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ASPECTOS DA REGÊNCIA
A arte da regência é uma ciência como qualquer outra, utilizada como um meio
de fazer arte, no entanto a esta arte são impostas implicações técnicas que
devem ser desvendadas e dominadas por todos os candidatos a regentes, não
importa que tipo de grupo se predispõe a dirigir. Não há diferença no dirigir um
coro, orquestra ou banda. A técnica do dirigir é igual para todos os tipos de
grupo, o que muda são os conhecimentos específicos de cada um.
O que é a regência? Segundo o maestro Roberto Duarte, dirigir é muito mais
que abanar os braços. É acima de tudo saber se relacionar com as pessoas. È
lembrar que do outro lado de uma estante de música encontra-se um ser
humano, que tem alegrias, tristezas, preocupações e problemas como todos,
inclusive o maestro, e que ele deve ser tratado com respeito. O ato de dirigir
engloba diversos conhecimentos importantes, como o conhecimento do
relacionamento humano, o domínio dos conhecimentos gerais, o domínio dos
conhecimentos musicais em geral, o domínio dos conhecimentos específicos
da regência e por último o domínio da técnica do gesto. Nenhum destes
conhecimentos isolados desempenham sua função dentro do “ser um regente”,
mas só a soma do conjunto destes conhecimentos vai contribuir para que o
regente se torne um bom regente.
O maestro Duarte sugere (os valores apresentados nas porcentagens são
fictícios, mas servem como sugestão para a reflexão que se pretende) o
seguinte:
• 2 % - Gestual
• 3 % - Conhecimentos específicos da regência
• 15 % - Conhecimentos musicais
• 20% - Conhecimentos gerais
• 60 % - Conhecimento do relacionamento humano
Isto quer dizer que o gesto encontra-se no alto da pirâmide da arte da regência,
mas que para que ele aconteça é necessário que na base da pirâmide haja os
demais conhecimentos.
Aspectos da Regência
a) Poder
A autoridade do maestro frente ao grupo de trabalho pode ser resumida em
dois aspectos:
· autoridade pessoal
· autoridade técnica
Na regência, a autoridade é o substractum de sua arte, e é como se fosse parte
integrante da natureza das coisas, sendo lastreada pelo conhecimento,
experiência e competência do maestro. Na atividade humana, raras vezes o
poder de um único indivíduo se mostra tão evidente nas exigências de
obediência e lealdade. O gestual do maestro é dominador e sua imagem
exprime suas intenções e expressões que devem ser seguidas. Exercer a
atividade da regência, pressupõe ter virtudes de liderança, poder de
comunicação, precisão técnica e senso de autoridade.
O regente moderno não tem mais a ascendência autoritária como Karajan, que
era chamado de Pontifex Maximus, que usava de mão de ferro para dirigir seus
músicos. Hoje o “maestro sugere, não impõe sua vontade”. Bernard Haitink.
b) Memória
A memória é a possibilidade do indivíduo de disponibilizar conhecimentos
adquiridos sem o auxílio de referências escritas.
Nesse sentido a memorização, segundo a psicologia, passa por três etapas
principais:
a. a aquisição do conhecimento
b. tratamento da informação
c. a lembrança, quando a informação é transferida para o momento do uso.
O maestro Von Bülow sempre dirigia de memória e exigia que seus músicos o
fizessem. Ele sempre afirmava que:
“mais vale a pena ter a partitura na cabeça, que ter a cabeça na partitura”.
Quando o uso da partitura for necessário, deve ser utilizada somente como
apoio para eventuais consultas durante a execução.
c) Percepção
A percepção do músico de um conjunto instrumental ou vocal, que está sempre
em estado receptivo é bem complexa, determinada pela associação do senso
de acuidade visual, estabelecida por sinais gerados pela fisionomia, gestual e
atitudes do maestro, somados à percepção auditiva do coletivo, sem deixar de
lado as informações da partitura, que este transformará em linguagem musical,
na elaboração do senso musical coletivo.
d) Domínio da partitura
O estudo de uma partitura começa muito antes do primeiro ensaio. Os
principais objetivos que o regente deve observar quando do estudo de uma
partitura é a compreensão do caráter da obra, seu estilo, forma, técnica e
meios de expressão. Cabe ao maestro conhecer os conteúdos temáticos,
harmônicos, contrapontísticos, rítmicos e instrumentais da musica. Este estudo
detalhado do contexto leva o regente a estabelecer uma visão global da obra
através do que chamamos de “audição interna”, isto é a representação mental
do som. É este processo que permite ao maestro ouvir sem o auxílio de
instrumentos aquilo que, por exemplo Beethoven, escrevia e sentia em si
próprio, sem jamais ter ouvido uma só nota delas externamente. O maestro
deve ter a capacidade de obter pleno domínio da partitura, sendo capaz de
recriar a imagem sonora. A audição interna deve ser tão perfeita quanto terá o
próprio compositor ao escrevê-la.
Um outro ponto a ser estudado é o detalhamento do gestual, sinais de
expressão, como esses sinais devem ser realizados, como traduzir os
significados da obra através da mímica, com gestos simples, claros e
eficientes. O gestual deve resultar da capacidade de traduzir a representação
mental da audição interna da obra. Quando isso não acontece, o maestro
passará a ser um “metrônomo gigante”, um marcador de compassos,
abdicando assim de sua função de maestro.
“A obra musical deverá amadurecer em nós até que se torne parte de nós mesmos”. Karajan.
Uma obra, mesmo executada diversas vezes pelo maestro, esta deveria ser
estudada a cada exibição, pois somente dessa forma o processo de
aperfeiçoamento e maturidade musical da obra se concretiza na memória do
maestro. Este estudo permanente sempre revela algum novo elemento.
Hoje em dia com a facilidade dos recursos tecnológicos, é comum ver maestros
copiarem o que os outros fazem, ou melhor, dependem de uma gravação para
poder realizar seu estudo musical, refletindo a imaturidade ou pior, a falta de
conhecimentos musicais necessários para ocupar a função de maestro.
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e) Batuta
Usar ou não usar? Eis a questão! Muitos maestros não concebem a direção de
um grupo instrumental ou vocal sem o auxílio de uma batuta. Para que serve a
batuta?
A batuta foi utilizada pela primeira vez provavelmente por Louis Spohr (1784-
1859), por volta de 1820, substituindo o barulhento e antimusical bastão que
era utilizado nos séculos XVII e XVIII pela chamado marcador de compasso.
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Às vezes, as duas mãos podem variar de funções ou até mesmo uma mão
servir de espelho para outra, como numa passagem difícil ou que assim o exige
a partitura. As mãos devem ser movimentadas de maneiras independentes,
obedecendo a uma coerência e de forma integrada. A utilização de gestos
simétricos nos dois braços, pode provocar confusão visual para os músicos,
criando duas referências.
Toscanini sempre comentava com seus músicos que não olhassem a mão
direita e sim a mão esquerda, porque ela realmente é a mais importante.
Alguns maestros não gostam de utilizar a batuta, um dos primeiros a dirigir uma
orquestra sem a batuta foi o maestro russo Vassily Safonoff (1852-1918). Outro
maestro que se destacou também pela abstinência do uso da batuta foi o
maestro russo Leopold Stokowski (1882-1977). Já o maestro italiano Arturo
Toscanini (1867-1957) não dispensava a batuta, pois achava que suas mãos
não eram suficientemente expressivas. Vários maestros acham que a batuta é
um economizador de energia, outros acham que a batuta é uma necessidade
expressiva, dá maior precisão á marcação de compassos, enquanto para
outros a batuta inibe a expressão da mão, é um complicador, é um objeto que
precisa ficar na mão o tempo todo, e alguns também acham que não há
necessidade de um prolongamento ótico. Alguns maestros utilizam a batuta
para movimentos de precisão rítmica e movimentos rápidos, já nos movimentos
lentos preferem a utilização das mãos por ser muito mais expressivo. Os
regentes antigos achavam que a batuta era um símbolo de poder e domínio.
A batuta deve ser utilizada como ferramenta, deixando que a mão esquerda
seja mais comunicativa, caso deseje não utilizar a batuta, utilize as mãos com
critérios, precisão, sinais objetivos, claros e sempre comunicativas.
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g) Gestual
Para o público em geral, uma questão torna-se evidente: como o músico
aprende as informações resultantes do gesto? Como eles podem tocar suas
partes, traduzindo a leitura para o som do seu instrumento e ao mesmo tempo
seguir as informações geradas pelo gestual das duas mãos do maestro?
“Quando o maestro não faz nada no gesto, deixa que cada um toque o que deseja. Os músicos
estão abandonados à sua sorte... Os braços são o centro da vida emotiva do homem como ser,
o centro de nossa fala como maestro, é o centro eufônico. Por isso o gesto deve sempre
convergir para o centro, ao nos afastarmos desse centro, não podemos fazer música... O que
eu faço na mão pode afetar o resultado sonoro que desejo obter .” Sergius Celebidache.
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tórax para poder desfechar golpes com maior poderio de impacto. O gestual pode ter grande
força. Quando os instrumentos de arco, exemplo os violinistas tocam perto da ponte, imprimem
mais força e poderio sonoro, se fechando sobre o instrumento. É exaustivo, e deverá ser
assim. Nos movimentos enérgicos, quanto mais claro o gesto, mais claro os músicos
entenderão suas intenções.
Tudo o que se fizer com as mãos, braços, olhos e corpo, deve sugerir o que vai e está dizendo,
pensar a cada momento da música e tentar passar o máximo de informações com o máximo de
concentração”.
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h) Ensaios
São seções de trabalho que precedem a uma apresentação, neles, o maestro e
os instrumentistas definem o espírito da execução, da interpretação da obra
musical.
É no ensaio que a partitura é destrinchada, analisada nos seus mínimos
detalhes e cabe ao maestro orientar os músicos a fim de atingir o máximo de
perfeição na apresentação.
Cabe ao maestro dividir a partitura em blocos para poder trabalhar por partes.
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b. Precisão Rítmica
c. Estudo: estudar a obra por sessões. Os trechos de maior dificuldade técnica
em cada naipe, devem ser passados e repassados, não desistindo até que a
passagem esteja de acordo com as intenções do maestro. Observar as
estruturas, estilos e os diversos planos sonoros, levando em conta as
características sonoras peculiares de cada instrumento e da obra. Nos
instrumentos de cordas, cada um deles possui características próprias. Por
exemplo, os contrabaixos são instrumentos mais lentos e as cordas graves não
possuem grande brilhantismo, comparando com as cordas mais agudas. Com
relação à precisão de ataques, cada instrumento tem características
específicas que pode ser influenciada pela respiração. O gestual influencia no
tipo de ataque.
d. Arcadas e articulações: em parceria com os chefes de naipe e o spalla
definir as arcadas e as articulações não indicadas na partitura. Estabelecer
acentos, articulações, tensões e dinâmicas, mudanças de andamentos.
e. Obter o melhor equilíbrio e melhor qualidade timbrística de cada instrumento
ou naipe.
f. Determinar a quantidade ideal de instrumentistas, observando as
características da obra, estilos, compositor e período inerentes à obra.
g. Observar o fluxo do tecido musical, estabelecendo o melhor fraseado;
estabelecer a escala de intensidades e expressões para manter uma coerência
no equilíbrio da execução musical; cuidar para que a interpretação não altere o
caráter da obra, entre outras; controlar as mudanças e variações de
andamento, como rallentandos e accelerandos.
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O maestro deve ser flexível ás opiniões dos músicos, sempre atento a novas
possibilidades, anotando-as na própria partitura. O maestro Stokowsky, é um
dos maestros que utilizava dessa técnica. Ele oferecia opções mas também
aceitava sugestões, e quando esta funcionava, anotava esta opção em sua
partitura para poder utilizá-la numa outra oportunidade.