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VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica.

1994

p. 12

“Analisar um filme não é mais vê-lo, é revê-lo e, mais ainda, examiná-lo tecnicamente. Trata-se
de uma outra atitude com relação ao objeto-filme que, aliás, pode trazer prazeres específicos:
desmontar um filme é, de fato, estender seu registro perceptivo e, com isso, se o filme for
realmente rico, usufruí-lo melhor. A análise de um filme como Playtime, de Jacques Tati, faz
com que se descubram detalhes do tratamento da imagem e do som que aumentam o prazer a
cada vez que se revê a obra.”

p. 12-13

Contudo, também existe um trabalho da análise, por pelo menos dois motivos. Primeiro,
porque a a análise trabalha o filme, no sentido em que ela o faz ‘mover-se’, ou faz se mexerem
suas significações, seu impacto.

Em segundo lugar, porque a análise trabalha também o analista, recolocando em questão suas
primeiras percepções e impressões, conduzindo-o a reconsiderar suas hipóteses ou suas
opções para consolidá-las ou invalidá-las.”

p. 15

“Analisar um filme ou um fragmento é, antes de mais nada, no sentido científico do termo,


assim como se analisa, por exemplo, a composição química da água, decompô-lo em seus
elementos constitutivos. É despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e
denominar materiais que não se percebem isoladamente ‘a olho nu’, pois se é tomado pela
totalidade. Parte-se, portanto, do texto fílmico para ‘desconstruí-lo’ e obter um conjunto de
elementos distintos do próprio filme. Através dessa etapa, o analista adquire um certo
distanciamento do filme. Essa desconstrução pode naturalmente ser mais ou menos
aprofundada, mais ou menos seletiva segundo os desígnios da análise.

Uma segunda fase consiste, em seguida, em estabelecer elos entre esses elementos isolados,
em compreender como eles se associam e se tornam cúmplices para fazer surgir um todo
significante: reconstruir o filme ou o fragmento. É evidente que essa reconstrução não
apresenta qualquer ponto em comum com a realização concreta do filme. É uma ‘criação’
totalmente assumida pelo analista, é uma espécie de ficção, enquanto a realização continua
sendo uma realidade. O analista traz algo ao filme, por sua atividade, à sua maneira, faz com
que o filme exista.”

“ (...) a desconstrução equivale à descrição. Já a reconstrução corresponde ao que se chama


com frequência ‘interpretação’.”

DESCREVER E INTERPRETAR

p. 35-36

“Com relação ao modelo clássico, o filme moderno caracteriza-se:


- por narrativas mais frouxas, menos ligadas organicamente, menos dramatizadas,
comportando momentos de vazio, lacunas, questões não resolvidas, finais às vezes abertos ou
ambíguos;

- por personagens desenhados com menor nitidez, muitas vezes em crise (crise de casais, crise
psicológica), pouco dados à ação;

- por procedimentos visuais ou sonoros que confundem as fronteiras entre a subjetividade (do
personagem, do autor) e a objetividade (do que é mostrado): sonhos, alucinações, fantasias,
lembranças mostradas sem transição com imagens do ‘presente objetivo’ (ver Fellini,
Bergman, Carlos Saura, todos precedidos por Buñuel); mistura de estilo documentário ou de
reportagem em uma filmagem de ficção mais clássica (Rohmer, Godard); manipulações
temporais que produzem no espectador efeitos de confusão entre presente, passado e tempo
imaginário (Resnais);

- por uma forte presença do autor, de suas marcas estilísticas, de sua visão sobre os
personagens e sobre a história que conta: comentário narrativo (as vozes off em Truffaut),
movimentos do aparelho, rupturas estilísticas bruscas (Godard), primeiros planos insistentes,
longos planos fixos (Bergman, Eustache);

- por uma certa propensão à reflexividade, isto é, falar de si mesmo (do cinema, dos filmes, da
representação e das artes, das relações entre a imagem, o imaginário e o real, da criação): ver
Oito e meio (Fellini), A noite americana (Truffaut), O estado das coisas (Wenders), O desprezo
(Godard), Profissão, repórter (Antonioni), Viagem a Citera (Angelopoulos), Fanny e Alexandre
(Bergman) e muitos outros. Daí o gosto prenunciado pelas citações diretas (filme no filme), ou
indiretas (sequências inspiradas em outras sequências), e, em alguns cineastas pelas pesquisas
formais que exaltam o cinema por si mesmo (Antonioni, Godard).

SITUAR O FILME NA EVOLUÇÃO DAS FORMAS

p. 37

Componentes do plano

1. A duração

2. Ângulo da filmagem (tomada frontal/tomada lateral, plongée/contre-plongée, etc)

3. Fixo ou em movimento (câmera fixa, câmera em movimento: travelling, panorâmica,


movimento com a grua, câmera na mão, etc; objetiva fixa/zoom: movimento ótico).

4. Escala (lugar da câmera com relação ao objeto filmado): plano geral ou de grande conjunto;
plano de meio conjunto; plano médio (homem em pé); plano americano (acima do joelho);
plano próximo (cintura, busto); primeiríssimo plano (rosto); plano detalhe (insert, pormenor).

5. Enquadramento: inclui o lugar da câmera, a objetiva escolhida, o ângulo das tomadas, a


organização do espaço e dos objetos filmados no campo.
6. Profundidade de campo: de acordo com a objetiva escolhida, a iluminação, a disposição dos
objetos no campo, o lugar da câmera, a parte do campo nítida, visível, será mais ou menos
importante.

7. Situação do plano na montagem, no conjunto do filme: Onde? Em que momento? Entre o


quê e o quê? Etc.

8. Definição da imagem: cor/preto e branco, grão da fotografia, iluminação, composição


plástica, etc.

p. 38

Sequências e Perfis Sequenciais

1. Sequência > conjunto de planos que constituem uma unidade narrativa definida de acordo
com a unidade de lugar ou de ação. O plano-sequência corresponde à realização de uma
sequência num único plano.

---- Parâmetros fílmicos (segundo Christian Metz)

- a cena ou sequência em tempo real: a duração da projeção iguala a duração ficcional;

- a sequência “comum”: comporta elipses temporais mais ou menos importantes; sucessão


cronológica;

- a sequência alternada: mostra alternadamente duas (ou mais do que duas) ações
simultâneas;

- a sequência “em paralelo”: mostra alternadamente duas (ou mais do que duas) ações
simultâneas;

- a sequência “em paralelo”: mostra alternadamente duas (ou mais do que duas) ordens de
coisas (ações, objetos, paisagens, atividades, etc.), sem elo cronológico marcado, para
estabelecer, por exemplo, uma comparação;

- a sequência “por episódios”: uma evolução que cobre um período de tempo importante é
mostrada em alguns planos característicos separados por elipses;

- a sequência “em colchetes”: montagem de muitos planos que mostram uma mesma ordem
de acontecimento (a guerra, por exemplo).

---- Parâmetros de roteiro: permitem distinguir as sequências:

- em externa / em interna;

- de dia / de noite;

- visuais / dialogadas;

- de ação, de movimento, de tensão / inação, imobilidade, distensão;

- íntimas / coletivas, públicas;


- com um personagem / com dois personagens / de grupo; etc.

2. Perfis sequenciais

Dependem das seguintes variáveis:

- número e duração das sequências = permitem opor filmes (ou partes de filme) muito
“decupadas” a outras pouco decupadas (comparar Hitchcock a Angelopoulos, por exemplo);

- encadeamento das sequências: rápida / lenta; corte seco / corte demarcado (escurecimentos,
encadeamento musical ou sonoro, etc.); cronologicamente marcada / anacrológica;
logicamente motivada / não claramente motivada; contínua / descontínua;

- ritmo inter e intra-sequencial: rápido / lento; seco / suave; contínuo / descontínuo, etc.

p. 41

“A história e a diegese dizem respeito, portanto, à parte da narrativa não especificamente


fílmica. São o que a sinopse, o roteiro e o filme têm em comum: um conteúdo, independente
do meio que ele se encarrega.”

p. 50

Em Narradores e instância narradora

O registro dos sons:

- tomada de som direta no momento da filmagem;

- pós-sincronização em estúdio;

- possibilidade de mixagem dos sons, em estúdio, combinando ou não as duas fórmulas e


realizando, ademais, combinações variáveis de sons e imagens: sincronismo (som sincronizado
à imagem); não-sincronismo ou assincronismo (não correspondência, total ou parcial, entre
sons e imagens); decalagens e encavalamentos (atrasos ou antecipações de uns em relação
aos outros); contraponto, etc.

p. 51

A escrita e o registro dos diálogos:

- não escritos, improvisados ou semi-improvisados e registrados em som direto;

- escritos, decorados, registrados em som direto;

- escritos, pós-sincronizados;

- dublados.
P. 51

Ponto de vista e Ponto de Escuta

No cinema, a expressão ponto de vista pode ser compreendida de três maneiras:

- Ponto de vista no sentido estritamente visual: De onde se vê aquilo que se vê? De onde é
tomada a imagem? Onde está situada a câmera?

- Ponto de vista no sentido narrativo: Quem conta a história? Do ponto de vista de quem a
história é contada? Esse ponto de vista é detectável ou não?

As duas ordens de perguntas se combinam quando nos perguntamos: Quem vê? O ponto de
vista (visual) é o de um personagem (imagem às vezes chamada de “subjetiva”) ou de um
narrador exterior à história? A imagem é atribuível a um personagem ou ao filme?

- Ponto de vista no sentido ideológico: Qual é o ponto de vista (a opinião, o “olhar”) do filme
(do autor) sobre as personagens, a história contada? Como se manifesta?

O ponto de escuta coloca um pouco a mesma ordem de problemas, transpostos para a


audição:

- De onde se ouve aquilo que se ouve? O ponto de escuta é coerente com o ponto de vista
(visual)? Existe dissociação dos dois pontos?

- Quem ouve? Quem escuta? O espectador e os personagens ouvem a mesma coisa?

Distinguir os sons “objetivos” e os sons “subjetivos”.

Detectar as dissociações entre os pontos de vista e pontos de escuta (por exemplo, entre
ponto de vista exterior, objetivo, e ponto de escuta interior, subjetivo).

p. 52

Os limites da interpretação

Três distinções propostas por Umberto Eco

Interpretação semântica/interpretação crítica – esses dois tipos de atividade distinguem o


leitor do analista. A interpretação semântica remete, com efeito, aos processos pelos quais o
leitor dá sentido ao que lê ou ao que vê e ouve quando se trata de um filme.

A interpretação crítica já remete à atitude do analista que estuda por que e como, no plano de
sua organização estrutural, por exemplo, o texto (literário ou fílmico) produz sentido (ou
interpretações semânticas). Em outras palavras, a interpretação crítica interessa-se pelo
sentido e pela produção do sentido, tenta estabelecer conexões entre o que se exprime e o
“como isso se exprime”, conexões sempre conjeturais, hipóteses que exigem todo o tempo
serem averiguadas pela volta ao texto.

Interpretar/utilizar – O texto e o filme podem ser de fato utilizados pelo analista, em vez de
serem interpretados. Compreendamos por isso que posso usar um filme para escrever a
biografia de um ator ou de um diretor, ou para esboçar o quadro de uma sociedade, ou ainda
para descrever os contornos de um movimento estético. Nesse caso, tiro informações parciais,
isoladas, do filme para relacioná-las com informações extra-textuais (biográficas, sociológicas
ou históricas, estéticas) a fim de construir minha história, minha descrição, minha tese. (...)

p. 53

De onde vem o sentido produzido na análise e por ela?

Texto/autor/leitor – de maneira muito esquemática, as três posições extremas podem ser


distinguidas:

- o sentido vem do autor, de seu projeto, de suas intenções: analisar um texto é, portanto,
reconstituir o que o autor queria exprimir;

- o sentido vem do texto: este apresenta uma coerência interna, não necessariamente
conforme às intenções explícitas do autor. É preciso, portanto, destacar essa coerência,
independentemente de qualquer a priori que venha de fora do texto;

- o sentido vem do leitor, do analista: é ele quem descobre no texto significações que se
referem a seus próprios sistemas de compreensão, de valores e de afetos.

p. 56

Em Análise e Interpretação histórica...

Em um filme, qualquer que seja seu projeto (descrever, distrair, criticar, denunciar, militar),
a sociedade não é propriamente mostrada, é encenada. Em outras palavras, o filme opera
escolhas, organiza elementos entre si, decupa no real e no imaginário, constrói um mundo
possível que mantém relações complexas com o mundo real: pode ser em parte seu reflexo,
mas também pode ser sua recusa (ocultando aspectos importantes do mundo real,
idealizando, amplificando certos defeitos, propondo um “contramundo”, etc.) Reflexo ou
recusa, o filme constitui um ponto de vista sobre este ou aquele aspecto do mundo que lhe é
contemporâneo. Estrutura a representação da sociedade em espetáculo, em drama (no
sentido geral do termo), e é essa estruturação que é objeto dos cuidados do analista. (...)

p. 59-60

Análise e interpretação simbólica

Leitura simbólica é uma interpretação que não se detém ao sentido literal, mas situa de
imediato o que é dito e mostrado em relação com um “outro” sentido. Essa leitura simbólica
geralmente é solicitada pelo fato de o universo diegético, o “mundo possível” construído
pelo filme, ser fortemente afastado de qualquer mundo real passado, presente ou
imaginável, ou então, se aparece como um mundo “plausível”, ser atravessado por
elementos heterogêneos que vêm romper a coerência realista. (...)
Metáfora

No cinema, são as imagens que desfilam e não as palavras. O efeito metafórico pode ser
gerado da sucessão de imagens que produzem um sentido que “ultrapassa” o sentido literal.
É a associação, mais ou menos estreita, de imagens que rompem o estrito continuum
narrativo que cria uma configuração metafórica ( mais do que uma metáfora “pura).

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