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Salo de Carvalho*
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CARVALHO, Salo. Considerações sobre o discurso das reformas processuais penais. In: Doutrina (13).
RJ: Instituto de Direito, 2002. p. 316 – 339.
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Advogado. Mestre (UFSC) e Doutor (UFPR) em Direito. Professor dos Cursos de Pós-Graduação em
Direito da PUCRS e UNISINOS, e do Programa de Doutorado ‘Derechos Humanos y Desarrollo’ da
Universidad Pablo Olavide (UPO) – Sevilha/ES.
1
A expressão ‘Direito Penal fernandino’ é utilizada por Miguel Reale Jr, quando constata que “o vício que
caracteriza a produção da legislação penal dos últimos tempos, mormente nos governos Fernando Collor e
Fernando Henrique, de início se restringindo á legislação extravagante e à Parte Especial do Código, atinge,
agora, a Parte Geral do Código Penal. O Direito Penal ‘fernandino’ faz da década de 90 um dos momentos
mais dramáticos para o Direito brasileiro, pois era imprevisível que se produzissem em matéria repressiva
tantas soluções normativas ao sabor dos fatos, sob o encanto de premissas falsas e longe de qualquer técnica
legislativa. O elenco de leis penais esdrúxulas, eivadas de inconstitucionalidade e que beiram o ridículo, é
longo e não caberia aqui ser lembrado” (REALE Jr., Miguel. Mens legis insana, corpo estranho, p. 23).
Muito embora a expressão seja cunhada para diagnosticar a estrutura das reformas modificativas do
Direito Penal, não temos dúvida que é perfeitamente compatível com o atual estado do Direito Processual
Penal brasileiro moldado durante o mesmo período (década de 90).
2
2
Exposição de Motivos do Código de Processo Penal (Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941), § II.
(A reforma do processo penal vigente).
3
Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, op. cit., § II.
4
Ib. ibdem., § II.
3
5
A justificativa em manter o arcaico instituto do Insquérito Policial foi a existência de distritos remotos nas
comarcas do interior e, conseqüentemente, as ‘dificuldades operacionais’ (Ib. ibdem., § IV).
6
Segundo a Exposição de Motivos, “(...) o juiz deixará de ser um espectador inerte da produção de provas.
Sua intervenção na atividade processual é permitida, não somente para dirigir a marcha da ação penal e
julgar ao final, mas também para ordenar, de ofício, as provas que parecerem úteis ao esclarecimento da
verdade” (Ib. ibdem, § VII).
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Refere o projeto: “O interesse da administração da justiça não pode continuar a ser sacrificado por
obsoletos escrúpulos formalísticos, que redundam em assegurar, com prejuízo da futura ação penal, a
afrontosa intangibilidade de criminosos surpreendidos na atualidade ainda palpitante do crime e em
circunstâncias que evidenciam sua relação com este”. Desta forma, “a prisão preventiva, por sua vez,
despreende-se dos limites estreitoa até agora traçados à sua admissibilidade. Pressuposta a existência de
suficientes indícios para a imputação da autoria do crime, a prisão preventiva poderá ser decretada toda a
vez que o reclame o interesse da ordem pública, ou da instrução criminal, ou da efetiva aplicação da lei
penal”. (Ib. ibdem, p. VIII).
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Dizem os reformadores: “como já foi dito de início, o projeto é infenso ao excessivo rigorismo formal, que
dá ensejo, atualmente, à infindável série das nulidades processuais. Segundo a justa advert~encia de ilustre
processualista italiano ‘um bom direito processual penal deve limitar as sanções de nulidade àquele estrito
mínimo que não pode ser abstraído sem lesar legítimos e graves interesses do Estado e dos cidadãos’” (Ib.
ibdem, § XVII).
9
A dizer: “O projeto, generalizando um princípio já consagrado pela atual Lei do Júri, repudia a proibição
da sentença condenatória ultra petitum ou a desclassificação in pejus do crime imputado. Constituía um dos
exageros do liberalismo o transplante dessa proibição, que é própria do direito privado, para a esfera do
direito processual penal, que é um ramo do direito público. Não se pode reconhecer ao réu, em prejuízo do
bem social, estranho direito adquirido a um quantum de pena injustificadamente diminuta, só porque o
Ministério Público, ainda que por equívoco, não tenha pleiteado maior pena” (Ib. ibdem, § XII).
10
Ib. ibdem., § II.
4
pois, o projeto, com a tônica autoritária da política da época e com o modelo ideológico de
Defesa Social11.
11
Segundo Baratta, a ideologia da Defesa Social perfaz a estrutura das Ciências Penais e do senso comum
sobre criminalidade desde a construção da moderna teoria do Direito Penal. Nasce com o pensamento
ilustrado e revigora seus postulados com o tecnicismo, sendo, nuclearmente, a estrutura da Escola Positiva
italiana.
A ideologia da Defesa Social nasce como sistema de controle social de reação contra a criminalidade.
O controle social tem no sistema penal (espécie daquele gênero) engenharia específica, programada
funcionalmente para a erradicação da criminalidade. Segundo Baratta, esta ideologia está inserida no universo
macrossociológico capitalista, nascendo no tempo da Revolução Francesa e inserindo seus postulados no
movimento de Codificação Penal. Com o câmbio do Estado liberal ao social-intervencionista, foi remodelada
pela Criminologia etiológica, na vertente lombrosiana e ferriana. Apresenta, porém, em todas suas nuances,
em que pese divergências sobre as concepções relativas ao homem e à sociedade, padrão de cientificidade que
é repassado e apropriado pelo senso comum (every day theories), perfazendo não somente a realidade
repressiva do sistema penal, mas também o senso comum do homem da rua sobre a criminalidade e a pena
(BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica y Crítica del Derecho Penal, p. 36 e seguintes).
Apesar das diferença relativas ao método e objeto em cada modelo de (re)produção da Ciência Penal
(classismo, positivismo e tecnicismo), a Ideologia da Defesa Social apresenta funcionalidade justificante
(legitimadora) e racionalizadora da intervenção punitiva – “el hilo conductor del análisis está dado por una
consideración fundamental: el concepto de defensa social corresponde a una ideologia caracterizada por una
concepción abstracta y ahistórica de sociedad entendida como una totalidad de valores e intereses”
(BARATTA, Alessandro. Op. cit., p. 42).
Em nossa realidade marginal, a ideologia da Defesa Social, agregada ao Movimento da Defesa
Social), legitima modelo de superpositivismo de combate à criminalidade (SANTOS, Juarez Cirino. As Raízes
do Crime, p. 51) suscetível de reconstrução a partir da seguinte principiologia elaborada por Baratta: (a)
princípio da legitimidade: o Estado, através de suas agências (legislação, polícia, magistratura, instituições
penitenciárias) representa a legítima reação da sociedade na reprovação e condenação dos indivíduos
desviantes, reafirmando os valores e normas sociais; (b) princípio do bem e do mal: a infração às normas é
considerada como dano social e o delinqüente como elemento disfuncional e negativo, fragmentando de
forma maniqueísta a estrutura social entre os fiéis cumpridores da lei e aqueles que dela zombam; (c)
princípio da culpabilidade: o delito representa atitude reprovável porque contraria os valores e normas sociais
homogêneas sancionadas por legislador racional; (d) princípio do fim ou da prevenção: a função da pena
oscila entre a prevenção geral negativa, impondo intimidação e contramotivação ao indivíduo, e a prevenção
especial positiva, atuando como ressocializadora; (e) princípio da igualdade: os criminosos representam uma
minoria, sendo que a lei penal incide paritariamente contra todos indivíduos que a infringe; (f) princípio do
interesse social e do delito natural: o delito representa a ofensa aos bens comuns, aos interesses fundamentais
e essenciais da sociedade (conferir a construção e descontrução deste modelo ideológico em BARATTA,
Alessandro. Op. cit., p. 44 usque 123).
Conclui Vera Andrade que a ideologia da Defesa Social se mantém constante até nossos dias,
principalmente porque cria um mitologia altamente digerível sobre o Direito Penal: “a ideologia da defesa
social sintetiza, desta forma, o conjunto das representações sobre o crime, a pena e o Direito Penal
construídas pelo saber oficial e, em especial, sobre as funções socialmente úteis atribuídas ao Direito Penal
(‘proteger bens jurídicos lesados garantindo também uma penalidade igualitariamente aplicada para os
infratores’) e à pena (controlar a criminalidade em defesa da sociedade, mediante a prevenção geral -
intimidação - e especial - ressocialização)” (ANDRADE, Vera. Dogmática e Sistema Penal: em busca da
segurança jurídica prometida, p. 231).
5
12
Neste sentido, conferir FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, p. 170.
13
STRECK, Lenio. Hermenêutica jurídica e(m) crise, p. 202.
6
14
Sobre a teoria crítica dos direitos humanos, conferir HERRERA FLORES, Joaquín. Hacia una visión
compleja de los Derechos Humanos, p. 19 – 78; HINKELAMMERT, Franz J. La inversión de los Derechos
Humanos, p. 79 – 133; SÁNCHEZ RUBIO, David. Acerca de la Democracia y los Derechos Humanos: de
espejos, imágenes, cegueras y oscuridades, p. 63 – 98; e SENENT DE FRUTOS, Juan Antonio. Notas sobre
una teoría crítica de los Derechos Humanos, p. 117 – 129.
15
Sobre a crítica e os problemas derivados do modelo teórico da Teoria Geral do Processo, bem como seus
efeitos no direito processual penal, conferir, entre outros: COUTINHO, Jacinto. A lide e o conteúdo do
processo penal; BAETHEGEN, Walter Eduardo. Contra a idéia de uma teoria geral do processo; DIAS,
Jorge de Figueiredo. Direito Processual Penal, p. 23 – 58; LEITE, Luciano Marques Leite. O conceito de
‘Lide’ no processo penal: um tema de teoria geral do processo, p. 181-195; TUCCI, Rogério Lauria.
Considerações acerca da inadmissibilidade de uma teoria geral do processo, p. 85 – 127; VIDIGAL, Luis
Eulálio de Bueno. Por que unificar o direito processual?, p. 40 – 48; e WUNDERLICH, Alexandre. Por um
sistema de impugnações no processo penal constitucional brasileiro, p. 28.
7
16
Sobre estes signos conformadores dos projetos de reforma, conferir CARVALHO, Salo &
WUNDERLICH, Alexandre. Diálogos sobre a justiça dialogal.
17
GRINOVER, Ada Pellegrini. A Reforma do Processo Penal, p. 66.
18
FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos, p. 82.
19
TORON, Alberto Zacharias. O indevido processo legal, a ideologia da ‘Law and Order’ e a falta de
citação do réu para o interrogatório, p. 98.
8
rua’ um estado de perigo constante e eminente, apenas excluído pelos aparatos do Estado
Penal. Desta maneira, vê na ampliação do espectro penal, na flexibilização das regras
processuais e na implementação de penalidades severas o instrumento eficaz para conter a
ação dos criminosos que ousam desrespeitar a lei e harmonia social – “alegam seus
defensores que os espetaculares atentados terroristas, o gangsterismo e a violência urbana
somente poderão ser controlados através de leis severas, que imponham a pena de morte e
longas penas privativas de liberdade. Estes seriam os únicos meios eficazes para intimidar
e neutralizar os criminosos e, além disso, capazes de fazer justiça às vítimas e aos homens
de bem, ou seja, aos que não delinqüem”20.
Segundo João Marcelo de Araújo Jr., as principais metas dos MLO poderiam ser
sintetizadas nas seguintes teses: (a) justificar a pena como castigo e retribuição; (b)
instaurar regime de penalidades capitais e ergastulares ou impor severidade no regime e nas
instituições de cumprimento da pena; (c) ampliar as possibilidades de prisões provisórias; e
(d) diminuir o poder judicial de individualização da pena21.
Simétrico aos MLO, surge em 1982, nos Estados Unidos da América do Norte, a
‘broken windows theory’, modelo teórico de segurança pública repressivista formulado
por James Q. Wilson (papa da Criminologia conservadora norte-americana) e George
Kelling, cujo prognóstico determina a necessidade de luta passo a passo contra pequenos
distúrbios cotidianos para recuar as grandes ‘patologias criminais’22. A ‘broken windows
theory’ foi instituída como programa de segurança pública na cidade de Nova York, mais
especificamente em Manhattan, pelo então prefeito Giulianni, universalizando a política de
‘Tolerância Zero’ e seu aparente triunfo contra a delinqüência23. Leciona Wacquant que
“de Nova York, doutrina da ‘tolerância zero’, instrumento de legitimação da gestão
policial e judiciária da pobreza que incomoda – a que se vê, a que causa incidentes e
desordens no espaço público, alimentando, por conseguinte, uma difusa sensação de
insegurança, ou simplesmente de incômodo tenaz e de inconveniência –, propagou-se
20
ARAUJO Jr., João Marcello. Os grandes movimentos de Política Criminal de nosso tempo, p. 71.
21
Ib. ibidem, p. 72.
22
WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria, p. 25.
23
Sobre as teorias críticas ao discurso da ‘Tolerância Zero’ e a ‘broken windows theory’, conferir
WACQUANT, Loïc. Op. cit.; WACQUANT, Loïc. A globalização da ‘tolerância zero’, p. 111 – 120;
WACQUANT, Loïc. Inimigos cômodos: estrangeiros e imigrantes nas prisões da Europa, p. 121 – 128;
WACQUANT, Loïc. Punir os pobres; e BATISTA, Vera Malaguti. Intolerância dez, ou a propaganda é a
alma do negócio, p. 217 – 222.
9
através do globo a uma velocidade alucinante. E com ela a retórica da guerra ao crime e
da ‘reconquista’ do espaço público, que assimila os delinqüentes (reais ou imaginários),
sem-teto, mendigos e outros marginais a invasores estrangeiros (...)”24.
Percebe-se nítida simetria entre as propostas político-criminais propugnadas pelos
MLO e pelos arautos da ‘Tolerância Zero’: ambos postulam o incremento da repressão
penal. Todavia, enquanto estes primam pela repressão à criminalidade de rua e bagatelar,
entendendo como único mecanismo de prevenção do caos e da desordem social, aqueles
reivindicam alta punibilidade às graves lesões de bens jurídicos interindividuais (v.g.
criminalidade de sangue, delitos sexuais e criminalidade patrimonial violenta).
Não obstante o fortalecimento da máquina do Estado Penal por movimentos com
postura política de ‘(extrema) direita’, nota-se na atualidade uma convergência, no plano de
segurança pública, de setores diversos da política. Assim, se historicamente o discurso de
esquerda baseou sua fala na contração do aparato penal-carcerário, em muito decorrente da
crítica à criminalização dos atos perpetrados pelos movimentos sociais contra-culturais,
hoje a perspectiva penal é fortalecida pela confluência de matrizes políticas diafônicas,
ensejando, paralelamente aos movimentos de ‘(extrema) direita punitiva’, o que Maria
Lúcia Karam define como ‘esquerda punitiva’25. Com a esquerda e a direita aliadas contra
o crime, obtemos uma potencialização das funções simbólicas do Direito Penal produzindo
um paradigma neo-criminalizador.
Segundo Helena Larrauri, a partir do final da década de setenta e início da década
de oitenta, se observa, com espanto, a facilidade na qual os movimentos progressistas
recorrem ao Direito Penal – “grupos de derechos humanos, de antirracistas, de ecologistas,
de mujeres, de trabajadores, reclamaban la introdución de nuevos tipos penales:
movimientos feministas exigen la introducción de nuevos delitos e mayores penas para los
delitos contra las mujeres; los ecologistas reivindican la creación de nuevos tipos penales
y la amplicación de los existentes para proteger el medio ambiente; los movimientos
antirracistas piden que se eleve a la categoría de delito el trato discriminatório; los
sindicatos de trabajadores piden que se penalice la infracción de leyes laborales y los
delitos económicos de cuello blanco; las asociaciones contra la tortura, después de criticar
24
WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria, p. 30.
25
Neste sentido, conferir KARAM, Maria Lucia. A esquerda punitiva, p. 79 – 92 e CLEINMAN, Betch. A
esquerda punitiva: entrevista com Maria Lúcia Karam, p. 11 – 18.
10
la condiciones existente en las cárceles, reclaman condenas de cárcel más largas para el
delito de tortura”26.
Segundo Scheerer, estes grupos podem ser definidos como ‘empresários morais
atípicos’ – ou, nas palavras de Silva Sánchez, ‘gestores atípicos da moral’27 –, visto que (a)
postulam suas demandas como se fosse uma questão moral; (b) exigem a formação de uma
regra geral que plasme suas convicções; (c) mostram desinteresse se os meios (penais) são
(in)justos; e (d) optam pela utilização simbólica do direito penal e processual penal28.
A aporia surge pelo fato de que a ‘nova moral criminalizadora’ é deflagrada por
movimentos humanitários e partidos políticos cuja principal estratégia, durante a década de
sessenta e meados de setenta, era exatamente a desestabilização da farsa prolatada pelos
criminalizadores de direita (MLO) – “lo proprio del modelo preexistente (esto es, del
debate en torno a la ideologia de ley y orden) era que los partidos y grupos vulgarmente
calificados como ‘de derechas’ asumieran la tesis del incremento de la seguridad a través
de una mayor presión punitiva, mientras los partidos y organizaciones ‘de izquierdas’
defendían aparentemente la postura contraria: la de la disminuición de la presión punitiva.
Así, el cambio fundamental se produce cuando la social democracia europea pasa a
asumir, en su totalidad, el discurso de la seguridad (...). Esa idea de seguridad (lo que
podríamos denominar de ‘ideología de la ley y el orden en versión de izquierda’) fue
asumida expresamente ante los medios de comunicación (...)”29.
Instituições ligadas aos Direitos Humanos, fundamentalmente organizações de
cunho não-governamental (ONG’s) vinculadas aos projetos políticos de construção da
cidadania e radicalização democrática, acabam, na atualidade, consumindo o discurso
criminalizador, digerindo-o com uma naturalidade preocupante. Desta forma, a
macrocrítica ao sistema é abandonada, havendo notória demanda por uma (re)utilização
retributivista e passional do modelo anteriormente deslegitimado.
Importante ressaltar, contudo, que potencial criminalizador/punitivo da ‘esquerda
punitiva’ acaba sendo maior que o dos tradicionais movimentos criminalizadores. Se os
MLO, potencializados pela ‘broken windows theory’, radicam seu objeto de intervenção na
26
LARRAURI, Elena. La herencia de la criminología crítica, p. 218.
27
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del Derecho Penal, p. 66 usque 69.
28
Apud LARRAURI, Elena. Op. cit., p. 218.
29
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Op. cit., p. 69/70.
11
30
LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais, p. 09.
31
LUISI, Luiz. Op. cit., p. 10.
12
32
Neste sentido, conferir TAVARES, Juarez. A crescente legislação penal e os discursos de emergência, p.
52/3.
33
KARAM, Maria Lucia. Op. cit., p. 79 usque 92.
13
34
LARRAURI, Elena. Op. cit, 218.
35
GRINOVER, Ada Pellegrini. Op. cit., p. 66.
36
Ib. Ibdem., p. 74.
14
37
Ib. ibdem, p. 65/6. No mesmo sentido, conferir MOREIRA, Rômulo de Andrade. A reforma do Código de
Processo Penal, p. 135/6 e STOCO, Rui. Tribunal do Júri e o projeto de reforma de 2001, p. 193.
38
Quando referimos o modelo teórico do garantismo processual penal estamos harmônicos com as teses de
Luigi Ferrajoli (FERRAJOLI, Luigi. Diritto e Ragione: teoria del garantismo penale). Sobre o tema, conferir
CARVALHO, Salo. Pena e Garantias: uma leitura do garantismo de Luigi Ferrajoli no Brasil.
39
BATISTA, Nilo. Prezada Senhora Viégas: o anteprojeto de reforma no sistema de penas, p. 105.
15
jurídicos da criminalidade moderna e do Direito Penal moderno. São bens jurídicos supra-
individuais, são universais e são vagos, muito vagos, muito genéricos. Saúde pública,
capacidade funcional do sistema de subsídios, capacidade funcional das bolsas, isso do
ponto de vista de conteúdo praticamente, nada diz”40.
O processo penal dos novecentos, devido a alta demanda criminalizadora pelos
movimentos político-criminais defensivistas e pela modificação na questão criminal com o
ingresso de novas formas de violação aos bens jurídicos, padeceu de uma perda dos limites
substanciais entre ilícitos penais e administrativos, ocasionando gradual minimização do
sentido limitativo do instrumental processual.
Ferrajoli percebe que a modificação na questão criminal gerou profunda
desordem no modelo processual penal acusatório. Por ‘questão criminal’ o autor entende a
transformação da natureza econômica, social e política da criminalidade, visto que “a
criminalidade que se impõe hoje à justiça não é mais a velha criminalidade de subsistência
que há vinte anos nos levava a denunciar o caráter de classe da administração da
justiça”41. O câmbio da questão criminal afeta o direito penal material, visto que estamos
diante de poderes criminais (criminalidade organizada) e crimes do poder (criminalidade
econômica e financeira do poder público). A mutação na forma da criminalidade obrigaria
o cientista e o político repensar as técnicas de tutela e garantia (processo). Assim, a ‘nova
questão criminal’ induz a diminuição substancial das garantias: “é uma dupla falência, que
se manifesta de um lado na crise de eficiência, e de outro na crise das garantias, e por isso
agride ambas funções de tutela que justificam o direito penal: as funções de tutela social, a
defesa das partes ofendidas contra os crimes, e as funções de garantia individual, a tutela
dos indiciados contra as punições injustas”42.
O processo de ampliação legislativa, notoriamente deflagrado pelos discursos de
emergência, gera o que denominamos ‘panoptismo legal’, ou seja, o alargamento brutal das
possibilidades de incidência da lei penal nas condutas sociais43. Se o pluralismo das fontes
40
HASSEMER, Winfried. Perspectivas de uma moderna política criminal, 89.
41
FERRAJOLI, Luigi. Per un programma di diritto penale minimo, p. 60.
42
FERRAJOLI, Luigi. op. cit., p. 62.
43
A partir das observações de Nilo Batista, quando percebe as relações do controle social com o modelo
legislativo inflacionário, constatamos estreita sintonia do modelo maximalista com a estrutura de controle
panóptico desenvolvido por Bentham e ampliado por Michel Foucault em Vigiar e punir. Diz Nilo Batista
que, em decorrência dos sistemas de produção excessiva de leis penais, “se cria um Direito Penal
16
hipertrofiado e onipresente; o respeito cívico que o cidadão devotaria à lei justa tende a se transformar no
temor calado frente à pena grave” (BATISTA, Nilo. Algumas palavras sobre descriminalização, p. 37).
44
FERRAJOLI, Luigi. La giustizia penale nella crisi del sistema politico, p. 81.
45
Nestes sentido, conferir COUTINHO, Jacinto. O papel do pensamento economicista no direito criminal
hoje, p. 304-310 e TAVARES, Juarez. Op. cit., p. 44.
17
46
BATISTA, Nilo. Prezada Senhora Viégas: o anteprojeto de reforma no sistema de penas, p. 108/9.
47
Nota ainda Boschi, muito embora a Constituição Federal tenha consagrado retoricamente um sistema
acusatório, caracterizado pela separação das funções dos sujeitos no processo, “não raro ainda nos
deparamos com evidências indicando exatamente o contrário”(BOSCHI, José Antônio Paganella. Ação
Penal, p. 361). Entre as evidências apontadas no livro que legitimam um poder policialesco
(administrativizado) do juiz, algumas nos parecem estruturantes, como os poderes conferidos para (a)
discordar do pedido de arquivamento do inquérito, (b) reinterrogar o acusado, (c) ouvir, quando julgar
necessário, quaisquer pessoas além daquelas indicadas pelas partes, (d) requisitar, de ofício, documentos
sobre cuja notícia tiver conhecimento, (e) ordenar busca pessoal, (f) decretar prisão processual
independentemente de provocação e, fundamentalmente, (g) requisitar provas e dirimir dúvidas sobre ponto
relevante – “quanto à produção da prova, os juízes, invadindo o espaço das partes, continuam fazendo amplo
uso da faculdade prevista no artigo 156 do CPP, embora seu indiscutível conteúdo inquisitivo, absolutamente
incompatível com o modelo acusatório erigido ao nível constitucional, salvo quando a prova puder ser
utilizada em favor do réu” (BOSCHI, José Antônio Paganella. Op. cit.). Lembre-se, ainda, outra característica
18
ínsita à estrutura inquisitiva do nosso sistema processual demonstrada pela possibilidade de mudança ou
correção do thema decidendum, proporcionada pelos art. 383 e 384 do CPP.
48
JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal, p. 18.
19
diligência na luta contra certas formas de criminalidade; das leis 'hermafroditas' com
forma de lei mas sustância de ato administrativo; das leis cultivadoras do clientelismo,
corporativas, para negociações do voto por privilégios particulares; das leis tecnicamente
desalinhadas e ilógicas, inspiradas na 'liberdade de expressão', de cada vez más árdua
compreensão; das leis-expediente, do casuísmo, para sobreviver diariamente e quase
sempre mal; das leis 'burocráticas', meramente sancionadoras de genéricos preceitos
extrapenais”49.
A tendência dos sistemas punitivos de se transformarem cada vez mais em
sistemas de controle administrativizados, e sempre menos penais em decorrência do
processo de descodificação, produz séria crise no conjunto das normas e dos mecanismos
que negam a informalidade de controle social50. O sintoma do pampenalismo corrói a
estrutura garantidora do direito penal que tem como pressuposto genealógico a tutela dos
direitos fundamentais.
Percebe Ferrajoli que devemos observar o fato de que os modelos penais da
atualidade ‘(...) ofuscaram os confins entre as esferas do ilícito penal e do ilícito
administrativo, ou seja, dos ilícitos, transformando o direito penal em uma fonte obscura e
imprevisível de perigos para qualquer cidadão, olvidando sua função simbólica de
intervenção extrema contra ofensas graves e oferecendo, portanto, o melhor terreno à
cultura de corrupção e ao arbítrio”51.
Ao desregulamentar as normas e as sanções dos desvios puníveis, bem como ao
desjudicializar o processo de resolução do caso penal e de execução da pena, a estrutura do
controle social formal retoma modelo penal irracionalista, cuja ausência de garantias ao
indivíduo perfila um sistema ‘bárbaro’ de contenção da violência. “A inflação penal –
conclui Ferrajoli – provocou a regressão do nosso sistema punitivo a uma situação não
diferente daquela pré-moderna (...)”52.
Não basta, portanto, em nosso discurso, advogar a plenitude da estrutura
acusatória e a necessidade de manutenção de instrumentos de limitação da violência
arbitrária. Se o garantismo pode ser entendido como tecnologia dirigida à minimização do
49
MANTOVANI, Ferrando. Valori e principi della Codificazione penale: le esperienze italiana, francese e
spagnola a confronto, p. 263.
50
FERRAJOLI, Luigi. El derecho penal mínimo, p. 44.
51
FERRAJOLI, Luigi. La pena in una società democratica, p. 532.
52
FERRAJOLI, Luigi. La giustizia penale nella crisi del sistema politico, p. 81.
20
poder punitivo ilegítimo através de vínculos formais e materiais balizados pelo respeito à
dignidade humana, é extremamente necessária a recomposição do sistema penal, processual
penal e punitivo.
Para Mantovani53, fundamental sustentar, tendo como pressuposto a negação das
legislações emergenciais, a recodificação das leis penais e processuais penai. Mais, percebe
Ferrajoli54 a necessidade de introdução, em sede constitucional, de uma ‘reserva de código’
penal e processual penal como forma de impedir respostas meramente simbólicas do poder
público às demandas sociais criminalizantes55. Criar-se-ia, pois, uma meta-garantia
destinada a imunizar as garantias penais e processuais penais das reformas parciais,
assistemáticas e contingenciais, colocando um freio à inflação penal que tem provocado
regressão inquisitiva do direito e do processo penal56.
A ‘reserva de código’ estabeleceria que todas as normas penais e processuais
penais deveriam ser introduzidas no corpo dos Códigos, não podendo ser nenhum
dispositivo desta natureza criado senão com a modificação do estatuto principal. A
orientação dar-se-ia pelo princípio: “toda matéria penal e processual penal no Código,
nada fora do Código”. Assim, o legislador ficaria vinculado ao sistema, sendo obrigado a
trabalhar pela sua unidade e coerência.
O programa de direito penal mínimo, estruturado em amplo processo de
descriminalização e na ‘reserva de código’, qualificaria o potencial garantista do direito que
é a radical tutela do pólo mais fraco na relação jurídico-penal: a parte ofendida no momento
do delito, o réu no momento do processo e o condenado no momento da execução.
Neste sentido, tendo em vista o movimento de Reforma do Código de Processo
Penal, entendemos pertinente colocar em discussão a necessidade de absoluta
recodificação, pois “la privatización y la deformalización [do processo] son, por lo demás,
una consecuencia seguramente ineludible de la expansión [do direito penal]”57.
53
MANTOVANI, Ferrando. op. cit., p. 263-273.
54
FERRAJOLI, Luigi. Quattro proposte di riforma delle penne, p. 50.
55
Sobre a implementação de uma ‘reserva constitucional de código’, conferir o editorial da Revista Estudos
Criminais, número 04, do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (!TEC) (Porto Alegre: ITEC/Nota
Dez, 2001. p. 07 – 08.
56
FERRAJOLI, Luigi. La pena in una società democratica, p. 538.
57
SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Op. cit., p. 76.
21
58
GRINOVER, Ada Pellegrini. A reforma do Código de Processo Penal, p. 66/7.
59
COUTINHO, Jacinto. Efetividade do processo penal e golpe de cena: um problema às Reformas
Processuais, p. 141.
60
MANTOVANI, Ferrando. Op. cit., p. 273.
22
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