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A AVALIACAO DAESCOLA E A AVALIACAO NA ESCOLA MARLIE. D. A. ANDRE da Faculdade de Educagao/USP Grande parte dos estudos que focalizam a questéo da avaliagao ou 0 fazem do ponto de vista de como ela ocorre, (ou deveria ocorrer, nas situacées de sala de aula, ou a enfocam numa perspectiva bastante ampla, de julgamento do mérito de um programa, de um currfculo ou de uma inovagéo. Tanto uma dimenséo quanto a outra nos pare- ‘com importantes, j4 que ambas tém decorréncias diretas 10 tipo de ensino, logo nos resultados, da aprendizagem que encontramos hoje nas escolas. © que me proponho neste trabalho 6 tratar da avalia- {G40 da escola e discutir as suas implicagbes para a avalia- G40 que se realiza na escola, Em primeiro lugar, vou tentar analisar como se organi- 2a usualmente a prética pedagégica na escola para, em ‘seguida, ou ao mesmo tempo, indicar os reflexos desta forma de organizacao no trabalho que 6 realizado na sala de aula. Ao conclu, procurarei apontar algumas transfor- ‘mages que julgo necessérias para que a prética docente possa ser redimensionada no sentido do atendimento as necessidades da maioria dos alunos e, em conseqiéncia, ‘a avaliagdo escolar venha a ser repensada, tornando-se ‘mais justa e mais democrética, A.ORGANIZAGAO DO TRABALHO ESCOLARE A DINAMICA DE SALA DE AULA Aeestrutura que usualmente predomina nas escolas 6 a de lum poder centralizador que 6 exercido, via de regra, pelo diretor da unidade ou por um seu auxiliar direto, Deste emanam as decisées sobre como deve se organizar a Prética pedagdgica, o que inclul desde o estabslecimento das normas @ das regras de funcionamento da escola até ‘as formas de relacionamento com os professores e com os pais, 0 uso do material didético, 0 tratamento dos alunos, {as formas de contafo com os 6rgéos da Secretaria de Educagao ote. Estas normas séo em geral comunicadas aos profes- ‘sores @ alunos @ até mesmo aos pais, mas no sofrem qualquer processo de discussao, de andlise ou de reflexao, ‘Acabam, entéo, sendo seguidas indefinidamente como re- 68 gras imutéveis, 0 que vai redundar em relagées @ ages burocratizadas, repetitivas, cristalzadas, Esta estrutura centralizadora impermedvel tende a se reproduzir exetamente na forma como é organizado 0 ensi no na sala de aula, O professor determina desde a disposi {G40 fisica dos alunos na classe até 0 uso do tempo de aula, a seqiléncia das atividades, o direito a fala, assim como aquilo que ele vai ou néo ensinar @ o que vai ou nao fazer parte da avaliagao. Detentor de um saber pronto, definiivo € inquestiondvel, ele vai aprovar ou reprovar seus alunos levando em conta a capacidade destes de reproduzir ou do esse saber. (© que aprendem os alunos nesta situagao, além das verdades imutéveis que Ihes so transferidas? Aprendem que © conhecimento existe independente @ externamente 20 sujelto, que os que possuem este saber automati- ccamente adquirem o poder de decisao sobre o que ecomo aquele saber pode ser usado, que as relages escolares ‘so (ou devem ser) unilaterais, que para ter boas notas ‘deve repetir 0 que leram ou ouviram, e assim por diante sso porque a escola néo transmite apenas contetidos, mas também modos de ver @ de sentir o mundo, a realidade © conhecimento. Assim hd que se pensar muto seriamente em ‘como se quer estruturar 0 trabalho pedag6gico na escola, Porque seu Impacto na qualiicacao do professor e na quall- ‘dade do ensino em sala de aua 6 inquestiondvel Outro ponto ainda dentro da questéo de como se organiza a agéo pedagdgica na escola diz respeito a fata de definiggo de uma diretriz geral para o trabalho escolar. Quando existe o pianejarnento, este em geral se transforma numa tarefa burocrética, repetiva, de cumprimento de or- dens vindas de cima para baixo, apenas para,satisfazer as ‘aparéncias, Perde-se com isto uma oportunidade extrema- mente valiosa de construir uma linha de trabalho comum, fem que fiquem definidos os fins que se pretendem aleancar com a educagdo escolar @ os melos necessérios para que ‘esses fins sejam realmente atingidos. Se esse momento do 6 aproveitado para uma reflexdo conjunta sobre os ropésitos da pratica educativa, 6 muito provavel que tam- 'bém néo sejam encontrados espagos e tempos no cotidia- no'escolar para se avaliar essa pratica, para analisar 0 que A avaliagéo da escola... {0 realizado © 0 que deixou de ser feito @ aquilo que ainda falta realizar © valor destes encontros para um pensar coletivo $o- bre a prética educativa escolar 6 fundamental, se quiser- ‘mos transformar essa prética no sentido de um maior com- prometimento de todos nela envolvides, No entanto, o ‘estar juntos apenas nao & suficiente. E preciso que haja um projeto comum, a definiggo de um caminho teérico e dos modos de caminhar, para que possam ser estabelecidos crfitérios para o repensar do trabalho pedagégico, para a avaliagéo escolar A inexisténcia de uma diretie te6rica ou uma linha de ‘agéo comum, que possibilte a coordenagéo do esforgo oletivo, tem como conseqiéncia mais imediata uma prét- ca escolar marcada pela desarticuiagao, pelo trabalho sol- trio, por um curricuio estruturado em toro de contetidos dispersos, fragmentados. Refletindo essa situagao, a prética escolar na sala de aula envolverd, provavelmente, relacdes verticalizadas, a inexisténcia de trabalhos coletivos, de reflexéo conjunta experitncias de aprendizagem sem qualquer articulacéo. ue tipo de avaliagao serd utilzado neste contexto especi- fico? Nao 6 muito cifcl prever que, nesta situacao, devem prevalecer esquemas mais formais de cobranga, baseados ‘em contetidos isolados, definidos de cima para baixo, priv legiando certos aspectos do comportamento em detrimen- to de outros e com propSsitos meramente classifcatGrios, ‘Ainda muito relacionada & fata de um projeto pedagé- gico (que envolva professores, técnicos, pais e alunos na definigdo das prioridades da ago escolar, que os empe- Nhe nas formas de melhor alcangé-las @ que desenvowva uma sistematica de andlisee retlexo para permitrtazer as Corregées necessérias no rumo seguido) surge a questéo de quem & ou deve ser 0 coordenador desse esforgo Coletivo. No vamos, evidentemente, entrar aqui na discus- 840 do papel do diretor ou do supervisor nem na especitici- dade de suas fung6es, pois seria ir além do objetivo deste trabalho, mas vamos indicar as dificuldades os proble- mas que sugem na sala de aula quando inexiste na escola tum elemento (ou varios) que exerga (ou exergam) a ovien- tacdo pedagégica © que estamos habituados a encontrar, por exemplo na 1® série do 1° grau, 6 um queixa geral das professoras acerca da incapacidade de lidar com os alunos em diferen- tes niveis de aquisicao da escrita. Fala-se muito na utiiza- (40 de atividades diversificadas mas, na prética, observa- Se uma grande dificuldade em planejar e implementar tais atividades. O que acaba acontecendo, nestes casos, é um rivelamento por baixo ou por cima. Ou 0 padréo de ensino se coloca num patamar muito baixo, para que todos pos- sam atingir niveis minimos de aprendizagem, ou sdo esta: belecidos critérios muito elevados, de maneira que s6 uns oucos conseguem alcangé-ios, Isto muitas vezes se dé ‘nao com 0 propésto de prejudicar os alunos, mas na Certeza de estar fazendo 0 melhor, O que falta nestes casos 6, sem duvide, uma orlentagéo, uma ajuda ireta para refle- tir quais as implicagbes de uma ou outra opgao e quais as possiblidades de tratar com o heterogéneo, com o diverso, com o desigual. Evidentemente, isto vai exigr conhecimen: tos espectficos sobre como a crianga aprende, sobre os diferentes estégios de aquisigéo da leltura e da escrita, ‘sobre @ elaboracao Ou 0 uso de materias @ atvidades ce Cad. Pesq. (74) agosto 1990 aprendizagem, sobre as formas diferenciadas de avalia- ¢do, Poderd a professora vencer sozinha todos estes desa- fios? Acredito que nao. Por um lado, porque Ihe falta tempo ppara se ocupar com tudo ¢, por outro, pela formagéo inicial eicitéria que recebeu. E neste espaco @ neste momento que se torna neces- séria a atuago do orlentador pedagégico (que poder ser um pedagogo, um psic6logo, 0 dirator, 0 supervisor), auxi- Jiando os professores a pensar, a refieti de forma ordenada ‘sobre 0 que esto fazendo e dando-thes 0 suporte te6rico €@ técnico necessério para vencer as dificuldades encontra- das em seu dia-a-dia, Este parece ser um dos caminhos para superar as explicagSes simplistas que encontramos requentemente sobre 0 fracasso escolar, bassadas nos mitos da deficiéncia cutural, das dificuldades linguisticas, da desnutriga0, da fata de interesse @ estimulo das familias, das deficiéncias fisicas das criangas, mitos quo tém implica- (G6es diretas na avaliagéo e nos resultados escolares. © QUE FAZER PARA MUDAR? Vamos tentar retomar agora alguns dos pontos crticos lovantados neste trabalho e indicar alternativas em seu ‘encaminhamento. CConsiderando, em primeiro ugar, a estrutura de poder vigente nas escolas, gostariamos de lambrar que ela refleto 2s relagdes de poder dos érgéos decisérios. Se néo hou- ver, antes de tudo, mudanga na forma como estes égos se estruturam @ no modo como passam as suas decisOes para as unidades escolares, qualquer mociicagao na orga rizagdo destas torna-se muito mais diffi Entretanto, vamos partir do principio que a burocratiza- <¢80 dos 6rg80s centrals chegou a ta nivel que sua transfor. magao s6 se daré a parc de um movimento poitico, que exigiré 0 envolvimento de toda a sociedade e que, portan- to, levard ainda muito tempo a ocorrer. Sendo assim, defen- demos aidéia de que ha espaco na insituigao escola para ir construindo uma nova ordem, para que se v4 preperanco este movimento maior. Em primeio lugar, juigamos imprescindivel que se im- plante nas escolas uma sistematica de encontros, de reu- rides, onde professores © coordenadores possam estar analisando conjuntamente seu fazer pedagégico. Como afirma Muramoto (1989, .37), “rabahadores que néo se comunicam horizontalmente, para arefiexdo de sua prdtica profissional, tendem a uma visdo parcial, tun- cada, do processo de trabalho, perdendo a possiblidade de controle sobre esse processo' Por outro lado, diz a mesma autora (p. 99): “professo- res que viver situagbes de trabalho partihadores, co-es- ponsabilizadoras, tavorecedoras da visdo de totaidade, de real paficipagdo, tendem a organizar o trabalho om sala do aula, com 0s alunos, em moldes andlogos". Concordando com a autora, acreditamos que estes espagos de reflexdo coletiva podem ser utiizados para acompanhamento, avaiagéo e reformulagao do process de ensino e aprendizagem, visando seu aprimoramento. A avaliagdo que ocorre- estas. condigdes tem uma fungo essencialmente formativa, de melhor, de aperteigoamen- to da pratica escolar, E Justamente nestes encontros que pode ter inicio @ construgéo de um projeto pedagégico comum. Isso val exigir,primeiro, uma clareza sobre a direcéo da tarefa edu- cativa, ou seja, uma definicdo dos fins a serem alcangados com a escolarizacao em geral e com cada area de conhe- cimento em panicular, Concomiantemente a estas defini 7696, vao ter qua sor explictadas as concep¢des de ensino 6 de aprencizagem que estaréo orlentando trabalho de ‘sala de aula, o que, por sua vez, val exigi a opG80 por uma determinada perspectiva de conhecimento, fundamentada em uma viséo de homem, de mundo, de realidade, de sociedade, de cultura e de educagao. ‘Ao mesmo tempo em que vao sendo estabelecidas as iretrizes gerais da pratica pedagogica escolar, vao tam- bbém sendo delineados os modos de organizacéo desta prética, para o que pode concorrer muito favoravelments a Pr6pria experiéncia de trabalho conjunto. Se, por um lado, este favorece um comprometimento com a tarefa que 6 dfinida. em comum, por outro lado permite um aprender a pensar e a agir em conjunto, tomando mais vidvel a utliza- Gao desta mesma dindmica nas situagées de sala de aula, Detendemos esta forma de organizagéo do trabalho escolar por que acreditamos que 6 pelo didlogo, pela co- municagao horizontal enire professores @ deles com os alunos, em um processo de reflexdo conjunta, de andlise ciica da prética pedagégica © de sua superagéo constan- te, que poderd ser elaborado um novo saber pedagégico, votado & transtormagao social, a0 atendimento da maioria a populagao. Esse processo de comunicagéo, baseado no diélogo, na reftexdo conjunta, no delineamento de aivos comuns, 36 ‘80 torna realmente efetivo pela mediago da teoria, isto 6, pela apropriagao dos conhecimentos jd elaborados social ® historicamente, que possibiltam um distanciamento da prética imediata para entender suas relagdes com a pratica social total, condigso imprescindivel para a elaboragéo de novos conhecimentos, para a andlise crtica de cada alter- nativa possivel No coletivo dos professores, esta mediagéo 6 funda- ‘mental, pois vai permit ir além do imediatismo, do aparen- 1, das explicagdes preconceltuosas esterectipadas, para fazer crescer novas mentalidades @ a consciéncia do pos- sivel no real Na sala de aula, @ relago professor-aluno 6 mediada pelos conhecimentos a serem transmitidos. O que se tora ecessério, entéo, 6 que o professor domine estes conhe- cimentos, assim como a metodologia de sua elaboracéo, para que possa exercer seu papel mediador, possibiitando 2208 alunos tomarem consciéncia de sua condigéo de sujal- 10s, herdeiros dos conhecimentos dos quais Véo 88 apro- priando, e responsaveis por seu avango histérico. © que ocorre, via de regra, 6 que 0 professor ndo esté preparado para desempenhar esse papel na sala de aula, evido & formago defictéria que recebeu, que nem he propiciou 0 acesso aos conhecimentos necessérios a0 dominio do componente curricular que leciona, nem Ihe deu oportunidade de desenvolver sua condigao de sujelto, produtor desses conhecimentos © responsével por seu avango. Dafa importéncia de conquistar einsttuir um hord- rio de trabalho comum nas escolas, onde os professores ossam estar buscando juntos as formas de superar as deficiéncies da propria formacao profissional, se possivel com a coordenagéo de alguém pertencente ao proprio ‘grupo, ou mesmo da hierarquia escolar, O que importa 6 ue se instaure na escola um processo de reflexo sobre a Pratica pedagégica, de problematizagéo dessa pratica, de Compreenséo de suas relagdes com a prética social global, culminando na construgéo de um projeto comum, que servird como diretriz para a avaliagéo @ a reformulagao constante do trabalho escolar REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS MURAMOTO, H. M.S. Supervisio da escola piblca e transforma: (0 social, Séo Paulo, 1989, Dissert. (mestr) FE/USP. 70 Aavallagto da escola

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