You are on page 1of 62

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE QUÍMICA

QG101 - QUÍMICA

TURMA E

Adalberto B.M.S. Bassi


Fone: (0xx19)(352)13101
E-mail: bassi@iqm.unicamp.br

2015
Sumário

1 Estrutura eletrônica de átomos, moléculas e cristais 1


1.1 Átomo de Thomson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Átomo de Rutherford . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.3 Átomo de Bohr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.3.1 Origens da teoria quântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2
1.3.2 Postulados de Bohr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3.3 Séries de Lyman, Balmer e Ritz-Paschen . . . . . . . . . . . . . . 6
1.3.4 Limitações do modelo de Bohr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.4 Princı́pios fundamentais da mecânica quântica . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.4.1 Dualidade onda-partı́cula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
1.4.2 Princı́pio de incerteza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4.3 Função de onda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.5 Partı́culas mononucleares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.5.1 Números quânticos das partı́culas mono-eletrônicas . . . . . . . . 11
1.5.2 Orbitais das partı́culas mono-eletrônicas . . . . . . . . . . . . . . 14
1.5.3 Partı́culas poli-eletrônicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.5.4 Blindagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.5.5 Ordenamento energético dos orbitais na tabela periódica . . . . . 18
1.5.6 Variação das energias de primeira ionização na tabela periódica . 21
1.6 Orbitais moleculares e cristalinos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
1.7 Tipos de ligação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
1.7.1 Ligação metálica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
1.7.2 Ligação iônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
1.7.3 Ligação covalente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.7.4 Ligação molecular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

2 Termodinâmica de sistemas quı́micos 30


2.1 Conteúdos e trocas de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.1.1 Conteúdos de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.1.2 Trocas de energia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.2 Trabalho volumétrico e entalpia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.2.1 Equilı́brio mecânico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.2.2 Trabalho volumétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
2.2.3 Exemplo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.2.4 Entalpia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.3 Entropia e energias de Helmholtz e de Gibbs . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.3.1 Ordem e desordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
2.3.2 Entropia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

i
2.3.3 Equilı́brio térmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.3.4 Energia de Helmholtz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
2.3.5 Energia de Gibbs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
2.3.6 Propriedades entrópicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
2.4 Graus de avanço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
2.4.1 Imposição de não acúmulo de intermediários . . . . . . . . . . . . 43
2.4.2 Grau de avanço absoluto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.4.3 Grau de avanço relativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2.5 Equilı́brio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2.5.1 Equilı́brio de fases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2.5.2 Processos quı́micos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
2.5.3 Afinidade quı́mica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.5.4 Estados exergônico, endergônico e de equilı́brio quı́mico . . . . . . 50
2.5.5 Reação reversa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
2.5.6 Equilı́brio cinético, reações quı́micas reversı́veis e irreversı́veis . . . 52
2.6 Constante de Equilı́brio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.7 Célula Eletroquı́mica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
2.8 Célula Galvânica e Eletrolı́tica, Reversı́vel e Irreversı́vel . . . . . . . . . . 58

ii
Capı́tulo 1

Estrutura eletrônica de átomos,


moléculas e cristais

1.1 Átomo de Thomson


Experimentos com tubos de raios catódicos efetuados por J. J. Thomson (fim da década
1890-1900) e com gotas de óleo por R. A. Millican (fim da década 1900-1910) levaram o
primeiro a propor um modelo de estrutura para o átomo. De acordo com tal modelo, o
átomo é uma esfera uniforme, carregada positivamente e com raio de cerca 100 pm (m,
mm, µm, nm, pm, fm). Por meio dos seus experimentos, Thomson já tinha percebido
que a razão m/e do elétron é entre mil e duas mil vezes menor do que a mesma razão
para o ion H + . Supondo cargas e densidades semelhantes para as duas partı́culas, ele
imaginou que os elétrons fossem muito pequenos, em comparação com as dimensões do
átomo. Portanto, os elétrons seriam partı́culas muito diminutas relativamente ao átomo,
nele inseridas de modo regular, de modo a se obter o arranjo eletrostaticamente mais
estável para carga elétrica total nula.

1.2 Átomo de Rutherford


Em 1911, E. R. Rutherford declarou que o modelo atômico de J. J. Thomson, também
chamado “pudim de passas”, estava incorreto. Para chegar a esta conclusão, ele realizou
experimentos com feixes de partı́culas α (ı́ons He++ ) e finı́ssimas folhas metálicas. De
acordo com o modelo atômico de J. J. Thomson, tais partı́culas deveriam atravessar
a folha quase que sem sofrer deflexão. Ao invés disto, algumas pouquı́ssimas partı́culas
chegavam a sofrer deflexão de quase π rd. Isto exigia que a área da finı́ssima folha metálica
fosse predominantemente vazia ou quase, mas existissem regiões muito pequenas com alta
densidade mássica.
Aproximando esta últimas regiões a pontos, considerando as partı́culas α também
pontuais e admitindo a validade da lei de Coulomb, E. R. Rutherford deduziu a expressão
(MM, fig. 10.4, p.270)
θ zZe2
tan = ,
2 4π◦ mv 2 b
a qual mostrou-se coerente com os dados experimentais. Para b = 0 esta equação prevê

1
θ = π rd e, neste caso,
mv 2 zZe2
= ,
2 4π◦ rmin
o que permitiu calcular rmin ≈ 0, 01 pm. Isto indica que as dimensões da região do
átomo que contém a carga positiva devem ser ainda menores, ou seja, tal região, chamada
núcleo atômico, deve ocupar menos do que um décimo-milésimo do volume atômico. Os
elétrons, cuja carga total deve ser igual e de sinal oposto à do núcleo atômico, devem
estar espalhados sobre o restante do átomo.
O modelo de Rutherford, porém, é incoerente com as leis da fı́sica clássica. De fato, se
os elétrons estivessem parados eles cairiam no núcleo, movendo-se em linha reta, por causa
da atração eletrostática. Por outro lado, como cargas elétricas movendo-se em campos
elétricos emitem radiação eletromagnética quando aceleradas, caso os elétrons estives-
sem num movimento orbital em torno do núcleo eles gradualmente perderiam energia,
orbitando cada vez mais próximo do núcleo até cair nele, num movimento em espiral. A
interpretação apresentada para o experimento de Rutherford, portanto, contraria a fı́sica
clássica.

1.3 Átomo de Bohr


1.3.1 Origens da teoria quântica
Paralelamente ao estudo da estrutura atômica, outros fenômenos foram pesquisados na
mesma época. Entre estes, dois foram de importância fundamental para o desenvolvi-
mento da ciência.

Radiação emitida por corpo sólido aquecido


Até 1900, a teoria eletromagnética clássica já estava totalmente estabelecida e compro-
vada por inúmeros experimentos. De acordo com tal teoria, a radiação eletromagnética é
explicada como uma combinação de campos elétricos e magnéticos oscilantes, propagando-
se pelo espaço como uma onda transversal. De acordo com esta teoria, a energia da onda
depende apenas de sua amplitude, independendo de sua frequência ν, sendo νc = λ1 = l,
onde c = 2, 9979 × 108 ms−1 é a velocidade da luz, λ é o comprimento de onda e l é o
número de onda. Além disto, também de acordo com esta teoria, um gráfico intensidade
da radiação contra comprimento de onda, para a radiação emitida por um sólido aquecido,
apresentaria intensidade sempre crescente a medida que o comprimento de onda fosse di-
minuindo (MM fig. 10.5, p.271). Porém, ambas as afirmações são experimentalmente
falsas.
Experimentalmente, embora para cada temperatura do corpo se tenha uma curva
diferente, em toda temperatura a curva apresenta um máximo, que depende da tempera-
tura a que se refere a curva. Tal máximo desloca-se para menores comprimentos de onda,
quando a temperatura do corpo emissor aumenta, fato confirmado pela experiência cor-
riqueira de aquecer um metal e verificar que a radiação emitida passa de vermelho para
amarelo e branco, a medida que a temperatura do metal aumenta. Mesmo em 2000 K a
maior parte da radiação proveniente de um corpo aquecido encontra-se no infravermelho,
logo é invisı́vel ao olho humano.

2
O filamento de uma lâmpada incandescente comum encontra-se, no mı́nimo, a 3000
K. Mas, mesmo assim, a intensidade emitida, no ultravioleta, é quase nula (se assim não
fosse, tais lâmpadas representariam um perigo para a saúde das pessoas). Entretanto, de
acordo com a fı́sica clássica, a intensidade emitida, no ultravioleta, deveria ser altı́ssima.
Tão gritante discrepância entre teoria e experimento foi chamada “catástrofe de ultra-
violeta”. Em 1900, M. K. E. L. Planck apresentou uma justificativa teórica para estes
fatos experimentais. M. K. E. L. Planck considerou que:

1. Uma onda eletromagnética de frequência ν é emitida por um grupo de átomos que


se encontra na superfı́cie do sólido, vibrando com a mesma frequência.

2. A energia da mencionada vibração é dada por E = nhν, onde n = 1, 2, 3 . . .)


é adimensional e h = 6, 6261 × 10−34 Js é a constante de Planck (atualmente,
considera-se E = (n + 21 )hν, onde n = 0, 1, 2, . . .). Portanto, a energia de vibração
dos átomos superficiais não varia continuamente. Ao contrário, ela só pode assumir
um conjunto discreto de infinitos valores, ou seja, existem quantidades mı́nimas,
indivisı́veis, de energia, chamadas quanta (singular, quantum). Esta é, portanto, a
hipótese quântica de M. K. E. L. Planck.

3. A probabilidade de se encontrar um oscilador com energia E = nhν é dada por


nhν
e− kT , onde k = NRA = 1, 3807 × 10−23 JK −1 . Logo, a probabilidade de se encontrar
um oscilador capaz de emitir radiação de alta frequência é muito pequena.

A justificativa de M. K. E. L. Planck para a “catástrofe de ultravioleta”, porém, levanta


uma nova pergunta: se os osciladores só podem emitir quantidades indivisı́veis de ener-
gia, não será porque a energia da uma radiação eletromagnética é constituı́da por estes
mesmos quanta de energia? Em 1905 A. Einstein chegou à conclusão que sim.

Efeito fotoelétrico
Desde 1902 sabe-se que a incidência de radiação eletromagnética sobre uma superfı́cie
metálica limpa, no vácuo, produz emissão de elétrons. A fı́sica clássica pode explicar isto,
porque a energia transportada pela radiação pode ser utilizada para remover elétrons do
metal. Mas alguns fatos experimentais contrariam a fı́sica clássica:

1. Nenhum elétron é emitido, a menos que a frequência da radiação supere um valor


crı́tico, ν◦ , o qual depende do metal em questão (MM fig. 10.6.a, p.273).

2. A energia cinética dos elétrons emitidos aumenta linearmente com a frequência da


radiação incidente (MM fig. 10.6.b, p. 273).

3. O aumento de intensidade da radiação incidente não altera a energia dos elétrons


ejetados, mas aumenta o número de elétrons emitidos por unidade de tempo.

Em 1905, A. Einstein concluiu que estas caracterı́sticas do efeito fotoelétrico, inexplicáveis


pela fı́sica clássica, poderiam ser explicadas caso a radiação eletromagnética fosse cons-
tituı́da por quantas de energia, com conteúdo energético igual a hν, aos quais chamou
fótons. Então,
1 1 2
hν = E◦ + mv 2 , ou mv = hν − hν◦ ,
2 2

3
equação esta que explica os primeiros dois fatos experimentais. O terceiro decorre da
intensidade da radiação eletromagnética estar associada ao número de fótons que colidem
com a superfı́cie metálica por unidade de tempo.
Deve-se notar que o conceito de fóton não descarta a teoria eletromagnética clássica,
que considera o caráter ondulatório da radiação eletromagnética. Ele apenas acrescenta
que esta onda apresenta energia constituı́da por quanta chamados fótons.

1.3.2 Postulados de Bohr


N. Bohr utilizou a hipótese quântica desenvolvida por M. K. E. L. Planck e A. Einstein
para justificar o modelo atômico de E. R. Rutherford, o qual é tão inexplicável pela fı́sica
clássica quanto a “catástrofe do ultravioleta” e as caracterı́sticas do efeito fotoelétrico.
Para isto, em 1912 ele postulou que:

1. No átomo, somente é permitido ao elétron estar em determinados estados denomi-


nados estacionários, cada um deles caracterizado por energia fixa e bem definida.
A energia do elétron atômico, portanto, não varia de modo contı́nuo, mas sim de
modo discreto, ou seja, ela é quantizada.

2. Quando um elétron do átomo estiver num estado estacionário, ele não absorverá
nem emitirá radiação eletromagnética. Quando um elétron do átomo passar de um
estado estacionário para outro, a diferença de energia entre os estados geralmente
será trocada com o ambiente em que o átomo se encontra. Tal troca pode ocor-
rer sob a forma de energia eletromagnética absorvida ou emitida. Neste caso, o
elétron absorve ou emite um fóton de energia hν, onde ν é a frequência da radiação
absorvida ou emitida, respectivamente.

3. Num estado estacionário, o elétron atômico se movimenta descrevendo uma órbita


circular em volta de núcleo.

4. O momento angular de um elétron atômico é quantizado em múltiplos de h/2π, ou


seja, tanto a energia como o momento angular do elétron atômico são quantizados.

É importante notar que os primeiros dois postulados são absolutamente corretos, de


acordo com a moderna mecânica quântica, enquanto que o terceiro é totalmente falso e o
quarto é certo no que se refere ao fato do momento angular ser quantizado, embora não
o seja na maneira proposta por N. Bohr.
A moderna mecânica quântica nasceu nos anos 1924-1926, portanto o modelo atômico
de N. Bohr durou apenas 12 anos. Sua principal deficiência foi misturar conceitos
quânticos e clássicos, como evidencia o terceiro postulado. Entretanto, ele será aqui
estudado em detalhes, por causa do seu impressionante êxito tanto ao justificar a ex-
periência de Rutherford, quanto ao prever, com impressionante precisão, dados experi-
mentais espectroscópicos. Além disto, a nı́vel de uma disciplina de quı́mica geral não
faz sentido aprofundar conceitos de mecânica quântica. Portanto, o modelo atômico de
Bohr será aquele adotado nesta disciplina, mas com alterações que serão posteriormente
apresentadas.

4
Órbitas permitidas
De acordo com a fı́sica clássica, numa órbita circular estável a força centrı́peta que age
sobre o elétron deve ser a força que o atrai em direção ao núcleo. Portanto,

mv 2 Ze2 Ze2 mr Ze2 mr


= , ou m2 v 2 r2 = , ou L2 = , (1.1)
r 4π◦ r2 4π◦ 4π◦
onde L = mvr é o momento angular do elétron. Mas, de acordo com o quarto postulado,
h
L = n 2π , sendo n = 1, 2, 3, . . ., portanto

h2 Ze2 mr n2 ◦ h2
n2 = , ou rn = , sendo n = 1, 2, 3, . . . (1.2)
4π 2 4π◦ Z πme2
Note que:
◦ h2
tanto n como Z são adimensionais, portanto a dimensão da fração πme2
é a de compri-
mento;
◦ h2
πme2
= 52, 918 pm é uma constante universal, geralmente simbolizada a◦ (independen-
temente do seu valor ser dado em pm ou em outra unidade de comprimento) e
denominada “raio de Bohr”.

Pode-se, então, escrever


n2
rn = a◦ , n = 1, 2, 3, . . . (1.3)
Z

Energias permitidas
mv 2 Ze2 r mv 2 Ze2
Tem-se E = T + V = 2
− 4π◦ r
. Multiplicando a eq. 1.11 por 2
tem-se 2
= 8π◦ r
,
que substiuı́do na expressão de E produz

Ze2
E=− . (1.4)
8π◦ r
Substituindo a eq. 1.3 na eq. 1.4 tem-se, então,

Z2 e2
En = − , n = 1, 2, 3, . . . (1.5)
2n2 4π◦ a◦
Note que:
e2
tanto n como Z são adimensionais, portanto a dimensão da fração 4π◦ a◦
é a de energia;
e2
4π◦ a◦
= 4, 3598 × 10−18 J é uma constante universal, geralmente simbolizada u.a. (in-
dependentemente do seu valor ser dado em J ou em outra unidade de energia) e
denominada “unidade atômica de energia”;

em mecânica quântica a unidade atômica de energia costuma ser denominada “hartree”.


Portanto, 1 hartree = 4, 3598 × 10−18 J.

5
Pode-se, então, escrever

Z2
En /hartree = − , n = 1, 2, 3, . . . (1.6)
2n2
A eq. 1.6 mostra que para n finito a energia do elétron atômico é sempre negativa,
sendo o valor mı́nimo alcançado quando n = 1. Por outro lado, a medida que n aumenta o
mesmo ocorre com a energia do elétron atômico, tendo-se limn→∞ En = 0. Neste limite,
o elétron liberta-se do átomo, deixando de ser um elétron atômico (preso ao átomo).
Portanto, a energia necessária para liberar um elétron atômico no nı́vel n (energia de
Z2 Z2
ionização) é [0 − (− 2n2 )] = 2n2 hartree.

1.3.3 Séries de Lyman, Balmer e Ritz-Paschen


De acordo com a eq. 1.6, as energias permitidas para o elétron do átomo de hidrogênio,
dadas em hartree, são
E1 1 E2 1 E3 1 E4 1
=− , =− , =− , =− ,
hartree 2 hartree 8 hartree 18 hartree 32

E5 1 E6 1
=− , = − ,... (1.7)
hartree 50 hartree 72
Considere todas as transições eletrônicas que absorvem radiação eletromagnética e co-
meçam no nı́vel de energia Ei do elétron atômico. Necessariamente, tais transições ter-
minam num nı́vel de energia En>i > Ei . Alternativamente, considere todas as transições
eletrônicas que emitem radiação eletromagnética e terminam no nı́vel de energia Ei
do elétron atômico. Necessariamente, tais transições começam num nı́vel de energia
En>i > Ei .
Em módulo, tais energias absorvidas ou emitidas pelo elétron atômico são dadas por
En>i − Ei , portanto correspondem a fótons, absorvidos ou emitidos, que apresentam
frequência

En>i − Ei 4, 3598 × 10−18 J


νn>i→i = = (En>i /hartree − Ei /hartree) ,
h 6, 6261 × 10−34 Js

porque 1 hartree = 4, 3598 × 10−18 J e h = 6, 6261 × 10−34 Js, logo

νn>i→i = (En>i /hartree − Ei /hartree) 6, 5797 × 1015 hertz , ou (1.8)

2, 9979 × 1017 nm s−1


λn>i→i = ,
(En>i /hartree − Ei /hartree) 6, 5797 × 1015 s−1

porque λ = c/ν e c = 2, 9979 × 108 m s−1 , portanto


45, 563
λn>i→i = nm , ou (1.9)
(En>i /hartree − Ei /hartree)

(En>i /hartree − Ei /hartree)


ln>i→i = mm−1 ,
45, 563 × 10−6

6
porque l = 1/λ = ν/c, logo

ln>i→i = 21, 948 × 103 (En>i /hartree − Ei /hartree) mm−1 . (1.10)


Note que a constante de Rydberg é R∞ = 1, 0974 × 107 m−1 . Portanto, 2R∞ = 21, 948 ×
103 mm−1 . Portanto, a eq. 1.10 pode ser reescrita

ln>i→i = 2R∞ (En>i /hartree − Ei /hartree) mm−1 .

As séries de comprimentos de onda para radiações emitidas, denominadas de Lyman,


Balmer e Ritz-Paschen, correspondem a fazer i = 1, 2 e 3 na equação 1.8. Tem-se, então:

série de Lyman: λ∞→1 = 91, 126 , . . . , λ3→1 = 102, 52 , λ2→1 = 121, 50 (ultravioleta).

série de Balmer: λ∞→2 = 364, 50 , . . . , λ4→2 = 486, 01 , λ3→2 = 656, 11 (ultravioleta e


visı́vel).

série de Ritz-Paschen: λ∞→3 = 820, 13 , . . . , λ5→3 = 1281, 5 , λ4→3 = 1874, 6 (infraver-


melho).

Na temperatura ambiente, quase todos os átomos de hidrogênio apresentam seu elétron


no nı́vel mı́nimo de energia (n = 1), chamado nı́vel fundamental, enquanto que os demais
nı́veis são denominados excitados. Portanto, λ∞→1 é o máximo comprimento de onda
emitido quando um elétron livre for capturado por um próton e ficar preso no nı́vel
fundamental. Reciprocamente, λ∞→1 é, também, o máximo comprimento de onda que,
ao ser absorvido, ioniza um átomo de hidrogênio que esteja em seu nı́vel fundamental.
Os resultados acima apresentados para os comprimentos de onda das séries de Lyman,
Balmer e Ritz-Paschen concordam com os experimentais em três significativos. Sem
efetuar correções devidas à moderna mecânica quântica, o que pode incluir até mesmo
correções relativı́sticas, é possı́vel melhorar estes resultados considerando apenas uma
correção devida à própria mecânica clássica: o elétron não gira em torno do núcleo,
mas sim, tanto o elétron quanto o núcleo, giram em torno do centro de massa do par
núcleo-elétron. Como a massa do próton é quase duas mil vezes maior do que a do
elétron, o centro de massa do par núcleo-elétron situa-se quase no próprio núcleo. Mas,
se a mencionada correção clássica for aplicada, os resultados teóricos coincidirão com
os experimentais em cinco significativos. Junto com a explicação para a experiência
de Rutherford, isto representa uma impressionante vitória para o semi-clássico modelo
atômico de Bohr.

1.3.4 Limitações do modelo de Bohr


O modelo de Bohr pode ser aplicado com êxito não apenas para as energias do elétron
no átomo de hidrogênio, mas para as energias do elétron em qualquer átomo monoe-
letrônico, tal como He+ , Li2+ , Be3+ , etc., desde que os respectivos números atômicos
(Z = 2, 3, 4 etc.) sejam utilizados na eq. 1.6. Para átomos multieletrônicos, porém, o
modelo conduz a resultados não confirmados pelos experimentos. Uma correção para os
nı́veis de energia eletrônicos em átomos multieletrônicos pode ser efetuada por meio do
conceito de blindagem. Esta, é a atenuação da atração exercida pelo núcleo por causa dos
elétrons que situam-se em órbitas interiores, em relação à órbita do elétron considerado.
Mas o valor de tal atenuação não é calculado teoricamente, mas sim obtido a partir de

7
dados espectroscópicos experimentais, logo a teoria, sozinha, não é capaz de fornecer o
resultado correto.
Porém, mesmo com tal correção, os nı́veis de energia de Bohr não explicam a ta-
bela periódica, por exemplo, no que se refere à regra do octeto. Além disto, os valores
previstos por Bohr para o momento angular orbital do elétron não são experimental-
mente confirmados. Finalmente, o semi-clássico modelo proposto por Bohr parece uma
adaptação conceitualmente inexplicável da fı́sica clássica. Tanto para explicar o átomo,
como a “catástrofe do ultravioleta” e o efeito fotoelétrico, era conceitualmente necessário
que surgisse uma teoria totalmente nova, onde a quantização dos valores de propriedades
fosse consequência de princı́pios mais fundamentais.

1.4 Princı́pios fundamentais da mecânica quântica


Pode-se considerar que são três os princı́pios fundamentais da mecânica quântica: a
dualidade onda-partı́cula, o princı́pio de incerteza e o conceito de função de onda.

1.4.1 Dualidade onda-partı́cula


Em 1924 L. de Broglie, baseado em algumas equações e fatos experimentais, propôs a
um conceito absolutamente fundamental: todo corpo mássico em movimento apresenta
caracterı́sticas ondulatórias, assim como a propagação de toda radiação eletromagnética
apresenta caracterı́sticas mássicas, obedecendo a relação entre as caracterı́sticas ondu-
latórias e mássicas à equação
h = pλ , (1.11)
onde p = mv é o momento linear do corpo mássico ou do fóton em movimento, λ é o com-
primento de onda associado ao corpo mássico ou à radiação, e h é a constante de Planck.
Portanto, quando as caracterı́sticas mássicas aumentam as ondulatórias diminuem e v.v..
Por exemplo, seja uma radiação de raios X com λ = 330pm. De acordo com a eq.
−34 Js
1.11, p = 6,6262×10
330×10−12 m
= 2, 01 × 10−24 kg m s −1 , porque Js = kg m 2 s −1 . Considerando a
−24 −1
velocidade da luz c = 2, 9979 × 108 ms −1 , tem-se m = 2,01×10 kg m s
2,9979×108 ms −1
= 6, 70 × 10−33 kg.
Logo, a eq. 1.11 atribui ao fóton desta radiação de raios X uma massa da ordem de
um centésimo da massa do elétron, 9 × 10−31 kg. Seja, agora, este mesmo comprimento
de onda atribuı́do a um elétron em movimento. A velocidade de tal elétron será v =
2,01×10−24 kg m s −1
9×10−31 kg
= 2 × 106 ms −1 , que é a velocidade do elétron no átomo de hidrogênio,
em seu estado fundamental, da ordem de um centésimo da velocidade da luz.
Percebe-se, portanto, que o fóton da radiação de raios X considerada apresenta uma
massa, embora esta seja desprezı́vel, enquanto que o movimento do elétron no átomo de
hidrogênio, no estado eletrônico fundamental, tem um caráter ondulatório semelhante ao
da mencionada radiação de raios X. Este último fato é experimentalmente comprovado,
por exemplo, por meio de difração. Portanto ao contrário do terceiro postulado de Bohr,
não se pode imaginar o elétron numa órbita em torno do núcleo, mas sim como uma
radiação envolvendo o núcleo.
Imagine, agora, uma bola de futebol pesando 0, 43kg, movendo-se a 72km h −1 =
20ms −1 , logo p = 8, 6kg ms −1 . De acordo com a eq. 1.11 este corpo apresenta λ =
6,6262×10−34 Js
8,6kg ms −1
= 7, 7 × 10−35 m = 7, 7 × 10−23 pm. Convém lembrar que o espectro eletro-
magnético apresenta comprimento de onda mı́nimo em torno de 1pm (radiação gama de

8
mais alta energia). Portanto, o caráter ondulatório desta bola de futebol é tão imper-
ceptı́vel quanto a massa do fóton da antes mencionada radiação de raios X. Entretanto,
exatamente para elétrons atômicos, o caráter corpuscular e ondulatório são bem balan-
ceados: no caso do átomo de hidrogênio no seu estado eletrônico fundamental, trata-se
de uma radiação com comprimento de onda da ordem daquele apresentado por raios X,
mas cujo quantum de energia apresenta a massa de um elétron.

1.4.2 Princı́pio de incerteza


Posição e velocidade são utilizados para descrever o movimento dos corpos, na mecânica
clássica. Porém, não podem ser usados para descrever o movimento de partı́culas como o
elétron, porque um experimento que determine com grande precisão a posição do elétron
produzirá alta imprecisão na determinação da sua velocidade e vice-versa. Não existem,
portanto, experimentos capazes de informar simultânea e satisfatoriamente tanto posição
como velocidade de um elétron, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com uma bola
de futebol. Estudando esta constatação, em 1927 W. Heisenberg propôs o princı́pio de
incerteza, atualmente escrito
h
∆p ∆x ≥ , (1.12)

onde ∆p representa a incerteza na determinação do momento linear do elétron (ou outra
partı́cula a ele equivalente), enquanto que ∆x simboliza a incerteza na determinação
simultânea da posição.
Por exemplo, suponha-se que para determinar com alta precisão a posição do elétron
seja utilizada uma radiação gama com λ = 5 pm. De acordo com as leis da ótica,
a precisão máxima obtenı́vel é o comprimento de onda λ, ou seja, ∆x = 5 pm, logo
−34 Js
∆p = 6,6262×10
4π×5×10−12 m
= 1 × 10−23 kg ms −1 , usando a eq. 1.12. Como a massa do elétron é
−23 kg ms −1
m = 9 × 10−31 kg, tem-se ∆v = 1×10 9×10−31 kg
= 107 ms −1 .
Suponha que o elétron cuja posição a ser determinada usando radiação gama seja o
do átomo de hidrogênio, em seu estado eletrônico fundamental. Conforme afirmado na
subseção 1.4.1, a velocidade de tal elétron é 2 × 106 ms −1 . Neste caso, ao se determinar a
posição do elétron com precisão de 5 pm (5% da dimensão do átomo, que é em torno de
100 pm), a incerteza mı́nima na sua velocidade é da ordem de cinco vezes sua velocidade.
Em outras palavras, o princı́pio de incerteza torna impossı́vel o conceito de órbita para
o elétron no átomo de hidrogênio em estado fundamental, assim como acontece com o
conceito de dualidade onda-partı́cula.

1.4.3 Função de onda


A função de onda define o valor da variável dependente φ de acordo com os valores
apresentados pelas variáveis independentes tempo e posição, ou seja, de acordo com
instante e ponto considerados. Quando o sistema microscópico se encontrar num nı́vel de
energia temporalmente constante e bem determinado, a função de onda não se alterará no
tempo, recebendo então o nome de autofunção do operador hamiltoniano H referente ao
mencionado sistema microscópico, enquanto que o citado nı́vel de energia será chamado
autovalor de H.
Neste caso, escreve-se Hφn = En φn , n = 1, 2, . . ., onde o ı́ndice n indica que cada
autofunção φn corresponde a um autovalor En , portanto corresponde a um nı́vel especı́fico

9
de energia, logo esta varia de forma discreta (não contı́nua), ou seja, é quantizada. Deve-
se notar que, enquanto En φn representa o produto de um real por uma função das
coordenadas do ponto, Hφn não representa um produto, mas sim a aplicação de uma
operação, que envolve derivação em relação às coordenadas do ponto, à mesma função.
A expressão Hφn = En φn , n = 1, 2, . . ., proposta por E. Schrödinger em 1926, é um dos
postulados básicos da mecânica quântica.
Um ano antes, W. Heisenberg propôs um outro formalismo para a mecânica quântica,
baseado em álgebra matricial ao invés de equações diferenciais. Posteriormente, foi ve-
rificado que os dois formalismos são equivalentes. De fato, os valores dos elementos das
matrizes usadas por W. Heisenberg são determinados por meio das autofunções φn . Por-
tanto, a função de onda é essencial a ambos os formalismos e o seu conceito constitui o
terceiro princı́pio fundamental da mecânica quântica. Mas, para apresentar este conceito,
é necessário previamente explicar o que é “densidade de probabilidade”.
Se n eventos puderem ocorrer, a cada um deles poderá ser associada uma proba-
bilidade de ocorrência Pi , i = 1, . . . , n, tal que ni=1 Pi = 1. Ao conjunto de valores
P

Pi , i = 1, . . . , n chama-se distribuição discreta de probabilidades. Uma distribuição dis-


creta de probabilidades corresponde, por exemplo, ao conjunto de valores que apresenta
uma propriedade cuja variação é discreta. Suponha, agora, que os valores de uma propri-
edade variem continuamente, dentro de uma determinada faixa finita. A probabilidade
de que o valor da grandeza situe-se dentro da citada faixa será igual a um, e qualquer
intervalo finito de valores, pertencente à faixa, pode apresentar uma probabilidade não
nula de ocorrência.
Se esta probabilidade for dividida pelo comprimento do intervalo, ter-se-á a “densi-
dade média de probabilidade” correspondente ao citado intervalo. Se, neste quociente,
o comprimento do intervalo tender para zero, ter-se-á a “densidade de probabilidade”
num ponto único, para o qual tendam ambas as duas extremidades do intervalo. A este
ponto corresponde um único valor da propriedade, portanto a densidade de probabili-
dade está associada a um único valor da grandeza, embora ela varie de modo contı́nuo
nas vizinhanças deste valor.
O conceito de função de onda consiste na afirmação de que o produto φ∗ φ é a densidade
de probabilidade da partı́cula a que a função de onda se refere, num instante definido
pelo valor da variável independente tempo, estar num ponto do espaço determinado pelos
valores das variáveis independentes coordenadas de posição. Note que φ∗ é o complexo
conjugado de φ. Então, quando φ for real, a referida densidade de probabilidade será
dada por φ2 . Por outro lado, quando o sistema microscópico se encontrar num nı́vel
de energia temporalmente constante e bem determinado, a mencionada densidade de
probabilidade será independente do tempo e será escrita φ∗n φn , ou φ2n se φn for real.
É importante sublinhar que este conceito envolve o pressuposto de que, no instante
considerado, a partı́cula a que a função de onda se refere exista, ou seja, necessariamente
se encontre em algum ponto do espaço tridimensional em que vivemos. Se tal existência
não corresponder a uma certeza (probabilidade P = 1), mas sim a alguma probabilidade
P tal que 0 ≤ P < 1, a mencionada densidade de probabilidade será dada por P φ∗ φ.
Conforme já colocado, o primeiro postulado de Bohr está em perfeito acordo com a
moderna mecânica quântica. De fato, ele consiste na afirmação de que “no átomo, so-
mente é permitido ao elétron estar em determinados estados denominados estacionários,
cada um deles caracterizado por energia fixa e bem definida; a energia do elétron atômico,
portanto, não varia de modo contı́nuo, mas sim de modo discreto, ou seja, ela é quan-
tizada”. Então, de acordo com a moderna mecânica quântica, os estados estacionários

10
mencionados no primeiro postulado apresentam como energias os autovalores do opera-
dor hamiltoniano referente ao átomo considerado e são descritos pelas correspondentes
autofunções deste operador.
Entretanto, de acordo com a moderna mecânica quântica, os autovalores e auto-
funções do operador hamiltoniano devem ser obtidos resolvendo-se a equação Hφn =
En φn , n = 1, 2, . . ., onde a cada átomo corresponde um operador hamiltoniano H dife-
rente. Portanto, a cada átomo correspondem autovalores e autofunções diferentes. Este
procedimento nada tem em comum com aquele adotado para se obter raios de órbita e
energias permitidos, de acordo com os postulados de Bohr. A resolução da equação de
E. Schrödinger não será apresentada nesta disciplina de Quı́mica Geral.
Conforme também já colocado, o segundo postulado de Bohr também está certo e
a correção referente ao quarto postulado será apresentada na subseção 1.5.1. Quanto
ao terceiro postulado, a dualidade partı́cula-onda e o princı́pio de incerteza indicam
sua falácia. O conceito de função de onda, porém, complementa esta indicação. De
fato, como cada estado estacionário é descrito pela correspondente auto-função, cada
estado estacionário é descrito por uma distribuição espacial de densidade de probabilidade
temporalmente invariante de encontrar o elétron, dada por φ2n . Sendo e o módulo da carga
do elétron, (φ2n e) é a densidade de carga eletrônica em cada ponto do espaço, que somada
sobre o inteiro espaço produz o valor e. Então, a carga eletrônica não está concentrada
num ponto (partı́cula), mas sim espalhada no espaço (radiação).

1.5 Partı́culas mononucleares


1.5.1 Números quânticos das partı́culas mono-eletrônicas
Uma partı́cula constituı́da por um núcleo e um elétron (por exemplo H, He + e Li 2+ ), que
não interaja com as outras (logo, em estado gasoso rarefeito ou, mais exatamente, em
estado gasoso perfeito), pode ser considerada um sistema microscópico isolado (que não
troca nem massa, nem energia com seu exterior). Resolvendo a equação de Schrödinger
para este sistema, obtém-se para os autovalores do operador hamiltoniano
Z 2 me4
En = − , n = 1, 2, 3, . . . (1.13)
2n2 42◦ h2
Note que na subseção 1.3.2 foi definida a constante denominada raio de Bohr, a◦ =
◦ h2
πme2
,
que substituı́da na eq. 1.5 produz a eq. 1.13. Portanto, os autovalores do operador
hamiltoniano de uma partı́cula mononuclear e mono-eletrônica coincidem com as energias
◦ h2
permitidas do átomo de Bohr. Analogamente, se a◦ = πme 2 for substituı́do na expressão

e2 me4
da unidade atômica de energia 1u.a. = 4π◦ a◦
, obtém-se 1u.a. = 42◦ h2
, define-se 1 hartree
= 4, 3598 × 10−18 J e chega-se à eq. 1.6. Em mecânica quântica n recebe o nome de
“número quântico principal”.
Como a energia do movimento do elétron em relação ao núcleo fixo foi definida com
total precisão, de acordo com o princı́pio de incerteza de W. Heisenberg o vetor momento
linear do movimento do elétron em relação ao núcleo fixo, p~ = m~v , será indeterminado
por completo. Porém, o módulo L do vetor momento angular do movimento do elétron
~ = ~r × p~, poderá ser determinado com absoluta precisão.
em relação ao núcleo fixo, L
Além disto, também poderá ser definida com absoluta precisão uma componente ar-
bitrária deste vetor, cuja direção será, por convenção, considerada a direção z, portanto

11
a componente Lz , permanecendo as outras duas componentes, Lx e Ly , completamente
indeterminadas.
Portanto, para o elétron da partı́cula mononuclear e mono-eletrônica define-se, além
do número quântico principal n, também o “número quântico de momento angular”,
representado por l. O número quântico l discretiza o valor do módulo do vetor momento
angular do movimento do elétron, em relação ao núcleo fixo, módulo este fornecido pela
igualdade
h
Ll = [l(l + 1)]1/2 , onde l = 0, 1, 2, . . . , n − 2, n − 1 (1.14)

Assim como ocorre com n, l é um adimensional. De fato, a constante de Planck tem
dimensão de momento angular (no SI, o produto J s). A eq. 1.14 indica que, para cada
valor n, o número quântico l assume n valores distintos.
Em concordância com o que foi anteriormente colocado, para o elétron da partı́cula
mononuclear e mono-eletrônica define-se, ainda, o “número quântico magnético de mo-
mento angular” ml , que discretiza o valor de uma componente do vetor momento angular
do movimento do elétron, em relação ao núcleo fixo, por meio da expressão
h
(Lz )ml = ml , onde ml = −l, −l + 1, . . . , 0, . . . , l − 1, l . (1.15)

A eq. 1.15 mostra que ml é um adimensional que, para cada valor l, assume 2l + 1
valores distintos. O adjetivo “magnético” é mantido por razões históricas, em memória
ao experimento de demonstrou a existência deste número quântico. Cada par de valores
de l e ml define uma superfı́cie cônica a qual, obrigatoriamente, contém o vetor momento
angular do movimento do elétron, em relação ao núcleo fixo. O cosseno do ângulo θ que
esta superfı́cie faz com o semi-eixo positivo z é dado por

(Lz )ml ml
cos θ = = . (1.16)
Ll [l(l + 1)]1/2

As regras apresentadas, para a formação dos conjuntos < n, l, ml >, indicam que a
Pn−1
cada valor da energia, portanto a cada n, correspondem l=0 (2l + 1) = n2 conjuntos
< n, l, ml > diferentes (usando a fórmula para a soma dos termos de uma progressão
Pn−1
aritmética, obtém-se imediatamente que l=0 (2l + 1) = n2 ). Tem-se, então, um único
conjunto para n = 1, quatro para n = 2, nove para n = 3, dezesseis para n = 4 etc. Por
exemplo, para n = 3 tem-se os nove conjuntos:

n = 3 l = 0 ml = 0 (ausência de momento angular no movimento),

n = 3 l = 1 ml = −1 (superfı́cie a arccos − 1/21/2 = 135◦ do semi-eixo


positivo z e aresta do cone igual a 21/2 h/2π),
n = 3 l = 1 ml = 0 (superfı́cie perpendicular ao semi-eixo
positivo z e raio do cı́rculo igual a 21/2 h/2π),
n = 3 l = 1 ml = 1 (superfı́cie a arccos 1/21/2 = 45◦ do semi-eixo
positivo z e aresta do cone igual a 21/2 h/2π),

12
n = 3 l = 2 ml = −2 (superfı́cie a arccos − 2/61/2 = 144, 7◦ do semi-eixo
positivo z e aresta do cone igual a 61/2 h/2π),
n = 3 l = 2 ml = −1 (superfı́cie a arccos − 1/61/2 = 114, 1◦ do semi-eixo
positivo z e aresta do cone igual a 61/2 h/2π),
n = 3 l = 2 ml = 0 (superfı́cie perpendicular ao semi-eixo
positivo z e raio do cı́rculo igual a 61/2 h/2π),
n = 3 l = 2 ml = 1 (superfı́cie a arccos 1/61/2 = 65.9◦ do semi-eixo
positivo z e aresta do cone igual a 61/2 h/2π) e
n = 3 l = 2 ml = 2 (superfı́cie a arccos 2/61/2 = 35, 3◦ do semi-eixo
positivo z e aresta do cone igual a 61/2 h/2π).
Faz-se, porém, fundamental saber se o conjunto de valores < n, l, ml > é completo,
ou seja, se nele estão contidas o máximo possı́vel de informações. De acordo com o
desenvolvimento original da teoria quântica, proposto por W. Eisenberg e E. Schrödinger,
a resposta é “sim”. Entretanto, experiências demonstraram que o conjunto de valores
< n, l, ml > não descreve, de modo completo, um elétron pertencente a um átomo. Em
outras palavras, assim como experiências mostraram que a teoria clássica não descreve
o átomo, o mesmo voltou a se repetir em relação à nova teoria quântica. De fato,
demonstra-se experimentalmente que mais dois números quânticos são necessários para
descrever completamente um átomo.
Tais números quânticos adicionais são ditos “de spin”. Deseja-se, porém, desde já
informar que, embora o nome “spin” em inglês signifique rotação, a existência dos men-
cionados dois números quânticos de spin não provém de algum movimento eletrônico
análogo à rotação do nosso planeta sobre o seu eixo.1 A única explicação conceitual-
mente correta para a existência destes dois números adicionais é aquela apresentada pela
mecânica quântica relativı́stica, conforme demonstrado por P. A. M. Dirac em 1928. A te-
oria desenvolvida por P. A. M. Dirac previu a existência da antipartı́cula correspondente
ao elétron, o pósitron, cuja existência foi experimentalmente demonstrada em 1932.
P. A. M. Dirac mostrou que o “número quântico de spin”, s, nome este também
mantido por razões apenas históricas, informa o tipo de simetria que a partı́cula (no caso,
o elétron) possui, no espaço quadridimensional que caracteriza a teoria da relatividade
geral.2 O número quântico s é um adimensional que, para um elétron, é sempre igual a
1/2. Existe, ainda, o “número quântico magnético de spin”, ms , mais uma vez um nome
mantido por razões apenas históricas, que informa qual é a orientação da partı́cula (no
caso, o elétron), entre as orientações permitidas pelo tipo de simetria considerado (dado
por s), neste mesmo espaço quadridimensional. Este é um adimensional que, para um
elétron, apresenta os valores 1/2 e −1/2.
Portanto, para cada valor n, logo para cada valor da energia, correspondem 2n2
possı́veis conjuntos diferentes < n, l, ml , ms > (como s é constante, s não é incluı́do no
conjunto). Tem-se, então, dois conjuntos para n = 1, oito para n = 2, dezoito para
n = 3, trinta e dois para n = 4 etc. Note que, embora esta sequência numérica seja
apresentada no ensino médio, tal sequência, aqui, refere-se a uma partı́cula mononuclear
e mono-eletrônica (logo, não se refere a um átomo poli-eletrônico). Portanto, o significado
desta sequência, aqui, difere fortemente daquele apreendido no ensino médio (em relação
a este assunto, veja também as próximas subseções 1.6 e 1.5.4).
1
F.L.Pilar, “Elementary Quantum Chemistry”, McGraw-Hill, New York, 1968, p. 167 e 168.
2
Para uma visão extremamente simplificada, a nı́vel de divulgação cientı́fica, veja S. Hawking, “O
Universo numa Casca de Noz”, Ed. Mandarim, São Paulo, 2002, fig. 2.12, p. 48 e 49.

13
1.5.2 Orbitais das partı́culas mono-eletrônicas
Cada possı́vel conjunto de valores < n, l, ml > caracteriza uma autofunção φn,l,ml do
operador hamiltoniano referente à partı́cula mononuclear e mono-eletrônica considerada.
Note que n2 autofunções correspondem ao mesmo autovalor En do mencionado operador.
Sempre que mais de uma autofunção corresponder a um mesmo autovalor, diz-se que
este é degenerado. Portanto, os autovalores dos operadores hamiltonianos das partı́cula
mononucleares e mono-eletrônicas são degenerados. Por outro lado, as autofunções destes
especı́ficos operadores, φn,l,ml , são chamadas “orbitais”. Note, portanto, que o nome
“orbital” nada tem em comum com o substantivo “órbita”.
Note, ainda, que os orbitais são funções reais, ou seja, se a posição espacial do elétron
for dada por < x, y, z >, então o valor φn,l,ml (x, y, z) é um real. Logo, de acordo com
o conceito de função de onda (subseção 1.4.3), [φn,l,ml (x, y, z)]2 é a densidade de pro-
babilidade de encontrar, no ponto < x, y, z >, um elétron com a energia e o cone de
momento angular definidos por < n, l, ml >, desde que tal elétron exista, ou seja, desde
que seja igual a um a probabilidade P de encontrar, no espaço fı́sico tridimensional no
qual vivemos, um elétron caracterizado pelo conjunto de números quânticos < n, l, ml >.
Como a partı́cula considerada é mono-eletrônica e apresenta diversos possı́veis conjuntos
< n, l, ml > para o seu elétron, na verdade tem-se 0 ≤ P < 1, logo a referida densidade
de probabilidade é, na verdade, P [φn,l,ml (x, y, z)]2 .
Definem-se, ainda, os spinorbitais φn,l,ml ,ms = φn,l,ml φms , cada um deles caracterizado
por um conjunto de valores < n, l, ml , ms >. Cada spinorbital φn,l,ml ,ms , portanto, é o
produto de duas funções, sendo uma delas a já descrita função das coordenadas espa-
ciais do elétron denominada orbital, enquanto que a outra função não é aplicada às
coordenadas espaciais do elétron. Porque ms só apresenta dois valores, a cada orbi-
tal φn,l,ml correspondem dois spinorbitais, a saber φn,l,ml ,1/2 e φn,l,ml ,−1/2 . Além disto,
φ∗n,l,ml ,ms φn,l,ml ,ms = φ2n,l,ml , porque φ∗ms φms = 1 para ms = ±1/2. Portanto, dada a
existência de um elétron definido por < n, l, ml , ms >, o valor [φn,l,ml (x, y, z)]2 é a densi-
dade de probabilidade de encontrá-lo no ponto < x, y, z >, desde que tal elétron exista.
Considerando que um elétron definido por < n, l, ml > pode apresentar ms = ±1/2,
pode parecer que a probabilidade de encotrar, no ponto < x, y, z >, um elétron definido
por < n, l, ml , ms > deveria ser a metade daquela de encontrar um elétron definido por
< n, l, ml >. Este falso paradoxo é resolvido pelo fato de que, em ambos os casos, impõe-
se que o elétron exista. Como a partı́cula é mono-eletrônica, se for imposto que exista o
elétron definido por < n, l, ml , 1/2 >, evidentemente não existirá o elétron definido por
< n, l, ml , −1/2 > e a probabilidade referente ao elétron definido por < n, l, ml > será a
mesma daquela referente ao elétron definido por < n, l, ml , 1/2 > (analogamente, se for
imposto que exista o elétron definido por < n, l, ml , −1/2 >).
É comum representar o spinorbital com l=0 pela letra s, l=1 pela letra p, l=2 pela
letra d e l=3 pela letra f , antecedendo o valor do número quântico principal a estas
letras. Para l ≥ 3, usam-se letras na sequência alfabética após a letra f , ou seja, g, h
etc.. Por exemplo, 3d indica n = 3 e l = 2.

1.5.3 Partı́culas poli-eletrônicas


Os elétrons de partı́culas mononucleares poli-eletrônicas, supostas não interagentes (logo,
em estado gasoso rarefeito ou, mais exatamente, em estado gasoso perfeito), apresentam

14
três importantes caracterı́sticas em comum com os elétrons de partı́culas mononucleares
mono-eletrônicas, também consideradas não interagentes:

1. tem seus spinorbitais definidos pelos quatro números quânticos n, l, ml e ms ;

2. os valores que n, l, ml e ms podem assumir continuam os mesmos;

3. cada spinorbital pode acomodar, no máximo, um elétron. Este fato, evidente


no caso da partı́cula mono-eletrônica, no caso da poli-eletrônica tem como con-
sequência a limitação:

• em 2 para o número de elétrons presentes num mesmo orbital, logo para


o número de elétrons que apresentem em comum determinado conjunto <
n, l, ml >,
• em 2(2l+1) para o número de elétrons que apresentem em comum determinado
par < n, l > e
• em 2n2 para o número de elétrons com o mesmo n.

4. Para uma mesma partı́cula, energias eletrônicas maiores correspondem a distâncias


mais prováveis, em relação ao núcleo, também maiores.

Então, a sequência 2, 8, 18, 32, 50, 72 etc. se refere ao número máximo de elétrons
para cada valor possı́vel do número quântico principal, respectivamente n = 1, 2, 3, 4, 5, 6
etc. A redução, considerada já no curso secundário, dos últimos dois valores listados
na sequência é devida à instabilidade dos núcleos dos átomos neutros que conteriam as
quantidades máximas de elétrons correspondentes a n = 5 e n = 6, respectivamente.
Como tal redução não é devida a razões referentes à estrutura eletrônica das partı́culas,
ela não será, aqui, considerada.
Outras caracterı́sticas eletrônicas, porém, alteram-se fortemente quando se passa das
partı́culas mono-eletrônicas para as poli-eletrônicas. Entre estas, deve-se mencionar que,
para o mesmo conjunto de números quânticos < n, l, ml , ms > e para o mesmo núcleo:
2
 4

Z me
1. a eq. 1.13, a qual informa que En = − 2n 2 42◦ h2
, perde sua validade, a energia
do elétron da partı́cula mono-eletrônica nunca sendo maior do que a energia de
um elétron com o mesmo valor para o número quântico n, numa partı́cula poli-
eletrônica que contenha o mesmo núcleo;

2. a energia do elétron não mais depende apenas de n, mas sim do par de valores
< n, l >;

3. o orbital φn,l,ml não é o mesmo, ou seja, a função que associa um valor φn,l,ml (x, y, z)
a cada ponto espacial < x, y, z >, respectivamente para a partı́cula mono e poli-
eletrônica, não é a mesma, embora o conjunto de valores < n, l, ml > seja o mesmo.
Logo, a densidade de probabilidade de encontrar, no ponto espacial < x, y, z >, um
elétron caracterizado pelo conjunto de valores < n, l, ml >, não é a mesma.

De acordo com a eq. 1.6, por exemplo, para o cátion Li 2+ (mono-eletrônico) sob a
forma de gás perfeito tem-se a energia (− 9/2 = − 4, 5)hartree para o seu único elétron
no estado fundamental 1s e (− 9/8 = − 1, 125)hartree para ambos os estados excitados
2s e 2p deste mesmo elétron. Se a eq. 1.13 continuasse válida para o átomo neutro de

15
lı́tio (tri-eletrônico) sob a forma de gás perfeito, ou seja, caso, ao se introduzir mais dois
elétrons na partı́cula, os três ocupassem os mesmos nı́veis energéticos da partı́cula mono-
eletrônica, a energia eletrônica total do estado fundamental 1s2 2s do átomo neutro de
lı́tio sob a forma de gás perfeito seria (−4, 5 − 4, 5 − 1, 125 = −10, 125hartree), quando
na verdade é (−3, 640 − 3, 640 − 0, 198 = −7, 478hartree).
Além disto, este átomo neutro apresenta um estado excitado 1s2 2p, cuja energia
eletrônica total é aproximadamente (−3, 640 − 3, 640 − 0, 130 = −7, 410hartree), ou seja
os orbitais 2s e 2p não apresentam a mesma energia no átomo neutro de Li , embora
apresentem exatamente a mesma energia no cátion Li 2+ . Este exemplo evidencia as
primeiras duas diferenças antes citadas, entre partı́culas mono e poli-eletrônicas.
De fato, qualquer alteração no número de prótons presentes no núcleo, ou no de
elétrons numa partı́cula mononuclear poli-eletrônica, ou em ambos estes números, altera
todos os spinorbitais eletrônicos da partı́cula, bem como as energias a eles correspon-
dentes. Spinorbitais, portanto, não são como prateleiras fixas de estante, onde elétrons
poderiam ser colocados ou tirados, como parece transparecer a partir da sistemática,
aprendida no ensino médio, para preenchimento de orbitais atômicos. Pelo contrário, ao
se aumentar ou diminuir o número de elétrons e ou de prótons, as “prateleiras” mudam
de forma (altera-se a distribuição espacial de densidades de probabilidade correspondente
ao orbital) e de altura (altera-se a energia referente ao orbital).

1.5.4 Blindagem
Os cálculos efetuados na resolução da equação de E. Schrödinger podem, por exemplo:

• Produzir valores teóricos, para as energias eletrônicas de estados fundamentais


e excitados de átomos neutros sob forma de gás ideal, extremante próximos aos
correspondentes valores experimentais.

• Ser fisicamente interpretados, o que permite a compreensão de numerosos efeitos


que, no seu conjunto, justificam os valores experimentais das mencionadas energias
eletrônicas.

Numa disciplina de quı́mica geral, porém, entre os citados efeitos apenas o de blindagem
da carga nuclear precisa ser estudado, porque ele é suficiente para justificar qualitativa-
mente várias caracterı́sticas da tabela periódica dos elementos. Algumas caracterı́sticas
da tabela periódica, entretanto, são inexplicáveis por meio desta primeira aproximação
aos resultados exatos da mecânica quântica. Tais caracterı́sticas são propositalmente
ignoradas neste texto.
O efeito de blindagem da carga nuclear consiste num modo apenas qualitativo de
explicar os aumentos das energias (diminuições nos módulos das energias) dos orbitais
da partı́cula poli-eletrônica, em relação às energias calculadas para os mesmos conjuntos
de números quânticos < n, l, ml , ms > e para o mesmo núcleo, mas para a partı́cula
contendo um único elétron. A teoria do efeito de blindagem da carga nuclear admite
então que, na partı́cula poli-eletrônica, a força atrativa que o núcleo exerce sobre cada
elétron seja atenuada pela presença dos outros elétrons, o que equivale a se afirmar que
o núcleo apresente uma carga efetiva menor do que sua verdadeira carga elétrica.
Trata-se de um artifı́cio matemático onde todos os elétrons, salvo um, são substituı́dos
por uma fictı́cia diminuição da atração nuclear. A partı́cula será, então, considerada como

16
se fosse mononuclear e mono-eletrônica mas, ao invés da eq. 1.13, ter-se-á a equação

Z2 me4
!
En, l = − n,2l . (1.17)
2n 42◦ h2

Na eq. 1.17 o adimensional Zn, l é a carga efetiva do núcleo, a qual depende tanto de n
como de l.
Comparando a eq. 1.17 com a eq. 1.13, percebe-se que Zn, l substituiu Z. Conforme
já colocado, este último é a carga elétrica do núcleo dividida pela do próton, portanto
Z é o verdadeiro número de prótons presentes no núcleo. Por outro lado, se En, l for a
energia de um orbital caracterizado pelos números quânticos < n, l, ml >, orbital este
pertencente a uma partı́cula mononuclear poli-eletrônica, Zn, l será o fictı́cio número de
prótons (geralmente fracionário) que o núcleo deveria ter para que, se a partı́cula fosse
mono-eletrônica, seu orbital caracterizado pelos três números quânticos < n, l, ml >
apresentasse a energia En, l . Lembre que apenas 2l + 1 orbitais da real partı́cula poli-
eletrônica dispõem desta energia, enquanto que n2 orbitais da fictı́cia partı́cula mono-
eletrônica mostrariam tal energia.
Evidentemente, Zn, l ≤ Z. Por outro lado, a máxima diminuição fictı́cia que um
elétron pode causar na carga do núcleo é igual à carga de um elétron. Por isto, se Ze for
o número de elétrons na partı́cula, Z − (Ze − 1) ou Z − Ze + 1 será a carga efetiva mı́nima
do núcleo, obtida quando o número de elétrons presentes na partı́cula, menos um, for
subtraı́do do número de prótons (note que Z − Ze é a carga elétrica da partı́cula, como
um todo, dividida pela do próton). Tem-se, então,

Z − Ze + 1 ≤ Zn, l ≤ Z. (1.18)

Para deixar mais claro o significado da eq. 1.18, considere o cátion Ba 2+ , que apre-
senta Z = 56 e Ze = 54 (o número atômico do Ba é 56). Retirando-se 53 elétrons
deste cátion ter-se-ia uma partı́cula mononuclear e mono-eletrônica. A blindagem cau-
sada por estes 53 elétrons sobre o elétron remanescente a princı́pio poderia, no máximo,
anular a carga de 53 prótons, restando ainda 3. Portanto, neste exemplo 3 ≤ Zn, l ≤ 56,
confirmando a eq. 1.18. Deve-se ressaltar que:

1. Não existe uma única carga efetiva para o núcleo de uma partı́cula. Já foi afirmado
que a carga efetiva do núcleo é um valor que depende fortemente do elétron a
que ela se refere, conforme indica seu ı́ndice (n, l), formado pelos dois primeiros
números quânticos do elétron remanescente, após todos os outros elétrons terem
sido substituı́dos pela blindagem efetuada sobre a carga nuclear verdadeira.

2. Embora ocorram os valores extremos Zn, l = Z − Ze + 1 e Zn, l = Z, geralmente


Zn, l é um valor intermediário entre estes dois extremos.

3. O valor numérico da blindagem é o valor de atenuação da carga nuclear, Z − Zn, l .


Portanto, de acordo com a eq. 1.18 a blindagem máxima é igual a Ze − 1 (carga
efetiva mı́nima), enquanto que a blindagem mı́nima é nula (carga efetiva máxima).

4. Para átomos neutros, Z − Ze + 1 = 1, enquanto que para cátions e ânions basta


somar à unidade o número de carga do ı́on considerado (positivo para cátion e
negativo para ânion) para se ter o valor de Z − Ze + 1.

17
Duas importantes caracterı́sticas do efeito de blindagem da carga nuclear, experimen-
talmente demonstradas, devem ser destacadas:

• Pode ser desprezada a blindagem efetuada por elétrons em faixas energéticas mais
elevadas, sobre aqueles que se situam em faixas inferiores. Note que, em partı́culas
mono-eletrônicas, elétrons em faixas energéticas mais elevadas sempre apresentam
número quântico principal também mais elevado, mas isto não necessariamente
ocorre em partı́culas poli-eletrônicas, embora frequentemente aconteça.

• Elétrons pertencentes à mesma faixa de energias blindam-se entre si com menos


eficiência do que elétrons em faixas inferiores blindam àqueles em faixas superi-
ores. Entretanto, a mútua blindagem entre elétrons pertencentes à mesma faixa
de energias não pode ser desprezada. Por exemplo, para o cátion He + no seu es-
tado fundamental tem-se a energia eletrônica total − 4/2 = −2hartree mas, para o
átomo neutro também no seu estado fundamental, ao invés de −2 − 2 = −4hartree
obtém-se experimentalmente −1, 452 − 1, 452 = −2, 904hartree, ou seja, a mútua
blindagem não pode ser desprezada.

Como exemplo destas caracterı́sticas, considere o átomo neutro de Li , sob a forma de


gás perfeito. Tem-se que:

1. Há diferença de energia entre as configurações 1s2 2s e 1s2 2p. Tal diferença ocorre
porque, embora tanto os elétrons 2s como os 2p se encontrem, com maior probabi-
lidade, mais afastados do núcleo que os elétrons 1s, a probabilidade dos 2s serem
achados próximo da região espacial mais provável para os elétrons 1s é muito su-
perior à probabilidade disto ocorrer com elétrons 2p. Quando um elétron 2s ou
2p localizar-se próximo da região espacial mais provável para os elétrons 1s, ele
sofrerá blindagem semelhante àquela que os elétrons 1s efetuam um sobre o outro,
a qual é menor do que a blindagem exercida pelos elétrons 1s sobre os 2s ou 2p,
quando estes estiverem onde é mais provável encontrá-los. Portanto, o elétron 2p
corresponde a uma menor carga efetiva nuclear do que o elétron 2s, disto resultando
uma maior energia para a configuração 1s2 2p.

2. A energia do orbital 1s do Li é, aproximadamente, a mesma em ambas as confi-


gurações 1s2 2s e 1s2 2p. Isto ocorre porque a blindagem de elétrons 2s e 2p, sobre
elétrons 1s é, nestas duas configurações do Li , absolutamente desprezı́vel.

1.5.5 Ordenamento energético dos orbitais na tabela periódica


Quando Z aumentar para Z + 1, numa partı́cula constituı́da por um único núcleo e
somente um elétron, sob a forma de gás perfeito, de acordo com a eq. 1.6 a energia do
orbital de número quântico principal n variará de

(Z + 1)2 Z2
!
2Z + 1
En (Z + 1) − En (Z) = − − − =− hartree,
2n2 2n2 2n2

logo tal energia diminuirá de (2Z + 1)/2n2 hartree. Esta diminuição, evidentemente, é
causada pelo aumento da atração nuclear sobre o elétron, que fica mais preso ao núcleo.
Como n aparece no denominador, esta expressão mostra que, quanto maior for o valor
de n, menor será a diminuição de energia quando Z aumentar para Z + 1. Este último

18
fato implica em que, na partı́cula considerada, o espaçamento energético entre os orbitais
aumentará quando Z aumentar para Z + 1, conforme mostra o gráfico 1.
Nesta partı́cula, porém, o número Z de prótons no núcleo aumenta sem que aumente
o número de elétrons na partı́cula, que é fixo em um. Suponha, agora, que o aumento
no número de prótons no núcleo seja acompanhado por igual aumento no número de
elétrons, como acontece quando aumenta-se em um o número atômico de um átomo
neutro na tabela periódica, passando-se para o seguinte. Neste caso, o aumento de Z
para Z + 1 é acompanhado por um aumento do efeito blindagem, ao contrário do que
acontece na partı́cula mono-eletrônica, que não apresenta efeito blindagem.
O aumento do efeito blindagem tende a aumentar a energia dos orbitais dos átomos
neutros a medida que, na tabela periódica, o número atômico aumente. Embora, para
cada orbital, quando Z aumentar para Z + 1 o incremento na sua energia devido ao efeito
blindagem nunca prevaleça sobre a queda causada pelo crescimento da atração nuclear, o
efeito blindagem pode atenuar tal queda a ponto de, em alguns casos, a energia do orbital
se manter quase inalterada com o aumento do número atômico. Se a atenuação da queda
de energia for mais intensa num orbital com energia inferior, em relação a outro com
energia mais elevada, a medida que o número atômico aumente poderá ocorrer alteração
no ordenamento energético dos orbitais dos átomos neutros em estado gasoso perfeito,
conforme mostra o gráfico 2.

Z=3,n=3
Z=4,n=3
Z=3,n=2

Z=4,n=2

Z=3,n=1

Z=4,n=1

Gráfico 1: Menores Energias Eletrônicas do Li2+ e do Be3+


(escala correta)

19
Z,n+2
Z,n+1
6
Z+1,n+2
6

Z+1,n+1

Z,n

Z+1,n

Gráfico 2: Hipotética Inversão de Nı́veis Energéticos Causada por Blindagem


(flechas verticais indicam aumentos energéticos devidos à blindagem)

Por exemplo, no átomo neutro de Li (3 elétrons) em estado de gás perfeito, os orbitais


3d apresentam energia inferior ao 4s, como também ocorre no H (1 elétron) e no He
(2 elétrons). Já para o Na, cuja configuração do estado fundamental é 1s2 2s2 2p6 3s,
totalizando 11 elétrons, o orbital 4s apresenta energia menor do que os 3d, indicando
que entre o Li e o Na os nı́veis de energia 3d e 4s se aproximam e depois invertem suas
posições energéticas relativas porque, com o aumento do número atômico, o orbital 4s
diminui sua energia mais acentuadamente do que os orbitais 3d (tanto o orbital 4s como
os orbitais 3d diminuem suas respectivas energias, com o aumento do número atômico).
Os elétrons com n = 2, portanto, blindam com mais eficiência os orbitais 3d do que os
4s. Este é o motivo porque, no estado fundamental, os orbitais 4s são preenchidos antes
dos 3d, o que ocorre no K (19 elétrons, configuração fundamental 1s2 2s2 2p6 3s2 3p6 4s) e no
Ca (20 elétrons, configuração fundamental 1s2 2s2 2p6 3s2 3p6 4s2 ), aparecendo o primeiro
elétron 3d, num estado fundamental, apenas no Sc (21 elétrons, configuração fundamental
1s2 2s2 2p6 3s2 3p6 4s2 3d) .
No Sc e a partir dele, o orbital 4s volta a ter energia superior aos orbitais 3d, para
átomos neutros em estado de gás perfeito. Para explicar este fato, considere que as
energias dos orbitais 4s e 3d são muito parecidas, embora os números quânticos principais
difiram e que, ao se colocar dois elétrons no orbital 4s, eles se blindam entre si mais do
que blindam os orbitais 3d. Portanto, no Sc a atração nuclear passa a ser mais eficaz
sobre os orbitais 3d. Mas o fato de que o orbital 4s, completamente ocupado, tenha
energia superior aos orbitais 3d, não completamente ocupados, merece ser ressaltado e
comentado.
A energia eletrônica total de uma partı́cula é a soma das energias de todos os seus
elétrons, portanto é uma soma de parcelas, todas elas negativas. Por outro lado, a
distribuição mais provável dos elétrons, entre seus possı́veis nı́veis de energia, é aquela
que produzir a menor energia eletrônica possı́vel, para a partı́cula. Tal distribuição é

20
denominada estado fundamental da partı́cula. Pode, então, algum estado fundamental
apresentar um orbital 4s, ocupado, com energia superior a orbitais 3d, sem que estes
últimos estejam completamente ocupados? Não seria este um estado excitado? Por que,
no estado fundamental, os elétrons 4s dos metais de transição não “caem” para o nı́vel
3d, cuja energia é menor?
Se isto acontecesse, entre os metais de transição do quarto perı́odo existiriam elétrons
4s apenas nos estados fundamentais do Cu (29 elétrons) e do Zn (30 elétrons), ao invés
deles aparecerem também nos estados fundamentais de todos estes dez metais, como
na verdade ocorre. Porém, a afirmação dos elétrons 4s serem os de maior energia, nos
citados metais, é experimentalmente comprovada pelo fato de serem estes os primeiros
elétrons extraı́dos, ao se formarem cátions de metais de transição do quarto perı́odo (os
cátions destes metais contêm, preferencialmente, elétrons 3d).
A resposta à pergunta feita no fim do penúltimo parágrafo está na constatação de
que a citada queda causaria um aumento na energia dos orbitais 3d e uma diminuição na
energia dos orbitais 4s tais que a energia eletrônica total do átomo aumentaria, ao invés
de diminuir. Isto ocorreria porque aumentaria a blindagem dos elétrons 3d, enquanto
que diminuiria a blindagem dos elétrons 4s. De fato, as energias dos elétrons 4s e 3d
são muito próximas, o que indica que, neste caso especı́fico, alterações no valor de n
não correspondem a mudanças de faixas de energia. Lembre que a regra destacada na
subseção 1.5.4 se refere a faixas de energia, nâo ao valor do número quântico principal n
embora, em geral, elétrons com valores diferentes de n pertençam a diferentes faixas de
energia.
Analogamente ao que ocorre com o par de orbitais < 3d, 4s >, que é preenchido
por elétrons no quarto perı́odo da tabela periódica, são percebidas nesta tabela outras
alterações no ordenamento energético dos orbitais, em relação àquele da partı́cula mono-
nuclear e mono-eletrônica. Tais alterações também são devidas à existência do efeito de
blindagem da carga nuclear. Por exemplo, tem-se as alterações envolvendo os conjuntos
de orbitais < 4d, 5s >, preenchido por elétrons no quinto perı́odo, < 4f, 5d, 6s >, preen-
chido por elétrons no sexto perı́odo e < 5f, 6d, 7s >, preenchido por elétrons no sétimo
perı́odo.

1.5.6 Variação das energias de primeira ionização na tabela


periódica
Por definição, para uma partı́cula que não interaja com outras (logo, que esteja em estado
gasoso rarefeito ou, mais exatamente, perfeito), a diferença entre energia eletrônica total
do cátion no seu estado fundamental, depois de extraı́do o elétron de maior energia que a
partı́cula possuı́a, e o mesmo tipo de energia para a partı́cula no seu estado fundamental,
antes do elétron ser extraı́do, é a energia de ionização da partı́cula. Como a eletrônica
total da partı́cula é mais negativa do que a energia eletrônica total do cátion obtido,
ambos nos seus respectivos estados fundamentais, esta definição tem como consequência
o fato da energia de ionização ser sempre positiva.
Porque as energias de todos os elétrons se modificam em consequência da citada
extração, de um modo geral a energia de ionização não é igual ao módulo daquela do
elétron a ser extraı́do, embora o zero se refira ao elétron com a energia mı́nima necessária
para romper o confinamento produzido pela atração nuclear. Mas, se antes da extração a
partı́cula for mono-eletrônica, os dois valores coincidirão e será nula a energia eletrônica

21
total da partı́cula, depois de extraı́do o seu único elétron. Se um pequeno excesso for
cedido à partı́cula, em relação à sua energia de ionização, tal excesso será absorvido pela
partı́cula e transformado em energia cinética do elétron retirado.
A primeira energia de ionização ocorrerá quando a partı́cula, antes da extração, for
um átomo neutro. A segunda, quando a partı́cula, antes da extração, for um cátion
com número de carga +1. A terceira, quando for um cátion com número de carga +2 e
assim sucessivamente. No SI, a unidade utilizada para a energia de ionização costuma
ser J mol −1 , portanto o valor desta energia em J, referente a uma partı́cula, costuma
ser transformado para J mol −1 , mediante multiplicação pela constante de Avogadro. A
figura mostra que a variação da primeira energia de ionização, com o número atômico,
apresenta um padrão caracterı́stico que inequivocamente acompanha a estrutura da ta-
bela periódica:
1. Em cada perı́odo, a primeira energia de ionização aumenta fortemente (embora de
maneira não monotônica) até atingir um máximo no gás nobre correspondente ao
perı́odo considerado, sendo as primeiras energias de ionização dos metais alcalinos
as mais baixas da tabela periódica.

2. As primeiras energias de ionização dos metais alcalinos diminuem, muito lenta-


mente, quando se avança de um perı́odo para o seguinte.

3. As primeiras energias de ionização dos gases nobres também diminuem quando se


avança de um perı́odo para outro, mas de modo muito mais acentuado do que as
dos metais alcalinos.

Estas caracterı́sticas da primeira energia de ionização também podem ser explicadas


utilizando-se o efeito de blindagem da carga nuclear. As explicações, respectivamente,
são:
1. O significativo aumento da primeira energia de ionização, ao longo de cada perı́odo,
é devido à pouco eficiente blindagem que entre si exercem elétrons que comparti-
lham a mesma faixa de energias. Note que, num mesmo perı́odo, a medida que au-
mentar o número atômico poderão ser adicionados elétrons com diferentes números
quânticos principais nos correspondentes estados fundamentais dos átomos, mas
o argumento de baixa blindagem continuará sendo válido porque, embora pos-
sam variar os valores n dos elétrons adicionados, os nı́veis energéticos serão muito
próximos, conforme pode ser verificado pelas mudanças de ordenamento menciona-
das na subseção 1.5.5.

22
Por esta razão, adicionar um elétron e, simultaneamente, um próton a qualquer
elemento, que não seja gás nobre, resulta em maior carga efetiva do núcleo para
o elétron mais energético da partı́cula. De acordo com a eq. 1.17, a energia do
elétron diminui com o incremento de Zn, l , mas aumenta e com o crescimento de
n. Entretanto, como para todos os elementos de um mesmo perı́odo o elétron mais
energético apresenta o mesmo n, a energia do elétron mais energético, num mesmo
perı́odo, diminui com o incremento de Zn, l , portanto a energia de primeira ionização
aumenta.
Mas note que, embora esta última afirmação seja em geral verdadeira, ela não é
sempre correta, conforme mostra a figura. Porém, como as exceções não podem ser
explicadas usando-se exclusivamente o efeito de blindagem da carga nuclear, tais
exceções são, aqui, negligenciadas. Portanto, em cada perı́odo da tabela periódica a
carga efetiva do núcleo, para o elétron mais energético do metal alcalino, é sempre a
menor do perı́odo, a energia do elétron mais energético do metal alcalino é a maior
do perı́odo e a sua energia de ionização é a menor.

2. Considere a atração que o núcleo, junto com a estrutura eletrônica de gás nobre
que o envolve, exerce sobre o elétron mais energético do estado fundamental de um
metal alcalino neutro. Suponha que, qualquer fosse o número quântico principal
n referente a este elétron, a carga efetiva nuclear a ele correspondente, Zn, l , fosse
sempre a mesma. Então, a medida que n aumentasse, ou seja, quando se avançasse
de um perı́odo para o seguinte, as primeiras energias de ionização dos metais alca-
linos diminuiriam sensivelmente, conforme indica a eq. 1.17. Porque, na verdade,
a figura mostra que tal diminuição é muito lenta, conclui-se que o valor de Zn, l
aumenta quando se passa de um perı́odo para o seguinte.

3. Merece especial atenção, na figura, a comparação entre as energias de ionização


do H e do Li . Embora o H e o Li iniciem respectivamente o primeiro e segundo
perı́odo, enquanto que os demais metais alcalinos iniciam os perı́odos subsequentes,
ao contrário do que acontece com os metais alcalinos a primeira energia de ionização
não diminui suavemente do H para o Li . De fato, o H não é um metal alcalino e,
do H para o Li , ocorre forte diminuição na primeira energia de ionização.
O elétron mais energético do Li é o que corresponde à menor carga efetiva nuclear
entre todos os elétrons presentes nos estados fundamentais dos átomos neutros
existentes na tabela periódica. Logo, o valor de Z2, 0 (Li ) encontra-se próximo ao
extremo inferior do intervalo apresentado na eq. 1.18, ou seja, Z2, 0 (Li ) ≈ 1. Mas,
enquanto o elétron mais energético do Li é o que apresenta maior blindagem em
toda a tabela periódica, o único elétron do H não sofre blindagem alguma, ou
seja, Z1, 0 (H) = Z(H) = 1. Portanto, Z2, 0 (Li ) ≈ Z(H) = 1. Este é o único
caso, portanto, em que o aumento de uma unidade no número quântico n, para o
primeiro elemento de um perı́odo da tabela periódica, não altera a carga nuclear
efetiva do elétron de maior energia do átomo neutro, conforme hipótese feita no
inı́cio do item anterior.

4. Enquanto que a carga efetiva nuclear referente aos elétrons de maior energia dos
estados fundamentais dos metais alcalinos é a que mais aumenta quando se passa de
um perı́odo para o seguinte, a carga efetiva nuclear referente aos elétrons de maior
energia dos estados fundamentais de gases nobres é a que menos aumenta quando

23
ocorre a mesma passagem. De um modo geral, o aumento da carga efetiva nuclear
referente aos elétrons de maior energia dos estados fundamentais de elementos em
qualquer coluna da tabela periódica, quando se passa de um perı́odo para o seguinte,
encontra-se entre estes dois extremos.
Ressalte-se que ambos os extremos referem-se à estrutura eletrônica do gás nobre,
mas no caso do metal alcalino o elétron a ser retirado apresenta valor n maior do
que o da citada estrutura, enquanto que no caso do gás nobre o elétron a ser re-
tirado pertence à própria estrutura. Nos gases nobres as quedas mais acentuadas,
na primeira energia de ionização, ocorrem do He (primeiro perı́odo) para o Ne (se-
gundo) e deste para o Ar (terceiro perı́odo), sugerindo que nestes casos aconteçam
os menores aumentos de carga efetiva.
Do Ar para o Kr (quarto perı́odo) e deste para o Xe (quinto) ocorrem quedas menos
acentuadas na primeira energia de ionização, logo acontecem maiores aumentos de
carga efetiva do que os anteriormente citados. Como no quarto e quinto perı́odos os
metais de transição passam a estar presentes, isto sugere que elétrons nd blindam
menos do que os ns e np. A menor queda na primeira energia de ionização ocorre do
Xe para o Rn (sexto perı́odo), correspondente ao maior aumento de carga efetiva.
No sexto perı́odo, além dos metais de transição também os lantanı́deos passam a
estar presentes, sugerindo que tanto elétrons nd como nf blindam menos do que
elétrons ns e np.

1.6 Orbitais moleculares e cristalinos


Seja uma partı́cula de um gás perfeito (não em instante de colisão). A equação de
Schrödinger somente é resolvı́vel de forma exata para partı́culas mononucleares e mono-
eletrônicas, embora, para outros tipos de partı́cula, resoluções aproximadas extrema-
mente precisas possam ser obtidas. Para uma partı́cula mononuclear, considerar o núcleo
fixo, ao invés de fixar o centro de massa da partı́cula, constitui-se numa aproximação per-
mitida por causa da grande diferença existente entre as massas nuclear e eletrônica.
Conforme apresentado na subseção 1.3.3, para o átomo de hidrogênio (partı́cula mo-
nonuclear e mono-eletrônica) fixar o núcleo produz resultados que concordam com os
experimentais em três significativos, enquanto que fixar o centro de massa permite coin-
cidência de cinco significativos (resolução exata da equação de Schrödinger, para átomo
de hidrogênio isolado). Na verdade, para partı́culas mononucleares, sejam elas mono-
eletrônicas ou poli-eletrônicas, a aproximação de fixar o núcleo não costuma ser efetuada.
Mas, no caso das mononucleares poli-eletrônicas, são inevitáveis outras aproximações,
porque, conforme inicialmente colocado, é impossı́vel resolver a equação de modo exato.
Para partı́culas polinucleares, é muito utilizada a aproximação de Born-Oppenheimer,
conforme a qual o movimento dos elétrons pode ser considerado independente daquele
dos núcleos. Note que, ao se estudar o movimento eletrônico, esta aproximação não des-
considera o dos núcleos, tomados como formando uma estrutura rı́gida sem rotação, em
relação ao centro de massa da partı́cula, movimento este que acompanha o dos elétrons,
assim como acontece nas partı́culas mononucleares (este movimento, tal como colocado
para as partı́culas mononucleares, costuma ser considerado).
A aproximação de Born-Oppenheimer estabelece a independência aproximada entre
os movimentos eletrônico e nuclear, devido ao fato de que o primeiro costuma ser milhares

24
de vezes mais rápido do que o segundo. Por isto, elétrons “percebem” os núcleos como
se estes últimos não alterassem ângulos e distâncias entre si, formando uma estrutura
rı́gida sem rotação, enquanto que núcleos “percebem” os elétrons como uma distribuição
espacial, fixa no tempo, das densidades de probabilidades para encontrar tais elétrons.
Portanto, aplicando esta aproximação, a equação de Schrödinger separa-se em duas
equações independentes, uma referente ao movimento eletrônico e a outra ao nuclear.
Então, a partı́cula polinuclear passa a comportar-se, no que se refere à equação para ao
movimento eletrônico, como se fosse mononuclear (subseção 1.5), enquanto que os mo-
vimentos nucleares são considerados, pela equação a eles destinada, como roto-vibrações
de uma estrutura nuclear envolta por uma distribuição eletrônica espacial fixa no tempo.
Note que seria um total absurdo desprezar a existência tanto do movimento eletrônico
quanto do nuclear. O que a aproximação de Born-Oppenheimer permite é tratar os
dois movimentos separadamente, como se um não interferisse no outro (nesta não inter-
ferência, precisamente, consiste a aproximação). A partir deste ponto e até ao final desta
seção, serão consideradas apenas partı́culas poli-nucleares, às quais subentende-se que foi
aplicada a aproximação de Born-Oppenheimer.
Ao se resolver a equação referente ao movimento nuclear, as auto-funções que apare-
cem são roto-vibrações correspondentes a uma distribuição discreta de nı́veis energéticos
e, em cada nı́vel de energia permitido, tais movimentos não alteram os momentos li-
near e angular da partı́cula. As diferenças de energia roto-vibracional correspondem a
emissões ou absorções de ondas eletromagnéticas na faixa do infravermelho, enquanto
que as diferenças de energia rotacional pura envolvem emissões ou absorções de ondas
eletromagnéticas na faixa das micro-ondas e do infravermelho longı́nquo.
O cátion H2+ é um exemplo de partı́cula polinuclear mono-eletrônica. Ao se resolver
a equação referente ao movimento eletrônico desta partı́cula, nenhuma aproximação pre-
cisa ser feita, porque tal equação considera não a partı́cula real, mas sim uma fictı́cia,
mononuclear e mono-eletrônica, para a qual a equação pode ser resolvida de modo exato.
Mas, quando a partı́cula for polinuclear e poli-eletrônica, ao se resolver a equação refe-
rente ao movimento eletrônico da partı́cula, assim como ocorre com as mononucleares
poli-eletrônicas, aproximações precisam ser efetuadas. A partir deste ponto e até ao final
desta seção serão consideradas apenas as equações referentes ao movimento eletrônico de
partı́culas polinucleares poli-eletrônicas.
Se a partı́cula contiver N átomos, seja i = 1, 2, . . . , N um ı́ndice que identifica qual
é o átomo considerado. Em cada átomo i são selecionados os j i orbitais com meno-
res energias, entre os calculados de acordo com os métodos (exato ou aproximados)
da mecânica quântica, para o átomo (partı́cula mononuclear, respectivamente mono ou
multi-eletrônica) neutro e isolado (não interagente com outros átomos, sejam eles per-
tencentes à mesma ou a outras partı́culas). Note que, como o número quântico n não
é limitado, a princı́pio o valor j i pode ser tão grande quanto desejado, mas limitações
computacionais impedem valores muito altos.
Por outro lado, j i nunca será menor do que o número de orbitais ocupados no estado
fundamental do átomo i. Geralmente, o valor j i escolhido é da ordem de unidades, ou no
máximo dezenas, e varia de um para outro átomo, portanto j i depende de i, conforme
indica a notação utilizada. Em cada átomo, seja k = 1, 2, . . . , j i um ı́ndice que indica
qual é o orbital atômico (qual é o conjunto de números quânticos < n, l, ml >) referido.
Então, para cada átomo i ter-se-á o conjunto de orbitais atômicos {φk, i }k=j i
k=1 .
Para se ter uma densidade de probabilidade que englobe todos os átomos presentes na

25
partı́cula e a interação entre eles, usam-se orbitais referentes à partı́cula como um todo.
Estes, podem ser grafados ψα , sendo [ψα (x, y, z)]2 a densidade de probabilidade para
encontrar, no ponto espacial < x, y, z >, um elétron com determinadas caracterı́sticas
especificadas pelo ı́ndice α, impondo-se que tal elétron exista. Assim como acontece com
os φk, i , cada um dos orbitais ψα apresenta uma energia bem definida e pode conter, no
máximo, dois elétrons. Considera-se que os orbitais ψα sejam combinações lineares dos
atômicos φk, i . Pode-se, portanto, escrever
ji
N X
X
ψα = cα, k, i φk, i , (1.19)
i=1 k=1

existindo tantos orbitais ψα , linearmente independentes entre si, quantos forem os φk, i
(também linearmente independentes entre si).
Para interpretar o significado da eq. 1.19, considere a combinação linear de apenas
dois orbitais atômicos ψα = a1 φ1 + a2 φ2 , logo ψα2 = a21 φ21 + a22 φ22 + 2a1 a2 φ1 φ2 . Se nenhuma
superposição houver entre a região do espaço onde a probabilidade de encontrar um
elétron descrito por φ1 não seja desprezı́vel e aquela onde o mesmo ocorra para um
elétron ocupando φ2 , a probabilidade de encontrar um elétron descrito por ψα apenas
não será desprezı́vel nestas duas regiões separadamente, ou seja, os elétrons em ψα serão
vinculados a átomos.
Porém, se superposição houver, na região onde esta ocorrer a probabilidade de en-
contrar qualquer um dos dois elétrons, ou ambos, não será desprezı́vel, porque os coefici-
entes a1 e a2 não são totalmente arbitrários, devendo ser tais a garantir que a integral de
[ψα (x, y, z)]2 , sobre todo o espaço disponı́vel, seja igual à unidade. Se φ1 e φ2 pertencerem
a átomos diferentes, a região de superposição será a região da ligação quı́mica covalente.
Portanto, a eq. 1.19 é coerente com o conceito de que a ligação quı́mica covalente resulta
da superposição de orbitais atômicos não pertencentes ao mesmo átomo.
Para uma ligação covalente entre dois átomos, quando aumentar demasiadamente a
distância entre eles diminuirá a região espacial onde ocorre superposição dos orbitais
atômicos, enfraquecendo a ligação. Porém, quando a distância diminuir demais a ligação
também enfraquecerá, porque a repulsão internuclear tornar-se-á muito forte, o que dis-
torcerá os orbitais atômicos, reduzindo a região espacial onde ocorre superposição. Por
isto, existe uma distância ideal em que a ligação é mais intensa, denominada comprimento
de ligação.
Se ψα descrever uma ligação quı́mica covalente e N for o número de átomos presentes
numa molécula, ψα será chamado orbital molecular ligante. Entretanto, N pode, também,
ser o número de átomos presentes num cristalito visı́vel por meio de microscópio ótico,
ou seja, N pode ser da ordem do número de átomos em um micro-mol de cristal. Neste
caso, ψα ainda pode descrever uma ligação quı́mica covalente e ser denominado orbital
molecular ligante (como se o cristalito fosse uma gigantesca molécula). Porém, em ambos
os casos, para que ψα seja um orbital molecular ligante, ou em outras palavras, para que
ele descreva uma ligação quı́mica covalente,
exige-se que seus coeficientes cα, k, i sejam todos nulos ou desprezı́veis, salvo
para um número pequeno de orbitais superpostos (muitas vezes apenas dois,
mas no máximo algumas dezenas), pertencentes a mais do que um só átomo
(frequentemente, só dois), desde que tais átomos estejam situados na mesma
partı́cula (molécula ou cristalito) e sejam adjacentes um ao outro.

26
Considere, agora, que N se refira a um cristalito e que o orbital ψα resulte de uma com-
binação linear na qual participem, com valores não desprezı́veis, coeficientes cα, k, i corres-
pondentes a todos estes N átomos. Tal combinação linear produz uma distribuição espa-
cial de densidades de probabilidade para encontrar um elétron, [ψα (x, y, z)]2 , deslocalizada
sobre todo o cristalito (não concentrada em pequenas regiões espaciais bem definidas do
mesmo), ou seja, [ψα (x, y, z)]2 varia muito pouco de um ponto para outro do cristalito.
Neste caso, ψα será um orbital cristalino. A ligação produzida por orbitais cristalinos é
chamada metálica.

1.7 Tipos de ligação


Existem quatro tipos fundamentais de ligação quı́mica: metálica, iônica, covalente e
molecular. Existem, também, estruturas mistas, as quais contêm mais do que um só tipo
de ligação. Cada um dos quatro tipos de ligação pode ser classificado sob três aspectos:

1. Forte ou fraca: sob este aspecto, os quatro tipos de ligação são comparáveis entre
si, no que se refere à energia necessária para romper a ligação.

2. Direcional ou não direcional: de acordo com o fato das partı́culas, quando isola-
das, respectivamente apresentarem, ou não, direções nas quais outras partı́culas
preferencialmente se situem.

3. Só existente em sistemas macroscópicos, ou também em microscópicos: exigência,


ou não, de um número mı́nimo de partı́culas da ordem da quantidade delas existente
num cristalito visı́vel em microscópio ótico (aproximadamente, a quantidade de
partı́culas existente num micro-mol de matéria), para que o tipo considerado de
ligação consiga manter tais partı́culas unidas.

1.7.1 Ligação metálica


O conceito de ligação metálica foi apresentado no final da seção 1.6. É esta a ligação que
mantém unidos os átomos neutros das substâncias puras metálicas em estado sólido cris-
talino. Ela é fraca, quando comparada com as ligações iônica (subseção 1.7.2) e covalente
(subseção 1.7.3), não direcional e estável apenas para uma quantidade de partı́culas da
ordem do número delas presentes num micro-mol. A forma cristalina depende do tipo de
empacotamento apresentado, que pode ser máximo [hexagonal, cúbico (de face centrada)
ou misto], cúbico de corpo centrado ou cúbico primitivo, de acordo com qual é o metal
considerado.

1.7.2 Ligação iônica


A ligação iônica é devida exclusivamente à força de atração eletrostática entre ı́ons com
cargas elétricas opostas, em estado sólido cristalino. Ela caracteriza-se por ser forte
[as ligações metálica (subseção 1.7.1) e molecular (subseção 1.7.4), comparativamente,
podem ser classificadas como fracas], não direcional e estável apenas para uma quantidade
de partı́culas da ordem do número delas presentes num micro-mol.
Nestas estruturas, cátions e ânions são distribuı́dos em arranjos espaciais que maxi-
mizam a atração coulombiana entre cargas opostas, enquanto que minimizam a repulsão

27
entre cargas de igual sinal. Tais arranjos apresentam ordenação muito bem definida.
Para que a estrutura seja estável é necessário que ı́ons de cargas opostas não se encon-
trem mais distantes entre si do que ı́ons de cargas iguais. De fato, um par isolado NaCl ,
por exemplo, não seria mantido unido por meio de ligação iônica (na verdade, traços
de tal molécula, em estado gasoso, foram detectados por espectroscopia; ela é mantida
unida por ligação covalente, assim como ocorre, por exemplo, com a molécula HCl em
estado gasoso).
O conhecido conceito de raio iônico, geralmente medido em cristais por meio de expe-
rimentos com difração de raios X, pressupõe ı́ons indeformáveis e esféricos. Entretanto,
não apenas os ı́ons presentes nas estruturas cristalinas não são esferas indeformáveis,
como nem sequer são esferas. De fato, o ambiente no qual o ı́on se encontra imerso pro-
voca tendências direcionais em sua distribuição eletrônica espacial. Quanto maior o ı́on,
ou seja, quanto mais afastados de seu núcleo estejam em média seus elétrons, maior a
possibilidade de aparecimento de direções preferenciais para a sua densidade eletrônica.
Portanto, embora ı́ons pequenos de baixa energia eletrônica obedeçam melhor ao modelo
esférico, estruturas mantidas exclusivamente por ligação iônica são uma abstração, ou
seja, inexiste a ligação iônica absolutamente não direcional.

1.7.3 Ligação covalente


Átomos neutros de elementos não metálicos, em quantidade da ordem do número deles
presentes num micro-mol, podem permanecer ligados entre si, de modo ordenado, por
meio de ligações covalentes. Por isto, os cristais covalentes são como moléculas gigan-
tescas, sendo suas formas ditadas pelas geometrias dos orbitais dos átomos envolvidos,
não por alguma tendência de empacotamento ou por forças eletrostáticas. Assim como
a ligação iônica (subseção 1.7.2), a covalente é forte quando comparada com a metálica
(subseção 1.7.1) e a molecular (subseção 1.7.4) mas, ao contrário da iônica e da metálica,
a ligação covalente é direcional e pode ser estável para desde duas até uma quantidade
de partı́culas da ordem do número delas presentes num micro-mol. A ligação covalente
é a única existente no estado gasoso, embora possa também existir nos estados sólido e
lı́quido da matéria.
Assim como cristais iônicos podem apresentar considerável caráter covalente (subseção
1.7.2), cristais covalentes podem, conjuntamente, ser cristais moleculares. Por exemplo,
enquanto o diamante é um tı́pico cristal covalente, o grafite normal é covalente e mole-
cular. Note que a distância entre os centros de massa dos átomos é 154 pm no diamante,
mas 142 pm entre os átomos nas camadas do grafite, por causa da existência de dupla
ligação nos anéis benzênicos que formam as camadas (no anel benzênico do benzeno, a
distância é de 139,7 pm). Já a distância entre as camadas é 335 pm, o que indica que
as forças entre as camadas são fracas. Forças atrativas fracas caracterizam os cristais
moleculares.
O grafite é bom condutor elétrico no plano das camadas, mas é mau condutor na
direção a elas perpendicular. Isto deve-se aos elétrons quase livres entre as camadas, mas
que encontram grande dificuldade em atravessá-las. Além disto, no plano das camadas
o grafite resiste fortemente à extensão e à compressão, mas na direção perpendicular a
elas sua resistência é bem menor. Isto é devido à rı́gida ligação covalente que ocorre no
plano dos anéis benzênicos e à flexı́vel atração causada pelas forças de van der Waals (veja
definição destas forças na subseção 1.7.4). Convém comentar que o grafite industrializado,
como o que é utilizado em lápis, não apresenta estas anisotropias, porque provém da

28
moagem do cristal natural.

1.7.4 Ligação molecular


Assim como os cristais metálicos (subseção 1.7.1), os cristais moleculares são mantidos
unidos por forças fracas, quando comparadas com aquelas que produzem as ligações
iônica (subseção 1.7.2) e covalente (subseção 1.7.3). Aliás, elas são ainda mais fracas do
que as que agem nos cristais metálicos. Elas podem ser forças de van der Waals, as quais
não são direcionais, ou pontes hidrogênio, que são direcionais.
Define-se o raio de van der Waals de um átomo como a distância mı́nima, a partir do
seu centro de massa, abaixo da qual considera-se haver ligação quı́mica covalente. Acima
desta distância, a atração é causada pelas forças de van der Waals. Estas, são produzidas
por dipolos instantâneos, que por sua vez induzem outros, também momentâneos, resul-
tando em forças atrativas fracas que diminuem muito rapidamente com a distância. Por
outro lado, nas pontes hidrogênio um próton mantém-se simultaneamente ligado a dois
átomos muito eletronegativos, por meio de uma ligação mais curta, de caráter covalente
e de outra mais longa, sendo esta última a ponte, a qual é devida à interação entre dois
dipolos elétricos permanentes.
Em ambos os casos a estabilidade é atingida apenas para uma quantidade de partı́culas
da ordem do número delas presentes num micro-mol. Exemplos são os cristais de gelo,
de gelo seco, de enxofre, de elementos que na temperatura ambientes são gasosos e de
diversos compostos orgânicos. Além de explicar a formação de alguns sólidos cristalinos, a
ligação molecular justifica a existência do estado lı́quido da matéria, ao agregar moléculas
ou átomos uns aos outros.

29
Capı́tulo 2

Termodinâmica de sistemas quı́micos

2.1 Conteúdos e trocas de energia


2.1.1 Conteúdos de energia
Impondo o princı́pio de conservação da energia,
• o ingresso desta no sistema deve aumentar o conteúdo energético do mesmo, por-
tanto a energia do seu estado final, subtraı́da da inicial, é um valor positivo;
• o egresso desta do sistema deve diminuir o conteúdo energético do mesmo, portanto
a energia do seu estado final, subtraı́da da inicial, é um valor negativo;
• a inexistência de troca energética entre o sistema e seu exterior deve manter o
conteúdo energético do primeiro, portanto a energia do seu estado final, subtraı́da
da inicial, é nula.
Por isto, neste texto convenciona-se que qualquer troca energética entre um sistema e
seu exterior tenha sinal positivo quando energia fluir para dentro do sistema, negativo se
houver emissão de energia e seja nula quando não existir fluxo energético entre o sistema
e seu exterior. Porém, embora o princı́pio de conservação da energia seja coerente com
esta convenção,
1. existem outras convenções e
2. este princı́pio não é a primeira lei da termodinâmica.
O entendimento da primeira lei exige, preliminarmente, a compreensão do que sejam
movimentos internos de um todo. Por definição, trata-se de alterações de distâncias e/ou
ângulos entre entes considerados, sem que se modifiquem os momentos linear e angular
do todo que estes entes formam. A conservação do momento linear, p~ = m d~ r
dt
(m é a
massa e ~r é o vetor posição), ocorrerá quando for nula a força resultante que o exterior
exercer sobre o todo. A conservação do momento angular L ~ = ~r × p~ (o sı́mbolo × indica
produto vetorial) ocorrerá quando for nulo o torque resultante que o exterior exercer
sobre o todo. Portanto, quando forem simultaneamente nulos a força e o torque totais
exercidos pelo exterior sobre o todo, apenas movimentos internos poderão ser efetuados
pelos entes que formam o todo.
Por exemplo, o movimento translacional aleatório das moléculas que formam um gás
contido num recipiente imóvel é um movimento interno do gás, considerado como o todo

30
formado pelas moléculas. Como outro exemplo, o movimento roto-vibracional dos núcleos
atômicos de uma molécula isolada (que não interage com o ambiente no qual se encontra
imersa) é um movimento interno da molécula, considerada como o todo formado pelos
núcleos atômicos imersos numa eletrosfera temporalmente constante. Por outro lado, o
movimento de uma massa de ar (vento), considerada como o todo, cuja translação afeta
o ambiente em que ela se encontra (o exterior exerce força e torque resultantes não nulos
sobre a massa de ar), não é um movimento interno do todo.
O conteúdo energético de todo sistema pode ser separado em duas parcelas aditivas,
denominadas:
Energia interna, que é a adição das energias dos movimentos internos
1. do sistema, o qual é um todo cujos entes formadores são suas partı́culas (estas,
por exemplo, podem ser moléculas),
2. de todas as suas partı́culas, cada uma delas sendo um todo cujos entes for-
madores são suas respectivas sub-partı́culas (estas, por exemplo, podem ser
núcleos atômicos) e assim sucessivamente (pode-se imaginar a existência de
sub-sub-partı́culas etc.).
Note que a própria definição conceitual de tais partı́culas, sub-partı́culas etc. de-
pende do modelo teórico usado para descrever a matéria. Logo, o valor da energia
interna de um sistema depende de tal modelo. Por exemplo, se fosse escolhido o
modelo das esferas rı́gidas, estas seriam as partı́culas que constituem o sistema,
portanto sub-partı́culas (como, por exemplo, núcleos atômicos), sub-sub-partı́culas
etc. seriam inexistentes, reduzindo-se a energia interna apenas àquela dos movi-
mentos internos do sistema (anterior item 1). Em outras palavras, se num sistema
gasoso for considerada válida a equação dos gases perfeitos,1 por coerência a energia
interna se reduzirá à dos movimentos internos do sistema.
Por isto, o valor da energia interna de um sistema pode, no máximo, ser conhecido
a menos de uma constante somativa. Em outras palavras, pode ser experimen-
talmente determinada a diferença entre as energias internas do sistema em dois
1
No modelo do gás perfeito, considera-se que sejam totalmente elásticos os choques entre partı́culas e
destas com as paredes do recipiente mas que, salvo choques, nenhuma interação ocorra entre as partı́culas
e entre estas e as paredes. Considera-se, também, que a massa m0 e o volume de cada partı́cula tendam
a zero e, simultaneamente, o número N 0 de partı́culas tenda a infinito, mantendo-se constante a massa
M = N 0 m0 total do gás, bem como o volume total V ocupado pelo gás. Supondo que N seja o
número verdadeiro de partı́culas gasosas presentes no recipiente, idênticas entre si, enquanto que m seja
a verdadeira massa de cada uma destas partı́culas, tem-se então N 0 m0 = N m = M para todo par de
valores < N 0 , m0 >, inclusive no limite N 0 → ∞ e m0 → 0.
A massa molar é uma caracterı́stica macroscópica da substância considerada, assim como, por exemplo,
a densidade desta substância. Seu valor Mm , portanto, não depende do modelo utilizado para explicar
as propriedades da matéria. De fato, o valor da massa molar provém de leis básicas da Quı́mica, as quais
nem sequer exigem que a matéria obedeça a algum modelo corpuscular (ver, em livros de Quı́mica Geral,
o método de Cannizzaro para a obtenção de massas molares relativas e a padronização da massa molar
de um determinado isótopo do carbono em 12 × 10−3 kg mol −1 , do que resulta o estabelecimento de
massas molares para todos os elementos da tabela periódica). A constância de M e de Mm , enquanto
N 0 aumenta e m0 diminui, causa a constância da razão n = M/Mm , que é a quantidade de matéria
gasosa dentro do recipiente.
Se NA for a constante de Avogadro, ter-se-á n = N/NA , onde será imposto que tanto n como N sejam
reais que variem de forma contı́nua, ou seja, será imposto que N = nNA não precise ser um inteiro. Se
N precisasse ser um inteiro, tanto n quanto M = nMm deveriam variar de modo descontı́nuo, assim
como também o volume molar, Vm = V /n e a temperatura do gás perfeito, T = P Vm /R.

31
instantes pertencentes ao tempo de existência de um processo a ele aplicado, sim-
bolizada ∆Uta →tb = U (tb ) − U (ta ) , mas não são conhecidas as energias internas do
sistema em tais momentos, U (ta ) e U (tb ).

Energia de corpo rı́gido, que apenas envolve translação e rotação do sistema, tomado
como um todo e considerando-se rı́gida a sua estrutura (distâncias e ângulos entre
os entes que formam o todo são fixos), as estruturas das partı́culas que o formam,
das sub-partı́culas que constituem estas últimas etc.

2.1.2 Trocas de energia


Define-se o intervalo aberto t# < t < t# como tempo de existência de um processo
termodinâmico, onde t# e t# são respectivamente seu instante terminal inicial e final.
Note que o tempo de existência de um processo termodinâmico é definido como um
intervalo temporal aberto para permitir que uma função de t, a qual exista sobre tal
intervalo, não precise existir em t# e t# . Então, havendo x(t) para t# < t < t# , isto
não implica na existência de x(t# ) ou x(t# ), portanto define-se x# = limt→t# x(t) e
x# = limt→t# x(t). Evidentemente, esta última definição é válida tanto para o caso de
existir x(t# ) ou x(t# ), quanto não. Para uma melhor compreensão deste tópico, veja a
subseção 2.2.3.
As trocas energéticas, entre um sistema fechado (não troca massa, mas pode trocar
energia) e seu exterior, também costumam ser separadas em duas parcelas aditivas:

1. Uma parcela corresponde a uma troca sujeita à restrição de que os momentos linear
e angular, tanto do sistema como para o seu exterior, não se alterem em virtude
da mencionada troca. Tal troca energética, portanto, só pode envolver as energias
internas do sistema e seu exterior. É denominada troca térmica ou calor. O calor,
portanto, é uma forma de transmissão energética com uma peculiaridade fı́sica
que impede a sua absorção ou emissão pela energia de corpo rı́gido. Note que
este conceito de calor independe daquele de temperatura. No presente enfoque,
o conceito de calor antecede ao de temperatura porque, neste enfoque, massa e
energia são, sempre, as grandezas fundamentais.
A troca térmica efetuada desde o instante inicial, t# , até a um instante t pertencente
ao tempo de existência do processo, é simbolizada ∆q(t) = q(t)−q# , onde q# é tro-
cada desde um momento referencial até ao instante inicial do processo, enquanto
que q(t) é trocada desde o mesmo momento referencial até ao instante t. Arbi-
trando q# = 0, ou seja, que o momento referencial seja t# , tem-se ∆q(t) = q(t).
Esta arbitragem será subentendida, a partir deste ponto do texto.

2. A outra parcela não está sujeita a restrição alguma, logo pode envolver tanto ener-
gia interna, quanto de corpo rı́gido. É denominada troca atérmica ou trabalho
e é simbolizada ∆wtot (t) = wtot (t) − wtot # ou, analogamente ao colocado para
o calor, arbitrando wtot # = 0 tem-se ∆wtot (t) = wtot (t), sendo esta arbitragem
subentendida a partir deste ponto do texto. O trabalho, portanto, é uma forma
de transmissão de energia sem a peculiaridade fı́sica, apresentada pelo calor, que
impede a sua absorção ou emissão pela energia de corpo rı́gido.

32
Por exemplo, imagine-se um chute numa bola. A maior parte do trabalho trans-
ferido à bola se transforma em energia de corpo rı́gido (translação e/ou rotação
da bola), mas uma pequena parte se transforma em energia interna (deformação
da bola, no local do chute, sobreposta ao movimento necessário para que tal de-
formação não altere os momentos linear e angular da bola).

Sendo ∆Ecorpo rigido (t) = Ecorpo rigido (t) − Ecorpo rigido # e ∆U (t) = U (t) − U# tem-se,
então, o balanceamento energético para sistema fechado

∆Ecorpo rigido (t) + ∆U (t) = q(t) + wcorpo rigido (t) + w(t) , (2.1)

onde wtot (t) = wcorpo rigido (t) + w(t) e w(t) simboliza a parcela do trabalho que se trans-
forma em energia interna, ou dela provém (retornando ao exemplo da bola, a ausência
de ı́ndice representa o trabalho correspondente à deformação da bola, no local do chute,
sobreposta ao movimento necessário para que tal deformação não altere os momentos
linear e angular da bola).
Note que não há nenhuma peculiaridade fı́sica que distinga wcorpo rigido (t) de w(t).
Em outras palavras, os diversos tipos de trabalhos (volumétrico, elétrico, magnético,
gravitacional etc.) que podem ser trocados pela energia interna são os mesmos tipos
de trabalhos que podem ser trocados pela energia de corpo rı́gido, enquanto que calor é
fisicamente diferente de trabalho.
O enunciado mais genérico e conceitual da primeira lei da termodinâmica afirma que
“energia interna e de corpo rı́gido não se transformam diretamente (sem que ocorram
trocas energéticas com o exterior) uma na outra”. Portanto, junto com o balanceamento
de energia para sistema fechado dado pela eq. 2.1, a primeira lei da termodinâmica indica
que:
1. Em um sistema isolado (não troca massa, nem energia com o seu exterior), tanto
a energia de corpo rı́gido como a interna não se alteram no tempo.
2. A parcela wcorpo rigido (t), do trabalho total, produz a mudança ∆Ecorpo rigido (t) no
valor da energia de corpo rı́gido e vice-versa. De fato, como a energia de corpo
rı́gido não se pode alterar por meio de calor, nem por meio de transformação em
energia interna, ela apenas pode ser alterada por meio da parcela do trabalho que,
no processo considerado, ou se transforma em energia de corpo rı́gido, ou provém
desta.
Logo, o valor ∆Ecorpo rigido (t) = wcorpo rigido (t) pode ser subtraı́do de ambos os lados da
eq. 2.1, o que resulta na substituição desta equação pelo conjunto de duas equações

∆Ecorpo rigido (t) = wcorpo rigido (t) e


∆U (t) = q(t) + w(t). (2.2)

Impor ao sistema fechado as duas eqs. 2.2, separadamente, define o seu comportamento
de modo muito mais restritivo do que impor apenas a soma das mesmas, dada pela eq.
2.1.
De fato, como a eq. 2.1 não considera a primeira lei da termodinâmica, durante o
intervalo temporal desde t# até t energia interna poderia transformar-se em de corpo
rı́gido e vice-versa, logo o calor q(t) e o trabalho w(t) transferidos durante este inter-
valo temporal poderiam, indiretamente, resultar em variação de energia de corpo rı́gido,

33
enquanto que o trabalho wcorpo rigido (t) poderia, indiretamente, resultar em variação de
energia interna. Com isto, as duas eqs. 2.2 perderiam a validade, enquanto que a eq. 2.1,
que continuaria válida, expressando apenas o princı́pio da conservação da energia (ou
seja, que a variação no conteúdo energético do sistema fechado é igual à soma das trocas
energéticas com o exterior).
Os princı́pios de conservação (para massa, momento linear e angular, energia) formam
o cerne da mecânica. Logo, a eq. 2.1 é uma expressão da mecânica, não da termodinâmica,
uma vez que ela não considera a primeira lei da termodinâmica. A eq. 2.21 também é
objeto de estudo da mecânica. Não porque a mecânica considere a decomposição da eq.
2.1 nas duas eqs. 2.2, logo considere a primeira lei da termodinâmica, mas sim como um
caso especı́fico da eq. 2.1, no qual o sistema é um corpo rı́gido, logo não tem energia
interna e não absorve nem emite calor. Aliás, o estudo da mecânica dos corpos rı́gidos é
a parte inicial desta ciência.
Já a eq. 2.22 é a expressão matemática da primeira lei da termodinâmica para sistemas
fechados, considerado o princı́pio de conservação da energia, sendo ∆U (t) = U (t) − U# ,
q(t) = ∆q(t) (arbitrando q# = 0) e w(t) = ∆w(t) (arbitrando w# = 0). A partir
deste ponto do texto, as grafias ∆U = U # − U# , q = q # e w = w# , ao invés
de, respectivamente, ∆U (t), q(t) e w(t), indicarão que t → t# , ou seja, que está sendo
considerado o processo inteiro, desde o seu instante inicial até ao final. Portanto, para o
processo inteiro a eq. 2.22 é escrita

∆U = q + w (sistema fechado) . (2.3)

A eq. 2.3 é a expressão mais usual da primeira lei da termodinâmica.


Embora, em cada instante, a energia interna seja conhecida a menos de uma constante
somativa, ela é uma função de estado, ou propriedade, do sistema. De fato, para determi-
nar a diferença entre as energias internas nos momentos tb e ta , ∆Uta →tb = U (tb ) − U (ta ) ,
sendo t# < ta ≤ t ≤ tb < t# , basta conhecer informações sobre o sistema nos instantes tb
e ta . A energia interna, portanto, comporta-se como se comportariam o volume, a massa
e a quantidade de matéria, se desejássemos determinar diferenças volumétricas, mássicas
ou de quantidade de matéria entre os mesmos momentos, não obstante volume, massa e
quantidade de matéria sejam, também, bem determinados a cada instante, ao contrário
da energia interna. Note que é correta a frase “a energia interna do sistema no momento
t”, analogamente à frase que seria utilizada para o volume, a massa ou a quantidade de
matéria, que também são funções de estado, ou propriedades, do sistema.
Já o trabalho trocado, “até” cada instante, é bem determinado, assim como ocorre
com o volume, a massa e a quantidade de matéria, “em” cada instante (note o uso de
aspas para destacar a diferença entre as frases). Mas, ao contrário do que acontece com o
volume, a massa e a quantidade de matéria, para determinar a diferença entre os trabalhos
realizados até os momentos tb e ta , ∆wta →tb = w(tb )−w(ta ) , sendo t# < ta ≤ t ≤ tb < t# ,
não basta conhecer informações sobre o sistema nos instantes tb e ta . Portanto, o trabalho
é uma função de processo. Analogamente, o calor também é uma função de processo.
A expressão matemática da primeira lei da termodinâmica para sistemas fechados, dada
pela eq. 2.22 , mostra então que, entre os mesmos dois instantes t# e t, trabalho e calor
trocados entre o sistema e seu exterior podem assumir infinitos valores diferentes, desde
que todos eles resultem na mesma alteração de energia interna do sistema.

34
2.2 Trabalho volumétrico e entalpia
2.2.1 Equilı́brio mecânico
Imponha que, no instante t pertencente ao tempo de existência do processo, o exterior
ao sistema exerça, sobre todos os pontos da superfı́cie (bidimensional) que o separa do
sistema, a mesma pressão P 0 (t). Esta imposição é sempre subentendida, neste texto,
porque ela garante que a potência volumétrica, conforme definida na seguinte subseção
2.2.2, seja inteiramente trocada com a potência interna (não haja troca com a de corpo
rı́gido). Em outras palavras, neste texto subentende-se que, embora o valor P 0 (t) possa
variar de um instante para outro (não precise ser uma função constante de t), ao longo
de todo o tempo de existência do processo exista uma pressão P 0 (t), ou seja, a pressão
que o exterior exerce sobre a superfı́cie do sistema seja igual em todos os pontos desta
superfı́cie. Evidentemente, conforme colocado no inı́cio da subseção 2.1.2, nos instantes
terminais t# e t# a função P 0 (t) não precisa existir (veja a subseção 2.2.3).
Note que P 0 (t) não é P (~r, t), sendo esta última a pressão no ponto ~r pertencente ao
sistema, no mesmo instante t, a não ser que ~r indique um ponto pertencente à superfı́cie do
sistema (a superfı́cie pertence ao sistema, não ao seu exterior, e um mesmo ponto não pode
apresentar duas pressões diferentes, no mesmo instante). Geralmente, além de variar com
t, a pressão P (~r, t) também varia com ~r (num mesmo instante, a pressão em diferentes
pontos do sistema não costuma ser a mesma). Pa é o sı́mbolo da unidade de pressão
no SI, denominada pascal, sendo Pa = N m−2 . Um múltiplo do pascal muito utilizado
é o megapascal, tal que 1MPa = 1 × 106 Pa, porque o valor da pressão atmosférica é
0, 1013MPa.
Um sistema será baricamente homogêneo no instante t se, naquele momento, P (~r, t) =
P (t), ou seja, se a pressão for igual em todos os pontos do sistema, naquele instante.
Se, além disto, naquele momento existir a pressão P 0 (t), então necessariamente P (t) =
P 0 (t) e, no instante t, o sistema se encontrará em equilı́brio mecânico. No equilı́brio
mecânico, o sistema não troca potência mecânica com seu exterior. Embora a pressão
seja normalmente definida a partir dos conceitos de força e área, ela poderia ser definida
a partir do conceito de equilı́brio mecânico. Dado este conceito, tem-se que:

1. Um processo será piezostatizado se nos seus estados terminais ocorrer equilı́brio


mecânico, P 0 for constante durante o tempo de existência do processo, t# < t < t#
e, além disto, ainda for bem definido, no mesmo valor, nos instantes terminais
t# e t# . Portanto, um processo será piezostatizado se P# = P # = P 0 , sendo P 0
temporalmente constante no intervalo t# ≤ t ≤ t# . Como, durante o tempo de
existência do processo, nenhuma imposição foi colocada para P (~r, t), um processo
piezostatizado é um processo natural, realizável em laboratório.

2. Um processo será baricamente homogêneo se equilı́brio mecânico ocorrer durante


todo o tempo de existência do processo, t# < t < t# e, além disto, também nos
seus instantes terminais t# e t# . Portanto, embora P (t) possa variar no tempo,
num processo baricamente homogêneo seu valor é, a cada instante t tal que t# ≤
t ≤ t# , o mesmo em todos os pontos do sistema e se iguala a P 0 (t). Um processo
baricamente homogêneo é uma abstração matemática da qual é possı́vel aproximar-
se, experimentalmente, o quanto os instrumentos permitirem, mas, rigorosamente,
tal processo não ocorre na natureza.

35
3. Um processo piezostatizado e baricamente homogêneo é denominado isobárico. Por-
tanto, num processo isobárico tem-se P = P 0 temporalmente constante durante
todo o intervalo t# ≤ t ≤ t# . Evidentemente, um processo isobárico também é
uma abstração matemática da qual é possı́vel aproximar-se, experimentalmente, o
quanto os instrumentos permitirem, mas, rigorosamente, ele não ocorre na natu-
reza.

2.2.2 Trabalho volumétrico


O trabalho w(t), que se transforma em energia interna e vice-versa, por razões históricas
e também didáticas costuma ser decomposto em duas parcelas somativas, a saber, vo-
lumétrico, wv (t) e não volumétrico, wn v (t). Note que o volumétrico foi destacado de
todos os outros tipos de trabalho, enquanto que o não volumétrico engloba todos os ou-
tros tipos de trabalho. A razão didática para este destaque encontra-se no fato de que
o colocado para trabalho volumétrico, por analogia, pode ser estendido para qualquer
outro tipo de trabalho. Tem-se, então,

w(t) = wv (t) + wn v (t). (2.4)

A eq. 2.4 indica que a eq. 2.22 pode ser escrita

∆U (t) = q(t) + wv (t) + wn v (t) (sistema fechado) . (2.5)

A potência volumétrica trocada entre o sistema e seu exterior num momento t perten-
cente ao tempo de existência do processo, instante este no qual existe uma pressão P 0 (t),
é dada por dw
dt
v
= −P 0 dV
dt
. Nesta expressão, o sinal negativo provém da convenção de que
energia emitida pelo sistema apresenta sinal negativo, enquanto que aquela absorvida
mostra sinal positivo. Dimensionalmente, no SI tem-se que Pa × m3 = J, portanto a
potência volumétrica, no SI, é dada em W , conforme esperado. Então, para um processo,
Z wv (t) Z t Z t Z V (t)
dwv 0 dV
∆wv (t) = wv (t) − wv # = dwv = dt = − P dt = − P 0 dV.
wv # t# dt t# dt V#

Coerentemente com o arbitrado na subseção 2.1.2, tem-se wv # = 0, portanto


Z V (t)
wv (t) = − P 0 dV. (2.6)
V#

Na excepcional situação de P 0 ser temporalmente constante durante todo o tempo


de existência do processo, t# < t < t# , a eq. 2.6 mostra que wv = −P 0 ∆V , onde
∆V = V # − V# (foi usada a convenção, apresentada na subseção 2.1.2, de que a omissão
da dependência temporal indica que está sendo considerado o processo inteiro). Note,
portanto, que num processo piezostatizado tem-se wv = −P 0 ∆V , embora esta expressão
não exija piezostatização, porque nada exige em relação aos estados terminais do processo.
Outra particularização da eq. 2.6 pode ser obtida considerando que, ao longo do
tempo de existência do processo, o sistema sempre se encontre em equilı́brio mecânico,
portanto P (t) = P 0 (t) para t# < t < t# (evidentemente, trata-se de uma abstração
matemática da qual é possı́vel aproximar-se, experimentalmente, o quanto os instru-
mentos permitirem, mas, rigorosamente, tal processo não ocorre na natureza). Neste

36
R V (t)
caso, wv (t) = − V# P dV . Note que esta expressão é válida para processo baricamente
homogêneo, mas não exige homogeneidade bárica, porque nada exige em relação aos esta-
dos terminais do processo. Mas, se o processo for piezostatizado e, também, baricamente
homogêneo, ele será um processo isobárico e, para esta outra abstração matemática,
wv = −P ∆V .

2.2.3 Exemplo
Como exemplo de aplicação da eq. 2.6, pode-se imaginar que o sistema seja o gás contido
num cilindro provido de êmbolo móvel e que, desde um momento de referência até ao
instante inicial do processo, um pino fixe o êmbolo em posição tal que o sistema se
0
encontre numa pressão homogênea P# = Pinicial = 0, 5MPa. No instante inicial o pino
é retirado, causando a rápida expansão do sistema. O momento final ocorrerá quando,
após o êmbolo ter sido novamente fixado, o gás se encontrar na pressão homogênea
0
P # = Pfinal = 0, 3MPa. Supondo que, durante todo o tempo de existência do processo
de expansão, P 0 = 0, 1MPa, o trabalho volumétrico efetuado pelo sistema ao longo deste
intervalo temporal aberto será wv = −0, 1∆V .
Note que, neste exemplo, P#0 = 0, 1MPa 6= Pinicial
0
= 0, 5MPa e P 0# = 0, 1MPa 6=
0
Pfinal = 0, 3MPa, logo P 0 (t) não é contı́nua nos instantes inicial e final (na verdade,
este é um modelo matemático aproximado, pois o que realmente ocorre com P 0 é uma
rápida alteração no seu valor). Já a pressão P do sistema não é homogênea durante
todo o tempo de existência do processo, mas seus valores limites, para os instantes
0
inicial e final, são respectivamente os valores homogêneos P# = Pinicial = 0, 5MPa e
# 0
P = Pfinal = 0, 3MPa.
Este exemplo serve, também, para sublinhar que, neste texto, o sı́mbolo # sempre
representa um valor limite correspondente a uma sequência infinita de valores da variável
subindexada ou superindexada por #. Os valores que formam a mencionada sequência
são apresentados por uma função cujos argumentos são os instantes pertencentes ao
tempo de existência do processo, ou seja, pertencentes ao intervalo temporal aberto
t# < t < t# . Quando os instantes tenderem para t# , a sequência tenderá a um limite
indexado por #, mas quando os instantes tenderem a t# , a sequência tenderá a um limite
superindexado por #.
Portanto, se em algum dos extremos, t# ou t# , a citada função for descontı́nua (como
acontece com P 0 no exemplo dado), mesmo assim o mencionado valor limite sempre exis-
tirá e será representado usando-se o sı́mbolo # (como P 0# = P 0 # = 0, 1MPa, no exem-
plo dado). Outros valores da variável, porventura também correspondentes ao mesmo
extremo do tempo de existência do processo, serão obrigatoriamente representados de
alguma outra forma (como P 0inicial = 0, 5MPa e P 0final = 0, 3MPa no exemplo dado).

2.2.4 Entalpia
De acordo com a subseção 2.2.1, num processo piezostatizado P# = P # = P 0 , onde P 0 é
constante para t# ≤ t ≤ t# . A eq. 2.6 mostra que, num processo piezostatizado,

wv = −P 0 ∆V = −P 0 [V # − V# ] = −(P # V # − P# V# ) = −∆(P V ). (2.7)

37
A entalpia é uma propriedade do sistema cujo valor é

H = U + PV , (2.8)

o que indica que apenas em sistemas baricamente homogêneos existe a função de estado
entalpia. A eq. 2.8 indica, também, que no SI a unidade da entalpia, da energia interna
e do produto P V é a mesma, a saber, o J. Para um sistema fechado sob processo
piezostatizado, a eq. 2.7 pode ser substituı́da na eq. 2.5, com t → t# , produzindo

U # − U# = q + wn v − (P # V # − P# V# )

ou, usando a eq. 2.8,

∆H = H # − H# = q + wn v (sistema fechado sob


processo piezostatizado). (2.9)

Note que, analogamente ao mostrado pela eq. 2.3, a eq. 2.9 reflete o efeito conjunto
da conservação da energia e da primeira lei da termodinâmica. A diferença encontra-
se, apenas, no fato de que a eq. 2.3 é aplicável a qualquer processo que ocorra num
sistema fechado (inclusive no caso especı́fico em que a eq. 2.9 também pode ser aplicada),
enquanto que a eq. 2.9 só pode ser usada quando um sistema fechado sofrer um processo
piezostatizado.
Já foi afirmado que, para os mesmos estados inicial e final, a eq. 2.3 mostra que
cada um dos termos do seu segundo membro pode alterar-se de acordo com o especı́fico
processo ocorrido, embora a soma destes termos não se possa alterar. Analogamente,
para os mesmos estados inicial e final, a eq. 2.9 indica que cada um dos termos do seu
segundo membro pode modificar-se de acordo com o especı́fico processo havido, mas a
soma q + wn v não pode mudar, porque, num processo piezostatizado, wv = −∆(P V ) é o
simétrico2 da diferença (P # V # − P# V# ) entre valores da função de estado P V .
Evidentemente, ter-se-á

∆H = q (wn v = 0, sistema fechado sob processo piezostatizado). (2.10)

Este último resultado é muito usado em termoquı́mica, onde frequentemente subentende-


se que as reações ocorram num sistema fechado sob processo piezostatizado que não
troque potência não volumétrica com o seu exterior. Finalmente,

∆H = 0 (q = wn v = 0, sistema fechado sob processo piezostatizado). (2.11)

Logo, num sistema fechado sob processo piezostatizado cuja única potência trocada com
seu exterior seja volumétrica e cujas paredes sejam perfeitos isolantes térmicos, a entalpia
não se altera no tempo. Portanto, neste especı́fico sistema fechado a entalpia tem o
mesmo comportamento que, num sistema isolado, é apresentado pela energia interna.
Em quı́mica, os processos piezostatizados em sistema fechado e a propriedade entalpia
são de fundamental importância.
2
Simétrico de um real é outro real com o mesmo valor absoluto, mas sinal contrário.

38
2.3 Entropia e energias de Helmholtz e de Gibbs
2.3.1 Ordem e desordem
Suponha-se uma bola com um plano diametral imaginário que a separe nos comparti-
mentos de igual volume I e II, em cujo interior movimentem-se ao acaso dois pontos
matemáticos indistinguı́veis x e y. Considere-se igual a probabilidade de acontecer qual-
quer um entre os quatro sub-estados “x em I, y em II”, “y em I, x em II”, “x e y em I,
nada em II” e “nada em I, x e y em II”. Entretanto, porque os dois primeiros sub-estados
são indistinguı́veis entre si, existem os três estados “um ponto em I, um em II”, “dois
pontos em I, nenhum em II” e “nenhum ponto em I, dois em II”, tendo o primeiro, em
cada instante, duas vezes mais probabilidade de ocorrência do que cada um dos outros
dois.
Suponha-se, agora, que os 52! = 8,066 × 1067 possı́veis ordenamentos de um baralho
de cartas sejam os sub-estados, enquanto que os estados sejam o baralho ordenado (antes
de tirado o lacre) e desordenado [qualquer um dos outros (52!−1) possı́veis ordenamentos].
Considere-se, também, que todos os sub-estados tenham igual probabilidade de serem
encontrados, após embaralhamento. Então, a probabilidade do estado ordenado ocorrer,
após embaralhamento, será (52! − 1) vezes menor do que a de aparecer o desordenado.
Algumas considerações podem ser feitas, a partir das suposições anteriores:
1. O princı́pio da igual probabilidade “a priori” é aplicado sempre que não exista
informação capaz de privilegiar um ou mais eventos, em relação aos demais per-
mitidos. Por definição, ele é aplicável aos sub-estados, sendo as diferenças de pro-
babilidade entre os estados exclusivamente devidas às diferentes quantidades de
sub-estados agrupadas nos estados.
2. É totalmente arbitrário o uso do adjetivo ordenado para designar a especı́fica
sequência de cartas existente antes de ser tirado o lacre. O estado desordenado
é, apenas, aquele que contém o maior número de sub-estados, sendo a “desordem”
devida exclusivamente à existência de maior número de sub-estados. Então, a de-
sordem aumenta quando cresce o número de sub-estados, enquanto que a ordem
aumenta quando diminui o número de sub-estados. Esta definição quantitativa de
ordem e desordem é a única aplicável em termodinâmica, não devendo ser confun-
dida com conceitos como o de regularidade, obediência a padrões etc.
3. A situação colocada no primeiro parágrafo é análoga àquela com que trabalha
a mecânica quântica, que é uma ciência aplicável a corpos formados por poucas
partı́culas (dezenas, centenas, milhares etc.). No primeiro parágrafo, o estado de-
sordenado é duas vezes mais provável do que o ordenado. Fosse um milhão de
vezes mais provável, mesmo assim a probabilidade de ocorrer o outro estado não
poderia ser desprezada. De fato, na mecânica quântica ocorre uma distribuição de
probabilidades não desprezı́veis entre os eventos.
4. A situação colocada no segundo parágrafo é análoga àquelas com que trabalham as
teorias clássicas, aplicáveis a corpos cujas quantidades de partı́culas são da ordem
do valor numérico da constante de Avogadro. Neste caso, a razão entre as pro-
babilidades dos estados desordenado e ordenado favorece de forma tão exagerada
ao primeiro, que se pode afirmar ser impossı́vel que o estado ordenado seja encon-
trado após o embaralhamento. Esta situação exemplifica o fato de que leis clássicas

39
bem estabelecidas, como a dos objetos não levitarem, na verdade refletem imen-
sas probabilidades relativas entre estados. Tais situações somente ocorrem quando
a quantidade de sub-estados com igual probabilidade “a priori” de acontecer for
extremamente elevada, o que não acontece na situação do primeiro parágrafo.
Como num sistema macroscópico o número de partı́culas é da ordem do valor numérico
da constante de Avogadro, a quantidade de sub-estados é colossal e as probabilidades
relativas de existência dos estados plenamente justificam a segunda lei da termodinâmica,
a qual afirma que “todo sistema fechado poder-se-á alterar no tempo somente se for
para atingir um estado com uma quantidade enormemente maior de sub-estados do que
aquele em que o sistema inicialmente se encontrar. O estado provido de quantidade
enormemente maior de sub-estados, entre todos os estados alcançáveis a partir do estado
inicial e permitidos pelas condições às quais o sistema estiver submetido, é denominado
estado estável do sistema, para o estado inicial e as condições dadas. Uma vez atingido o
estado estável, este não mais se modificará, a não ser que as condições às quais o sistema
estiver submetido mudem de modo a que o citado estado não mais seja estável”.
Deve-se informar que, para as mesmas condições às quais o sistema estiver submetido,
mais do que um único estado pode corresponder à mesma quantidade de sub-estados.
Portanto, o estado estável pode ser mais do que um só. Mas as condições iniciais do
sistema, em geral, tornam apenas um deles alcançável. É isto, por exemplo, o que
acontece com as reações quı́micas costumeiras. Convém sublinhar que jamais um sistema
evoluirá de um estado estável para outro não estável, independentemente do que for feito
com o sistema. Um sistema somente sai de um estado estável se as condições às quais o
sistema se encontrar submetido forem alteradas de modo a tornar tal estado não estável
em relação a algum outro, o qual passa a ser o novo estado estável.

2.3.2 Entropia
A entropia é uma propriedade do sistema cujo valor é representado por S e cuja unidade,
no SI, é J K −1 , sendo K a unidade de temperatura. A entropia existe em qualquer
sistema, assim como acontece, por exemplo, com o volume e com a energia interna, mas
não com a entalpia, que só existe em sistemas baricamente homogêneos (subseção 2.2.4).
Mas, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com o volume e com a energia interna, cujos
significados fı́sicos são respectivamente os mesmos em qualquer sistema, o significado
fı́sico da entropia só é claro para sistema isolado. Aliás, as três propriedades entrópicas
[entropia, energia de Helmholtz (subseção 2.3.4) e energia de Gibbs (subseção 2.3.5)]
apresentam significados fı́sicos análogos, mas, para cada uma delas, o seu significado
fı́sico só é claro para um correspondente tipo especı́fico de sistema (subsection 2.3.6).
Exclusivamente quando o sistema for isolado, o significado fı́sico da entropia será o de
medir a quantidade de sub-estados correspondente a cada estado do sistema. Portanto, a
segunda lei da termodinâmica exige que a entropia de um sistema isolado jamais diminua
com o passar do tempo, o que pode ser matematicamente escrito

∆S = S # − S# ≥ 0 (sistema isolado). (2.12)

Logo, num sistema isolado as duas leis da termodinâmica podem ser condensadas no único
enunciado “num sistema isolado, a energia de corpo rı́gido mantém-se temporalmente
constante e a energia interna pode redistribuir-se sem alterar a sua quantidade total, até
que a entropia atinja um máximo”.

40
2.3.3 Equilı́brio térmico
Imponha que, no instante t pertencente ao tempo de existência do processo, o exterior
ao sistema produza, sobre todos os pontos da superfı́cie (bidimensional) que o separa
do sistema, a mesma temperatura T 0 (t). Esta imposição é sempre subentendida, neste
texto, em analogia à suposição feita para a pressão P 0 (t) (subseção 2.2.1). Em outras
palavras, neste texto subentende-se que, embora o valor T 0 (t) possa variar de um instante
para outro (não precise ser uma função constante de t), ao longo de todo o tempo de
existência do processo exista uma temperatura T 0 (t), ou seja, a temperatura que o exterior
produz sobre a superfı́cie do sistema seja igual em todos os pontos desta superfı́cie.
Evidentemente, conforme colocado no inı́cio da subseção 2.1.2, nos instantes terminais
t# e t# a função T 0 (t) não precisa existir.
Note que T 0 (t) não é T (~r, t), sendo esta última a temperatura no ponto ~r pertencente
ao sistema, no mesmo instante t, a não ser que ~r indique um ponto pertencente à superfı́cie
do sistema (a superfı́cie pertence ao sistema, não ao seu exterior, e um mesmo ponto não
pode apresentar duas temperaturas diferentes, no mesmo instante). Geralmente, além
de variar com t, a temperatura T (~r, t) também varia com ~r (num mesmo instante, a
temperatura em diferentes pontos do sistema não costuma ser a mesma).
Um sistema será termicamente homogêneo no instante t se, naquele momento, T (~r, t) =
T (t), ou seja, se a temperatura for igual em todos os pontos do sistema, naquele ins-
tante. Se, além disto, naquele momento existir a temperatura T 0 (t), então necessaria-
mente T (t) = T 0 (t) e, no instante t, o sistema se encontrará em equilı́brio térmico. No
equilı́brio térmico, o sistema não troca potência térmica com seu exterior. Neste texto,
a temperatura é definida a partir do conceito de equilı́brio térmico. Dado este conceito,
tem-se que:

1. Um processo será termostatizado se nos seus estados terminais ocorrer equilı́brio


térmico, T 0 for constante durante o tempo de existência do processo, t# < t < t#
e, além disto, ainda for bem definido, no mesmo valor, nos instantes terminais t#
e t# . Portanto, um processo será termostatizado se T# = T # = T 0 , sendo T 0
temporalmente constante no intervalo t# ≤ t ≤ t# . Como, durante o tempo de
existência do processo, nenhuma imposição foi colocada para T (~r, t), um processo
termostatizado é um processo natural, realizável em laboratório.

2. Um processo será termicamente homogêneo se equilı́brio térmico ocorrer durante


todo o tempo de existência do processo, t# < t < t# e, além disto, também nos seus
instantes terminais t# e t# . Portanto, embora T (t) possa variar no tempo, num
processo termicamente homogêneo seu valor é, a cada instante t tal que t# ≤ t ≤ t# ,
o mesmo em todos os pontos do sistema e se iguala a T 0 (t). Um processo termi-
camente homogêneo é uma abstração matemática da qual é possı́vel aproximar-se,
experimentalmente, o quanto os instrumentos permitirem, mas, rigorosamente, tal
processo não ocorre na natureza.

3. Um processo termostatizado e termicamente homogêneo é denominado isotérmico.


Portanto, num processo isotérmico tem-se T = T 0 temporalmente constante durante
todo o intervalo t# ≤ t ≤ t# . Evidentemente, um processo isotérmico também é
uma abstração matemática da qual é possı́vel aproximar-se, experimentalmente, o
quanto os instrumentos permitirem, mas, rigorosamente, ele não ocorre na natureza.

41
2.3.4 Energia de Helmholtz
Para sistemas termicamente homogêneos define-se a propriedade energia de Helmholtz

A = U − T S. (2.13)

Para qualquer processo efetuado em sistema isolado, a segunda lei da termodinâmica


implica na validade da eq. 2.12. Mas, para um processo termostatizado (subseção 2.3.3)
efetuado em sistema fechado, a segunda lei da termodinâmica implica na validade de

∆A = A# − A# ≤ w (processo termostatizado em sistema fechado). (2.14)

A expressão matemática 2.14 indica que o trabalho trocado durante o especı́fico pro-
cesso citado apresenta uma cota inferior máxima igual a ∆A. Logo, quando tal cota
for negativa existe um valor máximo para o módulo do trabalho produzido, enquanto
que se ela for positiva existe um valor mı́nimo para o trabalho absorvido. Evidente-
mente, se o processo mencionado for, adicionalmente, também isocórico (num processo
isocórico o volume é mantido constante durante todo o tempo de existência do processo),
as igualdades 2.4 e 2.6 mostram que a expressão 2.14 poderá ser escrita

∆A = A# − A# ≤ wn v (processo termostatizado isocórico


em sistema fechado). (2.15)

2.3.5 Energia de Gibbs


Para sistemas termobaricamente homogêneos, define-se a propriedade energia de Gibbs,

G = U + P V − T S = H − T S = A + P V. (2.16)

Considerando a eq. 2.7, para um processo piezostatizado tem-se wv = −∆(P V ) logo,


de acordo com a eq. 2.4, em tal processo w = wn v − ∆(P V ). Este resultado pode ser
substituı́do na eq. 2.14, obtendo-se que, para um processo termopiezostatizado efetuado
em sistema fechado, ∆A ≤ wn v − ∆(P V ) ou, usando a eq. 2.16,

∆G = G# − G# ≤ wn v (processo termopiezostatizado em sistema fechado).


(2.17)

A expressão matemática 2.17 indica que o trabalho não volumétrico trocado durante o
especı́fico processo citado apresenta uma cota inferior máxima igual a ∆G. Logo, quando
tal cota for negativa existe um valor máximo para o módulo do trabalho não volumétrico
produzido, enquanto que se ela for positiva existe um valor mı́nimo para o trabalho não
volumétrico absorvido.

2.3.6 Propriedades entrópicas


Evidentemente, se não existir trabalho não volumétrico as expressões matemáticas 2.15
e 2.17 serão respectivamente escritas

∆A = A# − A# ≤ 0 e ∆G = G# − G# ≤ 0. (2.18)

42
A expressão 2.181 , em termos de A, indica que “fixados ambos os valores da temperatura
homogênea e do volume de um sistema fechado que não troque potência não volumétrica
com o seu exterior, o sistema se encontrará em estado estável quando sua energia de
Helmholtz for mı́nima”. Evidentemente, isto acontece porque, quando dois estados de um
sistema fechado que não troque potência não volumétrica com o seu exterior apresentarem
o mesmo volume e a mesma temperatura homogênea, tais estados sempre poderão ser
interligados por meio de um processo termostatizado isocórico.
Por outro lado, a expressão 2.182 , em termos de G, mostra que “fixados ambos os va-
lores da temperatura homogênea e da pressão também homogênea de um sistema fechado
que não troque potência não volumétrica com o seu exterior, o sistema se encontrará em
estado estável quando a sua energia de Gibbs for mı́nima”. Analogamente ao que foi dito
para a energia de Helmholtz, isto acontece porque, quando dois estados de um sistema
fechado que não troque potência não volumétrica com o seu exterior respectivamente
apresentarem a mesma pressão homogênea e a mesma temperatura homogênea, tais es-
tados sempre poderão ser interligados por meio de um processo termopiezostatizado.
De acordo com a segunda lei da termodinâmica, nas condições para as quais a es-
tabilidade corresponde ao estado de máxima entropia, as quais são as condições de um
sistema isolado, tal estado apresenta uma quantidade de sub-estados enormemente maior
do que qualquer outro estado permitido e obtenı́vel a partir do estado inicial do sistema.
Analogamente, nas condições para as quais a estabilidade respectivamente corresponde à
energia de Helmholtz ou de Gibbs mı́nima, novamente tal estado apresenta uma quanti-
dade enormemente maior de sub-estados, em relação a qualquer outro estado permitido
e obtenı́vel a partir do estado inicial do sistema. Portanto,

1. exclusivamente quando o sistema for fechado, não trocar potência não volumétrica
com o seu exterior, sua temperatura for homogênea e fixa no tempo e seu volume
também for fixo no tempo, o simétrico da energia de Helmholtz será uma medida
da quantidade de sub-estados correspondente a cada estado do sistema.

2. exclusivamente quando o sistema for fechado, não trocar potência não volumétrica
com o seu exterior, sua temperatura e pressão forem ambas homogêneas e fixas
no tempo, o simétrico da energia de Gibbs será uma medida da quantidade de
sub-estados correspondente a cada estado do sistema.

2.4 Graus de avanço


2.4.1 Imposição de não acúmulo de intermediários
Seja um sistema contendo J espécies quı́micas distintas, algumas delas participantes de
uma reação quı́mica. Seja |νj | =
6 0 (leia-se ni minúsculo ao sı́mbolo ν) o coeficiente
estequiométrico referente ao reagente ou produto Wj , onde 1 ≤ j ≤ J. Note que o
conceito de coeficiente estequimétrico impõe que νj seja adimensional. De fato, impõe-se
que νj seja um adimensional

• negativo quando Wj for um reagente,

• positivo se Wj for um produto e

• nulo quando Wj for uma substância inerte na reação quı́mica considerada.

43
Por exemplo, a reação 6HCl (g) + Al2 O3 (s) −→ 2AlCl3 (s) + 3H2 O(g), efetuada numa
atmosfera de N2 (g), poderá ser simbolizada |ν1 |W1 + |ν2 |W2 −→ ν3 W3 + ν4 W4 , onde
ν1 = −6, W1 = HCl (g), ν2 = −1, W2 = Al2 O3 (s), ν3 = 2, W3 = AlCl3 (s), ν4 = 3,
W4 = H2 O(g), ν5 = 0 e W5 = N2 (g).
Seja o instante t, pertencente ao tempo de existência do processo reacional, t# < t <
#
t e seja Nj = Nj (t) a quantidade de matéria do reagente ou produto Wj no sistema,
no momento t. Imponha-se que, em todo instante t durante o tempo de existência do
processo reacional,
1. sejam iguais as velocidades de aniquilação de massa de reagentes e de criação de
massa de produtos e

2. tanto a aniquilação como a criação de massa ocorram respeitando-se as proporções


estequiométricas de reagentes e produtos.
Condição necessária e suficiente para que esta imposição seja satisfeita é que as respectivas
quantidades de matéria de todos os intermediários de reação se mantenham constantes
(não obrigatoriamente constantes no valor zero, o que caracterizaria inexistência) durante
o tempo de existência do processo reacional. Por isto, no presente texto esta imposição
é denominada “de não acúmulo de intermediários”. Note que:
• A possibilidade de todos os intermediários manterem quantidades de matéria cons-
tantes não nulas é matematicamente permitida pelo fato do tempo de existência
do processo reacional ter sido definido como um intervalo aberto (subseção 2.1.2),
o que garante a possibilidade de descontinuidades das quantidades de matéria nos
instantes t# e t# (evidentemente, tais descontinuidades não ocorrem na realidade,
sendo na verdade alterações muito rápidas que são matematicamente aproximadas
por meio de descontinuidades).

• A imposição de não acúmulo de intermediários é necessária e suficiente para que,


entre quaisquer os dois instantes ta e tb tais que t# < ta < tb < t# , a razão

Nj (tb ) − Nj (ta )
νj

independa de j (para que esta razão seja um real, é necessário que νj 6= 0, ou seja,
é necessário que Wj seja um reagente ou um produto da reação).
Ao encerrar esta subseção convém lembrar as fundamentais diferenças entre a quan-
tidade de matéria Nj = Nj (t) e o coeficiente estequiométrico |νj |, destacando-se algumas
delas:
1. Nj é uma quantidade de matéria presente no sistema, enquanto que |νj | é uma
proporção entre quantidades de matéria que reagem, seja como reagentes ou como
produtos.

2. A unidade de Nj , no SI, é o mol (plural mols), cujo sı́mbolo é mol (sem plural),
enquanto que |νj | é adimensional.

3. Se Wj for reagente ou produto, Nj variará ao longo do tempo de existência do


processo reacional, enquanto que |νj | permanecerá inalterado.

44
4. Para j = 1, . . . , J, o valor Nj é bem definido a todo instante durante o tempo de
existência do processo reacional, enquanto que o conjunto de valores |νj | pode ser
multiplicado por qualquer real positivo, ou seja, tal conjunto é definido a menos de
uma constante multiplicativa positiva.

2.4.2 Grau de avanço absoluto


Seja ξ(t) (leia-se csi minúsculo ao sı́mbolo ξ) o grau de avanço absoluto da reação consi-
derada, no instante t. Havendo a imposição de não acúmulo de intermediários, define-se
a variação de grau de avanço absoluto, desde o instante ta até ao momento tb , por meio
da expressão
Nj (tb ) − Nj (ta )
ξ(tb ) − ξ(ta ) = , (2.19)
νj
onde t# < ta < tb < t# , νj 6= 0 e, evidentemente, nada exige que ξ(t) = Nj (t)/νj . Mas,
se não houvesse a imposição de não acúmulo de intermediários, ter-se-ia
Nj (tb ) − Nj (ta )
ξj (tb ) − ξj (ta ) = , (2.20)
νj

onde ξj (t) seria o grau de avanço absoluto em relação ao reagente ou produto Wj , no


instante t. Portanto, a citada imposição pode ser matematicamente representada por

ξ(t) = ξj (t) para t# < t < t# , j = 1, . . . , J e νj 6= 0 . (2.21)

A eq. 2.21 indica que, para um mesmo intervalo temporal tb − ta > 0, as variações
das quantidades de matéria dos participantes Wj da reação, grafadas Nj (tb ) − Nj (ta ),
podem diferir em módulo e em sinal, mas a variação ξj (tb ) − ξj (ta ) independe de j.
Isto torna o uso de ∆ξ = ξ(tb ) − ξ(ta ) mais interessante do que o de alguma especı́fica
∆Nj = Nj (tb ) − Nj (ta ), para quantificar o avanço do processo reacional em determinado
intervalo temporal ∆t = tb − ta . Porém, enquanto que a diferença ∆Nj pode ser medida,
a diferença ∆ξ depende de qual seja o conjunto de coeficientes estequiométricos arbitra-
riamente preferido, ou seja, este último valor é dependente de uma informação adicional,
arbitrariamente definida. Isto representa uma desvantagem, inerente ao uso de ∆ξ, em
relação à utilização de alguma especı́fica diferença ∆Nj .
A eq. 2.20, portanto, somente será de fato útil quando a eq. 2.21 for válida, ou seja,
quando a eq. 2.20 se transformar na eq. 2.19. A validade da eq. 2.21, o que é o mesmo
que dizer a validade da imposição de não acúmulo de intermediários, será subentendida,
a partir deste ponto do texto, para o restante desta seção 2.4. Note que, como νj é
adimensional, a unidade de ξ e ξj é a unidade de quantidade de matéria, que no SI é o
mol.
Como a eq. 2.19 não define o grau de avanço absoluto, mas apenas uma diferença entre
valores do grau de avanço absoluto, deve-se arbitrar um e apenas um valor ξ, correspon-
dente a determinado valor t (evidentemente, isto não ocorre com os experimentalmente
bem definidos valores Nj ). Convencionalmente, define-se então

ξ# = lim ξ(t) = 0. (2.22)


t→t#

Utilizando a eq. 2.22, se tb for um instante qualquer t, pertencente ao tempo de existência


do processo reacional, mas ta tender à cota inferior máxima deste intervalo temporal, t# ,

45
a eq. 2.19 poderá ser escrita

dξ(t)
Nj (t) = Nj# + νj ξ(t) , onde ξ(t) ≥ 0 e ≥ 0. (2.23)
dt
De fato, a quantidade de matéria dos produtos não pode diminuir com o passar do
tempo, assim como a quantidade de matéria dos reagentes não pode aumentar, logo, na
eq. 2.19, se tb > ta , então ∆Nj = Nj (tb ) − Nj (ta ) apresentará o mesmo sinal de νj , ou
será nula. Este fato indica que ξ(tb ) ≥ ξ(ta ) se tb > ta , logo dξ(t)
dt
≥ 0 e a convenção
imposta pela eq. 2.22 implica em ξ(t) ≥ 0. Além disto, ξ(tb ) ≥ ξ(ta ) se tb > ta implica
em
ξ # = lim# ξ(t) = ξ max . (2.24)
t→t

2.4.3 Grau de avanço relativo


Ao contrário da eq. 2.19, que não define o grau de avanço absoluto, mas apenas uma
diferença entre valores do grau de avanço absoluto, a eq. 2.23 define o grau de avanço
absoluto ξ(t) para todo instante t pertencente ao processo reacional, a partir da con-
venção dada pela eq. 2.22. Porém, o grau de avanço absoluto depende de qual seja o
conjunto de coeficientes estequiométricos escolhido para representar a reação, o que é um
inconveniente, porque tal conjunto pode ser arbitrariamente multiplicado por qualquer
constante positiva.
Entretanto, fazendo t tender para t# na eq. 2.23, pode-se calcular o valor de ξ max , defi-
nido pela eq. 2.24, a partir do conhecimento de valores Nj# e Nj# referentes a qualquer um
dos reagentes ou produtos Wj . Logo, Wj pode ser escolhido de acordo com a conveniência
experimental. O correspondente valor νj é decidido arbitrariamente, mas em coerência
com os coeficientes estequiométricos dos demais reagentes e produtos. Obtém-se, deste
modo,
Nj# = Nj# + νj ξ max . (2.25)
Explicitando ξ e ξ max respectivamente nas eqs. 2.23 e 2.25 e dividindo o primeiro pelo
segundo, define-se o grau de avanço relativo

ξ(t) Nj (t) − Nj#


α(t) = = ou Nj (t) = Nj# + (Nj# − Nj# ) α(t) . (2.26)
ξ max
Nj# − Nj#

Note que o valor do grau de avanço relativo independe do conjunto arbitrado de coefi-
cientes estequiométricos, ao contrário do que ocorre com ξ(t). Mas α(t), assim como ξ(t),
independe de j e não é um real bem definido quando νj = 0. O grau de avanço relativo
é adimensional e 0 < α < 1 para t# < t < t# (para o grau de avanço absoluto, este
intervalo temporal corresponde a 0 < ξ < ξ max ). A denominação de α costuma ser subs-
tituı́da por outras, de acordo com o tipo especı́fico de reação considerado (por exemplo,
grau de dissociação, onde α = 0 para reagente puro e α = 1 para produto puro). As eqs.
2.23 ou 2.26 permitem que as quantidades de matéria de todos os reagentes e produtos
presentes no sistema reacional, no instante t, sejam respectivamente substituı́das pela
única variável ξ(t) ou α(t) (isto não se aplica às substâncias inertes na reação quı́mica
considerada, para as quais νj é nulo).

46
2.5 Equilı́brio
2.5.1 Equilı́brio de fases
Conforme já colocado, propriedades como pressão, temperatura, densidade, concentração
etc. dependem do instante e, também, do ponto considerado. Entretanto, suponha que
todas estas propriedades, que normalmente variam de ponto para ponto num mesmo
instante, em determinado momento apresentem valores respectivamente iguais em todos
os pontos do sistema. Neste caso, o sistema é dito homogêneo, ou uma fase, naquele
instante. Porém, um sistema pode ser homogêneo no que se refere apenas a uma ou mais
propriedades, mas não a todas elas. Neste caso, ele não é um sistema homogêneo, ou
uma fase. Se a pressão for homogênea, ele será baricamente homogêneo (subseção 2.2.1);
se a temperatura, termicamente homogêneo (subseção 2.3.3). Se tanto a pressão como a
temperatura, termobaricamente homogêneo.
O potencial quı́mico da j-ésima espécie quı́mica presente no sistema, geralmente
grafado µj (~r, t), é uma propriedade especı́fica desta substância cujo valor depende do
instante considerado e, em cada momento, também do ponto referido no sistema. Para o
instante t, a homogeneidade quı́mica de Wj ocorrerá se, neste momento, o seu potencial
quı́mico for igual em todos os pontos do sistema. Neste caso, no instante t a espécie
quı́mica Wj não sofre difusão. Por outro lado, no instante t a homogeneidade quı́mica
do sistema acontecerá se, neste momento, o potencial quı́mico de toda espécie quı́mica
presente no sistema for homogêneo, o que garante inexistência de qualquer difusão.
Num sistema termobárica e quimicamente homogêneo no instante t, sem que ocorra
qualquer empecilho à livre transferência de massa entre quaisquer dois pontos do sistema,
naquele instante é nulo o fluxo de massa,3 em todo ponto do sistema, de toda espécie
quı́mica Wj presente no mesmo. Evidentemente, uma fase é um sistema termobárica
e quimicamente homogêneo. Entretanto, este último tipo de sistema pode conter um
número finito de fases em contato. Neste caso, diz-se que o sistema está em equilı́brio de
fases.

2.5.2 Processos quı́micos


Na subseção 2.3.5 foi mostrado que, para um processo termopiezostatizado em sistema
fechado, o trabalho não volumétrico entre os instantes inicial e final do processo apresenta
como cota inferior máxima a variação de energia de Gibbs ocorrida entre estes instantes
terminais. Este fato foi sinteticamente representado pela expressão matemática 2.17, a
seguir transcrita,
∆G = G# − G# ≤ wn v .
Mas a eq. 2.9 é válida para processo piezostatizado em sistema fechado, logo também é
válida para processo termopiezostatizado em sistema fechado, conforme abaixo transcrita,

∆H = H # − H# = q + wn v .

Enquanto que a penúltima expressão destacada reflete a segunda lei para este processo
especı́fico, a última representa a primeira lei para o mesmo processo. Evidentemente,
3
Deve ser ressaltado que, nesta definição, a palavra “fluxo” indica uma desigualdade perceptı́vel entre
a quantidade de partı́culas de determinada espécie quı́mica que, por unidade de tempo e área, atravessa
uma imaginária superfı́cie num sentido e a quantidade que atravessa no sentido oposto.

47
ambas as expressões podem ser divididas por ∆t = t# − t# , respectivamente produzindo
∆G ∆wn v ∆H ∆q ∆wn v
≤ e = + . (2.27)
∆t ∆t ∆t ∆t ∆t
Adicionalmente, imponha-se que, nos instantes inicial e final do processo, o estado
do sistema seja completamente determinado a partir, respectivamente, do conjunto de
valores < T# , P# , N1# , . . . , NJ# > e < T # , P # , N1# , . . . , NJ# >. Isto implica em que
os valores da energia de Gibbs, nos instantes inicial e final do processo, sejam apre-
sentados por uma função cujo argumento seja, respectivamente, o conjunto de valores
< T# , P# , N1# , . . . , NJ# > e < T # , P # , N1# , . . . , NJ# >. Analogamente para a entalpia
e para qualquer outra propriedade do sistema. Para que esta imposição seja satisfeita é
necessário e suficiente que, em cada um destes dois instantes, o sistema seja constituı́do
por uma única fase ou, pelo menos, que um número finito delas constituam um sistema
termobárica e quimicamente homogêneo, portanto em equilı́brio de fases (subseção 2.5.1).
Desprezando a gravidade, no que se refere à não homogeneidade bárica por ela pro-
duzida, o que foi descrito nos dois parágrafos anteriores é um processo reacional real
cuja execução é extremamente comum em laboratório. Ele será, a partir deste ponto do
texto, denominado “processo quı́mico básico”. Note, porém, que esta denominação não
é geralmente adotada em livros didáticos, tendo sido criada especificamente para este
texto, visando simplificar sua redação.
Em coerência com o colocado nas subseções 2.2.1 e 2.3.3, processos nos quais tempe-
ratura e pressão sejam considerados constantes tanto espacial como temporalmente, du-
rante todo o tempo de existência do processo e inclusive nos seus instantes terminais, são
chamados isotermobáricos. Processos quı́micos básicos que sejam isotermobáricos e que
mantenham o sistema quimicamente homogêneo durante todo o tempo de existência do
processo e inclusive nos seus instantes terminais,4 formam um subconjunto especı́fico de
processos quı́micos básicos. Qualquer processo pertencente a este subconjunto especı́fico
será, a partir deste ponto do texto, denominado “processo quı́mico ideal”. Novamente,
trata-se de denominação que não é geralmente adotada em livros didáticos, tendo sido
criada especificamente para este texto, visando simplificar sua redação.
Evidentemente, todas as caracterı́sticas que, para os processos quı́micos básicos, são
aplicáveis somente nos instantes terminais, no caso dos processos quı́micos ideais tais ca-
racterı́sticas são, também, aplicáveis ao longo de todo o tempo de existência do processo,
t# < t < t# . Logo, as eqs. 2.27 são válidas para os processos quı́micos ideais. Mas nestes
últimos pode-se, também, aplicar as eqs. 2.27 a qualquer intervalo temporal ∆t = tb −ta ,
onde t# < ta ≤ t ≤ tb < t# , não apenas ao intervalo ∆t = t# − t# .
Pode-se, portanto, fazer ∆t tender para zero, em torno de qualquer instante t esco-
lhido, pertencente ao tempo de existência do processo quı́mico ideal, obtendo-se respec-
tivamente
dG/dt ≤ dwn v /dt e dH/dt = dq/dt + dwn v /dt , se t# < t < t# (2.28)
(estas derivadas são definidas apenas à direita em t# e à esquerda em t# , logo estas
derivadas não são definidas nos instantes terminais do processo). Além disto, para este
processo tem-se
G(t) = G(N1 (t), . . . , NJ (t)) e H(t) = H(N1 (t), . . . , NJ (t)) , se t# ≤ t ≤ t# . (2.29)
4
O valor do potencial quı́mico de cada substância presente no sistema deve, a cada instante, ser o
mesmo em todo ponto do sistema, mas nada impede que tal valor varie com o tempo.

48
Note que, nas eqs 2.29, a temperatura e a pressão homogêneas não participam dos argu-
mentos das funções porque são temporalmente constantes.
Suponha que todas as quantidades de matéria de reagentes e produtos que, num
instante t, estejam presentes num sistema reacional fechado, grafadas Nj (t) para j =
1, 2, . . . , J e νj 6= 0, sejam bem determinadas pelo valor da variável ξ(t), por meio da eq.
2.23, a seguir transcrita,
Nj (t) = Nj# + νj ξ(t) .
Isto ocorrerá sempre que a eq. 2.21 for válida. Portanto, em um processo quı́mico ideal
no qual não haja acúmulo de intermediários tem-se

G(t) = G(ξ(t)) e H(t) = H(ξ(t)) , se t# ≤ t ≤ t# . (2.30)

Todos os conceitos que serão apresentados nas seguintes sub-seções desta seção 2.5
referem-se a processos quı́micos ideais nos quais não haja acúmulo de intermediários.
Porém, processos isotermobáricos em sistemas fechados quimicamente homogêneos são
abstrações matemáticas (subseções 2.2.1 e 2.3.3). Mas, embora os processos quı́micos
básicos sejam reais, eles podem ser aproximadamente ideais. Para isto é necessário que,
a cada instante do tempo de existência do processo:

1. as velocidades de homogeneização espacial da pressão e da temperatura sejam tão


superiores à velocidade de avanço absoluto da reação (subseção 2.4.2) que, aproxi-
madamente, durante todo o processo reacional o sistema apresente temperatura e
pressão espacial e temporalmente constantes;

2. a homogeneidade quı́mica se estabeleça com velocidade muito superior à de avanço


absoluto da reação.

Portanto, o quanto um processo quı́mico básico se aproxime, ou não, do correspondente


processo quı́mico ideal cujos estados inicial e final são com ele respectivamente coinci-
dentes, isto depende de quais sejam algumas proporções entre velocidades referentes ao
processo real.

2.5.3 Afinidade quı́mica


Seja a eq. 2.301 , válida para processo quı́mico ideal sem acúmulo de intermediários.
Lançando-se valores G como ordenadas e ξ como abcissas, a curva obtida informa o valor
da energia de Gibbs do sistema para cada grau de avanço absoluto do processo quı́mico
ideal sem acúmulo de intermediários. Durante todo o tempo de existência do processo
tal curva é contı́nua e não apresenta ângulos, logo durante todo este intervalo temporal
existe, para cada valor ξ, a derivada dG/dξ. Esta é o valor da taxa de variação da energia
de Gibbs com o avanço isotermobárico da reação, no intante t pertencente ao tempo de
existência de um processo que ocorra em sistema fechado, mantendo a homogeneidade
quı́mica do sistema e sem acúmulo de intermediários. O simétrico desta taxa é chamado
“afinidade quı́mica” da reação.
Ao contrário das denominações processos quı́micos básico e ideal, a denominação afini-
dade quı́mica é de aceitação geral. Sua unidade é a de energia por quantidade de matéria,
logo J mol−1 no SI. Mas, porque dξ/dt ≥ 0 (eq. 2.233 ) e dG/dt = (dG/dξ)(dξ/dt), as
derivadas dG/dξ e dG/dt não podem apresentar sinais opostos, durante o tempo de

49
existência do processo. Além disto, para um mesmo dG/dt o módulo de dG/dξ aumen-
tará na mesma proporção em que dξ/dt diminuirá, ou diminuirá na mesma proporção
em que dξ/dt aumentará, quando os coeficientes estequiométricos forem, todos eles, mul-
tiplicados por um escalar positivo. Por isto, o módulo de dG/dξ, mas não o seu sinal,
depende do conjunto de coeficientes estequiométricos arbitrariamente escolhido para a
reação considerada.
Portanto, de acordo com a eq. 2.281 , num processo quı́mico ideal no qual não haja
acúmulo de intermediários, se em determinado momento dwn v /dt ≤ 0 ter-se-á dG/dξ ≤ 0
(afinidade quı́mica não negativa) naquele instante e, somente quando dwn v /dt > 0, poder-
se-á ter dG/dξ > 0 (afinidade quı́mica negativa; evidentemente, quando dwn v /dt > 0
também poder-se-á ter dG/dξ = 0 e dG/dξ < 0). Isto indica que G diminuirá, com o
avanço da reação, em qualquer momento no qual esta causar produção de potência não
volumétrica e que G poderá aumentar, com o avanço, em algum momento no qual haja
consumo de potência não volumétrica.

2.5.4 Estados exergônico, endergônico e de equilı́brio quı́mico


Um estado do sistema no instante t, pertencente ao tempo de existência t# < t < t#
de um processo quı́mico ideal sem acúmulo de intermediários, é dito “exergônico” se
naquele estado dG/dξ < 0 e “endergônico” quando dG/dξ > 0.5 Logo, um estado
endergônico só será possı́vel se, naquele instante, houver uma potência dwn v /dt > 0 (por
exemplo, se naquele instante o sistema absorver uma potência elétrica). Por outro lado,
um estado exergônico possibilitará que, no instante que lhe corresponder, dwn v /dt < 0
(por exemplo, que naquele instante o sistema emita uma potência elétrica), embora
também possa ocorrer com dwn v /dt ≥ 0. Portanto, apenas num estado exergônico
potência elétrica pode ser produzida, embora esta produção muitas vezes não aconteça.
Num estado exergônico a reação avança “espontaneamente”, este advérbio significando
que, para avançar, a reação não exige absorção, pelo sistema, de potência não volumétrica.
Na curva obtida lançando-se valores G como ordenadas e ξ como abcissas, mencionada
no inı́cio da subseção 2.5.3, pode aparecer um mı́nimo, onde necessariamente tem-se
dG/dξ = 0. No estado representado por este mı́nimo, o sistema é dito em “equilı́brio
quı́mico”. O grau de avanço absoluto da reação, no equilı́brio quı́mico, é simbolizado ξ eqq .
O ramo da curva à esquerda do mı́nimo, no qual ξ < ξ eqq contém os estados exergônicos,
porque em todos os pontos deste ramo dG/dξ < 0, enquanto que aquele à direita, onde
ξ > ξ eqq , engloba os endergônicos, já que em todos os pontos deste ramo dG/dξ > 0. Nos
estados exergônicos a mistura reacional é mais rica em reagentes do que no equilı́brio
quı́mico, porque ξ < ξ eqq , enquanto que nos estados endergônicos a mistura é mais rica
em produtos do que no citado equilı́brio, visto que ξ > ξ eqq .
Entretanto, nem sempre a curva apresenta este mı́nimo. Por exemplo, t# pode ocorrer
antes do equilı́brio quı́mico. Convém lembrar que a definição dos instantes inicial e
final é arbitrária. Logo, pode-se interromper um processo reacional espontâneo (ramo
exergônico) antes que o equilı́brio quı́mico seja atingido. De fato, isto pode ser conseguido
montando-se o sistema sob a forma de célula eletroquı́mica e aplicando-se à mesma uma
potência elétrica adequada. Portanto, um ramo exergônico pode interromper-se antes de
5
Não confundir com exotérmico e endotérmico. Estes últimos conceitos se referem à eq. 2.282 , para o
caso em que dwn v /dt = 0. Nesta situação, dH/dt é igual a dq/dt e o estado do sistema é dito exotérmico
quando dH/dt < 0 e endotérmico se dH/dt > 0.

50
atingir o equilı́brio quı́mico. Analogamente, um ramo endergônico pode iniciar-se após o
equilı́brio quı́mico, conforme será mostrado na seguinte subseção 2.5.5.

2.5.5 Reação reversa


Considere, novamente, a curva obtida lançando-se valores G como ordenadas e ξ como
abcissas, mencionada no inı́cio da subseção 2.5.3. Ao se passar um espelho vertical por
ξ max obtém-se, como imagem especular da curva original, uma nova curva que representa
a variação da energia de Gibbs com o avanço da reação reversa à original. O superı́ndice
r indica reação reversa. As abcissas desta nova curva, ξ r , relacionam-se às abcissas da
curva original por meio da expressão ξ r = ξ max − ξ, o que implica nas ordenadas, Gr (ξ r ),
igualarem-se às ordenadas G(ξ), ou seja, implica em Gr (ξ r ) = G(ξ). Por exemplo,
quando ξ = ξ max tem-se ξ r = ξ# r
= 0 e Gr (0) = G(ξ max ), mas se ξ = ξ# = 0 tem-se
ξ r = ξ r max = ξ max e Gr (ξ r max ) = G(0).
Se, na reação original, t# ocorrer antes do equilı́brio quı́mico, ao se passar um espelho
vertical por ξ max obtém-se um ramo endergônico que inicia-se após o equilı́brio quı́mico,
uma vez que a imagem especular de um ramo exergônico é um ramo endergônico que
representa a reação reversa àquela correspondente ao ramo exergônico. Por outro lado,
se nenhuma potência não volumétrica puder ser trocada entre o sistema e seu exterior,
ξ max e ξ# r
ocorrem exatamente no equilı́brio quı́mico.
Deve-se notar que o tempo jamais retrocede e, como dξ/dt ≥ 0 (eq. 2.233 ), o grau de
avanço absoluto, também, jamais retrocede com o passar do tempo. Por isto, nos gráficos
antes mencionados, com o avançar do tempo o ponto sobre a curva pode permanecer pa-
rado ou mover-se para a direita, mas jamais se move para a esquerda. Em geral, um
mesmo estado do sistema aparece representado sobre a curva arbitrariamente conside-
rada referente à reação direta e, também, sobre aquela que representa a correspondente
reação reversa.6 A escolha da curva não depende do estado, mas sim do processo que se
considere nele termine, ou nele se inicie, ou por ele passe. Isto acontece porque o ponto
(representação do estado) não define a curva (determinada pelo processo) a que pertence.
De fato, se o ponto for considerado estado final, inicial, ou intermediário de um
processo que exige absorção de trabalho não volumétrico para ocorrer, será fisicamente
válida a curva na qual o ponto aparecer no ramo endergônico. Por outro lado, se o ponto
for considerado estado final, inicial, ou intermediário de um processo que, para acontecer,
não exige absorção de trabalho não volumétrico pelo sistema (tal tipo de energia pode
até ser injetada, mas isto não é exigido para que o processo ocorra), será fisicamente
válida a curva na qual o ponto aparecer sobre o ramo exergônico.
Por exemplo, se for interrompida a corrente elétrica que estava impulsionando para
cima um ponto em um ramo endergônico, o ponto correspondente ao instante da inter-
rupção será o final de um processo endergônico e o inicial de um exergônico, o que exige
mudança de curva para representar o processo após a interrupção (lembrar que o ponto
jamais se move para a esquerda). Analogamente, se for conectada uma corrente elétrica
capaz de fazer retroceder um ponto que vinha descendo um ramo exergônico, o ponto
correspondente ao instante da conexão será o final de um processo exergônico e o inicial
6
Na subseção 2.5.6 é mostrado que, ao se impor que o sistema não troque potência não volumétrica
com seu exterior, os ramos endergônicos de ambas as curvas tornam-se inacessı́veis, fazendo com que
estados sejam representados apenas sobre uma das duas curvas.

51
de um endergônico, o que exige mudança de curva para representar o processo após a
conexão.

2.5.6 Equilı́brio cinético, reações quı́micas reversı́veis e irre-


versı́veis
Equilı́brio quı́mico e cinético não são o mesmo. Se este último ocorrer num instante
pertencente ao tempo de existência do processo, neste momento dNj /dt = 0, para
j = 1, . . . , J, o que equivale a afirmar que, no equilı́brio cinético, as velocidades das
reações direta e reversas são iguais e, evidentemente, dξ/dt = 0. Embora estas deri-
vadas não sejam definidas nos estados terminais do processo, equilı́brio cinético pode
acontecer nestes estados, desde que sejam apenas consideradas as derivadas à direita (es-
tado inicial) ou à esquerda (estado final). Note que, como dG/dt = (dG/dξ)(dξ/dt), no
equilı́brio cinético a derivada dG/dt se anula, independentemente do valor a que tenda a
afinidade quı́mica. Por outro lado, no equilı́brio quı́mico dG/dt = 0, independentemente
de equilı́brio cinético ocorrer, ou não, neste estado.
dξ dξ
Substituindo dG dt
= dG
dξ dt
na eq. 2.281 e impondo dwdtn v = 0, tem-se dG
dξ dt
≤ 0 mas,

como dt ≥ 0 (eq. 2.233 ), então dG dξ
≤ 0. Logo, um sistema que não troque potência
não volumétrica com seu exterior ou encontra-se em estado exergônico, ou de equilı́brio
quı́mico. Mas, como este último só pode ser o estado final do processo, para ele só
podem ser definidas derivadas à esquerda. Além disto, necessariamente limt→t# dξ dt
= 0,
caso contrário o processo não pararia no equilı́brio quı́mico, avançando para estados en-
dergônicos. Logo, em sistema que não troque potência não volumétrica com seu exterior
o equilı́brio quı́mico coincide com o cinético e este último acontece somente no equilı́brio
quı́mico. Como muitos textos didáticos se restringem a este tipo de sistema, esta é a
razão porque os conceitos de equilı́brio quı́mico e cinético são tantas vezes confundidos.
Considere, mais uma vez, a curva obtida lançando-se valores G como ordenadas e ξ
como abcissas, mencionada no inı́cio da subseção 2.5.3, bem como a curva correspondente
à sua reação reversa (subseção 2.5.5). Imponha, como no parágrafo anterior, que o sistema
não troque potência não volumétrica com seu exterior. Pode-se considerar duas situações:

1. Ambos os ramos exergônico e endergônico apresentariam comprimento não des-


prezı́vel, se o sistema pudesse trocar potência não volumétrica com seu exterior.
Mas, como não pode, tanto a curva referente à reação direta como aquela corres-
pondente à reversa exibem somente os respectivos ramos exergônicos e o estado
final de equilı́brio quı́mico e cinético (o ramo exergônico de cada uma é o reflexo
do inacessı́vel, logo inexistente ramo endergônico da outra, o qual seria acessı́vel,
portanto existente, se potência não volumétrica pudesse ser trocada).
Apenas o estado final de equilı́brio quı́mico e cinético aparece sobre ambas as curvas.
Portanto, fora do equilı́brio cada possı́vel estado do sistema reacional corresponde
a um ponto sobre somente uma das duas curvas. Logo, por meio de adequada
alteração da composição quı́mica do sistema, pode-se fazer o ponto que representa
o estado do mesmo pular de uma curva para outra, ou seja, reverter o sentido
(espontâneo) da reação. Por isto, a reação é denominada “reversı́vel”.

2. Um dos ramos não existiria, ou apresentaria comprimento desprezı́vel em relação


ao outro, mesmo se o sistema pudesse trocar potência não volumétrica com seu

52
exterior. Neste caso, a mencionada imposição permite a existência de apenas uma
única curva exergônica, com estado final de equilı́brio, sendo impossı́vel, por meio
de alteração da composição quı́mica do sistema, reverter o sentido (espontâneo) da
reação. Por isto, a reação é denominada “irreversı́vel”.

Logo, para saber se uma reação é reversı́vel ou irreversı́vel basta retirar a imposição de que
o sistema não troque potência não volumétrica com seu exterior e, feito isto, comparar os
comprimentos dos ramos de qualquer uma das duas curvas, não sendo necessário dispor
de ambas. Como qualquer reação quı́mica pode ser revertida por meio de aparelhagem
adequada e uso de potência não volumétrica, o conceito de reação reversı́vel e irreversı́vel
é, frequentemente, apresentado de modo equivocado em livros didáticos que se restringem
a sistemas que não trocam potência não volumétrica com seu exterior.

2.6 Constante de Equilı́brio


Para um processo quı́mico básico, portanto não apenas para o processo quı́mico ideal
sem acúmulo de intermediários (subseção 2.5.2), define-se a “energia de Gibbs padrão de
reação”
J
∆r G = νj ∆f G
X
j , (2.31)
j=1

onde ∆f G j é um valor tabelado chamado “energia de Gibbs padrão de formação” do


reagente ou produto Wj . Trabalha-se com estas últimas energias de forma análoga a como
foi explicado, no ensino médio, para as correspondentes “entalpias padrão de formação”,
∆f Hj . Ressalte-se que:

1. Os valores ∆f G j dependem do valor da temperatura homogênea comum aos es-


tados inicial e final do processo. Portanto, na eq. 2.31, ∆r G e todos os ∆f G
j
necessariamente referem-se a esta temperatura.

2. Todas as parcelas da eq. 2.31 não dependem do valor da pressão homogênea comum
aos estados inicial e final do processo, porque tais parcelas são definidas para estados
padrões referentes à temperatura considerada.

3. A energia de Gibbs padrão de formação de um elemento no seu estado estável é,


por definição, nula em qualquer temperatura.

4. No SI, tanto a unidade de ∆r G como de ∆f G


j é J mol
−1
(νj é adimensional).

Somente para um processo quı́mico ideal no qual não haja acúmulo de intermediários
define-se, também, o adimensional “quociente de reação”
 
dG
− ∆r G dG
Q = exp  dξ  , logo = ∆r G + RT ln Q . (2.32)
RT dξ

A eq. 2.31 claramente indica que, fornecida uma determinada equação quı́mica e a
temperatura homogênea dos estados inicial e final do processo, o valor ∆r G é único e
bem determinado, não se alterando durante o tempo de existência do processo. Logo, o
valor de ∆r G não depende do valor ξ. Por outro lado, na subseção 2.5.3 percebe-se que

53
o valor dG/dξ depende fortemente de ξ, portanto Q depende de ξ. Todas as parcelas da
eq. 2.322 apresentam a unidade Jmol −1 , no SI. Evidentemente, esta é também a unidade
das entalpias padrão de formação, ∆f Hj .
A eq. 2.322 também mostra que, para um processo quı́mico ideal no qual não haja
acúmulo de intermediários, a definição de equilı́brio quı́mico pode ser alternativamente
escrita
dG/dξ = 0 ou ∆r G = −RT ln K , (2.33)
onde a “constante termodinâmica de equilı́brio quı́mico‘”, K, é o especı́fico valor que Q
assumirá quando o sistema se encontrar em equilı́brio quı́mico, ou seja, quando o grau
de avanço absoluto da reação for ξ eqq . Evidentemente, K pode ser calculada a partir dos
valores tabelados ∆f G j . Portanto, K depende da temperatura dos estados inicial e final
do processo quı́mico básico, mas não depende da pressão de tais estados.
Como a eq. 2.33 foi obtida restringindo-se a eq. 2.322 ao grau de avanço referente
ao equilı́brio quı́mico, tanto ∆r G quanto K independem do grau de avanço (K não
depende do valor ξ porque, por definição, refere-se a ξ eqq ). A substituição da eq. 2.33 na
eq. 2.322 produz
dG Q
= RT ln , (2.34)
dξ K
onde apenas dG/dξ e Q dependem de ξ. A eq. 2.34 mostra que:
1. A reação:

(a) É exergônica em todo momento no qual Q < K. Logo, de acordo com a


subseção 2.5.4, quando Q < K a composição quı́mica do sistema reacional
contém excesso de reagentes, em relação à composição de equilı́brio quı́mico,
porque ξ < ξ eqq .
(b) Encontra-se em equilı́brio quı́mico quando Q = K.
(c) É endergônica quando Q > K. Logo, de acordo com a subseção 2.5.4, quando
Q > K a composição quı́mica do sistema reacional contém excesso de produ-
tos, em relação à composição de equilı́brio quı́mico, porque ξ > ξ eqq .

2. Valores de K muito altos (por exemplo, da ordem de 1018 ou mais) correspondem


a reações exergônicas irreversı́veis, enquanto que valores de K muito baixos (por
exemplo, da ordem de 10−19 ou menos) indicam reações endergônicas irreversı́veis.
Isto acontece porque as curvas obtidas lançando-se valores G como ordenadas e ξ
como abcissas, nestes casos apresentarão um ramo com comprimento desprezı́vel
em relação ao outro.
As eqs. 2.322 e 2.34 apresentam, ainda, uma importante interpretação fı́sica. De fato,
elas mostram que o simétrico da afinidade quı́mica pode ser decomposto em duas parcelas
somativas, onde uma delas (respectivamente ∆r G e −RT ln K nas eqs. 2.322 e 2.34)
reflete as caracterı́sticas quı́micas dos reagentes e produtos envolvidos, que são invariantes
com o grau de avanço da reação (como, por exemplo, acontece com as caracterı́sticas
quı́micas dos elementos presentes numa coluna da tabela periódica). A outra parcela
(RT ln Q) envolve o conceito de concentração, o qual pode manifestar-se de diversas
formas, ou seja, por meio de diferentes propriedades conforme o caso e, além disto,
também envolve as interações não quı́micas entre partı́culas. Por isto, a outra parcela
considera caracterı́sticas fı́sicas que se alteram com o avanço da reação.

54
Na subseção 2.5.2 foi colocado que, em cada instante do tempo de existência de um
processo quı́mico ideal e mesmo nos instantes terminais do processo, um número finito
de fases deve formar um sistema fechado termobárica e quimicamente homogêneo, logo o
sistema deve estar em equilı́brio de fases. Logo, as caracterı́sticas fı́sicas mencionadas no
parágrafo anterior, que envolvem o conceito de concentração e as interações não quı́micas
entre as partı́culas, são medidas por meio de propriedades cujos valores são homogêneos
em cada fase, ou no sistema como um todo, no caso de existir uma única fase.
Se o sistema fosse um gás perfeito, não haveria interações fı́sicas entre as partı́culas,
no caso pontuais, a não ser por meio de choques elásticos, que ocorreriam sempre que
mais do que uma partı́cula ocupassem um mesmo ponto. Por isto, para gases perfeitos
a parcela RT ln Qg p envolve exclusivamente o conceito de concentração e, assim como
RT ln K = −∆r G , não depende do valor da pressão homogênea do sistema, a qual se
mantém temporalmente constante ao longo do processo quı́mico ideal. De fato, como
não há interações fı́sicas à distância em gases perfeitos, Qg p não pode modificar-se pela
simples alteração da distância média entre as partı́culas.
Para que a parcela RT ln Qg p seja coerente com ∆r G na eq. 2.322 , sendo esta última
parcela obtida a partir de dados tabelados, é necessário que o conceito de concentração
seja expresso por meio das adimensionais razões entre os valores das pressões parciais dos
reagentes e produtos gasosos perfeitos, fornecidos na mesma unidade da pressão padrão
P (atualmente, utiliza-se a unidade M P a) e P . Tem-se então que, se o sistema fosse
um gás perfeito,
Qg p = ΠJj=1 (Pj /P )νj e Kg p = ΠJj=1 (Pjeqq /P )νj . (2.35)
ν J J
Costuma-se definir Qp = ΠJj=1 Pj j , logo Qp = (P )Σj=1 νj Qg p e Kp = (P )Σj=1 νj Kg p ,
J
o que indica que Qp e Kp têm como unidade (M P a)Σj=1 νj e, assim como Qg p e Kg p , inde-
pendem da pressão P = ΣJj=1 Pj do meio reacional, mas dependem da sua temperatura.
Usando a equação dos gases perfeitos tem-se Pj = Xj P = cj RT , onde Xj = PJNj é a
j=1
Nj
nj J
fração em mol de Wj e cj = V
é a concentração molar de Wj . Então, Qp = P Σj=1 νj Qx e
J ν
Kp = P Σj=1 νj Kx , onde Qx = ΠJj=1 Xj j e Kx = ΠJj=1 (Xjeqq )νj dependem seja de T , como
J J ν
de P .7 Por outro lado, Qp = (RT )Σj=1 νj Qc e Kp = (RT )Σj=1 νj Kc , onde Qc = ΠJj=1 cj j
e Kc = ΠJj=1 (ceqq
j )
νj
dependem apenas de T . Note que Qx e Kx são adimensionais,
J
enquanto que Qc e Kc têm como unidade (mol m−3 )Σj=1 νj

2.7 Célula Eletroquı́mica


Duas formas de uma mesma espécie quı́mica, que diferem entre si quanto à carga elétrica
apresentada, constituem um “par redox”, simbolizado Ox/Red, onde Ox representa a
7
É por isto que, mantendo-se fixo o grau de avanço e a temperatura, mas aumentando-se a pressão, (i)
se ΣJj=1 νj < 0 então Kx aumenta (aumentam as frações em mol de produtos e diminuem as de reagentes),
(ii) se ΣJj=1 νj = 0 então Kx mantém-se inalterado e (iii) se ΣJj=1 νj > 0 então Kx diminui (aumentam as
frações em mol de reagentes e diminuem as de produtos). Logo, mantendo-se fixo o grau de avanço e a
temperatura, mas variando-se a pressão, os valores Pj = Xj P , para j = 1, . . . , J, alteram-se não apenas
por causa da variação de P = ΣJj=1 Pj , mas também por causa das mudanças em de Xj , sendo que estas
ν
últimas devem ser tais que o valor Qp = ΠJj=1 Pj j se mantenha fixo.

55
forma oxidada, que é a de carga elétrica mais positiva e Red a reduzida. A reação de
ganho de elétrons por Ox produzindo Red, Ox+|ν| e− −→ Red, é chamada “semi-reação
de redução”, enquanto que a reação reversa é denominada “semi-reação de oxidação”.
Por exemplo, os pares redox Zn2+ /Zn e Cl2 /Cl− respectivamente correspondem às
semi-reações de redução Zn2+ (aq) + 2e− −→ Zn(s) e Cl2 (g) + 2e− −→ 2Cl− (aq).
Por convenção, o sentido direto da semi-reação correspondente a um par redox é o da
redução. Por isto, a partir deste ponto do texto, o nome semi-reação subentende tratar-
se daquela de redução, sendo a de oxidação denominada semi-reação reversa. Usa-se |ν|
para representar o coeficiente estequiométrico referente aos elétrons que participam da
semi-reação, logo referente a algo que não é uma espécie quı́mica, já que para a espécie
quı́mica de sı́mbolo Wj utiliza-se |νj | . Note, ainda, que na semi-reação, assim como
em qualquer reação quı́mica, é obrigatório escrever o estado de agregação em que cada
espécie quı́mica se encontra, embora esta obrigatoriedade não aconteça para o par redox.
Aliás, é costume grafar este último sem indicação de estado de agregação.
Reações em que ocorram transferências de elétrons entre espécies quı́micas diferentes
são chamadas “reações redox”. Toda reação redox pode ser decomposta na subtração de
duas semi-reações. Se Ox1 , do par Ox1 /Red1 , for o “agente oxidante” da reação redox,
sendo Red2 , do par Ox2 /Red2 , seu “agente redutor”, tem-se a reação redox

Ox1 + Red2 −→ Red1 + Ox2 ,

que é o resultado da subtração (Ox1 + |ν| e− −→ Red1 ) − (Ox2 + |ν| e− −→ Red2 ).


Portanto, a reação redox é obtida subtraindo-se a semi-reação referente ao par que contém
o agente redutor, daquela relativa ao par que inclui o agente oxidante. Por exemplo, a
reação redox Cu2+ (aq)+Zn(s) −→ Cu(s)+Zn2+ (aq), onde Cu2+ (aq) é o agente oxidante
e Zn(s) é o redutor, pode ser obtida subtraindo-se Zn2+ (aq)+2e− −→ Zn(s), que contém
o agente redutor, de Cu2+ (aq) + 2e− −→ Cu(s), que inclui o agente oxidante.
“Eletrodo” é um condutor elétrico metálico em contato com um condutor elétrico
iônico chamado “eletrólito”. Compartilhando ou não o mesmo eletrólito, dois eletrodos
podem constituir uma “célula eletroquı́mica”. Para isto, no caso de dois eletrólitos
distintos eles devem manter contato entre si através de um meio no qual ı́ons possam
se locomover, como por exemplo uma parede porosa ou uma ponte salina. O meio de
contato entre os eletrólitos é denominado “junção lı́quida”. Quando a célula eletroquı́mica
estiver em funcionamento, ocorrerá uma diferença de potencial elétrico entre os extremos
da junção lı́quida, diferença esta denominada “potencial de junção”. Note que cada
eletrodo corresponde a uma semi-reação de redução fixa e única que lhe é caracterı́stica,
a não ser que sofra contaminação.
Comparativamente ao convencionado para os pares redox, a simbolização dos eletro-
dos obedece às seguintes caracterı́sticas:

1. Para pares redox usa-se uma barra inclinada, enquanto que para eletrodos usa-se
uma barra vertical. A barra inclinada é apenas um sı́mbolo de separação, ao passo
que a barra vertical representa uma interface fı́sica entre materiais distintos que
compõem o eletrodo. Estas interfaces detêm importância fundamental, porque as
semi-reações ocorrem em regiões interfaciais.

2. Pares redox são escritos na ordem Ox/Red, enquanto que eletrodos são anotados
conforme se apresentam fisicamente, do interior para o exterior do eletrodo. De
fato, na extremidade esquerda do sı́mbolo do eletrodo aparece a representação do

56
seu conteúdo mais interno, a direita do qual nota-se uma barra vertical que indica
a interface entre este núcleo e a parte do eletrodo que o envolve. A medida que se
avança para a direita, passando-se por sucessivas interfaces caso existam, chega-se
até ao eletrólito, cuja representação encontra-se na extremidade direita do sı́mbolo
do eletrodo.

3. Não se costuma anotar o estado de agregação em pares redox, mas isto obrigato-
riamente é feito ao se simbolizar eletrodos, salvo no caso de sólidos, porque este
especı́fico estado de agregação pode ser retirado do sı́mbolo do eletrodo. Portanto,
a omissão do estado de agregação, por esquecimento, se ocorrer no sı́mbolo de um
eletrodo implicará em que tal estado seja sólido.

Os tipos mais comuns de eletrodo são:

Eletrodo “metal-ı́on metálico”, por exemplo Cu|Cu2+ (aq), onde | representa a interface
entre Cu sólido metálico e solução aquosa de ı́ons Cu2+ . Este eletrodo corresponde
à semi-reação Cu2+ (aq) + 2e− −→ Cu(s), que ocorre em sua região interfacial, a
qual inclui uma única interface.

Eletrodo “de gás”, por exemplo P t|H2 (g)|H + (aq), onde Pt é um sólido metálico inerte
imerso em solução aquosa de ı́ons H + . Gás H2 borbulha formando uma pelı́cula ga-
sosa entre o metal e a solução. Este eletrodo corresponde à semi-reação 2H + (aq) +
2e− −→ H2 (g), que ocorre em sua região interfacial, a qual inclui duas interfaces.

Eletrodo “metal-sal insolúvel”, por exemplo Ag|AgCl|Cl− (aq), onde Ag sólido metálico
recoberto por uma camada porosa de sal insolúvel AgCl encontra-se imerso em
solução aquosa de ı́ons Cl− . Este eletrodo corresponde à semi-reação AgCl(s) +
e− −→ Ag(s) + Cl− (aq), que ocorre em sua região interfacial, a qual inclui duas
interfaces.

Eletrodo de “oxi-redução”, por exemplo P t|F e2+ (aq), F e3+ (aq), onde Pt é um sólido
metálico inerte imerso em solução aquosa de ı́ons F e2+ e F e3+ . Usa-se vı́rgula
entre os ı́ons F e2+ (aq) e F e3+ (aq) porque eles se encontram no mesmo meio, ou
seja, não estão separados entre si por uma interface. Este eletrodo corresponde à
semi-reação F e3+ (aq) + e− −→ F e2+ (aq), que ocorre em sua região interfacial, a
qual inclui uma única interface.

Num determinado instante, um mesmo eletrodo é denominado “cátodo” ou “ânodo”,


de acordo com o fato da sua semi-reação estar acontecendo, naquele momento, respec-
tivamente no sentido direto ou reverso (um eletrodo não pode estar, simultaneamente,
agindo como cátodo e como ânodo. Em outras palavras, um eletrodo não é um cátodo ou
ânodo, mas sim em determinada situação ele age como cátodo, enquanto que em outra,
como ânodo.
Numa célula eletroquı́mica, em geral tem-se dois eletrodos e, enquanto um atua como
cátodo, o outro trabalha como ânodo. Porque a semi-reação ocorre no sentido direto
no cátodo e reverso no ânodo, a reação total que acontece na célula, chamada “reação
de célula”, é obtida subtraindo-se a semi-reação anódica daquela catódica. Este procedi-
mento é análogo à decomposição de uma reação redox na subtração de duas semi-reações,
a semi-reação catódica contendo o agente oxidante da reação de célula, anteriormente
chamado Ox1 e a semi-reação anódica contendo o agente redutor, Red2 .

57
Por convenção, uma célula eletroquı́mica é representada por meio da justaposição
horizontal dos sı́mbolos dos seus dois eletrodos, mantendo-se à direita aquele que es-
tiver agindo como cátodo e utilizando-se a imagem especular do sı́mbolo deste último.
Quando os eletrólitos dos dois eletrodos forem distintos, os sı́mbolos correspondentes a
estes últimos serão separados por duas barras verticais se o potencial de junção puder
ser considerado desprezı́vel, mas por uma linha vertical pontilhada se isto não acon-
tecer. Quando o eletrólito for o mesmo, ele é escrito uma só vez, superpondo-se por-
tanto os sı́mbolos dos dois eletrodos. Por exemplo, tem-se as células eletroquı́micas
Zn|ZnSO4 (aq)||CuSO4 (aq)|Cu e P t|H2 (g)|HCl(aq)|AgCl|Ag.

2.8 Célula Galvânica e Eletrolı́tica, Reversı́vel e Ir-


reversı́vel
Seja uma célula eletroquı́mica sofrendo o processo real que, na subseção 2.5.2, foi de-
nominado processo quı́mico básico. Conforme mostrado naquela subseção, os estados
terminais do processo quı́mico básico pertencem ao hipotético processo quı́mico ideal ao
qual o processo real tenderia, quando determinadas proporções entre velocidades levas-
sem o processo real a se aproximar do ideal. Portanto, durante o tempo de existência do
processo quı́mico básico, os estados do sistema podem se aproximar dos correspondentes
estados limites pertencentes ao processo quı́mico ideal, sem atingi-los, ao contrário do que
ocorre com os estados terminais, que necessariamente coincidem com aqueles do processo
ideal. Porém, a partir deste ponto do texto e até ao final desta seção, por aproximação
será considerado que o estado da célula eletroquı́mica seja um estado pertencente a um
processo quı́mico ideal no qual não ocorra acúmulo de intemediários.
Se a reação de célula for exergônica, ou seja, se dG/dξ < 0 (desequilı́brio quı́mico em
direção aos reagentes) no estado em questão, isto indicará a possibilidade de que em tal
estado ocorra transmissão, para o exterior da célula, de uma potência elétrica. A célula
então será, neste especı́fico estado, dita “galvânica”. Se, pelo contrário, for endergônica,
ou seja, se dG/dξ > 0 (desequilı́brio quı́mico em direção aos produtos), no estado con-
siderado uma potência elétrica necessariamente estará sendo consumida pela célula. A
célula será então, neste especı́fico estado, dita “eletrolı́tica”.
Toda célula eletroquı́mica é denominada reversı́vel ou irreversı́vel, refletindo a classi-
ficação de sua reação de célula (subseção 2.5.6). Por exemplo, a célula Zn|ZnSO4 (aq)||
CuSO4 (aq)|Cu corresponde à semi-reação Cu2+ (aq) + 2e− −→ Cu(s) no cátodo e à
semi-reação Zn2+ + 2e− −→ Zn(s), revertida, no ânodo. Subtraindo-se a segunda semi-
reação da primeira, obtém-se a reação de célula Cu2+ (aq)+Zn(s) −→ Zn2+ (aq)+Cu(s).
Trata-se de uma reação cujo equilı́brio quı́mico favorece fortemente os produtos, porque
K = 4, 1 × 1018 quando |ν| = 1 portanto, na prática, em qualquer instante a reação de
célula ou se encontrará em equilı́brio quı́mico, ou será exergônica e a célula, galvânica.
Por outro lado, se a célula for Cu|CuSO4 (aq)||ZnSO4 (aq)|Zn a reação de célula será
Zn (aq) + Cu(s) −→ Cu2+ (aq) + Zn(s), cujo equilı́brio quı́mico favorece fortemente
2+

os reagentes porque K = 2, 4 × 10−19 quando |ν| = 1 portanto, na prática, em qualquer


instante a reação de célula ou se encontrará em equilı́brio quı́mico, ou será endergônica
e a célula, eletrolı́tica. Ambas as duas células eletroquı́micas são irreversı́veis, pois cor-
respondem a sentidos opostos da mesma reação quı́mica irreversı́vel.
Note que:

58
1. Quando a célula Zn|ZnSO4 (aq)||CuSO4 (aq)|Cu foi mudada para Cu|CuSO4 (aq)||
ZnSO4 (aq)|Zn, cujas representações são imagens especulares uma da outra, o cáto-
do passou a trabalhar como ânodo e vice-versa. Portanto, a semi-reação que ocorria
no sentido direto passou a acontecer no reverso e vice-versa, logo na obtenção da
reação de célula foi trocada a semi-reação a ser subtraı́da, o que resultou na reversão
da reação de célula. O vice-versa também é verdadeiro, ou seja, a reversão da reação
de célula sempre tem como efeito que o cátodo passe a agir como ânodo e vice-versa,
logo implica na substituição da representação da célula pela sua imagem especular.

2. Em células eletroquı́micas irreversı́veis, conhecer a representação da célula é sufici-


ente para saber se ela atua como galvânica ou como eletrolı́tica. Porém, em células
eletroquı́micas reversı́veis responder a esta pergunta exige, também, saber se, neste
estado, há desequilı́brio quı́mico em direção aos reagentes, equilı́brio quı́mico ou
desequilı́brio quı́mico em direção aos produtos.

3. Independentemente da reação ser reversı́vel ou irreversı́vel, por meio do consumo de


potência elétrica o sentido de uma reação exergônica pode ser revertido, sem que se
altere a composição quı́mica do sistema reacional, sendo evidentemente endergônica
a reação reversa. Analogamente, para o caso de se interromper o uso de potência
elétrica numa reação endergônica. Porém, somente a reação reversı́vel adicional-
mente permite, mediante uso de potência elétrica, a passagem de exergônico para
endergônico sem reversão no sentido da reação e através de alteração da composição
quı́mica do sistema reacional.

59

You might also like