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DO FURTO

2.4.1.Art. 155 – Furto

2.4.1.1.Dispositivo legal

2.4.1.2.Estrutura do tipo penal

2.4.1.3.Objetividade jurídica

A lei penal tutela a propriedade e a posse legítima, reforçando a proteção conferida pelo
Direito Civil ao patrimônio das pessoas.

A detenção, isoladamente, não é protegida pelo art. 155 do Código Penal, pois não
produz qualquer efeito jurídico (não se transmite em relação inter vivos e causa mortis)
e não integra o patrimônio das pessoas.4

O patrimônio é bem jurídico disponível. Destarte, o consentimento do ofendido,


revelado antes ou durante a subtração, torna o fato atípico, ainda que sua anuência seja
ignorada pelo agente, pois não se pode furtar com a aquiescência do titular do bem.
Depois da subtração o consentimento é ineficaz, subsistindo intacto o delito.5

2.4.1.4.Objeto material

É a coisa alheia móvel que suporta a conduta criminosa.

O ser humano não pode ser furtado, pois não é coisa. O crime será de sequestro (CP, art.
148), extorsão mediante sequestro (CP, art. 159) ou subtração de incapazes (CP, art.
249), conforme o caso. Entretanto, é possível o furto de partes do corpo humano, tal
como se dá na subtração de cabelos ou de dentes com intuito de lucro. Observe-se,
porém, que a subtração de órgãos vitais do corpo humano (rim ou pulmão, entre outros)
configura lesão corporal grave (CP, art. 129, § 1.°, inc. III) ou gravíssima (CP, art. 129,
§ 2.°, inc. III), ou até mesmo homicídio, consumado ou tentado, dependendo da
finalidade almejada pelo agente.

Também é possível a subtração de objetos ou instrumentos ligados ao corpo da pessoa


humana e que se destinam para correção estética ou auxílio de suas atividades, a
exemplo de olhos de vidro, perucas, dentaduras, próteses mecânicas, orelhas de
borracha etc.

De igual modo, a subtração de cadáver ou de parte dele caracteriza o crime definido


pelo art. 211 do Código Penal (“Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele: Pena
– reclusão, de um a três anos, e multa”). Se, entretanto, o cadáver ostentar valor
econômico e encontrar-se na posse legítima de uma pessoa, física ou jurídica, estará
delineado o delito de furto (exemplo: cadáver pertencente a uma Faculdade de Medicina
ou a um hospital).

O cadáver, quando destituído de valor econômico, não se encaixa no conceito de coisa


alheia. Ao contrário, ingressa no rol das coisas fora do comércio, e sua tutela penal
repousa em princípios éticos, religiosos, sanitários e de ordem pública determinados
pelo ordenamento jurídico.

A coisa deve ser alheia. A palavra “alheia” funciona como elemento normativo do tipo:
sua compreensão reclama um juízo de valor, de índole jurídica, relacionada com a
propriedade da coisa. É alheia a coisa que não pertence àquele que pratica a subtração.
Destarte, se o sujeito subtrai coisa própria, reputando-a alheia, não há furto, mas crime
impossível, em face da impropriedade absoluta do objeto material (CP, art. 17).

Não há furto quando se tratar de res nullius (coisas que nunca tiveram dono) ou res
derelicta (coisas abandonadas), pois, como estabelece o art. 1.263 do Código Civil,
“quem se assenhorear de coisa sem dono para logo lhe adquire a propriedade, não sendo
essa ocupação defesa por lei”. Em outras palavras, a apropriação das coisas sem dono
ou abandonadas é meio lícito para obtenção do domínio.

O ouro da arcada dentária do esqueleto não constitui res nullius nem res derelicta. Com
a morte, a propriedade dos bens do de cujus é imediatamente transmitida aos herdeiros
(princípio da saisine). Portanto, todos os objetos sepultados com o morto pertencem aos
sucessores do defunto, que figuram como sujeitos passivos do eventual delito de furto.
Ressalte-se, porém, que o delito de violação de sepultura, previsto no art. 210 do
Código Penal, é absorvido pelo furto, previsto no art. 155, § 4.°, inciso I, do mesmo
Código, porque, além de ter sido meio de execução da subtração, ainda funciona como
qualificadora do rompimento ou destruição de obstáculo. A absorção é justificada pelos
princípios da consunção e da subsidiariedade implícita.6

Existem, entretanto, entendimentos em sentido contrário, no sentido de que a subtração


do ouro existente na arcada dentária do defunto não configura crime de furto, uma vez
que tal bem não integra o patrimônio dos herdeiros do morto. Se assim fosse, sustentam
os partidários desta corrente, o cadáver teria que ser inevitavelmente inventariado, e se o
falecido não tivesse família, seus restos seriam definidos como res nullius.

Igualmente, não se caracteriza o crime de furto em relação às coisas de uso


comum (pertencentes a todos), tais como o ar e a água dos rios e oceanos. Caracteriza-
se o delito, contudo, quando tais coisas foram destacadas do local de origem e sejam
exploradas por alguém (exemplos: água engarrafada e gás liquefeito).

Cumpre destacar, a propósito, que o desvio ou represamento, em proveito próprio ou de


outrem, de águas alheias configura o crime de usurpação, definido pelo art. 161, § 1.°,
inciso I, do Código Penal.

De outro lado, é possível o furto das coisas que estejam fora do comércio, desde que
tenham dono, como os bens públicos e os bens gravados com cláusula de
inalienabilidade.
Quanto à coisa perdida (res desperdicta), o art. 169, parágrafo único, inciso II, do
Código Penal contempla um crime específico, denominado “apropriação de coisa
achada”, aplicável a “quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou
parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à
autoridade competente, dentro no prazo de quinze dias”. É importante ressaltar, porém,
que uma coisa somente pode ser classificada como perdida quando se situa em local
público ou de uso público. Logo, pratica furto aquele que vai à residência de uma
pessoa, encontra e se apodera de um bem que estava sendo por ela procurado.

Por sua vez, entende-se por coisa móvel todo e qualquer bem corpóreo suscetível de ser
apreendido e transportado de um local para outro. Deste conceito podem ser extraídas
algumas conclusões:

a)Bem corpóreo é todo aquele que se materializa em uma base física;

b)Os bens incorpóreos, representados pelos direitos, não podem ser furtados;

c)Os bens imóveis não figuram como objeto material do furto, pois é impossível retirá-
los da esfera de vigilância da vítima. Nesse sentido, o adjetivo “móvel”, utilizado pelo
art. 155, caput, do Código Penal era totalmente prescindível, pois não se pode imaginar
uma subtração envolvendo coisa imóvel. Em síntese, a subtração é logicamente
incompatível com os bens imóveis.

Anote-se, porém, que o Código Penal, no tocante aos bens móveis, adota um sentido
real, e não propriamente jurídico. São móveis as coisas que têm movimentos próprios
(semoventes) e as que podem ser levadas de um local para outro. A propósito, não se
aplica ao Direito Penal a teoria da ficção jurídica prevista pelo Direito Civil para
classificar como imóveis alguns bens essencialmente móveis, tais como os materiais
provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem (Código Civil, art.
81, inc. II), assim como os navios e aeronaves, sujeitos à hipoteca (Código Civil, art.
1.473, incisos VI e VII).

Os semoventes7 e animais em geral, quando tiverem proprietário, podem ser objeto


material de furto. A propósito, o furto de gado é juridicamente conhecido
como abigeato. Se, contudo, alguém se apoderar de um animal alheio com o propósito
de exigir alguma vantagem econômica para restituí-lo, o crime será de extorsão (CP, art.
158).

Também é possível a subtração (extração clandestina) de pedras, areia, minerais,


árvores e plantas em geral, salvo se o fato caracterizar algum crime definido pela Lei
9.605/1998 – Lei dos Crimes Ambientais –, especialmente em seus arts. 44 e 50-A.

E, para afastar qualquer discussão acerca da possibilidade de subtração de energia, o art.


155, § 3.°, do Código Penal estatui: “Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou
qualquer outra que tenha valor econômico”. Cuida-se de norma penal explicativa,8 e na
expressão “qualquer outra que tenha valor econômico” ingressam,
exemplificativamente, as energias nuclear, radioativa, cinética, atômica, mecânica,
térmica e eólica, bem como o sinal fechado de televisão (TV a cabo ou equivalente).9
É indispensável, todavia, tratar-se de energia cujo apossamento seja possível, isto é, que
possa ser dissociada da sua origem. Não há furto, exemplificativamente, quando alguém
se apodera momentaneamente da energia física de um animal, ou então no tocante à
energia intelectual, indestacável do cérebro humano. Nesse último caso, se a ideia
humana vem a manifestar-se e fixar-se externamente, tal como em uma carta, esta é que
pode ser objeto material de furto.

A subtração de sêmen também é considerada furto, uma vez que se constitui em energia
genética. Exemplificativamente, há crime quando alguém introduz uma égua em pasto
alheio, com o fim de ser fecundada pelo cavalo de raça do vizinho.

Finalmente, a remoção (que não deixa de ser subtração) de tecidos, órgãos ou partes do
corpo de pessoa ou de cadáver, para fins de transplante, em desacordo com as
disposições legais, caracteriza o crime definido pelo art. 14 da Lei 9.434/1997.

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