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O papel do analista
Qual seria o papel do analista? Essa é uma sugestiva questão que implica
significados que nos são muito pertinentes. Recorrendo ao dicionário, vemos que
"papel" é a "parte que o ator desempenha no teatro, no cinema, na televisão"; é "o
personagem representado pelo ator" e, mais ainda, "atribuição de natureza moral,
jurídica técnica, etc".
É claro que entre estes dois extremos de sua obra, há um longo elaborar
teórico mas há duas coisas que Freud não muda.
A primeira é que Freud não cessa de enfatizar que, longe de ser o caos, o
primitivo, o inarticulado, o desorganizado, o mero funcionamento degradado do
cérebro fora da consciência - como se pensava até sua descoberta - o Inconsciente
é algo inteiramente estruturado dentro de leis próprias que seguem uma lógica
especial baseada na condensação e no deslocamento. É uma lógica que preside a
sobredeterminação, com seu interjogo de causas e significações superpostas, que
levam ao encadeamento das representações-meta conscientes e inconscientes,
organizadas em cadeias associativas que vão constituir as fantasias. É essa lógica
que o analista deve captar e desenvolver, descobrindo conexões, estabelecendo
ligações, as quais dará para o analisando como interpretações e construções.
Tal visão da transferência não mais vai ser abandonada e sim amplificada.
Freud oscila entre ver a transferência como obstáculo e resistência à rememoração
- e o é de fato, na medida em que interrompe a rememoração verbal, quando se
constitui então em resistência de transferência - e, ao mesmo tempo, entendê-la
como a via regia para a recuperação do passado do paciente.
A este respeito diz Etchegoyen: "No momento atual, há uma grande discussão,
que vem de longe, entre os que reivindicam a construção como o verdadeiro
instrumento de análise e os que, ao contrário, a desqualificam ou não a levem em
conta... Indo agora ao fundo da questão, direi que há, sem dúvida, divergências
técnicas entre os analistas que põem ênfase no atual e os que prestam atenção ao
passado. Aqueles interpretam (e interpretam fundamentalmente a transferÊncia),
estes constroem. Existe, por certo, dois tipos polares de analistas, que Racker
(1958) caracterizou como os que usam a transferência para compreender o
passado e os que usam o passado para compreender a transferência. Na mesa
redonda que se realizou na Associação Psicanalítica Argentina em 1970, um
decidido partidário da construções, como Avenburg, diz que estamos intoxicados de
transferência"(10).(grifos do autor).
Diz ele: "O conjunto de fantasias descoberto por Melanie Klein com Édipo
primitivo enriquece sem dúvida nosso conhecimento do mundo imaginário humano;
a elaboração teórica deste descobrimento leva a uma desvirtuamento implícito da
teoria freudiana do Édipo e a uma modificação profunda e muito discutível da
técnica."
Continua: "A correta colocação recíproca da relação dual e do triângulo, do
Édipo tardio e do precoce, não é um problema acadêmico, mas que, ao contrário,
orienta basicamente nossa atitude analítica e nosso posicionamento na situação
analítica. A preeminência absoluta acordada na órdem cronológica e lógica (pela
aplicação extrema do enfoque genético) à relação com o peito, nos pode fazer
supor que, no fundo, toda relação transferencial se reduz à relação dual com o
peito ou com a mãe. Basicamente, a transferência se colocaria dentro de um
marco materno de nursing ou de holding, o que corretamente nos pode incitar a
dualizar em forma sistemática constelações que, na verdade, são triádicas, quer
dizer, a forçar abusivamente a transferência materna. Esta maternalização da
relação pode levar a privilegiar a linguagem oral nas interpretações, em detrimento
da problemática especificamente edípica. Maternalização, oralização,
dessexualização (no sentido da sexualidade genital), tais podem ser as
consequencias de uma exagerada enfase sobre o enfoque genético.
Para mim fica claro que quando Freud fala de construções, não se refere
apenas às grandes construções sobre o passado histórico do paciente, mas
maneiras de construir o próprio material da sessão, pois as construções são uma
decorrência inelutável da logica paradoxal própria do Inconsciente, a lógica da
fantasia, do desejo.
BIBLIOGRAFIA