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Introdução
Seja muito bem-vindo à nossa primeira aula da disciplina “Preservação e valorização da prova”. Nesta aula,
vamos estudar noções de investigação criminal. Veremos que a investigação, na verdade, consiste em uma
pesquisa, e a atividade de um investigador de Polícia tem muito mais a ver com a de um pesquisador que
com a de um “tira” de seriado americano. Vamos estudar o aspecto conceitual abordando o significado, os
objetivos e os princípios da investigação, e ainda como os princípios da ética e os direitos humanos permeiam
todas as fases da investigação criminal, devendo, por isso mesmo, sempre nortear as ações do investigador.
Por fim, devemos observar que a investigação criminal reúne conceitos de diferentes áreas de conhecimento
(a jurídica e a policial, por exemplo), sendo, naturalmente, objeto de muitas polêmicas e discussões. A
lavratura do termo circunstanciado pela Polícia Militar em alguns estados e a legitimidade ou não do
Ministério Público para investigar, por exemplo, merecem atenção especial e estão referenciadas na seção
“Saiba Mais ”. Vale a pena conferir.
Quando falamos em investigação criminal, vêm à nossa mente, de forma intuitiva, os filmes e
seriados policiais a que assistimos na TV ou no cinema.
Esses filmes e seriados, no entanto, em geral estrangeiros, retratam uma realidade jurídica e
sociocultural bem diferente da nossa.
Além disso, como sabemos, tudo é “acertado” para que, no final, os “mocinhos” se deem bem e os
“bandidos”, mal.
Sabemos que, na realidade, diferentemente do que ocorre na ficção, o sucesso da investigação não é
garantido.
A incolumidade e até a vida daqueles que protagonizam a investigação das vítimas e dos suspeitos
podem estar expostas a muitos riscos.
Na vida real, o sucesso e a segurança dependem, entre outros fatores, da técnica e do planejamento
da equipe de investigação.
A prática da investigação criminal corresponde muito mais a uma pesquisa, em que o investigador-
pesquisador busca, por meio da prova, estabelecer a verdade real. Assim como o pesquisador, o
investigador deve observar procedimentos, métodos e técnicas, devendo evitar o empirismo, ou
seja, o método da tentativa e erro.
1. Seguir os vestígios de; 2. (...) pesquisar (...); 3. Examinar com atenção (...) (FERREIRA, Aurélio
Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. Edição eletrônica. Versão 5.0.
Curitiba: Positivo, 2005).
Percebemos que a primeira definição, “seguir os vestígios de”, remete-nos ao caráter operacional da
investigação. Ao mesmo tempo, as definições seguintes, “pesquisar” e “examinar com atenção”,
denotam o caráter metódico e científico que se espera de uma investigação.
Dito isso, voltemos à versão eletrônica do dicionário Aurélio para ver o que nos diz sobre
“pesquisa”:
1. Ato ou efeito de pesquisar; (...); 3. Investigação e estudo, minudentes e sistemáticos, com o fim
de descobrir ou estabelecer fatos ou princípios relativos a um campo qualquer do conhecimento.
Agora, refinada nossa definição preliminar, podemos dizer que:
Investigação criminal é a pesquisa minuciosa e sistematizada de uma infração penal.
Mas para que seguir vestígios, pesquisar, examinar? Qual é o objetivo de se proceder a uma
investigação criminal?
Antes de respondermos a essa questão, precisamos clarear alguns conceitos. É relativamente
comum observarmos confusões envolvendo os conceitos de investigação criminal, inquérito policial
e ação penal. Vamos esclarecer cada um deles a seguir.
Inquérito policial
O resultado da investigação criminal é formalizado, por escrito, no inquérito policial.
Ação penal
O inquérito policial servirá de subsídio para que o Ministério Público promova a ação penal com
vistas à punição do autor do fato, pronuncie-se pelo arquivamento ou ainda retorne os autos à
unidade de Polícia Judiciária requisitando novas diligências
E se ampliarmos nossa visão? E se vislumbrarmos além das instituições policiais que efetivamente
desenvolvem a investigação criminal?
Se levarmos em consideração que a Polícia interage com outras instituições, como o Ministério
Público e a Justiça, podemos concluir então que o objetivo mediato da investigação criminal seria:
Objetivo processual: o fornecimento de subsídios ao Ministério Público para a propositura da
ação penal.
Será que essa definição nos satisfaz? Será que a Polícia existe tão somente para fornecer ao
Ministério Público elementos que tornem possível a propositura de uma ação penal? Será que a
Polícia e o Ministério Público são o tipo de instituição que representa um fim em si mesmo?
Naturalmente que não.
O que chamaríamos de “sistema de justiça criminal” entre nós seria representado pela Justiça Penal,
pelo Ministério Público e pelas polícias (federal e estaduais).
O objetivo comum dessas instituições não é punir por punir, cercear direitos e liberdades.
Na verdade, quando um crime é cometido, alguém desobedeceu a uma regra convencionada pela
sociedade por meio de seus mandatários. Em virtude dessa desobediência, dessa transgressão,
alguém ou alguma instituição teve seus direitos violados.
Então, de forma ainda mais ampla, mais abrangente, podemos definir o objetivo da investigação
criminal como:
Objetivo social: a defesa dos direitos e das garantias do cidadão por meio da aplicação da lei penal.
A investigação criminal é classificada como cartorária quando realizada por profissionais
diretamente subordinados à autoridade policial (delegado de Polícia) ― inspetores, detetives,
escrivães, entre outros.
A investigação preliminar é aquela realizada logo após a infração penal, no local do fato e
adjacências. Consiste sobretudo na coleta de vestígios, feita pela polícia técnico-científica, e na
coleta de informações (entrevistas informais), que deve ser feita pela autoridade policial ou por seus
agentes.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...).
Sendo assim, clique em cada caixa abaixo, para conhecer os princípios gerais da administração
pública:
Princípio da legalidade
Esse é o primeiro princípio da administração pública e, talvez, o que mais expresse o paradigma do
estado de direito. O princípio da legalidade é a expressão da supremacia da lei.
Observe que esse princípio tem duas faces: uma em relação à administração pública e outra em
relação ao cidadão. Para o investigador ― que representa a administração pública ―, esse princípio
expressa uma relação de submissão, restritiva, em que ele só pode fazer o que a lei determina, tendo
muito pouca discricionariedade.
Em sentido diverso, o cidadão, nesse princípio, tem a garantia de liberdade, uma vez que pode fazer
tudo o que a lei não proíbe e não pode ser obrigado a fazer o que não estiver previamente expresso
em lei.
Princípio da impessoalidade
Em atendimento ao princípio da impessoalidade, as ações do investigador, além de serem limitadas
pela lei, devem ser norteadas pelo interesse público a fim de buscar a verdade real dos fatos.
O investigador deve abster-se de ações que, embora legais, busquem, na verdade, o atendimento de
interesses pessoais, promoção pessoal, benefícios ou prejuízos de quem quer que seja.
Princípio da moralidade
O princípio da moralidade é a expressão da ética no serviço público.
Não é suficiente que os atos do investigador sejam pautados pela legalidade e visem tão somente ao
interesse público.
Devem também adaptar-se aos valores morais e sociais vigentes, como honestidade, equidade e
justiça.
Princípio da publicidade
O princípio da publicidade é o corolário da transparência na administração pública.
Esse princípio busca atender aos princípios democráticos, permitindo que os atos administrativos
possam ser controlados pelos diversos órgãos da administração pública (Ministério Público, Justiça)
e pela sociedade civil (imprensa e cidadão).
Observe que nenhum princípio ou direito é absoluto: o princípio da publicidade, que é a regra,
também está sujeito a exceções, como nos casos de investigação sigilosa, devendo essas exceções
serem previstas em lei.
Parágrafo único. Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não
poderá mencionar quaisquer anotações referentes à instauração de inquérito contra os requerentes.
(Redação dada pela Lei 12.681, de 2012) (BRASIL. Decreto-Lei 3.689/41 ― Código de Processo
Penal. Rio de Janeiro: 1941).
princípio da eficiência
Finalmente temos o princípio da eficiência, acrescentado ao texto constitucional pela Emenda
Constitucional 19/1998, que impõe ao administrador zelar pelos recursos de que dispõe.
Semelhante ao administrador da iniciativa privada, ele deve vislumbrar a relação custo/benefício de
seus atos para a administração pública buscando sempre alcançar o melhor resultado com o menor
gasto de recursos públicos, sendo esses recursos humanos ou materiais.
ATENÇÃO!
Esses princípios não devem ser analisados isoladamente, mas sim em conjunto, vislumbrando-se
a interação harmônica entre eles. É assim que, ao mesmo tempo, um complementa e limita o
outro. Vejamos um exemplo: o princípio da publicidade visa garantir a transparência dos atos da
administração pública para que possam ser fiscalizados. Essa fiscalização e cobrança implicarão
mais eficiência. Por outro lado, se concebêssemos uma publicidade absoluta, ilimitada, a Polícia
deveria, por exemplo, divulgar de antemão suas ações e estratégias, o que permitiria a adoção,
por parte dos criminosos, de contramedidas que frustrariam a investigação criminal e
comprometeriam sua eficiência.
No entanto, além desses princípios constitucionais, cada setor da administração pública tem seus
princípios específicos, que naturalmente não devem se sobrepor aos constitucionais. No caso da
investigação criminal, temos os seguintes princípios específicos, também denominados:
Um investigador pode, por exemplo, ter suas informações devassadas por acidente ou ato criminoso
ou ainda ser capturado por criminosos que, mediante emprego de técnicas de dissuasão e tortura,
poderiam extrair informações do investigador capturado.
Outra possibilidade seria o vazamento fraudulento e intencional por parte do próprio investigador.
Em todos esses casos, quanto maior o conhecimento acerca da investigação, maior o prejuízo.
Observe que esse princípio demanda agilidade, e não imprudência. Exatamente por isso é
complementado e, ao mesmo tempo, limitado pelo princípio da oportunidade.
Princípio da oportunidade
Equilibra-se com o princípio do imediatismo por conferir eficiência à investigação criminal. Dentro
da brevidade que se exige para o início das investigações, o investigador deve escolher o momento
mais oportuno, que lhe permitirá, de forma ágil e, ao mesmo tempo, segura, iniciar os
procedimentos investigativos.
Conforme vimos ao longo desta aula, em última análise, o objeto maior da investigação
criminal é a defesa dos direitos e das garantias do cidadão por meio da aplicação da lei penal.
Assim, não seria razoável que a defesa desses direitos e garantias passasse pelo desrespeito a
eles.
Por outro lado, também observamos que investigar significa pesquisar, examinar, buscar vestígios.
Essa exceção deve estar prevista em lei, como é o caso das interceptações telefônicas (Lei
9.296/96), da quebra de sigilo bancário (Lei 4.595/64, art. 38), do mandado de busca (Código de
Processo Penal, art. 240), do mandado de condução (Código de Processo Penal, art. 260), entre
outras medidas.
É notório que interceptações telefônicas, quebra de sigilo bancário, busca domiciliar e condução
coercitiva são medidas invasivas e constrangedoras, mas, ao mesmo tempo, indispensáveis em
alguns casos.
É para esses casos que a lei prevê exceções, não podendo, obviamente, o investigador valer-se
dessas medidas no intuito de prejudicar ou constranger o investigado.
Sendo assim, você saberia apontar que dispositivos legais disciplinam a investigação criminal?
Pois bem: as ações do investigador são previstas, majoritariamente, no Código de Processo Penal a
partir do art. 6º e ainda pela legislação especial; por exemplo, as leis 9.034/95 (lei de repressão às
organizações criminosas) e 9.296/96 (lei das interceptações telefônicas).
Por outro lado, essas ações encontram limites na Constituição da República, nos tratados
internacionais em que o Brasil seja parte e na legislação infraconstitucional (leis ordinárias e
especiais). Por tratar especificamente dos direitos e das garantias individuais, é o art. 5º de nossa
Constituição o principal limite às ações do investigador:
Além da Constituição, a investigação criminal é limitada por normas como a Lei 4.898/65, que trata
do abuso de autoridade, tipificando em seus arts. 3º e 4º as condutas que representam crime de
abuso de autoridade e, no art. 6o, as sanções administrativas, cíveis e penais a que o investigador
estará sujeito nesses casos.
Pois bem: as ações do investigador são previstas, majoritariamente, no Código de Processo Penal a
partir do art. 6º e ainda pela legislação especial; por exemplo, as leis 9.034/95 (lei de repressão às
organizações criminosas) e 9.296/96 (lei das interceptações telefônicas).
Por outro lado, essas ações encontram limites na Constituição da República, nos tratados
internacionais em que o Brasil seja parte e na legislação infraconstitucional (leis ordinárias e
especiais). Por tratar especificamente dos direitos e das garantias individuais, é o art. 5º de nossa
Constituição o principal limite às ações do investigador:
Além da Constituição, a investigação criminal é limitada por normas como a Lei 4.898/65, que trata
do abuso de autoridade, tipificando em seus arts. 3º e 4º as condutas que representam crime de
abuso de autoridade e, no art. 6o, as sanções administrativas, cíveis e penais a que o investigador
estará sujeito nesses casos.
Seja muito bem-vindo à segunda aula da nossa disciplina. Estudaremos os conceitos de prova no contexto de
uma investigação criminal; como a prova é valorada juridicamente; e os vícios que podem comprometê-la
tanto no aspecto físico quanto no aspecto jurídico.
Você deve ter percebido que o conceito de prova criminal está diretamente ligado à sua finalidade;
grosso modo, demonstrar um fato ou afirmação.
O desembargador Camargo Aranha nos traz uma definição importante dessa finalidade quando
destaca a natureza reconstrutiva da prova:
“A função da prova é essencialmente demonstrar que um fato existiu e de que forma existiu ou
como existe e de que forma existe. É, portanto, uma tarefa reconstrutiva.” (Aranha, 2004)
Não será a mera insuficiência de provas por parte do acusador que caracterizará o crime de
denunciação caluniosa. É preciso que esse acusador saiba da condição de inocência do acusado, ou
seja, que ele esteja, de forma deliberada e consciente, atentando contra a administração da justiça.
A investigação criminal apurou que Caio, vizinho de Mévio, tinha visto quando este chegava em
casa, acompanhado de Tício. Os dois conversavam em aparente normalidade.
Em dado momento, porém, seguiu-se uma acalorada discussão que culminou com as facadas
desferidas por Tício contra Mévio.
Com base no depoimento de Caio, a autoridade policial conseguiu um mandado de busca e
apreensão na casa de Tício, conseguindo encontrar, enterrada ao lado de uma mangueira, uma faca
do tipo “peixeira”.
Exames laboratoriais apontaram a presença de sangue na faca, indicando ainda que esse sangue
seria compatível com o da vítima, Mévio.
No caso exemplificado, vimos como o trabalho de investigação criminal conseguiu a prova de que o
Ministério Público precisava para sustentar a acusação contra Tício.
Mas você sabia que nem todos os fatos podem ser objeto de prova?
A seguir vamos entender o porquê...
Os fatos axiomáticos não precisam ser provados.
Não é necessário documento para provar que o feriado da independência do Brasil é comemorado
no dia 7 de setembro, tampouco testemunha para afirmar que nossa seleção foi campeã da Copa do
Mundo de 1970.
O direito também não precisa ser provado: presume-se que o juiz tem conhecimento das leis, mas
essa presunção é relativa: o juiz deve conhecer o direito de sua jurisdição, portanto, quando a
alegação recai acerca de direito estrangeiro, este deve ser provado pela parte que o alegou.
O mesmo se aplica às esferas administrativas, não podendo, por exemplo, exigir-se de um juiz de
uma vara federal que conheça uma determinada norma municipal.
Veja o que dispõe o Código de Processo Civil nesse sentido:
“Art. 337. A parte, que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário,
provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim o determinar o juiz.”
As presunções legais também não precisam ser provadas, podendo se dividir em absolutas ou
relativas.
As primeiras não admitem prova em contrário; é o caso da inimputabilidade do menor de 18 anos.
Os fatos irrelevantes também não podem ser objeto de prova.
Para ser objeto de prova, o fato deve ser relevante e ter relação com o processo, sendo, por
isso, capaz de influenciar a decisão do juiz.
Retomando o nosso exemplo:
Já sabemos que Tício é acusado de matar Mévio.
Agora a acusação apresenta prova de que Kévia mantinha um relacionamento com Mévio.
Tudo bem, mas o que uma coisa tem a ver com a outra? Quem é Kévia? O que ela tem a ver com o
fato (homicídio)?
Imaginemos outra circunstância, desconhecida inicialmente, mas que, vindo à tona, torna o
relacionamento entre Mévio e Kévia relevante para o processo:
Imaginemos que Kévia tivesse um relacionamento com Tício e o tivesse trocado por Mévio.
Nesse caso, Tício poderia, motivado por ciúmes, ter investido contra Mévio.
Observou que, nesse nosso exemplo, temos uma circunstância provada e um fato?
O fato e a circunstância nos permitem levantar uma hipótese preliminar, a de que Tício teria matado
Mévio por ciúmes, mas a prova desse fato, por si só, não permite incriminar Tício.
É preciso que tenhamos provas de que Tício, efetivamente, provocou a morte de Mévio.
A hipótese, nesse caso, serve tão somente como um ponto de partida para nortear as investigações.
É por meio do conjunto probatório, mais precisamente da cadeia de evidências ― a qual
estudaremos mais adiante ―, que o investigador poderá confirmar, modificar ou descartar a
hipótese preliminar.
Vamos aproveitar nosso exemplo, do assassinato de Tício, para conhecermos diferentes tipos de
provas, que são determinantes para a investigação criminal.
Essa é uma questão extremamente polêmica, com sólidos argumentos favoráveis e contrários à
obrigatoriedade do contraditório e da ampla defesa ainda na fase da investigação criminal.
O contraditório é a expressão, na prática, do direito à ampla defesa. É a faculdade que uma parte
tem de conhecer e se opor ao alegado pela parte contrária. Quando uma parte faz uma alegação, a
outra deve ser ouvida. Mendes de Almeida (1937) e boa parte dos juristas adotam a definição de
contraditório como “a ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-
los”.
Vamos começar analisando nossa Lei Maior, em seu art.5º
Pelo princípio da ampla defesa, o réu tem o direito de apresentar, no processo, todos os elementos
de defesa de que dispõe, no intuito de opor-se à alegação da acusação.
O réu pode, se assim entender conveniente, ficar em silêncio, mas, se for comprovado que ele foi
inibido de exercer o direito de contestação, o processo pode ser anulado.
Os direitos à ampla defesa e ao contraditório são garantidos, como vimos, pela Constituição. Por
essa razão, são direitos inalienáveis, ou seja, mesmo querendo, o réu não pode abrir mão deles,
devendo exercê-los por meios próprios (autodefesa) ou por intermédio de um procurador (advogado
ou defensor público).
Se, durante o processo, por qualquer motivo, a parte ficar desassistida, ou seja, ficar sem o
procurador, o Poder Público deverá nomear um defensor, que pode ser público ou dativo.
Isso porque, como qualquer outra prova, a emprestada também deve obedecer aos princípios
constitucionais que regem sua produção e utilização, como os princípios da ampla defesa e do
contraditório.
Nesse sentido, o primeiro requisito de admissibilidade da prova emprestada é ter sido produzida, no
primeiro processo, contra quem será utilizada no segundo processo para que a parte, tendo tido
contato com a prova no primeiro processo, tenha plenas condições de contrariá-la no segundo
(Grinover, Fernandes e Gomes Filho, 1998).
Se esse preceito não for observado, a parte contra quem se argui a prova terá sua defesa cerceada
já na esfera do processo penal, em que é pacífico que os princípios da ampla defesa e do
contraditório devem ser respeitados.
Nesse sistema, ainda que não haja prova correspondente nos autos, o juiz pode, por exemplo,
decidir com base em algum conhecimento particular que tenha sobre o caso. Por outro lado, ficam
comprometidos a segurança jurídica e o devido processo legal, sendo impossível o controle das
decisões judiciais.
Sistema das provas legais
É precisamente o oposto do sistema da convicção íntima.
Aqui, cada prova tem seu valor predeterminado, e a decisão do juiz deve seguir rigorosamente esses
valores.
A prova ilícita
Nos itens anteriores, estudamos o direito à prova, mas nenhum direito tem caráter absoluto e, com a
prova, não seria diferente.
Além dos fatos e circunstâncias que não podem ser objeto de prova e que estudamos nesta aula,
existe ainda a questão da prova ilícita, inadmissível em nosso direito.
§ 1 ― São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o
nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.
§ 2 ― Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de
praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da
prova. (Incluído pela Lei n. 11.690, de 2008)
Introdução
Na aula anterior, estudamos o contexto da prova na investigação criminal. Vimos que o principal cuidado na
coleta da prova está relacionado à sua legalidade, pois uma prova coletada de forma irregular pode ser
invalidada, bem como as provas decorrentes dela, podendo com isso comprometer toda a investigação
criminal e levar à impunidade do(s) criminoso(s). Nesta aula, vamos estudar mais detalhadamente os
procedimentos que envolvem a coleta e a produção dos diferentes tipos de prova. Você vai aprender que o
meio de coleta ou produção é determinado pelo tipo de prova. Por exemplo: enquanto uma mancha de
sangue é coletada por um perito, um depoimento é colhido pelo investigador cartorário. Finalmente, você
vai aprender a distinguir que o trabalho de coleta se divide em fases distintas: reconhecimento,
documentação, coleta propriamente dita, transporte e preservação. Vamos conhecer então como são
produzidos ou coletados os diferentes tipos de prova?
Provas periciais
As provas periciais se enquadram na classe das provas materiais, também chamadas de provas reais,
e são colhidas pela Polícia Técnico-Científica.
A perícia pode ser realizada em qualquer fase do processo, do inquérito à execução. Na fase
policial, é realizada por determinação da autoridade policial.
Com o oferecimento da denúncia, a perícia é realizada por determinação da autoridade judicial.
A exceção se dá com a perícia de insanidade, que, mesmo na fase policial, é realizada somente
por determinação da autoridade judicial.
O resultado do trabalho do perito é o laudo pericial.
Sangue e sêmen
O sangue em estado líquido deve ser coletado com o auxílio de uma seringa, uma pipeta automática
ou um conta-gotas, devendo ser armazenado em um tubo de ensaio.
Se o sangue a ser coletado tiver de ser extraído da vítima, o procedimento deve ser feito pelo
médico-legista, um perito que é também um profissional da área da saúde.
Os materiais devem estar estéreis.
Se o sangue estiver coagulado, deve ser coletado com o auxílio de uma espátula e armazenado
preferencialmente em um recipiente de vidro. Espátula e recipiente devem estar estéreis.
Em relação ao sêmen, os procedimentos são idênticos aos adotados na coleta do sangue, observando
as diferenças relativas ao estado líquido, impregnado em tecidos, em objetos ou ainda caso o
material tenha de ser coletado da própria vítima.
Se isso não for possível, a superfície deve ser previamente documentada por fotografia e relatório e
então raspada ― no caso de uma parede ― com uma ferramenta estéril e adequada à superfície em
questão.
Urina e saliva
Se estiverem em estado líquido, a urina e a saliva devem ser armazenadas em garrafas plásticas ou
de vidro estéreis, de preferência em vidro.
Se estiverem sob a forma de manchas ou impregnadas, devem ser coletadas utilizando-se os
mesmos procedimentos e cuidados referidos para o sangue e para o sêmen.
Um cuidado a ser observado: sempre que possível, as amostras devem ser isoladas de fontes
de luz e calor, que podem deteriorá-las rapidamente.
No caso de ossos (de cadáver), deve-se procurar tecido compacto e que ainda não esteja deteriorado
em virtude da ação de bactérias ou fungos, devendo-se evitar tecido ósseo negro ou esverdeado.
Quanto à amostra, deve-se dar preferência a tecidos ósseos das costelas, do fêmur ou da mandíbula.
Armas de fogo e munições
O primeiro cuidado a ser tomado quando coletamos ou manuseamos esse tipo de prova é que a arma
de fogo deve ser recolhida pelo cano, e não pela coronha, pois é nela que, graças à empunhadura,
normalmente ficam as impressões digitais de quem manuseou a arma.
Se o perito tocar na coronha, pode inutilizar essas impressões. É recomendável ainda a utilização de
luvas.
Os estojos deflagrados, se houver, devem ser recolhidos com pinças.
Estojos deflagrados são vestígios de grande interesse não apenas pelas marcas deixadas pela arma
por ocasião do disparo (extrator e/ou percussor) mas também, ou sobretudo, pelas marcas deixadas
pelo próprio atirador, pois raramente quem municiou a arma ― que normalmente é o atirador ―
usou luvas para isso. Assim, esses estojos são prováveis fontes de impressões digitais.
O manuseio desses estojos tem de ser feito com extremo cuidado para que eventuais fragmentos de
impressões digitais não sejam destruídos.
Quanto aos projéteis, se estiverem destacados, devem ser recolhidos com pinças, da mesma forma
que os estojos.
No entanto, se o projétil estiver incrustado em paredes, portas ou outros objetos, o perito deve
retirar o pedaço da parede, do madeiramento ou do objeto em que o projétil se encontrar.
Caso seja destacado da superfície em que estiver incrustado, o projétil pode ser danificado, o que
inviabilizaria o exame pericial.
O projétil tem diâmetro ligeiramente superior ao do cano da arma, de forma que ele sai “prensado”.
Esse atrito gera marcas tanto na arma quanto no projétil. A maioria das armas tem o cano raiado, o
que imprime um movimento de rotação ao projétil quando este passa pelo cano. A ação dessas raias
também deixa marcas características.
Resíduos de substâncias
Diversas substâncias ― como venenos, remédios e outras ― podem ter interesse pericial.
Devem ser recolhidas com material adequado e armazenadas de acordo com sua natureza para que
mantenham suas propriedades.
Esses resíduos podem ser encontrados na própria vítima, no autor ou ainda no ambiente.
Após efetuar o disparo de uma arma de fogo, o autor fica com sua mão impregnada de vestígios de
pólvora, que permanecem durante alguns dias, mesmo após lavagens e esfregaços.
Esses vestígios não são visíveis a olho nu, mas podem ser detectados com o auxílio de instrumentos.
Outro exemplo: em caso de envenenamento, muitas vezes a vítima expele parte da substância que
foi ingerida ou inalada.
Provas testemunhais
A prova testemunhal também recebe o nome de subjetiva. Diferentemente da prova pericial, ou real,
esse tipo de prova não é incontestável.
A declaração prestada pela testemunha pode se revelar falsa ou incompleta, ocasião em que a
testemunha responderá pelo crime de falso testemunho.
Veja o que diz o Código Penal:
Falso testemunho ou falsa perícia
Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador,
tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo
arbitral: (Redação dada pela Lei n. 10.268, de 28.8.2001).
Pena ― reclusão, de um a três anos, e multa.
Observe que não apenas a testemunha, mas ainda o perito, o contador, o intérprete e os demais
profissionais envolvidos no processo também podem cometer o crime de falso testemunho ou falsa
perícia.
O informante
Em uma “zona nebulosa” entre profissionais e testemunhas, encontramos o informante.
O informante é uma fonte não oficial da investigação criminal. Ele não tem nenhum vínculo com as
instituições de Segurança Pública, tampouco presta algum compromisso legal. Suas informações
nem sequer podem ser utilizadas para instruir o inquérito policial. A confiabilidade de suas
informações também é duvidosa e, ainda assim, são elementos preciosos na investigação criminal.
O informante não é uma testemunha ― a não ser que tenha presenciado o fato, ocasião em que
deverá ser convocado formalmente a prestar declarações ―, mas tem informações complementares
a respeito do autor, da vítima, das circunstâncias e da motivação que podem nortear a investigação
preliminar e formular as hipóteses iniciais.
As informações prestadas podem ser de grande relevância, mas o investigador deve sempre se
questionar sobre qual seria a real motivação do informante:
As informações prestadas podem ser de grande relevância, mas o investigador deve sempre se
questionar sobre qual seria a real motivação do informante:
Interesse financeiro? Dever cívico? Consciência? Vingança? Paixão?
O informante pode, na verdade, estar tentando prestar uma contrainformação, desviando o foco da
investigação, no intuito de proteger o verdadeiro autor ― por amizade ou interesse em relação a
este último ― ou incriminar algum desafeto.
Por exemplo, o informante pode indicar como pedófilo ou estuprador um vizinho, colega de
trabalho ou síndico do prédio com o objetivo de criar-lhe um constrangimento perante vizinhos,
familiares ou colegas de trabalho.
Algumas vezes, porém, ainda que o informante não esteja motivado por um sentimento nobre, as
informações prestadas podem ser verdadeiras.
Por exemplo, a amante que, desprezada pelo criminoso, se vinga fornecendo detalhes acerca de sua
localização, estocagem de armas, drogas etc.
Os dados coletados por intermédio de informantes não servem como prova, mas podem indicar
onde encontrá-las. O investigador nunca deve desprezar essas informações, tampouco dar-lhes
credibilidade, sendo prudente sempre verificá-las da forma mais discreta possível.
Tenha em mente que diligências malplanejadas, baseadas tão somente em informações temerárias,
podem comprometer a credibilidade de toda a investigação.
A testemunha
Além das palavras, a linguagem corporal do entrevistado, representada por gestos, cacoetes e
expressões, diz muito sobre sua autenticidade, podendo confirmar ou contradizer o que estiver
sendo verbalizado.
Imagine uma operação contra o tráfico de drogas em uma determinada comunidade.
Entre outras coisas, apreende-se na comunidade um caderno contendo várias anotações, a chamada
“contabilidade do tráfico”.
Nesta aula, vamos estudar um dos maiores obstáculos para o sucesso de uma investigação criminal: a não
preservação ou a preservação inadequada da cena do crime. Infelizmente, no Brasil, ainda não temos muito
desenvolvida a cultura da necessidade de um isolamento correto e de uma preservação de qualidade. Os
policiais que atuam na rua e que, em geral, são os primeiros a chegar ao local raramente possuem noções de
isolamento e preservação da cena do crime. Quando as têm, muitas vezes isso se dá por iniciativa própria, e
não pela disponibilidade das instituições em oferecer treinamento.
Cena do Crime
“Chame a Polícia!”
De fato, diante de um crime, a autoridade policial deve ser acionada imediatamente. Se houver
pessoas feridas, o socorro deve ser acionado com mais prioridade ainda.
De qualquer forma, ainda que o socorro a eventuais vítimas seja prioritário, a presença da
autoridade policial é imprescindível, pois é ela que determinará as diligências a serem realizadas e
acionará a perícia.
“Art. 6º. Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
I ― dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas,
até a chegada dos peritos criminais; (Redação dada pela Lei n. 8.862, de 28.3.1994) (Vide Lei n.
5.970, de 1973)”
Observe que o texto legal diz que a autoridade policial deverá dirigir-se ao local. No entanto, isso só
se verifica em casos de grande repercussão, pois, dado o número de ocorrências, seria inviável que a
autoridade policial se dirigisse pessoalmente a cada uma delas.
“Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas
respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.”
“Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem
quer que seja encontrado em flagrante delito.”
“Art. 144, § 4º ― às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações
penais, exceto as militares.”
A população vê, em cada agente policial, a figura representativa do Estado. Portanto, se, em sentido
estrito, para fins processuais, o conceito de autoridade policial é limitado aos delegados de Polícia,
em sentido amplo, todo e qualquer agente policial carrega a representação dessa autoridade.
Indo mais além, apesar de, na maioria das vezes, o primeiro agente a chegar ao local ser um policial
militar ou civil, algumas vezes, agentes das guardas municipais presenciam ou mesmo são
acionados por populares para se dirigirem a um local de crime.
Para fins de inquérito e processo judiciais, essa
ideia está correta; o art. 301 do Código de Processo Penal distingue claramente autoridade
policial de agente. No entanto, na prática policial, sobretudo quando estamos diante do
atendimento ao público, esse conceito de autoridade é extensivo aos agentes.
Nesse último caso, até por a Guarda Municipal da maioria das cidades brasileiras não ter
armamento letal, os agentes costumam solicitar apoio das polícias Militar e Civil, mas isso não
muda o fato de que foram eles os primeiros a chegar à cena do crime. O que fazer? O que não
fazer?
Para efeitos de isolamento e preservação, local de crime é muito mais do que apenas aquele lugar
pontual onde o crime ocorreu. É o perímetro em que a totalidade dos vestígios pode ser encontrada;
por isso, preferimos denominar de cena do crime.
“(...) a porção do espaço compreendida num raio que, tendo por origem o ponto no qual é
constatado o fato, se entenda de modo a abranger todos os lugares em que, aparente, necessária ou
presumidamente, hajam sido praticados, pelo criminoso, ou criminosos, os atos materiais,
preliminares ou posteriores à consumação do delito, e com este diretamente relacionado”
(apud Dias, 2010).
Definir cena ou local de crime é importante na medida em que é nessa área que será delimitado o
perímetro no qual os peritos forenses realizarão o trabalho de identificação e coleta de vestígios.
A natureza desse material varia em função do tipo de crime cometido. Crimes contra a pessoa
(homicídio, lesão corporal, estupro), por exemplo, deixam vestígios diferentes entre si e muito mais
diferentes em relação a outro grupo de crimes, como os crimes contra o patrimônio (roubo, furto,
dano).
Como delimitar o perímetro da cena do crime?
De fato, não é uma tarefa fácil. Além de conhecimento técnico, é preciso uma boa dose de
experiência policial.
Esse trabalho deve ser feito imediatamente, tem de ser rápido, costuma ser realizado sob pressão e,
com frequência, envolve risco físico. Deve contar ainda com um número reduzido de agentes.
A cena do crime pode ter qualquer forma. Além disso, pode ser uma área externa, interna ou ambas.
Um crime pode começar, por exemplo, dentro de uma residência e se estender até a rua ou vice-
versa.
Partindo do ponto em que o crime foi praticado, o perito deve traçar um raio que contemple todos
os locais onde atos diretamente relacionados ao crime tenham sido cometidos e onde vestígios
possam ser encontrados. É conveniente expandir esse perímetro um pouco além do último vestígio,
pois, nesse primeiro momento, alguns vestígios provavelmente não foram visualizados.
Na dúvida, sempre delimite o maior perímetro: havendo necessidade, é muito mais fácil reduzi-lo
que ampliá-lo posteriormente.
Agora que você entendeu o conceito de cena de crime, chegamos ao ponto crítico: isolar o local a
fim de preservar os vestígios.
Futuramente, o sucesso do processo judicial dependerá da correta instrução criminal. Esse sucesso
não representa, necessariamente, a condenação do culpado; pode consistir na absolvição do inocente
que injusta ou equivocadamente foi apontado como autor do fato.
Então, em última análise, da preservação dos vestígios pode depender a aplicação da justiça.
No entanto, preservar os vestígios não é uma
tarefa simples.
A delimitação e a preservação do local da cena do crime são o primeiro passo e um dos mais
importantes ― se não o mais importante ― na investigação criminal.
É com base no estudo desse local que serão iniciadas as investigações. Vejamos outras
considerações do perito Eraldo Rabello sobre o local de crime:
“(...) constitui um livro extremamente frágil e delicado, cujas páginas, por terem a consistência de
poeira, desfazem-se, não raro, ao simples toque de mãos imprudentes, inábeis ou negligentes,
perdendo-se desse modo para sempre os dados preciosos que ocultavam à espera da argúcia dos
peritos” (apud ESPINDULA, 2009).
As fases do isolamento
A delimitação do local de crime é feita de acordo com a natureza da ocorrência.
O isolamento e a preservação da cena de crime abrangem três fases principais.
Dificuldades normalmente encontradas
1.O primeiro profissional a chegar ao local provavelmente não é a primeira pessoa. Quase sempre o
lugar já está repleto de curiosos, jornalistas, familiares, amigos etc., que devem ser retirados do
perímetro. É comum haver grande resistência e, por vezes, até agressividade das pessoas durante
esse processo, o que, além de tomar tempo, pode distrair o agente enquanto pessoas mal-
intencionadas deliberadamente adulteram a cena do crime.
2.O primeiro profissional a chegar ao local dificilmente será um perito. Normalmente é um policial
ou bombeiro militar. Algumas instituições não se preocupam com a formação dos profissionais de
ponta, e o aspecto de isolamento e de preservação de local vem se revelando um dos mais críticos
dessa formação deficiente.
3.Quando a vítima, o próprio autor ou terceiros estiverem feridos, o socorro tem absoluta
prioridade. O socorro a eventuais vítimas vivas sobrepõe, naturalmente, a necessidade de
preservação do local. Efetuado o socorro, o local deve ser isolado e preservado. Nesse caso, é muito
importante que o policial informe o trajeto feito por ele e pelos socorristas aos peritos para que estes
não percam tempo analisando vestígios ilusórios, deixados por ocasião do socorro à(s) vítima(s).
A cena do crime é extremamente instável. Muda a todo instante e não há nada que se possa fazer
para impedir essa volatilidade. Intempéries e decurso de tempo modificam vestígios.
Antes de iniciar a perícia propriamente, antes de tocar ou mover objetos e vítimas fatais, o perito
deve documentar por meio de esquemas, fotografias e filmagens tudo o que encontrar no local. Esse
procedimento visa preservar a prova para que ela possa ser repetida em juízo.
Além disso, após a coleta dos vestígios, a cena do crime será totalmente desfeita e não será mais
possível reproduzi-la com precisão sem os devidos registros. Assim, a documentação preserva a
cena do crime, “imortalizando-a”.
Resumindo…
1. O grande objetivo da preservação da cena do crime é evitar a contaminação e a adulteração
das evidências no local até que todo o trabalho de perícia seja realizado. Esse trabalho de
preservação deve ser iniciado com a maior brevidade possível logo que o primeiro agente da
autoridade policial tiver conhecimento do fato.
2. O primeiro agente da autoridade policial que chegar ao local deve providenciar o socorro
à(s) vítima(s) (se houver) e impedir o acesso de pessoas não autorizadas. Nessa tarefa, ele
pode encontrar dificuldades, como pessoas hostis (suspeitos e seus colaboradores) e/ou
vítimas e parentes exaltados.
3. Outra tarefa, talvez ainda mais complexa, consiste em fazer uma delimitação preliminar do
perímetro onde, presume-se, possam ser encontrados vestígios do crime. Por segurança, é
interessante fazer a delimitação sempre um pouco além de onde o último vestígio foi
encontrado.
4. Quando da chegada dos peritos forenses, esse perímetro pode ser mantido, reduzido ou
ampliado. O que parece evidente no início pode se modificar no decorrer do trabalho
pericial. Após a delimitação final, a área deve ser isolada com uma barreira física (cordões
de isolamento, por exemplo).
Como é sempre mais fácil reduzir que ampliar, recomenda-se o “exagero” ao agente que proceder à
delimitação preliminar.
Aula 5 – Vestígios, evidências e indícios
Introdução
Nesta aula, você será apresentado a três conceitos muito utilizados e confundidos: vestígios, evidências e
indícios. Vamos conceituá-los e diferenciá-los. Veremos ainda as diferenças entre vestígios verdadeiros,
ilusórios e forjados. Por fim, estudaremos os fatores que contribuem para a autenticidade e a validade dos
vestígios, ou seja, para a preservação da prova, desde o momento de sua coleta na cena do crime.
Vestígios
Quando uma pessoa pratica um crime, ela o faz em algum lugar. Ao sair, mesmo inconscientemente,
carrega substâncias desse lugar, como poeira e outros elementos. Também deixa, no local, suas
próprias substâncias: suor, cabelo etc.
Se, na prática criminosa, houver contato corporal com alguma pessoa (vítima, testemunha, entre
outras), também haverá uma troca de substâncias entre o suspeito e essa pessoa. Essas substâncias,
que podem ser orgânicas (suor, sangue, cabelo, sêmen etc.) ou inorgânicas (cigarros, fósforos,
objetos diversos), são denominadas vestígios materiais e constituem a base dos exames periciais.
Vestígios (Continuação)
Em um primeiro momento, todos os vestígios encontrados no local do crime são importantes para
esclarecer as circunstâncias do fato a ser investigado. Todavia, não é possível aos peritos
determinarem, no local do crime, a importância individual de cada vestígio para a investigação
criminal, o que só será possível no instituto de criminalística, onde as análises e os exames
complementares serão feitos.
A evidência se diferencia do vestígio por ser este um material bruto encontrado na cena do crime,
enquanto aquela é o vestígio que, “refinado”, ou seja, analisado pelos peritos, se revela diretamente
relacionado ao fato investigado.
Indícios
"art. 239: a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução,
concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias".
O trabalho da perícia transforma um vestígio em evidência. O trabalho da investigação, ao agregar
outras informações, transforma essa evidência em indício.
Indício, portanto, é uma expressão jurídica, de natureza subjetiva, que representa uma circunstância
conhecida e provada que, como tal, permite concluir pela existência de outra(s) circunstância(s).
Outro detalhe não passou despercebido ao perito Jorge e a Henrique, seu auxiliar: a camisa
manchada que, agora se sabe, continha o sangue de Josefina era masculina. Instruídos por Jorge, os
peritos laboratoriais deram atenção especial a outros vestígios encontrados na camisa: alguns fios de
cabelo e manchas de suor. Os fios de cabelo revelaram-se incompatíveis com Josefina, sendo, por
dedução, do autor, assim como o suor. Pronto, já temos o DNA do autor! Não foram encontradas
impressões digitais, o que indica que o autor utilizou luvas ― portanto, o crime foi premeditado.
Se o DNA encontrado na camisa fosse realmente de Adriano, a equipe de investigação poderia, por
dedução, concluir que ele era o autor do homicídio. Dr. Paulo, porém, delegado “das antigas”,
antecipou-se à possível recusa de Adriano de fornecer seu DNA para comparação e pediu, em juízo,
um mandado de busca e apreensão, que foi concedido.
Durante a diligência de busca e apreensão, foi encontrado, na casa de Adriano, um revólver calibre .
38, mesmo calibre do projétil encontrado pela perícia no corpo de Josefina. Preso em flagrante (até
então apenas pelo Estatuto do Desarmamento, uma vez que a arma não era registrada), Adriano
admitiu que tinha um relacionamento com Josefina, mas negou tê-la matado.
Não reconheceu como sua a camisa encontrada e se recusou a fornecer material para exame de
DNA, como Dr. Paulo havia previsto.
A tentativa de embaraçar a investigação foi em vão. Exames de balística comprovaram que o tiro
que matou Josefina saiu da arma de Adriano. Sem ter como negar, Adriano confessou o crime,
acrescentando que o praticou em um momento de desespero, logo após Josefina ter rompido com
ele. Essa versão foi desmentida pelos depoimentos de Josefina nos registros de ameaça, nos quais
ela mesma havia esclarecido que as ameaças começaram depois do rompimento, ou seja, bem antes
do crime de homicídio. A utilização de luvas também deixou clara a premeditação do crime.
Naturalmente, a experiência do perito vai ajudá-lo a fazer essa classificação de forma mais rápida e
precisa, mas a mesma experiência haverá de ensiná-lo que cada caso tem suas peculiaridades, suas
características próprias, e que a generalização pode levar ao erro e ao fracasso da investigação
criminal.
A teoria da ligação de quatro caminhos busca entender as relações existentes entre a cena do crime,
determinada vítima, determinado suspeito e determinado vestígio. Essa conexão poderá orientar o
perito especificando onde as evidências podem ser localizadas.
Ainda segundo essa teoria, havendo associações entre dois ou mais desses componentes (cena do
crime, vítima, suspeito e evidência), o caso poderá ser resolvido, e as chances de sucesso serão tão
maiores quanto maior for o número de associações estabelecidas.
Adequação técnica
No local, um cuidado de natureza técnica: a equipe de perícia escalada deve ter conhecimentos
adequados ao trabalho realizado. Não se deve escalar, por exemplo, um perito contabilista para um
local de homicídio por envenenamento.
Delimitação e isolamento
Outro cuidado abrange os aspectos técnico e legal, a delimitação e o isolamento do perímetro até a
chegada da autoridade policial e dos peritos. Essa responsabilidade é do(s) primeiro(s) agente(s) que
chegar(em) ao local do fato. Trata-se de uma providência imediata, cuja prioridade só é suplantada
pela necessidade de prestar socorro às pessoas feridas.
Ao chegar ao local, a equipe de perícia pode manter o perímetro isolado, ampliá-lo ou reduzi-lo.
Isso pode ocorrer porque, durante a perícia no local, novos fatos podem redesenhar a cena do crime
e indicar essa necessidade.
Observe que aqui podemos encontrar um conflito entre dois bens jurídicos relevantes: a vida e o jus
puniendi , ou seja, o dever-poder do Estado de punir quem pratica uma infração penal. Embora
ambos sejam relevantes, a vida, naturalmente, sobrepõe qualquer outro direito. Nesse aspecto, cabe
ressaltar que, quando falamos em direito à vida e à prioridade no socorro, não estamos discutindo a
qualidade dessas pessoas: vítimas, autores e terceiros têm assegurado seu direito à vida e a
prevalência do socorro sobre qualquer outra atividade.
Os peritos devem fazer anotações sobre o cenário geral: número de pessoas, disposição dos objetos,
horários, condições atmosféricas etc.
Outro cuidado importante e que, muitas vezes, é ignorado é a anotação sobre os procedimentos
adotados por cada perito. Essa informação será importante para efeitos de registro da cadeia de
custódia
Vestígios verdadeiros, ilusórios e forjados
Uma circunstância óbvia, mas que alguns se esquecem de considerar é que, no local do crime,
encontramos elementos, vestígios deixados pelo(s) autor(es) e pela(s) vítima(s) e que são
extremamente importantes para a investigação criminal. Encontramos também muitos elementos
que já estavam no local e que não possuem nenhuma relação com o evento, com o(s) autor(es) ou
com a(s) vítima(s).
São vestígios ilusórios:
• Pegadas e impressões digitais de curiosos, familiares e policiais que circularam no local;
• Objetos deixados por curiosos, familiares e policiais que circularam no local.
Vimos dois exemplos de vestígios ilusórios: eles não foram “plantados”, ou seja, deixados
intencionalmente no local por alguém de má-fé no intuito deliberado de confundir ou despistar a
investigação policial, tampouco fazem parte das circunstâncias de cometimento do crime.
• A arma ou o frasco de veneno deixado pelo autor na mão da vítima ou em suas proximidades;
Constatação
O trabalho pericial no local de crime exige a observância, pelos peritos, de metodologias, rotinas e
normatizações a fim de identificar e/ou visualizar com precisão e validade o vestígio no local e as
circunstâncias em que foi encontrado.
Registro
Encontrado o vestígio, o perito deve proceder o registro desse vestígio, detalhando o local e as
condições em que foi encontrado. Essa fase é delicada e exige um trabalho meticuloso, devendo o
perito fazer o registro por escrito e por fotografia, determinando com precisão a localização do
vestígio na cena do crime, relacionando-o geograficamente a objetos e obstáculos fixos no local e
ainda em relação aos demais vestígios. É o registro que dá a certeza da identificação, da localização
e até da existência de determinado vestígio, ou seja, o registro corrobora a constatação.
Identificação
Na cena do crime, podemos distinguir dois grupos de vestígio: o primeiro, representado por aqueles
que são constatados, registrados e identificados, mas que não são recolhidos para exames
complementares, ou seja, não são encaminhados para o instituto de criminalística; o segundo,
representado pelos vestígios que, apesar de examinados no local, são também encaminhados ao
instituto de criminalística.
No primeiro caso (vestígios que não serão encaminhados), o cuidado na constatação, no registro e
na identificação deve ser redobrado, uma vez que não haverá possibilidade de se completar ou
refazer tais procedimentos. É o caso de locais de arrombamento, crimes de trânsito, entre outros.
No segundo caso (vestígios encaminhados), a identificação deve também ser cuidadosa porque os
vestígios serão encaminhados para os diferentes setores do instituto de criminalística ou do Instituto
Médico-Legal e serão recebidos e manipulados por peritos desses institutos. É o caso de manchas de
sangue, sêmen ou outros fluidos corporais, armas, munições e seus fragmentos, resíduos e
substâncias tóxicas, entre outros.
Esse cuidado em relação à precisão da identificação visa garantir a idoneidade do vestígio para fins
periciais e a própria validade do laudo por ocasião de sua utilização no inquérito policial ou na ação
penal.
Vimos anteriormente que alguns vestígios não são passíveis de ser encaminhados ao instituto de
criminalística ou de medicina legal. Outros, entretanto, devem ser encaminhados para exames e
análises complementares. Aqui já começa a primeira questão: determinado vestígio deve ser
encaminhado para exame pericial ou médico-legal?
Essa questão é extremamente relevante porque, quando os exames são encaminhados, os vestígios
passam pelas mãos de muitos funcionários, e essa jornada deve ser minuciosamente documentada
para que não se perca a cadeia de custódia.
Outro cuidado imprescindível é no encaminhamento ao exame pericial correto: um recipiente
contendo determinado líquido, se encaminhado a exame de constatação, por exemplo, poderá perder
sua validade para exame de material biológico, se for o caso.
O perito que realizar o exame complementar deverá ter ainda extremo cuidado para não contaminar
a amostra (e também para não ser contaminado por ela).