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RESUMO
“Toda a doutrina social que visa destruir a família é má, e para mais inaplicável. Quando se
decompõe uma sociedade, o que se acha como resíduo final não é o indivíduo, mas sim a
família.”
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(Victor Hugo)
1 INTRODUÇÃO
A existência de pais ou mães solteiras, filhos com duas mães e um pai, duas mulheres
mães de uma criança, famílias multiparentais, coabitação de avós e netos e irmãos unilaterais
patenteia a evolução que sobreveio às famílias brasileiras nas últimas décadas.
Nessa toada, são incontestáveis as alterações por que passaram as famílias. Essa série
de mudanças, todavia, em tempo anterior, foi bem vagarosa, mas, em anos recentes, propiciou
uma torrente de novas questões para o direito das famílias.
Desde certo tempo, lastreado pelo artigo 203, I, da Constituição da República
Federativa do Brasil – CRFB, o Poder Judiciário reconhece e protege as várias espécies de
família.
Fatos como ter um parente homossexual, criar um filho na ausência do pai ou ser
divorciado, antigamente tabus, nos dias atuais, já não são tão relevantes.
O enfoque dá-se, então, no afeto, na socioafetividade e na convivência.
Hodiernamente, o amor que fundamenta uma família sobrepõe-se a qualquer documento,
porque amor familiam facit.
Nesse sentido, justifica-se o estudo do tema em face da tramitação de dois projetos de
lei – PLs a respeito do conceito de família no Congresso Nacional.
O primeiro deles, em curso na Câmara dos Deputados, intitulado Estatuto da Família
(PL n.º 6.583/2013), no singular, procura reduzir o alcance do conceito de família aos
casamentos e às uniões estáveis entre homens e mulheres e seus filhos.
O outro é o Estatuto das Famílias (PL n.º 470/2013), no plural, no Senado Federal,
advindo de proposta encetada pelos juristas que fazem parte do Instituto Brasileiro de Direito
de Família – IBDFAM, que, em muitos dispositivos, traz uma definição ampla de família.
O principal objetivo desta pesquisa é verificar a constitucionalidade de ambos os PLs
no que concerne ao seu escopo, qual seja, delimitar os arranjos familiares. Para tanto,
empregou-se o método de pesquisa bibliográfica para desenvolver explanações sobre o
Direito das Famílias, acentuando os modelos familiares contemporâneos delineados pelas
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Em que pese vivermos num Estado laico, os valores cristãos ainda têm muita
importância no meio social. É, portanto, predominante o entendimento, entre esses religiosos,
de que o modelo tradicional de família é aquele cuja composição conta com pai, mãe, filhos e
irmãos bilaterais.
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mantenha uma posição de respeito para com os novos arranjos familiares, porque se poderá,
finalmente, afirmar em alto e bom som “Ita Deo placuit!”
Desse modo, no subtópico abaixo, são conceituadas e caracterizadas as novas formas
de família.
A lenta evolução familiar no Brasil tem uma grande dívida para com o preconceito. E,
este, na maior parte das vezes, é fruto do desconhecimento de muitos sobre o que seja uma
família.
Ainda pela influência já ultrapassada da formação tradicional da família, é visível o
julgamento prévio a que se procede quando se se depara com uma estrutura familiar diferente.
Em razão do novo conceito mais extenso de família, par conséquent, não se devem
utilizar qualificativos discriminatórios, como marginais, informais ou extramatrimoniais, ao
se tratar dessas novas famílias (DIAS, 2013, p. 39). Dans ce sens, essa sobreposição de
elementos na estrutura familiar consagra a igualdade entre os filhos havidos fora do
casamento, defenestrando a regra is pater est quem nuptiæ demonstrant e, em efeito,
transmudando a convivência familiar, mormente no que se refere à ligação entre pais e filhos
e irmãos unilaterais (DIAS, 2013, p. 40).
A Lex Legum estabeleceu um rol de entidades familiares que engloba o casamento, a
união estável e a família monoparental (art. 226, §§ 1.º-4.º). Obedecendo ao animus
constitucional, aos poucos, o ordenamento jurídico brasileiro vem aceitando outros descritores
para o termo família, como, inter alia, recomposta, reconstituída ou pluriparental, anaparental
ou homoafetiva (CARVALHO, 2013, p. 7967). Concebe-se, portanto, a afetividade como o
cerne das relações familiares.
Dessarte, há mister de conceituar alguns dos modelos de famílias, desde aqueles mais
tradicionais até os contemporâneos.
2.3.1 Casamento
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In fine, o que importa para que exista uma família é sobretudo a afetividade que a
cerca, sendo relegadas todas as imposições estatais para que ela se constitua.
Assevera-se que todas as famílias se encaixam nesse perfil, uma vez que o
eudemonismo se caracteriza como a busca da felicidade, objetivo primeiro do indivíduo
quando decide formar a sua família (DIAS, 2013, p. 58).
dos sexos se casem e formem família. Além disso, toda discriminação em relação à orientação
sexual fere diretamente a Lei Maior (DIAS, 2017c, p. 5).
A responsabilização não alcança apenas os indivíduos comuns. É necessário que o
Poder Judiciário preserve os direitos e o reconhecimento de famílias homoafetivas sem levar e
consideração o sexo dos sujeitos que compõem essas entidades (DIAS, 2005, p. 47).
Ademais, apesar da diferenciação estatuída pela CRFB, nada justifica a distinção entre
a união estável formada por um homem e uma mulher daquela composta por pessoas
homoafetivas (DIAS, 2013, p. 46).
2.3.8 Homoparentalidade
Em face das mudanças nos modelos familiares, o Judiciário não foi omisso ao
reconhecer a nova realidades. Dessa forma, os Tribunais Superiores se posicionam a favor dos
novos arranjos familiares.
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Assim o foi quando o Supremo Tribunal Federal – STF julgou em conjunto a ação
direta de inconstitucionalidade – ADI 4277/DF e a arguição de descumprimento de preceito
fundamental – ADPF 132/RJ1, ocasião em que igualou a união entre pessoas do mesmo sexo à
entidade familiar, prevista no artigo 1.723 do CCB, dando-lhe interpretação conforme a
CRFB e excluindo qualquer sentido que impedisse reconhecer a união contínua, pública e
duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, cuja relação afetiva se
caracteriza como verdadeira família.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça – STJ ratificou o reconhecimento
das famílias homoafetivas, equiparando-as às famílias tradicionais quando do julgamento do
recurso especial – REsp 827.962/RS2.
Da mesma forma, no julgamento do REsp 1.183.378/RS 3, o Tribunal da Cidadania fez
avançar o seu entendimento e reconheceu outros arranjos familiares, encarecendo, no entanto,
a igualdade entre os sexos e a liberdade de casamento entre homossexuais
Fundamentando-se em julgados dos Tribunais Superiores, as câmaras cíveis dos
Tribunais de Justiça – TJs pelo país também decidiram pela analogia de igualar as uniões
homoafetivas às heterossexuais. Foi exemplo a apelação cível/reexame necessário n.°
1.0024.06.930324-6/0014, da Comarca de Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais.
1
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. ADPF 132, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado
em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001.
2
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 827.962/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA,
QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2011, DJe 08/08/2011.
3
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.183.378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012.
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MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível/Reexame Necessário n.°
1.0024.06.930324-6/001 - Comarca De Belo Horizonte - Remetente: Jd 1 V Faz Comarca Belo Horizonte -
Apelante(S): Estado Minas Gerais - Apelado(A)(S): M C S A E Outro(A)(S) - Relatora: EXMª. SRª. DESª.
HELOISA COMBAT.
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homoafetivos, sem que isso ameace ou ataque os direitos das pessoas que fazem parte de
famílias heteroafetivas.
Além do mais, o artigo 2.º do retrógrado PL é inconstitucional por não levar em conta
a existência de famílias monoparentais, cuja previsão se encontra no artigo 226, § 4.º, da Lei
Constitucional. Isso nem se fale que foram relegadas entidades como as famílias-mosaico e as
anaparentais.
É lugar-comum afirmar que a CRFB é inclusiva, e não exclusiva, o que requer especial
atenção quanto se trata do rol meramente exemplificativo das espécies de família (art. 226).
Nesse sentido, não cabe a uma lei infraconstitucional restringir norma que lhe é superior em
claro desrespeito inconstitucional a direitos civis.
Ressalte-se, por tudo, que a LMP já traz um conceito extensivo de família (art. 5.º, II),
ao estatuir que esta não precisa estar atrelada obrigatoriamente a laços parentais, mas por
afinidade ou simples vontade.
4 CONCLUSÃO
desse modo, uma clara valorização do novo direito de família no ordenamento jurídico
brasileiro.
No que diz respeito ao Estatuto da Família, vislumbra-se a possibilidade de que se
adapte à Carta Magna e a toda a evolução social. Por esse prisma, impende assumir que traga,
no seu bojo, apenas alguns exemplos de arranjos familiares. Se se confirma essa hipótese, a
Casa Bicameral desperdiça tempo e dinheiro público em trabalho vão, porquanto as famílias
que o PL visa tutelar já estão completamente protegidas, isso sem se mencionar que
representam a maioria dos arranjos familiares no país.
Devem os ocupantes de cargos eletivos empenhar-se em assegurar a existência digna e
feliz de todas as constituições familiares, que é o que busca o Estatuto das Famílias em
perfeita harmonia com a Carta Cidadã. A inclusão deve ser sobrepor à exclusão, pois essa a
ordem das coisas exigida pela CRFB. Há de sempre se lembrar que, conforme a Constituição
Federal, é defesa qualquer discriminação, e altamente valorizada a dignidade da pessoa
humana. Por tudo, fale-se de famílias, no plural.
REFERÊNCIAS
ALVES, José Eustáquio Diniz; CAVENAGHI, Suzana Marta; BARROS, Luiz Felipe Walter.
A família DINC no Brasil: algumas características sócio-demográficas. Rio de Janeiro:
IBGE, 2010. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv49328.pdf>.
Acesso em: 10 jun. 2017.
BERLINCK, Deborah. “Se a pessoa é gay, procura a Deus e tem boa vontade, quem sou eu
para julgá-la?”, disse o Papa Francisco. O Globo. Rio de Janeiro, 29 jul. 2013. Disponível
em: <http://oglobo.globo.com/rio/se-pessoa-gay-procura-deus-tem-boa-vontade-quem-sou-
eu-para-julga-la-disse-papa-francisco-9255712>. Acesso em: 10 jul. 2017.
BÍBLIA. Português. A Bíblia Sagrada: tradução na linguagem de hoje. São Paulo: Sociedade
Bíblica do Brasil, 1988.
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DIAS, Maria Berenice. União homossexual: o preconceito e a justiça. 3. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2005.
______. Manual de Direito das Famílias. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.
IGREJA CATÓLICA. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Edições Loyola, 2000.
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TERRA. Em missa, Papa defende batismo de filhos de mães solteiras. Terra, 25 maio 2013.
Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/brasil/papa-francisco-no-brasil/em-missa-
papa-defende-batismo-de-filhos-de-maes-
solteiras,1b0eb044757de310VgnCLD2000000ec6eb0aRCRD.html>. Acesso em: 10 jun.
2017.
ABSTRACT