávamos gritando. O
que se seguiu depois excedeu minha capacidade de sofrimento. O desmaio provavelmente
foi uma bênção.
Éramos uns idiotas!
De que servia a nave mais rápida, se o homem não conseguia acompanhar seu
desempenho? Era o velho problema que, segundo ensinava a experiência, costumava ser
negligenciado, pois a tecnologia amortecia o sentimento natural de medo do indivíduo.
5
Tive de esperar mais algumas horas Até que os primeiros terranos acordassem.
Rhodan foi o quinto a recuperar os sentidos. Os que mais sofreram foram os mutantes,
cujos cérebros ligeiramente alterados, provavelmente, eram ainda mais sensíveis que os
dos outros homens.
Toda a tripulação se encontrava a postos. Não houve nenhum caso fatal, mas o Dr.
Sköldson, médico da Drusus, levado neste vôo, recomendou repouso total.
Depois de falar com ele, compreendi por que recuperara os sentidos tão depressa,
tinha estrutura cerebral era diferente.
O médico garantiu que, durante a paralisia, os homens atacados pelo choque não
sentiram nada. Mas ninguém se atreveu a perguntar o que aconteceria em futuras
transições.
Não havia dúvida de que nos encontrávamos a cerca de dois anos-luz da zona de
descarga. Antes do pouso, ainda a vira nitidamente sob a forma de uma linha reluzente.
Se quiséssemos renunciar à transição, teríamos de viajar pouco mais de dois anos para
atingir a abertura.
Face à dilatação verificada, apenas uns poucos dias se haviam passado para nós.
Mas, num outro plano de referência, o tempo se teria mantido estável. Nem podíamos
pensar no que aconteceria na base espacial Fera Cinzenta. Sem dúvida acreditariam que
estávamos mortos.
Por isso nossa tarefa mais urgente consistia em encontrar uma proteção eficaz contra
os perigos resultantes de outro hipersalto. Bell, que permanecera durante horas a fio no
centro de computação, juntamente com o matemático Kenius, afirmou que as condições
do Universo dos druufs se estabilizavam a cada dia que passava. A paralisia geral só teria
surgido em virtude da perturbação do equilíbrio das forças naturais.
Não nos parecia que conseguiríamos encontrar um antídoto de caráter bioquímico.
Por isso resolvemos permanecer o maior tempo possível em Hades. Cada hora que se
passava faria avançar o processo de estabilização gradativa das diversas formas de
energia.
Se necessário, teríamos de realizar a transição nas condições existentes. Caso as
coisas não dessem certo, o salto seria efetuado por mim e, assim que acordasse, caber-
me-ia a tarefa de tomar todas as providências para evitar que a Califórnia fosse destruída.
Mas, se eu pensara que esses sujeitos malucos do planeta Terra se deixariam abater
pela situação nada brilhante, estava muito enganado!
O que fizeram assim que conseguiram colocar os pés no chão? Em vez de se
manterem em resguardo, não pensaram em outra coisa senão iniciar a construção da
chamada base de transmissores.
O Dr. Sköldson praguejou e correu por toda a nave, mas a tripulação conseguiu
esquivar-se com tamanha habilidade, que não conseguiu agarrar nem um único dos
homens. A arma de Sköldson, que não era outra coisa senão uma seringa com pelo menos
quinhentos milímetros de calmante, não produziu nenhum efeito, porque não conseguiu
encontrar uma única vítima.
Eu mesmo só consegui livrar-me da injeção por trazer na ponta da língua a
ponderação de que meu organismo de arcônida era de constituição diferente.
Quando uma porta blindada que se fechava quase o cortou em dois, Sköldson
resolveu desistir. Dali em diante, via-se sobre a porta da clínica de bordo uma enorme
placa com os seguintes dizeres:
Entrada permitida somente de quatro.
Era a vingança do médico. Apenas, este teve o azar de que ninguém entrou de quatro
em sua clínica. Tinha certeza de que essa gente preferiria fazer uma operação em si
mesmo a ceder à exigência de Sköldson.
Normalmente se poderia rir a valer sobre esse incidente, que constituía uma amostra
típica do comportamento dos astronautas terranos. Mas na situação desesperadora em que
nos encontrávamos, não achei graça.
Era esta a situação há oito dias, tempo-padrão, depois do pouso no planeta Hades
que, conforme já tivéramos oportunidade de perceber, tornava-se martirizante.
***
Só faltava instalar no espaço oco o grande transmissor, cujo alcance era pouco
superior a dois anos-luz.
Não se podia negar que esses terranos tinham senso prático. Colocaram a Califórnia
ao pé da grande cadeia de montanhas, com a qual procurara não entrar em contato
durante o pouso.
Cordilheira da Esperança, foi esse o nome que Rhodan deu ao maciço que
atravessava a zona de penumbra com seus oitenta quilômetros de largura. A leste do lugar
em que nos encontrávamos, os picos se erguiam para dentro da luz implacável do sol,
enquanto a oeste os cumes desapareciam na escuridão eterna da face gelada.
De qualquer maneira, a rocha natural não pôde resistir quando Rhodan em pessoa
manipulou um canhão de impulsos de tamanho médio e fundiu uma abertura em forma de
túnel nos flancos do complexo montanhoso.
Os gases produzidos pela evaporação da rocha foram ionizados. Depois os captamos
por meio de campos magnéticos. Muito além da faixa de vibração, os vapores voltaram a
solidificar-se e choveram ao solo sob o efeito da gravidade.
As paredes da abertura foram revestidas pelo processo de pistola de plástico
blindado e providas de uma comporta de ar de dimensões relativamente reduzidas. É
claro que, antes disso, o grande transmissor foi colocado na abertura, que media vinte
metros de altura e quase cinqüenta metros de profundidade.
Naquele momento, os homens estavam camuflando a parede externa artificial. Mais
uma vez a rocha natural foi gaseificada. Um raio de tração a captou em estado ionizado e
a comprimiu contra o abaulamento de plástico blindado. Como a aderência fosse perfeita,
surgiu um reboco tão irregular e de aspecto tão natural que só pude fazer um gesto de
admiração. Esses pequenos bárbaros sabiam como defender-se. Era pena que sua
leviandade não conhecia limites.
Pelos meus planos, já devíamos ter decolado no dia anterior para tentar o salto. É
que o cuidadoso controle que levei a efeito parecia revelar que os cálculos de Bell tinham
uma base aceitável.
Mas não. Não quiseram partir enquanto esse maldito transmissor não tivesse sido
instalado.
A vibração do planeta era bem mais intensa do que supúnhamos. Há três dias
notáramos que a extremidade superior do sol gigante sobressaía cada vez mais sobre a
linha do horizonte.
Em conseqüência disso, a face diurna passou a estender-se na direção do lugar em
que estávamos. Era um fenômeno inconveniente.
Ficava cada vez mais claro. Já se distinguiam perfeitamente os contornos das
montanhas e ao ar livre liam-se trechos impressos em caracteres pequenos. E ainda
pressentíamos o hálito escaldante que nos envolveria dentro de alguns dias. Não nos
demos ao trabalho de realizar as observações minuciosas que se tornariam necessário
para calcular a seqüência exata das oscilações. O planeta Hades não nos parecia
suficientemente interessante para isso.
Bastava saber que seu diâmetro era de 6.385 quilômetros, e que a gravitação
chegava a 0,35G. As condições seriam muito semelhantes às de Marte, se não fosse a
lentidão de seu movimento de rotação em torno do próprio eixo.
Protegera-me atrás da Califórnia. Pouco acima do solo sempre havia vestígios
tênues de gases, resultantes da evaporação das precipitações atmosféricas. Até chegamos
a constatar a presença de oxigênio, mas sua percentagem era tão reduzida que não havia
como aproveitá-lo.
Envergávamos os pesados trajes espaciais equipados com um gerador automático de
campo defensivo. Dessa forma, a eliminação da gravidade nos permitia fazer vôos
restritos. Além disso, estávamos protegidos contra o ambiente hostil.
O medidor de pulso indicou que a temperatura estava sujeita a fortes variações. O
calor aumentava à medida que a extremidade superior do sol vermelho se erguia acima do
horizonte.
Por ali, a poucos quilômetros do lugar em que nos encontrávamos, reinava um calor
mortífero. Todas as substâncias, cujo ponto de fusão fosse baixo, entravam em ebulição, e
o solo deserto era tão quente que só se podia pisá-lo com botas especiais e blindadas. Até
então fizera uma única tentativa de submeter a um exame detido o deserto iluminado pelo
olho mortífero do sol vermelho. Mas como as investigações praticamente não se
revestissem de qualquer interesse, logo desisti das mesmas.
Quando o pequeno canhão de impulsos da Califórnia voltou a trovejar, recuei
apressadamente. Ao que tudo indicava, Rhodan ainda não julgava suficiente o reboco de
rocha, cuja grossura chegava a quase três metrôs. Há poucos minutos avisara-me pelo
rádio de capacete que ainda havia um pequeno risco de que as substâncias estranhas
fossem localizadas.
Esperei que o raio energético ofuscante se apagasse. Só depois fui à parede de rocha,
muito bem camuflada, para passar pela minúscula comporta e penetrar no interior do
túnel.
A instalação do transmissor já fora concluída. Um pequeno gerador de emergência
forneceria luz e, se necessário, calor, mas o problema do suprimento de ar respirável
ainda não fora solucionado. No dia seguinte seria montado o equipamento de oxigênio e
de climatização, e também o equipamento de regeneração de ar.
Por isso as duas escotilhas de aço da comporta de ar ainda estavam abertas quando
finalmente cheguei à parede de rocha. Face à reduzida gravitação do planeta, o peso do
traje espacial ficou reduzido a tal ponto que quase não sentia a carga.
Fiquei espantado ao encontrar Rhodan e o mutante Fellmer Lloyd no interior da
grande galeria. Eles estavam controlando os contatos do transmissor, cuja unidade
energética autônoma e os elementos de regulagem nos deixavam bastante preocupados.
Pretendia-se utilizar essa base para o recebimento de peças de novos transmissores, que
poderiam ser montados ali mesmo. Se tudo corresse segundo os planos, seria
perfeitamente possível que, um belo dia, os terranos possuíssem uma fortaleza oculta em
pleno coração do sistema dos druufs.
— Será que vocês estão loucos? — gritei para dentro do microfone de meu
capacete. — Talvez vocês se tenham esquecido, mas acontece que há cerca de dez
minutos Reginald Bell atirou contra este morro com o canhão de radiações, a fim de obter
material de camuflagem.
Rhodan virou o corpo para ver-me melhor. Lloyd, no qual a mutação só produzira a
capacidade de percepção das vibrações cerebrais de outros seres, até que um treinamento
adicional lhe conferisse o dom da telepatia, soltou uma gargalhada. Era um tipo moreno e
apático, de olhos inteligentes e estatura baixa e robusta. Gostava dele porque nunca
tentara romper meu bloqueio mental para sondar o conteúdo de minha mente.
— É verdade! — disse Rhodan em tom indiferente. — Acontece que aqui dentro
não percebemos nada. Onde estão esses dorminhocos?
Respirei profundamente. Esse bárbaro talvez pensasse que outras pessoas também
sabiam passar quarenta e oito horas sem dormir.
— Mandei-os para os camarotes, se é que você me dá licença a posterior!. Sabe lá
como vai a saúde de seus homens? Afinal, eles não são robôs.
Seus olhos cansados e injetados de vermelho brilharam alegremente atrás do visor
do capacete.
— Está bem — respondeu. — Amanhã o equipamento de aeração será instalado na
caverna. Depois verificaremos a exatidão de sua teoria da compensação. Não quero
passar mais uma vez por aquela paralisia! Você compreende?
Sim, compreendia muito bem. Levarei muito tempo para esquecer a terrível visão.
Vindos de fora, ouviram-se ruídos fracos. Os vestígios de ar conduziam o som
permitindo que se pudesse detectar a presença de fontes de ruídos. Pelo rádio de capacete
fomos advertidos de que não devíamos abandonar nossa posição. Os especialistas da nave
estavam aplicando mais uma camada de rocha.
Dali a quinze minutos, estava tudo terminado. À frente da comporta aberta, surgira
um dique formado pelos pingos de rocha, que quase chegava a impedir a entrada.
— É um trabalho caprichado e preciso — constatou Lloyd em tom satisfeito.
Fiquei encantado ao notar que os tripulantes da Califórnia nos haviam deixado uma
pequena saída. Rhodan cometera uma leviandade imperdoável ao manter-se no interior da
galeria durante a ação de camuflagem.
No momento em que Rhodan colocava no chão uma ferramenta especial, o inferno
irrompeu do lado de fora. Uma onda de compressão atravessou a pequena abertura com
tamanha violência que nos atirou para trás.
Antes que as dores vindas das costas me deixassem quase inconsciente, ainda ouvi o
grito estridente de Lloyd. Apenas Cheguei a compreender que o ataque, que já não
esperávamos mais, acabara de ocorrer. Apenas, viera de forma totalmente diversa da que
esperávamos.
Ouvi a voz exaltada de Rhodan pelo rádio de capacete. O conteúdo da ordem
enervou-me tanto quanto o volume excessivo da voz. Apenas sentia a dor.
— Decolem! Decolem imediatamente! Bell, Sikermann, subam com a nave e entrem
imediatamente em transição. Esperaremos aqui até que a estação do transmissor da
Drusus dê o sinal verde. Vamos logo! Decolem! Isto é uma ordem. Não podemos perder
tempo. Estou dando ordem para decolar.
Voltou a gritar as mesmas palavras, até que de repente se ouviu o rugido profundo
das potentes máquinas da nave. Ao que parecia, o cruzador não fora danificado, ou
apenas sofrera avarias leves. Sikermann desenvolveu toda a potência dos propulsores ao
decolar, o que quase fez desabar nosso pequeno túnel. O tremor de terra me fez gemer.
Naquele momento, pouco me importava que a Califórnia decolasse sem nós ou não.
Pensava apenas no ferimento que sofrerá com o forte impacto, e que talvez pudesse ser
grave.
No ambiente em que nos encontrávamos, não havia a menor possibilidade de abrir o
traje espacial hermeticamente fechado para tratar de ferimentos ou fraturas. Minhas
reflexões ditadas pelo pânico foram interrompidas pela voz nervosa de Lloyd:
— Foram embora! Meu Deus, foram embora!
Rhodan ergueu-se lentamente. Lá fora, junto à comporta, via-se uma incandescência
ofuscante. Ao que tudo indicava, haviam disparado contra o cruzador com um pequeno
canhão de impulsos.
Apesar das dores que sentia, não pude abster-me de uma observação.
— Então, bárbaro, o que me diz? Tivemos uma bela surpresa, não é? Será que você
poderia fazer o favor de verificar se por acaso fraturei a coluna?
7
— Quando eu o vejo assim, chega a estranhar que a mãe de meu filho também seja
uma arcônida — disse Rhodan em voz alta.
A onda de choque provocada pelo tiro de radiação enchera o túnel com uma massa
de gases comprimidos. Lá fora soprava uma brisa ligeira. Provavelmente o raio térmico
escaldante acelerara o fenômeno já iniciado da evaporação dos gases, De qualquer
maneira, consegui entender Rhodan, do que se concluía que havia um meio propagador
de som.
Eu estava deitado de bruços. Fellmer Lloyd estava agachado junto à entrada da
caverna e olhou para a planície rochosa ondulada, na qual há quinze minutos estivera a
Califórnia.
Poucos segundos depois da decolagem de emergência, havíamos recebido uma
mensagem pelas ondas normais de rádio. O cruzador devia ter disparado para o espaço
com a aceleração louca que lhe era peculiar e, por isso, mal conseguimos ouvir a
transmissão. Afinal, as ondas ultracurtas sofrem uma grave interferência das partículas
expelidas pelos mecanismos de propulsão, e não possuíamos nenhum hiper-rádio.
Sikermann e Bell comunicaram que haviam conseguido romper o bloqueio.
Arriscariam a transição. Passariam pela fresta e penetrariam no Universo einsteiniano, de
onde voltariam de qualquer maneira com a Drusus.
Assim que ouvimos o último fragmento da mensagem, as comunicações de rádio
foram interrompidas em definitivo. Sem dúvida, a Califórnia já saltara, pois não levava
mais de cinco minutos para atingir a velocidade da luz.
Restava saber se Sikermann conseguiria fugir do plano temporal dos druufs.
Provavelmente as tempestades gravitacionais no interior da zona de descarga já teriam
amainado. Se tivéssemos muita sorte, a Drusus poderia chegar ao espaço dos druufs, dali
a algumas horas. E, uma vez que trazia a bordo excelentes transmissores de elevada
potência, provavelmente conseguiríamos escapar daquele inferno...
Os dedos de Rhodan voltaram a comprimir minhas costas. Não pude deixar de
gemer baixinho.
Fellmer Lloyd virou a cabeça para nós. A luz, que penetrava pela abertura da
caverna, permitiu-me ver seu rosto coberto de suor.
Procurei sorrir, para fortalecer o moral do homem que provavelmente estaria
sofrendo muito mais que eu.
Rhodan cochichara ao meu ouvido que, há algumas horas, o mutante sofria um
princípio de disenteria. Não avisara imediatamente da doença, porque o Dr. Sköldson
continuava a insistir na norma de “andar de quatro”. Evidentemente fora uma loucura
rematada não avisar imediatamente o médico sobre um assunto desagradável como este.
Depois da partida da Califórnia, Lloyd passou a contorcer-se em violentas cólicas
intestinais. Senti-me deprimido e envergonhado ao mesmo tempo, ao ver que soubera
dominar seu sofrimento com tamanha hombridade. Ao que parecia, já estava passando
melhor. Ao menos esforçou-se para retribuir meu sorriso.
Mas, a essa hora, ainda não sabíamos que as instalações sanitárias do traje espacial
de Fellmer não estavam funcionando. Provavelmente durante a queda esse equipamento
vital sofrera avarias tão graves que já não podia executar suas importantes funções.
Nós não podíamos fazer nada pelo mutante. Ele dependia exclusivamente do
estoque reduzido de medicamentos que se encontravam na cápsula de suprimento
automático de seu capacete. Mas provavelmente entre esses remédios não havia nenhum
medicamento para os intestinos.
Dali em diante, não movi nenhum músculo da face, até que Rhodan concluísse o
exame. Tateou minhas costas através do material grosso de meu traje espacial, método
que era bastante deficiente.
— O que é isso? Você conhece minha estrutura óssea?
— Mais ou menos. Uma vez que seu tórax não é normal, a sua placa óssea deve ir
até, mais ou menos, a altura da costela inferior direita de um ser humano... Será que está
fraturada aqui?
Bateu com o dedo no lugar a que se referira. Levantei-me com um grito.
Se apenas a placa dorsal estivesse rompida, as coisas não seriam tão ruins assim. A
regeneração daquele tecido forte, mas altamente elástico, era extremamente rápida.
Provavelmente algumas horas de repouso seriam suficientes.
— Você seria um excelente médico — disse com um gemido, assim que consegui
colocar-me de pé.
Caminhei cautelosamente em direção à comporta de ar, que, do lado de fora, estava
encoberta por uma elevada parede. Só podíamos olhar para o exterior através de uma
fenda estreita.
O soterramento, que antes era considerado uma desvantagem, agora representava
uma vantagem considerável.
Se os druufs tivessem um pouquinho de inteligência, gostariam de saber o que viera
fazer neste mundo a tripulação daquele cruzador desconhecido, que fugira tão depressa.
Se além do mais não tivessem apreendido ou destruído a Califórnia, sem dúvida estariam
interessados em obter outras indicações. E essas indicações só poderiam ser encontradas
no lugar em que antes estivera a nave, ou seja, a menos de seiscentos metros da abertura
da caverna, da qual 75 por cento haviam sido fechados pela rocha derretida.
Não nos entregamos a qualquer ilusão sobre o que poderia acontecer, caso
resolvessem realizar uma investigação minuciosa. Em virtude da excelente camuflagem,
em hipótese alguma, a grande parede de plástico poderia ser vista. E a localização da
matéria estranha também me parecia impossível, a não ser que resolvessem colocar o
respectivo aparelho junto à entrada do túnel. Mas isso seria um simples acaso.
Os lugares mais perigosos eram aqueles em que o material fora retirado para servir
no revestimento da parede de plástico. Era bem verdade que esses lugares ficavam a uma
distância regular. Neles existiam amplas superfícies vitrificadas, que permitiriam certas
conclusões.
Se nos defrontássemos com seres humanos, a estes talvez ocorresse a idéia certa.
Mas não tínhamos nenhuma certeza sobre a reação dos druufs. Talvez os mesmos não
soubessem o que pensar diante do fenômeno das rochas fundidas expostas.
Era nossa única esperança, pois a realização da investigação tornava-se tão certa
quanto a própria existência dos druufs.
Deitamos na comporta e subimos a forte rampa. A fenda não tinha mais de quarenta
centímetros de largura. Com alguma dificuldade, se conseguiria ultrapassá-la. Mas nem
por isso se poderia dizer que a mesma era visível do lado de fora. Provavelmente a fenda
se encaixava com tamanha perfeição na parede rochosa entrecortada, que só uma pessoa
que passasse por perto poderia notar alguma coisa. Nessas condições não tínhamos o
menor interesse em entrar em contato com os druufs.
Comprimi meu capacete contra o de Fellmer Lloyd, a fim de usar o respectivo
material como condutor de som e obter uma comunicação mais perfeita. Ouvi-o gemer
baixinho. Seu corpo executava movimentos convulsivos. Provavelmente estava sofrendo
mais um ataque de cólicas.
— Fique calmo, meu filho — gritei. — Daqui a algumas horas, a Drusus penetrará
no espaço dos druufs. As instalações de nosso transmissor são perfeitas. Funcionará
perfeitamente.
— Tomara, almirante — respondeu em tom hesitante.
Ouvi que respirava com dificuldade.
— Peço desculpas por ter falado num tom pouco otimista. Mas afinal sou apenas um
ser humano e meu corpo...
— É claro; não há nada para desculpar — interrompi-o em tom constrangido.
Meu constrangimento não era provocado pela doença, que era tão natural como
qualquer outra. Tinha sua origem no fato de aquele homem ter julgado necessário
formular um pedido de desculpas.
— O senhor terá de agüentar, Lloyd. No momento estamos condenados à
inatividade. No interior da caverna reina um vácuo quase perfeito. O que dizem os
controles das suas instalações sanitárias? Faremos uma limpeza das mesmas. Fique
deitado e acalme-se. Entendeu?
— Entendi, sim senhor. Farei o que o senhor acaba de dizer. Apenas receio que não
haja mais nada para limpar, almirante.
Rhodan encostou seu capacete ao meu. Ainda não compreendera, mas ele já parecia
desconfiar do que estava acontecendo...
Dali a alguns segundos, Lloyd confessou em tom hesitante que o aparelho se
quebrara ou sofrera outro tipo de avaria durante a queda provocada pela onda de choque.
E foi assim que ouvimos a notícia catastrófica. A sintomatologia de sua doença
poderia causar dentro de pouco tempo o envenenamento do ar respirável. Para produzir a
necessária pressão externa, os aparelhos estavam cheios de gases intestinais, que
trasmitiam ao corpo uma pressão de cerca de quinhentos milibares.
— Agüente, Lloyd, a Drusus não demorará a chegar — disse Rhodan a título de
consolação.
Naquele momento não encontrei nenhuma palavra que pudesse trazer alívio.
O mutante virou a cabeça e esforçou-se para sorrir. Eu já sofrera uma disenteria
bacilar, e por isso sabia perfeitamente o que esse homem devia estar sofrendo no seu
envoltório hermeticamente fechado.
Comigo o desastre acontecera num acampamento de Wallenstein. Naquela
oportunidade tratava-se de uma epidemia, e não dispúnhamos de qualquer meio para
debelar o mal.
— Onde o senhor contraiu a infecção? — perguntou Rhodan. — Isso deve ter
alguma causa.
— Talvez tenha sido a água de Fera Cinzenta, Sir — disse Lloyd com a voz débil.
A suposição podia perfeitamente ser correta. Caso Lloyd se tivesse deixado seduzir
pela água límpida das fontes, havia uma boa probabilidade de ter contraído a infecção por
lá. Caso ainda tivesse oportunidade, sugeriria aos membros da equipe médica da frota que
incluíssem nas provisões dos trajes espaciais certos antibióticos de amplo espectro de
ação.
A disenteria de Lloyd só podia ser infecciosa. A limpeza impecável reinante nas
naves e o estado excelente das instalações sanitárias colocavam para trás até mesmo
aquilo que vira nas unidades de meu povo.
Estive a ponto de perguntar a Lloyd por que não se apresentara ao médico assim que
surgiram os primeiros sintomas da doença. Mas preferi não fazê-lo. Não adiantaria falar
sobre coisas que não podiam ser remediadas. Naquela hora já deveria estar sendo
torturado pelas auto-recriminações.
Sem dizer uma palavra, Rhodan começou a quebrar algumas pedras pontudas que se
encontravam na cumeeira do “dique”. Observei-o.
Durante a breve palestra que mantivera com Lloyd, esquecera totalmente minhas
dores. E, a essa hora, já não eram tão fortes, pois não me impediam de executar qualquer
movimento.
— Darei uma olhada lá fora, para ver como está nossa camuflagem — disse. —
Você ficará aqui. O.K.?
Fez um ligeiro sinal para Lloyd, que se mantinha deitado a nosso lado.
Rhodan atravessou a estreita fenda. O material de seu traje espacial era resistente.
Dificilmente se rasgaria. Observei-o tranqüilamente enquanto caminhava por entre as
rochas.
Minha mão segurava a pesada arma térmica automática, que os terranos costumam
chamar de radiador de impulsos. Na situação em que nos encontrávamos, qualquer
resistência seria inútil. Apesar disso, estava firmemente decidido a dar-lhe cobertura, se
houvesse algum ataque.
Lá fora, o sol escaldante já alcançara o lugar em que se encontrava nossa base. As
poucas sombras restantes desapareceram, e, dali a alguns minutos, senti-me ofuscado ao
contemplar a ampla paisagem do deserto.
Rhodan desapareceu ao longe. Vista daqui, aquela área parecia um profundo abismo
onde era impossível enxergar nitidamente.
— Tudo bem, almirante — comunicou o telepata.
Comprimiu seu capacete ainda mais fortemente contra o meu.
Fiz um sinal para Lloyd. Talvez um pouco de atividade mental até lhe fizesse bem,
pois lhe faria esquecer os sofrimentos.
Dali a uns três minutos ouvi o sinal de meu receptor. Rhodan estava chamando pelo
rádio.
— Você está louco? — interrompi-o assim que proferiu as primeiras palavras. —
Poderão fazer a localização goniométrica.
— Que nada! Estou transmitindo com 0,2 watts. Além disso não vejo nada que
pudesse captar a transmissão. Estou a cerca de um quilômetro, dentro da área de sombra.
Como são as coisas vistas do outro lado?
— Do meu lado?
— É claro que sim!
— Que linguagem grosseira — observei. — Fique tranqüilo; não o vemos e nem a
qualquer outra coisa que esteja no lugar onde você se encontra. O sol ofusca
tremendamente. Para mim, por aí só existe a noite.
— Excelente. Em compensação, visto daqui, o paredão de rocha é um quadro
confuso e apagado. Da parede da caverna não se vê nada; só consigo identificar o local de
entrada por determinados sinais. Aposto que não nos encontrarão.
— Se você continuar transmitindo, eles logo nos encontrarão.
— O.K. Já vou parar, seu pessimista. Não, não fique nervoso. Realmente
poderíamos ter decolado um dia antes. Assim teríamos evitado tudo isto. Lloyd, como
vai? Quer sair um pouco? Isso talvez possa distraí-lo.
— Prefiro não sair, Sir — disse Fellmer em voz baixa. — Sinto-me muito mal. Será
que poderia ajudar-me a conseguir um pouco de oxigênio?
Senti que empalidecera. Oxigênio? Por que estaria pedindo oxigênio? Havia uma
norma estrita segundo a qual o sistema de regeneração de alta pressão devia ser carregado
e verificado todos os dias. Será que negligenciara essa norma primária? Não, não era
possível.
A reação de Rhodan também foi de espanto.
— Oxigênio? Não, Lloyd, isso não é possível. O regenerador fica sob o
revestimento do traje. Não conseguiremos alcançá-lo. O que houve? Está com falta de ar?
Virei a cabeça para ver o doente. No momento em que sentiu meu olhar, ficou muito
embaraçado. Desconfiei de alguma coisa.
— Não senhor — gaguejou Lloyd. — Meu aparelho está em ordem. Será que posso
arriscar-me a soltar o enchimento pressurizado de meu traje pela válvula de regulagem?
Depois faria a recarga com o suprimento das garrafas.
— Está certo; mas por quê?
— Não se faça de criança — intervim em tom grosseiro. — Seu ar está gasto;
procure compreender. Quando surge uma disenteria e simultaneamente ocorre a falha das
instalações sanitárias, isso pode acontecer. Está bem, Lloyd, solte o gás. O suprimento de
oxigênio de seu traje normalmente daria para oito dias, tempo terrano. Prepare-se para ter
oxigênio apenas para quatro dias. Comece logo! Ponha para fora esse ar envenenado.
Ajudei-o a abrir a válvula de regulagem na parte traseira do capacete. A pressão
baixou rapidamente. Assim que a zona de perigo foi atingida, injetei o oxigênio das
supergarrafas no circuito regenerador. Os recipientes de aço de Árcon estavam aferidos
para uma pressão de dez mil atus.
Rhodan praguejava baixinho e em tom amargurado. Suas palavras não se dirigiam
contra Lloyd, mas contra a situação em que nos encontrávamos. Interrompi-o em tom
mordaz:
— É interessante que alguém ainda ache que tem de praguejar. Parece que, durante
suas alegres expedições de conquista espacial, vocês nunca passaram por uma como esta,
não é? Depois dos êxitos iniciais, vocês ainda conhecerão muitos reveses. Tenho plena
certeza do que estou afirmando.
— Cale-se, arcônida.
— Não pude deixar de dizer isto. Procure voltar à galeria. Na minha opinião, a
qualquer momento poderá aparecer uma nave dos druufs.
Rhodan não disse mais nada, pois não havia mesmo o que dizer. Em compensação
vi-o de repente, quando saía da sombra. Uma luminosidade ofuscante surgira no
firmamento sombrio.
— Não está com medo, mas sabe correr — falei em tom irônico.
Lloyd soltou uma risadinha. Achei-o muito simpático.
Rhodan apareceu fungando e com as pernas cambaleantes. Arrastei-o rudemente
pela abertura. Seu rosto estava coberto de suor. Comprimi um botão e desliguei seu
transmissor.
Dali a alguns minutos, um monstro negro, banhado pela luz forte do sol, desceu
sobre as colunas chamejantes feitas das partículas de impulsos. Ouvia-se perfeitamente o
rugido profundo do mecanismo propulsor. O impacto dos raios de empuxo fez a
montanha estremecer. Lancei um olhar preocupado para o revestimento das paredes. Mas
estas nem sequer apresentavam as fendas características de solicitação excessiva.
No momento em que a nave dos druufs mergulhou na sombra da Cordilheira da
Esperança, apenas percebi-lhe vagamente os contornos. Pousaram na área de penumbra,
tal qual esperávamos. Nenhuma criatura dotada de mediano bom senso desceria
justamente sob os raios escaldantes do sol.
— Ainda bem! — disse Rhodan em voz baixa. — Agora vão dar uma olhada.
Também dei uma olhada; apenas, minha atenção foi dedicada ao aparelho de
múltiplas finalidades que trazia no pulso.
Estávamos sendo atingidos em cheio pelos raios do sol. Dentro de alguns minutos, a
temperatura subira para 68 graus centígrados. Lá fora o calor devia ser ainda maior.
Nossos trajes protetores estavam equipados para proteger-nos de temperaturas até
quinhentos graus por meio da simples reflexão e do funcionamento do sistema de
condicionamento.
Se as coisas ficassem piores que isso, não haveria outra alternativa senão ativar o
campo energético defensivo, mas este, sem dúvida, possibilitaria nossa localização. Fazia
votos de que não fôssemos obrigados a recorrer a esse equipamento. Bastava que o
microrreator destinado ao suprimento de energia estivesse em funcionamento.
O corpo de Fellmer Lloyd contorceu-se sob os efeitos de mais um ataque de cólicas
intestinais. Assim praticamente se tornara inútil como telepata. Segui o olhar de Rhodan,
mas tive de notar que a luz verde do transmissor de matéria continuava apagada.
Trocamos um olhar indagador. O que teria acontecido com a Califórnia? Será que
não conseguira atravessar a barreira? Se conseguiu, por que a Drusus ainda não chegara?
Num movimento muito lento, Rhodan tirou o radiador de impulsos do cinto. No
momento em que a luz vermelha de carregamento da arma se acendeu, compreendi que
não estava disposto a tornar-se prisioneiro dos druufs sem lutar. Aliás, nem tínhamos
certeza de que esses seres conhecessem o aprisionamento de inimigos.
Durante a grande guerra do metano, travada há dez mil anos, poucos prisioneiros
foram capturados. Nenhuma das partes dispunha de meios que permitissem criar
condições adequadas de vida para os inimigos subjugados. Se o inimigo respirasse
oxigênio, ou se nós respirássemos metano, as coisas teriam sido melhores.
Ficamos à espera. Da grande nave, que se erguia uns trezentos metros em direção ao
céu da área de penumbra, só se via a ponta em semi-esfera. A nave dos druufs repousava
sobre as largas aletas de popa que, segundo tudo indicava, só haviam sido escamoteadas
pouco antes do pouso.
— Gostaria de conhecer o hiperpropulsor dessa gente! — disse Rhodan em tom
tranqüilo.
O bárbaro mantinha uma calma admirável. Naquele momento eu não me interessava
nem um pouco por esse aparelho. Estava refletindo — atividade que, segundo as palavras
de um homem inteligente, é a própria arte da inteligência.
Na planície branca tudo continuava imóvel. À medida que fixávamos o olhar, os
contornos da nave estranha se destacavam na sombra da zona intermediária. Aos poucos,
a vista se acostumava à estranha iluminação.
Fellmer Lloyd estava quase inconsciente. O último ataque pusera-o fora de ação. Os
dotes telepáticos de Rhodan eram tão reduzidos que não permitiam qualquer conclusão
precisa. Esforçava-se para captar os pensamentos dos druufs, mas não conseguiu
identificar os impulsos cerebrais que chegaram à sua mente.
— De qualquer maneira são totalmente inumanos — constatou depois de algum
tempo. — Não sei o que fazer? Quando será que essa gente vai aparecer?
Vieram dali a quinze minutos. Provavelmente, antes disso, haviam dado uma busca
rigorosa com seus instrumentos de localização.
Foram bastante inteligentes para desistirem desde logo de andar a pé sob aquele sol
escaldante. Apenas vimos vários veículos achatados, de forma elíptica que, segundo tudo
indicava, se locomoviam sobre campos magnéticos. Não dispunham de rodas ou esteiras.
Mais uma vez, me convenci de que esses seres deviam ter desenvolvido uma
tecnologia bastante avançada. Era claro que sabiam perfeitamente o que os esperava em
seu próprio sistema solar. Por isso usavam o tipo de aparelhamento que melhor se
prestava às tarefas que teriam de executar.
Prendemos a respiração quando três dos veículos deslizantes passaram lentamente
pela abertura de nossa caverna. Vi as antenas giratórias e as lentes vermelhas das
objetivas, que provavelmente faziam parte de um sistema de imagens óticas.
Muito tensos, ficamos com as armas engatilhadas até que tivessem passado. Dali a
três horas, a nave estranha decolou com um ruído trovejante. Assim que o silêncio voltou
a reinar, suspirei aliviado. Rhodan voltou a colocar a arma no cinto.
— O.K., então foi isso — disse. — Não voltarão. Provavelmente eu também não
teria tido a idéia de que bem embaixo de meu nariz houvesse uma pequena base de uma
raça desconhecida. É um atrevimento, não é?
Não pude deixar de concordar.
Passamos a cuidar do mutante. Seu ar respirável já estava poluído de novo. Se as
coisas continuassem assim, o suprimento de oxigênio de Lloyd não duraria muito.
Lançamos um olhar ansioso para o transmissor. Mas a luz verde não se acendera, o que
demonstrava que ninguém havia ajustado um aparelho receptor.
Dirigi-me ao local de pouso da nave dos druufs. Tinha a esperança de encontrar
alguns objetos esquecidos.
Mas não descobri nada além da superfície vitrificada, que ainda se mantinha
incandescente.
8
—Tínhamos de vigiar ao todo quatro entradas. A quinta dava para o corredor que
começava atrás de mim. Há poucos instantes fundira a entrada à minha direita com os
raios de minha arma térmica, transformando-a num bolo escaldante de pedras, sob o qual
foram atirados os corpos metálicos de dois robôs de formato estranho.
Os druufs não haviam penetrado na linha de fogo. De outro lado, também não
realizaram qualquer tentativa séria de expulsar-nos de nossa posição. Ao que tudo
indicava, os robôs por eles enviados nem sequer eram máquinas destinadas
especificamente ao combate. Tive a impressão de que, de propósito, haviam utilizado
algumas máquinas de reparos, a fim de sondar nossas reações.
Bem, nossa opinião foi expressa de forma bastante enfática: abrir fogo sem cessar.
Com isso minha consciência, que queria que enviasse aos druufs uma declaração
oficial de guerra, ficou tranqüilizada. Afinal Rhodan e eu representávamos uma grande
entidade estatal, cujas leis estabeleciam distinção nítida entre homicídio e ato de guerra.
Quer dizer que os druufs já sabiam como estava a situação. Dependia deles tomar as
providências que julgassem adequadas.
A coronha isolada de meu radiador de impulsos já estava morna. Na câmara de
fusão em miniatura, uma pequenina carga catalítica aguardava a fagulha elétrica que
produziria a ignição. Uma fração da energia liberada seria absorvida pelo
microconversor, que geraria a eletricidade necessária para que os campos energéticos
fossem dirigidos para a câmara de reação e o cano direcional. Se não fosse assim, uma
pequena bomba atômica explodiria na minha mão direita, pois, no processo de fusão a
frio, a carga catalítica começava a reagir a uma temperatura pouco inferior a quatro mil
graus.
Meu alvo, que era a entrada situada mais à direita, ficava a cerca de cem metros do
lugar em que me encontrava. Apesar disso, o calor liberado pelo disparo já começava a
atingir-nos.
Nuvens de fumaça malcheirosa espalharam-se pela sala. As máquinas foram
desligadas pouco depois do momento em que abri fogo. Dessa forma, ouvimos
perfeitamente o borbulhar e o chiar da lava incandescente. Ao que tudo indicava, o cheiro
penetrante vinha dos robôs que fervilhavam.
Rhodan foi o primeiro a começar a tossir. Fitei-o com os olhos lacrimejantes e, num
acesso de humor fúnebre, gritei:
— Que heróis não somos! Chegamos a empestear o ar que para nós é tão precioso!
Rhodan interrompeu-me com um gesto e resistiu a outro acesso de tosse. Depois
gritou:
— Você já compreendeu que não querem danificar a unidade energética? Se a usina
em que nos encontramos for muito importante, estaremos muito bem guardados em seu
interior.
Soltei uma risada de escárnio pelo seu otimismo. Mas, afinal estes bárbaros eram
assim mesmo. Só desistiriam depois que o mundo desabasse à sua frente.
Pouco antes do primeiro disparo, arrisquei-me a chamar Fellmer Lloyd pelo rádio de
capacete. A resposta foi imediata. Comunicou que conseguira limpar seu traje espacial.
Mas as instalações sanitárias estavam danificadas, motivo por que os reparos só poderiam
ser realizados com ferramentas especiais. De resto estaca passando mais ou menos bem.
Tinha certeza de que sé sentia muito mal. Era, claro que, na situação que nos
encontrávamos, preferia não nos dizer isso. O druuf, que sofrera o choque, continuava
duro. Esse fato me convenceu de que realmente o sistema nervoso desses gigantes era
muito sensível.
Olhei para o teto, onde devia haver as aberturas dos dutos do equipamento de
climatização. Descobri algumas aberturas, mas a fumaça, que começava a tornar-se
insuportável, não estava sendo aspirada pelas mesmas. Face a isso, tive certeza de que os
druufs haviam desligado o sistema de renovação de ar.
Ficara escuro. A iluminação do pavilhão consistia unicamente nas esferas brilhantes
vermelhas, que também aqui pairavam logo abaixo do teto. Acreditei tratar-se de antenas.
O grito de advertência de Rhodan soou em meio às minhas reflexões. Baixei a
cabeça com tamanha violência que meu queixo bateu na saliência da base do reator atrás
da qual me abrigara.
Furioso, ajoelhei-me e levantei a arma. Desta vez, os robôs estavam aparecendo ao
mesmo tempo nas três entradas ainda não derretidas.
Ouvi o trovejar surdo da arma de Rhodan. O raio incandescente ofuscou-me. Quase
não consegui enxergar. Só apertei o gatilho quando a cruz da minha mira cobria um robô
esférico, que se aproximava velozmente pelo corredor largo, existente entre os grandes
reatores.
No momento em que foi atingido pelo raio energético, encontrava-se a uns
cinqüenta metros de distância. O disparo produziu uma ressonância dolorosa no meu
ouvido. Vi o corpo esférico explodir.
Um relâmpago fulgurante subiu ao teto. Antes que fosse atingido pela onda de
compressão, atirei-me ao solo e segurei a base do reator. Seguiu-se uma série de estouros
tão fortes que até parecia que todo esse mundo desconhecido estava prestes a explodir.
Rhodan voltou a disparar. Percebi os raios energéticos luminosos cobrindo
metodicamente as duas entradas que ficavam de seu lado. Voltei a ocupar meu posto e vi
que, da entrada situada de meu lado, saíam novas levas de máquinas esféricas.
Disparei duas vezes. Do outro lado surgiu o caos. Mas antes que outra máquina
detonasse, os robôs recuaram tão depressa que não consegui visar mais nenhum alvo.
Cobri os contornos da entrada com um tiro prolongado; a mesma também se desfez
numa massa borbulhante.
Estava na hora de fechar o capacete. O calor já se tornava insuportável e as nuvens
de fumaça eram tão densas que mal conseguíamos respirar. A cobertura de minha cabeça
emitiu um clique e se ajustou ao fecho magnético. O suprimento de oxigênio começou a
funcionar automaticamente.
— Então é isso — disse a voz de Rhodan, vinda pelo alto-falante.
— Tem certeza de que não há nenhum robô escondido por aqui? — perguntei.
— Tenho certeza quase absoluta. Pelo que consegui notar durante a confusão, não há
nenhum. Acho que vamos recuar para a sala com a grade energética.
— Que idéia maluca! Vamos resistir na usina de energia enquanto for possível. Se
para os druufs as máquinas são tão importantes que preferem não destruí-las, então...
A palestra foi interrompida pela voz de Lloyd.
— O ar por aqui está ficando muito poluído, Sir — disse com a voz tranqüila. —
Tentei fechar os “portos,” mas não consegui.
Compreendi aquilo que ele disse em sentido figurado. Se fosse obrigado a fechar
seu capacete, teria de recorrer mais uma vez ao suprimento de oxigênio das suas garrafas.
Conforme constatamos logo após a rematerialização, seu suprimento de ar daria para
umas seis horas.
Apenas via a sombra de Rhodan. Mais adiante, o robô que explodira estava ardendo.
— Está bem; vamos andando — respondi em tom de desânimo. Mas teremos de
derreter a entrada que ficará atrás de nós, para evitar que a fumaça penetre lá dentro.
O.K., bárbaro, cuide dessa parte. Irei para onde está Lloyd.
— Acho surpreendente que os druufs não chamem pelo rádio para pedir que
capitulemos — respondeu, esquivando-se às minhas palavras. — Estou transmitindo com
cinco watts. Devem ser capazes de captar minha transmissão.
— Não tenha a menor dúvida. Mas dificilmente saberão fazer qualquer coisa com a
língua inglesa. Talvez conheçam o arcônida.
— Não diga!
— Será que você acredita realmente que é o centro do Universo? Por que não iriam
conhecer o arcônida? Bilhões dos nossos foram levados para o plano temporal dos druufs.
Estou perfeitamente lembrado das frentes de superposição. Face a isso, os quadráticos
talvez tenham criado algo parecido com uma máquina tradutora. Pelo que me consta, até
hoje nenhuma população de língua inglesa foi atingida pela zona de superposição.
Passou a falar em arcônida, mas isso também não adiantou nada.
— O ar está ficando cada vez mais poluído! — disse Lloyd.
Rhodan caminhou lentamente em direção à porta que ficava à nossa retaguarda.
Depois de lançar mais um olhar para as máquinas fracamente iluminadas, segui-o. Por
um instante brinquei com a idéia de inutilizá-las, mas logo compreendi que a destruição
não me serviria para nada.
Quando nos encontrávamos a um metro da passagem, o mutante começou a berrar.
— Sir, alguém está passando pelo teto do corredor. Atlan, chefe, não estão ouvindo?
Já estão entrando. Estão atrás de vocês. Estou captando perfeitamente impulsos cerebrais.
Conheço as intenções deles!
Já estávamos disparando pelo corredor que devia ter uns cinqüenta metros em linha
reta.
Ligamos os potentes holofotes de nossos capacetes, cujo feixe de luz mergulhava o
trecho de caminho que tínhamos pela frente numa forte luminosidade.
Mais ou menos no centro do túnel, havia uma abertura no teto. Mas antes que
pudessem abrir fogo contra nós, já havíamos passado.
Gritamos para Lloyd, a fim de evitar que ele nos confundisse com os inimigos. A
seguir, entramos cambaleantes na sala com a grade energética.
O mutante ainda não fechara o capacete, embora, mesmo no lugar em que se
encontrava, o ar já estivesse cheio de finas nuvens de fumaça.
Também virei meu capacete pára trás. Rhodan atirou-se ao chão a meu lado, ao
abrigo das robustas colunas que ladeavam a entrada. Respirava pesadamente.
— Foi duro, não foi? — perguntou Fellmer.
Virei-me e examinei atentamente seu rosto. Estava pálido, mas naquele momento
parecia ter um instante de descanso.
— Como vai?
Fellmer não gostava de dar mostras de fraqueza.
— Não é nada agradável, almirante. Quanto tempo ainda falta?
Queria saber quanto tempo faltava até que nossa situação se tornasse insustentável.
Mas eu não estava em condições de esclarecê-lo a este respeito.
— Aos poucos, acabarão perdendo a paciência — constatou Rhodan. — Se estivesse
no lugar deles, não permitiria que isso acontecesse em minha casa. Atlan, nós nos
entregaremos no último instante. Entendido?
Aquilo soara como uma ordem. Acontece que eu não estava disposto nem era
obrigado a aceitar ordens, a não ser que me encontrasse a bordo de uma nave da frota
solar que estivesse em batalha, quando então, evidentemente, haveria uma graduação
hierárquica.
Lancei-lhe um olhar perscrutador.
— Ainda pensarei sobre isso, meu caro. Não estou interessado em sofrer a
vivissecção que esses descendentes de insetos talvez pretendam realizar.
O rosto de Lloyd mudou de cor. Rhodan cerrou os dentes, fazendo-os ranger
fortemente.
— Mesmo assim devemos assumir este risco! — disse, insistindo em seu ponto de
vista. — Dessa forma, ainda teremos uma chance de escapar.
— Tolice! Se nos encontrássemos no Universo einsteiniano e encurralados por uma
raça conhecida, ainda diria que sim. Mas aqui...
Sacudi a cabeça e voltei a olhar para a entrada. Lá fora estava tudo em silêncio.
Estive a ponto de levar mais um comprimido de alimento concentrado do depósito
do capacete à boca, quando os druufs fizeram nova tentativa. Da abertura do teto saiu
uma forte luminosidade. Ouviu-se um rumorejar surdo. Prendemos a respiração e ficamos
escutando.
— Até parece um tanque que está andando — cochichou Lloyd.
— Ou então como robôs pesados dotados de campos defensivos — acrescentei. —
Se utilizarem esse tipo de máquina, podemos jogar fora nossas armas portáteis. O.K.?
Pensem bem se querem entregar-se ou não. Quanto a mim, só decidirei no último
instante.
Mais uma vez, o rosto de Fellmer mudou de cor. Engolindo em seco e lutando com
as náuseas, virou o rosto para outro lado. Dali a pouco, contorcia o corpo junto à parede.
A pedra ia caindo do teto do corredor. Tratava-se de rocha natural entremeada pelo
material de revestimento. Estavam ampliando a abertura. Na minha opinião isso era um
absurdo.
Por que não mandavam suas tropas, ou fosse lá o que fosse, pelo pavilhão dos
reatores?
Preferi não refletir mais sobre isso. Pouco importava a direção de que vinham.
Fiquei com a arma engatilhada, regulada mais uma vez na potência máxima. O
polegar da mão esquerda repousava sobre o botão que acionava o mecanismo automático
de fechamento do capacete.
Subitamente Rhodan tocou-me com o pé. Seu rosto revelava uma tensão
extraordinária. Olhei-o.
— Você não ouve? Alguém me chama pelo nome.
— Hein?
— É o que acabo de dizer. Alguém me chama pelo nome. Trata-se de uma
mensagem telepática.
Com um sorriso inseguro voltou-se para o mutante.
— Lloyd, ouviu?
— Ouvi, sim senhor, mas a mensagem é muito fraca — disse Fellmer. — Alguém o
está chamando pelo nome de Perry Rhodan. Diz que o perigo se aproxima e que sente
muito ter-nos capturado involuntariamente com seu transmissor. Mas, apesar de tudo, foi
bom, pois só assim conseguiu vencer suas resistências internas. Ele não sabe quem é o
senhor...
Poucas vezes vi um rosto tão espantado. Rhodan parecia fora de si. Para mim aquilo
não passava de uma brincadeira de mau gosto.
— Santo Deus! Quem pode conhecer meu nome por aqui? E que formulações
místicas são estas? O sujeito deve saber quem sou!
— Isso mesmo! — reforcei sem o menor senso de humor. — Trata-se de um truque
dos druufs; apenas isso.
— Acabo de receber outra mensagem! — exclamou Lloyd. — Ele quer que nos
coloquemos novamente atrás das grades. Diz que faria a ligação inversa. É isto mesmo,
usou a expressão ligação inversa. Mas ainda não sabe dizer de onde conhece seu nome ou
por que quer ajudar-nos.
Desta vez, fiquei aborrecido de verdade.
— Preste atenção! — gritei para Rhodan. — Alguma coisa está passando pelo
buraco.
Reconheci as pernas grosseiras de um gigantesco robô. Era feito à semelhança e
imagem dos druufs. Isso provava se tratar de uma máquina de guerra. Qualquer
inteligência que constrói robôs vale-se das suas características anatômicas para construir
esses artefatos armados.
Não perdi tempo. A arma de radiações emitiu um rugido. O raio energético atingiu
as pernas balouçantes, e foi refletido pelas mesmas.
O segundo disparo de minha arma fundiu o teto, mas naquele momento a máquina já
descia lentamente.
Ondas de pressão superaquecidas passavam ruidosamente pela abertura do recinto.
Não tivemos necessidade de acionar as chaves, porque o dispositivo térmico fechou
automaticamente nossos capacetes. Arrisquei o terceiro ataque, mas o robô apenas
cambaleou ligeiramente para trás.
Sem que tivesse havido qualquer comunicação entre nós, saltamos para dentro do
grande pavilhão. No momento em que a máquina estava a ponto de entrar, o portão
desmoronou sob a ação de nosso fogo atômico. O ar, que até então ainda era respirável,
começou a ferver. Os projetores de campos defensivos de nossos trajes entraram em
funcionamento. Era uma rematada loucura recorrer a armas térmicas num ambiente como
este.
— Outra mensagem — disse Lloyd pelo rádio de capacete. — Diz que não devemos
perder mais tempo. Quer que entremos, pois ligar-nos-á imediatamente de volta. Outros
robôs se aproximam. Santo Deus, o senhor ao menos poderia experimentar!
Não sabia se estas palavras foram dirigidas a mim ou a Rhodan. Lancei um olhar
para a “jaula” energética. Não confiava mais nela.
Nesse instante, as grossas barras de metal começaram a brilhar. Devia ser o calor, ou
então realmente alguém acabara de ligar o aparelho parecido com um transmissor.
— Acabo enlouquecendo! — disse Rhodan fora de si. — Será que há alguma coisa
atrás...?
— Isso será uma aventura — ironizei, apesar da situação desesperadora em que nos
encontrávamos. — Quem sabe o que acontecerá depois que entrarmos ali?
Lloyd passou por nós, cambaleando. Aproximou-se lentamente das barras de metal e
ultrapassou-as.
Por um momento contemplamos estupefatos o quadro. Não, não aconteceu nada.
Um trovejar soou na abertura soterrada. Alguém estava removendo as rochas
incandescentes com algum aparelho.
— Falta um minuto, arcônida!
Os olhos de Rhodan chisparam fogo. Finalmente levantou-se devagar e também
caminhou em direção à grade. Segui-o de perto.
Lloyd prestou atenção ao que se passava em sua mente.
— Ele nos deseja muitas felicidades — disse o mutante. — Repete que tudo foi
fruto de um equívoco. Quer acrescentar que...
Não consegui ouvir as palavras que se seguiram. Uma força tremenda apoderou-se
de meu corpo.
10
***
**
*
Pela primeira vez Perry Rhodan viu-se no
verdadeiro e perigoso Universo Druufiniano, mas
conseguiu salvar-se graças a um amigo
desconhecido. Quem seria este amigo?
Em Sob as Estrelas de Druufon, título do
próximo livro, surpresas e mais surpresas
acontecem...