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Corpo, gênero e emoções: o envelhecimento de uma geração.

Avance de investigación en curso

Grupo de trabalho N°26: Sociologia do Corpo e das Emoções

Silvana Maria Bitencourt/ Brasil/Universidade Federal de Mato Grosso/Departamento de


Sociologia e Ciência Política
Stephanie Natalie Burille/Brasil/Universidade Federal de Mato Grosso/Curso de Ciências
Sociais.

Resumo

O presente trabalho trata de uma pesquisa em andamento sobre corpo, gênero e envelhecimento.
Considerando que o envelhecimento do corpo implica além de investimentos financeiros e
emocionais, também adesão a padrões normativos de como se deve apresentar socialmente a
partir da geração e do gênero. Partindo desta perspectiva, este trabalho visa compreender a partir
do ponto de vista do gênero os cuidados que homens e mulheres de diferentes gerações têm feito
para lidar com o processo de envelhecimento de seus corpos. Para tanto, realizamos observação
de campo em uma instituição asilar e no Programa Longevidade Saudável durante o período de
março a julho de 2015. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas em caráter de
profundidade. A partir de memórias, diálogos e o convívio com os idosos, verificaram-se os
discursos e seus significados compartilhados como “verdades” sobre o processo de
envelhecimento e o cuidado com o corpo.

Palavras-chave: corpo, gênero, envelhecimento.

INTRODUÇÃO

“A velhice é um outono, rico de frutos maduros; é também um inverno estéril,


do qual se evocam a frieza, as neves, as geadas. Tem a serenidade das belas
noites. Mas a ela também é atribuída a tristeza sombria dos crepúsculos.”
(Beauvoir, 1990, p. 258)

O envelhecimento é um processo que desencadeia uma série de consequências para


aqueles e aquelas que vivenciam esta experiência. Os aspectos visíveis do envelhecimento são
apresentados por meio de sinais que acusam a idade cronológica do corpo. O envelhecimento do
corpo, logo a experiência do “ser velho” tende a provocar uma alteração no sistema simbólico
que envolve as relações de gênero e geracionais considerando a construção cultural do gênero
masculino e feminino podemos observar que homens e mulheres vivenciam distintamente o
processo de envelhecer. O ser “velho” está associado a uma dimensão de significados, discursos e
condições. Alguns aspectos, tais como classe, raça e gênero são fundamentais para pensarmos o
envelhecimento. E dessa forma, quais os significados e discursos sociais que influenciam esta
fase da vida.
Envelhecer é um processo inerente ao corpo biológico, este que comporta uma estrutura
de órgãos, tecidos, sistemas fisiológicos, que atravessa as diferentes fases da natureza biológica
humana: nascer, crescer, reproduzir e morrer. No entanto, a corporeidade é também
compreendida como fenômeno social e cultural, visto que o corpo é o eixo de ligação com o
mundo, e, portanto, é socialmente construído (Le Breton, 2012). O corpo está situado no tempo e
no espaço, está inserido em um contexto histórico, sendo sua construção, reflexo de seu tempo.
Segundo Le Breton (2012), a representação da velhice nas sociedades ocidentais é
reduzida ao corpo, este marcado pela incapacidade: é o corpo que precisa ser alimentado, que
deve ser lavado, o corpo desfeito, cuja higiene e sobrevivência é preciso cuidar. O velho deixa de
ser completamente um sujeito, e passa a ser objeto de seu corpo.
A pessoa idosa resvala lentamente para fora do campo simbólico, transgride os
valores centrais da Modernidade: a juventude, a sedução, a vitalidade e o
trabalho. O trabalho do envelhecimento evoca uma morte que caminha no
silêncio das células sem que seja possível de impedi-la. (Le Breton, 2012, p.
224)

O destino biológico torna o idoso improdutivo, logo, em uma sociedade capitalista onde o
lucro e os rendimentos fazem parte da lógica do sistema econômico, ser improdutivo não condiz
com os interesses desta sociedade (Beauvoir, 1990).
Nesta perspectiva de representação estigmatizadora, o corpo é visto como aquele que não
se enquadra no ideal de corpo jovem, não suporta o trabalho, está tomado pelo cansaço, pelas
doenças, ou seja, fadado à morte. Muitas vezes, os idosos não podem mais sustentar-se por si só,
o único recurso é o asilo. Em alguns lugares o asilo é um “lugar para esperar a morte” (Beauvoir,
1990, p. 312).
Alguns autores (Barros, 2011; Giddens, 2005; Goldenberg, 2011) apontam mudanças nos
discursos em relação às formas como o envelhecimento tem sido apresentado pela sociedade.
Segundo Giddens (2005), os avanços da Medicina vêm possibilitando o retardo dos sinais da
idade avançada, e cada vez mais envelhecer não é algo admitido como natural. Médicos
especialistas no antienvelhecimento, afirmam que as novas tecnologias já possibilitam uma
sociedade que permaneça sempre jovem, isto reflete a leitura do envelhecimento como “uma
doença que pode ser tratada” (Giddens, 2005, p. 146).
Conforme Foucault (2005), desde a época clássica, a Medicina ocidental foi estabelecida
como um conjunto de saberes e regras que orientam a relação do sujeito com o próprio corpo,
com o alimento, com a vigília, com o sono, com as atividades e com o meio. A existência
racional está intimamente ligada às “práticas de saúde” e de cuidado com o corpo. Nesse sentido,
o controle da sociedade inicia a partir do corpo, uma vez que o sistema econômico e social
vigente depende deste para sua funcionalidade. Portanto, o corpo é uma realidade biopolítica,
enquanto a Medicina, pautada no discurso biológico, exerce uma estratégia de controle e
disciplinamento sobre os corpos, produzindo novos discursos compartilhados como “verdades” e
vinculados ao poder (Foucault, 1979).
Os novos discursos sobre o envelhecimento, acompanhados dos avanços científicos e
tecnológicos, estimulam a procura por métodos de rejuvenescimento e a adequação ao modelo do
envelhecimento ativo promovido pela vigilância e o domínio sobre o corpo e a mente por meio de
intervenções (Barros, 2011). Os métodos que retardam os sinais da velhice garantem um
envelhecimento considerado saudável. Segundo Barros (2011), o corpo feminino está mais
sujeito aos investimentos especializados médicos e estéticos, em vista de uma continuidade ao
cuidado e à intervenção que se iniciam muito cedo na vida das mulheres. Barros (2011) ainda
argumenta que as intervenções no corpo a partir do controle dos sinais que delatam a velhice,
assim como a ideia da atividade e de responsabilidade pessoal constituem as bases da “ideologia
da terceira idade” (Barros, 2011, p. 49).

A construção social do conjunto de ideias e práticas sobre a terceira idade se


opõe ao estigma da velhice que é percebida como o fim da vida, como doença ou
como solidão. Esses dois modelos de envelhecimento coexistem hoje na
sociedade como formas incorporadas nas trajetórias de vida e como referências
para ação. (Barros, 2011, p. 50)

Nesse sentido, homens e mulheres tendem a sofrer influências do discurso que fortalece
“verdades” sobre a “saúde do corpo” e “qualidade de vida”, estes que demandam investimentos:
prática de exercícios físicos, alimentação regulada, reposições hormonais, sociabilidade, cirurgias
plásticas, entre outras. Da mesma forma, o discurso que compreende o envelhecimento como
doença e por isso requer provimentos para aqueles que são incapazes de cuidar do próprio corpo,
muitas vezes encontra no asilo o único destino.
Estes modelos de envelhecimento podem interferir na construção de identidades tanto
individuais quanto coletivas a partir de um universo simbólico compartilhado por seus adeptos.
Considerando que: o envelhecimento do corpo carrega diversos significados produzidos a partir
de abordagens que buscam definir o que é envelhecer e qual a melhor forma de vivenciá-lo, este
trabalho visa compreender, a partir do ponto de vista do gênero, os cuidados que homens e
mulheres têm para lidar com o processo de envelhecimento de seus corpos a partir dos discursos
aqui já mencionados. Para tanto, buscamos compreender as motivações dos integrantes do grupo
de idosos do asilo e do grupo de idosos do Programa Longevidade Saudável em recorrerem a
estas instituições neste momento de suas vidas, bem como compreender a percepção que estes
têm sobre o processo de envelhecimento.

METODOLOGIA

Para o presente estudo realizamos pesquisa de campo durante o período de março a julho
de 2015 em uma instituição asilar de caráter filantrópico, onde estão abrigados 98 homens e
mulheres idosos; a pesquisa também teve enfoque nas atividades do “Programa Longevidade
Saudável” (PLS), um projeto desenvolvido pela Universidade Federal de Mato Grosso que
propõe maior expectativa de vida aos funcionários aposentados da Universidade, assim como, aos
idosos da comunidade externa. O Programa oferece uma série de aulas de exercícios físicos e de
estímulo cognitivo. Escolhemos as aulas de musculação e hidroginástica por se enquadrarem no
perfil desta pesquisa.
No âmbito do asilo, foi realizada a identificação e mapeamento de pessoas que pudessem
contribuir com a pesquisa. A partir do contato com a coordenadora e psicóloga da instituição, foi
possível identificar os idosos lúcidos e com capacidades de ouvir e falar sem tamanhas
dificuldades. Conversas informais e entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com homens e
mulheres 1 . A memória foi o “fio condutor” das conversas com os informantes da pesquisa.
Adentrar o universo, as lembranças, o cotidiano destes idosos implicou em estabelecer um
vínculo de amizade e principalmente de confiança entre a pesquisadora e os sujeitos em foco.

A INSTITUIÇÃO ASILAR

Conforme a política de proteção social, as instituições de longa permanência - que muitos


ainda denominam de asilo, deveriam oferecer uma política de cuidado eficiente para a população
idosa a fim de promover o bem- estar e a saúde deste público. Todavia, os cuidados necessários

1
Este estudo encontra-se em andamento, e por isso, até o momento não foi possível realizar entrevistas com os idosos
do PLS. No entanto, os dados das observações de campo tem se mostrado significativos para uma análise inicial.
aos idosos ainda continuam sob responsabilidade da família. E, isto tende a ser reforçado na
medida em que as mulheres ainda são representadas como as cuidadoras em potencial das
gerações mais novas quando mães, e mais velhas, quando filhas. Partindo deste ponto de vista, as
políticas de cuidado tendem a ser silenciadas por meio de representações de gênero dicotômicas e
desiguais (Camarano e Mello, 2010).
Contudo, as transformações nos arranjos familiares e a entrada das mulheres no mercado
de trabalho refletiram no tempo dedicado para o cuidado no ambiente familiar, o que contribui
para a família não assumir a responsabilidade com os seus familiares idosos. Neste sentido, esta
responsabilidade com o cuidado passou a ser uma demanda também do Estado por meio das
políticas públicas.
As autoras Ana Amélia Camarano e Juliana Melo (2010) salientam que: o Estado não tem
avançado nestas políticas de cuidado, exemplo disso é que ainda as instituições de longa
permanência apresentam condições bastante precárias para lidar com este público, especialmente
se nos remetermos ao corpo de profissionais que prestam serviços de cuidados, saúde, assim
como, a administração dos recursos repassados pelo Estado para os municípios.
Vale a pena ressaltar que a constituição federal de 1988 que formulou o sistema de
proteção social brasileiro não foi suficiente em suas políticas de cuidado centrada nas instituições
de longa permanência com os princípios do SUS, pois o público idoso especialmente aqueles com
idade avançada, muitos com debilidades físicas e mentais são destinados aos asilos, sendo que
estas instituições ainda carregam parte de um simbólico negativo vinculado ao sujeito que foi
abandonado pela família.
A estrutura do asilo no qual realizamos a pesquisa de campo é formada por um pátio,
algumas árvores, um piso antiderrapante, um grande saguão com pequenas mesas, banheiros, e
um refeitório. Ao redor do pátio estão dispostas inúmeras cadeiras de balanço, uma ao lado da
outra. Estas cadeiras são o ponto de encontro dos idosos e das visitas, sendo, portanto, nosso
ponto de encontro durante as visitas no período da pesquisa. Este foi o local onde mantivemos
diálogos com os idosos que ali residem.
Elementos como o cheiro, o cenário e a rotina são característicos no asilo “Quatro
Estações” 2. Os idosos se deslocam de seus quartos para o pátio ou refeitório, e permanecem
horas nas cadeiras de balanço ou em suas cadeiras de rodas. Aqueles que ainda caminham
conseguem se deslocar de um cômodo a outro a passos lentos, ou aqueles que não são mais

2
“Quatro Estações” se refere ao nome fictício que utilizamos a fim de manter em sigilo o nome real da instituição.
Este nome foi escolhido porque remete à ideia de uma temporalidade sujeita a rotina, à naturalidade do passar lento
do tempo.
capazes de sustentar o corpo, empurram lentamente as cadeiras de rodas. Cuidadores, auxiliares
de limpeza e profissionais de saúde que ali trabalham, circulam constantemente pelo local,
fornecendo suporte aos idosos que precisam de ajuda, ou em função de outras demandas que
aparecem no cotidiano do asilo. Existem duas alas compostas por quartos e salas. Os idosos
considerados “dependentes” residem na ala esquerda, e os idosos considerados “independentes”
residem na ala direita. Além de quartos, a ala esquerda ainda conta com uma sala de TV, um
salão de beleza e a sala do fisioterapeuta. Na ala direita está a sala de atendimento à saúde e uma
pequena farmácia. A administração e recepção da instituição estão localizadas na entrada do
asilo.
No decorrer dos dias do trabalho de campo, a partir de conversas informais descobrimos
algumas histórias de vida dos idosos que ali vivem. Acompanhamos o cotidiano destes sujeitos
em um cenário que se mantém quase intacto pela rotina.
O pátio do asilo “Quatro Estações” nos conduz à reflexão do ambiente asilar enquanto um
lugar de espera. Seja a espera por uma visita, a espera do retorno ao convívio social, ou a espera
da morte. As falas dos idosos revelam a representação que estes têm sobre estar na instituição.
Dentre os moradores, conhecemos José, morador do asilo há dois anos e meio. Com 80
anos de idade, orgulha-se de sua memória conservada. Quando jovem, conta ter sido um homem
independente e trabalhador. Pelo fato de ter exercido diversas profissões durante a vida, afirma
ser “uma pessoa muito conhecida em Cuiabá”. Antes de ingressar no asilo, trabalhou na lavoura,
foi “comerciário”, e também “raízeiro”. Foi casado durante 46 anos, teve quatro filhos. José conta
que sua vida mudou após a morte de sua esposa. Adentrar o período da velhice foi um processo
que lhe trouxe complicações de saúde, impossibilitando-o de trabalhar, o que levou ao
distanciamento dos laços familiares e o sofrimento pela perda de sua esposa. O asilo foi a única
solução encontrada. Devido a um acidente que lhe fez perder os movimentos da perna, passou a
depender da cadeira de rodas, o que impediu José de morar com os filhos. Dessa forma, a
instituição poderia lhe oferecer o mínimo de conforto necessário. Porém, acredita que ainda
voltará a andar e por isso planeja, no futuro, alugar uma banca e vender remédios naturais:

“[...] não demora muito tempo e eu vou andar. E aí pra mim ta uma maravilha, to
andando, to trabalhando, nem que seja parado. Ponho ali uma banca ali, meus
remédios, vendo três, quatro pacotes por dia ta bom demais”. (José)

De acordo com Bosi (1994), para o homem, perder a força de trabalho significa não ser
mais produtor nem reprodutor. As propriedades adquiridas compensam a desvalorização sobre si.
O velho passa a ser tutelado como criança, é privado de sua liberdade de escolha, e, muitas vezes
é obrigado por seus familiares a sair de casa, ficando sujeito aos cuidados de instituições. Para
José, resgatar suas antigas funções de trabalho e sua convivência social é um propósito que ainda
pretende alcançar como forma de reconstruir novamente sua vida.
A idosa Carmen reside no asilo há aproximadamente um ano. Carmen não mantém
relações afetivas com outros asilados. Não fez amigos e não confia nos demais que ali estão;
acredita que aquele é um ambiente “perigoso” para manter relações de amizade. Além disso, é
improvável fazer amigos com “aqueles loucos”, se referindo aos demais idosos. As falas de
Carmen expressam um tom de amargura. Diferente dos outros idosos com quem conversamos,
não vê perspectivas em deixar o asilo e diz estar conformada com a condição de velha debilitada:
“acabou minha vida. Eu não tenho esperança mais de nada. Só aguardo o dia da minha morte” é
uma frase recorrente nas falas de Carmen.
A representação da velhice na perspectiva dos idosos que vivem no asilo é de um período
marcado pelas dificuldades de lidar com o próprio corpo. A doença e seus reflexos é presente na
vida de muitos. A impossibilidade de exercer certas atividades que realizavam com facilidade na
juventude, é encarada como uma perda incalculável. José lamenta ter perdido certas habilidades,
como assinar o próprio nome ou andar de bicicleta. Estas eram funções de sua profissão, e não
colocá-las em prática devido às complicações de saúde significa tornar-se inativo, incapaz:

“[...] e outra coisa que eu fico triste é que eu não sei mais nem assinar meu
nome, né. Eu pego a caneta pra assinar meu nome, e não tem nem estabilidade.
[...] E lá fora quando eu trabalhava, eu escrevia 30, 40 talões do consumidor pro
freguês. Hoje não sou capaz de assinar meu nome, né. Isso pra mim é minha
maior tristeza.” (José)

Segundo Alda Britto da Motta (2002), no imaginário social, o envelhecimento é um


processo relacionado às perdas, sendo estas tratadas como problemas de saúde expressos na
aparência do corpo e no sentimento em relação a si mesmo. O processo de envelhecimento
concerne à natureza e se desenrola como desgaste, limitações crescentes, as perdas físicas e de
papéis sociais, finalizando com a morte (Britto da Motta, 2002).
Lúcia reside no asilo há cerca de dez meses, tem 63 anos e recorreu ao asilo devido a
conflitos familiares que a fizeram sair da casa do cunhado, onde vivia com seu marido. Quando
fala sobre a família, Lúcia expressa ressentimento. Afirma que está em processo de separação do
marido, pois guarda profundas mágoas em relação ao casamento. Depois do sétimo marido, ela
agora mantém um relacionamento com outro idoso da mesma instituição. Juntos, fazem planos de
mudarem-se do asilo. Lúcia conta que quando jovem era bonita, sentia-se desejada pelos homens,
como retrata na fala a seguir:
“Eu fazia academia. Eu procurava ter meu corpo bem, bem, bem ajeitadinho. Eu
era muito bonita, sabe. Os homens todos, quando eu passava... Eu ficava feliz.
Os homens mexerem comigo. O cabelo bem comprido, assim. [...] fazia corridas
na universidade. E eu toda semana eu controlava meu peso, a alimentação...”
(Lúcia)

No entanto, ao contar como se sente hoje em dia em relação ao seu corpo, Lúcia resume:
“Eu me sinto uma velha”. Ser velha, em sua concepção, é não cuidar da aparência como fazia em
sua época de juventude. Lúcia sente que seu corpo perdeu o valor social atribuído a ele quando
jovem. Historicamente, o corpo da mulher brasileira tem sido representado como um capital
físico, simbólico, econômico e social que depende de investimento financeiro, trabalho e
sacrifício para se manter nos padrões considerados “apropriados”: o corpo sexy, jovem, magro e
em boa forma (Goldenberg, 2008).
O contexto do asilo retrata a insatisfação que muitos sentem em permanecer no espaço e
compreendê-lo como uma residência. Alguns idosos contam que o processo de mudança para a
instituição significou um rompimento ou distanciamento com o vínculo familiar. Passaram a
viver sob as regras e a temporalidade do asilo: horário para comer, para tomar banho, para
acordar e para dormir. As mulheres apresentam maiores complicações de saúde física e cognitiva,
também sentem maior dificuldade de adaptação no ambiente. Os homens apresentam maior
conformidade com a situação de asilamento, estabelecendo algumas relações sociais com outros
moradores, além de se adaptarem mais facilmente as regras da instituição. Segundo Simone de
Beauvoir (1990), as mulheres estão muito mais envolvidas com o lar, e, portanto o ingresso na
instituição representa um choque psicológico particularmente violento a elas. Já os homens,
tomam para si um sentimento de decadência.

PROGRAMA LONGEVIDADE SAUDÁVEL

O programa Longevidade Saudável trata-se de uma iniciativa promovida pela Faculdade


de Educação Física da UFMT. O programa tem como objetivo oferecer inúmeras atividades que
promovem a “qualidade de vida” de pessoas com mais de 60 anos de idade. Estas pessoas se
enquadram na categoria “terceira idade”. O programa se estende tanto aos trabalhadores
aposentados da UFMT, quanto aos idosos da comunidade externa à Universidade.
O programa oferta inúmeras atividades, tais como musculação, hidroginástica,
treinamento funcional, Tai Geiko, cursos de informática, idiomas e aulas de coral. Os professores
que ministram as atividades são os estudantes do curso de educação física. As atividades servem
para melhorar o equilíbrio, a força física, a agilidade motora, os movimentos, a postura. Segundo
as professoras de treinamento funcional, essas finalidades são próprias das chamadas “atividades
biopsicosociais”, indicadas para os idosos. Dentre os inúmeros benefícios, as professoras
afirmam que os exercícios aumentam a autonomia, fortalecem os músculos, alivia os sintomas de
doenças como a artrite; também enfatizam que estes benefícios para a saúde são “comprovados
cientificamente”.
Ao longo do trabalho de campo, acompanhamos as atividades desenvolvidas por uma
turma de musculação e uma turma de hidroginástica. A academia de ginástica da faculdade é o
local cedido para as aulas de musculação, enquanto a hidroginástica acontece na piscina olímpica
da universidade. Cada turma conta com cerca de quinze alunos.
Observando o perfil dos idosos, verificou-se que as mulheres cuidam da aparência de seus
corpos, além da saúde física. Muitas chegam maquiadas, em suas roupas de ginástica. Todos os
participantes são independentes, ágeis, capazes de executar as atividades sem sérias dificuldades,
no entanto, os homens apresentam menor flexibilidade corporal comparada às mulheres.
Outro aspecto relevante observado foi a sociabilidade entre os idosos. Ao se encontrarem
momentos antes da aula, costumam conversar, contar sobre situações que vivem em suas
famílias, as preocupações com os filhos, isso demonstra como estão fortemente vinculadas ao
meio familiar. Em conversas informais com algumas mulheres, elas afirmam que as atividades
físicas do PLS refletem nas práticas mais simples do cotidiano, como por exemplo, subir as
escadas. No imaginário destes idosos, há uma responsabilidade com o estilo de vida e os
comportamentos para que a idade não seja expressa no corpo.
De acordo com Vincent Caradec (2011), o envelhecimento é vivenciado por meio do
corpo orgânico, da aparência e da energia, que manifestam preocupações relacionadas à saúde,
beleza e forma. Envelhecer não é um processo aceito com facilidade. As pessoas que se deparam
com esse processo, enfrentam a situação exercendo um “trabalho” sobre o próprio corpo, com a
finalidade de mantê-lo jovem e saudável, longe dos “males da idade”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho traz dois grupos de idosos vivendo em contextos sociais diferenciados,
alguns que com idades cronológicas muito próximas aparentam serem mais envelhecidos,
amargurados, tristes com a condição de seus corpos e sua realidade atual. O tempo no contexto
do asilo é vivenciado por meio de um tipo de controle, o controle das emoções, o controle dos
horários, aqui se encontra uma geração que envelhece sem vínculos com familiares, estes que
foram rompidos por diversas razões e que não foi possível investigar neste trabalho e nem vem ao
caso.
No outro grupo verificamos também controle a partir da promessa que o discurso médico
faz ao constatar que o idoso pode ser saudável e prevenir diversos problemas de saúde e assim
viver um envelhecimento feliz e independente.
A compreensão do envelhecimento do corpo aqui apresentada direciona a reflexão sobre
as relações de gênero e geracionais a partir das especificidades de cada contexto analisado. O
discurso dos idosos do asilo é construído por meio de suas emoções sentidas a partir da mulher
que “eu era”, ou seja, do corpo “que eu tinha” e dos idosos da afirmação da masculinidade a
partir do atributo do “ser trabalhador”, ou seja, ter um trabalho. Os asilados também apresentam
sentimentos negativos em relação ao envelhecimento e suas atuais condições. O sentimento de
infelicidade, amargura e frustração apareceu com mais frequência na fala das mulheres. Esta
evidência pode estar relacionada ao universo simbólico feminino desta geração pautada na esfera
doméstica, que ser mulher era ser esposa e mãe, neste sentido casar e ter uma casa.
Os idosos do Programa Longevidade Saudável aparentam ser mais “saudáveis”, logo
“menos velhos”, pois os significados do local que frequentam, este que não é permanente como o
asilo, contribui para muitos construírem laços de sociabilidade e sentimentos de autonomia aos
seus corpos, pois vão ao PLS com o objetivo de “se cuidar”.

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