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27/10/2017 Aécio Neves, o Supremo e o poder da última palavra – JOTA

Publicado 11 outubro de 2017

Aécio Neves, o Supremo e o poder


da última palavra
Felipe Recondo

Última palavra

O Supremo pode afastar o parlamentar do exercício do mandato de forma


cautelar. Mas a respectiva casa legislativa – Câmara ou Senado – pode
rever a decisão judicial. O afastamento de Aécio Neves do mandato de senador, em
razão das investigações abertas após a delação de executivos da JBS, é mais um
episódio a trazer ao debate o poder da última palavra.

Diante da decisão da Primeira Turma do STF de afastar Aécio Neves, o Senado


reagiu, ameaçando reverter a decisão judicial e votar uma proposta de emenda
constitucional para impedir o Judiciário de aplicar a mesma medida cautelar a outros
parlamentares.

Não foi a primeira, não foi a segunda e não será a última vez que o Legislativo – ou
mesmo o Executivo – reage a uma decisão do Supremo. Guardadas as devidas
diferenças e circunstâncias, o Congresso aprovou neste ano uma emenda

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constitucional para garantir a realização de vaquejadas no país em reação à decisão


do STF que proibiu a prática.

Voltando um pouco mais no tempo, em 2013 o ministro Gilmar Mendes,


monocraticamente, suspendeu a tramitação, no Congresso Nacional, do projeto de lei
que criava restrições para a criação de novos partidos. Afirmou na decisão: “Essa
interferência seria ofensiva à lealdade da concorrência democrática, afigurando-se
casuística e direcionada a atores políticos específicos”.

Além do devido recurso judicial, o Congresso fez caminhar uma proposta de emenda
à Constituição que impunha restrições à aprovação de súmulas vinculantes,
aumentava o quórum para declaração de inconstitucionalidade e permitia a revisão
pelo Congresso Nacional de decisão do STF no julgamento de ADI.

O conflito entre Congresso e Supremo, portanto, não é novo, não é excepcional nem
prova de desequilíbrio entre os poderes. A delimitação do espaço de cada um dos
poderes é processo permanente e gera, naturalmente, conflitos.

Também não é pacífico ou necessariamente harmônico dizer que o Supremo tem,


sempre, a última palavra. Mesmo diante da frase enfática do decano da Corte,
ministro Celso de Mello, no julgamento de ontem: “O Supremo tem o monopólio da
última palavra”. E mesmo que parcela dos parlamentares admita essa afirmação: “Eu
tenho plena convicção de que o Supremo Tribunal Federal nos dará o caminho, nos
dará o rumo, porque, querendo ou não, como disse Ayres Britto hoje em sua
entrevista, a última instância, a última palavra, o último rumo é o Supremo Tribunal
Federal. É o último andar antes de chegar ao céu, nós querendo ou não”, disse a
senadora Kátia Abreu.

O ministro Luís Roberto Barroso, em seu texto “A razão sem voto: o Supremo
Tribunal Federal e o governo da maioria” argumenta que a tribunal pode ser o último
intérprete da lei, mas não é seu dono.

“O Supremo Tribunal Federal tem a prerrogativa de ser o intérprete final do direito,


nos casos que são a ele submetidos, mas não é o dono da Constituição. Justamente ao
contrário, o sentido e o alcance das normas constitucionais são fixados em interação
com a sociedade, com os outros Poderes e com as instituições em geral”, escreveu o
ministro Luís Roberto Barroso no texto.

Diante do debate suscitado novamente, o JOTA questionou encaminhou cinco


perguntas a quatro constitucionalistas para analisar o caso Aécio Neves, o poder da
última palavra e a relação entre Judiciário e Legislativo.

Responderam às perguntas:

– Conrado Hübner Mendes – Professor de direito constitucional da Faculdade de


Direito da USP. Doutor em direito pela Universidade de Edimburgo e doutor em
ciência política pela USP. Foi HLA Hart Fellow na Universidade de Oxford. É
Embaixador Científico da Fundação Alexander von Humboldt no Brasil.

– Eduardo Mendonça – Professor de Direito Constitucional do UNICEUB.


Coordenador-Geral do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais. Conselheiro do
Instituto UNICEUB de Cidadania. Doutor em direito público pela UERJ. Advogado.

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– Juliano Zaiden Benvindo -Professor de Direito Constitucional da Universidade de


Brasília (UnB). Coordenador do Centro de Pesquisa em Direito Constitucional
Comparado da UnB. Doutor em Direito Público pela Universidade Humboldt de
Berlim e pela UnB.

– Miguel Gualano Godoy – Doutor e mestre em Direito Constitucional pela


Universidade Federal do Paraná (UFPR) com período como pesquisador visitante na
Harvard Law School e na Universidade de Buenos Aires. Professor de Direito
Constitucional, advogado e ex-assessor de Ministro do STF.

1 - O Congresso reverter no voto os efeitos


de uma decisão judicial configura,
necessariamente, interferência indevida
da política sobre o judiciário? Quando
seria legítimo e quando seria interferência
indevida?

C onrado Hübner Mendes – O STF não tem demonstrado estar acima de


qualquer suspeita para se fazer obedecer. Os ministros são responsáveis
pela degradação da autoridade do tribunal e têm demonstrado admirável capacidade
de tornar o STF irrelevante na política constitucional. De que vale apresentar
refinados argumentos de interpretação da constituição se o STF não os leva a sério e
oscila conforme a ocasião? Se não respeita seus próprios precedentes? Se não
consegue convencer que a constituição é uma norma que importa para suas decisões,
por que o Congresso o faria? O fenômeno é lamentável e põe nosso projeto
constitucional em risco, mas foi por arte e engenho do próprio STF que a
desobediência a uma decisão do tribunal passou a ser percebida como legítima.
Quando começamos a debater a legitimidade da desobediência a uma decisão judicial
pelo Congresso é sinal de que cruzamos uma linha muito perigosa na democracia
constitucional. Mas é importante ressaltar: nesse caso, a responsabilidade é do STF, e
seria também sua responsabilidade reconstruir o que erodiu.

Eduardo Mendonça – Não acho que o Legislativo possa descumprir uma decisão
judicial simplesmente por discordar do seu conteúdo, mesmo com base no
argumento legítimo de que todos os poderes interpretam a Constituição. Esse
argumento serve para cobrar que o Judiciário tenha deferência em relação às
interpretações dadas pelos outros poderes, especialmente nas questões relativas ao
seu próprio funcionamento. É isso que está na raiz, por exemplo, da lógica de
autocontenção judicial na revisão de questões ditas interna corporis. Ou seja, existem
argumentos para defender que o Judiciário deva evitar certas interferências, o que é

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diferente de aceitar com naturalidade que as decisões tomadas sejam


desconsideradas. A lógica da repartição de Poderes é que os magistrados tenham a
palavra final sobre a interpretação do direito posto, de modo que o Legislativo não
poderia, por decisão política, afastar casuisticamente a aplicação das normas em
vigor. A exceção, claro, fica por conta das situações em que a própria Constituição
autorize a superação da decisão judicial, já que, nesse caso, a própria reversão é
amparada pelo sistema. É o que acontece no art. 53, §§ 2º e 3º, que admitem,
respectivamente, que a Casa relaxe prisão em flagrante de parlamentar ou suspenda
o próprio processo penal em curso contra ele.
Fora dessas hipóteses, o descumprimento de decisão judicial seria um ato de força, e
não um exercício legítimo de uma competência instituída pelo direito. Como ato de
força, pode até prevalecer, mas não poderia ser apresentado como gesto heroico de
defesa da ordem constitucional. Isso pode encaixar na retórica política, mas não faz
sentido no plano do desenho institucional. O que o Legislativo pode fazer,
naturalmente, é mudar as normas vigentes, justamente por entender que o direito
posto, tal como interpretado pelo Judiciário, daria respostas inadequadas para
determinada situação. Para dar um exemplo: o STF deu uma interpretação restritiva
ao art. 29, IV, retirando qualquer margem política para que os municípios decidissem
a quantidade de vereadores das suas Câmaras Legislativas. O Congresso aprovou a
Emenda Constitucional nº 58/2009 e restabeleceu parte da discricionariedade
anterior. Perfeitamente legítimo.

Juliano Zaiden Benvindo – Não necessariamente configura uma interferência


indevida, embora seja uma ação pouco ortodoxa e, naturalmente, no contexto atual,
uma típica exposição de fraturas entre os poderes. Está acontecendo uma evidente
queda de braço entre o Judiciário e o Legislativo, muito devido à atuação muitas
vezes errática e descoordenada do STF, que, em função da excessiva individualização
de sua atuação, não se apresenta como Corte. A verdade é que, cada vez mais, o
Legislativo não consegue enxergar o STF como uma corte constitucional, mas como
um aglomerado de idiossincrasias dos ministros, que, por sua vez, parecem viver
disputas internas cotidianamente. Isso a enfraquece sobremaneira como Corte e o
sistema da política, ciente desse cenário, fará de tudo para, estrategicamente, expor
ainda as fraturas do poder que o está desafiando. É o que está acontecendo. Todavia,
é estranho esse tipo de reação e – diria – pode levar a um impasse, porque o STF
pode também mostrar suas garras em um segundo momento, na medida em que
pode ser ainda questionado sobre a constitucionalidade de eventuais alterações
legislativas ou mesmo constitucionais realizadas pelo legislativo. Deveria haver
diálogo e não disputas explícitas como agora estão à evidência.

Posso, todavia, afirmar que, no direito constitucional comparado, há possibilidades


de desenho institucional em que se prevê a possibilidade de, eventualmente, o
legislativo reverter um entendimento da suprema corte. Um exemplo muito citado na
doutrina é a chamada “notwithstanding clause” do direito constitucional canadense,
mas, mesmo lá, é raramente adotado. O Brasil, por outro lado, está ensaiando um
movimento que sequer previsão explícita no sistema constitucional existe, o que
torna muito mais complexo o cenário.

O fato é que não há uma resposta segura sobre esta pergunta e verdades pré-
concebidas sobre o que é certo e errado. É um jogo de briga de poder e é muito mais

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um jogo da política. Pensar as ferramentas e conceitos normativos do direito para dar


uma resposta peremptória aqui sem atentar para as estratégias dos agentes políticos
é simplificar sobremaneira a tensão que está em curso. E são nessas tensões que os
limites do direito constitucional são postos à prova.

Miguel Gualano de Godoy – A reversão legislativa de decisão judicial não


configura, necessariamente, interferência indevida da política sobre o judiciário.
Quando está em debate uma controvérsia constitucional relevante, está em disputa
justamente o modo como se interpreta a Constituição. E nossa vida cotidiana está
atrelada às formas como os Poderes interpretam e aplicam a Constituição. Nossas
vidas são afetadas exatamente pelas decisões, políticas ou jurídicas, sobre a
controvérsia constitucional debatida. Uma decisão judicial, nesse sentido, representa
um importante turno de fala sobre a compreensão da Constituição, geralmente
decisivo e definitivo. Uma decisão judicial, todavia, pode ser superada
legislativamente. Isso não significa, necessariamente, interferência indevida ou
mitigação da importância do Poder Judiciário na interpretação da Constituição. As
decisões do Poder Judiciário em geral e do Supremo em particular podem ser dadas
sem necessariamente serem acompanhadas pela afirmação de supremacia judicial e
última palavra. Uma decisão dada pelo Supremo Tribunal Federal, nesse sentido,
continua respaldada por sua necessidade, seus fundamentos, sua importância e a
dificuldade em superá-la. Pois, para tanto, não bastará a maioria simples na Câmara
e no Senado. Para superar uma decisão do Supremo Tribunal Federal será preciso
muito mais do que isso – uma emenda à constituição; lei ordinária que se
fundamente em fatos novos ou busque novos argumentos e novas razões para
mostrar ao Supremo Tribunal Federal que ele se equivocou; mobilização popular e
debate público. O Poder Judiciário, juízes e cortes não precisam, portanto, da
suprema judicial para serem respeitados ou terem as suas decisões respeitadas. Suas
decisões, por outro lado, ainda que necessárias e, via de regra, decisivas e definitivas,
não são insuperáveis.

2 - No caso Aécio Neves, se o STF decide


que ele possui competência para decretar
medidas cautelares diversas prisão e que
elas não precisam ser resolvidas pela Casa
Legislativa, há nessa decisão uma última
palavra sobre o tema? Poderia o
Congresso Nacional superar essa decisão
com a aprovação de uma PEC que
determine a revisão de toda e qualquer
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medida cautelar imposta a Parlamentar?


Essa Emenda seria inconstitucional por
afronta à cláusula pétrea da separação de
poderes (violação do art. 60, §4º, III,
CRFB)?

C onrado Hübner Mendes – Pode-se dizer que sim, do ponto de vista


jurídico, e caberia ao Congresso emendar ou legislar para combater essa
interpretação. De novo, o caso é mais espinhoso, e temos que ampliar nossas
categorias descritivas, analíticas e normativas para formar um juízo sobre o que
passa. Não basta permanecer na querela interpretativa. Ao lado da discussão
normativa há o jogo de forças. Ao lado de uma questão “de jure” há questões de fato,
a dimensão bruta da política. O STF entrou num cabo-de-guerra com o Congresso da
maneira mais inábil que se pode imaginar num campo tão explosivo da separação de
poderes. Para além das suas interpretações constitucionais que oscilam conforme o
vento e já não convencem, impressiona o amadorismo político do STF, que põe em
jogo sua respeitabilidade a troco de nada. Há na adjudicação constitucional uma
dimensão de realpolitik a ser gerida com muito cuidado. A colegialidade, a imagem
de imparcialidade, argumentos constitucionais coerentes ao longo do tempo e
tirocínio político têm muito a contribuir com isso. Mas o STF não valoriza nem
pratica nenhuma dessas coisas: a colegialidade, a coerência argumentativa, os rituais
da imparcialidade. Está colhendo o que plantou. Separação de poderes não é palavra
mágica que se opera por força encantatória, ela se pratica na delicada interação entre
os poderes. Jogar esse jogo é mais difícil do que ficar nas palavras de efeito de que se
constitui boa parte das decisões do STF dos últimos tempos.

Eduardo Mendonça – Seria a palavra provisoriamente final, baseada na


interpretação atual das normas em vigor. Não acho que esse entendimento pudesse
ser inteiramente blindado contra uma eventual emenda à Constituição. Embora a
separação dos Poderes seja uma das cláusulas pétreas, é pacífico que isso não impede
toda e qualquer mudança no arranjo entre os Poderes. Protege-se, apenas, o núcleo
do conceito. E, em se tratando de emenda – a última forma de adaptação
institucional sem ruptura do sistema –, entendo que mesmo esse limite deve ser
interpretado com cautela, e não de forma inflacionada. Sob esse ponto de vista, em
linha de princípio, não veria inconstitucionalidade em uma emenda que atribuísse às
Casas Legislativas a prerrogativa de suspender outras medidas cautelares que
possam afetar, diretamente, o exercício do mandato parlamentar. Não me parece que
faça sentido afirmar que Deputados e Senadores devam ser imunizados contra
qualquer medida cautelar, mesmo quando não afetem o mandato. Por exemplo:
imagine-se uma cautelar de indisponibilidade de bens, destinada a garantir a possível
reparação ao erário em caso de condenação posterior. Ou, fora do domínio típico do
combate à corrupção, uma cautelar de afastamento do lar baseada na Lei Maria da
Penha. As prerrogativas parlamentares somente se justificam como proteção ao
exercício da função pública, e não como privilégio aristocrático. Sendo assim, seria
arbitrário impedir medidas cautelares que não tragam risco para a função. No

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entanto, em se tratando de uma medida que tenha essa potencialidade, me parece


legítimo que eventual emenda crie algum tipo de controle por parte do próprio
Legislativo.

Aliás, trazendo a discussão para o caso que será julgado hoje, acho que o argumento
mais relevante em favor da posição do Senado teria sido justamente esse:
considerando que o afastamento cautelar paralisa o exercício do mandato e, nesse
sentido, produz um efeito similar ao da prisão, não me soa absurda a interpretação
de que essa cautelar específica possa ser submetida à Casa Legislativa. Ou seja: um
argumento vinculado à teleologia da prerrogativa parlamentar expressa, e não o
discurso genérico de que Deputados e Senadores seriam imunes a toda e qualquer
cautelar penal, que não tem amparo na Constituição. E isso, claro, sem prejuízo da
constatação de que esse tipo de medida deve ser reservado para situações realmente
excepcionais, em que haja forte indício de conduta ilícita e, sobretudo, risco concreto
de dano.

De qualquer forma, é importante lembrar que há precedente recente e unânime do


Plenário do STF, no sentido se ser possível determinar o afastamento cautelar do
mandato, com a cautela que a situação exige. Trata-se do precedente firmado no caso
do deputado Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados. A
Primeira Turma do STF seguiu esse precedente e, portanto, não vejo consistência no
argumento de que inventou uma jabuticaba. No máximo, teria usado uma jabuticaba
já existente. Acho normal que o STF rediscuta a matéria com mais detalhe e já à luz
da experiência acumulada em dois casos emblemáticos, mas sem esse clima de
resistência cívica a um golpe judicial, que me parece bastante deslocado. Apresentar
a decisão como uma invencionice sem precedentes é parte do discurso político de
resistência à medida, mas o STF, no julgamento de hoje, certamente vai dialogar com
a decisão similar que tomou há cerca de um ano, mesmo que seja para apresentar
fundamentos que justifiquem a mudança do seu entendimento.

Juliano Zaiden Benvindo – Juristas vão, naturalmente, analisar esta questão


pensando sob a possibilidade de ofensa à cláusula pétrea da separação de poderes e,
mais precisamente, ministros do STF vão utilizar este argumento. É um
questionamento válido, mas, novamente, expõe as tensões e os limites do direito
constitucional. É uma discussão que pode se mostrar infindável e vai depender
fortemente como as forças políticas – e aqui, obviamente, entra o STF – vão
trabalhá-la. Veja: definir a inconstitucionalidade ou não desse movimento não é
trivial e menos ainda trivial diante de uma Corte Constitucional que ainda não se
entende e se apresenta como Corte e de um Congresso acuado que, cada vez mais,
tem se desconectado de uma preocupação de legitimidade de sua atuação. O direito
deveria servir como um parâmetro para “aliviar” esta tensão e pode até funcionar,
mas é preciso entender que o jogo é bem mais “feio” em um sistema jurídico e
político em que o nível de institucionalização tem decrescido a toda evidência. Em
sistemas em que o nível de institucionalização está enfraquecido, o direito tem seu
grau de “responsividade” muito prejudicado. É aqui que a análise deve ser
cuidadosamente trabalhada, mais do que uma aposta em um jogo “limpo” pelo
direito, pois não vai acontecer.

Miguel Gualano de Godoy – A prerrogativa de membros do congresso não


poderem se presos, salvo em flagrante delito inafiançável, tem a função de proteção
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do mandato parlamentar, da representação popular encarnada pelo congressista.


Não à toa a prisão em flagrante deve ser resolvida pela Casa Legislativa em 24hrs. É,
assim, garantia de livre representação e medida de contrapeso na separação de
Poderes para contrabalanço de eventual atuação indevida ou abusiva do Judiciário
sobre o Legislativo.

Até aqui, creio não haja qualquer divergência.

Aqueles que acreditam que o STF possui competência para decretar medidas
cautelares diversas da prisão, inclusive o afastamento de congressista do mandato
parlamentar, sustentam que o afastamento do mandato é possível justamente por ser
medida cautelar menos gravosa que a prisão. Tais medidas, inclusive o afastamento
do mandato, estariam, assim, fora da excepcional previsão de revisão pela Casa
Legislativa estabelecida no art. 53, §2º CRFB. Vale dizer, a exigência de revisão pela
Casa Legislativa só foi prevista para o caso de prisão, por ser a medida mais severa.
Assim, medidas cautelares diversas da prisão não necessitariam de referendo da Casa
Legislativa, pois são menos gravosas. Onde a Constituição foi silente, deixou-se
espaço para o adequado e regular exercício do Poder Judiciário.

Aqueles que criticam essa compreensão argumentam que o afastamento do mandato


impossibilita o exercício da representação popular. A medida cautelar de afastamento
do mandato sobre a pessoa física de Aécio Neves pode até ser menos grave que a
prisão. Mas, para o Poder Legislativo, para o Senado Federal, ela equivale à prisão,
pois retira do parlamentar o exercício do mandato, retira dele a liberdade e condição
de representante popular. Assim, apesar de ser medida menos gravosa para a pessoa
física do parlamentar, para o Poder Legislativo, para a Casa Legislativa que ele
integra, tal medida equivale à prisão, pois retira um de seus membros representantes
do povo. Nesse quadrante, também a medida cautelar de afastamento do mandato
deveria ser submetida à revisão da Casa Legislativa.

Somado a isso, há essa possível reação do Congresso: uma PEC que estabeleça
expressamente que toda e qualquer medida cautelar diversa da prisão também seja
submetida à revisão da Casa Legislativa. É possível que essa eventual PEC seja
impugnada perante o STF sob o argumento de que a revisão de toda e qualquer
medida cautelar imposta a parlamentar afronta à cláusula pétrea da separação de
poderes estabelecida no art. 60, §4º, III, da Constituição. Por outro lado, o controle
judicial de constitucionalidade sobre PEC’s e Emendas à Constituição é muito mais
limitado, restrito ao controle do procedimento. O ônus do STF é muito maior.

Como se vê, o debate está aberto e em andamento. As decisões, jurídicas e políticas,


serão importantes apontamentos sobre a compreensão do tema e qual a amplitude
do disposto no art. 53, §2º da Constituição.

Particular e pessoalmente entendo que essa eventual PEC é inconstitucional por


violação à separação de Poderes, ao princípio republicano e à igualdade. Por isso,
sequer pode-se admitir deliberação sobre o tema a que ela versa.

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3 - Outra afirmação repetida como


verdade absoluta é que decisão do
Supremo não se discute, apenas se
cumpre. O Supremo julgou
inconstitucional a vaquejada. E o
Congresso aprovou uma emenda
constitucional para liberar a prática.
Agora, o Senado discutia uma alteração na
Constituição para impedir que o Supremo
afaste parlamentares do exercício do
mandato. Como explicar esses
movimentos?

C onrado Hübner Mendes – Num contexto de normalidade, decisões do


Supremo se cumprem e se discutem. E na discussão, podemos por ventura
concluir que a decisão foi equivocada e nos mobilizar para mudá-la, seja por meio de
emenda, seja por meio de um novo caso do Supremo que busquemos a revogação do
precedente. Num contexto de anormalidade, porém, as decisões do Supremo não
apenas se discutem; nessa discussão, passa a ser legítimo perguntar se aquela decisão
específica deve ser cumprida. Isso é muito grave e deve nos preocupar a todos. Talvez
estejamos descobrindo que o “guardião da Constituição” é uma fraude. A constituição
precisa ser protegida não mais por meio do Supremo, mas apesar do Supremo. Seria
um salto de maturidade política da democracia brasileira.

Eduardo Mendonça – Decisão judicial pode e deve ser discutida e até mesmo
criticada acidamente. É próprio do regime democrático, no qual não se deve admitir
o cerceamento do debate público. Coisa diversa é o descumprimento de decisão
judicial, que é, por definição, uma ruptura no sistema. Não se trata de defender uma
proeminência teórica do Judiciário, mas apenas de reconhecer que, no Estado de
direito, a ordem jurídica deve ser cumprida mesmo pelos Poderes constituídos. E
que, no nosso desenho institucional, cabe ao Judiciário dar a palavra
provisoriamente final sobre o sentido das normas vigentes – até que a interpretação
seja alterada ou que as próprias normas sejam modificadas. O argumento de que o
Legislativo estaria cumprindo a Constituição ao descumprir uma decisão do STF é
retórica política. Para usar o seu exemplo, seria o mesmo que o Congresso estimular
a realização de vaquejadas a despeito da decisão do STF que considerou a prática
inconstitucional, usando o mesmo argumento de que o STF teria errado e seria
legítima a desobediência civil. Por outro lado, a emenda que liberou as vaquejadas
me parece um bom exemplo de superação válida de decisão judicial, sem prejuízo da
crítica política igualmente válida proveniente de parte da sociedade. A Constituição

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contém uma vedação à crueldade contra animais, o que não significa, por razões
óbvias, o banimento de toda atividade que possa causar sofrimento. Interpretando a
regra, o STF havia entendido que o sofrimento animal associado à vaquejada não
seria justificável por outros elementos legítimos. No entanto, sobrevindo uma
emenda que toma a decisão política específica em sentido contrário, acho que seria
excessivo cogitar da inconstitucionalidade da própria emenda. É um ótimo exemplo
dessa dinâmica de diálogo institucional, de ações e reações dentro dos marcos
constitucionais, e não pelo mero enfrentamento político.

Juliano Zaiden Benvindo – Novamente, é uma expressão que foi desenvolvida


para explicitar a força do direito. O Supremo é a cúpula do sistema do direito e, por
isso, pode ser entendido que o Supremo tenha a última palavra. Esta expressão é
deveras problemática e há farta literatura questionando até que ponto a última
palavra, de fato, pode ser assim interpretada em uma dimensão “absoluta”. O
problema é que esta expressão é dependente da institucionalização do direito e da
legitimação da atuação da corte. É uma situação altamente controversa termos a
defesa dessa expressão enquanto o STF pouco se apresenta como uma corte de
direito, mas como um apanhado de opiniões individuais que, até mesmo quando
apresentadas em órgãos colegiados, não dialogam entre si. Então, quando um
ministro assim defende a última palavra, mas a instituição é altamente disfuncional e
de legitimação cada vez mais questionada, fica parecendo um grito de desespero.

Por outro lado, é preciso entender o jogo do sistema da política, que, em um sistema
de baixa institucionalização, faz de tudo para corromper o sistema do direito. O jogo
de idas e vindas entre ambos os poderes, como no caso da vaquejada e, também, no
caso de afastamento de parlamentares, é apenas um sinal desse movimento.

Miguel Gualano de Godoy – Se a decisão judicial põe fim à controvérsia do caso


concreto, ela representa, no entanto, uma definição que pode ser provisória, factual,
casuística, processual, pois pode sempre ser criticada, revista, superada. Nesse
sentido, fortes reações negativas a uma decisão judicial que põem em xeque a decisão
exarada e reclamam uma atuação política, ou uma nova atuação jurídica a fim de
reverter tal decisão, devem ser encaradas como ações naturais e pertencentes ao
debate público e democrático. É preciso compreender o Supremo Tribunal Federal
em uma perspectiva dialógica e deliberativa, não como o guardião detentor da última
palavra sobre a interpretação da Constituição, e sim como o guardião de mais uma
importante e necessária voz na definição do significado da Constituição. Assim, sua
decisão é, no máximo, uma última palavra provisória. Sua decisão não põe fim à
política democrática, mas apenas a um estágio de um processo que pode se encerrar,
ou continuar.

4 - As críticas do Congresso à atuação do


Supremo se acumulavam nos últimos
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anos. E o Supremo expandia-se como se


não houvesse reação. Agora, episódios de
reação se somam. O que explica essa
mudança? Essas reações são legítimas?

C onrado Hübner Mendes – O que explica é a corrosão de autoridade do


STF somada a um conjunto de casos muito explosivos que envolvem os
próprios políticos. Para que governo e oposição dentro do Senado tenham se unido
na resistência ao Supremo é sinal de que a corda está quase estourando.

Eduardo Mendonça – Acho que não se pode apontar uma razão única ou mesmo
determinante. Atores políticos diferentes podem estar reagindo por razões
igualmente diversas. Um fator é o próprio acúmulo da tensão, que vai reduzindo a
tolerância de alguns parlamentares com o que lhes parecem atos sucessivos de
interferência indevida. Também ajuda a enorme polarização do atual debate público
no Brasil, que acaba conferindo respaldo a posturas mais radicais por parte de todos,
inclusive dos agentes públicos. O parlamentar que queira adotar um discurso de
resistência à autoridade do STF em determinado tema acaba se comunicando com
algum nicho da sociedade, mais visível e mobilizado do que antes. Ainda mais no
contexto de uma cultura ainda rarefeita de respeito às instituições. Outro fator, que
me parece inegável, é a competência do STF em matéria penal e o fato de existirem
tantos inquéritos em andamento. Enquanto a interferência do STF se dava pela
declaração de inconstitucionalidade de leis, a indignação dos parlamentares era mais
filosófica do que pessoal. A colocação de tantos e tão importantes interesses pessoais
na equação acaba poluindo ainda mais a relação, sem dúvida.

Juliano Zaiden Benvindo – Sim, o STF expandiu-se para outras dimensões de


atuação que não havia tanto no passado. Há de se lembrar que o STF é uma Corte
que praticamente não mudou com a transição para a democracia. Aliás, fez de tudo –
um lobby poderoso – para não mudar e atacou propostas, na Constituinte, que
buscavam criar uma corte constitucional mais aos moldes europeus. O STF sai da
Constituinte praticamente idêntico ao STF da ditadura. A mudança começa nos
meados dos anos 2000 e ganha projeções cada vez maiores quando começou a
interferir mais diretamente em pautas da política e em algumas questões de
desacordo moral razoável. O Congresso demorou para perceber este movimento e se
poderia dizer que, até certa medida, contribuiu para este cenário. Há de se entender
que Cortes Constitucionais são também uma instituição de grande interesse para
política: muitos temas controversos são transmitidos à corte constitucional para
evitar o desgaste político no Congresso. Do mesmo modo, a corte constitucional serve
também como preservação de interesses do status quo, especialmente diante da
possibilidade de alteração de quem está no poder. Por isso, é ingenuidade imaginar
que cortes constitucionais, necessariamente, são apenas um check aos demais
poderes. Elas podem também ser um braço direito dos demais poderes.

O “backlash”, como assim o chamamos, do Congresso recentemente é mais devido ao


fato de que, em algum momento, essa parceria começou a ter alguma fragmentação.

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27/10/2017 Aécio Neves, o Supremo e o poder da última palavra – JOTA

Matérias de forte desacordo moral passaram a puxar uma agenda liberal da Corte,
enquanto o Congresso se tornava cada vez mais conservador. Matérias envolvendo
procedimentos do legislativos passaram a entrar também em decisões do STF,
levando à discussão sobre até que ponto isso não seria questão interna corporis.
Matérias que atingiram os parlamentares diretamente, especialmente em matéria
criminal, trouxeram o desespero da preservação.

De qualquer modo, é bom deixar claro: O STF é uma corte profundamente


conservadora, promotora de desigualdade e preservadora do status quo. Pode ter
uma decisão aqui e ali que abre para o futuro, como o caso das uniões homoafetivas,
aborto, cotas, entre outras – e aí parece que estamos tendo um movimento de
verdadeira corte constitucional -, mas, ao lado desses casos emblemáticos, há muito
de defesa das antiga estruturas que há muito puxam o País para o atraso, como em
matéria trabalhista, tributária, propriedade e de interesses corporativos.

Então, é um paradoxo: o Congresso reage fortemente quando seus interesses são


atingidos, mas, ao mesmo tempo, o STF é um parceiro da política, em um jogo cheio
de chavões e argumentos bonitos para legitimar as estratégias da política.

Miguel Gualano de Godoy – Por muito tempo debruçou-se demasiadamente


sobre o papel hermenêutico e decisório de juízes e cortes, esquecendo-se da política
democrática como elemento essencial para a concretização da constituição. Por outro
lado, outra parcela da sociedade passou a rechaçar a atuação preponderante do Poder
Judiciário, que passou a confundir a constituição com as suas decisões judiciais.
Ambas as posições se mostram equivocadas. Reprovar uma decisão judicial que
ofende a Constituição significa também expressar uma identificação normativa com a
Constituição. Aqueles que invocam a constituição para criticar juízes e tribunais
associam-na às concepções que creem corretas e convincentes e que deveriam ser,
assim, vinculantes a todos. Quando os cidadãos falam sobre seus compromissos mais
apaixonados com uma linguagem constitucional, eles fortalecem a própria
Constituição. Desse modo, inclusive a resistência à interpretação judicial consolidada
pode aumentar a legitimidade democrática da Constituição. É um movimento
pendular. As reações são legítimas se estiverem dentro do quadrante constitucional.
Caso contrário, serão ações abusivas.

5 - Diante dessas reações, o que esperar do


Supremo? Uma mudança de
comportamento, uma auto-contenção? Ou
o recado do Congresso será ignorado ou
interpretado como intervencionismo da
Política no STF?

C
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onrado Hübner Mendes – O que se poderia pedir ao Supremo, e que


muitos estudiosos do Supremo vêm pedindo desde muito antes de nos
aproximarmos dessa situação-limite, é que passe a funcionar como tribunal, debaixo
do qual deveriam sumir as individualidades dos ministros. É que administre sua
legitimidade sem se perder em disputas internas, pois têm um papel gigantesco a
cumprir no processo de efetivação da Constituição. Mais previsibilidade de quando
decidem, mais colegialidade, menos liminares monocráticas abruptas sem
justificativa crível, mais argumentos bem costurados entre os ministros, que sejam
capazes de fundar algo que se possa chamar de jurisprudência, coisas assim.

Poderíamos pedir e vimos pedindo isso ao tribunal faz tempo. Mas infelizmente não é
isso que se pode realisticamente esperar desse Supremo, com esses ministros. O que
se pode esperar é mais do mesmo: vão minimizar o momento, vão continuar a
praticar os mesmos vícios, e vão continuar a caminhar de mãos dadas ladeira abaixo
na direção de uma disputada legitimidade. Ou então algum ministro, ou conjunto de
ministros, conseguirá assumir a liderança num processo de reconstrução, o que é
improvável. O Supremo precisa ter uma leitura crítica daquilo que se tornou, precisa
de um diagnóstico abrangente das suas patologias, mas não têm as ferramentas nem
a disposição para tanto. Precisa de ajuda.

Eduardo Mendonça – Acho que a tendência, natural e até saudável, é que o STF
fique mais consciente da necessidade de exercitar autocontenção. Não para deixar de
produzir decisões que interfiram na cena política e/ou contrariem as preferências dos
outros Poderes, mas no sentido de ser mais deferente com o que vem da política. É
necessário reforçar a percepção de que respeitar as escolhas parlamentares têm um
valor em si, derivado do princípio democrático, mesmo quando elas pareçam
equivocadas na visão do tribunal. Exercer a competência de controle com mais
parcimônia, portanto, fugindo da tentação perfeccionista. Essa diretriz tem aparecido
ostensivamente em algumas decisões recentes do STF, o que demonstra
consideração. Por exemplo, o Tribunal reformou a decisão do TSE que havia
modificado o tamanho de algumas bancadas estaduais na Câmara dos Deputados,
redistribuindo cadeiras em virtude da mudança demográfica. Todos os ministros
reconheceram que as bancadas atuais não cumprem a exigência de
proporcionalidade prevista no art. 45, § 1, mas a maioria entendeu que somente o
Congresso poderia efetuar os ajustes. Esse era uma tema sensível para o Congresso e
o STF se conteve, embora o problema imediato fosse passível de correção por simples
regra de três – como determinavam os votos vencidos, dos ministros Gilmar Mendes
e Luís Roberto Barroso.
Cada observador terá a sua própria lista pessoal de casos em que o STF teria se
excedido ou, ao contrário, teria ficado aquém do que seria exigível à luz da
Constituição. A construção do espaço próprio da jurisdição constitucional perante os
outros Poderes não é uma operação matemática, mas uma relação dinâmica de
avanços e retrocessos. A preocupação de respeitar a política tem de existir na prática
da Corte e o debate público deve aprender a examinar as decisões também sob esse
ponto de vista. Eventualmente se pode concordar com determinada medida e, ainda
assim, achar que ela não pode ser imposta por um tribunal, porque estaria no campo
da escolha política. Dou um exemplo pessoal: concordo com todos os argumentos do
STF para afirmar que é ruim instalar impressoras nas urnas eletrônicas, mas não vejo
inconstitucionalidade na opção do legislador. O tribunal declarou a lei

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inconstitucional, por unanimidade. Respeitosamente, discordo. No geral, concordo


muito mais do que discordo e, por isso, tenho opinião favorável sobre o papel que o
STF vem exercendo no Brasil.

Juliano Zaiden Benvindo – Não dá para prever. Seria importante o STF se


reinventar, aproveitar esta oportunidade para ver o que ele quer ser como Corte: esta
profunda disfuncionalidade de individualidades que é hoje ou uma corte
constitucional. Boa parte do progresso pode ser feito por simples alteração no
regimento interno; outros avanços dependem de modificações legislativas. Mas é
preciso fazer algo.

O que precisamos é de uma Corte Constitucional e, embora tenhamos um avanço


aqui e ali, ainda precisamos muito mais. O interessante agora é que as
disfuncionalidades estão à prova e várias pesquisas empíricas estão aí mostrando o
quão dramática é a situação do STF (e, veja, o STF tem se mostrado cada vez mais
arredio a essas pesquisas, na medida em que começaram a revelar os bastidores das
estratégias dos próprios Ministros!).

O STF tem alguns poucos bons ministros que parecem comprometidos com essa
mudança. Mas prevalece o espírito de corpo e a inércia. A mudança, que está aí aos
gritos pedindo para ser realizada, não é adotada, porque significa, para muitos, perda
de poder.

Enquanto o STF não se reinventar, ele vai ser isso: um grupo de Ministros com muito
poder, mas cada vez mais desafiados pelo sistema da política. Talvez os Ministros
ainda não se atentaram para isso: o sistema do direito tende a ser “engolido” pela
política, se ele não conseguir construir as ferramentas para se legitimar e se
institucionalizar como prática cotidiana. Não vejo essa transformação acontecendo
no STF agora, embora um ou outro ministro tenha já manifestado alguma
necessidade de mudança. Mas a resistência é grande e, enquanto isso durar, o STF
estará sempre sujeito a ser questionado em sua autoridade, enfraquecendo seu papel
de checkde outros poderes e catalisando um movimento de decadência democrática,
que estamos hoje vivendo.

Nesse cenário, a ironia é que o STF não está contrariando a política. Está, na verdade,
sendo a política e impulsionando, como nunca, a política.

Miguel Gualano de Godoy – Não está em jogo apenas uma postura ativa, passiva
ou auto-contida do STF. Está em jogo a definição do alcance e limite das
prerrogativas parlamentares, a quê e a quem elas servem. As prerrogativas
garantidas aos parlamentares servem para proteger o mandato, a livre representação
popular ou para, sob o rompante de respeito ao voto, criar uma categoria de pessoas
que estão acima de da lei e que a ela não respondem pelo simples fato de ocuparem
cargo eletivo? Há um elemento oculto nesse debate e que precisa vir à lume: o regime
de responsabilidade, responsividade e accountability, dos representantes do povo. O
voto do Min. Edson Fachin, em alguma medida, jogou luzes sobre esse ponto.

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