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Última palavra
Não foi a primeira, não foi a segunda e não será a última vez que o Legislativo – ou
mesmo o Executivo – reage a uma decisão do Supremo. Guardadas as devidas
diferenças e circunstâncias, o Congresso aprovou neste ano uma emenda
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27/10/2017 Aécio Neves, o Supremo e o poder da última palavra – JOTA
Além do devido recurso judicial, o Congresso fez caminhar uma proposta de emenda
à Constituição que impunha restrições à aprovação de súmulas vinculantes,
aumentava o quórum para declaração de inconstitucionalidade e permitia a revisão
pelo Congresso Nacional de decisão do STF no julgamento de ADI.
O conflito entre Congresso e Supremo, portanto, não é novo, não é excepcional nem
prova de desequilíbrio entre os poderes. A delimitação do espaço de cada um dos
poderes é processo permanente e gera, naturalmente, conflitos.
O ministro Luís Roberto Barroso, em seu texto “A razão sem voto: o Supremo
Tribunal Federal e o governo da maioria” argumenta que a tribunal pode ser o último
intérprete da lei, mas não é seu dono.
Responderam às perguntas:
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Eduardo Mendonça – Não acho que o Legislativo possa descumprir uma decisão
judicial simplesmente por discordar do seu conteúdo, mesmo com base no
argumento legítimo de que todos os poderes interpretam a Constituição. Esse
argumento serve para cobrar que o Judiciário tenha deferência em relação às
interpretações dadas pelos outros poderes, especialmente nas questões relativas ao
seu próprio funcionamento. É isso que está na raiz, por exemplo, da lógica de
autocontenção judicial na revisão de questões ditas interna corporis. Ou seja, existem
argumentos para defender que o Judiciário deva evitar certas interferências, o que é
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O fato é que não há uma resposta segura sobre esta pergunta e verdades pré-
concebidas sobre o que é certo e errado. É um jogo de briga de poder e é muito mais
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Aliás, trazendo a discussão para o caso que será julgado hoje, acho que o argumento
mais relevante em favor da posição do Senado teria sido justamente esse:
considerando que o afastamento cautelar paralisa o exercício do mandato e, nesse
sentido, produz um efeito similar ao da prisão, não me soa absurda a interpretação
de que essa cautelar específica possa ser submetida à Casa Legislativa. Ou seja: um
argumento vinculado à teleologia da prerrogativa parlamentar expressa, e não o
discurso genérico de que Deputados e Senadores seriam imunes a toda e qualquer
cautelar penal, que não tem amparo na Constituição. E isso, claro, sem prejuízo da
constatação de que esse tipo de medida deve ser reservado para situações realmente
excepcionais, em que haja forte indício de conduta ilícita e, sobretudo, risco concreto
de dano.
Aqueles que acreditam que o STF possui competência para decretar medidas
cautelares diversas da prisão, inclusive o afastamento de congressista do mandato
parlamentar, sustentam que o afastamento do mandato é possível justamente por ser
medida cautelar menos gravosa que a prisão. Tais medidas, inclusive o afastamento
do mandato, estariam, assim, fora da excepcional previsão de revisão pela Casa
Legislativa estabelecida no art. 53, §2º CRFB. Vale dizer, a exigência de revisão pela
Casa Legislativa só foi prevista para o caso de prisão, por ser a medida mais severa.
Assim, medidas cautelares diversas da prisão não necessitariam de referendo da Casa
Legislativa, pois são menos gravosas. Onde a Constituição foi silente, deixou-se
espaço para o adequado e regular exercício do Poder Judiciário.
Somado a isso, há essa possível reação do Congresso: uma PEC que estabeleça
expressamente que toda e qualquer medida cautelar diversa da prisão também seja
submetida à revisão da Casa Legislativa. É possível que essa eventual PEC seja
impugnada perante o STF sob o argumento de que a revisão de toda e qualquer
medida cautelar imposta a parlamentar afronta à cláusula pétrea da separação de
poderes estabelecida no art. 60, §4º, III, da Constituição. Por outro lado, o controle
judicial de constitucionalidade sobre PEC’s e Emendas à Constituição é muito mais
limitado, restrito ao controle do procedimento. O ônus do STF é muito maior.
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Eduardo Mendonça – Decisão judicial pode e deve ser discutida e até mesmo
criticada acidamente. É próprio do regime democrático, no qual não se deve admitir
o cerceamento do debate público. Coisa diversa é o descumprimento de decisão
judicial, que é, por definição, uma ruptura no sistema. Não se trata de defender uma
proeminência teórica do Judiciário, mas apenas de reconhecer que, no Estado de
direito, a ordem jurídica deve ser cumprida mesmo pelos Poderes constituídos. E
que, no nosso desenho institucional, cabe ao Judiciário dar a palavra
provisoriamente final sobre o sentido das normas vigentes – até que a interpretação
seja alterada ou que as próprias normas sejam modificadas. O argumento de que o
Legislativo estaria cumprindo a Constituição ao descumprir uma decisão do STF é
retórica política. Para usar o seu exemplo, seria o mesmo que o Congresso estimular
a realização de vaquejadas a despeito da decisão do STF que considerou a prática
inconstitucional, usando o mesmo argumento de que o STF teria errado e seria
legítima a desobediência civil. Por outro lado, a emenda que liberou as vaquejadas
me parece um bom exemplo de superação válida de decisão judicial, sem prejuízo da
crítica política igualmente válida proveniente de parte da sociedade. A Constituição
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contém uma vedação à crueldade contra animais, o que não significa, por razões
óbvias, o banimento de toda atividade que possa causar sofrimento. Interpretando a
regra, o STF havia entendido que o sofrimento animal associado à vaquejada não
seria justificável por outros elementos legítimos. No entanto, sobrevindo uma
emenda que toma a decisão política específica em sentido contrário, acho que seria
excessivo cogitar da inconstitucionalidade da própria emenda. É um ótimo exemplo
dessa dinâmica de diálogo institucional, de ações e reações dentro dos marcos
constitucionais, e não pelo mero enfrentamento político.
Por outro lado, é preciso entender o jogo do sistema da política, que, em um sistema
de baixa institucionalização, faz de tudo para corromper o sistema do direito. O jogo
de idas e vindas entre ambos os poderes, como no caso da vaquejada e, também, no
caso de afastamento de parlamentares, é apenas um sinal desse movimento.
Eduardo Mendonça – Acho que não se pode apontar uma razão única ou mesmo
determinante. Atores políticos diferentes podem estar reagindo por razões
igualmente diversas. Um fator é o próprio acúmulo da tensão, que vai reduzindo a
tolerância de alguns parlamentares com o que lhes parecem atos sucessivos de
interferência indevida. Também ajuda a enorme polarização do atual debate público
no Brasil, que acaba conferindo respaldo a posturas mais radicais por parte de todos,
inclusive dos agentes públicos. O parlamentar que queira adotar um discurso de
resistência à autoridade do STF em determinado tema acaba se comunicando com
algum nicho da sociedade, mais visível e mobilizado do que antes. Ainda mais no
contexto de uma cultura ainda rarefeita de respeito às instituições. Outro fator, que
me parece inegável, é a competência do STF em matéria penal e o fato de existirem
tantos inquéritos em andamento. Enquanto a interferência do STF se dava pela
declaração de inconstitucionalidade de leis, a indignação dos parlamentares era mais
filosófica do que pessoal. A colocação de tantos e tão importantes interesses pessoais
na equação acaba poluindo ainda mais a relação, sem dúvida.
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Matérias de forte desacordo moral passaram a puxar uma agenda liberal da Corte,
enquanto o Congresso se tornava cada vez mais conservador. Matérias envolvendo
procedimentos do legislativos passaram a entrar também em decisões do STF,
levando à discussão sobre até que ponto isso não seria questão interna corporis.
Matérias que atingiram os parlamentares diretamente, especialmente em matéria
criminal, trouxeram o desespero da preservação.
C
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Poderíamos pedir e vimos pedindo isso ao tribunal faz tempo. Mas infelizmente não é
isso que se pode realisticamente esperar desse Supremo, com esses ministros. O que
se pode esperar é mais do mesmo: vão minimizar o momento, vão continuar a
praticar os mesmos vícios, e vão continuar a caminhar de mãos dadas ladeira abaixo
na direção de uma disputada legitimidade. Ou então algum ministro, ou conjunto de
ministros, conseguirá assumir a liderança num processo de reconstrução, o que é
improvável. O Supremo precisa ter uma leitura crítica daquilo que se tornou, precisa
de um diagnóstico abrangente das suas patologias, mas não têm as ferramentas nem
a disposição para tanto. Precisa de ajuda.
Eduardo Mendonça – Acho que a tendência, natural e até saudável, é que o STF
fique mais consciente da necessidade de exercitar autocontenção. Não para deixar de
produzir decisões que interfiram na cena política e/ou contrariem as preferências dos
outros Poderes, mas no sentido de ser mais deferente com o que vem da política. É
necessário reforçar a percepção de que respeitar as escolhas parlamentares têm um
valor em si, derivado do princípio democrático, mesmo quando elas pareçam
equivocadas na visão do tribunal. Exercer a competência de controle com mais
parcimônia, portanto, fugindo da tentação perfeccionista. Essa diretriz tem aparecido
ostensivamente em algumas decisões recentes do STF, o que demonstra
consideração. Por exemplo, o Tribunal reformou a decisão do TSE que havia
modificado o tamanho de algumas bancadas estaduais na Câmara dos Deputados,
redistribuindo cadeiras em virtude da mudança demográfica. Todos os ministros
reconheceram que as bancadas atuais não cumprem a exigência de
proporcionalidade prevista no art. 45, § 1, mas a maioria entendeu que somente o
Congresso poderia efetuar os ajustes. Esse era uma tema sensível para o Congresso e
o STF se conteve, embora o problema imediato fosse passível de correção por simples
regra de três – como determinavam os votos vencidos, dos ministros Gilmar Mendes
e Luís Roberto Barroso.
Cada observador terá a sua própria lista pessoal de casos em que o STF teria se
excedido ou, ao contrário, teria ficado aquém do que seria exigível à luz da
Constituição. A construção do espaço próprio da jurisdição constitucional perante os
outros Poderes não é uma operação matemática, mas uma relação dinâmica de
avanços e retrocessos. A preocupação de respeitar a política tem de existir na prática
da Corte e o debate público deve aprender a examinar as decisões também sob esse
ponto de vista. Eventualmente se pode concordar com determinada medida e, ainda
assim, achar que ela não pode ser imposta por um tribunal, porque estaria no campo
da escolha política. Dou um exemplo pessoal: concordo com todos os argumentos do
STF para afirmar que é ruim instalar impressoras nas urnas eletrônicas, mas não vejo
inconstitucionalidade na opção do legislador. O tribunal declarou a lei
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O STF tem alguns poucos bons ministros que parecem comprometidos com essa
mudança. Mas prevalece o espírito de corpo e a inércia. A mudança, que está aí aos
gritos pedindo para ser realizada, não é adotada, porque significa, para muitos, perda
de poder.
Enquanto o STF não se reinventar, ele vai ser isso: um grupo de Ministros com muito
poder, mas cada vez mais desafiados pelo sistema da política. Talvez os Ministros
ainda não se atentaram para isso: o sistema do direito tende a ser “engolido” pela
política, se ele não conseguir construir as ferramentas para se legitimar e se
institucionalizar como prática cotidiana. Não vejo essa transformação acontecendo
no STF agora, embora um ou outro ministro tenha já manifestado alguma
necessidade de mudança. Mas a resistência é grande e, enquanto isso durar, o STF
estará sempre sujeito a ser questionado em sua autoridade, enfraquecendo seu papel
de checkde outros poderes e catalisando um movimento de decadência democrática,
que estamos hoje vivendo.
Nesse cenário, a ironia é que o STF não está contrariando a política. Está, na verdade,
sendo a política e impulsionando, como nunca, a política.
Miguel Gualano de Godoy – Não está em jogo apenas uma postura ativa, passiva
ou auto-contida do STF. Está em jogo a definição do alcance e limite das
prerrogativas parlamentares, a quê e a quem elas servem. As prerrogativas
garantidas aos parlamentares servem para proteger o mandato, a livre representação
popular ou para, sob o rompante de respeito ao voto, criar uma categoria de pessoas
que estão acima de da lei e que a ela não respondem pelo simples fato de ocuparem
cargo eletivo? Há um elemento oculto nesse debate e que precisa vir à lume: o regime
de responsabilidade, responsividade e accountability, dos representantes do povo. O
voto do Min. Edson Fachin, em alguma medida, jogou luzes sobre esse ponto.
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