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A MATRIZ CURRICULAR NACIONAL PARA AÇÕES FORMATIVAS

DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA DE SEGURANÇA PÚBLICA E O


CURRÍCULO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS BOMBEIRO
MILITAR: QUAIS AS RELAÇÕES POSSÍVEIS?

Getúlio Neves Sena1 - FUNDAJ


Ana de Fátima Pereira de Sousa Abranches2 - FUNDAJ

Grupo de Trabalho – Cultura, Currículo e Saberes


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Com o intuito de responder às demandas sociais, o Curso de Formação de Oficiais do Corpo


de Bombeiros Militar de Pernambuco (CBMPE) é rotineiramente revisitado e reorganizado.
Nesse sentido, como ferramenta para nortear tais arranjos encontra-se a Matriz Curricular
Nacional para Ações Formativas dos Profissionais da Área de Segurança Pública, instrumento
que visa fornecer uma padronização mínima para as construções dos currículos dos Cursos
voltados para os profissionais da área de Segurança Pública. Sendo assim, o presente artigo
tem como objetivo realizar a comparação entre os currículos de dois Cursos de Formação de
Oficiais realizados no CBMPE, o primeiro no ano de 1999 e o segundo no ano de 2008. Ou
seja, analisa-se um Curso anterior à formulação da Matriz Curricular citada e um Curso
posterior, uma vez que a Matriz Curricular Nacional estudada foi elaborada no ano de 2003.
Com isso, buscou-se inferir as relações possíveis entre a base nacional e as características
regionais encontradas no Estado de Pernambuco. Para tanto, foram descritas as principais
características do Curso de Formação de Oficiais, além de apresentados pontos acerca das
teorias de currículo, como forma de apresentar o processo de formulação de tal instrumento
do planejamento de ensino. Posteriormente, insere-se o leitor na Matriz Curricular Nacional,
destacando seus pontos principais e seus desdobramentos no Ensino Militar estadual. Em
seguida, realiza-se a descrição dos principais pontos observados na análise dos currículos dos
Cursos supracitados. Por fim, são apresentados os contributos de tal Matriz para o Curso em
epígrafe, assim como demonstrados os desafios que se impõem na formulação de novos
arranjos curriculares para o sobredito Curso.

Palavras-chave: Corpo de Bombeiros. Currículo. Formação.


1
Mestrando em Educação, Culturas e Identidades pela Universidade Federal Rural de Pernambuco/Fundação
Joaquim Nabuco, 1º Tenente do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco. E-mail:
sena.getulio10@gmail.com.
2
Doutora em Educação(UFPE). Analista em Ciência e tecnologia da Fundação Joaquim Nabuco, vice-
coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação, Culturas e Identidades da Universidade Federal
Rural de Pernambuco/Fundação Joaquim Nabuco. E-mail: ana.abranches@fundaj.gov.br.

ISSN 2176-1396
7556

Introdução

O texto em pauta trata-se de um estudo comparativo das Matrizes Curriculares do


Curso de Formação de Oficiais Bombeiro Militar (CFO/BM) do Estado de Pernambuco,
especificamente os cursos iniciados nos anos de 1999 e 2008, bem como sua associação com
a Matriz Curricular Nacional para Ações Formativas dos Profissionais da Área de Segurança
Pública.
O Ministério da Educação e Cultura vem atuando no sentido de descentralizar a gestão
da educação, incentivando o desenvolvimento da qualificação do educando para atuação
cidadã e profissional. Nessa ótica, existe o ensino militar, previsto na Lei de Diretrizes e
Bases da educação e regulado por lei específica (SANTANA, 2014).
Partindo desse pressuposto, a formação profissional no Corpo de Bombeiros Militar de
Pernambuco (CBMPE) é uma preocupação constante e um objetivo estratégico de primeira
linha para os gestores da Corporação.
Paralelamente, o Estado de Pernambuco está alinhado com a política da Secretaria
Nacional de Segurança Pública (SENASP), órgão vinculado ao Ministério da Justiça e que
visa o desenvolvimento de uma política de formação em segurança pública com cidadania,
focando, principalmente, a temática de promoção dos direitos humanos.
Partindo desse princípio, no ano de 2003 é elaborado pela SENASP um documento
denominado Matriz Curricular Nacional, com o objetivo de estabelecer padrões mínimos
para a formação dos agentes de segurança pública. Já em 2005, tal documento é revisado,
incorporando-se ao mesmo as Diretrizes Pedagógicas para as atividades formativas dos
profissionais da área de segurança pública e a Malha Curricular Nacional para tais
atividades.
Com relação ao CBMPE, existem duas formas de ingresso na Corporação: o candidato
poderá adentrar através do Curso de Formação de Soldados, onde se tornará elemento
eminentemente executor, na organização hierárquica da Corporação; ou através do Curso de
Formação de Oficiais Bombeiro Militar (CFO/BM), que tem como objetivo preparar os
alunos, que serão os futuros comandantes da Corporação, tanto para as atividades
administrativas quanto para as atividades operacionais, incluindo prevenção e combate a
incêndios, busca e resgate, salvamento aquático e perícias de incêndios, de acordo com as
competências institucionais do CBMPE, previstas na Lei 15.187, de 13 de dezembro de 2013
(PERNAMBUCO, 2013), Lei de Organização Básica do CBMPE.
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Em se tratando da formação realizada no CFO/BM, o curso em tela se desenvolve em


três anos letivos na Academia Integrada de Defesa Social (ACIDES), em tempo integral, onde
são ministradas aulas teóricas e práticas, além da previsão da realização do estágio de
habilitação profissional, ao final de cada ano letivo, com o intuito de aliar o conhecimento
teórico à vivência prática das atividades desenvolvidas rotineiramente na Corporação. Ao fim
do curso, o aluno é declarado Aspirante a Oficial e passará por mais seis meses de estágio,
onde, após aprovação neste último estágio, receberá a promoção ao primeiro posto do
oficialato do CBMPE, passando a cumprir as funções de comandante de operações, na área
operacional, e de chefe de seções administrativas.
Ao analisar o perfil do Corpo discente do CFO/BM, com base, sobretudo, na faixa
etária e no grau de instrução dos mesmos, percebe-se que se trata de jovens, com média de
idade entre os 18 e 23 anos e, em sua grande maioria, com ensino superior incompleto.
Nesse sentido, os discentes ingressam no CBMPE ainda muito jovens, passando por
um processo de adaptação à nova realidade experimentada na caserna e se inserindo num
contexto específico de formação profissional completamente distinto da formação acadêmica
vivida nas Universidades e Faculdades do meio civil.
Conhecer a proposta da SENASP acerca da base nacional comum para as ações
formativas dos profissionais de Segurança Pública, permite-nos refletir sobre as
possibilidades de associação de tal base com as características regionais existentes no Estado
de Pernambuco.
Consequentemente, com vistas a avaliar os processos de reformulações operadas no
âmbito da Educação Corporativa militar estadual, a presente pesquisa tem como objetivo,
analisar a proposta pedagógica do Curso de Formação de Oficiais Bombeiro Militar
(CFO/BM), realizando-se um recorte nas turmas iniciadas no ano de 1999 e 2008, por se
tratar de cursos realizados antes e depois, respectivamente, da elaboração da Matriz Curricular
Nacional da SENASP. Assim, na pesquisa em tela, enfatizou-se sobretudo os aspectos
curriculares e à interdisciplinaridade exigida ao Bombeiro Militar, atentando para a
observação feita por Corrêa (2014, p. 06) de que “as obrigações legais deste profissional o
levam a adquirir (e atualizar) competências múltiplas e que em primeira análise dialogam
fortemente umas com as outras e com as transformações da vida”.
Considerando o currículo como uma das ferramentas imprescindíveis para o
desenvolvimento educacional, o processo de elaboração de tais instrumentos nos mais
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diversos níveis ou modalidades de ensino necessita atenção especial, sob pena de não ser
possível atingir os objetivos educacionais propostos para cada situação específica. Portanto,
segundo a ideia defendida por Goodson (1995) é necessário abandonar o currículo com
enfoque único a partir da prescrição dos conteúdos, uma vez que ele se apresenta como uma
construção social, seja quanto à própria prescrição, seja em nível de processo e prática.
Ao longo dos anos perpetuou-se o distanciamento entre os servidores públicos e a
sociedade, sobretudo dos profissionais de segurança pública e defesa social, fato que vem
sendo combatido pela administração pública gerencial, focando principalmente no cidadão
como “cliente” e destinatário do serviço público. O que vem sendo comprovado através do
crescimento das avaliações positivas recebidas pelo serviço público a partir dos anos 1990
(BONIFÁCIO; SCHLEGEL, 2012).
Dentro dessa realidade, não só a eficiência, mas também a urbanidade e a proteção aos
direitos humanos emergem e ecoam do sentimento social para com os profissionais do
CBMPE, mormente em virtude das situações peculiares em que tais profissionais são
requeridos pela sociedade.
Nesse sentido, a fragmentação do conhecimento não mais se aplica às necessidades
complexas existentes na sociedade moderna, também requeridas aos profissionais de
Segurança Pública. Assim, a articulação dos temas transversais, propostos na Matriz
Curricular Nacional, fazem com que sejam transgredidas as “fronteiras epistemológicas de
cada disciplina, possibilitando uma visão mais significativa do conhecimento e da vida.
(SANTOS, 2009, p. 23)
Isto posto, Kramer (2001, p. 169) afirma que “toda proposta pedagógica tem uma
história que precisa ser contada. Toda proposta contém uma aposta”. Nessa perspectiva, deve-
se entender qual a aposta que há de ser feita em relação à formação dos futuros Oficiais do
CBMPE, os profissionais que estarão no comando das principais operações de natureza
Bombeiro Militar no Estado de Pernambuco.
Para tanto, é imprescindível que se enverede por tais horizontes, como forma de
entender um processo que se mostra “multifacetado, multidisciplinar, transversalizado e
contextual”. (SANTANA, 2014, p. 37)
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A Matriz Curricular Nacional para formação em segurança pública

Ao propor a Matriz Curricular Nacional (MCN), a SENASP deixa claro que se buscou
trazer uma concepção mais abrangente do termo currículo. Assim, “o termo matriz suscita a
possibilidade de um arranjo não linear de elementos que podem representar a combinação de
diferentes variáveis”. (BRASIL, 2008, p. 7)
Com isso, além dos princípios que regem a MCN, a mesma foi subdividida em eixos
articuladores e áreas temáticas.

Os princípios da Matriz Curricular Nacional

Para efeito didático, os princípios da MCN são classificados enquanto preceitos que
fundamentam a concepção das ações formativas que envolvam os profissionais que atuam na
segurança pública. (BRASIL, 2008)
Dessa forma, eles são divididos em três grupos: ético, educacional e didático-
pedagógico. Os princípios do grupo ético orientam as ações dos agentes de segurança pública
num Estado Democrático de Direito, eles enfatizam as relações entre as ações formativas e a
transversalidade dos direitos humanos. Os princípios educacionais têm o objetivo de fornecer
linhas gerais para a fundamentação das ações formativas. Por fim, os princípios didático-
pedagógicos tratam dos processos de ensino-aprendizagem relacionados às ações formativas,
assim orientam as atividades de planejamento, execução e avaliação dos cursos formativos
dos agentes de segurança pública.
Com isso, os princípios da matriz podem ser subdivididos por grupos temáticos: os
princípios do grupo ético compreendem a compatibilidade entre Direitos Humanos e
Eficiência Policial e a compreensão e valorização das diferenças; o grupo dos princípios
educacionais apresentam-se como flexibilidade, diversificação e transformação, abrangência e
capilaridade, qualidade e atualização permanente, articulação, continuidade e regularidade;
por último, os do grupo didático-pedagógicos contém a valorização do conhecimento anterior,
a universalidade e a Interdisciplinaridade, Transversalidade e reconstrução democrática de
saberes. (BRASIL, 2008)
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Os eixos articuladores da Matriz Curricular Nacional

A partir dos princípios que regem a MCN, propõe-se a interrelação do que se


constituirá como objeto de estudo nos cursos de formação dos profissionais de segurança
pública.
Assim,

a dinâmica e a flexibilidade da Matriz se encontram nas infinitas possibilidades de


interação existentes entre os eixos articuladores e as áreas temáticas. São essas
interações que proporcionam a visualização tanto de conteúdos que contribuam para
a unidade de pensamento e ação dos profissionais da área de Segurança Pública
como de conteúdos que atendam as peculiaridades regionais. (BRASIL, 2008, p. 15)

Com isso, os eixos articuladores da MCN são os instrumentos para orientação das
atividades que visem o desenvolvimento pessoal e a conduta moral e ética. Eles estimularão a
reflexão crítica e constante das práticas profissionais desenvolvidas no dia a dia tanto dos
profissionais, individualmente, quanto da política institucional vigente.
Na MCN, os eixos articuladores são quatro, a saber:
a) Sujeito e Interações no Contexto da Segurança Pública: as ações do profissional
de segurança pública devem ser compreendidas através da interação entre os
sujeitos que participam da ação, bem como suas associações com o ambiente.
b) Sociedade, Poder, Estado, Espaço Público e Segurança Pública: este eixo
enfatiza a importância do lugar de ação do profissional de segurança pública para
a compreensão do fenômeno como um todo. Assim, do ponto de vista social,
cultural, histórico, antropológico, analisa-se as tensões que se verificam na
convivência no espaço público.
c) Ética, Cidadania, Direitos Humanos e Segurança Pública: este eixo tem como
objetivo estimular a reflexão sobre temas relacionados à ética e aos direitos
humanos relacionados à atuação profissional e no contexto da política
institucional com relação à segurança pública.
d) Diversidade, Conflitos e Segurança Pública: por fim, este eixo visa se constituir
em instrumento de observação e reflexão acerca das políticas de intervenção
frente a conflitos decorrentes das questões de diversidade, sejam elas de gênero,
culturais, étnicas, sociais, etc.
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As áreas temáticas da MCN

De acordo com a SENASP (BRASIL, 2008, p. 18), “as áreas temáticas designam
também os espaços específicos da construção dos currículos a serem elaborados pelas
instituições de ensino, em conformidade com seus interesses, peculiaridades e especificidades
locais”. Assim, os conteúdos que devem estar contidos nos cursos de formação dos
profissionais de segurança pública são delimitados em tais áreas, constituindo-se na raiz
comum e indispensável para a formação de tais profissionais.
Desse modo, oito áreas temáticas são elencadas pela MCN:
a) Sistemas, Instituições e Gestão Integrada em Segurança Pública.
b) Violência, Crime e Controle Social.
c) Cultura e Conhecimentos Jurídicos.
d) Modalidades de Gestão de Conflitos e Eventos Críticos.
e) Valorização Profissional e Saúde do Trabalhador.
f) Comunicação, Informação e Tecnologias em Segurança Pública.
g) Cotidiano e Prática Policial Reflexiva.
h) Funções, Técnicas e Procedimentos em Segurança Pública.

O currículo no Curso de Formação de Oficiais Bombeiro Militar

Para a caracterização da política de reformulação do currículo prescrito no CFO/BM


com base na proposta apresentada na MCN foram analisadas as matrizes curriculares dos anos
de 1999 e 2008, isto é, realiza-se a comparação entre um curso ocorrido antes da elaboração
da MCN e outro cujo arranjo curricular tomou como base os preceitos da norma nacional.
Tal comparação foi realizada com base em alguns critérios a serem analisados, como a
subdivisão das matrizes curriculares, a concentração das disciplinas por área de conhecimento
e por períodos de instrução, as modificações nas cargas horárias de um curso para o outro, as
disciplinas com maior carga horária e a inclusão ou exclusão de disciplinas nos cursos
estudados.
Antes de mais nada, é latente a necessidade de alguns esclarecimentos em torno de tal
processo, pois de acordo com Silva (1996), ao realizar-se a comparação entre currículos de
um curso dado é necessário estar atento para a observação de que a história do currículo nos
ajuda a entendê-lo como um artefato social e histórico, sujeito a mudanças, onde é preciso
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tentar captar rupturas e disjunturas na mesma, não a entendendo como um movimento


evolutivo de aperfeiçoamento que levará a formas melhores e mais evoluídas.
Assim sendo, Corazza (2001, p. 12) esclarece que “o currículo não pode, nem deve,
ser tomado ‘ao pé da letra’ porque este ‘ao pé...’ não existe. O que existe é a equivocidade do
querer-dizer de um currículo, fornecida por suas significações constantemente diferidas”, ou
seja, o currículo diz mais do que quer, além de dizer outra coisa, tendo em vista estar
imbricado no contexto local e época em que foi produzido. (CHIQUITO, 2007)
Por fim, corrobora-se com a informação de JÚNIOR (2009, p. 68), para quem “o
grande desafio quando se trata do termo currículo é sair da concepção do pensar de forma
fragmentária dentro das matérias e iniciar um pensamento da lógica do currículo total, global,
para que se possa construir algum esquema completo”.

O currículo CFO/BM em 1999

No ano de 1999, isto é, antes da formulação da MCN, o currículo CFO/BM era


constituído por disciplinas que se subdividiam em Ensino fundamental e Ensino profissional,
além do Estágio de Habilitação Profissional.
Assim, a cada ano, o estudante entrava em contato com conhecimentos da área
profissional, com disciplinas ligadas diretamente à prática profissional; assim como com as
disciplinas do núcleo fundamental, como Psicologia, Sociologia e Direitos Humanos.
Ao analisar a matriz curricular do CFO/BM, no ano de 1999, bem como as ementas de
cada disciplina, pode-se salientar alguns pontos chave para a associação proposta nesta
pesquisa:
a) De um total de 3060 horas/aula (h/a), somente 620 h/a são destinadas ao Ensino
Fundamental e 2440 h/a ao Ensino Profissional, o que caracteriza um profissional
mais técnico do que analista;
b) Uma das disciplinas com maior carga horária é a disciplina de Educação Física, o
que supõe a necessidade de um bom estado físico para o desempenho da atividade
Bombeiro militar;
c) A disciplina de Higiene e Socorro de Urgência engloba aspectos de ergonomia,
higiene pessoal e do acidentado, bem como aspectos de atendimento a
emergências em ambiente pré-hospitalar;
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d) As disciplinas das Ciências Exatas estão contempladas quase que exclusivamente


no 2º ano do curso, o que acarreta uma sobrecarga em tais competências em um
mesmo espaço temporal de aprendizagem;
e) A disciplina de ética social apresenta conteúdos relacionados à etiqueta e
comportamento em cerimônias, não sendo, portanto, voltada ao desenvolvimento
de uma atitude cidadã na atuação do Bombeiro Militar;
f) A atividade de Salvamento só está contemplada em uma disciplina com 100 h/a,
englobando o Salvamento terrestre, Salvamento aquático e Salvamento em
alturas, o que impede o desenvolvimento de tal prática profissional, em virtude da
carga horária escassa, bem como da concentração em um único momento;
g) A grande carga horária de disciplinas de prática profissional está concentrada no
terceiro ano do Curso, ou seja, não está distribuída ao longo da formação.

O currículo CFO/BM em 2008

Com a MCN revisada em 2005, o Estado de Pernambuco se insere na política de


formação dos agentes de segurança pública proposta pela SENASP, reformulando o currículo
do CFO/BM e apresentando uma nova matriz curricular para o curso em tela que, apesar de
continuar subdividido em Ensino Fundamental, Ensino Profissional e Estágio de Habilitação
Profissional, passa a observar as áreas temáticas propostas pela MCN.
Analisando o CFO/BM 2008, também com base em sua Matriz Curricular e nas
ementas das disciplinas, comparando-se com o mesmo curso de 1999, podemos associar
algumas modificações, tanto do ponto de vista de novas demandas sociais que urgiram
reformulações nas atividades dos agentes públicos, quanto das propostas da própria MCN.
Com isso, realiza-se algumas observações:
h) A carga horária do curso sobe para 3.525 h/a, crescendo, consideravelmente, o
tempo disponível para as disciplinas do Ensino Fundamental, 930 h/a. Isso ocorre,
sobretudo pela inclusão de disciplinas que integram a Malha Curricular proposta
pela SENASP como Sistemas de Segurança Pública no Brasil, Ética e Cidadania e
História Institucional;
a) A disciplina de Higiene e Socorro de Urgência é substituída por Atendimento Pré-
hospitalar, tornando-se eminentemente técnica e suprimindo conteúdos de higiene
pessoal;
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b) A grande quantidade de disciplinas com foco nas Ciências Exatas continua


centralizada no segundo ano do curso, não obstante ter ocorrido inserções de
algumas disciplinas dessa linha temática em outros anos;
c) A disciplina de Salvamento passa a ser subdividida em Salvamento aquático,
terrestre e em alturas, o que demonstra a ênfase dada nessa nova matriz a tais
atividades;
d) Continua a ser dada grande importância à atividade física no CFO/BM;
e) As disciplinas de conhecimentos jurídicos subdividem-se no primeiro e no último
ano do curso, sendo que as disciplinas básicas estão contempladas no início do
curso, enquanto as disciplinas específicas para a atividade militar ocorrem no
terceiro ano;
f) Nos dois currículos existem as disciplinas de formação militar como Ordem
Unida e Instrução Geral, porém ocorre o a redução da carga horária de tais
disciplinas no currículo de 2008.

Resultados e discussões

Considerando que a MCN afirma que o sentido da proposta trazida por ela está na
integração entre os eixos articuladores e as áreas temáticas, constituindo um conjunto de
conhecimentos que perpassam as diversas áreas em que eles possam estar divididos,
entendendo que no interior das áreas temáticas estão “os conteúdos indispensáveis à formação
do profissional da área de Segurança Pública e sua capacitação para o exercício da função”
(BRASIL, 2008, p. 18), julga-se importante associar o currículo do CFO/BM com as áreas
temáticas constantes da Matriz, buscando compreender o locus de representação que os temas
transversais encontram em cada área.
Nesse sentido, entende-se por transversal aquilo que atravessa o sentido, perpassando
por distintas áreas, através do entendimento do princípio hologramático descrito por Santos
(2009), onde o todo é mais do que a soma das partes, do mesmo modo que a soma das partes
constitui mais do que o todo, pois o entendimento da complexidade da sociedade moderna
reside na aceitação da existência de vários níveis de realidade que não são passíveis de
entendimento através do pensamento linear cartesiano.
Todo esse movimento de estruturação e reconfiguração do ensino nas instituições de
Segurança Pública respondem às demandas emanadas da sociedade brasileira.
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Verifica-se que a partir do surgimento das pesquisas críticas em educação, a escola e,


por associação, todas as instituições formadoras, passaram a ser vistas com um novo papel
social: adaptar os jovens às modificações pelas quais a sociedade passava no final do século
XIX.
Nesse sentido, Apple (2002, p. 41) acredita que “enquanto não levarmos a sério a
intensidade do envolvimento da educação com o mundo real das alternantes desiguais das
relações de poder, estaremos vivendo em um mundo divorciado da realidade”.
Giroux e Simon (2002, p. 96) apresentam a vida cotidiana como base para o
conhecimento curricular, eles destacam a necessidade de associação entre a pedagogia e a
cultura popular, entendendo que ambas coexistem enquanto discursos das classes
subordinadas, sendo que o popular tem sido vislumbrado como instrumento perturbador da
ordem social vigente.
Com essa proposta, encontram-se os Estudos Culturais, defendendo a tomada de
posição dos acadêmicos, enquanto intelectuais públicos, que se relacionam com a dinâmica do
poder existente em sala de aula. (SILVA, 1995, p. 89)
Dentro desse pressuposto, não obstante a Matriz Curricular Nacional apresentar e
orientar as instituições de Segurança Pública para a construção de currículos dinâmicos, onde
as várias áreas de conhecimento possam ser integradas e que respondam às demandas
complexas da sociedade atual, o currículo do CFO/BM 2008 continua dividido
disciplinarmente.
Com isso, a fragmentação do conhecimento é favorecida, não existindo espaço para o
fluxo de relações que podem se estabelecer entre os conhecimentos necessários à atuação do
Bombeiro militar.
Mesmo que não se abandone a estrutura disciplinar, a abordagem dos temas
transversais não pode se isolar aos debates relacionados a disciplinas específicas, mas o
currículo, enquanto espaço de luta e de contestação precisa abrir espaço para discussões que
englobem as várias áreas de conhecimento, seja através de seminários temáticos, de oficinas
de debate, estudos de caso, entre outros. Ou seja, o ambiente de aprendizado tornar-se-ia mais
dinâmico e efetivo se fossem ampliados os espaços de construção do conhecimento para além
dos “muros” das salas de aula.
Somente com essa abertura, o processo de ensino-aprendizagem poderá resgatar o que
vem se perdendo através da fragmentação e segmentação dos temas complexos, fazendo com
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que discentes e docentes não possuam a noção das relações existentes entre as problemáticas
que se impõem ao ensino dos profissionais de Segurança Pública.

Considerações Finais

Diante do exposto neste estudo comparativo, percebe-se o processo de construção de


um novo currículo para o Curso analisado, levando-se em consideração a base nacional
comum para os currículos dos Cursos de Formação dos Agentes de Segurança Pública. Não
obstante a necessidade de articulação dos temas propostos com as necessidades sociopolíticas
e econômicas enfrentadas pelos diversos Estados da Federação, entendemos que a formulação
de tal base representa uma espécie de roteiro para a elaboração dos diversos cursos da área de
Segurança Pública.
Com isso, pode-se falar em uma certa unidade de atuação frente às catástrofes,
desastres ou emergências que possam existir em nosso País, até mesmo facilitando a formação
de Forças Tarefa para o trabalho em emergências que extrapolem a capacidade de
atendimento de um único Estado da Federação, como ocorre em países desenvolvidos, como
Estados Unidos, França e Alemanha. Em tais países, encontra-se a figura da cooperação para
a atuação em grandes catástrofes, sobretudo as advindas de intempéries naturais, onde mais de
uma Corporação é acionada para solucionar as emergências existentes.
Mesmo diante de uma base nacional comum, encontra-se espaço para o
desenvolvimento das peculiaridades existentes nos Estados da Federação. Os temas a serem
tratados devem representar a realidade sociopolítica e econômica de cada Estado ou região.
Para tanto, a prática docente deve estar aliada a pesquisas no campo educacional. Com isso,
professores, mas também instrutores militares, precisam estar atentos à dinâmica de saber e
poder existente em sala de aula para que possam conseguir atuar como mediadores do
processo de construção do conhecimento dos alunos.
Ainda nesse contexto, infinitas possibilidades se abrem para a “derrubada” dos muros
da sala de aula e a promoção de uma aprendizagem mais efetiva, que atenda aos interesses e
necessidades sociais para com os profissionais que estão se formando. Desse modo, a
interdisciplinaridade, bem como o rompimento das barreiras disciplinares podem ser
utilizados como instrumentos de facilitação do ensino-aprendizagem, pois, o tratamento dos
conteúdos de forma contextualizada trará uma nova visão daquilo que se apreende.
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Com a comparação entre os Cursos e a associação a Matriz Curricular Nacional,


percebe-se a atualização e a adesão à mesma. Entretanto, são claras as possibilidades de novas
revisitas e reorganizações curriculares para o CFO/BM.
Um ponto a destacar é a vasta quantidade de disciplinas, pois os alunos passaram por
65 disciplinas ao longo de três anos, no curso iniciado em 1999; e por 90 disciplinas ao longo
dos mesmos três anos, no curso iniciado em 2008. Desse modo, ao verificar os documentos de
tais cursos, questionamo-nos a respeito de uma formação aparentemente tão fragmentada.
Portanto, entendemos que estudos e pesquisas sobre pontos específicos da formação do
Oficiais do CBMPE precisam ser exploradas, com o intuito de difusão de uma cultura
profissional que vise o bom atendimento ao cidadão e o respeito aos direitos humanos, a partir
do momento em que o profissional se vê e é visto como elemento importante de uma estrutura
social.
Assim, o aperfeiçoamento do CFO/BM depende da atuação engajada dos atores do
processo, sejam eles docentes ou gestores, com vistas ao desenvolvimento de uma nova
cultura formativa para os profissionais de Segurança Pública, onde se abandone ideais
retrógrados que conceituavam os órgãos de Segurança Pública enquanto aparelhos repressores
e construa-se um novo paradigma que aproxime a sociedade de tais órgãos.

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