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Introdução

Quando pensamos em avaliação psicológica, imaginamos logo uma combinação ocidental de testes
motores, cognitivos e emocionais sendo aplicados em pacientes, voluntários, candidatos a vagas de
emprego e assim por diante.

Saiba, porém, que o conceito e a prática de testar as habilidades de outro ser humano já eram
aplicados há mais de 4.000 anos na China imperial, por exemplo.

Pensando nisso, fizemos este conteúdo de modo que você, leitor, possa entender melhor das
diversas avaliações psicológicas e aprender um pouco mais sobre sua história. Se você se interessa
pelo assunto, não pense duas vezes antes de continuar a leitura!
Capítulo 1

Antecessores dos testes


Na China imperial, era comum que o Imperador testasse seus oficiais regularmente para certificar-se de que eles
estavam aptos ao serviço. Tais técnicas foram aperfeiçoadas e, entre 220 A.C. e 200 D.C., na Dinastia Han, cinco
tópicos distintos já eram avaliados: conhecimento das leis, estratégias militares, agricultura, finanças públicas e
geografia (GREGORY, 2004). A avaliação psicológica chinesa evoluiu ainda até a era de Confúcio, subdividindo-se
em testes físicos de resistência, psicológicos e de conhecimento.

Do oriente distante, pulamos para o final do século XIX na Europa, período no qual as primeiras tentativas de
mensurar as diferenças individuais foram postas em prática pelos pioneiros Wilhelm Wundt, Francis Galton e
James Cattell. Testes já haviam sido conduzidos antes, mas neste ponto ocorreu uma profunda mudança de
abordagem, graças à disseminação da filosofia positivista. O que antes era subjetivo e abstrato passou a ser
encarado como objetivo, científico e passível de reprodução.

A psicologia não pode atingir a certeza e a exatidão das ciências físicas se não repousar sobre a base do
experimento e da meditação. Um passo nessa direção poderia ser dado com a aplicação de uma série de testes
mentais de medida, a um grande número de pessoas (CATTELL, 1890, p. 373).

Essa crença na comprovação e documentação da psicologia empírica foi, de fato, o propulsor dos avanços desse
período, e de muitos outros pensadores e cientistas que partilharam dessa concepção. Wundt, por exemplo, é
creditado pela fundação do primeiro laboratório para testes psicológicos em 1879, em Leipzig, na Alemanha, no
qual dedicava-se a comparar a velocidade da percepção/reação dos indivíduos. Para ele, a inteligência estaria
ligada de forma intrínseca ao tempo de resposta a um estímulo visual ou auditivo.
Por outro lado, Galton, na Inglaterra, interessou-se em mensurar características físicas ou sensório-motoras, como
a capacidade dos pulmões, a força do aperto de mão e o tom de voz, e suas avaliações foram desenvolvidas nesse
sentido. Essa abordagem não trouxe os resultados esperados em relação à determinação do nível intelectual dos
indivíduos testados, mas serviu para demonstrar que resultados significativos podem ser obtidos através de
procedimentos padronizados.

Nestes momentos iniciais, portanto, podemos afirmar que a concepção de inteligência girava em torno de
características físicas ou da velocidade da resposta a estímulos visuais e auditivos. Em outras palavras, o intelecto
era entendido como um elemento único, o qual regia a capacidade de reação a determinadas
situações-problema, podendo, portanto, ser avaliado e medido. Incontáveis esforços foram feitos no sentido de
demonstrar cientificamente o resultado prático de tais avaliações.
Capítulo 2
Os primeiros testes de inteligência
Em 1905, entra em cena o psicólogo francês Alfred Binet e seu primeiro teste efetivamente direcionado a avaliar
a inteligência, precursor dos testes atuais de QI. Binet foi por muito tempo o diretor do laboratório de pesquisa
de psicofisiologia da Sorbonne e desenvolveu, em parceria com Théodore Simon e Victor Henri, uma escala para
medir a capacidade intelectual das crianças (GREGORY, 2004).

Binet diferia de Galton, Wundt e Cattell, pois defendia que a inteligência deveria ser medida através dos
processos mentais superiores e não pelo monitoramento das funções sensório-motoras. Segundo o artigo
publicado por Binet e Simon, podemos entender que o elemento fundamental da inteligência é o discernimento,
isto é, o bom senso, o senso prático, a iniciativa, a habilidade de se adaptar (BINET; SIMON, 1905).

Alguns anos depois, em 1908, Binet e Simon revisaram a proposta lançada em 1905 e a publicaram com algumas
alterações, dentre as quais podemos destacar a noção de níveis mentais. Com a popularização do termo e do
teste, o qual foi visto como um avanço monumental e aplicado de forma massiva nas escolas, passou-se a
designar o “nível mental” como a “idade mental”, bem como a estender sua aplicação a adultos.

O próprio Binet, no entanto, já alertava que um simples teste não serviria para medir efetivamente a inteligência
de um indivíduo, alegando tratar-se de um aspecto altamente complexo e multifacetado da existência humana.
Não obstante, em 1916, pesquisadores da Universidade de Stanford, baseando-se no teste de Binet, cunharam o
termo “Coeficiente de Inteligência” (Intelligence Quotient), aprofundando ainda mais a interpretação da
inteligência como escalada e linear.
Versões atualizadas do teste de QI são aplicadas largamente em escolas e organizações para avaliar a aptidão e
as habilidades de estudantes e candidatos a vagas de emprego, embora se entenda que a capacidade cognitiva
não pode ser medida de forma precisa. Há, de fato, um extenso debate sobre a funcionalidade do teste,
especialmente em relação a fatores e peculiaridades culturais e à noção de inteligência emocional.

Testes de personalidade
Já no que tange os testes de personalidade, em 1919 o Personal Data Sheet foi desenvolvido por Woodworth e
contava com 116 perguntas cujas respostas possíveis eram ‘sim’ e ‘não’. O mecanismo desenvolvido por
Woodworth foi muito criticado, pois entendia-se que era muito fácil ‘trapacear’ ou ‘manipular’ as respostas, já que
o teste visivelmente contava com a honestidade dos indivíduos.

O teste de Woodworth, todavia, serviu como base para várias outras avaliações criadas ao longo das décadas de
20 e 30, como, por exemplo, o Thurstone Personality Schedule, o Bernreuter Personality Inventory, o Teste de
Apercepção Temática (TAT) e o Allport-Vernon Study of Values. Dentre esses últimos, destacamos o TAT, cuja lógica
baseia-se no fato de que ao observarem imagens aleatórias, os indivíduos contam/associam/criam estórias que
revelam seus conflitos, desejos e sua visão de mundo.

Muito próximo ao TAT, o Teste de Rorschach, desenvolvido pelo suíço Herrman Rorschach, em 1921, parte do
pressuposto de que as pessoas tendem a revelar dimensões ocultas de sua personalidade mais facilmente em
resposta a estímulos indefinidos ou ambíguos. Sua lógica, portanto, é distinta das avaliações escritas, tendo sido
influenciada primariamente pela filosofia Jungiana e pela prática de Wundt.
Capítulo 3
Inteligência Fluida e Inteligência Cristalizada

No que tange à definição de inteligência, houve, já no início do século XX, muita divergência de opiniões e teorias
variadas. Para o britânico Charles Spearman, por exemplo, havia dois níveis inter-relacionados: o geral e o
específico. Dessa forma, ao enfrentar uma situação-problema, o indivíduo empregaria o fator geral (fator g) e os
fatores específicos (fatores s). O fator geral, entretanto, seria utilizado como base em todas as situações.

Esta concepção bilateral, entretanto, foi disputada por Thorndike, para o qual a inteligência era um produto da
combinação das múltiplas capacidades e habilidades intelectuais de um indivíduo. Louis Thurstone também
propôs um esquema similar, no qual elencava as capacidades mentais primárias e independentes.

Já na década de 40, Raymond Cattell analisou a teoria de Spearman e a correlacionou com os elementos
apontados por Thurstone, constatando a coexistência de dois fatores gerais, o que foi corroborado por John Horn
alguns anos depois. A partir deste ponto, os dois fatores ficaram conhecidos como inteligência fluída (Gf) e
inteligência cristalizada (Gc).
Inteligência Fluída

O modelo Cattell-Horn defende que a inteligência fluída diz respeito à capacidade de resolver problemas de
forma simultânea, intuitiva e imaginativa, independente de conhecimentos acadêmicos ou experimentais
previamente adquiridos. A Gf seria, portanto, independente de educação e cultura. Se deparadas com uma
situação inusitada e completamente nova, as pessoas responderão utilizando a inteligência fluída, pois
precisarão criar uma solução para a qual não terão base de referência.
Inteligência Cristalizada
Por outro lado, a inteligência cristalizada é baseada nos conhecimentos sociais, culturais e acadêmicos que um
indivíduo absorve e experimenta durante sua vida. Trata-se aqui de algo construído pouco a pouco, que muitos
conhecem como senso comum. Empregamos a inteligência cristalizada constantemente em nosso cotidiano, ao
conversar com outras pessoas, ao fazer as compras no supermercado, ao praticar uma atividade física ou ao
escolher um candidato em uma eleição.

Acredita-se que esses dois tipos de inteligência coexistem e são complementares. Segundo Knox (1977), elas
representam a capacidade que um indivíduo tem de aprender, raciocinar e resolver problemas. Ambas as
modalidades são compostas por capacidades mentais primárias, cuja combinação única explicaria as
características individuais de raciocínio, solução de problemas e capacidade de compreensão (HORN apud
SCHELINI, 2006).

A Gf e a Gc, entretanto, possuem ápices distintos. A inteligência fluída atinge seu potencial máximo na
adolescência e começa a declinar de forma contínua na idade adulta, ao passo que a inteligência cristalizada
torna-se mais forte e consistente à medida que acumulamos experiências, ou seja, seu potencial aumenta com a
idade.
Capítulo 4
A Teoria das Múltiplas Inteligências
Há ainda, nesta área, uma teoria relativamente recente: a Teoria das Múltiplas Inteligências de Gardner (1983).
Howard Gardner está convencido de que as complexas facetas e habilidades cognitivas de um ser humano não
podem ser medidas por um teste numérico. Sua concepção de inteligência, portanto, vai de encontro àquela
propagada pelas avaliações de QI, pois elas buscam quantificar algo abstrato.

Suas pesquisas resultaram na identificação de sete tipos de inteligência, valorizados e utilizados de forma
diferente em cada cultura: lógico-matemática, linguística, musical, espacial, corporal-cinestésica, intrapessoal e
interpessoal. O autor ainda deixa claro que outros tipos de inteligência podem ser acrescentados, como, por
exemplo, a naturalista e a existencial.
Capítulo 5
Fator G
Saiba que esta teoria se opõe à teoria formulada por Gardner, pois para os psicólogos e pensadores que a
defendem ou defenderam, tal como Spearman e Galton, há um fator geral do qual toda a capacidade intelectual
é derivada. O fator G, conforme identificado por Spearman, refere-se, portanto, à teoria da inteligência geral e
representa a correlação entre o desempenho de um indivíduo nas mais variadas atividades cognitivas.

Aqui, o fator G é entendido como uma base neurológica e evidenciado, por exemplo, na relação, estudada por
Jensen (1993), entre o tempo de processamento de informações, ou seja, a velocidade da reação de um indivíduo
e seu QI. Quanto mais rápidas forem as transmissões neurológicas de informação, melhor será seu tempo de
reação e seu desempenho em um teste; consequentemente, maior será seu QI.
Conclusão
Definir exatamente os elementos que compõem a inteligência do ser humano apresenta-se ainda como um
desafio, e, por extensão, também os testes para medi-la ou quantificá-la. Sabemos, através das teorias pioneiras
de Binet, Cattell, Spearman e Gardner que o que conhecemos por intelecto é composto por inúmeros fatores e
capacidades primárias, cuja combinação é única em cada indivíduo.

Segundo a American Psychological Association (APA), o atual debate em torno dos testes de aptidão e inteligência
resume-se a sua funcionalidade e aplicabilidade. Antes da era das avaliações psicológicas, era comum confundir
inteligência e aptidão com predisposição genética, isto é, os filhos tendiam a seguir religiosamente a profissão
dos pais; o filho de um professor de física estaria fadado a tornar-se um professor de física, enquanto que o filho
de um sapateiro tinha mais chances de enveredar nesta profissão.

Com a evolução das avaliações psicológicas, esse panorama mudou. Através desses mecanismos é possível
detectar e investir muito no potencial bruto de estudantes de qualquer parte do mundo, independentemente de
sua classe social, étnica, de sua crença e gênero. Os resultados nos testes de QI, embora ainda incompletos e
imprecisos, mostram que este campo evoluiu enormemente ao longo do século passado e que há pessoas
dispostas a continuar pesquisando, experimentando e ultrapassando barreiras na busca pela compreensão
integral deste fenômeno da existência humana.

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