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LIBERDADE ASSISTIDA – BREVES CONSIDERAÇÕES
Ricardo Miranda
CONCEITO
A Liberdade Assistida é uma medida socioeducativa, a ser cumprida em meio aberto, isto é,
sem que o jovem tenha privação de sua liberdade, prevista no Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei nº 8.069/90), aplicável aos adolescentes autores de atos infracionais. Trata‐se
de medida judicialmente imposta, de cumprimento obrigatório.
Sua aplicação tem lugar quando se mostrar a medida socioeducativa mais adequada ao caso
concreto para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o jovem, devendo ser levado em conta
a sua capacidade de cumpri‐la, as circunstâncias e gravidade da infração.
Tem como objetivo, não só evitar que o adolescente venha novamente a praticar ato
infracional, mas, sobretudo ajudar o jovem na construção de um projeto de vida, respeitando
os limites e as regras de convivência social, buscando sempre reforçar os laços familiares e
comunitários.
ANTIGO CODIGO DE MENORES ‐ REVOGADO
Antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) tivemos no Brasil outros dois
diplomas legais que regulamentavam judicialmente as questões infanto‐juvenis, abordando
pontos como adoção, guarda, tutela, perda do pátrio poder (hoje poder familiar), apuração e
sanção de atos ilícitos cometidos pelos jovens, entre outros pontos.
Assim, tivemos o Código de Menores de 1927 (Decreto nº 17.943‐A de 12 de Outubro de 1927)
também conhecido como Código Mello Mattos, em homenagem ao seu idealizador, e o Código
de Menores de 1979 (Lei nº 6.697, de 10 de Outubro de 1979).
No que tange a questão da Liberdade Assistida, os atuais doutrinadores do ECA são unânimes
em afirmarem que não se trata de um instituto inovador, uma vez que já havia previsão de
algo muito semelhante nos referidos Códigos de Menores denominado Liberdade Vigiada.1
Com o devido respeito, ouso‐me discordar dessa afirmação. A Liberdade Vigiada prevista nos
artigos 92‐100 do Código de Menores de 1927 e no artigo 38 do Código de Menores de 1979,
em nada se assemelha ao disposto nos artigos 118‐119 do ECA. Vejamos o Código de Menores
de 1927:
“CAPÍTULO VIII
1
Nesse sentido: CURY, Munir (coord). Estatuto da criança e do adolescente comentado. 7. ed. São Paulo:
Malheiros, 2005, p.402. LIBERATI, Wilson Donizete. Comentários ao estatuto da criança e do
adolescente. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 89.
DA LIBERDADE VIGIADA
Art. 92 – A liberdade vigiada consiste em ficar o menor em companhia e sob a responsabilidade
dos pais, tutor ou guarda, ou aos cuidados de um patrono, e sob a vigilância do juiz, de acordo
com os preceitos seguintes:
1 – A vigilância sobre os menores será executada pela pessoa e sob a forma determinada pelo
respectivo juiz.
2 – O juiz pode impor aos menores as regras de procedimento e aos seus responsáveis as
condições, que achar convenientes.
3 – O menor fica obrigado a comparecer em juízo nos dias e horas que forem designados. Em
caso de morte, mudança de residência ou ausência não autorizada do menor, os pais, o tutor
ou guarda são obrigados a prevenir o juiz sem demora.
4 – Entre as condições a estabelecer pelo juiz pode figurara a obrigação de serem feitas as
reparações, indenizações ou restituições devidas, bem como as de pagar as custas do processo,
salvo caso de insolvência provada e reconhecida pelo juiz, que poderá fixar prazo para
ultimação desses pagamentos, tendo em atenção as condições econômicas e profissionais do
menor e do seu responsável legal.
5 – A vigilância não excederá de um ano.
6 – A transgressão dos preceitos impostos pelo juiz é punível:
a) Com multa de NCr$ 0,01 a NCr$ 0,10 aos pais ou tutor ou guarda, se da sua parte tiver
havido negligência ou tolerância pela falta cometida;
b) Com detenção do menor até oito dias;
c) Com remoção do menor.
Art. 93 – O liberado, juntamente com o seu responsável, assinará um termo, do qual constarão
as condições do livramento.
Art. 94 – A liberdade vigiada será revogada, se o menor cometer algum crime ou contravenção
que importe pena restritiva da liberdade, ou se não cumprir alguma das cláusulas da
concessão. Em tal caso, o menor será de novo internado, e o tempo decorrido durante o
livramento não será computado. Decorrido, porém, todo o tempo que faltava, sem que o
livramento seja revogado, a liberdade se tornará definitiva.”
Código de Menores de 1979:
“TITULO V
DAS MEDIDAS DE ASSISTÊNCIA E PROTEÇÃO
CAPITULO I
DAS MEDIDAS APLICÁVEIS AO MENOR
Seção II
DA LIBERDADE ASSISTIDA
Art. 38. Aplicar‐se‐á o regime de liberdade assistida nas hipóteses previstas nos incisos V e VI
do art. 2º desta Lei, para o fim de vigiar, auxiliar, tratar e orientar o menor.
Parágrafo único. A autoridade judiciária fixará as regras de conduta do menor e designará
pessoa capacitada ou serviço especializado para acompanhar o caso.”
Em ambos os diplomas o que se verifica é a visão que se tem do adolescente como objeto de
intervenção judicial, que, em nome da uma suposta regularização da situação irregular a qual
se encontra o “menor”, deverá o mesmo sofrer a chancela do juiz que atuará como enérgico
pai desse jovem com o intuito de tratá‐lo, corrigi‐lo, fazer o que a família não fez.
Fica a crítica: tratar de quê? Corrigir o quê? Pode‐se punir alguém por ter sido abandonado
pelo Estado, pela sociedade, pela família? A interferência do judiciário restringindo a liberdade
desses jovens é a resposta adequada?
Em ambos os diplomas sente‐se a impregnação da doutrina da situação irregular, onde o
adolescente era descaradamente objeto de intervenção judicial. Vê‐se com facilidade que o
objetivo dessa “liberdade” era mais do que vigiar, era, acima de tudo, impor regras de conduta
escolhidas ao livre arbítrio do julgador, que deveria agir como rígido pai.
Dessa forma, o juiz fixava uma pessoa capacitada para servir de carrasco, de cão de guarda do
judiciário contra o adolescente, ficar vigiando o jovem para coibi‐lo de enveredar‐se na trilha
do que acreditavam ser irregularidade, limando‐se a acompanhar o caso.
Ora, dizer que isso é igual a liberdade assistida prevista no ECA não me parece nada adequado.
VIGIAR X ASSISTIR
A acepção do termo “assistir” é muito diferente do termo “vigiar”. Enquanto “vigiar” remete a
idéia de inércia (observar, espreitar, estar atento), “assistir” dá idéia de movimento
(acompanhar, comparecer). “Vigia‐se” o que deve permanecer como está para que não altere
a situação apresentada. “Assiste‐se” o que precisa de proteção, de socorro, o que deve ser
retirado da situação que se encontrava.
A Liberdade Vigiada do Código de Menores de 1927 e a Liberdade Assistida do Código de
Menores de 1979 em nada se assemelha com Liberdade Assistida.
Para melhor compreender a ratio legis dos artigos 118‐119 do ECA tenhamos em mente alguns
pontos preliminares.
O princípio da proteção integral é o cerne do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir
desse princípio surgem outros (sub)princípios que se correlacionam e se entrelaçam ao longo
dos artigos do ECA.
Em especial no que diz respeito a todas as medidas socioeducativas elencadas pelo ECA, deve‐
se destacar2:
a) Principio da excepcionalidade de aplicação de medida socioeducativa;
b) Principio da brevidade das medidas socioeducativas;
c) Principio da exata adequação inicial da medida ao jovem;
d) Principio da última via da privação de liberdade;
e) Principio da prospecção de futuro sadio (jovem incólume‐adulto incólume)
Tais princípios se justificam pela própria estrutura do Estatuto, que prima pela proteção
infanto‐juvenil em todos os seus artigos. Trate‐se de uma construção lógico‐racional que faz
aflorar a necessária proteção do jovem quando da prática de ato infracional, de modo que não
sofra as mazelas de uma indevida intervenção do judiciário apta a macular a formação daquele
que virá a tornar‐se em breve um adulto.
Principio da excepcionalidade de aplicação de medida socioeducativa ‐ A aplicação de medida
socioeducativa não deve ser banalizada, o judiciário não deve interferir quando não houver
lesão ou perigo concreto de lesão. Assim, deve agir quando diagnosticada a lesão e, quando
verificar que existe um perigo concreto de lesão ao jovem, a fim de garantir a proteção do
adolescente. Enquanto for suficiente a aplicação de medidas protetivas, ou mesmo verificar‐se
que a efetivação de políticas assistenciais e sociais derem conta, não se justifica a imposição de
medida socioeducativa.
Principio da brevidade das medidas socioeducativas ‐ A adolescência é um período muito
curto, que, juridicamente (art. 2º do ECA), vai dos 12 aos 18 anos. Não se mostra razoável a
aplicação de uma medida socioeducativa por longo prazo. Assim, o lapso de 06 (seis) meses
deve sempre ser respeitado para a aplicação de PSC, LA. Semiliberdade e Internação.
Decorrido referido prazo deve‐se verificar a suficiência ou não da medida imposta. O que se
busca é que a medida seja breve e suficiente para o jovem, já que também é breve o período
da adolescência, e não me parece correto que os jovens traspassem essa fase de suas vidas
inteiramente impregnados por uma medida judicial.
Principio da exata adequação inicial da medida ao jovem ‐ A exata adequação inicial da medida
socioeducativa é corolário da brevidade, isso porque deve constatar imediatamente qual a
medida mais adequada ao caso concreto, sendo que, uma vez iniciada a medida e verificada
sua inadequação, seja o mais rápido possível providenciada sua alteração, ainda que verificada
num período inferior de 06 (seis) meses, numa forma de resguardar o adolescente de qualquer
mácula decorrente de uma inadequação do jovem à medida.
2
Os comentadores do ECA apresentam apenas dois princípios: o da excepcionalidade e o da brevidade.
Tais princípios são mencionados somente para a medida de internação, contudo, entendo que os cinco
princípios acima mencionados devem estar presentes em todas as medidas socioeducativas previstas no
ECA.
Importa ressaltar o seguinte fato: inicialmente o magistrado deve aplicar a medida que
entender adequada ao jovem, levando em consideração o ato infracional praticado. Depois de
aplicada pelo juiz, verificando‐se a prática do que foi imposto, é o jovem quem deve se
adequar a medida e não a medida que deve se adequar ao jovem. Explico: Um adolescente
com 13 anos que nunca praticou ato infracional, reside com sua família, frenquenta a escola.
Juntamente com um adulto praticam um latrocínio (art. 157, § 3º, do Código Penal), onde fica
apurado que foi o adulto quem disparou a arma de fogo que ocasionou o óbito da vítima.
Ainda que se trate de crime praticado mediante grave ameaça e violência pode o magistrado
entender correta a aplicação de Liberdade Assistida por 06 (seis) meses.
Decorrido o prazo verifica‐se, então, a adequação do jovem à medida, isto é, se ela foi
suficiente para que o adolescente repensasse seu ato e não volte a cometer outro ato
infracional. Se fosse diferente: a medida que deve ser adequada ao jovem, inequivocamente,
todas os atos infracionais cometidos mediante grave ameaça ou violência a pessoa, seria
imposta ao adolescente, ainda que se verifique que outra medida é mais adequada ao caso.
Isso representa o magistrado cego que segue a literalidade da Lei não se atentando aos fins
sociais da lei.
Principio da última via da privação de liberdade ‐ A internação deve ser a ultima via para o
jovem. Sabemos que a proposta do ECA é que a internação do adolescente seja em
estabelecimento pedagógico, contudo o que a prática nos mostra são presídios para
adolescentes. A privação da liberdade daquele que se encontra em peculiar condição de
pessoa em desenvolvimento, sendo submetido e isolado ao cárcere, não se mostra nada
pedagógico, nem socieducativo. O que reforça a idéia de ser a internação a última opção, isto
é, quando esgotadas todas as opções de medidas socioeducativas
Principio da prospecção de futuro sadio (jovem incólume‐adulto incólume) ‐ Ao se impor uma
medida socioeducativa deve‐se ter claro que a semeadura é livre, mas a colheita é obrigatória,
logo, inequivocamente, teve‐se ter a prospecção de futuro do socioeducando, pois ao término
da medida estará livre das amarras do judiciário. Um adolescente que cumpre sua medida sem
que seja vilipendiado tornar‐se‐á um adulto incólume, sem as marcas de uma incisão do
judiciário em sua curta fase de desenvolvimento.
INICIO DO PRAZO DE LIBERDADE ASSISTIDA
Quanto ao início do prazo das outras medidas não se tem dúvidas, já que a internação inicia‐se
com a privação da liberdade, a semi liberdade também, quanto a PSC inicia‐se no dia em que o
adolescente começou a prestar o serviço. E a LA, quando inicia? É fácil. A liberdade do jovem
inicia quando é posto em liberdade pelo julgador. Assim, quando o magistrado em audiência
aplica ao adolescente que se encontrava apreendido provisoriamente, ou mesmo ao
internado, uma medida de LA, é a partir daquele instante em que retoma sua liberdade que se
inicia a medida de Liberdade Assistida.
Mas se ainda não está assistido, como posso dizer que já iniciou a medida? A resposta é lógica:
a liberdade é imediata, a assistência é a seu tempo, já que a incumbência daquele que irá
assistir, prevista no art. 119, é um momento sucessório. Explico: o jovem deve ficar livre, uma
vez em liberdade, será acompanhado, auxiliado e orientado pelo educador. São fases distintas
em que uma precede a outra.
Com efeito, se o adolescente não estivesse em liberdade, o orientador pouco atuaria sobre o
jovem (inércia). Mas uma vez liberto (movimento), aí assim, pode acompanhar, seguir pari
passu a trajetória de superação do jovem. Agora fica mais clara a distinção de Liberdade
Vigiada para Liberdade Assistida. Todo o procedimento que se faz na Liberdade Vigiada
também pode ser aplicado a uma internação! O que não é possível quando se trata de
Liberdade Assistida, sendo, pois, pressuposto lógico que, para o educador acompanhar,
auxiliar e orientar o adolescente, é conditio sine qua non a liberdade.
Mas como fica a questão do prazo?
Imagine a seguinte hipótese: Um adolescente recebeu LA por 06 (seis) meses. Não
compareceu para o atendimento inicial marcado para o 15º dia depois da audiência em que
fora aplicada a medida. Após várias tentativas de contato, depois de 60 dias da data marcada
para o comparecimento inicial, foi informado ao magistrado o não comparecimento. O
magistrado despachou 15 dias depois de protocolada a informação de não comparecimento,
determinando a intimação pessoal do adolescente e de seu responsável para comparecer em
48 horas. O Oficial de Justiça só conseguiu cumprir o mandado de intimação 20 dias depois.
Resumindo: o jovem e seu responsável compareceram ao Programa faltando quase dois meses
para atingir o prazo final de 06 meses inicialmente imposto, e aí, como fica?
Para responder é preciso cautela: O juiz fixa prazo de 06 meses de liberdade assistida. O prazo
de 06 meses é para que o jovem fique em liberdade.
Nesse tempo, o orientador é quem irá “executar” a medida, isto é, ele terá que acompanhar,
auxiliar e orientar o adolescente. Essa tarefa ele pode fazer por todo o período determinado
como também somente nos últimos dois meses.
Logo, o prazo de 06 (seis) meses estabelecidos pelo juiz não é para o adolescente, é para o
orientador fazer sua “atividade” junto ao jovem. É o orientador quem deve dar conta de suas
tarefas no prazo de 06 seis (meses), e não o adolescente que está em liberdade. O adolescente
que está livre não deve fazer nada, afinal está livre, se assim não fosse não estaria em
liberdade. Quando se acrescenta o termo “assistida” a esta liberdade, na verdade está
passando a responsabilidade da manutenção ou não dessa liberdade nas mãos do orientador,
que terá o difícil encargo de, dentro de 06 (seis) meses acompanhar, auxiliar e orientar o
adolescente, podendo fazê‐lo por todo o período determinado, como também nos dois
últimos meses do prazo.
Retornando a questão: Se o orientador estiver convicto que nos dois meses que acompanhou
o adolescente foram suficientes para ter a percepção de que o jovem superou o ato
infracional, deve requerer a extinção da medida, caso contrário, havendo dúvidas ou não
sendo possível “executar a sua tarefa” de orientador, deverá requerer novo prazo.
CONDIÇÕES IMPOSTAS – REGRAS DE CONDUTA
Ora, com o advento da doutrina da proteção integral, o magistrado deixou de ser um
interventor na vida do adolescente, passando a ser um protetor. Nessa linha de raciocino,
verifica‐se que o ECA ao descrever as medidas socioeducativas em momento algum diz que o
magistrado irá redigir termo de conduta, em momento algum estabelece que o adolescente
deverá seguir as regras impostas pelo magistrado. Por quê? Porque a doutrina da situação
irregular foi superada. Não se pode impor regras de conduta ao jovem, não há mais espaço
para esse tipo de interferência do judiciário.
A imposição de qualquer regra de conduta ao adolescente como requisito de cumprimento de
medida é escancaradamente inconstitucional.
Infelizmente, o que se verifica é a manutenção da doutrina da situação irregular, em especial o
disposto no Código Mello Mattos que ao se aplicar a medida de liberdade assistida, o
magistrado deveria impor regras de procedimento ao jovem (art. 92, 2 do Código de Menores
de 1927):
Art. 92 – A liberdade vigiada consiste em ficar o menor em companhia e sob a responsabilidade
dos pais, tutor ou guarda, ou aos cuidados de um patrono, e sob a vigilância do juiz, de acordo
com os preceitos seguintes:
(...)
2 – O juiz pode impor aos menores as regras de procedimento e aos seus responsáveis as
condições, que achar convenientes.
Já no Código de Menores de 1979, os pais ou responsáveis deveriam firmar termo de
compromisso, onde o juiz verificaria o cumprimento das obrigações previstas no referido
termo (art. 43):
Art. 43. Os pais ou responsáveis firmarão termo de compromisso, no qual a autoridade
judiciária fixará o tratamento a ser ministrado ao menor.
Parágrafo único. A Autoridade verificará, periodicamente, o cumprimento das obrigações
previstas no termo.
Ainda hoje vemos este disparate. O magistrado insiste em redigir termo de liberdade assistida
impondo condições evasivas, tais como: não andar em más companhias; não frequentar bailes
funks, barzinhos, pagodes ou similares e quiosques de praias, frequentar templo religioso,
ajudar nas tarefas domésticas, entre outras.
Não bastasse esse resquício de exigências dos antigos códigos de menores, tem‐se o
embasamento da exigência de regras de conduta que são previstas na legislação penal, isto é,
busca‐se refúgio em lei penal de adulto, numa dupla violação: uma porque se trata de crianças
e adolescente, outra porque não se impõe pena ao jovem, mas medidas protetivas e
socioeducativas.
Nessa busca eloquente para impor regras de condutas aos jovens, usa‐se o abrigo do Código
Penal e da Lei de Execuções Penais, aplicando as exigências previstas para o livramento
condicional, o que se mostra repugnante:
Lei de Execuções Penais:
Do Livramento Condicional
Art. 131. O livramento condicional poderá ser concedido pelo Juiz da execução, presentes os
requisitos do artigo 83, incisos e parágrafo único, do Código Penal, ouvidos o Ministério Público
e Conselho Penitenciário.
Art. 132. Deferido o pedido, o Juiz especificará as condições a que fica subordinado o
livramento.
§ 1º Serão sempre impostas ao liberado condicional as obrigações seguintes:
a) obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho;
b) comunicar periodicamente ao Juiz sua ocupação;
c) não mudar do território da comarca do Juízo da execução, sem prévia autorização deste.
§ 2° Poderão ainda ser impostas ao liberado condicional, entre outras obrigações, as
seguintes:
a) não mudar de residência sem comunicação ao Juiz e à autoridade incumbida da observação
cautelar e de proteção;
b) recolher‐se à habitação em hora fixada;
c) não frequentar determinados lugares.
REAGRAS PARA O ORIENTADOR DA LA
E o art. 119 do ECA, não são regras a serem obedecidas pelo adolescente?
Não. Trata‐se de atividades que deverão ser promovidas pelo orientador, como bem diz no
início do art. “Incumbe ao orientador”:
Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a
realização dos seguintes encargos, entre outros:
I ‐ promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo‐lhes orientação e inserindo‐
os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;
II ‐ supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo,
inclusive, sua matrícula;
III ‐ diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado
de trabalho;
IV ‐ apresentar relatório do caso.
Veja, é o orientador quem deve inserir a família do adolescente em programa de auxílio e
assistência social. É o orientador quem deve supervisionar o aproveitamento do jovem na
escola e promover sua matricula. É o orientador quem deve diligenciar para inserir o jovem no
mercado de trabalho. Claro que não poderia ser diferente, mais uma vez, fica claro a acepção
do termo “assistida” da liberdade. O jovem, em liberdade, sofrerá a assistência do orientador
para matriculá‐lo, para ajudar no mercado de trabalho, incluir sua família em programas de
assistência.
Mas se o jovem não frequenta a escola? Se o jovem não se entende com seus pais? Se o jovem
consome drogas ilícitas? O que fazer?
Essa resposta já não é tão simples!
Deve‐se perguntar se as ações dos profissionais do Programa de Liberdade Assistida foram
suficientes para o adolescente. Deve‐se perguntar se o jovem mostrou‐se merecedor da
extinção da medida. Deve‐se perguntar se outra medida socioeducativa se faz necessária.
Deve‐se perguntar se o prazo da medida foi suficiente para se ter uma avaliação. Deve‐se
perguntar se foi possível semear uma prospecção de futuro sadio ao adolescente.
Verificado que a medida socioeducativa de Liberdade Assistida logrou êxito no
acompanhamento, auxilio e orientação do adolescente, tendo alcançado o objetivo de
socioeducação, a extinção da medida deve ser requerida pelo orientador.
Ricardo Miranda é filósofo, advogado, especialista em Direito Penal e Processo Penal,
assessor jurídico do Programa de Liberdade Assistida Comunitária e Prestação de Serviço à
Comunidade – LAC/PSC do Centro Salesiano do Menor ‐ CESAM e Prefeitura Municipal de
Vitória ‐ PMV‐ES. E‐mail: ricardomirandaadv@terra.com.br