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O sono e os hábitos modernos

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Ao longo do século XX, foram acrescentadas de 1,5 a 2 horas diárias de vigília ao


dia. O problema é que para a saúde física e mental, e também para a eficiência no trabalho,
é provável que esse ganho represente uma perda.

As pessoas passam em média um terço da vida dormindo, mas mesmo assim o sono
ainda é um aspecto pouco conhecido do comportamento humano. Muita gente acha que as
horas passadas na cama são uma perda de tempo. Hoje em dia, um adulto dorme de 7 a 7,5
horas por noite. É interessante comparar esse hábito aos do início do século XX, quando a
lâmpada elétrica ainda não era usada em grande escala: as pessoas dormiam em média nove
horas por noite. Ao longo do século, foram acrescentadas de 1,5 a 2 horas diárias de vigília
ao dia, o que dá de quinhentas a setecentas horas por ano e por pessoa. O problema é que
para a saúde física e mental, e também para a eficiência no trabalho, é muito provável que
esse ganho represente na verdade uma perda.

Algumas pessoas que fizeram a experiência de permanecer muito tempo sem dormir
apresentaram comportamentos semelhantes. Ao fim de quatro dias, é impossível resolver o
mais simples dos problemas, pois a atenção não se fixa num foco único. Um pouco mais
tarde surgem dificuldades para ver os objetos em foco, alucinações e sinais de paranóia. A
capacidade mental global fica notavelmente afetada. A resposta física à falta de sono pode
ser igualmente devastadora. Animais de laboratório privados de sono passam a apresentar
pêlo amarelado e perdem cerca de 20% do peso corporal, mesmo comendo mais que o
dobro do habitual. Se a privação de sono não for interrompida, sobrevém a morte.

Por que a falta de sono mata? A resposta pode estar na relação entre sono e sistema
imunológico. Algumas pesquisas já demonstraram que o sistema imunológico funciona
melhor quando os animais estão dormindo, e privá-los de sono reduz sua resistência a
infecções. Isso explica porque os jovens que viram a noite estudando em véspera de prova
correm maior risco de pegar um resfriado, e porque as pessoas dormem mais quando estão
doentes. Dormir é a maneira que o corpo encontra para pôr em ação as reservas de seu
sistema imunológico.

Os ratos submetidos a privação de sono ficam com aspecto semelhante ao das


pessoas debilitadas pelo câncer. Nos estágios avançados da doença, os doentes de câncer
apresentam infecções secundárias — e podem morrer por isso — porque seu sistema
imunológico já não consegue lutar contra elas. Coisa semelhante ocorre com cobaias
privadas de sono, que morrem de infecções bacterianas. Quase sempre, a bactéria fatal é do
mesmo tipo que outras com as quais os ratos convivem todos os dias e normalmente não
provocam doenças porque não conseguem superar as defesas de um sistema imunológico
saudável. Nos ratos privados de sono, o sistema imunológico parece entrar em falência
total, o que permite que o animal seja vítima de microrganismos normalmente inofensivos.

Não se conhece espécie alguma — seja mamífero, réptil, ave ou peixe — que não
durma. Já se acreditou que algumas espécies marinhas não dormissem, porque estão em
constante movimento. O que ocorre é que o sono desses animais não é contínuo, mas
dividido em episódios muito curtos. Os cochilos do golfinho duram de quatro a sessenta
segundos, e por isso seus movimentos parecem ininterruptos. Muitos animais, como a orca,
o albatroz e alguns peixes, usam o mesmo expediente para dormir sem interromper o
movimento. O lobo-marinho, que nada para o alto-mar em expedições de pesca de vários
dias de duração, mostra uma extraordinária solução evolutiva para dormir: seus hemisférios
cerebrais dormem por turnos. Enquanto a metade direita do cérebro repousa, a metade
esquerda permanece alerta e governa os movimentos da nadadeira do lado oposto, o que
mantém o animal flutuando. Depois de um cochilo de mais ou menos vinte minutos, os
hemisférios cerebrais trocam de função e a metade direita começa a funcionar para que a
outra possa dormir.

Nas sociedades modernas, a atividade incessante é muito valorizada. A luz elétrica


garante o funcionamento de quase tudo durante as 24 horas do dia e os meios de
comunicação fazem contato instantâneo, a qualquer hora do dia ou da noite, entre dois
pontos quaisquer da Terra. As pessoas acreditam que, para serem bem-sucedidas, precisam
estar muitas horas no trabalho e acessíveis pelo telefone celular a toda hora. Embora as
legislações trabalhistas estipulem limites para a jornada de trabalho, muita gente faz horas
extra de forma sistemática, ou tem mais de um emprego. Quando as condições econômicas
pioram, quem consegue conservar seu emprego tende a cumprir jornadas mais longas. O
tempo agregado ao trabalho precisa sair de algum lugar, e o mais comum é que seja
roubado ao sono.

Quanto tempo é preciso dormir? Para tentar responder a essa questão, poderíamos
por exemplo observar o quanto dormem os animais mais proximamente aparentados aos
seres humanos. Alguns primatas apresentam ciclos de 24 horas de sono e vigília muito
semelhantes aos das pessoas que vivem em países onde ainda se conserva o hábito da sesta.
Eles dormem durante grande parte da noite e voltam a dormir, por um intervalo bem mais
curto, nas primeiras horas da tarde. Incluindo as sonecas diurnas, alguns macacos dormem
cerca de dez horas por dia. Dentre os grandes primatas, nossos parentes mais próximos, o
chimpanzé dorme dez horas por dia e o gorila, doze.

Distúrbios decorrentes da falta de sono. Os problemas causados pelo sono


insuficiente se manifestam a certas horas do dia, quando a necessidade de dormir se faz
mais imperiosa. O funcionamento do corpo humano obedece a um ritmo denominado
circadiano. Um ciclo circadiano completo dura aproximadamente 24 horas e dentro dele se
insere um ciclo menor, de aproximadamente doze horas, que regula o sono e a vigília. Uma
grande vontade de dormir se manifesta no início da madrugada, entre uma e quatro horas.
Doze horas mais tarde a vontade reaparece, com menos intensidade.

As pessoas que vivem com sono atrasado tendem a ser menos eficientes,
especialmente quando se encontram no ponto mais baixo do ciclo circadiano. Um dos
efeitos mais comuns do sono atrasado são os cochilos involuntários, ao fim dos quais a
própria pessoa nem percebe que "apagou" por alguns instantes. As conseqüências desses
cochilos são fáceis de avaliar: um caminhoneiro sonolento que esteja dirigindo à velocidade
de 50km/h pode "apagar" por dez segundos, durante os quais o caminhão se deslocará fora
de seu controle por uma distância equivalente ao comprimento de um campo de futebol.
Dormir mal reduz a capacidade de concentração por períodos prolongados. A
memória recente se deteriora e o cérebro passa a lembrar-se de cada vez menos coisas. A
capacidade mental ligada a práticas rotineiras e familiares permanecerá intacta, mas
qualquer atividade que exija uma abordagem criativa, uma solução original ou a integração
de muitos elementos será prejudicada pelo déficit de sono. Cochilos involuntários e
capacidade mental reduzida levam as pessoas carentes de sono a serem mais desastradas e
menos lúcidos do que seriam normalmente, o que é um convite a acidentes.

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