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A semente dos escândalos

https://www.cartacapital.com.br/revista/874/a-semente-dos-escandalos-9478.html
por Henrique Beirangê — publicado 03/11/2015 01h50, última modificação 03/11/2015 12h47
O que diferencia o caso Banestado da Operação Lava Jato?
Vanessa Carvalho/Brazil Photo Press/AFP

O tucano Paes de Barros e o petista Mentor: próceres do acordão

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Um país singular
O juiz Sergio Moro arbitra uma operação que investiga um extenso esquema de corrupção
e evasão de divisas intermediadas por doleiros que atuam especialmente no Paraná. Uma
força-tarefa é montada e procuradores da República propõem ações penais contra 631
acusados. Surgem provas contra grandes construtoras e grupos empresariais, além de
políticos.
Delações premiadas e acordos de cooperação internacional são celebrados em série. Lava
Jato? Não! Trata-se do escândalo do Banestado, um esquema de evasão de divisas
descoberto no fim dos anos 90 e enterrado de forma acintosa na transição do governo
Fernando Henrique Cardoso para o de Lula.
Ao contrário de agora, os malfeitos no banco paranaense não resultaram em longas
prisões preventivas. Muitos envolvidos beneficiaram-se das prescrições e apenas
personagens menores chegaram a cumprir pena.
Essas constatações tornam-se mais assustadoras quando se relembram as cifras
envolvidas. As remessas ilegais para o exterior via Banestado aproximaram-se dos 134
bilhões de dólares. Ou mais de meio trilhão de reais em valor presente. Para ser exato,
520 bilhões.
De acordo com os peritos que analisaram as provas, 90% dessas remessas foram ilegais e
parte tinha origem em ações criminosas. A cifra astronômica foi mapeada graças ao
incansável e inicialmente solitário trabalho do procurador Celso Três, posteriormente
aprofundado pelo delegado federal José Castilho. Alguém se lembra deles? Tornaram-se
heróis do noticiário?
Dois processos, o mesmo juiz: Sergio Moro. O BC de Loyola dificultou o trabalho do MP e da PF /
Clayton de Souza e Celso Junior/Estadão Conteúdo

Empreiteiras, executivos, políticos e doleiros que há muito frequentam o noticiário


poderiam ter sido punidos de forma exemplar há quase 20 anos. Não foram. Os
indiciamentos rarearam, boa parte beneficiou-se da morosidade da Justiça e a maioria
acabou impune.
Quanto à mídia, não se via o mesmo entusiasmo “investigativo” dos tempos atuais. Alberto
Youssef, Marcos Valério, Toninho da Barcelona e Nelma Kodama, a doleira do dinheiro na
calcinha, entre outros, tiveram seus nomes vinculados ao esquema.
Salvo raras exceções, CartaCapital entre elas, a mídia ignorou o caso. Há um motivo. Os
investigadores descobriram a existência de contas CC5 em nome de meios de
comunicação. Essa modalidade de conta foi criada em 1969 pelo banco para permitir a
estrangeiros não residentes a movimentar dinheiro no País.
Era o caminho natural para multinacionais remeterem lucros e dividendos ou internar
recursos para o financiamento de suas operações. Como dispensava autorização prévia do
BC, as CC5 viraram um canal privilegiado para a evasão de divisas, sonegação de imposto
e lavagem de dinheiro.
Em seu relatório, o procurador Celso Três deixa claro que possuir uma conta CC5, em
tese, não configuraria crime, mas que mais de 50% dos detentores não “resistiriam a uma
devassa”. Nunca, porém, essa devassa aconteceu. A operação abafa para desmobilizar o
trabalho de investigação começou em 2001. Antes, precisamos, porém, retroceder quatro
anos a partir daquela data.
A identificação de operações suspeitas por meio das CC5 deu-se por acaso, durante a CPI
dos Precatórios, em 1997, que apurava fraudes com títulos públicos em estados e
municípios. Entre as instituições usadas para movimentar o dinheiro do esquema
apareciam agências do Banestado na paranaense Foz do Iguaçu, localizada na tríplice
fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina e famosa no passado por ser uma região de
lavagem de dinheiro.

Das agências, os recursos ilegais seguiam para a filial do Banestado em Nova York.
Informado das transações, o Ministério Público Federal recorreu ao Banco Central, à época
presidido por Gustavo Loyola. Os procuradores comunicaram em detalhes ao BC as
movimentações suspeitas.
Em vez de auxiliar o trabalho do Ministério Público, o Banco Central de Loyola preferiu
criar dificuldades para o acesso dos procuradores às contas suspeitas. Segundo Celso
Três, as informações eram encaminhadas de forma confusa, propositadamente, diz, com o
intuito de atrasar as investigações. Diante dos entraves causados pelo BC, a Justiça
Federal tomou uma decisão sem precedentes. Determinou a quebra de todas as contas
CC5 do País.

Uma dúvida surgiu de imediato: se havia formas regulares, via Banco Central, de enviar
dinheiro ao exterior, qual a razão de os correntistas optarem por essas contas especiais
que não exigiam autorização prévia nem estavam sujeitas à fiscalização da autoridade
monetária?

Pior: antes do alerta da CPI dos Precatórios, o BC parece nunca ter suspeitado da intensa
movimentação financeira por agências de um banco estatal paranaense, secundário na
estrutura do sistema financeiro. Até então, nenhum alerta foi dado pelo órgão responsável
pela fiscalização dos bancos. Vamos repetir o valor movimentado: 134 bilhões de dólares.
Editada em 1992, uma carta-circular do Banco Central determinava que movimentações
acima de 10 mil reais nas contas CC5 deveriam ser identificadas e fiscalizadas. Jamais,
nesse período, as autoridades de investigação foram comunicadas pelo BC de qualquer
transação incomum.

Dentro da conta "Tucano", identificada nos EUA, menções a José Serra e Ricardo S.
Oliveira / Marcos Oliveira/Ag. Senado e Milton Michida/Estadão Conteúdo
Com a quebra de sigilo em massa determinada pela Justiça, milhares de inquéritos foram
abertos em todo o País, mas nunca houve a condenação definitiva de um político
importante ou de representantes de grandes grupos econômicos. Empresas citadas
conseguiram negociar com a Receita Federal o pagamento dos impostos devidos e assim
encerrar os processos contra elas.
O Ministério Público chegou a estranhar mudanças repentinas em dados enviados pelo
governo FHC. Em um primeiro relatório encaminhado para os investigadores, as remessas
da TV Globo somavam o equivalente a 1,6 bilhão de reais.

Mas um novo documento, corrigido pelo Banco Central, chamou a atenção dos
procuradores: o montante passou a ser de 85 milhões, uma redução de 95%. A RBS,
afiliada da Globo no Rio Grande do Sul e atualmente envolvida no escândalo da Zelotes,
também foi beneficiada pela “correção” do BC: a remessa caiu de 181 milhões para 102
milhões de reais.
A quebra do sigilo demonstrou que o Grupo Abril, dono da revista Veja, fez uso frequente
das contas CC5. A Editora Abril, a TVA e a Abril Vídeos da Amazônia, entre outras,
movimentaram um total de 60 milhões no período. O SBT, de Silvio Santos, enviou 37,8
milhões.
As mesmas construtoras acusadas de participar do esquema na Petrobras investigado
pela Lava Jato estrelavam as remessas via Banestado. A Odebrecht movimentou 658
milhões de reais. A Andrade Gutierrez, 108 milhões. A OAS, 51,7 milhões. Pelas contas da
Queiroz Galvão passaram 27 milhões. Camargo Corrêa, outros 161 milhões.
O sistema financeiro não escapa. O Banco Araucária, de propriedade da família
Bornhausen, cujo patriarca, Jorge, era eminente figura da aliança que sustentava o
governo Fernando Henrique Cardoso, teria enviado 2,3 bilhões de maneira irregular ao
exterior.

Dantas se livrou. Thomaz Bastos sepultou a investigação / Eraldo Peres e Celso Junior/Estadão
Conteúdo

Nunca foi possível saber quais dessas contas eram e quais não eram regulares. Para
tanto, teria sido necessário aprofundar as investigações, o que nunca aconteceu. Ao
contrário. O BC não foi o único entrave. No fim de 2001, o delegado Castilho foi aos
Estados Unidos tentar quebrar as contas dos doleiros brasileiros na filial do Banestado.

O então diretor da Polícia Federal, Agílio Monteiro, determinou, porém, que Castilho
voltasse ao Brasil. Apegou-se aos “altos custos das diárias” para interromper o trabalho de
investigação. Valor da diária: 200 dólares.
Os agentes da equipe de Castilho perceberam o clima contra a operação e a maioria pediu
para ser desligada do caso. A apuração seguiu em banho-maria até o começo de 2003, no
início do governo Lula, período em que Castilho voltou a Nova York.

Naquele momento, as novas quebras de sigilo permitiram localizar um novo personagem,


Anibal Contreras, guatemalteco nacionalizado norte-americano, titular da famosa conta
Beacon Hill. Descobriu-se uma estrutura complexa: a Beacon Hill era uma conta-ônibus,
recheada por várias subcontas cujo objetivo é esconder os verdadeiros donos do dinheiro.
Sob o guarda-chuva da Beacon Hill emergiu uma subconta de nome sugestivo, a Tucano.

Em anotações feitas por doleiros e algumas siglas foram identificadas transações que
sugeriam a participação do senador José Serra e do ex-diretor do Banco do Brasil,
tesoureiro do PSDB e um dos artífices das privatizações no governo Fernando Henrique,
Ricardo Sérgio de Oliveira. Só novas quebras de sigilo permitiriam, no entanto, comprovar
as suspeitas. Adivinhe? Elas nunca aconteceram.

Castilho conseguiu acessar o que se poderia chamar de quarta camada das contas. Antes
de descobrir os beneficiários finais do dinheiro, os reais titulares, o delegado acabou
definitivamente afastado da investigação pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz
Bastos. Anos mais tarde, o inquérito seria arquivado.

A CPI do Banestado teve o mesmo destino melancólico. Até hoje, é a única comissão
parlamentar a encerrar seus trabalhos sem um relatório final. O PT e o PSDB disputaram
para ver quem enterrava primeiro e melhor os trabalhos. O petista José Mentor, relator da
CPI, foi acusado de receber dinheiro de um doleiro para excluí-lo do texto final. Mentor
nega.
O tucano Antero Paes de Barros, presidente, tentou proteger os próceres do partido e
aliados citados na investigação. Uma conveniente briga entre Mentor e Barros marcou o
encerramento da apuração no Congresso em dezembro de 2004. No ano seguinte, um
novo escândalo, o “mensalão”, sepultaria de vez o interesse pelas contas ilegais no
exterior.
Desde então, mudanças na legislação penal e a ampliação de acordos de cooperação
internacional passaram a dificultar as tentativas de abafar esses casos. Foram criadas e
aperfeiçoadas nos últimos anos as unidades de recuperação de ativos no Ministério da
Justiça e no Ministério Público Federal.
Por conta dos ataques às Torres Gêmeas de Nova York em 11 de setembro de 2001, os
paraísos fiscais foram pressionados a repassar informações sobre contas suspeitas. Os
bancos suíços, notórios por sua permissividade, criaram mecanismos de autofiscalização
para a identificação de dinheiro com origem suspeita, algo impensável há 20 anos.

No Brasil, a lei do crime organizado de 2013 foi aprimorada e a lei de lavagem de dinheiro,
alterada em 2012, ampliou o cerco contra os sonegadores. Diante dessas mudanças, as
investigações não finalizadas do Banestado poderiam ser exumadas? Para investigadores
que atuaram no caso, a resposta é sim.

As movimentações finais no exterior dessas contas podem ter ficado ativas após a
instituição dessas novas leis, o que daria vida a novos inquéritos. Dependeria da vontade
do Ministério Público e da Polícia Federal.

As duas instituições têm sido, no entanto, reiteradamente conduzidas a fazer uma seleção
bem específica de seus focos de interesse. Sem o apoio da mídia e setores da Justiça e do
poder econômico, mexer em certos vespeiros só produz ferroadas em quem se mete a
revirá-los.
O MP e a PF tentaram, a partir da apuração do Banestado, avançar nas investigações por
outros caminhos. Daquele esforço derivaram operações como a Farol da Colina, Chacal,
Castelo de Areia e Satiagraha.

Em todas elas, o destino foi idêntico. Em alguma instância da Justiça, os processos foram
anulados. Bastaram, em geral, argumentos frágeis. A Castelo de Areia, que investigou a
partir de 2009 o pagamento de propina de empreiteiras a políticos, acabou interrompida no
Superior Tribunal de Justiça por supostamente basear-se em “denúncia anônima”, embora
o Ministério Público tenha provado que a investigação se valeu de outros elementos.

O episódio mais notório continua a ser, no entanto, a Satiagraha. Até um falso grampo no
gabinete do ministro Gilmar Mendes serviu de pretexto para melar a operação contra o
banqueiro Daniel Dantas, que, aliás, operava uma das contas-ônibus no escândalo do
Banestado.
Pressionado, o juiz Fausto De Sanctis viu-se obrigado a aceitar a promoção para a
segunda instância. Hoje cuida de processos previdenciários. O delegado e ex-deputado
Protógenes Queiroz foi perseguido e tratado como vilão. Em agosto, acabou exonerado da
Polícia Federal.
Não foi muito diferente com Celso Três e José Castilho. O procurador despacha
atualmente em Porto Alegre. O delegado foi transferido para Joinville, em Santa Catarina,
e nunca mais chefiou uma operação.

Nenhum deles foi elevado ao pedestal como o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa e o
juiz Sergio Moro, que agora colhe as glórias negadas durante o caso Banestado. Teria o
magistrado refletido sobre as diferenças entre uma e outra investigação?

124 bilhões de dólares e uma conta


chamada “Tucano”
Antes de o leitor relembrar (ou conhecer) o caso escabroso que
segue, é importante reafirmar que a podridão de antes não
inocenta ninguém, mas serve pra provar a hipocrisia dos que hoje
posam como arautos da moralidade.

Caso Banestado: Govermo FHC, juiz Sérgio Moro, Doleiro Alberto Yousseff (Imagem Pragmatismo Político)
Armando Rodrigues Coelho Neto, GGN
Aconteceu na década de 90. US$ 124 bilhões saíram do Brasil através das chamadas contas
CC5. Há quem diga que, na época, nem as reservas brasileiras em moeda americana
chegavam a esse total. O banco usado para a roubalheira foi o Banestado e o ralo era Foz
do Iguaçu/PR, cidade onde antes durante ou depois foi trabalhar o tal “Japonês da Federal”,
que nada tem a ver com a história.
Também meio antes, durante ou depois – a essa altura pouco importa, aconteceu a CPI
dos Precatórios, que desaguou numa tal Operação Macuco da Polícia Federal, que entrou em
cena e descobriu que pelo menos US$ 30 bilhões daquela cifra foram remessas ilegais.
Durante as investigações, a Procuradoria da República ia junto aos órgãos oficiais,
perguntava uma coisa, respondiam outra. Refazia o pedido e a resposta vinha incompleta.
E aí, ela radicalizou: pediu a quebra de sigilo de todas as contas CC-5 do País. Sugiro ao
leitor uma visita ao Google para entender melhor essas tais contas.
A PF descobriu que o dinheiro passava por Nova Iorque (EUA), uma roubalheira que
apesar de gigante, seria apenas a ponta de um iceberg. Entre os suspeitos estavam
empresas financiadoras de campanha, alto empresariado em geral e membros da alta cúpula
do governo brasileiro da era Fernando Henrique Cardoso.
O rombo era tamanho que os promotores americanos, abismados com o volume de
dinheiro que havia transitado por aquela cidade, quebraram sigilo bancário em Nova
Iorque. A equipe da PF foi reconhecida e ganhou a simpatia até do enfadonho e burocrático
Banco Central (EUA), além da FBI (Polícia federal americana).
O mecanismo descoberto era e é um traçado muito bem articulado, de forma que os
verdadeiros nomes dos titulares não possam aparecer. Desse modo, num passe-repasse,
plataformas financeiras e coisa e tal, os trabalhos para ocultação envolvem ou envolveriam
até cinco camadas ocultadoras.
Com esse grau de sofisticação, investigar seria percorrer o complexo caminho inverso,
mergulhar nas tais camadas, até que se chegar aos verdadeiros titulares do dinheiro.
Estava tudo tão bom e tão bem protegido, que a prática consolidou-se, e como
a corrupção no País é endógena, além de “lubrificar economias” (a Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE que o diga!) as ratuínas foram abrindo
a guarda. Com impunidade garantida, alguns grandes nomes relaxaram e apareceram por
descuido.
Haja descuido! Surgiu até um óbvio – “Tucano” e um aleatório “Serra”. Tão óbvio que deixou
perplexo não só o delegado que coordenava o trabalho, mas também os procuradores. Mero ato
falho e primário, em tempos de abertura de guarda, de “engavetadores gerais da
República”. Tempos de gente honrada e das panelas silenciosas, da dita “grande mídia”
calada, dos arautos da moralidade hodierna.
Há uma entrevista no Youtube com o delegado federal José Castilho Neto, coordenador da
Operação Macuco. Sem fulanizar ou partidarizar, ele reclama da oportunidade aberta e
perdida, naquela época, para o enfrentamento da banda podre, seja da política, seja do
empresariado. O Cônsul do Brasil, que trabalhava em Nova Iorque, teria dito para as
autoridades americanas que a cabeça do delegado Castilho “estava a prêmio”. Só não
disse quem seria o pagador, se os protegidos ou os protetores.
Castilho foi afastado. E o leitor a essa altura deve estar se perguntando: por que esse
saudosismo tanto tempo depois?
Primeiramente para lembrar que a podridão de antes não inocenta ninguém. Mas serve pra
provar a hipocrisia dos que hoje posam como arautos da moralidade. Mostra o cinismo dos
paneleiros e demonstra com cristalina clareza a postura golpista da dita “grande imprensa”.
Leia também:
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Em segundo lugar, para não ter que retornar aos tempos do Brasil Colônia ou da mordaça
da ditadura militar, eu simplesmente gostaria de reafirmar que esse caso escabroso, narrado
lá em cima, ocorreu na era do impoluto Fernando Henrique Cardoso. Sabe qual emissora de
televisão de maior audiência? TV Globo. Sabem quem era o doleiro? Alberto Youssef.
Sabem quem era o juiz? Sérgio Moro.

19/11/2014 00:00 - Copyleft

O Caso Banestado, a Petrobras e o feitiço


do tempo
A Lava Jato tem ligação com o Caso Banestado mais do que se possa imaginar. Caso se
tivesse ido até as últimas consequências, a situação poderia ser outra.

Iriny Lopes
“Foi o maior roubo de dinheiro público que eu já vi”. A declaração do deputado
federal oposicionista Fernando Francischini, do PSDB, não é sobre a Petrobras,
ou o que a mídia convencionou chamar de Mensalão, mas sobre o Escândalo do
Banestado (Banco do Estado do Paraná). O Banestado, por meio de contas CC5,
facilitou a evasão de divisas do Brasil para paraísos fiscais, entre 1996 e 2002, na
ordem de R$ 150 bilhões. O caso se transformou em na CPMI do Banestado, em
2003, da qual fui integrante em meu primeiro mandato.

Foi uma longa investigação que resultou no relatório final com pedidos de
indiciamento de 91 pessoas pelo envio irregular de dinheiro a paraísos fiscais,
dentre eles o ex-presidente do Banco Central do governo FHC, Gustavo Franco, o
ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, Ricardo Sérgio de Oliveira, que foi
arrecadador de fundos para campanhas de FHC e José Serra, funcionários do
Banestado, doleiros e empresários.

Na época da CPMI, o presidente da comissão, o então senador tucano Antero


Paes de Barros, encerrou os trabalhos da CPMI antes que o relatório fosse
apresentado. O motivo principal era poupar seus pares, sobretudo Gustavo
Franco e Ricardo Sérgio de Oliveira. A ação do PSDB para soterrar o relatório
tinha como objetivo impedir que a sociedade tomasse conhecimento de um amplo
esquema de desvios de recursos públicos, sobretudo vindos das privatizações do
período FHC, para contas em paraísos fiscais. A história que não saiu na mídia
está contada no livro “A Privataria Tucana”, de Amaury Ribeiro Jr., lançado em
2011.

O desfecho das investigações levadas adiante pela Polícia Federal e mesmo de


parte do Ministério Público Federal morreu na praia. Algumas pessoas, é verdade,
foram condenadas, mas só laranjas, gente muito pequena perto do enorme
esquema de corrupção.

O enredo do Banestado parece semelhante ao caso Petrobras, mas tem uma


diferença: neste momento há uma determinação da presidenta Dilma em não
deixar “pedra sobre pedra” sobre o caso da petrolífera, algo que não aconteceu no
governo FHC - o Procurador da República na gestão tucana, Geraldo Brindeiro,
mesmo sabendo dos malfeitos desde 1998, só decidiu pela abertura de processo
quando estava de saída, no apagar das luzes da gestão tucana e pressionado pela
abertura de uma CPMI.

A importância de o governo federal demonstrar empenho para que tudo fique


esclarecido é determinante para se erradicar um mecanismo perverso de desvios
de dinheiro público, de relações entre a iniciativa privada e o universo político e
que determina, inclusive o perfil dos eleitos, principalmente no Congresso
Nacional.

A Operação Lava Jato tem ligação com o Caso Banestado mais do que se possa
imaginar. Se no caso Banestado se tivesse ido até as últimas consequências,
provavelmente estaríamos hoje em outro patamar. As condenações necessárias a
políticos, grandes empresários e doleiros, teria evitado a dilapidação de recursos
públicos em todas as instâncias. A impunidade amplia os limites de corruptos e
corruptores. Basta lembrar do esquema de licitação fraudulenta dos metrôs e
trens de São Paulo, que atravessou mais de uma década de governos do PSDB, e a
ausência de investigação e punição para entender do que estamos falando.

Os personagens do enredo da Lava Jato remetem, não por acaso, a muitos do


Banestado, inclusive Alberto Youssef, que conseguiu não responder pelos crimes
de corrupção ativa e de participação em gestão fraudulenta de instituição
financeira (Banestado), por acordo, com MPF de delação premiada, em 2004.

Youssef entregou o que quis e continuou sua vida criminal sem ser incomodado
até este ano, quando o juiz federal Sérgio Fernando Moro, responsável pelas
prisões da Operação Lava Jato – este também outro personagem coincidente com
Banestado, resolveu que o doleiro cumpriria quatro anos e quatro meses de
cadeia, por uma sentença transitada em julgado.

“Após a quebra do acordo de delação premiada, este Juízo decretou, a pedido do


MPF, a prisão preventiva de Alberto Youssef em decisão de 23/05/2014 no
processo 2009.7000019131-5 (decisão de 23/05/2014 naqueles autos, cópia no
evento 1, auto2)”, diz o despacho de Sergio Moro, datado de 17 de setembro deste
ano. (ver mais
em http://jornalggn.com.br/sites/default/files/documentos/acao_penal_no_5035707_sentenca_yo
ussef.pdf).

Além de Youssef, do juiz Sérgio Moro, as operações de investigação do Banestado


e da Lava Jato tem como lugar comum o Paraná. Apesar do Banestado ter sido
privatizado, Youssef e outros encontraram caminhos que drenaram recursos
públicos para paraísos fiscais a partir de lá.

Se no caso Banestado foram remetidos R$ 150 bilhões de recursos públicos


adquiridos nas privatizações da era FHC para contas fantasmas em paraísos
fiscais, na Petrobrás a estimativa da Polícia Federal até o momento é que tenham
sido desviados R$ 10 bilhões.
Importante ressaltar que pouco importa os valores. A verdade é que estamos
pagando uma conta do passado, em que parte das instituições fez corpo mole e
deixou crimes dessa natureza prescreverem. Essa omissão (deliberada ou não)
nos trouxe até aqui. Não por acaso, Alberto Youssef está de novo em cena. Sua
punição no caso Banestado foi extinta em 2004 e quando revogada, neste ano, foi
apenas para que MPF e Judiciário não passassem recibo de seus erros anteriores.
Deram um benefício a alguém que mentiu e continuou sua trajetória criminosa.

Por isso tudo é admirável a disposição da presidenta Dilma, em encarar um


esquema que mistura grandes empresários multinacionais, políticos e criminosos
de porte. Afinal, que ninguém se iluda: numa dessas pontas tem o narcotráfico, o
tráfico internacional de armas e toda ordem de ilícitos que se alimenta e
retroalimenta a lavagem de dinheiro.

Dito isso, acho importante destacar o que é fundamental ser feito a partir da
Operação Lava Jato:

1- Apoiar todas as ações que visam investigar, julgar e condenar corruptos e


corruptores;

2- Constatar que as investigações comprovam que o financiamento empresarial


das campanhas eleitorais, supostamente baseado em doações de empresas
privadas, na verdade está apoiada, ao menos parcialmente, em desvio de recursos
públicos;

3- Que portanto, para além de atos criminosos, estamos diante de um mecanismo


sistêmico que corrompe cotidianamente as liberdades democráticas, pois no lugar
do voto cidadão o financiamento privado reintroduz de fato o voto censitário;

4- Que este é mais um motivo para apoiarmos a reforma política, especialmente a


proibição de todo e qualquer financiamento empresarial;

5- Por fim, conclamar os funcionários das empresas corruptoras a virem a público


contar o que sabem, para que se possa colaborar com a Justiça. E vigiar para que
as instituições envolvidas não se deixem manipular, no processo de investigação e
julgamento, pelos mesmos interesses políticos e empresariais que se faz
necessário punir.

Todo o Brasil sabe, afinal, que a corrupção institucionalizada esteve presente na


história do Brasil, nos períodos democráticos e especialmente nos períodos
ditatoriais. O desafio proposto pela presidenta Dilma, de não deixar “pedra sobre
pedra” é imenso e depende das instituições cumprirem o seu dever.

O que Dilma quer, o que eu quero e toda a sociedade brasileira deseja é não ver a
repetição dessa história e seus velhos personagens livres para reprisar o mesmo
roteiro policial. Concordo com a frase do deputado oposicionista Francischini,
que o Banestado foi o maior escândalo de corrupção de que se teve notícia no
país.

Portanto, tenhamos memória e que ela não seja seletiva e nem refém do feitiço do
tempo.

(*) Deputada federal (PT/ES)

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