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um livro de Furtado é um se arrincoam as ditas ciências”; e o re-
R grande desafio, ainda mais o livro sultado são páginas escritas a partir dos
em questão. Dada a riqueza e a profun- diálogos que “mantemos incessante-
didade das discussões que propõe, certa- mente com as sombras que entrevemos”
mente cada leitor faria um recorte dife- (p.33).
rente com toda a propriedade. Furtado Esta é uma nova edição do livro escri-
é um autor que, cada vez que relemos, to em 1978. Apesar do seu óbvio valor
percebemos elementos que não tínha- histórico, o que o torna fundamental é
mos em conta antes. a atualidade das discussões. É uma obra
Criatividade e dependência da civili- essencial de Celso Furtado, republicada
zação industrial, como outros livros de exatamente em um momento em que a
Furtado, é uma obra nascida da alma do questão do desenvolvimento volta ao de-
autor, escrita com paixão e profundida- bate acadêmico e político diante da crise
de, surgida da necessidade de refletir e das políticas liberalizantes levadas a cabo
buscar respostas para o problema do de- ao longo dos anos 1990, crise essa con-
senvolvimento em economias periféricas. cretamente sentida nos mercados finan-
Trata-se de um trabalho reflexivo que ceiros norte-americanos e mundiais. Sua
envolve toda a complexidade e a contra- atualidade também se manifesta pelo fra-
dição presentes no tema, passando da casso das mesmas políticas em promover
razão instrumental civilizatória de Kant o desenvolvimento da América Latina.
à angústia de Nietzsche ante um mun- Torna-se um livro ainda mais funda-
do que “subordina os fins aos meios” mental diante do aparente sucesso da “via
(p.202-3). chinesa”, que constituiu uma estratégia
Furtado se pergunta – talvez vagando de construção do que Furtado chama
com um “andar sozinho, de vagabun- “civilização industrial” como nação so-
dear como um lobo solitário...” (Furta- berana, possibilidade que já apontou no
do, 1992, p.22), como um Jean-Jacques livro. Discute a já então conhecida estra-
Rousseau, refletindo nas ruas de Paris – tégia japonesa de desenvolvimento que
o que impedia as economias periféricas elevou o país ao rol dos desenvolvidos e,
latino-americanas de se desenvolverem como sabemos, constituiu o pólo hege-
plenamente. Como aponta no prefácio, mônico oriental do capitalismo mundial,
“O fio condutor é a perplexidade do au- lugar hoje disputado pela China. Assim,
tor em face do mundo de sombras que tem muito a contribuir com a discussão
contorna as minúsculas clareiras em que atual.
Notas
1 Cf. Furtado (2000), que agrega ensaios
escritos entre 1952 e 1966.
2 Cf. Furtado (1978), que agrega ensaios
escritos entre 1964 e 1968; e Furtado
(1996), com ensaios escritos entre 1972
e 1974 nos Estados Unidos.
3 Talvez, tudo o que a China esteja bus-
cando fazer.
Referências bibliográficas
FURTADO, C. A hegemonia dos Estados
Unidos e o subdesenvolvimento da América
Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 1978.
_______. Os ares do mundo. São Paulo: Paz
e Terra, 1992.
_______. O mito do desenvolvimento econô-
mico. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
_______. Teoria política do desenvolvimento
econômico. São Paulo: Paz e Terra, 2000.