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Dica de latim do prof.

Matheus Knispel da Costa

Em português, costumamos dizer muitas coisas sem palavras: usamos um certo tom de voz, um gesto, uma
pausa estratégica; na escrita, usamos uma porção de sinais gráficos que, embora signifiquem algo, não são
propriamente palavras. Acabei de empregar dois-pontos para introduzir um esclarecimento sobre o que havia dito
anteriormente, e ponto e vírgula para separar duas frases em uma oração que me pareceu longa.
Ninguém duvida de que os antigos romanos gesticulassem ou entonassem suas vozes no dia a dia. Contudo,
o latim que conhecemos, fundamentalmente literário, é uma língua marcadamente verbal. Pode parecer óbvio, mas
ela emprega palavras para dizer coisas e estabelecer relações entre elas. Palavras: não gestos, não pontuação
gráfica, apenas palavras.
Ao invés dos dois-pontos que empreguei no primeiro parágrafo, um romano provavelmente teria utilizado
uma partícula como “nam” ou “enim”. No caso do ponto e vírgula, seguramente teríamos um “autem” ou “vero”.
Às vezes o aluno que se aventura a praticar a escrita em latim declina e conjuga tudo perfeitamente, mas
produz um texto desarticulado ao ponto de parecer infantil ou peregrino. Faltam as partículas, essas palavras que,
estabelecendo diferentes relações de sentido entre as partes de um texto, lhe dão coesão e unidade. Por “partículas”
entende-se um grande número de palavras de mais de uma classe gramatical: são partículas propriamente ditas,
como as interrogativas “num” e “-ne”; são advérbios, como “quidem” e “vero”; são conjunções, como “sed” e “autem”;
entre outras.
Muito já se escreveu sobre as partículas latinas. Nenhum livro didático sério não as trata exaustivamente.
Temos de conhecê-las, aprendê-las, dominá-las.
Óbvio, não há uma só maneira de alcançar isso. O primeiro passo é levá-las a sério em toda a sua
importância. Como diz Horatius Tursellinus em seu “De particulis Latinae orationis libellus”, as partículas estão para a
língua latina como as juntas e os nervos estão para o corpo humano: são pequenas, às vezes passam despercebidas,
mas são indispensáveis para o bom funcionamento do todo.
Costumo sugerir a meus alunos dois exercícios bastante simples, mas que costumam dar bons frutos. São
eles:
1) Sempre que se escrever em latim, usem-se apenas vírgula e ponto final. Nada de interrogações, exclamações,
dois-pontos, ponto e vírgula, reticências, parênteses, travessões, aspas. Tudo isso pode ser expresso com partículas
latinas e, adivinhem, é exatamente isso que os autores latinos costumavam fazer. Não: Cícero não usava os pontos
de interrogação que lemos nas edições modernas de seus textos. Nem os de exclamação. Nem os parênteses. A bem
da verdade, é muito provável que nem mesmo usasse pontos ou vírgulas, mas limitar a pontuação a esses dois
elementos já nos obriga a utilizar partículas em todos os outros casos.
2) Escolha-se um parágrafo ou texto breve em português; identifique-se a pontuação gráfica empregada; então,
pergunte-se qual partícula latina poderia substituir a pontuação empregada em cada caso, exceção feita aos pontos
e às vírgulas. Esse exercício dará tanto mais frutos quanto mais recente for o texto português, uma vez que textos
portugueses de épocas mais remotas, cujos autores tinham um bom conhecimento da língua latina, tendem a se fiar
pouco em pontuação gráfica; pelo contrário, abundam nas conjunções e nos advérbios portugueses correspondentes
às partículas latinas.
Por ora é só. Bons estudos e até a próxima dica!

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