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A ESCRITA NARRATIVA COMO POSSIBILIDADE DE PRODUÇÃO DE

CONHECIMENTO NO COTIDIANO DA ESCOLA

Admir Soares de Almeida Júnior


Deise Renata Gonzales Agnani
Elisabete Rampini
Érica S. Moreira Ferreira
Gisane Márcia Carvalho Dinnouti
Leila Barbosa Oliveira
Luísa Dias Brito
Regiane
Sibele

Puxar os fios. Ligar os pontos. Desatar os nós. Montar uma trama: com palavras, idéias,
histórias, imagens, pensamentos. Tecer um texto. Um movimento que resgata a origem etimológica
da palavra “texto”1 - que deriva do verbo tecer2. A experiência de produção do presente texto, em
especial, é, em si mesma, um desafio de tessitura da escrita: unir fios de diferentes origens para
tecer uma única trama. Foi assim que um grupo formado por nove pessoas - com suas experiências,
interesses, histórias e matizes – começou a se organizar em torno de dois temas: a narrativa e seu
potencial para a produção de conhecimento no cotidiano escolar.
Começamos observando os nossos pontos em comum: somos professores e
pesquisadores. Ainda assim, como nossos interesses de pesquisa são diferentes, tentamos encontrar
os pontos em comum para a produção do texto, isto é, encontrar o fio da meada. As primeiras
questões levantadas foram as seguintes:

• Qual a relação da nossa narrativa de professor com nossos trabalhos de pesquisa?


• O que essa relação traz para nós do cotidiano escolar?
• Por que precisamos ouvir o outro da Educação (professor / aluno) e o que isso nos
provoca?
- Por que escutar o outro?
- Por que quero escutar o outro?
- Por que essa escolha?
- Qual a minha necessidade de ouvir o outro na pesquisa?
Pretendemos, com tudo isto, tentar entender que diálogos poderemos fazer entre nossas
narrativas de professora, as narrativas dos autores, as narrativas de pesquisadoras no cotidiano
escolar, tentando encontrar as ligações, os pontos e as laçadas, de como a produção de
conhecimento se faz nesse contexto.
E a partir das leituras pensamos na idéia das imagens que surgiram durante a exposição
das colegas. As imagens mais fortes foram: espelho, fios, arena de lutas, fechadura.
Nosso encontro foi muito potencializador para pensarmos o que ouvir o outro (da
educação) produz em nós. Fizemos muitas reflexões e pensar que no outro existe mundos e como
esses mundos se encontram quando faço pesquisa, na minha profissão, etc....O que nos marca,
marca o outro?

1
TEXTO Etimologia lat. téxtus,us 'narrativa, exposição', do v.lat. téxo,is,xùi,xtum,ère 'tecer, fazer tecido, entrançar,
entrelaçar; construir sobrepondo ou entrelaçando', tb. aplicado às coisas do espírito, 'compor ou organizar o pensamento
em obra escrita ou declamada'; ver text-

2
TECER Etimologia lat. texo,is,ui,tum,ère 'tecer, fazer tecido, entrançar, entrelaçar, construir sobrepondo ou
entrelaçando'; ver text-; f.hist. sXIII teçudo, sXIV tecer, sXIV teçer, sXIV teixer, sXIV texer
Fizemos menção a várias leituras Clarisse Lispector, Foucault, Benjamin (mônadas)
entre outras, foi sugerida uma leitura da Glace Perlim sobre surdos e repensarmos a nossa pergunta,
por que precisamos ouvir o outro, para perceber o outro, sentir o outro...
Foi um ganho as meninas entrarem no nosso grupo porque estamos ampliando nosso
campo de visão no sentido de perceber o mundo do outro e o nosso mundo, das transformações que
podem ocorrer quando "ouvimos" o outro.

I Narrativa:

Através dos encontros no grupo, das leituras de narrativas e das nossas produções,
experimentamos a produção de escritas narrativas. Ainda assim, não temos segurança e convicção
de que haja um conceito formal que delimite o que é narrativa. Não sei se conseguiremos colocar,
mas adensar o que já foi dito por outros, pensado por outros e ressignificado por nós.
Gostaríamos de pensar a narrativa como uma possibilidade de “capturar” movimentos,
encontros, saberes, relações, acontecimentos, experiências tecidas no cotidiano da escola. e como
uma possibilidade de esvaziamentopreenchimentoesvaziamento do currículo.
Assim, para mim até então, a narrativa é a produção oral, escrita ou mesmo imagética que
tem por objetivo inicial contar algo a alguém. Pressupõe, então, a dialética inerente ao discurso: há
quem fala e quem ouve. Há também uma história a ser contada.
A narrativa da qual estamos falando vai além de um mero recurso discursivo. Estamos
falando da produção de um texto como um artefato, algo trabalhado com olhos, mãos, alma. Como
Benjamin diz, em o narrador: uma relação entre o narrador e sua matéria-prima, a vida humana,
transformando em um produto sólido, útil e único. Cito Benjamin (1994):

A antiga coordenação da alma, do olhar e da mão, que transparece nas palavras


de Valéry, é típica do artesão, e é ela que encontramos sempre, onde quer que a
arte de narrar seja praticada. Podemos ir mais longe e perguntar se a relação
entre o narrador e sua matéria - a vida humana - não seria ela própria uma
relação artesanal. Não seria sua tarefa trabalhar a matéria-prima da experiência -
a sua e a dos outros - transformando-a num produto sólido, útil e único? Talvez se
tenha uma noção mais clara desse processo através do provérbio, concebido
como uma espécie de ideograma de uma narrativa. Podemos dizer que os
provérbios são ruínas de antigas narrativas, nas quais a moral da história abraça
um acontecimento, como a hera abraça um muro. (BENJAMIN, 1994)

A idéia de artefato pode ser útil para relacionar as diversas imagens que pensamos, tais
como:

Tecido - trama produzida a partir de fios. Objeto que será usado por
outros.

Tijolo – feito para ser parte de algo maior, só tem função no conjunto
ainda que seja definido por sua unidade.
Procurei o que o próprio professor Guilherme já pensou e disse sobre a narrativa. O que
eu encontrei foi o seguinte:

“Ao narrar, visitamos o passado na tentativa de buscar o presente em que


as histórias se manifestam, trazendo à tona fios, feixes que ficaram
“esquecidos” no tempo. O que buscamos, nesse momento, não é somente
trazer informações sobre a nossa história, mas sim, estimular em todos
que delas se sentem parte integrante, personagens, o despertar de outras
histórias para que se produzam outros sentidos, outras relações, outros
nexos.” (PRADO, SOLIGO p. 53)

O professor e sua busca por se expressar através de narrativas nas palavras do professor
Guilherme:

“Professores, professoras e estudantes são sujeitos da experiência. São


territórios onde as coisas acontecem, atravessam e alcançam.” (p. 23) A
narrativa permite o encontro do professo-autor e professora-autora com
seus pares para compartilharem experiências, saberes e conhecimentos. É
nesse encontro que se dão vários acontecimentos. Que se abre um campo
de possibilidades. Encontro de problematizações. Encontro de movimentos
de pensamento, da reflexão, do questionamento, da ressignificação de
experiências, reelaboração de outras práticas e compreensão da própria
prática docente.”
PRADO, Guilherme do Val Toldedo, DAMASCENO, Ednalice Abreu. Saberes docentes: narrativas em destaque,
Narrativas Docentes – Trajetórias de Trabalhos Pedagógicos, - Campinas, SP: Mercado das Letras, 2007

Por que queremos ouvir o outro e assim produzir narrativas?

-traz o coletivo
“O quanto dessas linhas minhas são fiadas no encontro com outros fios que passam a
compor e a fazer parte dos meus? O quanto que a linha do outro traz consigo partes,
pedaços, fios de tantos outros? O quanto na roca da vida vamos compondo nossos fios
através dos encontros que permitem a mistura e o embaralhamento das meadas?” (Luisa)

“As múltiplas vozes que formaram esse coro da vida, às vezes desafinado, às
vezes sem baixo, às vezes forte, às vezes harmonioso, às vezes silêncioso. Os
ecos dentro de mim mostraram que o outro ou os outros estão aqui dentro.” (Bete)

-encontro com os outros


Olhar para minha trajetória de vida como educadora, é ajustar as inúmeras lentes
que coloquei, transformações aconteceram e acontecem, mas só acontecem no
encontro com o outro. (Bete)
-nos coloca em escuta

-faz falar as vozes silenciadas


“Ouvir outro é deixar a metamorfose acontecer, saímos do casulo, ouvimos as
vozes que são silenciadas todos os dias no cotidiano escolar, ainda com o corpo
mole e as asas amassadas podemos voar.” (Bete)

-narrar-se é constituir-se
“O que tudo isso possibilita que nós sejamos e o que damos conta de ser/de se tornar nas
tramas em que estamos envolvidos?” (Luisa)

“As múltiplas batidas de corações que estão em mim, sons que se misturam
nessa música louca, nessa professora que pesquisa, ou nessa pesquisa que faz a
professora.” (Bete)

-encontro dos papéis pesquisador/professor


“As múltiplas batidas de corações que estão em mim, sons que se misturam
nessa música louca, nessa professora que pesquisa, ou nessa pesquisa que faz a
professora.” (Bete)

“Ouvir me possibilitou um encontro da professora com a pesquisadora ou a pesquisadora


com a professora.” (Bete)

-produz conhecimento que nos faz “deslocar”, ver com outros olhos, refazer
o pensamento, sentir de outro modo, refletir a partir do outro,
“O exercício maior de ser professor é ouvir a palavra do outro ou dos muitos outros,
palavras que se misturam, e, já não sou mais eu, somos nós, as inúmeras pessoas que
compõe o cotidiano escolar.”(Bete)
“Começo pensando nas palavras, palavras de mudam de lugar, palavras que giram palavras
que paralisam palavras que gritam palavras que sussurram palavras que sopram vida.
Quanto ouço a palavra do outro, me refaço, me desfaço.” (Bete)

“Queremos ouvir, pois queremos transformar. Além de nos fazer refletir, nos faz
modificar e buscar o melhor para os envolvidos nesse cotidiano escolar.” (Deise)

-possibilidade de construção curricular


“A vida cotidiana nos traz movimentos de escuta, de fala, acontecimentos, e o que nos
acontece se transforma em experiência, essa nos transforma e refazemos os movimentos,
são ciclos, que traz possibilidades de encontros e desencontros com outros mundos, outras
viagens, viajo...” (Bete)

“o início um estranhamento... O prédio branco, o azul do céu, o chão grafite e O espaço.


Imenso espaço... Tanto vazio... Apenas o prédio branco ao redor, o chão grafite e Aquele
azul. Primeiro dia, segundo dia, terceiro dia, quarto, quinto, sexto... Chegava lá e era como
estar em frente a uma obra de arte: O chão grafite, O prédio branco, e O azul; a composição
faz cada um existir com tanta força! Ficava olhando aquele vazio... imaginei bolas muito
coloridas, das mais pequeninas as mais imensas, subindo e descendo naquele espaço!
Crianças e adultos muito coloridos correndo, brincando, conversando, com balões e fitas
também muito coloridos, bonecos de perna de pau, bolas de sabão pelo ar! Esculturas
grandes, futuristas, orgânicas! Talvez o currículo pudesse ser isso, um espaço vazio! Não
sei o que fazer das paredes brancas ao redor, que delimitam o espaço, talvez pudéssemos
ficar sem elas... Do Azul do céu, acho que esse eu gostaria que estivesse sempre ao alcance
da vista, para me dar a dimensão do infinito e me lembrar da minha pequenez.” (Luisa)

“...os alunos são mais experientes e experiência de vida também é conteúdo.”


(Deise)

-possibilidade de capturar o currículo e o conhecimento produzido no


cotidiano.
“Assim, o professor- pesquisador poderá avaliar melhor sua maneira de agir
dentro da sala de aula, sua maneira de transmitir, suas metodologias, sua
maneira de mediar as discussões de interesse do grupo e, por fim, sua maneira
de transformar e criticar-se.” (Deise)
Se pensarmos que o currículo é um espaço, e um espaço para ser preenchido, pensar no
vazio desse espaço torna-se produtivo. Pensar nos encontros dos currículos prescritivos – que
tentam dar a conhecer com o quê e de que forma preencher o vazio – com os sujeitos que irão
materializá-los e/ou ignorá-los e/ou entrar com eles em luta e/ou acatá-los e/ou questioná-los, nos
traz um cotidiano escolar no qual a luta, o embate e o conflito estão presentes juntamente com a
produção de/pelos sujeitos que nele vivem Mas também em um local no qual saberes próprios são
produzidoslocal que pode ser pensando como sendo uma arena de lutas, um, . Arena de lutas. A
narrativa se mostra como uma possibilidade de construir a história desses encontros, como uma
possibilidade de criar esses embates,
Pista de corrida (Admir)
Em quais locais professores e alunos buscam elementos para preencher esse espaço (o
currículo)? Que encontros se tornam possíveis nesse espaço? Como se dá o preenchimento
do currículo no cotidiano da escola? Que saberes são mobilizados e produzidos na
construção desse artefato? Que sujeitos são produzidos? As narrativas podem nos ajudar a
compor respostas a essas questões.

II. Referências sobre a “EXPERIÊNCIA” E O COTIDIANO ESCOLAR

È na ‘realidade’ da prática pedagógica e do contexto escolar, que a


expressão saberes docentes realmente incorpora o seu sabor, o seu gosto,
o seu sentido. Parafraseando Larrosa (2002) , é lá que as coisas realmente
se passam, acontecem, e as tocam. (PRADO, DAMASCENO, 2007)

“O cotidiano da escola pode ser tomado como um conjunto de


acontecimentos, ele nos coloca em prontidão, na medida em que não
podemos, nunca, exercer absoluto controle sobre os acontecimentos.” (p.
21)
GALLO, Sílvio. Acontecimento e resistência: educação menor no cotidiano da
escola. In Cotidiano Escola – emergência e invenção/ Ana Maria Facciolli de
Camargo e Márcio Mariguella (orgs.) Piracicaba: Jacintha Editores, 2007

“O acontecimento-cotidiano é tudo aquilo que escapa do nosso


planejamento, seja como professores, como gestores do processo
educacional, como funcionários da instituição escolar, seja como pais. E a
questão decisiva é: de que modo reagimos aos acontecimentos
cotidianos? A resposta é de fundamental importância, pois esses
acontecimentos são potencialmente situações formativas.” (p.24)

“A ciência menor, marginal, traça linhas de fuga, produzindo saberes autônomos


que se conectam de forma aleatória, originando efeitos e experiências novas.
Não tem a intenção de criar uma visão de conjunto e abrangente de mundo, mas
peças fragmentárias que podem articular-se em diferentes puzzles.
“Por educação menor sugiro tomarmos aquela desenvolvida por professores na
solidão da sala de aula, para além de planos, políticas e determinações legais. È
também aquela que acontece fora da sala de aula, nas relações e nos
acontecimentos do cotidiano da instituição escolar. A educação menor, enfim,
traduz-se num esforço micropolítico de criação e produção cotidiana, em que
professores e estudantes realizam os atos educativos, mas também nas
microrrelações estabelecidas na instituição escolar como um todo. (p.28)

III. O sentido de PEDAGÓGICO/ CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO

Em Tecnologias do Eu, Larrosa fala sobre modalidades de construção e de mediação


pedagógica da experiência da pessoa consigo mesma.
Larrosa conta uma experiência pedagógica em que são trabalhadas ‘histórias exemplares’ com
os alunos e diz que o objetivo pedagógico desse trabalho “contribui para construir uma determinada
idéia de educação, de escola, de professor e de aluno.” (LARROSA, 2002 p. 48)
Ele continua afirmando que:
“Para dizer de forma mais breve, o sentido de quem somos é análogo à
construção e a interpretação de um texto narrativo que, como tal, obtém
significado tanto das relações de intertextualidade que mantém com outros textos
como de seu funcionamento pragmático em um contexto.
O tipo de prática pedagógica dominante em cada escola, as instruções do
professor e a forma como este regulava a realização da atividade estabeleciam
em cada momento que tipos de história podem ser contadas, como deveriam ser
interpretadas as histórias produzidas, e de que modo algumas histórias
particulares podiam ser tomadas como experiências mais ou menos
generalizáveis. (LARROSA, 2002 p. 48, 49)

Coisas que gostaria de compartilhar com a Luísa: Avesso e direito


“E à medida que o papel abria caminho à agulha com um leve estalo, eu cedia à
tentação de me apaixonar pelo reticulado do avesso que ia ficando mais confuso
a cada ponto dado, com o qual, no direito, me aproximava da meta.”

Com a Bete:

“Se formos capazes de suportar a sensação de


estrangeirice e agir de maneira produtiva e
criativa, mesmo envoltos em estranhamento,
teremos possibilidade de ser vetores de
proliferação de diferenças, e não instrumentos de
estriamento.”(GALLO, 2007 p. 38)
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e


técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 197-221 (Escrito em 1936 sob o título Der Erzähler:
Betrachtungen zum Werk Nikolai Lesskows)

GALLO, Sílvio. Acontecimento e resistência: educação menor no cotidiano da escola. In


Cotidiano Escola – emergência e invenção/ Ana Maria Facciolli de Camargo e
Márcio Mariguella (orgs.) Piracicaba: Jacintha Editores, 2007

LARROSA, Jorge. Tecnologias do Eu e Educação em O Sujeito da Educação: Estudos


Foucaultianos, Ed. Vozes, Petrópolis, 2002.

PRADO, Guilherme do Val Toldedo, DAMASCENO, Ednalice Abreu. Saberes docentes:


narrativas em destaque, Narrativas Docentes – Trajetórias de Trabalhos
Pedagógicos, - Campinas, SP: Mercado das Letras, 2007

PRADO, Guilherme do Val Toldedo, SOLIGO, Rosaura – “Memorial de formação – quando as


memórias narram a história de formação...” Porque escrever é fazer história –
Campinas, SP: Graf. FE, 2005

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