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O BRASIL DIANTE DA GUERRA DAS MALVINAS/FALKLANDS:

DIPLOMACIA E GEOPOLÍTICA
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

PROIC-2016/2017

ORIENTANDO: ALVARO EDUARDO MAGALHÃES NUNES

INTRODUÇÃO

A Guerra das Malvinas1ocorreu oficialmente entre 2 de abril e 14 de junho de 1982, e opôs


Argentina e Inglaterra pela disputa da soberania do arquipélago das Malvinas - também conhecido
por Falkland Islands.
Mesmo sendo de curta duração, essa guerra deixou aproximadamente mil mortos durante
suas batalhas (255 pelo lado inglês e 649 do argentino). Tem grande importância na história
contemporânea por ser o único confronto após a 2ª Guerra Mundial a envolver países do continente
americano e europeu: a Argentina, sob comando presidencial do General Leopoldo Fortunato
Galtieri e a Inglaterra, submissa às ordens da primeira-ministra, a “Dama de Ferro” Margaret
Thatcher.
Vale ressaltar que embora ambos os países integrassem o bloco ocidental capitalista, que era
capitaneado pelos Estados Unidos, essa disputa não obedecia à lógica da guerra fria, todavia a
documentação diplomática deixou registrada uma luz acessa quanto a um possível apoio militar da
ala socialista aos argentinos encabeçada principalmente pela então União Soviética.
Diversos foram os motivos que ocasionaram a eclosão da guerra, pela ordem econômica, o
elemento detonador das tensões foi à ocasião da descoberta de potenciais reservas de
hidrocabornetos no arquipélago, as quais segundo especulações da época seriam maiores que as
reservas da Venezuela. No aspecto geográfico, podemos ilustrar que a posse das ilhas possibilitaria
garantir o controle do estreito de Magalhães, elo fundamental entre os oceanos pacíficos e atlântico
o que respaldaria também as reivindicações territoriais entre ambos os estados sobre a Antártida.
A razões políticas desempenharam papel fulminante para o desabrochar do conflito, de um
lado, o governo militar argentino estrategicamente antecipou os planos para invasão, uma vez que
sabedor que caso a conquista das ilhas viesse a se consolidar funcionaria como um elemento

1
Neste trabalho, utilizaremos a nomenclatura Falklans/Malvinas para as ilhas, em razão do uso do termo presente nos
documentos oficiais das Organizações das Nações Unidas. E, o nome “Guerra das Malvinas” faz referencia a disputa
pela posse do arquipélago de mesmo nome, todavia cabe ressaltar que a disputa também abrangeu dois outros
arquipélagos, o da Geórgia do Sul e Sandwich do Sul.
estabilizador do deteriorado regime militar e, por conseguinte, estimularia a união nacional da
sociedade.
Do outro lado do continente, o impopular governo Thatcher encontra-se debilitado no
âmbito interno frente a uma grave crise econômica e social. A invasão das Falkland
Islands/Malvinas era uma séria ameaça a base do seu governo no legislativo, o que resultaria
possivelmente na queda do gabinete da primeira ministra, como descrito a seguir:

A primeira Ministra Margareth Thatcher no dia 2 enfrentou na câmara dos Comuns


o dia mais difícil de sua carreira política.
O discurso de Thatcher, segundo relatou um correspondente, foi recebido com
gritos de “renuncie”, partidos da bancada trabalhista, de Oposição, e com frases
de desafio de muitos parlamentares; alguns se referiam ao apelido de “Dama de
ferro”da primeira Ministra a exigiam “que ela comprovasse de que material era
realmente feita”. O caso ia-se degenerando em uma suma séria crise interna,
(DUARTE, 1986, p. 241)

Mas ao mesmo tempo a crise das Falkland Islands/Malvinas se tornou uma chance ímpar ao
governo de Thacher, ou seja, uma possibilidade candente de recuperar prestígio interno e capital
político, tanto nacional como internacional.2
A evolução do conflito anglo-argentino colocou a diplomacia brasileira em uma posição
delicada, isso porque ambos os países eram aliados importantes nas relações exteriores brasileiras.
De um lado, a economia brasileira dependia do mercado, em especial o financeiro, pois um terço do
montante de sua divida externa era com o mercado financeiro do Reino Unido. 3 Por outro, a
Argentina, desde a resolução da questão hidroelétrica de Itaipu-Corpus, em 1979, era uma país
considerado chave nas relações exteriores brasileiras.4
Diante desse quadro, prioriza-se contextualizar a atuação internacional brasileira frente ao
conflito das Malvinas/Falklands de 1982. Suas interlocuções com os principais mediadores da crise,
a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e os
Estados Unidos da América (EUA) e, ainda, as principais deliberações diplomáticas junto às
embaixadas de Londres, Buenos Aires e Washington. Com isso, coadunados a uma leitura
bibliográfica referente ao conflito, busca-se argumentos que favoreçam a compreensão da postura
das autoridades brasileiras frente ao conflito das Malvinas/Falklands, tipo: quais foram as linhas
adotadas pelo governo brasileiro e seu principais objetivos, os obstáculos enfrentados pelo seu
corpo diplomático, as rupturas ou continuidades causadas pelo conflito e as soluções e propostas
apresentadas pelas autoridades durante a crise.
2
Telegrama enviado da Embaixada de Londres para o Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty –no dia 03 de
abril de 1982, Classificação 900(B29)(F27) e 900.2(F27)(B22) MSG OF nº 279, caráter confidencial, p. 1-2.
3
Telegrama enviado da Embaixada de Londres para o Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty –no dia 04 de
maio de 1982, Classificação 900.2(F27)(B22) e 690.4(B46)(F27) MSG OF nº 779, caráter confidencial, p. 1
4
Doc. nº 94, de 15 de setembro 1980, do Ministério das Relações Exteriores - Itamaraty, caráter secreto.
O PAPEL DOS ATORES EXTERNOS NO CONFLITO DAS
MALVINAS/FALKLANDS

No viés diplomático o confronto entre Argentina e Inglaterra, ambas objetivava a legalização


de suas posições e ações frente à comunidade de estados. As organizações internacionais foram os
principais campos dessa batalha, cabendo destaque à Organização das Nações Unidas.
Um dia após a invasão, em 3 de abril de 1982, as relações políticas e diplomáticas foram
seccionadas5, os assuntos de governo da Grã-Bretanha na Argentina passaram a ser gerenciados pela
embaixada da Suíça em Buenos Aires.6 Em Londres, a embaixada brasileira incumbiu-se de
gerenciar os negócios argentinos frente à Coroa Britânica.7
É interessante notar que nas Nações Unidas houve um racha entre o Conselho de Segurança
e Assembléia Geral, uns dos principais órgãos desta instituição nacional. A Assembléia Geral é um
dos fóruns mais democráticos da sociedade internacional, no qual se reúnem todos os países
membros da instituição. Ali todos os estados têm o mesmo direito de voto, porém suas resoluções
não possuem caráter cogente, isto é, de impor sanções. Sua aplicabilidade recai em ações cuja
finalidade é recomendar uma determinada postura política a ser adotada pelos estados membros,
uma espécie de coação moral.
Já o Conselho de Segurança é composto por estados com maior poder relativo. Uma das
suas funções é discutir e deliberar sobre os atos de países que colidem com os princípios e aos
preceitos da sociedade internacional, os quais se encontram cristalizados no direito internacional e
expressos na carta das Nações Unidas. Ao contrário da Assembléia Geral, o Conselho de Segurança
possui a capacidade de impor sanções aos estados que descumpram as resoluções do conselho, é
importante destacar que só cinco estados compõe de forma permanente esse conselho: EUA, União
Soviética - atual Rússia – China, França e Inglaterra. Além de cinco permanentes, fazem parte do
Conselho de Segurança dez membros temporários, eleitos pela Assembléia Geral da ONU, os quais
têm direito a voz e voto, mas não a veto8.
Houve uma tendência favorável à posição da Argentina na Assembléia Geral, isso se explica
em razão do histórico dos processos de descolonização ocorridos sob a tutela da ONU e das marcas
deixadas pelo imperialismo europeu em diversos países membros. Todavia, como vimos

5
Jornal O Estado de São Paulo do dia 3 de abril de 1982.
6
Jornal O Estado de São Paulo do dia 4 de abril de 1982.
7
Jornal O Estado de São Paulo do dia 6 de abril de 1982.
8
DUARTE, G. P. D. Q. A disputa no âmbito das Nações Unidas. In: DUARTE, G. P. D. Q. Conflito das Malvinas. 1ª. ed. Rio
de Janeiro: Bibliex, v. I, 1986. Cap. 8, p. 149-150.
anteriormente, as decisões dessa assembléia por não possui poder cogente, o que torna sua
efetividade quase nula e foi exatamente assim que aconteceu.
A prova disso, é que no dia 2 de abril de 1982, a pedido da Grã-Bretanha, o Conselho de
Segurança iniciou uma reunião para discutir a questão das Malvinas/Falklands. Deliberou-se uma
moção solicitando a ambos os países que adotassem moderação frente à crise. 9 Logo depois, sob
pressão britânica10, nos bastidores no dia 3 abril de 1982, um dia após a invasão, frente a um debate
que durou duas jornadas, o Conselho de Segurança aprovou uma resolução – a de número 502 –
apresentada pela Grã-Bretanha, por 10 votos contra 1 e 4 abstenções. Votaram a favor: Estados
Unidos, Grã-Bretanha, França, Jordânia, Togo, Uganda, Zaire, Guyana, Irlanda e Japão. Contra:
Panamá. Abstiveram-se: União Soviética, China, Polônia e Espanha. Esta resolução exigia a retirada
imediata das tropas argentinas dos arquipélagos e o inicio das negociações:

Deeply disturbed at reports of an invasion on 02 April 1982 by armed forces of


Argentina.
Determining that there exist a breach of the peace in the region of the Falklands
islands (Islas Malvinas).
1. Demands an immediate cessation of hostilities;
2. Demands an immediate Withdrawal of all argentine forces fron the Falklands
Islands (Isla Malvinas);
3. Calls on the Governments of Argentina and United Kingdom of Great Britain
and Northern Ireland to seek a diplomatic solution to theirs differences and respect
fully the purpose and principles of the charter of United Nations. 11

A partir da publicação da resolução nº. 502, tanto Londres quanto Buenos Aires utilizou-se
do subterfúgio jurídico contido na Carta das Nações Unidas, especificamente o artigo nº. 51:

Nada na presente carta prejudicará o direito inerente de legitima defesa individual


ou coletiva no decorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas,
até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a
manutenção da Paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos
membros no exercício desse direito de legitima defesa serão comunicados
imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir
a autoridade e a responsabilidade que a presente carta atribui ao Conselho para
levar efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao
restabelecimento da paz e da segurança internacionais. 12

Esse subterfúgio serviu como alicerce aos argentinos e ingleses para respaldarem suas ações
bélicas, uma justificativa para não cumprirem integralmente a resolução nº. 502.

9
Jornal O Estado de São Paulo do dia 2 de abril de 1982.
10
OSCAR RAÚL CARDOZO, R. K. E. V. D. K. Misson Haig (I) El "sindrome de Iran". In: OSCAR RAÚL CARDOZO, R. K. E. V. D.
K. Malvinas: La trama Secreta. 1º. ed. Buenos Aires: Planeta , v. I, 1983. Cap. 3, p. 147.
11
UNITED NATIONS SECURITY COUNCIL. United Nations, 1982. Disponivel em: <http://www.un.org/en/index.html>.
Acesso em: 11 jun. 2017.
12
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Carta. Carta das Nações Unidas e Estatuto da Corte Internacional de Justiça.
São Francisco: ONU. 25 jun. 1945. p. 30.
. À ONU, como já observamos, não conseguiu desempenhar um papel eficaz de mediação
relevante nesse conflito. Mas cabe ressaltar que no principio, a mediação fora conduzida pelo
departamento de estado norte-americano, e quando, o secretário geral da ONU, Perez-Cuellar,
tomou frente às negociações, a situação estava visivelmente deteriorada o que reduziu
consideravelmente a possibilidade de diálogo entre as partes.
Esse desgaste se confirmou com a decisão que partiu do Palácio San Martin em invocar o
TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Reciproca) 13, no final de abril, poucas horas após o
secretario Haig14 deixar Buenos Aires. Enquanto a isso, o Presidente Figueiredo em conversa com o
presidente Reagan adverte:

[...] se tal ocorresse, a reunião do órgão de consulta do tratado interamericano de


assistência recíproca (TIAR), anunciada para a próxima quinta feira, dia 27, não
poderia deixar de adotar decisões que trariam consequências ainda mais sérias
para o relacionamento entre os países da América latina e os Estados Unidos da
América.15

A partir dessa iniciativa argentina, mesmo havendo possibilidade de ser rejeitado pelos
chanceleres reunidos, evocar o TIAR era pôr em prática um anteprojeto norte-americano, visto que
ante as negociações do seu secretário de defesa Haig fadadas ao insucesso, imporiam os EUA a
tomar atitudes extremas, o que significaria a assumir a falência total do tratado. Visivelmente, há
uma preocupação por parte do presidente Figueiredo quanto à solidez da “unidade americana” em
que pese à inclinação tendenciosa dos EUA em favor dos britânicos.
De fato, vale ressaltar que o TIAR foi assinado em 1947, na cidade do Rio de Janeiro,
quando os EUA queriam situar nosso continente como um antagonista do “comunismo
internacional.” Assim, persuadiram os países latino-americanos para a assinatura com um claro
objetivo: classificar o comunismo como o inimigo externo a ser combatido. Todavia, não,
imaginaria que algumas décadas à frente, por ironia do destino, estava preste a ser evocado contra
seu principal aliado e co-irmã, a Grã-Bretanha.
Ainda sobre o assunto, vejamos:

Em janeiro, quando estiveram em Buenos Aires, os senadores Harold Baker, líder


da maioria, e Paul Laxalt, Costa Mendes lhes disse que, para a argentina, o tema
13
Tratado Interamericano de Assistência Recíproca – TIAR, também conhecido como tratado do Rio de Janeiro, é um
acordo de defesa mútua celebrado em 1947, na cidade do Rio de Janeiro entre diversos países americanos. O princípio
central do acordo é que um ataque contra um dos membros será considerado como um ataque contra todos, com
base na chamada "doutrina da defesa hemisférica". O TIAR entrou em vigor em 3 de dezembro de 1948, conforme o
seu artigo 22.
14
Alexander Haig, secretário de Estado Americano. O Departamento de Estado e a Casa Branca destacam que a missão
Haig destinava-se a discussões preliminares em Londres e Buenos Aires, pois seu envio a ambos os países não tinha um
caráter formal de mediação.
15
Telegrama enviado do Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty à Embaixada do Brasil em Washington, no dia
25 de maio de 1982. Caráter secreto urgentíssimo, p. 1.
principal de política externa, naquele momento, era sua reivindicação de soberania
sobre as malvinas e que as negociações com o Reino Unido estavam caminhando
mal e teriam de concentra-se nesse problema. A reação dos senadores foi de
ignorância e de desinteresse pelo assunto.16

Nesse trecho de mensagem telegráfica, se revela parte da conversa do chanceler argentino


Consta Mendes com o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, numa escala em que o diplomata
argentino fez em Brasília, no dia 07 de junho de 1986, com destino à Havana. Visivelmente há um
incômodo das autoridades americanas sobre o tema Malvinas/Falklandds. Isso veio a se confirmar
meses depois com a invasão das ilhas pelas tropas argentinas, o que desencadeou uma profunda
crise no Sistema Interamericano, cujos pilares principais – A Organização dos Estados Americanos
(OEA) e o Tratado de Assistência Recíproca (TIAR) – sofreram profundo abalo. Além da
ineficiência da OEA em evitar o conflito direto armado (na Zona de segurança definida pelo art. 4
do TIAR)17, a questão das Malvinas /Falklands, ressuscitou em 1982 antigas disputas territoriais no
continente americano, as quais, seguindo o precedente argentino, poderiam ter se transformado em
novos conflitos.
A “Unidade Americana” se é que algum dia houve, realmente teria que ser revista. A posição
singular dos Estados Unidos, na XX Reunião de consulta dos chanceleres da OEA, onde manifestou
apoio declarado a Grã-Bretanha, gerou de fato políticas adversas ao hemisfério o que proporcionou
uma clara deterioração da atitude da América Latina em relação ao Sistema Interamericano.
Não é de se estranhar que em toda negociação conduzida por Haig, a escolha foi sempre a
insistência no restabelecimento da administração colonial, supervisionada pelo grupo tripartite
(Reino Unido, Argentina e EUA). A qual funcionaria como uma espécie de instancia de recurso,
enquanto prosseguissem as negociações sobre substancia, sem prazo nem garantia de que a
soberania pudesse vir a ser restituída a Argentina - esta por sua vez foi sua pré-condição 18, pelo

16
Telegrama enviado do Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty à Embaixada do Brasil em Washington, no dia
08 de junho de 1982. Caráter secreto exclusivo, p. 1.
17
Art. 4º: A região a que se refere este Tratado é a compreendida dentro dos seguintes limites: começando no Pólo
Norte; daí diretamente para o sul, até um ponto a 74 graus de latitude norte e 10 graus de longitude oeste; daí por
uma linha loxodrômica até um ponto a 47 graus e 30 minutos de latitude norte e 50 graus de longitude oeste; daí por
uma linha loxodrômica até um ponto a 35 graus de latitude norte e 60 graus de longitude oeste; daí diretamente para
o sul até um ponto a 20 graus de latitude norte; daí por uma linha loxodrômica até um ponto a 5 graus de latitude
norte e 24 graus de longitude oeste; daí diretamente para o sul até o Polo Sul; daí diretamente para o norte até um
ponto a 30 graus de latitude sul e 90 graus de longitude oeste; daí por uma linha loxodrômica, até um ponto do
Equador a 97 graus de longitude oeste; daí por uma linha loxodrômica até um ponto a 15 graus de latitude norte e 120
graus de longitude oeste; daí por uma linha loxodrômica até um ponto a 50 graus de latitude norte e 170 graus de
longitude leste; daí diretamente para o norte até um ponto a 54 graus de latitude norte; daí por uma linha loxodrômica
até um ponto a 65 graus e 30 minutos de latitude norte e 168 graus 58 minutos e 5 segundos de longitude oeste; daí
diretamente para o norte até o Pólo Norte.

18
Telegrama enviado pelo Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty – à embaixada brasileira em Londres, no dia
21 de abril de 1982, Classificação 900(F27)(B22), MSG OF nº 579, caráter confidencial, p. 1-2.
menos tão intransigente quanto a Britânica. Observou-se que, em todo processo de intermediação,
por parte de Haig, os EUA sempre excluíam a participação das Nações Unidas.19
O fracasso das mediações e o término das boas relações entre a Casa Rosada e a Casa
Branca, marcaram o clima de animosidade reinante durante as conversações. A retirada do
embaixador Argentino em Washington e a evacuação de todo o corpo diplomático americano não
essencial de Buenos Aires pelos Estados Unidos deu inicio a uma nova fase na diplomacia
conjuntural relativa ao conflito das Malvinas.
Um telegrama da embaixada brasileira em Buenos Aires enviado ao Itamaraty revela o clima
de emocionalismo com que o povo argentino, encorajado pela assertiva “agora sabemos que são
nossos amigos”, de caráter oficial, vinha acompanhando o desenrolar das negociações:

Ontem a noite uma casal argentino que não quis se identificar deixou
pessoalmente na sede da embaixada brasileira uma rosa, com a recomendação
que me fosse entregue, por motivo de declaração por mim feita no dia anterior a
uma estação de televisão local ao sair do palácio San Martin, respondendo então
as perguntas do entrevistador, disse apenas que como “é sabido, o Brasil, desde
1833, apoia a tese argentina sobre as Malvinas e que formulava meu sinceros
votos no sentido de [ ...]20

Percebemos que, conforme se esgarçavam os laços entre a Casa Branca e a Casa Rosada, os
Estados Unidos buscaram uma aproximação efetiva com o Brasil. 21As autoridades, por diversas
vezes, buscavam trazer o Brasil para a pauta de negociações entre Argentina e Grã-Bretanha , mas o
governo Brasileiro dava respostas evasivas demonstrando que não estava disposto a participar
proficuamente de um esquema de mediação como esta:

[...] quanto a segunda pergunta os EUA, como membro do Conselho estão livres
para atender a eventual solicitação de apoio por parte do Secretário Geral que
pode incluir, se necessário, o estabelecimento de uma força de Paz. O Brasil não
pretende voluntariar sua participação e acredita se preferível que esse tipo de
medida seja efetivada sob o auspício das Nações Unidas. Se entretanto, de
acordo com o desejo das partes, for necessária uma participação brasileira desse
tipo, estamos disposto a cooperar. 22

Isso muito se justifica pelo fato que, segundo Guerreiro (1992), pois era fundamental para o
governo brasileiro atravessar a crise e, os conseqüentes riscos, por ela produzidos, sem que
houvesse prejuízo a nova boa fase de relações que se iniciaram com a Argentina, nem criar um dano

19
Telegrama enviado do Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty à Embaixada do Brasil em Washington, no dia
08 de junho de 1982. Caráter urgentíssimo, p. 1.
20
Telegrama enviado ao Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty pela embaixada do Brasil em Buenos Aires, no
dia 22 de abril de 1982. Caráter urgentíssimo, p. 1-2.
21
Jornal O Estado de São Paulo do dia 11 de maio de 1982.
22
Telegrama enviado pelo Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty – à embaixada brasileira em Washington, no
dia 25 de maio de 1982, Classificação secreto urgentíssimo, p. 1-2.
sensível as suas relações com a Grã-Bretanha. No mais, a postura assumida pelo Brasil já há alguns
anos é da plena identificação como país latino-americano, visto que a América latina é uma área
naturalmente prioritária de interesses de sua atuação.23
Tamanha dificuldade encontrada pelos EUA em encaminhar uma solução eficaz ao litígio
que atendam os objetivos da comunidade internacional, que prima a paz, e os países litigados, talvez
se explique pelo seu interesse pelos assuntos latino-americanos, embora estrutural, só se ative em
momentos de crise.
Ademais, ainda tem os nortes americanos uma visão distorcida e errônea da América latina,
pouco sensível às diferenças nacionais. E, também, ser difícil trabalhar em conjunto com os norte-
americanos, pois ainda vêem os latinos com superioridade e distância. 24 Daí o Brasil ser no conflito
em questão um copiloto quase que natural, tendo em vista as relações com os EUA serem
tradicionalmente de amizade mútua de alta intensidade e dinamismo nos mais varáveis campos25.
Nesse sentido, a solidariedade americana diante a crise anglo-argentina tornou-se um mito
político, mera figura de retórica diplomática. No âmbito do TIAR, o apoio logístico e informativo
proporcionado pelos Estados Unidos ao seu maior aliado europeu da organização do Atlântico
Norte (OTAN) – o Reino Unido – causou um impacto negativo à sua imagem perante os países
latino-americanos.
Tanto a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Comunidade Econômica Europeia
(CEE) foram evocadas pela diplomacia de ambos os estados beligerantes. Por se tratarem de
organismos regionais, nos quais propositalmente a outra parte não possuía voz e nem advogado para
defesa, eram pontes de estratégia para legalizar sanções contra o adversário.
Conquanto, com o alijamento norte- americano nas conversações que pleiteavam um
entendimento diplomático pacifico e seu declarado apoio aos Britânicos, desencadeou-se uma
avalanche de sanções comercias e econômicas o que denotou uma assimetria de poder que foi capaz
de minar paulatinamente os esforços argentinos, afastando-o do sonho secular de recuperar
definitivamente a soberania tanto por meios diplomáticos e, principalmente, por via da guerra.
O Itamaraty tornou claro, em 30 de abril, através de seu porta voz, Bernado Pericás, que o
Brasil era contrário a todos os tipos de sanções aplicadas à Argentina, em especial a dos Estados
Unidos no plano dos negócios militares e econômicos. As sanções européias, especialmente o
embargo sobre os artefatos militares reduziram significadamente a capacidade operativa das forças
militares argentinas. As tropas ficaram vulneráveis, sem suprimentos, peças, munições de reposição
e etc.26 À vista disso, a argentina estabeleceu contornos ao embargo através de operações comerciais

23
Doc. nº 82, de 26 de agosto 1980, do Ministério das Relações Exteriores - Itamaraty, caráter secreto.
24
Doc. nº 85, de11 de setembro 1980, do Ministério das Relações Exteriores - Itamaraty, caráter secreto.
25
Doc. nº 11, de17 de setembro 1980, do Ministério das Relações Exteriores - Itamaraty, caráter secreto.
26
Jornal O Estado de São Paulo do dia 11 de abril de 1982.
triangulares que envolveram inclusive o Brasil, o que representou mais um tema espinhoso a ser
deliberado pela diplomacia brasileira. Constatamos que a embaixada brasileira em Washington foi
pega de surpresa pela decisão de Brasília em vender armamentos à Argentina, rogando instruções de
como proceder junto às autoridades governamentais e a imprensa em Londres, assim o Itamaraty
deliberou:

a) em primeiro lugar , manifestar estranheza quanto ao fato em si da convocação, a


qual respondeu pelo dever elementar de cortesia para com as autoridades locais,
mas sem que isso de modo algum signifique sentir-se o governo brasileiro a
qualquer título devedor de satisfação sobre o assunto;
b) O Brasil, por tudo o que representa suas relações com a Argentina, não tem por
que responder negativamente a interesse daquele país em adquirir material de
emprego militar brasileiro;
c) Não há sanções decretadas pela ONU à Argentina, não tendo pois qualquer
cabimento expressão de preocupação ou desagrado em face de notícias sobre
alegação dos fornecimentos de material militar pelo Brasil à Argentina.

Para exclusiva informação de VE, comunico que o Brasil estará vendendo a


Argentina, proximadamente, em atendimento a pedido daquele pais, e
dependendo ainda da finalização de entendimentos, dois ou três aviões
bandeirante de patrulhamento marítimo.27

Vê-se claramente a manobra diplomática no caso da venda dos aviões brasileiros, pois sob a
tutela do argumento que não havia injunção alguma por entes internacionais que proibisse tal
acordo comercial. O único que, no entendimento da chancelaria brasileira, poderia fazê-lo seria o
próprio Conselho de Segurança da ONU, estabelecendo de forma intencionalmente válida, mas o
conselho não o fez.
Ainda nesse sentido, na economia, houve uma triangulação acordada de exportações através
de frigoríficos brasileiros habilitados para o mercado inglês de “corned beef”, qual tal acordo
poderia estender-se a outros segmentos como o de suco de frutas cítricas, caso o embargo superasse
os 31 dias previstos. Sobre tal interação, o Subsecretário de Comércio Argentino J.R. Caminotti
manifestou intensa preocupação com matéria publicada pelo Jornal do Brasil sobre essa
triangulação comercial, operação que em sua opinião, deveria ser apresentada como algo privado.
Bem como, oportunamente ter esclarecido a jornalistas que a venda de aviões militares brasileiros à
Argentina já eram fruto de contatos bilatérias anteriores a eclosão da guerra. 28

CONSIDERAÇÕES FINAIS

27
Telegrama enviado pelo Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty – à embaixada brasileira em Londres, no dia
12 de maio de 1982, Classificação 665(B46) (B29), MSG OF nº 729, caráter confidencial, p. 1-2.
28
Telegrama enviado pela embaixada brasileira em Buenos Aires ao Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty), no
dia 27 de abril de 1982, Classificação 661(B46)839 (B29), MSG OF nº 00965A, caráter confidencial, p. 1-2.
A proposta apresentada buscou priorizar o uso das fontes primárias. Ao longo da pesquisa
verificou-se a delicada e inesperada situação em que se encontrou o Brasil frente aos dois países
litigados e tidos como “amigos” com a evolução da crise das Malvinas/Flaklands e a posterior
eclosão da guerra. Contudo, percebemos que a diplomacia brasileira adotou uma postura, embora
discreta, mas bem favorável à Argentina, mesmo sabendo a importância de não azedar os laços com
o mercado financeiro Londrino, seu principal credor.
Outro fator importante da atuação da diplomacia brasileira durante o conflito foi a de reiterar
antigas posições do governo brasileiro, o que significou manter uma coerência com a história e as
tradições do Itamaraty.
Quanto aos organismos internacionais, a crise das Malvinas/Flaklands desencadeou uma
ruptura nas relações interamericanas, cujos pilares principais – a Organização dos Estados
Americanos (OEA) e o Tratado de Assistência Recíproca (TIAR) sofreram profundos abalos. Além
da ineficiência da OEA em evitar a eclosão do embate armado (na Zona de Segurança, definida pelo
artigo 4o do TIAR), a questão das Malvinas/ Falklands ressuscitou, em 1982, antigas disputas
territoriais no Continente Americano, as quais se poderiam ter transformado em novos conflitos
militares, seguindo o precedente argentino.
Nesse sentido, a solidariedade americana tornou-se mito político, mera figura de retórica
diplomática. No âmbito do TIAR, o apoio logístico e informativo proporcionado pelos Estados
Unidos ao seu maior aliado europeu da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) – o
Reino Unido – causou impacto negativo à sua imagem perante os países latino-americanos.
A Organização das Nações Unidas em seus dois importantes colegiados, a Assembléia Geral
e o Conselho de Segurança, demonstram durante o litígio anglo-argentino assimetrias de poder,
pendendo ao segundo maior força previamente estabelecida na Carta das Nações Unidas, o que em
tese favoreceu amplamente a causa Britânica, essa uma das cinco nações que compõe de forma
permanente no conselho de segurança com a primazia do direito a veto.

BIBLIOGRAFIA

DUARTE, G. P. D. Q. A Grã-Bretanaha reage - A Operação Corpoate. In: DUARTE, G. P. D. Q. Conflito das


Malvinas. 1ª. ed. Rio de Janeiro : Bibliex, v. 1, 1986. Cap. 11, p. 241.

GUERREIRO, R. S. Lembranças de um empregado do Itamaraty. São Paulo : Siciliano, 1992.


OSCAR RAÚL CARDOZO, R. K. E. V. D. K. Misson Haig (I) El "sindrome de Iran". In: OSCAR RAÚL CARDOZO, R.
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Fontes
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Telegrama enviado da Embaixada de Londres para o Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty –no dia
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Telegrama enviado do Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty à Embaixada do Brasil em Washington,
no dia 08 de junho de 1982. Caráter secreto exclusivo, p. 1.
Telegrama enviado pelo Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty – à embaixada brasileira em
Londres, no dia 21 de abril de 1982, Classificação 900(F27) (B22), MSG OF nº 579, caráter confidencial, p. 1-
2.
Telegrama enviado do Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty à Embaixada do Brasil em Washington,
no dia 08 de junho de 1982. Caráter urgentíssimo, p. 1.
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Aires, no dia 22 de abril de 1982. Caráter urgentíssimo, p. 1-2.
Telegrama enviado pelo Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty – à embaixada brasileira em
Washington, no dia 25 de maio de 1982, Classificação secreto urgentíssimo, p. 1-2.
Telegrama enviado pelo Ministério das Relações Exteriores – Itamaraty – à embaixada brasileira em
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2.
Doc. nº 82, de 26 de agosto 1980, do Ministério das Relações Exteriores - Itamaraty, caráter secreto.
Doc. nº 85, de11 de setembro 1980, do Ministério das Relações Exteriores - Itamaraty, caráter secreto.
Doc. nº 94, de 15 de setembro 1980, do Ministério das Relações Exteriores - Itamaraty, caráter secreto.Doc.
nº 11, de17 de setembro 1980, do Ministério das Relações Exteriores - Itamaraty, caráter secreto.

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