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E s p a n h o l • F r a n c ê s • I n g l ê s • I t a l i a n o • P o r t u g u ê s

Adão e Eva:
O enigma Investigando o centro da
lições de uma
do mal teologia adventista
velha história
REPRESENTANTES REGIONAIS CO NTE Ú DO
DIVISÃO AFRICANA CENTRO - ORIENTAL
P.O. Private Bag 00503 Mbagathi, Nairobi, QUÊNIA
Andrew Mutero, muteroa@ecd.adventist.org
Magulilo Mwakalonge,
mwakalongem@ecd.adventist.org
ARTIGOS
O ENIGMA DO MAL
05
DIVISÃO EURO -ASIÁTICA
Krasnoyarskaya Street 3, 107589 Moscou, RÚSSIA O mal é um intruso na criação perfeita de Deus.
Vladimir Tkachuk, vtkachuk@esd.adventist.org Empregamos o termo caído para descrever
Kasap Gennady, gkasap@esd.adventist.org a situação da humanidade depois de usar
DIVISÃO INTER AMERICANA
sua liberdade de escolha para fazer o mal, e
P.O. Box 830518, Miami, FL 33283-0518, EUA empregamos o termo pecado para denotar o estado
Gamaliel Florez, florezga@interamerica.org dos seres humanos que estão separados de Deus.
Al Powell, powellal@interamerica.org Podemos lutar contra as consequências dessa
Hiram Ruiz, ruizhi@interamerica.org situação, mas, escapar delas não é uma opção.
DIVISÃO INTEREUROPEIA Roberto Badenas
Schosshaldenstrasse 17, 3006 Bern, SUÍÇA
Marius Munteanu,
INVESTIGANDO O CENTRO DA
10
marius.munteanu@eud.adventist.org
Stephan Sigg, stephan.sigg@eud.adventist.org TEOLOGIA ADVENTISTA
DIVISÃO NORTE-AMERICANA O sacrifício bíblico não deve ser entendido como
12501 Old Columbia Pike, Silver Spring, MD um suborno. É público e transparente, e envolve
20904-6600, E.U.A. participantes claramente definidos. Deve ser
Larry Blackmer, larryblackmer@nadadventist.org assim, considerando que é uma extensão (ou uma
Armando Miranda,
armandomiranda@nadadventist.org dimensão) do Grande Conflito, em que um desafio
Tracy Wood, tracywood@nadadventist.org público à justiça e ao amor de Deus exigia uma
resposta divina também pública.
DIVISÃO NORTE-ASIÁTICA DO PACÍFICO
P.O. Box 43, Koyang Ilsan 411-600, COREIA Gerald A. Klingbeil
Richard Sabuin, Richard.sabuin@nsdadventist.org
Nak Hyung Kim, nhkim@nsdadventist.org ADÃO E EVA: LIÇÕES DE
DIVISÃO SUL-AMERICANA
Caixa Postal 02600, Brasilia, 70279-970 DF, BRASIL
Edgard Luz, edgard.luz@adventistas.org
15 UMA VELHA HISTÓRIA
O ideal divino de que ninguém tem direito
Carlos Campitelli, a privilégios únicos e à superioridade sobre
carlos.campitelli@adventistas.org os outros deve triunfar na igreja de Deus
como uma vibrante demonstração da Sua
DIVISÃO DO PACÍFICO SUL
Locked Bag 2014, Wahroonga, N.S.W. 2076, vontade para com a humanidade.
AUSTRÁLIA Dragoslava e Aleksandar S. Santrac
Carol Tasker, caroltasker@adventist.org.au
Nick Kross, nkross@adventist.org.au
DIVISÃO SUL-AFRICANA E DO
OCEANO ÍNDICO
P. O. Box 4583 Rietvalleirand 0174, ÁFRICA DO SUL
SEÇÕES
Mozecie Kadyakapita, kadyakapita@gmail.com
Busi Khumalo, khumalob@sid.adventist.org
3 EDITORIAL 30 PONTO DE VISTA
DIVISÃO SUL-ASIÁTICA O poder de servir Vivendo a vida cristã em
P. O. Box 2, HCF Hosur, 635 110 Tamil Nadu, INDIA Lisa M. Beardsley-Hardy uma cultura estrangeira
R. N. Prabhu Das, prabhudasrna@sudadventist.org
Mohan Bhatti, mmbhatti@rediffmail.com
Tom de Bruin
Ramesh Jadhav, rameshjadhav3383@gmail.com 20 PRIMEIRA PESSOA
Esperando pelo amor
DIVISÃO SUL-ASIÁTICA DO PACÍFICO 33 LIVROS
P.O. Box 040, 4118 Silang, Cavite, FILIPINAS
Adri Ali God of sense and
Lawrence Domingo, ldomingo@ssd.org traditions of non-sense
Jobbie Yabut, jyabut@ssd.org
22 LOGOS Resenha feita por Denis Fortin
DIVISÃO TR ANSEUROPEIA
O evangelho do riso Facing Suffering: Courage and
119 St. Peter’s St., St. Albans, Herts, AL13EY, Charles A. Tapp Hope in a Challenging World
INGLATERRA
Resenha feita por John M. Fowler
Daniel Duda, dduda@ted.adventist.org
Zlatko Musija, Zmusija@ted.adventist.org 24 EM AÇÃO
Para além dos muros:
Tihomir Lazic, tlazic@ted.adventist.org
construindo pontes através 36 PARA SUA INFORMAÇÃO
Enciclopédia dos adventistas
DIVISÃO AFRICANA CENTRO - OCIDENTAL da arte pública do sétimo dia
22 Boîte Postale 1764, Abidjan 22, Dale Sherman
COSTA DO MARFIM Benjamin Baker
Juvenal Balisasa, balisasa@icloud.com
Ugochukwu Elems, elems@wad.adventist.org 26 PERFIL
Hildebrando e Leah Camacho
Entrevistados por Tiago Mendes Alves

2 DIÁLOGO 29 • 2 2017
E D ITO R I A L

Esta revista internacional de fé, pensamento e


ação é publicada três vezes ao ano, em cinco

O PODER
edições paralelas (português, espanhol, francês,
inglês e italiano), sob o patrocínio da Comissão de
Apoio a Universitários e Profissionais Adventistas
Jovens (Caupa), organismo da Associação Geral

DE SERVIR
dos Adventistas do Sétimo Dia.
Volume 29, Número 2
Copyright © 2017 pela CAUPA.
Todos os direitos reservados.
Diálogo Universitário afirma as crenças

D
fundamentais da Igreja Adventista do
epois de assumir o cargo de presidente dos Estados Unidos, em Sétimo Dia e apoia a sua missão. Entretanto,
1961, John F. Kennedy pronunciou um discurso inaugural que os pontos de vista publicados na revista
representam o pensamento independente
passou para a História como a fala de alguém que apelava para dos autores.
o equilíbrio do poder, com responsabilidade: “Pois o homem
Editorial
detém em suas mãos mortais o poder de abolir todas as formas Editora-Chefe: Lisa M. Beardsley-Hardy
da pobreza humana e todas as formas de vida humana. No entanto, as mes- Editores Associados: John M. Fowler,
mas crenças revolucionárias pelas quais nossos antepassados lutaram ainda Hudson E. Kibuuka
Coordenadoras da Área Editorial: Valérie
estão em questão em todo o mundo – a crença de que os direitos do homem Moorooven e Susan Araya,
não vêm da generosidade do Estado, mas da mão divina. […] Roberto Iannó (Italiano)
Revisora: Karina C. Deana (português)
“Juntos havemos de explorar as estrelas, conquistar os desertos, erradicar as Beverly Rumble (inglês)
doenças, tocar as profundezas do oceano e incentivar as artes e o comércio. Editor da Resenha de Livros: Aleksandar Santrac
“Que ambos os lados se unam para ouvir, em todos os cantos da Terra, Diagramadora: Claudia Suzana R. Lima
a ordem dada por Isaías: ‘Soltes as ligaduras da impiedade […] (e) deixes Correspondência Editorial
livres os oprimidos.’” Diálogo
12501 Old Columbia Pike
Ele então desafiou seus ouvintes: “Não pergunte o que seu país pode fazer Silver Spring, MD 20904-6600 U.S.A.
por você – pergunte o que você pode fazer pelo seu país. Companheiros, Telefone 301-680-5073/5065
Fax 301-622-9627
cidadãos do mundo, não perguntem o que a América fará por vocês, mas o E-mail: mooroovenv@gc.adventist.org
que juntos podemos fazer pela liberdade do homem.”1 (Inglês e Francês)
Uma das razões mais elevadas para se aspirar a uma educação universitária é arayas@gc.adventist.org
(Espanhol e Português)
desenvolver o poder de fazer o bem. Ellen White nos lembra de que a educação
cristã “prepara o estudante para o gozo do serviço neste mundo, e para aquela Comissão CAUPA
Presidente: Thomas L. Lemon
alegria mais elevada por um mais dilatado serviço no mundo vindouro”.2 A Vice-presidentes: Abner de los Santos,
aspiração para servir pode ser concretizada em muitos campos e não somente Geoffrey G. Mbwana, Ella S. Simmons
Secretário: Mario E. Ceballos
naqueles mais proeminentes do ministério, do ensino e da área médica. Secretarios Asociados: Lisa M.
Tive o privilégio de conhecer o professor emérito Malcolm C. Bourne (1926- Beardsley-Hardy, Gilbert R. Cangy
Secretário Associado: Jiwan S. Moon
2016), editor-chefe do Journal of Texture Studies e um dos principais especia- Assistente Legal: Thomas E. Wetmore
listas mundiais nesse aspecto da ciência alimentar. Graduou-se em Química Membros: Susan Araya, Gabriel Begle,
Anthony Bosman, Ganoune A. Diop, Falvo
pela Universidade de Adelaide, Austrália do Sul, trabalhou durante dez anos Fowler, Anthony Kent, Hudson E. Kibuuka,
na indústria, como químico em uma fábrica de processamento de alimentos Justin Kim, Peter N. Landless, Faith-Ann
de Adelaide, fez mestrado em Ciência de Alimentos e obteve o PhD em quí- A. McGarrell, Linda Mei Lin Koh, Valérie
Moorooven, Lydia Muwanga, Clinton L.
mica na Universidade da Califórnia, em Davis. O Dr. Bourne uniu-se então à Wahlen, Tracy Wood
Universidade de Cornell, como professor de tempo integral na área da pesquisa Correspondência sobre circulação: Deve
na Agricultural Experiment Station, em Genebra, Nova Iorque, onde fez a base ser dirigida ao Representante Regional da
Caupa na região em que reside o leitor. Os
de sua carreira. Ele foi grandemente respeitado na comunidade acadêmica por nomes e endereços desses representantes
sua pesquisa em reologia e no sistema de medição da textura dos alimentos. O encontram-se na página 2.
manual que escreveu é o padrão definitivo sobre a textura dos alimentos e sua Website: http://dialogue.adventist.org
medição.3 A pesquisa que fez com mais de 30 cultivares de soja e métodos de Website para o italiano http://educazione.
processá-los levou a uma compreensão melhor do porquê de o leite de soja ter adventista.it/dialogue/
um gosto não tão agradável e como melhorar seu sabor e textura por meio de Impressão e Acabamento: Casa Publicadora
vários aditivos (usando a técnica de moagem em água fervente para desativar a Brasileira 9519/34896
lipoxidasa que causa esse sabor de feijão cru).4 Ele também estudou as perdas Referências Bíblicas: Salvo outra indicação,
de alimentos pós-colheita e o que fazer a respeito. Estava especialmente inte- os textos bíblicos citados na Diálogo foram
extraídos da Nova Versão Internacional.
ressado no problema da desnutrição internacional e na melhoria da saúde das

DIÁLOGO 29 • 2 2017 3
populações de baixa renda em todo o mundo. Sua pes-
quisa contribuiu para a melhoria de vida de um número
incontável de pessoas, ao desenvolver um leite de soja mais
saboroso e nutritivo, como também pela redução das per-
das de alimentos pós-colheita. Como um fiel adventista
do sétimo dia, ele serviu aos seus semelhantes e honrou a
Deus por meio de uma vida de rigorosa pesquisa científica
e orientação aos seus alunos.
Uma tentação especial àqueles que possuem graduação
profissional avançada, ou aos profissionais graduados de
qualquer área, é se fecharem e assim viverem para servir a
si mesmos. As Escrituras afirmam que, como um princípio
de justiça econômica, o boi que pisa o grão não deve ser
amordaçado.5 Quanto maior a educação, maior a renda.
Melhorando a educação, melhora a saúde e o bem-estar de
toda a família, o que resulta em maior status social. Junto
com todas essas coisas vem a tentação de servir-nos a nós
ASSINE DIÁLOGO
mesmos, em vez de servirmos aos outros. Esses são bene-
fícios conquistados, mas a nossa verdadeira tarefa é pisar Você quer ser um pensador e não mera-
os grãos que podem beneficiar outras pessoas. O poder mente um refletor do pensamento de
traz consigo a responsabilidade. Assim como Kennedy nos outras pessoas? A Diálogo continua-
rá a desafiá-lo a pensar criticamente,
desafiou, há alguns anos no passado, resistamos ao impul- como um cristão. Fique em contato
so de apenas prestarmos serviço a nós mesmos, ao escolher- com o melhor da ação e do pensamento
mos ou buscarmos o aperfeiçoamento em uma profissão, adventista ao redor do mundo. Se você
e façamos a decisão de usar todos os nossos recursos para deseja solicitar a assinatura da Diálogo,
servir aos outros e a Deus, como um preparo para as ale- seja em espanhol, francês, inglês ou
grias de um serviço profícuo no mundo vindouro. português, escreva para Linda Torske:
torskel@gc.adventist.org

Lisa M. Beardsley-Hardy
Editora-chefe da Diálogo

1. https://www.ourdocuments.gov/doc.php?doc=91&page=transcript.
N OTA S E R E FE R Ê N CI A S

2. Ellen G. White, Educação (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira,


1996), p. 13.
3. Malcolm C. Bourne, Food Texture and Viscosity:―Concept and
Measurement, 2a ed. (San Diego, Calif.: Academic Press, 2002).
4. M. C. Bourne, “Survey of Suitability of Thirty Cultivars of Soybeans
for Soymilk Manufacture,” Journal of Food Science 41:5 (Setembro
de 1976):1204–1208. doi: 10.1111/j.1365-2621.1976.tb14418.x.
5. Deuteronômio 25:4; 1 Coríntios 9:9; 1 Timóteo 5:18. Ver tam-
bém a análise de Justin Taylor, “Do Not Muzzle the Ox: Does ESCREVA-NOS!
Paul Quote Moses Out of Context?” (Agosto de 2012) em
https://blogs.thegospelcoalition.org/justintaylor/2012/08/28/
do-not-muzzle-the-ox-does-paul-quote-moses-out-of-context/.
Seus comentários, reações
e perguntas são bem-vindos.
Escreva para:

Susan Araya (espanhol ou português)


arayas@gc.adventist.org

Valérie Moorooven (francês ou inglês)


mooroovenv@gc.adventist.org

4 DIÁLOGO 29 • 2 2017
A RTI GO

O
ENIGMA
DO MAL
ROBERTO BADENAS

O mal é um intruso na criação perfeita de Deus. Empregamos o termo


caído para descrever a situação da humanidade depois de usar sua
liberdade de escolha para fazer o mal, e empregamos o termo pecado
para denotar o estado dos seres humanos que estão separados de
Deus. Podemos lutar contra as consequências dessa situação, mas,
escapar delas não é uma opção.

A
tragédia nos atinge inesperadamente. Um da espiritualidade oriental, o mal é uma ilusão. Dessa
acidente. Um ataque terrorista. Um ter- visão otimista da vida, deduzimos que o mal existe
remoto. Uma doença terrível. Quando porque não podemos compreender o Universo em sua
o inesperado e a dor nos atingem, nossa totalidade. “O mal é simplesmente um erro de perspec-
reação imediata é perguntar: Por quê? tiva que vem de nossa finitude e de nossa limitada visão
das coisas.”1 Assim, o homem sábio vê além da realidade
PRINCIPAIS TEORIAS imediata e entende que o que chamamos de “mal” faz
Ao serem confrontados com a questão do mal, os parte da ordem do mundo. “Tudo o que existe é bom.”2
seres humanos já tiveram várias explicações ao longo da Como muito é ignorado nessa linha de lógica, também
História. Aqui estão algumas das mais representativas: podemos nos perguntar se o frio existe. Claro, todos nós
• O mal não existe. Embora o mal pareça onipresen- sentimos frio em algum momento. No entanto, de acor-
te, alguns acreditam que ele realmente não existe. Para do com as leis da física, o frio não existe realmente. O
o filósofo Spinoza, como também para amplas seções que consideramos frio é apenas um estado produzido pela

DIÁLOGO 29 • 2 2017 5
ausência de calor em um determinado objeto ou lugar. O rância, ganância e/ou ódio. Mas também é verdade que,
calor é de fato uma realidade mensurável, resultante da embora a maioria de nossos infortúnios resulte mais
transferência de energia. As pessoas cunharam a palavra ou menos diretamente de nossos atos, há outras formas
frio para expressar os vários graus de falta de energia. O de sofrimentos que não são explicadas tão facilmente.
mesmo acontece com a escuridão, que também não existe Nossa inteligência insiste em tentar explicar tudo,
em si mesma. “Escuridão” é a ausência de luz. Assim, incluindo o enigma do mal. Mas nossos esforços fra-
podemos estudar a luz, podemos medi-la e dividi-la em cassam. Todas as nossas teorias sobre a origem do mal
cores, mas não podemos analisar a escuridão, uma vez se desmoronam quando são confrontadas com barreiras
que é pouco mais que uma palavra, um termo reservado lógicas e áreas cinzentas, como se o mal fosse finalmente
para descrever o que acontece quando não há luz. Da inexplicável. Toda essa dor injusta nos deixa perplexos
mesma forma, dizemos que o mal existe porque ao nosso quando tentamos compreendê-la, porque há sempre
redor vemos incontáveis formas de injustiça, violência e algo além de nossas capacidades analíticas. A “dimensão
dor. Mas, na realidade, assim como o frio e a escuridão, inexplicável” do mal que nos rodeia constitui um misté-
o mal não tem existência objetiva. Mal é o nome que rio sobre o qual não podemos calar nem falar baixinho,
inventamos para descrever a ausência do bem. porque sentimos que nele, além do que é humano, há
• O mal é positivo. Outros argumentam que o mal muito que é desumano e, talvez, algo sobre-humano.
existe, mas apenas como uma realidade negativa, uma • Um Universo imparcial. Se existe um ser superior
vez que está a serviço do bem. Aquilo que em dado responsável pela ordem do Universo, ele deve ser infini-
momento parece ser um mal, sempre é, a longo prazo, tamente justo e, portanto, responsável por haver algum
útil e necessário, embora não o entendamos. tipo de relação entre o que fazemos e o que acontece
Tomás de Aquino explicou o mal pela sua utilida- conosco. Se tudo o que acontece no mundo é devido à
de, dentro de um plano divino abrangente, no qual o vontade divina, argumenta-se, então o sofrimento deve
mesmo pecado acaba por originar uma felix culpa (culpa fazer parte desse plano; portanto, a coisa mais razoável a
feliz), porque permitiu que nos fosse dado o plano da fazer é não lutar contra ela, mas suportá-la estoicamen-
salvação, que inclui a obra do Redentor. Assim, Deus te, sem reclamar ou se rebelar contra o destino. Assim,
usa o mal para o bem maior.3 a tensão desconfortável entre a bondade divina e o sofri-
Interpretando a realidade de uma perspectiva hege- mento humano terá uma explicação e será finalmente
liana, evolucionista ou marxista, o mal é um inevitável resolvida dentro de um plano universal. Dentro dessa
subproduto da luta pela vida – da lei da selva ao con- perspectiva, o conforto para a dor deve ser buscado na
flito de classes – com o triunfo do mais forte e mais submissão aos eventos, já que tudo é fruto da vontade
hábil sobre os outros. Mas, apesar dos danos colaterais divina. Inclusive o sofrimento dos inocentes?
que isso acarreta, o mal é, em última instância, uma Antes de decidirmos a favor ou contra qualquer des-
realidade positiva que move a humanidade para níveis sas teorias, devemos concordar que o mundo em que
mais elevados e mais justos de desenvolvimento. Assim, vivemos é governado por leis naturais, inescapáveis e
eles argumentam, o bem e o mal são conceitos relativos imparciais, que nos afetam a todos – os bons, os maus
e ambíguos. O que parece mal para nós pode ser nada e os não tão maus. Se eu cair de um penhasco, a lei da
mais do que um passo em direção a algo melhor. O mal gravidade acelerará a minha queda, sendo eu um crente
é necessário para o progresso da História. impecável ou se cair involuntariamente. Se o meu vizinho
• O mal é inevitável. Outros ainda afirmam que o mal
é consequência da liberdade. A partir de uma perspectiva
meramente humana, se analisarmos as causas diretas de
nossos infortúnios, descobrimos que a maioria deles vem
da violação das leis naturais ou de nossa flagrante agres-
são. Quando agimos livremente, podemos ferir outras
pessoas e a nós mesmos. A falta de respeito para com os
outros, na forma de mil e uma injustiças, traz miséria,
desigualdade econômica, opressão social e política. Para
o crente, se Deus respeita a liberdade de Suas criaturas,
então Ele não tem escolha senão deixar a opção aberta
para que elas ajam em seu próprio detrimento. Nosso
livre-arbítrio é “o abismo que Deus não controla”.4 Criar
seres livres é correr o risco de que eles irão agir mal.5
É claro que nós mesmos causamos a maior parte de
nosso sofrimento com o nosso próprio egoísmo, igno-

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ficar bêbado e dirigir enquanto estiver intoxicado pela No entanto, poderíamos ter a impressão de que “o
bebida, ele poderá perder o controle de seu carro, poderá mundo se desviou” do Criador, no sentido de que Ele não
se acidentar ou bater em alguém, mesmo não querendo. o controla completamente. Não porque Ele não possa,
O ponto focal sobre as leis naturais é que elas são uni- mas por respeito à liberdade de Suas criaturas. Criados à
versais: funcionam da mesma maneira para todos. Na Sua imagem e dotados de inteligência suficiente, somos
verdade, o que acontece no mundo depende tanto do capazes de cuidar deste mundo e levá-lo na direção certa.
funcionamento normal dessas leis quanto da violação Mas também somos capazes de destruí-lo e de destruir-
das leis básicas da existência, ou do que chamamos de mos a nós mesmos. A fim de nos dar a nossa liberdade,
padrões morais. Se for devido à ignorância, estupidez, ou Deus deve ter, temporariamente, “renunciado a ser oni-
malícia, todos nós cometemos erros e causamos vários potente”. Por essa razão, Ele pouco tem a ver com as nos-
tipos de danos, voluntária ou involuntariamente. Seria sas desgraças. Talvez, na teoria, Ele poderia nos poupar
possível um universo no qual as leis naturais operassem do sofrimento, mas, por respeito às nossas decisões, não
de acordo com a moralidade da pessoa que as desafias- o faz. Sua onipotência manifesta-se em Sua capacidade
se? Seria concebível – ou preferível – se os atos de um de prover um espaço para o exercício de nossa liberdade.
agressor contra sua vítima não tivessem consequências, Alguns podem se perguntar por que o Criador não
caso a vítima fosse inocente? nos colocou em uma Terra de Cockaigne, uma espé-
Da perspectiva de um cristão, levando-se em considera- cie de Utopia, onde seria impossível sofrer, onde não
ção a liberdade humana, deve a providência divina intervir teríamos escolha senão cumprir a vontade divina sem
para prevenir as consequências negativas das ações huma- pensar ou tentar agir de modo diferente. Viveríamos
nas? Considere este exemplo: um garoto derrama suco na sem responsabilidades e sem sofrimento. Seria essa uma
camisa ao tomar seu desjejum. A mãe lhe diz para mudar situação mais desejável, significando uma existência
de camisa antes de ir para a escola. O menino sai correndo sem liberdade e, portanto, sem consciência e sem amor?
de casa para não se atrasar e conseguir pegar o ônibus. O Se existe liberdade, existe a possibilidade de tomar-
ônibus atropela a criança. De quem é a culpa? Do menino mos decisões erradas e de agirmos em detrimento de
que não deveria ter sujado a camisa? Da mãe, por fazê-lo nosso próprio bem ou de nossos semelhantes. E então
mudar a camisa? Do motorista do ônibus, por não estar corremos o risco de sofrer ou fazer os outros sofrerem.
atento? Em que nível desejaríamos que Deus tivesse inter- Mas parece que um mundo com liberdade e, portanto,
ferido para evitar o acidente? Poderia ter ajudado a criança com o risco de haver sofrimento, é preferível a viver toda
a comer sem sujar a roupa? Deveria ter tirado a obsessão uma existência sem ela.10
da mãe com limpeza? Poderia ter freado o ônibus escolar
no lugar do motorista? Se o Ser Supremo fosse intervir em UM GRANDE CONFLITO CÓSMICO
qualquer desses níveis, Ele não estaria respeitando a nossa A Bíblia coloca o enigma do mal no contexto de um
liberdade.6 E “sem liberdade este mundo passaria a ser nada grande conflito cósmico entre o bem e o mal. O conflito
mais que uma máquina”.7 começou com Lúcifer, o comandante dos anjos, que lide-
rou uma rebelião no Céu contra o Deus Criador (Isaías
O PREÇO DA LIBERDADE 14:12-15, Apocalipse 12:7-9). Deus poderia ter destruído
O filme Bruce Almighty narra a história de um jovem Satanás e seus seguidores instantaneamente, mas os demais
desesperado que, por causa de seus muitos fracassos na seres inteligentes do Universo teriam duvidado de Seu
vida, deseja resolver seus problemas, mas possuindo pode- amor e teriam obedecido a Ele por medo e não por amor.
res divinos. O Todo-Poderoso permite que ele tenha tais Foi com essa rebelião de Satanás que o pecado teve
poderes por alguns dias. No entanto, os resultados são sua origem. E assim Satanás introduziu o pecado na
piores do que antes. O jovem descobre que há coisas que Terra. De acordo com o relato de Gênesis, Satanás ten-
nem mesmo o próprio Deus pode fazer, porque essas são as tou Adão e Eva, nossos primeiros pais, e eles caíram em
regras do jogo para o nosso Universo: a vontade das pessoas desobediência contra a lei de Deus (Gênesis 3). Quando
não pode ser quebrada, nem as pessoas podem ser forçadas a lei de Deus foi quebrada, o pecado e sua consequente
a amar. Essa parábola moderna nos ajuda a compreender desordem e sofrimento apareceram.
o que acontece com o mal. A liberdade exercida sem que O mal é, portanto, um intruso na criação perfeita de
haja amor, isto é, fora do plano divino, prejudica nossos Deus. Empregamos o termo caído para descrever a situa-
relacionamentos criando injustiça, sofrimento e dor.8 ção da humanidade depois de usar sua liberdade de esco-
Se Deus é o Pai de todos nós, e Ele nos fez seres livres, lha para fazer o mal, e empregamos o termo pecado para
é normal que nos deixe agir livremente, não importando denotar o estado dos seres humanos que estão separados
o quanto possa nos doer e nos ferir. Sem liberdade não de Deus. Podemos lutar contra as consequências dessa
podemos falar de amor, considerando que o verdadeiro situação, mas, escapar delas, não é uma opção. Enquanto
amor não pode ser forçado.9 o conflito persistir, sofreremos as consequências. Um dia,

DIÁLOGO 29 • 2 2017 7
porém, ficará provado, de uma vez por todas, que nossas eu?” – quando algo ruim nos acontece, sugerem que
aflições são o resultado do nosso afastamento de Deus. todos nós nos consideramos, em maior ou menor grau,
Essa explicação do grande conflito cósmico pode ser vítimas inocentes de balas perdidas.
bastante esclarecedora, desde que não seja usada para De maneira marcante, podemos notar que o menor
justificar o sofrimento. Sem dúvida, o sofrimento dos problema que temos que suportar nos deixa indignados,
inocentes mostra quão dolorosas são as consequências mas não levamos em conta todo o bem que recebemos
da nossa insensatez e quanto melhor seria para todos se no mundo. Considerando que somos capazes de criar a
respeitássemos as leis de Deus. Mas justificar o sofri- maior parte dos danos que vemos ao nosso redor, a questão
mento com base no Grande Conflito implicaria que o pertinente não é: “Por que sofremos injustamente?”, mas,
fim justifica os meios. Então, Elie Wiesel estaria certo “Por que ainda estamos vivos?” Se acreditássemos que tudo
ao se perguntar quanto sofrimento é necessário para vem do acaso e do caos, teríamos que concluir que o maior
provar aos habitantes do Universo que Deus é amor e mistério não é por que o mal existe, mas por que o bem existe.
que o diabo é um impostor.11 Precisamos mais do que já Se o mal não é um poder paralelo comparável ao bem,
temos? Quantas crianças abusadas, quantas vítimas da uma vez que não faz parte da criação original, então é, em
guerra, quantas pessoas que sofrem de fome precisamos certo sentido, evitável. Digamos que Deus permite que as
para convencer a humanidade de nossa necessidade de coisas aconteçam como quando eu deixo meu filho andar
colocar o amor em prática? Já não há sofrimento sufi- de bicicleta. Uma coisa é permitir o prazer, durante o qual
ciente para Deus demonstrar que Ele está certo? um infortúnio pode ocorrer, e outra coisa é causar ou que-
Na verdade, nós nos questionamos por que está rer que esse infortúnio aconteça.12 É perigoso, portanto,
demorando tanto para que o mal se acabe. Mas, quando falar do mal que Deus “permite” e que Ele poderia “preve-
paramos para pensar sobre isso, percebemos que esse nir” devido à Sua onipotência, pois Deus não exerce agora
problema, em certo sentido, se refere a nós pessoalmen- a plenitude de Seus poderes (ou está limitando o exercício
te, mais ainda do que a Deus. deles até o fim do Grande Conflito), nem estamos res-
Quantos anos precisamos para extrair algo da história peitando Suas leis. Esse atributo divino se manifestará no
de Caim e Abel? Quantas pessoas precisam morrer de final dos tempos, uma vez que inclui também o poder
fome para que nos tornemos solidários com aqueles que que Ele tem para tornar Sua realidade ideal.13 Entretanto,
sofrem pela falta de comida? Quantos inocentes têm de devemos observar o que Deus fez especificamente na
ser torturados para nos convencermos de que a cruelda- História, o que Ele está fazendo e o que promete fazer
de é um horror? para resolver o problema do sofrimento. Se Deus continua
a respeitar nossa liberdade, podemos escolher respeitar a
SOFRIMENTO E RESPONSABILIDADE dEle também e nEle confiar.
É claro que a degradação da harmonia do nosso
ambiente aponta para a má gestão, pela qual, de alguma VISLUMBRES DE ESPERANÇA
forma, todos nós somos responsáveis. O que está acon- Uma vez que Deus é amor (1 João 4:8), Ele só pode
tecendo na Terra, longe de ser fruto da vontade divina, desejar o melhor para as Suas criaturas. Portanto, pode-
é o resultado da soma absurda de todas as nossas von- mos confiar em Sua bondade e, ao mesmo tempo, lutar
tades. Se Jesus nos ensinou a pedir a Deus na Oração contra os erros que há no mundo, causados por nosso
do Senhor: “Seja feita a Tua vontade, assim na Terra...” afastamento de Seus planos. Confiamos na misericór-
(Mateus 6:10), é porque ela não é feita. dia divina, apesar de experimentarmos o sofrimento,
Somente por vivermos no mesmo mundo, com as porque sabemos que o Criador também abomina a
consequências de nossas escolhas acumuladas, criamos
um ambiente que molda as situações que perpetuamos.
Ou seja, cada um de nós está implicado, desde o início,
num contexto inevitável de solidariedade, para o bem
ou para o mal. Embora sejamos as vítimas inocentes dos
infortúnios herdados, cada um de nós cometemos nos-
sas próprias iniquidades e erros, e assim, fazemos parte
da “culpa” pela situação presente no mundo.
Reconheço que minhas respostas são insuficientes
para reponder à pergunta: “Por que o mal existe no
mundo?” Descobri isso com meus alunos centenas de
vezes. Mas, antes de voltar a isso, gostaria de salientar
que, até agora, ninguém nunca me perguntou: “Por que
o bem existe?” Nossos gritos de protesto – “Por que

8 DIÁLOGO 29 • 2 2017
dor (Romanos 8:31-39), e Ele planejou o seu final Roberto Badenas
(Apocalipse 21:1-4). Sabendo que o mal só pode ser PhD pela Universidade Andrews, Berrien
superado pelo bem (Romanos 12:21), procuramos solu- Springs, Michigan, EUA, aposentou-se
ções temporárias, enquanto esperamos o cumprimento em 2010, depois de uma vida de serviço
das promessas divinas no futuro. O que já sabemos e à Igreja Adventista do Sétimo Dia na
entendemos sobre Deus nos permite ter fé nEle, apesar Europa, ocupando vários cargos como
de não sabermos ou entendermos tudo.14 pastor, professor, administrador, decano
Os grandes mestres da espiritualidade viram um do Seminário Teológico na Universidade
caminho de volta à solidariedade para com os outros e Adventista da França (Collonges-sous-
Salève), presidente do Comitê de Pesquisa
ao reconhecimento da bondade do plano divino. C. S.
Bíblica e diretor do Ministério da Família e
Lewis, por exemplo, escreveu: “Deus não Se importa
de Educação para a Divisão Intereuropeia.
em ser o último recurso para Suas criaturas.”15 Muitos O Dr. Badenas é autor de inúmeros livros.
de nós teríamos nosso orgulho ofendido se as pessoas Suas publicações foram traduzidas para
batessem em nossa porta somente quando precisassem o espanhol, francês, alemão, italiano,
de algo. Mas Deus nos aceita de qualquer maneira, por- português, romeno e catalão.
que Ele nos ama com um amor absoluto.
A religião pode realmente trazer às pessoas o alívio
ou o encorajamento de que necessitam em seu estado de
1. Ethics, III, prefácio; cf. Metaphysics 1072. Ver também, Jonathan
sofrimento. Entretanto, o sentimento de necessidade de Bennett, A Study of Spinoza’s Ethics (Indianápolis, Ind.: Hackett,
ajuda, incluindo a ajuda divina, não é uma fraqueza. A NOTA S E REFERÊNCIA S 1984), p. 276-277; para discussão, ver R. L. Delahunty, Spinoza
(London: Routledge & Kegan, 1999), p. 227-231.
consciência de nossos limites não é apenas realista, mas 2. Alexander Pope (1688-1744). Cf. Augustine, Confessions, livro 7,
também necessária para viver uma vida plena. Uma Capítulo 12.
pessoa que nunca sente sede e, portanto, não bebe água 3. Tomás de Aquino, Summa Theologica, Pergunta 48.
provavelmente morrerá, porque a água é essencial para 4. Nikolai Berdyaev, Slavery & Freedom (Hillsdale, N.Y.: Sophia
Perennis, 1939, 2009).
a sobrevivência, e a sede é o mecanismo de proteção 5. “O pecado surge porque as pessoas deliberadamente violam
que nos lembra periodicamente de nossa necessidade de a ordem de Deus. Com certeza, Deus poderia haver impedido
isso criando seres humanos de forma diferente. Mas então
água. Uma vez que não podemos atingir objetivamente seríamos como bonecos ou máquinas obedientes, incapazes de
nosso destino final sem Deus, 16 nossa sede por Ele é um experimentar a bem-aventurança que só pode ser alcançada ao
escolhermos livremente o bem” (S. Singh, Wisdom of the Sadhu
sinal de saúde espiritual. Não sentir essa necessidade [Robertsbridge, UK: Plough Publishing House, 2011], p. 77).
seria um sinal perigoso de que algo não está funcionan- 6. Ver Richard W. Coffen, Where Is God When You Hurt? (Hagerstown,
do bem. A descoberta de nossa necessidade de Deus é o Md.: Review and Herald, 1995), p. 3-29.
7. Citação atribuída a Henri Lacordaire (1802-1861), padre francês
primeiro passo para obtermos Sua ajuda. que ficou notabilizado por seu comprometimento social.
É por isso que nossos esforços são gastos da melhor 8. Viver em liberdade, embora seja importante, não é tudo: o res-
maneira não tentando explicar o mal,17 mas tentando peito mútuo é essencial. “Devemos aprender a viver juntos como
irmãos ou morrer juntos como tolos” (Martin Luther King Jr.). “A
combatê-lo. Ao assim fazermos, nós nos unimos nessa liberdade não é o direito de fazer o que queremos, mas o que
luta cósmica pelo bem, encorajados pela convicção de que devemos” (Abraão Lincoln, 1809-1865).
o Criador compartilha de nosso sofrimento, de alguma 9. O amor verdadeiro “não é forçado” (1 Coríntios 13:5, The Message).
10. Ver Lawrence W. Wilson, Why Me? Straight Talk About Suffering
forma. Esperamos, aguardando o fim da guerra, mas (Kansas City, Mo: Beacon Press, 2004), p. 35.
sabemos que a batalha crucial já foi vencida e “que nossos 11. Elie Wiesel, Night (New York: Bantam Books, 1982), p. 61-62.
sofrimentos atuais não podem ser comparados com a gló- 12. Ver Elie Wiesel, The Trial of God (New York: Shocken Books, 1995).
ria que em nós será revelada” (Romanos 8:18). Enquanto 13. Para discussão da teodiceia e outras questões, ver Jürgen
Moltmann, The Crucified God: The Cross of Christ as the Foundation
isso, enquanto as escaramuças continuam com seus devas- and Criticism of Christian Theology (London: SCM Press, 1973).
tadores danos colaterais, Deus nos diz: Persevere. Confie 14. “No final, todas as razões serão reveladas, todo o sofrimento
em Mim. Um dia a dor desaparecerá. Eis que faço novas explicado, todas as perguntas respondidas. Entretanto, o desafio
da dor não é buscar respostas, mas encontrar fé, confiar em Deus
todas as coisas. Enquanto isso, Eu estou com você! não por causa do que sabemos, mas apesar do que não sabemos”
(Wilson, Why Me? p. 54).
15. C. S. Lewis, The Problem of Pain (Glasgow: Fount Paperbacks, 1990).
16. Agostinho de Hipona: “Senhor, Tu nos criaste para Ti, e nosso
* Este artigo é uma versão editada e abreviada do original publi- coração está inquieto enquanto não descansa em Ti.”
cado no livro Facing Suffering: Courage and Hope in a Challenging 17. Cf. Alvin Plantinga, God, Freedom and Evil (New York: Harper
World (Madrid, Spain: Safeliz, 2013). Impresso com permissão. & Row, 1974), 54; C. S. Lewis, Mere Christianity (New York:
Touchstone, 1980), p. 45, 46.

DIÁLOGO 29 • 2 2017 9
A RTI GO

INVESTIGANDO O CENTRO DA
TEOLOGIA ADVENTISTA:
O que o santuário, o ritual e a teologia
podem acrescentar à pesquisa?
GERALD A. KLINGBEIL

O sacrifício bíblico não deve ser entendido como um suborno. É público


e transparente, e envolve participantes claramente definidos. Deve ser
assim, considerando que é uma extensão (ou uma dimensão) do Grande
Conflito, onde um desafio público à justiça e ao amor de Deus exigia
uma resposta divina também pública.

10 DIÁLOGO 29 • 2 2017
O
santuário1 desempenhou papel importante importante questão em mente, enquanto nos aprofunda-
na religião e na história de Israel, e frequentes mos nos meandros do estudo do santuário e seus rituais.
referências a ele na Bíblia Hebraica (BH)
são amplamente comprovadas.2 Inúmeros O SANTUÁRIO E A TEOLOGIA ADVENTISTA
estudos focalizando a sua arquitetura, as Existe uma estreita ligação entre a teologia adventista
pessoas que nele trabalhavam, os utensílios e os ritos a e o santuário. Afinal, após o Grande Desapontamento
ele associados foram publicados – mesmo que se igno- de 1844, os mileritas continuaram procurando entender
rem aqueles estudos centralizados exclusivamente na – através da orientação divina e do estudo cuidadoso
“construção literária” dos textos do santuário, contrários das Escrituras – que o tempo profético de Daniel 8:14,
à realidade material.3 Frequentemente, porém, esses estu- que apontava para a purificação do santuário, não estava
dos têm negligenciado a floresta para se concentrar nas se referindo à segunda vinda de Jesus, mas sim a uma
árvores. Muitas vezes, olhamos para os detalhes (por mais nova fase em Seu ministério no santuário celestial.
importantes que possam ser) ou para um elemento em Obviamente, o resumo da minha frase representou
detrimento de outros, sem considerar o todo, o conjunto. meses e até anos de luta na compreensão do texto bíbli-
Permita-me ilustrar essa questão. Imagine por um co, de discussão em oração, mais estudo e, muitas vezes,
momento a seguinte imagem: Você vê dois círculos, um tentativas de conclusões. À medida que o quadro geral
menor e outro maior. Ambos os círculos compartilham surgia, mais atenção era dada aos detalhes do santuário
um centro comum, colocando assim o círculo menor no – sendo levantadas muitas questões.4 A mais notória (ou
centro do círculo maior. Duas linhas horizontais curtas “famosa”) em nossa história recente envolveu a consulta
e retas se conectam ao círculo exterior em lados opostos. Glacier View, em 1980, relacionada às inúmeras ques-
Você consegue detectar essa imagem? Você pode descre- tões que tinham sido levantadas por Desmond Ford em
ver o que eu tentei apresentar em três frases? Tem uma seu documento de 991 páginas sobre Daniel 8:14, o Dia
ideia do seu significado? da Expiação e o Juízo Investigativo.
Desde então, os estudiosos e autores adventistas do
sétimo dia têm trabalhado arduamente para entender
melhor o significado do santuário e os elementos a
ele relacionados, dentro do contexto geral da teologia
adventista.5 Roberto Ouro sugeriu que o santuário
(tanto a “macroestrutura física”, como o “macroconcei-
to teológico”) pode ser indutivamente derivado como
sendo o centro bíblico da BH.6 Ele argumenta que o
conceito de santuário emana do próprio texto bíblico
e, portanto, não representa uma estrutura ou sistema
externo sobreposto. Sua abordagem é, de fato, intri-
gante e segue um importante princípio hermenêutico:
a Escritura deve determinar a maneira e o método pelo
Quando vemos imagens (ou lemos textos, que são qual a lemos – não um sistema externo, baseado em
imagens literárias), imediatamente tentamos decifrar e pressupostos filosóficos (ou hermenêuticos) distintos.7
No entanto, antes de tentar fazer um julgamento
entender o que estamos vendo. No entanto, a interpretação
dessa proposta, sigamos a sugestão metodológica de
requer um contexto, e não há nada ligado a essa imagem.
Ouro e ouçamos o que diz a própria Escritura com rela-
Não temos certeza se esse é um mapeamento astronômico ção ao significado do santuário.
de estrelas ou planetas com suas órbitas ou se essa imagem
representa um projeto arquitetônico ou paisagístico. Tenho VOLTA ÀS NOÇÕES BÁSICAS
certeza de que quando você olha para a imagem você é A primeira referência clara sobre o propósito e a fun-
capaz de chegar a muitas interpretações diferentes (ou pelo ção do santuário na BH pode ser encontrada em Êxodo
menos tentativas de sugestões). É assim que a nossa mente 25:8: “E farão um santuário para Mim, e Eu habitarei
trabalha: tentamos dar sentido ao que vemos. no meio deles.” Desde o início, a presença divina é a
Deixe-me dizer o que o desenho representa (e aqui, chave para a compreensão da construção do santuário.
posso dizer que devo isso às minhas três filhas e à minha Na maioria das vezes, os intérpretes bíblicos (incluin-
esposa, Chantal): É um mexicano com um grande cha- do, e especialmente, os intérpretes adventistas) leem o
péu, andando de bicicleta – observado sob a perspectiva versículo 9, a seguir, no qual a ordem divina continua
de um drone pairando acima dele. Agora você pode detalhando como esse santuário devia ser construído, ou
perguntar: O que esse exercício tem a ver com o ritual, seja, “tudo como Eu lhe mostrar, conforme o modelo
o santuário e a interpretação bíblica? Mantenha essa do tabernáculo e de cada utensílio.” O ponto central

DIÁLOGO 29 • 2 2017 11
de Êxodo 25:9 tem sido o significado do substantivo O RITUAL E O SANTUÁRIO
hebraico tabnit que aparece 20 vezes na BH e pode se Os últimos 30 anos testemunharam um tremendo
referir: (a) a um modelo original em miniatura; (b) a aumento nos estudos relacionados com o ritual bíblico,
um projeto feito por um arquiteto; (c) a um modelo ao passo que, ao mesmo tempo, fazem uso da teoria
em miniatura que seja a cópia de um original; d) ao ritual.13 Esse crescimento é baseado em importantes
projeto de um arquiteto baseado em um original, ou (e) desenvolvimentos metodológicos nos campos da antro-
ao próprio original.8 Todas as possibilidades semânticas pologia, sociologia e estudos religiosos, onde o estudo
sugerem um vínculo observável entre o modelo e a do ritual sempre teve um papel importante. Estudiosos
realidade e estão de acordo com os conceitos do Antigo como Catherine Bell, Ron Grimes, Jonathan Smith,
Oriente Próximo (AOP) de moradas divinas que são Mircea Eliade, Victor Turner e outros fizeram grandes
paralelas às moradas terrenas. No entanto, devido ao contribuições para a nossa compreensão teórica do
nosso interesse na maior realidade que há por trás do ritual, que, por sua vez, também influenciaram o estudo
santuário terrestre, muitas vezes, a nossa tendência é nos do ritual na área dos estudos bíblicos.
esquecermos do ponto-chave de Êxodo 25:8, ou seja, Ao iniciar minha pesquisa de doutorado sobre o ritual
do desejo divino de habitar no meio de Israel (e, por da ordenação sacerdotal, encontrado em Levítico 8, e o
extensão, no “mundo”).9 Essa noção da presença divina maior problema que é compreender os textos que estão
é visível também no Jardim do Éden, que representa um descrevendo uma realidade tão distante da nossa, tenho
elo entre a criação e o santuário.10 As implicações da pre- defendido repetidamente uma forma de ler textos rituais
sença divina na Terra (no santuário) são significativas e nas Escrituras que dão atenção aos elementos importan-
afetam os conceitos teológicos de santidade, a sequência tes do ritual em si e, ao mesmo tempo, também olhem
contínua de puro-impuro (assim como profano-santo) para os aspectos do ritual como um todo.14
e, após a destruição do templo (e, portanto, a morada Em outras palavras, olhando cuidadosamente para
de Deus na Terra), exigiram importantes reflexões teo- a árvore, também esperamos entender a floresta. Essa
lógicas que mudaram radicalmente a face do judaísmo.11 estratégia de leitura (distinta do campo de trabalho
Uma segunda função do santuário, extremamente antropológico) toma a terminologia da linguística sem
importante, envolvia o sistema sacrificial. De acordo necessariamente utilizar um modelo linguístico. As
com Levítico 17:8, 9, os sacrifícios somente podiam ser principais categorias linguísticas, como a morfologia, a
oferecidos no santuário. Assim, seguindo as Escrituras, sintaxe, a semântica e a pragmática fornecem um meio
o santuário não funcionava apenas como a morada divi- para descrever a forma do ritual (o que o texto descreve),
na (uma espécie de “lar longe de casa”), mas também os elementos importantes do ritual (envolvendo também
como a única localização geográfica autorizada (que a sua interação, isto é, a sintaxe)15, o significado contex-
durante os anos de peregrinação no deserto era móvel), tual do ritual (em que módulos importantes são integra-
onde a expiação podia ser efetuada.12 dos em uma unidade semântica maior), que finalmente
É aqui que a compreensão dos rituais impacta de leva à perspectiva pragmática, envolvendo as funções e
maneira mais significativa o nosso entendimento e dis- dimensões (para que servia o ritual?).16
cussão do santuário, pelo menos deveria. Façamos uma pequena pausa na teoria de estranha
conotação do ritual e pensemos juntos no que desencadeia
o ritual e, particularmente, o ritual relacionado ao santuá-
rio (isto é, o ritual sacrificial). Várias razões vêm à mente:
os ritos de passagem (como Arnold van Gennep chamou de
rituais de transição)17 que envolvem transições na vida, tais
como rituais de faixa etária, casamentos, funerais, orde-
nações, etc. Festas e jejuns são muitas vezes marcadores de
ciclo da vida (e a BH apresenta um grande número de fes-
tas indicadas por ordem divina, frequentemente, embora
nem sempre, ligadas ao santuário). No entanto, a função
mais importante da atividade do ritual na Bíblia Hebraica
envolvia o ritual como um solucionador de problemas.
Apenas imagine-se nas sandálias de um israelita que
havia pecado e tinha acabado de ser condenado por sua
ação pecaminosa. Ele teria que oferecer uma oferta apro-
priada pelo pecado (ou queimada), seguindo uma sequên-
cia clara de atividades que eram fundamentais ao lugar
e ao tempo (detalhes podem ser obtidos em Levítico 1).
Ele teria que colocar suas mãos sobre a cabeça do animal,

12 DIÁLOGO 29 • 2 2017
transferindo seus pecados sobre o animal a ser sacrifica- maiúsculo), que se fez carne e Se “entabernaculou” entre
do.18 Ele teria que matar o animal de uma maneira espe- nós (ver João 1:14), podemos espiar por detrás da corti-
cífica, enquanto o sacerdote recolheria o sangue drenado na. De fato, o livro de Hebreus nos diz que “temos essa
em um vaso e depois o aspergiria em torno do altar e, esperança como âncora da alma, firme e segura, a qual
na maioria dos casos, na cortina que separa o Santo do adentra o santuário interior por trás do véu” (Hebreus
Santíssimo. O sacerdote também teria que se certificar 6:19), baseada na promessa do ministério de Jesus “por
de que a oferta seria devidamente queimada sobre o altar. trás do véu”, à direita do Pai. Considerando o propósito
Qual era o objetivo desse complexo ritual? Em nível explícito primário do santuário terrestre (isto é, de que
material, um animal inocente teria que morrer por um Deus queria estar no meio de Seu povo [Êxodo 25: 8]),
ser humano culpado. No entanto, o ritual sempre vai além o santuário (tanto terrestre como celestial) se tornam o
do óbvio ou do material. Ao transferir o pecado para o meio para alcançar essa íntima ligação.
animal, o sangue do animal era levado para o santuário e Aqui está outra ramificação importante da intersecção
aspergido sobre o mobiliário, o resultado era a contami- do ritual, santuário e teologia. O santuário e seus comple-
nação do santuário, exigindo assim uma solução/purifi- xos requisitos rituais, que eram necessários para alcançar
cação mais permanente para o pecado, que o ritual do a purificação, precisam ser compreendidos dentro do
Yom Kippur proporcionava uma vez ao ano (Levítico 16). contexto maior do motivo do Grande Conflito. A salva-
ção precisa ser objetiva, verificável, pública e transparen-
A LIGAÇÃO ENTRE O RITUAL, O SANTUÁRIO te. O sacrifício bíblico não deve ser entendido como um
E A TEOLOGIA: ALGUMAS IMPLICAÇÕES suborno ou algo feito às ocultas. É público e transparente,
A interpretação do ritual bíblico nos lembra de não e envolve participantes claramente definidos. Deve ser
fazer dos detalhes o foco principal de estudo – uma boa assim, uma vez que é uma extensão (ou uma dimen-
lição para quem procura entender o santuário. Seguindo são) do Grande Conflito, no qual um desafio público
a teoria semântica que nos desafia a não insinuar palavras à justiça e ao amor de Deus exigia uma resposta divina
com significado (ou sugerir seu significado com base na também pública.19 O juízo investigativo é um elemento
etimologia), mas sim compreendê-las dentro do seu con- importante dessa resposta pública divina.
texto, a teoria do ritual nos convida a olhar para o aspecto Eu confesso estar tão intrigado quanto nervoso com
global. Parece que as perguntas feitas frequentemente, relação à sugestão de Ouro, de que o motivo do santuário
com relação à dimensão do santuário celestial, caíam é o centro da teologia bíblica. Conforme já foi enfatizado
nessa categoria: O modelo que foi mostrado a Moisés era em outro lugar, a noção do tema central tende a “nivelar”
exatamente igual ao santuário celestial? Foi feito de acordo a paisagem teológica e, muitas vezes, convida a interpre-
com uma escala? Em caso afirmativo, qual era essa escala? tações superficiais ou “distorcidas”.20 No entanto, o apelo
Essas são todas perguntas que desafiam uma resposta de Ouro para escutar a voz das Escrituras ao procurar um
clara, com base nas Escrituras. No entanto, a descrição centro é louvável e vai direto ao alvo. Sua sugestão pode
bíblica de uma realidade celeste correspondente, que ilus- ser apenas essa perspectiva de um drone que está acima
tra os diferentes elementos e as fases do plano de salvação e que nos dá o foco de que precisamos para reconhecer
ficam, de fato, claras. A teoria ritualística não desafia a a centralidade do santuário para a teologia adventista.
existência de uma realidade maior; apenas nos adverte Deus não só apresenta uma maneira de resolver a questão
a não nos afastarmos dos registros bíblicos de maneira do pecado e da separação; Ele fez isso publicamente, e
fantasiosa, o que pode resultar em limitar a Deus. de uma forma que era compreensível e transparente. Seu
Temos aqui outra implicação. Como muitas vezes desejo de habitar no meio de Seu povo é algo que comu-
lutamos para entender o ritual bíblico (frequentemente nica até mesmo sem palavras: fala de um Deus que Se
por sua maneira estranha de refletir as realidades cultu- deleita na comunidade e na intimidade.
rais, sociais, linguísticas e religiosas distintas), nós nos
lembramos de que estamos lidando com uma “segunda
Gerald Klingbeil
línguagem” e passamos a dar mais atenção aos detalhes,
DLitt pela Universidade de Stellenbosch,
sem deixarmos de lado as conclusões (prematuras).
África do Sul, é professor de Pesquisa
Ouvimos com mais atenção. Olhamos duas vezes. Nós
do Novo Testamento e Estudos Antigos
nos concentramos mais. Essa abordagem não é apenas
do Oriente Próximo no Seminário
necessária, mas muito saudável quando refletimos sobre Teológico Adventista do Sétimo Dia da
a doutrina do santuário nas Escrituras. Universidade Andrews, Berrien Springs,
O santuário (e o ritual bíblico ligado ao santuário) Michigan, EUA, e editor associado da
nos lembra também da importante ligação que há entre Adventist Review e da revista Adventist
o Céu e a Terra. Não somos apenas seres solitários e World, publicada pela Associação Geral
desconectados, em um planeta distante, flutuando atra- dos Adventistas do Sétimo Dia, Silver
vés de um Universo imenso. Por meio do Verbo (com V Spring, Maryland, EUA.

DIÁLOGO 29 • 2 2017 13
1. Esta é uma versão revisada e condensada de um estudo publi- 10. A limitação de tempo e espaço não me permite desenvolver
esse importante motivo. Ver Ouro, Old Testament Theology,
NOTA S E RE FE RÊ NCIA S

cado originalmente em Espanhol, sob o título de “El santuario,


el ritual y la teología: En busca del centro de la teología adven- p. 38-57, e as numerosas referências bibliográficas por ele
tista”, Theologika 27:1 (2012): 66-85. fornecidas.

2. Ver, por exemplo, o artigo de revisão de Michael M. Homan, 11. Uma discussão bastante proveitosa das implicações e refle-
“The Tabernacle and the Temple in Ancient Israel”, Religion xões do judaísmo a respeito da questão da presença divina,
Compass 1:1 (2007): 38-49. Com respeito à arquitetura do após a destruição do templo, pode ser encontrada em Risa
templo no AOP (incluindo a Bíblia), ver G. J. Wightman, Sacred Levitt Kohn and Rebecca Moore, “Where Is God? Divine
Spaces: Religious Architecture in the Ancient World (Ancient Near Presence in the Absence of the Temple”, em Milk e Honey:
Eastern Studies Supplement 22 (Leuven-Paris: Peeters, 2007). Essays on Ancient Israel and the Bible in Appreciation of the
Sigurd Bergmann, “Theology in Its Spatial Turn: Space, Place, Judaic Studies Program na Universidade da Califórnia, San
and Built Environments Challenging and Changing the Images Diego, Sarah Malena e David Miano, eds. (Winona Lake, Ind.:
of God”, Religion Compass 1:3 (2007): 353-379, forneceu um Eisenbrauns, 2007), 133-153.
estudo bastante útil que procura integrar a teologia e o espaço
religioso. Mais recentemente, a dissertação de Hundley’s 12. Mais detalhes e categorias podem ser encontrados em Gerald A.
Cambridge PhD revisou a questão da ligação entre a localização Klingbeil, “Sacrifice and Offerings”, em The Oxford Encyclopedia
e a presença divina, conforme sugerida nos textos do taberná- of the Bible and Theology, 2 vols.; Samuel E. Balentine, ed.;
culo e do templo da BH. Michael B. Hundley, Keeping Heaven on (Oxford: Gráfica da Universidade Oxford, 2015), 2:251-259.
Earth: Safeguarding the Divine Presence in the Priestly Tabernacle: 13. Ver Hundley, Keeping Heaven on Earth; Gerald A. Klingbeil,
FAT 2/50; (Tübingen: Mohr Siebeck, 2011). Bridging the Gap: Ritual and Ritual Texts in the Bible, Bulletin
for Biblical Research Supplements 1 (Winona Lake, Ind.:
3. Uma visão geral útil a respeito dessas tendências para o livro
Eisenbrauns, 2007); James W. Watts, Ritual and Rhetoric in
de Levítico, entre os anos 1960 e 1995, pode ser encontrada
Leviticus: From Sacrifice to Scripture (Cambridge: Gráfica da
em Gerald A. Klingbeil, A Comparative Study of the Ritual of
Universidade de Cambridge, 2007); Wesley J. Bergen, “Studying
Ordination as Found in Leviticus 8 and Emar 369 (Lewiston-
Ancient Israelite Ritual: Methodological Considerations”,
Queenston-Lampeter: Edwin Mellen Press, 1998), p. 70-89. Religion Compass 2 (2007): 1-8; , Reading Ritual.
4. Nomes tais como D. M. Canwright, A. F. Ballenger, ou L. R. Leviticus in Postmodern Culture, JSOT Sup 417 (London-New
Conradi vêm à mente quando se levam em consideração as York: T & T Clark International, 2005); Gane, Cult and Character;
questões adventistas relacionadas ao santuário, 1844, Daniel Ithamar Gruenwald, Rituals and Ritual Theory in Ancient Israel,
8:14 e o juízo investigativo. Brill Reference Library of Judaism 10 (Leiden-Boston: Brill,
2003); Frank H. Gorman, Jr., “Ritual Studies and Biblical Studies:
5. Ver, por exemplo, A. V. Wallenkampf e W. R. Lesher, eds., Assessment of the Past, Prospects for the Future”, Semeia 67
The Sanctuary and the Atonement: Biblical, Historical, and (1995): 13-36; , The Ideology of Ritual. Space, Time,
Theological Studies (Washington, D.C.: Review and Herald, and Status in the Priestly Theology, JSOT Sup 91 (Sheffield: JSOT
1981); Samuel Núñez, The Vision of Daniel 8: Interpretations Press, 1990).
From 1700-1900 (ThD dissertation, Andrews University, 1987);
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Offerings, Day of Atonement, and Theodicy (Winona Lake, 15. São incluídas nove categorias importantes: (1) situação e
Ind.: Eisenbrauns, 2005); Elias Brasil de Souza, The Heavenly contexto exigidos; (2) estrutura do ritual; (3) forma, ordem e
Sanctuary/Temple Motif in the Hebrew Bible: Function and sequência; (4) espaço ritual; (5) tempo ritual; (6) objetos rituais;
Relationship to the Earthly Counterparts (PhD dissertation, (7) ação ritual; (8) participantes e papéis rituais; e (9) som ritual
Andrews University, 2005); Martin Pröbstle, Truth and Terror: e linguagem.
A Text-oriented Analysis of Daniel 8:9-14 (PhD dissertation,
Andrews University, 2006); Fernando L. Canale, “From Vision 16. Seguindo outros pesquisadores de rituais, sugeri que olhásse-
to System: Finishing the Task of Adventist Theology: Part mos para diferentes dimensões (por exemplo, interativas, cole-
III, Sanctuary and Hermeneutics”, Journal of the Adventist tivas, inovadoras, tradicionais, comunicativas, simbólicas, etc.)
Theological Society 17:2 (2006): 36-80; Félix Cortez, “The em vez de um conjunto de rituais predeterminados (como, por
Anchor of the Soul That Enters Within the Veil”: The Ascension exemplo, rituais de fundação, rituais de restauração ou rituais
of the “Son” in the Letter to the Hebrews (PhD dissertation, de manutenção), conforme sugerido por Frank H. Gorman, Jr.,
Andrews University, 2007); Marvin Moore, The Case for the Ideology of Ritual: Space, Time, and Status in the Priestly Theology
Investigative Judgment: Its Biblical Foundation (Nampa, Idaho: (Sheffield, England: JSOT Press, 1990), p. 53-55.
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17. Arnold van Gennep, The Rites of Passage (Chicago: Impressora da
6. Roberto Ouro, Old Testament Theology: The Canonical Key. Volume Universidade de Chicago, 1961).
I: Pentateuch/Torah (Zaragoza, Spain: Lusar Reprograficas,
2008), p. 30-36. Ouro está ciente da natureza problemática 18. Compare a pesquisa de Keith E. K. Mattingly, The Laying on of
para encontrar o centro da teologia do Velho Testamento, par- Hands on Joshua: An Exegetical Study of Numbers 27:12-23 and
ticularmente quando este se sobrepõe, baseado em esquemas Deuteronomy 34:9 (dissertação de PhD, Universidade Andrews,
emprestados de sistemas teológicos sistemáticos (como em 1997), sobre rituais de colocação manual, particularmente
uma tríade: Deus – Homem – Salvação ou, em termos sistemá- quando a liderança é transferida.
ticos: Teologia – Antropologia – Soteriologia).
19. Quanto à importância do grande motivo de controvérsia para
7. Ver as publicações de Fernando L. Canale, “Revelation and a teologia bíblica ver Norman R. Gulley, Systematic Theology.
Inspiration: The Ground for a New Approach”, Andrews University Prolegomena (Berrien Springs, Mich.: Gráfica da Universidade
Seminary Studies 31:2 (1993): 91-104; , “Revelation Andrews, 2003).
and Inspiration: Method for a New Approach”, ibid. 31:3 (1993):
171-194; , “From Vision to System: Finishing the Task 20. Gerhard Hasel foi um crítico franco do assentamento do centro
of Adventist Theology: Part III, Sanctuary and Hermeneutics” da teologia do Antigo Testamento, apesar de postar Deus no
p. 36-80. centro da BH. Ver Gerhard F. Hasel, Old Testament Theology:
Basic Issues in the Current Debate, 4th ed. (Grand Rapids, Mich.:
8. Compare, para mais detalhes e discussões, Richard M. Eerdmans, 1991); , “The Nature of Biblical Theology:
Davidson’s Typology in Scripture: A Study of Hermeneutical typos Recent Trends and Issues”, Andrews University Seminary Studies
Structures, Andrews University Seminary Doctoral Dissertation 32:3 (1994): 203-215; , “Recent Models of Biblical
Series 2 (Berrien Springs, Mich.: Andrews University Press, Theology: Three Major Perspectives”, Andrews University
1981), 372-374; see also Ouro, Old Testament Theology, p. Seminary Studies 33:1-2 (1995): 55-75; , “Proposals
107-109. for a Canonical Biblical Theology”, Andrews University Seminary
Studies 34:1 (1996): 23-33.
9. Eu debati o termo mundo em meu artigo “Finding the ‘World’
in Biblical Studies: God-Talk, Culture, and Hermeneutics in the
Study (and Teaching) of Faith”, Scriptura 101 (2009): 219-234.

14 DIÁLOGO 29 • 2 2017
A RTI GO

ADÃO E EVA:
LIÇÕES DE UMA
VELHA HISTÓRIA
DRAGOSLAVA E
ALEKSANDAR S. SANTRAC

A
dão e Eva são personagens bíblicos de
imensa complexidade e significado. Não
O ideal divino de que só a humanidade traça sua origem de
volta a eles, mas também compartilha um
ninguém tem direito destino coletivo, marcado pelo pecado
e suas consequências que são diretamente resultantes
a privilégios únicos de sua desobediência inicial. Adão e Eva figuram de
forma proeminente nos quatro primeiros capítulos de
e à superioridade Gênesis, mas os ecos de sua existência são ouvidos ao
longo de toda a Bíblia (ver, por exemplo, 1 Crônicas 1:1,
sobre os outros Romanos 5:14 e 2 Coríntios 11:3). Lembrar sua história
dentro dos moldes bíblicos nos ajudará a viver nosso
deve triunfar na presente de maneira mais significativa.
igreja de Deus
como uma vibrante
demonstração da Sua
vontade para com a
humanidade.

DIÁLOGO 29 • 2 2017 15
IMAGEM DIVINA E DESCENDÊNCIA TERRENA a natureza. Ao contrário das crenças comuns do passado, de
Adão (em hebraico, ’adam) é tanto o nome próprio do que as forças da natureza são divindades que podem manter
primeiro homem (Gênesis 2:20) como uma designação a raça humana debaixo da escravidão, o texto bíblico declara
para a humanidade (Gênesis 5:2; 7:21). Deus mesmo que os seres humanos são agentes livres, que têm o direito,
deu esse nome a Adão e Eva: “Deus os criou homem e conferido por Deus, de controlar a natureza. No entanto, os
mulher, e os abençoou, e lhes deu o nome de ‘humani- seres humanos não possuem poder e autoridade irrestritos;
dade’” (Gênesis 5:2 - NTLH). Adão é identificado com os limites de seu governo são cuidadosamente definidos e
toda a humanidade, e não com qualquer nacionalidade circunscritos pela lei divina, de modo que os privilégios que
ou raça em particular. O país de onde o pó foi tomado lhes foram dados sejam exercidos com responsabilidade e
não é indicado. Os rabinos acreditavam que tenha sido dos quais devem dar conta (Gênesis 2:15-17).3 O Jardim
de toda a Terra para que ninguém pudesse dizer: “Meu do Éden é retratado como o primeiro santuário na Terra,
pai é maior que o seu.”1 A mesma noção genérica é pre- e Adão e Eva os seus sacerdotes ali colocados para servirem
servada no nome da primeira mulher. A forma hebraica Deus.4 Por serem criados à imagem de Deus, os seres huma-
do nome Eva (khawwah) está relacionada ao verbo nos deveriam viver como agentes e testemunhas da Sua
khayah (“viver”), para descrever Eva como “a mãe de presença na Terra, e dela cuidarem.
toda a humanidade” (Gênesis 3:20). O relato da criação O retrato glorioso da humanidade como tendo “a ima-
bíblica destaca a verdade de que todos os seres humanos gem de Deus”, em Gênesis 1, está ligado a uma origem mais
têm antepassados comuns e são irmãos e irmãs. baixa, a saber, o pó da terra (Gênesis 2:7). O jogo de pala-
Embora o primeiro casal humano tenha sido criado vras no hebraico, entre ‘adam (homem) e ‘adamah (terra)
no sexto dia da semana da criação, juntamente com exprime uma mensagem significativa: os seres humanos são
as criaturas da Terra (Gênesis 1:24-31), a criação da criaturas ligadas à Terra. No entanto, o caráter distintivo e
humanidade é separada dos atos anteriores da criação aprimorado da humanidade é preservado nas imagens de
por uma série de contrastes sutis. Primeiro, a criação de forte intimidade. A palavra formado (em hebraico, yatsar)
Adão e Eva é introduzida pelo usual “Então disse Deus” sugere o trabalho cuidadoso de um oleiro fazendo uma
(v. 26). No entanto, a ordem de Deus que se segue não delicada obra de arte. Nas narinas dessa escultura de barro,
é um impessoal “Haja”, como em outras instâncias Deus soprou o fôlego da vida, transformando aquela escul-
(v. 3, 6, 14), mas sim o mais pessoal “Façamos […]”. tura humilde em um ser vivente.5 A imagem retrata a afei-
Segundo, enquanto outras criaturas foram criadas “de ção que há entre Deus e a humanidade, não compartilhada
acordo com suas (delas) espécies” (v. 11, 12, 21, 24, 25), por outras criaturas. A notável intimidade que há entre
o homem e a mulher foram feitos à imagem de Deus. Deus e a humanidade é revelada também na extraordinária
Terceiro, a criação da humanidade é especificamente criação da mulher (Gênesis 2:18-22), na promessa da reden-
observada como uma criação de “homem e mulher”, uma ção oferecida por Deus (3:15) e, mais tarde, no retrato de
característica não enfatizada para outras formas de vida. Deus como nosso Pai celestial e Seu amor em Jesus Cristo.6
Em quarto lugar, apenas aos seres humanos é dado o domí- Os seres humanos têm que viver com a consciência de que,
nio na criação de Deus. Esse domínio é expressamente refe- embora sejam criaturas especiais, feitas à imagem de Deus,
rido como sendo sobre todas as criaturas vivas no céu, no não são seres divinos, mas sim criaturas terrenas. Somente
mar e na terra, mas não sobre os semelhantes (v. 28).2 Sua quando esses dois aspectos forem devidamente compreendi-
alimentação especial também fala de seres humanos como dos e vividos é que o ser humano será feliz.
criaturas diferenciadas do restante da criação (v. 29, 30).
A diferença marcantemente superior da humanidade DOIS QUE SE TORNAM UM
está relacionada ao fato de que somente o casal, em toda O relato da feliz criação é inesperadamente interrompido
a criação na Terra, traz em si a imagem de Deus, que pela primeira afirmação negativa na Bíblia: “Não é bom que
revela a “semelhança” exclusiva entre a humanidade e o homem esteja só” (Gênesis 2:18). Essa declaração antecede
seu Criador. A imagem de Deus coloca em evidência a a criação da mulher, depois da qual Deus proclamara que
natureza incomparável e o valor infinito dos seres huma- tudo era muito bom (Gênesis 1:31). A ideia da solidão do
nos, possibilitando o seu relacionamento especial com homem é digna de nota. Pode-se perguntar por que Deus
Deus, que envolve intimidade e responsabilidade moral. demorou para criar a mulher e por que o homem se sentiu
Gênesis 1:26 emprega dois termos hebraicos: tselem sozinho, quando Deus estava lá. A demora foi deliberada.
(imagem) e demut (semelhança), que derivam do voca- Deus deixou Adão experimentar sua própria singularidade,
bulário régio que elevou o rei acima do povo comum solidão e incompletude que não poderiam ser satisfeitas por
na Mesopotâmia e no Egito. Na Bíblia, todos os seres nada no mundo. Era um desejo ardente por “uma ajudadora
humanos, e não apenas os reis, trazem “a imagem de que lhe fosse idônea” (Gênesis 2:20 – ARA).
Deus”. Cada pessoa traz consigo o selo da realeza! Como A criação da mulher, a partir da costela do homem, revela
tal, os seres humanos têm o privilégio de governar sobre a estreita ligação que há entre eles e estabelece as bases para

16 DIÁLOGO 29 • 2 2017
a compreensão do casamento no verso 24. “A relação da creve Adão e Eva como “um” (‘ekhad) retrata também
mulher com a ‘costela’ não a obriga a maior subordina- a “unicidade” da Divindade (Deuteronômio 6:4), suge-
ção do que a criação do homem, a partir do pó da terra, rindo que o vínculo entre marido e mulher é misterioso
implica sua subordinação a ele.”7 Ellen White escreveu: e profundo. Dois seres distintos estão unidos, preser-
“Eva foi criada de uma costela tirada do lado de Adão, vando sua personalidade separadamente. Esse ponto de
significando que não o deveria dominar, como a cabeça, vista reconhece as semelhanças e diferenças entre eles
nem ser pisada sob os pés como se fosse inferior, mas estar como uma unidade, e salienta a igualdade do homem e
a seu lado como igual, e ser amada e protegida por ele.”8 da mulher na sua posição perante Deus e na sua relação
Noção semelhante é transmitida na descrição da mulher uns com os outros e com o restante da criação.
como “uma ajudadora” (Gênesis 2:18, 20). A palavra
hebraica ezer (ajudante) descreve “aquele que possui o A QUEDA
desejo e a habilidade ou capacidade de ajudar ao outro, Deus criou os seres humanos como agentes livres.
um parceiro”.9 É usada geralmente para descrever Deus Infelizmente, a desobediência de Adão e Eva quebrou o
como um Ajudador (Salmo 30:10; 54: 4; 121:1, 2; 146: 5) potencial para o bem que há no do dom do livre-arbítrio.
e, portanto, não tem conotações depreciativas. Gênesis 3 prepara o cenário para a situação moral da
Ao trazer a mulher para o homem, Deus desempe- humanidade. Adão gerou filhos à sua própria semelhança,
nhou o papel de um oficiante de casamento (Gênesis o que envolveu então a propensão para o pecado (Gênesis
2:22). Ele abençoou Adão e Eva para que fossem férteis 5:3, Romanos 5:12).
e se multiplicassem; e, dessa forma, a intimidade sexual O relacionamento da humanidade com Deus foi
entre marido e mulher é vista como algo bom e desejável mantido pela confiança e obediência a Ele (Gênesis
(Gênesis 1:28, 2:25). “A nudez traz consigo uma abertu- 2:16, 17). Assim, quando o tentador prometeu liberdade
ra e vulnerabilidade tanto física como psicológica”10 que para se tornarem como Deus, Adão e Eva desejaram
são pré-requisitos para a compaixão, confiança e com- ultrapassar os limites de criaturas que eram. “Bom e
preensão. Enquanto a harmonia com Deus é mantida, a mau” deveriam ser entendidos como “partes indiferen-
inocência e a dignidade da sexualidade são preservadas. ciadas” de uma totalidade, um merismo que significa
A exclusividade da relação conjugal é crucial. O “tudo”.13 “Os olhos abertos” (Gênesis 3:5, 7) sugerem o
homem deve deixar seu pai e sua mãe e unir-se à sua acesso a reinos e possibilidades ocultos (Gênesis 21:19;
esposa (Gênesis 2:24). A relação conjugal, portanto, Números 24:16, 2 Reis 6:17, 20). “O conhecimento do
tem precedência sobre os laços com os pais. A devo- bem e do mal é entendido como o conhecimento divi-
ção primária do marido é para com sua esposa, com
quem constrói uma relação única de intimidade e
fidelidade sem precedentes. A palavra junção (hebrai-
co, dabaq) descreve intensa afeição e lealdade. Muitas Em Sua imensa sabedoria e
vezes, retrata o desejo e o compromisso para com amor, Deus assegurou que
Deus (Deuteronômio 10:20; 11:22; 13:4; 30:20), e as
coisas físicas se aderem umas às outras, especialmente a humanidade nunca seria
as partes do corpo (Jó 19:20; 23).11 O marido deve se deixada sem esperança.
unir à sua esposa tão profundamente como a pele se
adere ao músculo em um corpo. Assim, eles se tornam
“uma só carne” (Gênesis 2:24), o que implica mais do
que a unidade sexual. Sua unidade física, emocional,
espiritual e mental foi antecipada na criação de Eva,
a partir do corpo de Adão (v. 23). De acordo com a
interpretação rabínica, o sentido do verso 24 é de que
os homens devem ser diferentes dos machos do mundo
animal, que se acasalam e depois seguem seu caminho.
Um homem deseja que sua esposa esteja sempre com ele.
Promiscuidade é, portanto, a degradação do propósito
de Deus para a humanidade. Embora a poligamia seja
vista no Antigo Testamento, o verso 24 indica que o
ideal é a monogamia heterossexual.12
A relação de Adão e Eva como marido e mulher
envolve uma equação única: eles são simultaneamente
dois e um. Curiosamente, a palavra hebraica que des-

DIÁLOGO 29 • 2 2017 17
no, ou seja, o conhecimento próprio de Deus.”14 No tou toda a humanidade (Gênesis 3:7, 12, 16). As ações
coração de toda tentação reside a negação da depen- viciosas, como a decisão do mais forte sobre o mais fraco
dência de Deus, cegada por vantagens aparentes que se e a discriminação, podem estar ligadas à violação aberta
manifestam como se estivessem faltando no domínio do plano original de Deus para a humanidade.
de Deus (Mateus 4:1-11, Tiago 1:13, 14). É significativo que, em Gênesis, o homem e a mulher
Contudo, o pecado inverte as bênçãos de Deus. A sejam primeiramente definidos não por seu gênero, mas
pureza é substituída pela culpa (Gênesis 2:25, 3:7), a pelo fato de serem ambos criados à imagem de Deus
alegria de comungar com Deus pelo medo e a vergo- (Gênesis 1:26, 27). Gênesis 1:27 afirma duas vezes que a
nha (3:8-10), as relações harmoniosas pelas acusações e humanidade foi criada à imagem de Deus, e então que a
maus tratos (2:22-24; 3:12, 16), a bênção da procriação humanidade foi criada “masculina e feminina”. A plurali-
pela dor (1:28, 3:16), o governar da natureza pela luta dade divina em “Façamos [...]” (Gênesis 1:26) parece ante-
constante (1:28; 3:17-19) e a vida eterna pelo retorno ao cipar a pluralidade humana do homem e da mulher (v. 27).
pó (3:19). Adão e Eva experimentaram o julgamento A criação da humanidade como homem e mulher
imediato ao serem separados de Deus, quando foram é um aspecto da imagem de Deus, “lançando assim a
expulsos do Jardim do Éden (Gênesis 3:23, 24). relação humana entre o homem e a mulher no papel
O fato de não terem morrido imediatamente15 de refletir a relação pessoal de Deus consigo mesmo”.17
demonstra que o plano de salvação de Deus “foi pre- Significativamente, após a Queda, a linguagem de
destinado antes da fundação do mundo” (1 Pedro 1:20, Gênesis 1:26, 27 é repetida em Gênesis 5:1, 2, para enfa-
ver também Apocalipse 13:8). Em Sua imensa sabedoria tizar que o plano original de Deus não havia sido altera-
e amor, Deus assegurou que a humanidade nunca seria do. Em Gênesis 5:2, tanto Adão como Eva são chamados,
deixada sem esperança. A promessa de Deus de que a em hebraico, de ‘adam (Humanidade, NTLH), mostran-
semente da mulher ia esmagar a cabeça da serpente é a do que tanto o homem como a mulher são considerados
primeira predição messiânica (Gênesis 3:15). A salvação iguais, pois ambos carregam a imagem de Deus.
da humanidade repousa sobre a iniciativa e a graça de Observe a percepção singular de Paulo nessa unicida-
Deus, e não sobre as obras humanas: Deus buscou Adão de e igualdade entre o homem e a mulher. Em Efésios
e Eva (v. 9). Os animais sacrificados, que forneceram 5:22, 25 e 33, ele discute a relação entre marido e
roupas para cobri-los, morreram em seu lugar (v. 21). mulher à luz do verso 1: “Portanto, sejam imitadores de
Aqui está o primeiro exemplo bíblico de superioridade e Deus como filhos amados.” O matrimônio de um casal
suficiência da justiça pela fé nos méritos do sacrifício de devotado deve refletir a perfeita harmonia que existe na
Cristo e da futilidade de depositar em obras humanas a Santíssima Trindade. Notavelmente, o mesmo termo
garantia de uma nova vida. hebraico (‘ekhad) descreve tanto a unidade entre o mari-
do e a esposa, quanto a unidade dentro da Divindade
SENHORIO E SUBMISSÃO? (Gênesis 2:24; Deuteronômio 6:4). Efésios 5:21 e 31
Gênesis 3:16 desempenha um papel significativo nos fornecem outro contexto para o casamento: “sujeitem-se
debates teológicos, com relação às questões de gênero, uns aos outros por temor a Cristo”, e “os dois se tornarão
porque parece dizer que Deus desejava que Adão gover- uma só carne”. Além disso, a imagem do matrimônio
nasse Eva como seu superior, depois da Queda. O texto elucida a devoção mútua que há entre Cristo e Sua igreja
representa uma maldição de Deus sobre Eva? (v. 32, 33).
É importante perceber que o trato divino para com A harmonia entre Jesus e Seu Pai deve ser refletida
a mulher é o único que não contém a palavra maldi- também na unidade dos crentes que são descritos como
ção, ao contrário dos tratamentos divinos para com “um corpo” (1 Coríntios 10:17; 12:12) e são chamados
a serpente e para com o homem (Gênesis 3:14, 17). a ser “um, assim como Nós somos um” (João 17:22).
O contexto imediato e as estreitas conexões literárias “Um corpo” e “que eles possam ser um” ecoam o padrão
sugerem que Gênesis 3:16 deve ser lido à luz do verso edênico (Gênesis 2:24). O ideal divino de que ninguém
15. Ambos os versículos têm o motivo do nascimento tem direito a privilégios únicos e à superioridade sobre
e devem ser colocados sob a perspectiva da salvação: os outros deve triunfar na igreja de Deus como uma
é através do processo encarnacional de dar à luz o demonstração vibrante da Sua vontade para com a
Messias, a semente da “mulher”, que Deus prevalecerá humanidade (Lucas 22:26, Gálatas 3:28 e Colossenses
sobre o mal e salvará a humanidade. Deve-se notar 3:11). O ideal divino não só impede a discriminação de
também que a noção de subordinação das mulheres gênero, mas também todo tipo de maltrato e opressão,
aos homens nunca foi mencionada ou esteve implícita incluindo, por exemplo, a escravidão e o racismo. Jesus
antes desse texto e, portanto, não fazia parte do plano apela ao Seu povo para que aceite a vontade divina que
de Deus.16 Entre os primeiros efeitos do pecado estava a foi revelada “desde o princípio”, e não “à dureza” do
harmonia entre Adão e Eva, que foi quebrada, e infec- coração pecaminoso (Mateus 19:8).

18 DIÁLOGO 29 • 2 2017
Dragoslava Santrac
PhD pela Universidade North-West,
África do Sul; MA, pela Universidade
Andrews, Berrien Springs, Michigan, EUA,
é professora adjunta na Faculdade de
Teologia da Universidade Adventista de
Washington, Takoma Park, Maryland, EUA;

Aleksandar S. Santrac
DPhil pela Universidade de Belgrado,
Sérvia; PhD pela Universidade North-
West, África do Sul, é professor de Ética,
Religião e Filosofia, e também Presidente do
Departamento de Religião da Universidade
Adventista de Washington.

1. Paul Ferguson, “Adam”, Evangelical Dictionary of Biblical Theology

NOTA S E REFERÊNCIA S
(Grand Rapids, Mich.: Baker Academic, 1996), p. 10..
2. John H. Sailhamer, The Pentateuch as Narrative: A Biblical
Theological Commentary (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 1992),
p. 94, 95.
3. Nahum M. Sarna, “‫ תיׁשרב‬Genesis”, The JPS Torah Commentary
(Philadelphia: Jewish Publication Society, 1989), p. 12, 13.
4. Por exemplo, as palavras hebraicas usadas para descrever o tra-
balho de Adão e Eva no jardim, em Gênesis 2:15, (’abad e shamar)
descrevem mais tarde o trabalho dos sacerdotes (Números 3:7, 8;
8:26; 18:5, 6). Éden era o lugar da presença divina (Gênesis 3:8;
4:16), exatamente como o santuário (Levítico 26:11, 12) (ver tam-
bém Richard M. Davidson, “Earth’s First Sanctuary: Genesis 1-3 and
Parallel Creation Accounts”, Andrews University Seminary Studies
O SEGUNDO ADÃO 53:1 [2015]: 65-89: http://www.academia.edu/19984914/Earths_
First_Sanctuary_Genesis_1-3_and_Parallel_Creation_Accounts.)
Jesus é considerado o segundo Adão porque Ele, em
Sua encarnação, viveu a vida perfeita que era esperada 5. O homem não recebeu uma alma imortal; ele tornou-se alma viven-
te quando recebeu o fôlego de vida e começou a respirar (Gênesis
que Adão vivesse na sua criação, mas não conseguiu 2:7). Os animais têm o mesmo sopro de vida (Eclesiastes 3:19-21).
fazê-lo. Jesus, em Sua humanidade, refletiu perfei- Somente Deus tem a imortalidade incondicional (1 Timóteo 6:16)

tamente a imagem de Deus na Terra (João 12:45, 2 6. Ver Deuteronômio 1:30, 31; Salmo 27:10; 68:5; 89:26; 103:13;
Isaías 49:15; 66:12, 13; Mateus 6:9; Efésios 1:6-10; e 1 João 3:1.
Coríntios 4: 4, Colossenses 1:15, Filipenses 2:6-9). Jesus
7. T. E. Fretheim, “The Book of Genesis,” The New Interpreter’s Bible,
passou no teste de Satanás (Mateus 4:1-11) e nunca Se volume 12 (Nashville: Abingdon, 1994), 1:352.
afastou da vontade de Deus (João 17:4; 14:9). Aqueles 8. Ellen G. White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: Casa Publicadora
que crêem em Jesus são renovados para viver à imagem Brasileira, 1995), p. 18.
de Cristo (2 Coríntios 3:18, Gálatas 2:20, 1 João 3:2, 3). 9. R. G. Branch, “Eve”, Dictionary of the Old Testament: Pentateuch
(Downers Grove, Ill.: InterVarsity, 2003), p. 241.
A obra da redenção propiciada por Jesus é contrastada
10. Ibid.
com a obra da apostasia de Adão (1 Coríntios 15:22,
Romanos 5:12-21). Pelo pecado do primeiro Adão, a 11. Earl S. Kalland, “‫( קבד‬dabaq), cleave, cling”, Theological Wordbook
of the Old Testament (Chicago: Moody Publishers, 1980), 1:177,
condenação, o juízo e a morte entraram no mundo, 178.
mas, através da vida justa do segundo Adão e de Sua 12. The Jewish Study Bible, Adele Berlin & Marc Zvi Brettler, eds. (New
morte sacrificial, o dom da graça, a justificação, a justi- York: Gráfica da Universidade Oxford, 2004), p. 16.

ça e a vida eterna são oferecidos à humanidade. A obra 13. Sarna, “‫ תיׁשרב‬Genesis”, p. 19.
redentora do segundo Adão resultará na renovação do 14. Claus Westermann, Genesis 1-11, A Continental Commentary
(Mineápolis: Gráfica Fortress, 1994), p. 243.
relacionamento com Deus, na comunhão entre as pes-
15. A Bíblia faz distinção entre “a primeira morte”, um “sono” tem-
soas e no mundo natural. No entanto, Jesus não restau- porário até a segunda vinda de Cristo, ou o julgamento final
rará simplesmente todas as bênçãos oferecidas por Deus, (João 11:11-14, 23, 24; Apocalipse 20:6), e “a segunda morte”,
que é o salário do pecado, levando à cessação da existência
mas as fará transbordar abundantemente (Romanos para aqueles que rejeitam o dom divino da salvação (Apocalipse
5:15, 8:19-23, Apocalipse 22). 20:14, 15; 21:8).
16. Jacques B. Doukhan, “Genesis”, Seventh-day Adventist International
Commentary, Jacques B. Doukhan, ed. (Boise, Idaho: Pacific Press,
2016), p. 104, 105.
17. Sailhamer, The Pentateuch as Narrative, p. 96.

DIÁLOGO 29 • 2 2017 19
PR I M E I R A PE S SOA

ESPERANDO
AMOR
PELO

ADRI ALI

C
resci no pitoresco vale Paarl, no Cabo
Ocidental da África do Sul. Brindado pelas
montanhas mais azuis, com exuberante vege-
tação e os vales mais incríveis à noite, Paarl é
muito, muito lindo. Eu era a filha única de
uma família católica. Frequentávamos a igreja todos os
domingos, mas nunca fomos pesquisadores profundos da
Bíblia. Ouvíamos o sermão todas as semanas, e esse foi o
único conhecimento religioso que recebemos. Meus pais
nunca estudaram a Bíblia comigo ou mesmo sozinhos.
Uma noite, quando eu tinha cerca de oito anos,
sonhei que estava subindo uma escada até o Céu, e
quando cheguei lá, vi um homem em pé, vestido com
um manto branco. Ele tinha a mais suave e pura expres-
são em Seus olhos. Eu sabia que Ele me amava. Eu sabia Adri e Wisam Ali
que podia confiar nEle de forma absoluta.
Desviei a minha atenção dEle e vi a criatura de aspec-
to mais terrível ali, em pé, bem à minha frente. Um Ele me amou primeiro. Na minha adolescência, eu estava
temor imenso tomou conta de mim. Olhei então para o cercada de amigos vindos de lares seculares, semelhantes ao
Homem do manto branco. Tinha uma expressão suave meu, e alguns começaram a ler e a se envolver com o ocul-
e me disse: “Eu lhe dei tudo o que precisa para derrotar tismo. Naquela época, eu ainda sabia que amava a Jesus, no
todo o mal.” Como eu havia confiado naquele Homem entanto, meu foco estava direcionado para outras coisas que
instintivamente, acreditei também no que Ele me disse pareciam uma diversão inocente.
e me senti cheia de confiança. Crendo em Seu poder, Comecei a brincar com a “wicca”, uma forma de feitiçaria e
levantei minhas mãos, e a criatura assustadora desapa- prática ocultista. Durante esse período, experimentei terríveis
receu. Anos mais tarde, quando comecei a ler a Bíblia, ataques demoníacos com bastante frequência.
encontrei uma promessa que passou a ter grande signifi- Um dia, enquanto estava em meu quarto, procurei algo
cado para mim, desde então: “Eu dei a vocês autoridade na mesa de cabeceira e, acidentalmente, empurrei a Bíblia
para pisarem sobre cobras e escorpiões, e sobre todo o que estava ali. Ela caiu aberta na passagem que diz: “Ora, as
poder do inimigo; nada lhes fará dano” (Lucas 10:19). obras da carne são manifestas: imoralidade sexual, impure-
A partir daquela noite, desejei estar sempre perto de za e libertinagem; idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciú-
Jesus, do meu jeito infantil. Queria que Ele Se sentisse mes, ira, egoísmo, dissensões, facções e inveja; embriaguez,
feliz comigo, não triste. Sabia que O amava porque orgias e coisas semelhantes. Eu os advirto, como antes já os

20 DIÁLOGO 29 • 2 2017
adverti: Aqueles que praticam essas coisas não herdarão nar sua esposa. Pensei sobre isso e concordei. Nós não nos
o Reino de Deus” (Gálatas 5:19-21). comprometemos trocando alianças, à maneira convencio-
Quão ludibriada eu tinha sido! Tive muito medo de nal do Ocidente, mas fazendo essa promessa um ao outro.
ler esse texto, temendo haver me separado do Senhor Logo após me formar no Ensino Médio, Wisam teve
que tanto me amou primeiro. Percebi que, durante a que deixar a África do Sul e ir para os Estados Unidos, a
minha busca por maior espiritualidade, eu tinha sido fim de fazer seu mestrado. Essa separação foi uma expe-
enganada por Satanás, pois vestia algo aparentemente riência bastante triste para mim. Tive que me apegar ao
tão inocente que eu não conseguia vê-lo como ruim. Senhor então, mais do que nunca, para assim obter paz
Eu me arrependi, imediatamente, de ter me envolvido interior enquanto esperava por ele. Encontrei forças na
naquele tipo de feitiçaria e comecei, a partir de então, a ordem e na promessa: “Busquem, pois, em primeiro lugar
ler minha Bíblia todas as noites. o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas serão
Meus pais, que então haviam se tornado adventistas do acrescentadas a vocês” (Mateus 6:33). Eu sabia que tinha
sétimo dia, frequentavam a igreja aos sábados, regular- que me lembrar sempre do meu primeiro amor: Jesus.
mente. Às vezes, eu ia com eles, mas, por algum motivo, Encontrei paz ao entender que não devia me impor-
não os acompanhava a cada semana. Um dia, meu pai tar com o que aconteceria nos quase dois anos em que
voltou para casa radiante: “Encontrei seu futuro marido Wisam e eu estaríamos separados, e se eu amasse de todo
na igreja hoje. O jovem é de Israel, e deu um testemunho o coração Aquele que me amou primeiro, Ele me daria
maravilhoso na igreja. O nome dele é Wisam Ali!” Eu aquilo que fosse bom para mim. Lembrei-me do texto:
não o levei muito a sério, pois achava que a escolha de “No amor não há medo; ao contrário o perfeito amor
meu pai, de um marido ou namorado para mim, prova- expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele
velmente não seria algo que me agradasse. que tem medo não está aperfeiçoado no amor. Nós ama-
Meses mais tarde, durante o último ano do Ensino mos porque Ele nos amou primeiro.” (1 João 4:18, 19).
Médio, fiz amizade com os filhos do pastor da igreja Enquanto isso, comecei a fazer a faculdade de Direito.
onde meus pais frequentavam. Enquanto os visitáva- Wisam e eu ficamos em contato via e-mail e através de
mos, certo dia, disse a eles que amava conhecer países chamadas telefônicas. Dois meses antes de sua formatu-
estrangeiros e que gostaria muito de viajar por todo ra, ele ligou e perguntou novamente se eu ainda gostaria
o mundo. Eles me disseram então que gostariam de de me casar com ele assim que ele se formasse. Eu disse
me apresentar a alguém de Israel: Wisam Ali. Fiquei a ele que queria, com certeza. Fiquei muito feliz, pois
muito surpresa ao ouvir aquele nome novamente e me sabia que havia encontrado a resposta para as minhas
perguntei se Deus estava tentando me comunicar algo. orações. Logo nos casamos.
Meus amigos tinham seus namorados ou namoradas, Durante todo aquele tempo em que fiquei esperando
mas eu sempre recusava os pedidos que me foram feitos por meu amor, lembro-me de que olhava para o desenho
por vários rapazes. Em meu coração, eu sabia que queria que pintei na porta do armário, enquanto estávamos
mais para mim e que eu pertencia a uma única pessoa. longe um do outro – uma pirâmide com Deus no topo,
Uma noite, enquanto já estava deitada em minha e eu e meu amado ao fundo. Se eu não estivesse perto de
cama, perguntei a Deus sobre Wisam, sobre quem era Deus, Wisam e eu nunca teríamos nos unido. Isso ainda
ele. Naquela noite, tive um sonho em que eu estava me parece muito verdadeiro hoje. Sinto que quanto mais
procurando por um homem chamado Wisam e que profundo é o meu vínculo com Jesus, mais o amor cresce
finalmente o conheci. Ele me contou no sonho como entre Wisam e eu. Eu sou Adri, filha desse Deus que me
havia sofrido e que o caminho que ele tomou para se amou primeiro, e então, esposa do meu marido. Como seres
tornar um filho de Deus nem sempre tinha sido fácil. humanos, somos todos pecadores, mas, por meio dAquele
Depois de poucas semanas, Wisam e eu conversamos ao que é perfeito, somos unidos como se fôssemos um.
telefone e combinamos de nos encontrar. Enquanto eu o
esperava, meu celular tocou. Ao atender, olhei para cima, e
Wisam estava lá, olhando para mim. Nós dois estávamos
rindo enquanto segurávamos o telefone ao ouvido. Fiquei Adri Ali
chocada, porque o Wisam que estava diante de mim pare- é assistente do diretor do Centro de
cia exatamente com o Wisam do sonho que eu tive. Vida e Esperança em Nazaré, Israel.
Achei isso estranho, pois nunca tinha visto nenhuma Ela realiza atividades de divulgação
foto dele. Passamos a tarde procurando nos conhecer da comunidade por meio de aulas
de inglês para falantes não nativos,
melhor. Em nosso terceiro encontro, Wisam pediu-me aulas de estilo de vida saudável e
que o esperasse enquanto ele iria terminar o mestrado em programas de culinária no Centro. Ela
Teologia na Southern Adventist University, nos Estados apresenta os adventistas do sétimo
Unidos. Em sua cultura, isso significava que eu ia me tor- dia para a comunidade onde vivem.

DIÁLOGO 29 • 2 2017 21
LOGO S

O EVANGELHO
DO RISO
CHARLES A. TAPP

“R
ir é o melhor remédio.” Embora essa
máxima pareça ser apenas mais um
ditado cativante, estudos mostraram
que há muita verdade neste antigo
O riso pode ser o melhor
adágio.1 De fato, estudos revelaram que
nossa capacidade de rir, às vezes, pode servir como um
remédio, mas apenas se
antídoto poderoso para as condições de estresse, depressão
e até mesmo conflitos. Nada se provou agir mais rápido e
for usado como forma de
mais seguro para restaurar o equilíbrio de forma saudável expressar alegria, assim
entre a mente e o corpo que uma boa e forte gargalhada.
Você já parou para se perguntar de onde vem o riso? A como é a nossa esperança,
capacidade de rir é um comportamento aprendido ou é
algo que trazemos quando nascemos? Você sabia que as ao colocarmos nossa
crianças começam a rir quase desde o momento em que
nascem? E se o riso está conosco desde o nascimento, confiança em Deus.
isso não significa que é um dom inato de Deus? Em
outras palavras, que a capacidade de rir vem conectada
ao nosso próprio DNA, como resultado de termos sido
criados à imagem do nosso Criador? Se esse for o caso, Quando você leva em consideração o que Salomão
isso quer dizer que Deus também ri? disse, o riso não é um ato que precisa ser fabricado ou
Salomão, o sábio, reconheceu que o riso não é algo fora estimulado de forma artificial; simplesmente acontece.
do comum, mas que ele o via como algo normal da expe- Nas Escrituras, o riso, na maioria das vezes, é mencio-
riência humana. Observe o que ele escreveu: “Para tudo há nado no contexto da alegria ou do regozijo. Apesar de
uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito tudo o que Jó teve de suportar em sua vida com a perda
debaixo do céu: Tempo de nascer e um tempo de morrer, da família, das propriedades e do prestígio, um de seus
tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, amigos assegurou-lhe: “[Deus] encherá de riso a sua
tempo de matar e tempo de curar, tempo de derrubar e boca e de brados de alegria os seus lábios” (Jó 8:21). Se
tempo de construir, tempo de chorar e tempo de rir, tempo assim é, e sabemos que a alegria é um fruto do Espírito
de prantear e tempo de dançar” (Eclesiastes 3:1-4). (Gálatas 5:22), então significa que o riso é verdadeira-

22 DIÁLOGO 29 • 2 2017
mente um dom precioso de Deus. Os dons que Deus idade fértil, e lhes assegurou que ela daria à luz um filho,
concede, nunca são dados para beneficiar unicamente Sara riu (Gênesis 18:12). Eu acho que você poderia dizer
a vida dos destinatários, mas como um meio para que que ela deu uma gargalhada. Sara achou que as palavras
possam impactar positivamente a vida de outros. ditas por Deus eram motivo de graça.
No entanto, você já notou quão contagioso pode ser Estou certo de que muitos de nós já tivemos algum
o riso? Diz a história que três garotas estudantes na momento em que nos sentimos como Abraão e Sara,
Tanzânia começaram a rir em 30 de Janeiro de 1962. quando a única resposta que pudemos dar, ao tentar
O riso se tornou incontrolável e contínuo. Em poucos compreender a grandiosidade de Deus, foi de espanto
meses, quase três quintos dos estudantes haviam contraí- ou achar graça. Se alguém me tivesse dito, quando eu
do esses mesmos sintomas, e a escola teve que ser fechada. era jovem, e com o problema de gagueira que eu tinha,
Esse riso contagiante veio a ser conhecido como omunee- que um dia eu iria trabalhar na área de rádio e televisão
po, uma palavra na língua swahili que significa “doença como locutor e narrador de talento, tenho certeza de
do riso” , que finalmente se espalhou, chegando a afetar que teria achado graça também. Não “engraçado”, mas
cerca de mil pessoas na Tanzânia e na vizinha Uganda. um senso de humor, como se eu estivesse sob a ilusão
Quando você e eu rimos, não se trata apenas de de que o plano de Deus para mim dependia da minha
ser esse um meio de expressão pessoal, pois também capacidade de contribuir para o sucesso desse plano.
podemos desencadear sentimentos positivos nos outros. Basta pensar em sua própria jornada com Deus. Se
Ted Loder, pastor e autor, observou certa vez: “O riso Deus lhe tivesse dito os planos que Ele tinha para sua
é como uma oração, como uma ponte sobre a qual as vida, tenho certeza de que muitos de vocês teriam achado
criaturas andam na ponta dos pés para se encontrar.”2 difícil de acreditar. Mas isso é porque vivemos na suposi-
Você pode imaginar um mundo sem risos? Essa ção de que o sucesso do plano de Deus para a nossa vida
expressão audível não é apenas uma poderosa demons- é baseado em nossas habilidades e em nossa posição atual
tração de alegria, mas, às vezes, é uma maneira de na vida. Nada poderia estar mais longe da verdade. Tudo
produzir alegria também. Abraham Lincoln, o 16o pre- o que é necessário é a disposição para ser usado por Deus.
sidente dos Estados Unidos, afirmou certa vez: “Com Então, qual é o evangelho ou a “boa notícia” do riso?
toda essa terrível tensão sobre mim, noite e dia, se eu Como já foi dito inúmeras vezes antes, o riso pode ser
não risse, morreria.”4 Quantos de nós já tivemos esse o melhor remédio, mas apenas se for usado como forma
mesmo sentimento antes! Lincoln compreendeu, de de expressar alegria, assim como é a nossa esperança, ao
maneira muito real, que no próprio riso há o poder para colocarmos nossa confiança em Deus – esse Deus que
trazer tanto vida, como cura para a nossa alma. não só nos criou com a capacidade de responder com
Deus inculcou dentro de nós a capacidade de rir como uma tão surpreendente expressão audível de alegria, mas
uma forma de expressar, e também de produzir alegria. também de compartilhá-la com todos os que podem
Mas você já pensou no que acontece quando Deus ri? estar necessitando desse dom incrível.
Veja um exemplo do riso de Deus no Salmo 37:12, 13:
“Os ímpios tramam contra os justos e rosnam contra eles;
o Senhor, porém, ri dos ímpios, pois sabe que o dia deles Charles A. Tapp
MDiv pela Universidade Andrews,
está chegando.” Quando Deus olha para os planos fúteis
Berrien Springs, Michigan, EUA, é
dos homens contra Ele e Seu povo, Ele ri de tal loucura.
pastor sênior da Igreja Adventista
Em outras palavras, Deus “ri” quando os ímpios acre- do Sétimo Dia de Sligo, localizada
ditam que seus planos são capazes de anular; de algum no campus da Universidade
modo, os planos do Poderoso Governante do Universo. Adventista de Washington, em
E Deus ainda hoje ri quando vê as pessoas de poder e Takoma Park, Maryland, EUA.
posição vivendo sob a ilusão de que acham que são res- E-mail: ctapp@sligochurch.org.
ponsáveis pelos assuntos deste mundo. Deus ri quando
tentamos orquestrar nossos planos sem primeiro reconhe-
cer Sua soberania sobre a nossa vida. Isso me faz lembrar 1. Hara Estroff Marano, Psychology Today: The Benefits of Laughter
NOTA S E RE FE RÊNCIA S

do que o comediante Woody Allen disse certa vez: “Se (29 de Abril de 2003).
você quer fazer Deus rir, conte-Lhe sobre seus planos.”4 2. Ted Loder, Tracks in the Straw: Tales Spun From the Manger.
Citado em “Spirituality and Practice,” Living Spiritual Teachers
Agora, não me interpretem mal, o que Deus tem é senso Project, n.d.: http://www.spiritualityandpractice.com/explora-
de humor. Tenho certeza de que alguns podem achar isso tions/teachers/ted-loder/quotes.

difícil de acreditar, mas, quando você lê as histórias, tanto 3. Wayne Wipple, The Story-Life of Lincoln: A Biography Composed
of Five Hundred True Stories (Philadelphia: The J. C. Winston Co.,
no Velho como no Novo Testamentos, vê transparecer o 1908), p. 482
lado espirituoso de Deus. Por exemplo, quando Deus apa- 4. https: //w w w.brainyquote.com/quotes/quotes/w/woodyal-
receu a Abraão e Sara, ela que já havia passado bastante da len136686.html.

DIÁLOGO 29 • 2 2017 23
E M AÇ ÃO

PARA ALÉM DOS MUROS: CONSTRUINDO


PONTES ATRAVÉS DA ARTE PÚBLICA
DALE SHERMAN

S
ou um menino do terceiro mundo. Fui educa- comunitário. As opções para esse serviço comunitário
do no Quênia durante a minha adolescência, eram coletar o lixo da comunidade ou pintar um mural
antes de me mudar para os Estados Unidos. para um orfanato. Eu tinha pouca experiência em pintar
Em 2006, fui contratado para trabalhar no murais, mas, enquanto orava em uma daquelas noites,
departamento de arte de uma universidade senti-me impressionado a realizar esse trabalho.
adventista. Recebi uma bolsa de estudos para Localizado em uma cidade muçulmana conservado-
pesquisar a cultura através das lentes do desenho, que ra, o orfanato era operado por católicos argentinos que
foi o que fiz por dois verões. Em 2009, recebi outra financiaram a pintura. Eu disse a nossa equipe que tínha-
bolsa para ir às aldeias rurais, cruzando o Iêmen a pé. mos oito horas para produzir algo que tocasse os muçul-
Durante aquela viagem, fiz muitos esboços de retratos manos, que fosse próprio para crianças e aprovado pelos
das pessoas que encontrei pelo caminho e que me abri- católicos. Concordamos em pintar a arca de Noé, e os
ram as portas da hospitalidade e da amizade. alunos começaram a esboçá-la. Nossa equipe de pintores
Pode parecer algo idealista, mas eu estava tentando contava com doze alunos – alguns de uma universidade
experimentar a eficácia da arte para contornar as bar- pública dos EUA e um grupo de um campus adventista,
reiras culturais. Estava procurando algo mais e descobri além das freiras argentinas e das próprias crianças.
que era capaz de me concentrar no diálogo com as O que aconteceu depois foi um milagre. Era uma mis-
pessoas, começando com um esboço visual. Havia um tura de culturas estranhas umas às outras, porém, todas
amigo americano que falava árabe, e nós desenvolvemos elas entraram no limiar de um belo espaço que parecia
um método simples de envolvimento: eu esboçava as distraí-las das coisas que normalmente as mantinham
pessoas enquanto ele falava com elas e conduzia a con- separadas. O padre disse que as governantas muçulma-
versa passando dos assuntos estereotipados para outros
mais significativos. Nosso objetivo era transcender os
estereótipos culturais e religiosos. Essa viagem ao Iêmen
ocorreu na semana em que Barak Obama foi eleito pre-
sidente, e as pessoas estavam muito otimistas. Foi depois
do 11 de setembro, e havia a sensação de que a América
estava mudando. Conseguimos obter um impulso positi-
vo em nossa experiência diante dessa realidade.
Em 2010, eu estava de volta ao Oriente Médio,
documentando os achados através de desenhos para um
projeto arqueológico. Na conclusão do projeto, acom-
panhei nossos alunos no “Caminho de Abraão”, um
passeio a pé pelo norte da Jordânia, que faz parte de um
experimento em ecoturismo. Nós caminhávamos pelas
áreas rurais todos os dias e comíamos com moradores
locais. Foi reservado também um dia para o serviço Arca de Noé

24 DIÁLOGO 29 • 2 2017
nas e as freiras católicas nunca tinham se conversado,
mas naquele dia estavam conversando, rindo e pintando
juntas. Essa simples atividade permitiu que desfrutassem
realmente daqueles momentos que ali passaram.
Pensei: Talvez haja algo na arte pública – o ato de
criar juntos – que seja uma oportunidade única na
construção de pontes que vá além da experiência visual
da arte. Comecei então a orar, determinado a voltar a
fazer isso novamente, mas, da próxima vez, em uma
comunidade totalmente muçulmana.
Um ano se passou. Um colégio menonita me enviou
algum dinheiro para esse projeto. Em novembro de
2011, conheci o diretor da Fundação Internacional para a
Juventude da Jordânia. A porta se abriu para que eu cola- Pintura da Escadaria
borasse com a sua organização na realização do projeto.
No verão de 2012, uma equipe de doze estudantes turais. Em muitos aspectos, trata-se de uma troca de
universitários e meu colega do Iêmen viajaram para a valores positivos. Nós sempre tentamos deixar uma boa
Jordânia para realizar o projeto. Tínhamos um muro de base na comunidade, tanto na área social, como cultu-
350 metros para preencher com as pinturas em apenas ral, espiritual e artística.
três semanas. Deixamos as moradoras locais, que se dis- Depois de termos concluído projetos de menor
puseram a nos ajudar, em uma parte do muro, de modo dimensão com êxito, passamos aos mais desafiadores:
que elas se sentissem confortáveis em se unir a nós nesse em Chipre, com adolescentes deficientes; na Tunísia,
trabalho. Preenchemos então todo o muro com padrões com estudantes universitários de arte; no Egito, com
árabes, aprovados pela comunidade local. Fizemos as estudantes sudaneses do Ensino Médio e, no Iraque,
pinturas sob o calor do dia, e nos uníamos às crianças com uma escola de garotas curdas. Deus usou cada pro-
em sua alegria. Ao meio-dia, às vezes comíamos na casa jeto para abençoar as comunidades por onde passamos,
de um dos colaboradores que moravam pela vizinhança. como também a desenvolver relacionamentos positivos
Houve muitos desafios envolvidos na conclusão desse entre os jovens adventistas e muçulmanos. Durante
projeto, mas fomos inspirados a interagir com os jovens todo o processo, desenvolvemos três valores fundamen-
muçulmanos e a fazer contatos bastante positivos. tais para nossos projetos: motivação dos jovens, envolvi-
mento cívico e intercâmbio cultural.
Atualmente, trabalho como artista em uma universi-
dade no Oriente Médio, onde procuro envolver os alunos
nesses projetos, mantendo uma consciência missional e
não apenas como intercâmbio cultural, especialmente nas
comunidades muçulmanas. Sou motivado pelo desejo
de beneficiar e reerguer a moral dos jovens do Oriente
Médio. Vejo o peso que os jovens carregam depois do 11
de setembro e o peso de uma cosmovisão fatalista que
trazem com eles. Meu objetivo é beneficiar a comunidade
local e torná-la mais bonita. Fico bastante estimulado
com o potencial que vejo nesses jovens e quero que eles
compreendam que têm escolhas e podem beneficiar a
Pintura do Mural sociedade onde vivem. Eu quero vê-los tendo paixão por
tomar uma iniciativa pessoal. Quero impactar os jovens
Um dia, enquanto trabalhávamos, ligaram o micro- do Oriente Médio de forma positiva. “Para Além dos
fone da mesquita local chamando o povo à oração. Um Muros” é uma das formas de fazer isso.
dos meninos disse em árabe: “Devemos parar e orar.”
“Mas esses cristãos não vão parar e orar”, respondeu Dale Sherman
outro garoto. O autor, que escreve sob pseudônimo, é um artista
“Não, eles são cristãos diferentes e sabem orar”, disse e também coordenador departamental da União
um terceiro garoto. do Oriente Médio e Norte da África. Para alguns
Nos projetos que se seguiram, experimentamos vários dos trabalhos descritos neste artigo, consulte o
métodos que nos ajudaram a construir pontes intercul- vídeo: https://vimeo.com/64586307.

DIÁLOGO 29 • 2 2017 25
PERFIL

HILDEBRANDO E
LEAH CAMACHO
Diálogo com um
casal adventista de
Portugal que usa a
arte como ferramenta
para o evangelismo
ENTREVISTADOS POR TIAGO MENDES ALVES

L
eah pertence a uma terceira geração de Hilde e Leah se casaram em 2011. Ambos têm
adventistas do sétimo dia, nascida na grandes talentos artísticos. Enquanto fazem o seu
África do Sul. Quando tinha cinco anos, trabalho profissional, envolvidos no ministério da
mudou-se para Portugal com os pais. Adventist Help, também trabalham juntos utilizando
É enfermeira formada e trabalha como seus talentos como artistas. Para eles, a arte pode
coordenadora da Clínica Adventist Help, na Grécia, ser uma poderosa ferramenta para o evangelismo.
em um campo de refugiados. É também uma artis- Leah e Hilde estão profundamente envolvidos,
ta e tem usado seus talentos para levar avante a tanto em nível regional como nacional, no minis-
Grande Comissão dada por Jesus. tério aos jovens, participando em diferentes ativi-
Hildebrando não nasceu em um lar adventista, dades. No verão passado, por exemplo, ajudaram
mas conheceu a igreja através do Clube de desbra- na realização do Camporee Nacional, que reuniu
vadores que frequentava. Quando tinha oito anos, aproximadamente 900 jovens, durante uma sema-
época em que seu pai faleceu, começou a participar na. Mais recentemente, o casal esteve envolvido
de algumas das atividades dos Desbravadores e, com num projeto de intervenção urbana e de interação
o tempo, sentiu o desejo de conhecer melhor a Jesus. social, pintando um mural em Lisboa, Portugal,
Hilde viveu em um complexo de habitação social no maior complexo habitacional social de toda a
com sua mãe e seis irmãos mais novos. Ele é o único Península Ibérica. Eles tiveram a oportunidade de
adventista na família, mas espera que algum dia seus criar uma grande pintura em uma parede de 16
queridos entreguem a vida a Cristo e se juntem a ele. metros de altura. Essa pintura de parede inclui a
Hilde estudou arquitetura e um dia sentiu o chamado frase: “Se você conhecer a Verdade, ela o liberta-
para se tornar um missionário de tempo integral. rá!” Durante a pintura do mural, eles dedicaram
Atualmente, é o coordenador para a Adventist Help tempo para compartilhar Jesus e o que Ele signi-
na Grécia. Artista por profissão, Hilde acredita que fica para eles. “Essa forma de testemunho”, Leah
deve usar seus talentos para proclamar a mensagem e Hilde estão convencidos, “ajuda a compartilhar
de Jesus usando todos os meios necessários para a mensagem com muitas pessoas que de outra
alcançar o maior número possível de pessoas. forma jamais ouviriam falar de Jesus.”

26 DIÁLOGO 29 • 2 2017
 Como surgiu a ideia de usar a arte no evangelismo? sua própria segurança. Mas a lição que haviam ensinado
Sempre estivemos ligados às artes, explorando vários não ficou esquecida.”1
materiais e testando as mais diversas técnicas de criati- Esse texto mudou nossa perspectiva sobre como usar
vidade e experimentação. Com o tempo, começamos a nossos dons artísticos para Deus e usar a arte como um
pensar em como usar nossos talentos para servir a Deus e meio de espalhar a Palavra.
à Sua igreja. Aos poucos, começamos a explorar algumas
de nossas técnicas artísticas, tentando incorporar outras  Vocês começaram a trabalhar em algum
atividades, principalmente em eventos juvenis. E então, projeto específico?
um dia, ao ler O Grande Conflito, de Ellen G. White, Sim, o texto que acabamos de compartilhar, de O
encontramos o seguinte texto: “Por esse tempo, chegaram Grande Conflito, nos inspirou a desenvolver um projeto
a Praga dois estrangeiros da Inglaterra […]. Sendo artistas, que chamamos de “GO!” ou “Gospel Option!” (A Opção
bem como pregadores, prosseguiam pondo em prática a do Evangelho!). E isso é basicamente o que estamos
sua habilidade. Em local franqueado ao público, pinta- fazendo e explorando hoje no campo do evangelismo
criativo e urbano.
ram dois quadros. Um representava a entrada de Cristo
em Jerusalém, “manso, e assentado sobre uma jumenta”
 O que é “GO”! ou “Gospel Option!”?
(Mateus 21:5), e seguido de Seus discípulos, descalços e Em essência, significa usar os talentos que nos foram
com trajes gastos pelas viagens. O outro estampava uma dados por Deus de forma criativa, com o objetivo de
procissão pontifical: o papa adornado com ricas vestes e compartilhar a mensagem de esperança com todos aqueles
tríplice coroa, montando cavalo magnificamente adorna- que não O conhecem. Tentamos traduzir o evangelho
do, precedido de trombeteiros e seguido pelos cardeais e em uma linguagem que pode ser entendida por nossa
prelados em deslumbrante pompa. cultura contemporânea, aqui e agora, sem comprometer a
“Ali estava um sermão que prendeu a atenção de todas mensagem. Jesus fez uso criativo das parábolas, e devemos
as classes. Multidões vieram contemplar os desenhos. seguir Seu exemplo para que as pessoas possam entender a
Ninguém deixara de compreender a moral, e muitos mensagem que queremos compartilhar com elas.
ficaram profundamente impressionados pelo contraste Testemunhar por meio da arte nos permite mostrar,
entre a mansidão e humildade de Cristo, o Mestre, e explorar, desenvolver e criar oportunidades para chegar
o orgulho e arrogância do papa, Seu servo professo. a lugares que de outra forma nunca poderíamos alcan-
Houve grande comoção em Praga, e os estrangeiros, çar. As pessoas precisam ter a oportunidade de conhecer
depois de algum tempo, acharam necessário partir, para o evangelho para que venham a adotá-lo e torná-lo parte

DIÁLOGO 29 • 2 2017 27
Iniciativa
Evangelística
para as Grandes
Cidades, 2014,
em Portugal.

Pintura em mural, criada pelo


projeto "NOSSA [p]ARTE".

de sua vida, vivendo-o todos os dias. “GO!” implica todos os tipos de atividades juvenis, especialmente com
usar os talentos que emprestamos do Senhor, para a os Desbravadores, e apoiamos a igreja em várias ativida-
glória e honra dAquele que nos outorgou todos esses des e programas, tais como:
talentos, em primeiro lugar! • A Iniciativa Evangelística às Grandes Cidades, na
Cidade do Porto, Portugal, em 2014. O nosso envolvi-
 O que vocês pretendem alcançar com o “Gospel Option!” mento começou já antes da campanha, anunciando os
Nosso principal objetivo é compartilhar o evangelho encontros, com a pintura em uma lona de 9x12 metros
por meio da arte. Esse tipo de evangelismo é criativo, na autoestrada. Assim que as reuniões começaram e
urbano e pessoal. Nesse evangelismo, usamos imagens: durante os preparativos antes das reuniões, colocávamos
vídeo, fotografia, pinturas, etc., como um meio poderoso, pinturas de lona diariamente à entrada da igreja, relacio-
eficiente e eficaz para compartilhar o evangelho onde nadas ao tema do dia. No último dia, uma grande pintu-
quer que estejamos. Queremos usar todos os recursos ra foi colocada para ilustrar a Segunda Vinda de Cristo.
a nossa disposição para alcançar aqueles que ainda não • O Congresso “Juventude em Missão”, patrocinado
conhecem a Deus ou que têm conceitos errôneos sobre pela Associação Sul da Alemanha, em 2015, contou com
Seu plano redentor. Em breve, esperamos ter uma plata- um quebra-cabeça gigante, pintado pelos jovens presen-
forma online para alcançar um público mais amplo. tes ao evento, e mais tarde foi usado para publicidade.

 Que tipo de feedback vocês receberam até agora?  E sobre suas atividades atuais?
Embora sempre haja alguém um tanto desconfiado, Como parte do nosso trabalho com a AFCOE-
as reações em geral têm sido positivas. Geralmente, os Europa, tivemos que usar a nossa criatividade para
jovens são mais curiosos e positivos. Eles querem saber desenvolver programas de interação com a comunidade,
como teve início a nossa missão através da arte, o que que envolvessem os jovens, motivando-os a pensar livre-
fazemos, como fazemos e como podem nos ajudar e par- mente, a deixar sua zona de conforto e a utilizar os seus
ticipar. A última reação é talvez a mais orientada para os vários talentos. Em nosso trabalho atual com os refu-
resultados, pois indica o desejo de se envolver na missão. giados, temos que ser criativos e sensíveis na maneira
 Contem-nos sobre suas iniciativas evangelísticas. como os abordamos. Participamos também de várias
Antes de assumirmos a nossa missão atual na Grécia, iniciativas públicas de criação artística. Preparamos
fomos coordenadores de evangelismo para o Amazing algumas exposições e trabalhamos como artistas plásti-
Facts Centre of Evangelism-Europe (AFCOE-Europa). cos freelancers. Também criamos um projeto chamado
Foi uma grande bênção. Estivemos envolvidos com "Nossa [p]ARTE", que foi desenvolvido para interagir

28 DIÁLOGO 29 • 2 2017
"Você na Missão"
Congresso patrocinado
pela Associação Sul da
Alemanha em 2015.

com as comunidades que estamos tentando alcançar. e a cada uma das classes sociais, dentro do que somos
Oferecemos workshops, ensinamos o básico em artes e capazes de fazer. O evangelismo envolve tudo e a todos.
então criamos uma pintura mural com a participação dos O evangelismo significa sabermos nos identificar com
jovens dessas comunidades. Uma das organizações com cada pessoa, dentro de nosso próprio estado existen-
as quais trabalhamos é a ADRA Portugal. Preparamos cial. Ele leva em conta o exemplo de Jesus, que viveu
45 pinturas, utilizando imagens de projetos desenvolvi- entre nós, andou em nossas cidades, desceu por nossas
dos e apoiados pela entidade. O lucro obtido com essas estradas, experimentou nossas alegrias, sentiu nossa
pinturas vai ajudar a ADRA Portugal em suas atividades. dor e compreendeu o nosso mundo. Significa construir
Estamos envolvidos também em um projeto denomi- pontes, bem como novos contatos entre nós e todos
nado “What’s the Difference?”, que envolve jovens artis- aqueles que ainda não conhecemos – aqueles que ainda
tas, com a utilização de várias técnicas para retratar a não conhecem a verdade como é encontrada em Jesus!
diferença entre uma vida com Deus e uma vida sem Ele. O evangelismo não é uma opção. Não é um hobby
Exploramos diferentes tópicos e publicamos diferentes ou algo que fazemos quando não há mais nada para
ilustrações em um blog e em uma página do Facebook. fazer. Não é um meio para aliviar a nossa consciência.
Grandes e variadas oportunidades nos atraem, e É um jeito de ser, uma maneira de viver neste mundo.
somos desafiados repetidamente a usar os talentos que Em síntese, é um estilo de vida! É a nossa forma de tes-
temos para encorajar os jovens a fazerem o mesmo sob temunhar, é a nossa missão!
a perspectiva da missão. Como Ellen White nos diz,
“o Senhor tem um lugar para cada um em Seu grande
plano. Talentos não necessários não são concedidos. A
Tiago Mendes Alves
cada homem Deus dá talentos que devem ser desen- é diretor do Colégio de
volvidos de acordo com as diferentes habilidades por Ele Oliveira do Douro, da
concedidas. Caso o talento seja pequeno, Deus tem um União Portuguesa.
lugar para ele; e esse talento, se usado, fará precisamente
a obra para que Deus o destinou”.2

 Com base na experiência que têm, como vocês


definiriam o evangelismo? 1. Ellen G. White, O Grande Conflito (Tatuí, SP, Casa Publicadora
N O TA S

Brasileira, 1988), p. 99 e 100.


Fazemos uso das diversas abordagens nas artes para 2. _ , Beneficência Social (Tatuí, SP, Casa Publicadora
levar o evangelho a cada pessoa, cada raça, cada nação Brasileira, 1996), p. 101, 102.

DIÁLOGO 29 • 2 2017 29
P O NTO D E V I S TA

TOM DE BRUIN
Como estrangeiros
em terra estranha,
nós cristãos somos
chamados a viver
uma vida honrada e
moralmente correta
para que as pessoas
glorifiquem a Deus,
pois temos uma missão
a cumprir para com
aqueles que estão ao
nosso redor.

VIVENDO A
VIDA CRISTÃ
EM UMA CULTURA
ESTRANGEIRA
30 DIÁLOGO 29 • 2 2017
uando eu tinha 12 anos, meus pais todos esses aspectos sejam úteis para nós, um deles atin-

Q
decidiram se mudar para outro país. giu um acorde especial em minha vida, à luz de minhas
Deixamos o ambiente seguro do local próprias experiências: a primeira discussão de Pedro sobre
onde nasci e nos mudamos para o estrangeiros e desconhecidos. Por ser alguém que era um
outro lado do mundo. Foi uma grande estrangeiro e desconhecido para a maioria dos meus cole-
mudança para mim em muitos aspec- gas, essa carta realmente me tocou.
tos. Depois de ir nadar uma última vez no mar, num
verão muito quente, tomamos um avião e fomos pousar ESTRANGEIROS E DESCONHECIDOS
em um lado quase que totalmente congelado do mundo. A primeira carta de Pedro é dirigida aos escolhidos de
Havíamos trocado o verão pelo inverno. No dia seguin- Deus: “os peregrinos” (1 Pedro 1:1). Essa é uma palavra
te, fui para uma nova escola, sentindo-me livre por não (e um tema) que ocorre regularmente em todo o livro.
ter que usar o uniforme escolar, mas bastante alienado Tradicionalmente, o conceito de “peregrinos” sempre foi
porque não falava nem entendia uma palavra sequer da compreendido metaforicamente. Todos nós somos pere-
língua estrangeira de meus colegas e professores. grinos aqui na Terra. Mais recentemente, os teólogos têm
A maior mudança, no entanto, foi a religiosa. Nos anos observado que Pedro provavelmente estivesse falando, em
da minha infância na África do Sul, eu ia à escola adven- primeiro lugar, de forma literal. Os primeiros cristãos eram
tista durante a semana e à igreja adventista aos sábados. peregrinos. Sua religião recém-descoberta os havia tornado
Quase todas as pessoas que eu conhecia eram adventistas. estrangeiros em sua própria terra, desconhecidos entre os
Na Holanda, eu era o único adventista nas redondezas. amigos. De fato, a referência a “peregrinos” na forma meta-
Na verdade, em toda a cidade, éramos a única família fórica banaliza a experiência religiosa dos primeiros cristãos
adventista. De repente, a vida religiosa ficou muito dife- como sendo oprimidos tanto social quanto politicamente.
rente. Minha identidade adventista, algo que sempre me Para nós, crentes modernos, muitas similaridades
proporcionava um sentimento de segurança, passou a ser podem ser associadas aos contextos sociais e políticos
algo que me fazia muito diferente dos outros. dos primeiros cristãos. Embora haja muita variação
Como devemos viver nossa fé em uma terra estrangeira? entre os países do mundo, os cristãos – e certamente os
adventistas – são geralmente uma minoria. Mesmo os
OS CRISTÃOS PRIMITIVOS países historicamente cristãos estão se tornando cada
Recentemente, em um seminário de pós-graduação, vez mais seculares. Como cristãos, muitas vezes, somos
falei sobre as cartas menores, escritas no final do Novo da mesma forma que eu era na minha adolescência, por
Testamento, as assim chamadas Epístolas Católicas. ser um adventista – simples desconhecidos.
Esses pequenos livros são frequentemente ignorados,
pois a nossa tendência é nos concentrarmos nas cartas CONSELHOS AOS DESCONHECIDOS
“importantes”, como as de Paulo. É difícil encontrar O conselho de Pedro aos exilados é muito interessante.
livros escritos sobre essas cartas menores, o que é estra- Enquanto a maior parte de suas cartas gira em torno desse
nho quando consideramos que um dos fundamentos da tema, no segundo capítulo de sua segunda epístola, Pedro
Reforma foi a Sola Scriptura (Toda a Escritura). chega ao âmago de sua mensagem. Ele escreve: “Amados,
Essa ausência de ênfase é lamentável, pois tais cartas insisto em que, como estrangeiros e peregrinos no mundo,
nos dão orientações sobre como viver a vida cristã, bem vocês se abstenham dos desejos carnais que guerreiam
diferentes daquelas que encontramos em outras Epístolas contra a alma. Vivam entre os pagãos de maneira exemplar
do Novo Testamento. Elas se centralizam em como viver para que, mesmo que eles os acusem de praticar o mal,
uma vida moral com base em nossas convicções teológicas. observem as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a
Sendo assim, como a realidade de nossa vida se relaciona Deus no dia da Sua intervenção” (1 Pedro 2:11, 12).
com a vitória já conquistada por Cristo sobre os poderes A mensagem de Pedro é imediata e direta ao ponto. Nós,
espirituais das trevas? A primeira carta de Pedro tenta cristãos, como estrangeiros e peregrinos, devemos viver uma
responder a essa questão. Como nossa vida, com todas as vida honrada. A razão é simples: não porque Deus nos julga,
suas aflições, se relaciona com o breve retorno de Jesus, que não por causa dos Dez Mandamentos, não porque Jesus
sempre parece levar mais tempo do que os crentes gosta- nos disse para amar nosso próximo. Tudo isso é importante,
riam? Tiago debate sobre como o “novo mandamento” de mas, para Pedro, ao apresentar os princípios da vida cristã,
Jesus, de amar uns aos outros, deve ser revelado em nossa outra coisa é muito mais importante. Como estrangeiros em
vida diária. Leia a primeira carta de João, onde o amor está terra estranha, nós, como cristãos, somos chamados a viver
ligado à confissão de Cristo. A graça de Deus significa que uma vida honrada e moralmente correta para que as pessoas
podemos fazer o que quisermos, já que seremos perdoados? glorifiquem a Deus, pois temos uma missão a cumprir para
De maneira nenhuma, explica Judas. com aqueles que estão ao nosso redor.
Esses são pequenos livros, muitas vezes esquecidos, que Posteriormente, Pedro retoma esse tema. Essa é uma
mantêm o seu foco na realidade do viver cristão. Embora parte muito difícil da Escritura. Pedro escreve: “Escravos,

DIÁLOGO 29 • 2 2017 31

Permanecer verdadeiro,
viver honradamente,
ser um exemplo é a melhor
maneira de testemunhar


àqueles que estão ao ras de resolver a desigualdade, temos que seguir em
frente com nossa vida. Os escravos a quem Pedro estava
nosso redor. escrevendo provavelmente nasceram escravos e morreram
escravos. Eles não podiam fazer muito sobre isso, mas
podiam viver honradamente. Podiam mostrar que os cris-
ESSA É A VIDA CRISTÃ. tãos são diferentes. Podiam dar seu testemunho.
Cada pessoa pode ser uma testemunha por meio de
sua vida. Não necessariamente pelo que ela fala, mas pelo
que ela faz. Os escravos podem sofrer por respeito para
que outros possam ver suas ações e glorifiquem a Deus
(1 Pedro 2:19). As esposas podem aceitar a autoridade do
marido para que outros possam ver suas ações e glorificar
a Deus (1 Pedro 3:1). Todos podem viver honradamente
para que os outros vejam suas ações e possam glorificar
a Deus (1 Pedro 2:12). Nós, estrangeiros, podemos viver a
vida cristã como testemunhas a todos os que nos rodeiam.

OS SOFREDORES ESTRANGEIROS
MUDAM O MUNDO
Apresentei essa primeira carta de Pedro como um
livro que discute como a realidade de nossa vida está
relacionada à vitória de Cristo sobre o mal. Essa é uma
sujeitem-se a seus senhores com todo o respeito, não ape- realidade em que os outros e nós sofremos injustamente:
nas aos bons e amáveis, mas também aos maus. Porque como estrangeiros, como desconhecidos, exilados, escra-
é louvável que, por motivo de sua consciência para com vos, oprimidos. Pedro nos mostra o poder de uma vida
Deus, alguém suporte aflições sofrendo injustamente. digna, a despeito do sofrimento: pois são justamente os
Pois, que vantagem há em suportar açoites recebidos estrangeiros que podem testemunhar por meio de uma
por terem cometido o mal? Mas se vocês suportam o vida honrada. Mas não precisamos da palavra de Pedro
sofrimento por terem feito o bem, isso é louvável diante para isso, porque ele ainda não terminou sua argumenta-
de Deus” (1 Pedro 2:18-20). Tomando essa passagem ção. Ele continua escrevendo e nos apresenta o exemplo
pelo seu valor nominal, um leitor moderno pode muito supremo: “Para isso vocês foram chamados, pois também
bem ficar horrorizado. A escravidão é um mal terrível, Cristo sofreu no lugar de vocês, deixando-lhes exemplo,
e apelar aos os escravos para sofrerem honradamente é para que sigam os Seus passos. ‘Ele não cometeu pecado
uma coisa terrível de se ler na Bíblia. Na verdade, essa algum, e nenhum engano foi encontrado em Sua boca.’
passagem é usada muitas vezes por ateus para mostrar Quando insultado, não revidava; quando sofria, não fazia
por que o cristianismo não pode ser bom. ameaças, mas entregava-Se Àquele que julga com justiça”
No entanto, ao ler essa passagem em seu contexto, (1 Pedro 2:21-23).
e tendo mais tempo para refletir sobre o que foi dito, Viver dignamente, apesar do sofrimento, não é unica-
surge uma história diferente. Pedro está preocupado mente o nosso destino. Jesus viveu e morreu do mesmo
com os oprimidos na sociedade: exilados, diferentes, modo. O sofrimento do Messias assegurou o nosso
escravos, mulheres. Ele fala com aqueles que sofrem lugar com Deus na nova criação e, de forma semelhante,
injustamente. Talvez sofram de maneira terrível, como o nosso sofrimento pode ajudar outros nesta criação e
os escravos, e talvez de forma menos horrivel. Pedro não na próxima.
pode mudar sua sorte; ele não pode deter seu sofrimen- Permanecer verdadeiro, viver honradamente, ser um
to. Mas pode mantê-los focados no que é importante. E, exemplo é a melhor maneira de testemunhar àqueles
como tal, esses exemplos funcionam como modelos para que estão ao nosso redor. Essa é a vida cristã.
todos nós – mesmo que, de maneira geral, estejamos
em melhor situação. Se os escravos podem viver honra-
damente, apesar de seu grande sofrimento, certamente Tom de Bruin
PhD pela Universidade Leiden,
poderemos viver honradamente também com nossas
Holanda, é professor de Novo
dificuldades sendo menores.
Testamento no Newbold College
Isso não significa que não devemos enfrentar a injusti- of Higher Education, Binfield,
ça. É claro que os cristãos as enfrentarão. Os profetas do Berkshire, Inglaterra.
Antigo Testamento são claros sobre isso. Mas, enquanto
a sociedade investe seu tempo tentando encontrar manei-

32 DIÁLOGO 29 • 2 2017
LI V RO S

do mal, e os amigos dos Irmãos Karamazov, de Fyodor


Dostoevsky, ficarão encantados com as análises deta-
lhadas de Tonstad, na seção sobre o Grande Inquisidor.
Antigos autores, como Celso, Orígenes e Agostinho,
encontram-se contrastados com autores mais modernos,
como Karl Barth e Rudolf Bultmann. Tonstad analisa
e comenta as dificuldades com as respostas comuns
fornecidas até agora.
Na segunda seção do livro (capítulos 6 a 17), Tonstad
oferece algumas reflexões e vislumbres do sentido que
algumas histórias bíblicas trazem sobre a questão do
mal, de forma geral. As histórias são escolhidas, em sua
maioria, porque se relacionam com eventos importantes
ou personagens excepcionais da Bíblia. (Abaixo, algo
mais sobre essa seção.)
Na terceira seção (capítulos 18 a 21), Tonstad com-
pleta sua reflexão voltando a atenção para algumas
vozes não bíblicas e conclui com uma visão do livro
de Apocalipse que engloba os principais temas que ele
GOD OF SENSE AND TRADITIONS delineou em seu livro.
OF NON-SENSE O que mais me impressiona neste livro é a segunda
seção, na qual o autor se aprofunda em várias narrativas
Sigve K. Tonstad (Eugene, Oregon: Wipf and bíblicas e procura encontrar nelas algumas noções de
Stock, 2016; xxii + 453 páginas). sentido sobre a presença do mal e a resposta de Deus para
o mal. Esses 12 capítulos discutem narrativas bastante
Revisado por Denis Fortin conhecidas, bem como outras menos conhecidas e até
mesmo problemáticas. A seção começa com a queda da
humanidade, em Gênesis 3 (capítulo 6), então passa para

O
problema da existência do mal e o que ele o assassinato de Abel, por seu irmão Caim, em Gênesis 4
diz sobre Deus são os temas deste livro. O (capítulo 7), a história de Abraão negociando com Deus
Dr. Sigve Tonstad, professor da Faculdade para a preservação de Sodoma e Gomorra, em Gênesis 18
de Teologia da Universidade de Loma Linda (capítulo 8), Abraão e sua ligação com Isaque (o Akedah)
(Califórnia, EUA), envolve várias tradi- em Gênesis 22 (capítulo 9), a revelação de Deus a Moisés
ções teológicas e interpretativas que tentaram abordar (capítulo 10), a violação e assassinato da concubina do
levita, em Juízes 17 e 18 (capítulo 11), a experiência do
a presença do mal em um mundo criado por um Deus
profeta Elias diante da presença de Deus, em 1 Reis 17-19
bom. Histórias do tratamento desumano aos judeus no
(capítulo 12), o rei Jeroboão e os dois profetas, em 1 Reis
Holocausto integram o início e o fim do livro. De todas
13 (capítulo 13), o livro de Jó (capítulo 14), as tentações
as atrocidades humanas, o Holocausto é destituído de de Jesus no deserto, em Mateus 4 e Marcos 1 (capítulo
qualquer sentido e desafia a própria existência de Deus. 15), a revelação de Jesus no evangelho de João (capítulo
Na verdade, uma questão recorrente é se Deus foi o res- 16), e as cartas de Paulo (capítulo 17).
ponsável por aquilo e por todos os outros males. O título Greg Boyd, autor do famoso livro God at War - The
do livro implica em que muitas respostas à presença do Bible and Spiritual Conflict (Intervarsity Press, 1997),
mal, fornecidas até agora, fazem parte das tradições sem aponta que quatro grandes temas se destacam na respos-
sentido e irracionais que mancharam o caráter de Deus. ta que Tonstad procura fornecer, a partir desse material
As respostas fornecidas não têm uma explicação racional bíblico, na segunda seção. Primeiro, a narrativa bíblica
adequada, ou realmente não têm uma resposta para o pro- de histórias sobre o mal não assume que o caráter e a
blema, mas acabam sendo transpostas para outro plano. vontade de Deus eram inescrutáveis; na verdade, elas
Os cinco primeiros capítulos do livro lidam com o convidavam a um diálogo com Deus sobre as Suas ações
que foi dito sobre o problema do mal. Esses capítulos ou vontade. A história de Jó se destaca dentro desse para-
preparam o cenário para o diálogo sobre o mal e as digma, assim como a conversa de Abraão com os três
respostas irracionais fornecidas por teólogos e filósofos. visitantes, sobre a destruição de Sodoma e Gomorra. Um
Esta seção requer um conhecimento bastante bom da segundo tema bíblico considerável é a importância dada
literatura, tanto antiga como moderna, sobre o tema à liberdade humana e à forma como Deus respeita essa

DIÁLOGO 29 • 2 2017 33
liberdade. Sem liberdade humana genuína, não pode
haver amor genuíno. Assim, esse importante conceito da
natureza e caráter de Deus enfatiza que Ele governa o
Universo por meio de uma influência amorosa, e não por
coerção. Esses dois temas desafiam o próprio núcleo da Para benefício de
visão agostiniana do mal, conforme abraçado por muitas nossos leitores,
“O Enigma do Mal”,
tradições cristãs, nas quais um Deus todo-poderoso e capítulo 7 do livro
soberano controla todos os eventos da história humana de Badenas, está
e universal. Esse paradigma, finalmente, torna Deus o sendo publicado
nesta edição.
responsável pelo mal.
De acordo com Tonstad, de todos os paradigmas
oferecidos para responder ao problema do mal, este se
apresenta mais absurdo e com falta de coesão. Nesses
dois temas, Tonstad também tece o conceito do conflito
cósmico entre o bem e o mal, entre Deus de um lado FACING SUFFERING: COURAGE AND
e Satanás do outro. Esse tema narrativo é crucial no HOPE IN A CHALLENGING WORLD
Novo Testamento e fornece um contexto para a nossa
compreensão do mal, em que Deus respeita a liberdade Roberto Badenas, tr. Darlene Stillman
e busca ganhar a humanidade por amor, não por coer- (Madri, Espanha: Safeliz, 2013), 248 páginas, brochura.
ção. Um último conceito importante para a resposta (Publicado em português (Portugal), francês e espanhol.
de Tonstad é a decepção de Satanás e seus argumentos,
assim como os humanos foram enganados com relação Revisado por John M. Fowler
ao caráter de Deus, que Jesus veio revelar. Os leitores da

“P
narrativa de O Grande Conflito, de Ellen White, esta-
rão familiarizados com esses temas bíblicos na teologia oucas experiências humanas são tão
adventista, os quais são demonstrados e apoiados neste universais como a dor.” Assim Robert
livro, por meio do estudo de inúmeros teólogos, filóso- Badenas inicia seu livro Facing Suffering:
fos e também pelas narrativas bíblicas. Courage and Hope in a Challenging
O conhecimento profundo de Tonstad de uma vasta World. Dor e sofrimento fazem parte
gama de autores é admirável e pode ser intimidante, às da história humana desde a Queda. O rei no trono e
vezes. No entanto, o livro fornece novos insights sobre o mendigo na esquina, o milionário que tem tudo ao
um paradigma fundamental e indispensável para a seu comando e aquele que não sabe de onde virá sua
compreensão da presença do mal em um mundo criado próxima refeição, o cientista em ascensão e o trabalha-
por um Deus bom. Qualquer estudante de teodicéia dor comum, o médico que cura e o paciente que sofre
deve ler este livro e qualquer trabalho futuro sobre o mistério da dor – todos são vítimas do sofrimento.
teodicéia terá que levar este livro a sério. Assim como Sofrimento e dor não conhecem fronteiras, idade, cul-
outros que revisaram e discutiram o teor deste livro nos tura, razão ou religião. E então Badenas cita Sartre, o
últimos meses, tenho que concordar que essa é uma das filósofo existencial francês: “A realidade humana, por
mais significativas contribuições adventistas à teologia natureza, está condenada ao sofrimento” (p.10).
bíblica, levando-se em conta o fato de ter sido escrito e Condenada, sem dúvida. Mas por quê? – pergunta
publicado por uma grande editora. Badenas. Por que o sofrimento é parte permanente da
vida humana? Como entender o sofrimento – a dor e
as aflições que ele traz? Como enfrentar o sofrimento
quando ele atinge as pessoas, individual ou coletiva-
Denis Fortin mente, no momento mais inesperado? Como encontrar
PhD pela Université Laval, forças para suportar a dor e achar o caminho para olhar
Quebec, no Canadá, é professor para o alto em busca de esperança e cura?
de Teologia na Universidade
Robert Badenas, que foi pastor durante toda a sua
Andrews, Berrien Springs,
vida, teólogo e estudioso bem-sucedido, um líder edu-
Michigan, EUA.
cacional bastante conhecido na Igreja Adventista do
Sétimo Dia na Europa, aborda essas e outras questões
relacionadas ao complexo problema do sofrimento e nos
apresenta uma análise incisiva do mistério do sofrimen-
to e qual o significado de enfrentá-lo com esperança.
O autor não apresenta nem a teologia nem a filosofia do

34 DIÁLOGO 29 • 2 2017
sofrimento, embora o livro contenha muito de ambas. Ele til. Entre os muitos fatos que Badenas escolhe com base
escolheu abordar o tema de maneira prática e útil, dividin- nos evangelhos para focalizar a maneira como Jesus se
do o livro em três seções principais. Primeiramente, faz um relacionava com o sofrimento, um exemplo poderoso é o
esboço da “conscientização sobre a complexidade da ques- caso do cego, em João 9. Quando os discípulos fizeram
tão”. A seguir, faz uma reflexão prática da principal razão a pergunta: “Quem pecou: este homem ou seus pais,
do sofrimento. E em terceiro lugar, faz uma apresentação para que nascesse cego?”, Jesus respondeu: “Nem ele nem
das várias etapas para enfrentar ou ajudar alguém a enfren- seus pais pecaram, mas isso aconteceu para que Deus se
tar o sofrimento com compaixão, eficácia e consideração. manifestasse na vida dele” (João 9:2, 3). Da resposta de
Badenas escreve não como um especialista teórico do Jesus, Badenas aponta para a mais íntima e fundamental
sofrimento, mas como testemunha, como um “sofredor”. compreensão de como um cristão deve se relacionar com
Esse toque pessoal permeia todo o livro com um senti- o sofrimento: para que as obras de Deus possam ser reve-
mento de empatia, compreensão e ajuda prática. Como ladas. “As obras de Deus são as que Jesus faz – curando,
aliados em sua contemplação sobre o sofrimento, ele ensinando e encorajando. Em suma, fazendo o bem.
evoca os grandes personagens da História – de Epicuro a Jesus está menos interessado no esclarecimento teórico
Sartre, como também testemunhas bíblicas – para com- do que na ajuda prática. Para Ele, quando confrontado
partilhar a maneira como lidavam com o sofrimento e o com a desgraça, mais importante do que de quem é a
conselho que eles deixaram para o combate na incessante culpa (o que causou a inundação, como a pessoa contraiu
luta contra a dor. Ele convida Salomão a compartilhar AIDS, etc.) é começar a ajudar. Mais útil do que nos
sua sabedoria no sofrimento, lida com a paciência de Jó perguntarmos a nós mesmos por que isso aconteceu seria
ao enfrentar o esmagador acúmulo de situações adversas nos perguntarmos: ‘O que faremos agora?’ Ajudar os que
e encontra em Jesus grande parte de sua resposta para a sofrem é mais importante – no momento – do que com-
dor. A abordagem de Badenas com relação a Jó é clássica preender a principal origem do problema” (p. 96). [Esse
e necessita mais do que uma simples menção: Jó é um argumento vale mais que o preço pago pelo livro.]
livro de lições para todos os tempos, no qual ele não culpa Além disso, aqueles que aceitam o design bíblico da
ninguém por sua miséria, mas pede a Deus que lhe dê origem e destino dos seres humanos deveriam aceitar
paciência para suportar a adversidade. Ao mesmo tempo, que a dor é uma intrusa que está a caminho de sua
Jó pede a Deus forças para afirmar que seu Redentor erradicação final. Que o sofrimento existe, é inegável;
vive e acreditar que, no último dia, as coisas que agora que a esperança nos faz olhar para cima, é o nosso
não podem ser conhecidas serão reveladas. Paciência e toque curador. Daí o incisivo pensamento de Badenas:
esperança, fé e resiliência apontam um caminho – por “A pergunta mais apropriada sobre a dor não é por que
mais estreito que seja – para suportar a própria dor. Não é sofremos, nem por que Deus nos permite sofrer, ou
essa uma dimensão bíblica à qual a pessoa deve se apegar? por que aqueles que não merecem sofrem tanto... [mas]
É nesse escopo bíblico que Badenas dá a chave para como reagimos à dor em um mundo injusto” (p. 93).
desvendar o “enigma da dor”, e o desenrolar de suas ideias O livro não é apenas um ensaio sobre o porquê do
se dá por meio dos hábeis argumentos do autor, enraizados sofrimento; é também um chamado ao preparo para os
na compreensão primária do adventismo na vida e em suas eventos futuros que podem semear suas próprias incer-
batalhas pessoais e cósmicas. Utilizando uma narrativa tezas: as inseguranças mentais e físicas do processo de
suave e constante referência às raízes bíblicas, Badenas envelhecimento, a solidão, as incertezas financeiras e o
faz um traçado da origem do sofrimento até a mente do fato de termos que enfrentar a morte. Os capítulos de
maligno – o vilão da história que semeou as sementes do encerramento de Badenas fornecem detalhes de como
conflito e das lágrimas de tal forma que rasgou o próprio cada pessoa e seus entes queridos devem se preparar para
coração de Deus. A busca do autor pela causa do sofrimen- a dor, sofrimento e separações que a aproximação do final
to o coloca no grande conflito entre o bem e o mal – uma da vida traz a cada um. “Esteja preparado” é uma mensa-
tese que é central para a compreensão adventista da vida gem bem coreografada quando o livro chega a seu final.
em seus vários contornos. O que rasgou o coração de Deus, Trata-se de um bom livro, intelectualmente desafiador,
Badenas afirma, é finalmente solucionado por Seu Filho, espiritualmente reconfortante e proporciona uma reafirma-
ao permitir que Seu sangue trouxesse a grande reconcilia- ção da fé. Tanto o orador quanto os ouvintes, os professores
ção: “Pelas Suas feridas fomos curados” (Isaías 53:5). e os alunos serão imensamente beneficiados por ele.
Assim, como argumento central do livro, o autor
coloca a luz irradiando da Luz do Mundo – Jesus. Uma
seção importante do livro, que trata da forma como Jesus John M. Fowler
respondeu à questão do sofrimento em Suas parábolas e MA e EdD pela Universidade Andrews, Berrien Springs,
milagres. Jesus não sugeriu que o sofrimento fosse a puni- Michigan; MS pela Universidade de Siracusa, Siracusa,
ção de Deus para nos corrigir, para nos tornar melhores Nova Iorque, é diretor associado, já aposentado, do
ou nos ensinar uma lição. Ele também não afirmou que Departamento de Educação da Associação Geral e
Deus seja um observador silencioso ou um estranho hos- serve atualmente como um dos editores da Diálogo.

DIÁLOGO 29 • 2 2017 35
PARA SUA INFORMAÇÃO

Dê-me um minuto para lhe falar sobre um projeto global da igreja que necessita de
sua participação. A Enciclopédia dos Adventistas do Sétimo Dia (EASD) é um projeto de
cinco anos que produzirá o primeiro trabalho de referência on-line da igreja, composto
por cerca de 10.000 novos artigos relacionados a todos os aspectos da história adven-
tista: pessoas, escolas, hospitais, mídia, desenvolvimento de doutrinas e envolvimento
1 É uma oportunidade única participar de um
com os eventos mundiais, com a política e a cultura. Esses artigos serão escritos por projeto global da igreja, ao qual milhares de
centenas de adventistas de todas as origens demográficas, incluindo estudantes como outros colaboradores estão se juntando.
você, e conto com você! Sendo esse o maior projeto acadêmico da igreja até o momento,
os artigos transcritos para o site gratuito da EASD serão lidos tanto por membros da 2 Os artigos serão assinados, assim você será
igreja como pelo público em geral e se tornarão uma fonte para busca de informações listado como uma autoridade sobre o assunto.
sobre os adventistas. Cada artigo apresentará documentos originais para download,
imagens, mídia e armazenamento de memória sobre o assunto. 3 Contará como uma publicação acadêmica,
A EASD estará sob a direção do Departamento de Arquivos, Estatísticas e o que dará mais peso ao seu currículo.
Pesquisas da Associação Geral, dos arquivos oficiais da Associação Geral e da
Divisão Norte-Americana, bem como do produtor do Anuário Adventista do Sétimo 4 Estará contribuindo para aumentar o
Dia e do Relatório Estatístico Anual. Existem 14 departamentos editoriais da EASD conhecimento sobre a Igreja Adventista que
em todo o mundo, gerenciados por editores-adjuntos que são especialistas em histó- está acessível na Web e...
ria adventista na sua região, bem como mais quatro editores que gerenciam artigos
temáticos. Um conselho editorial, composto pelos líderes mundiais da igreja provê 5 Você estará atendendo ao conselho ins-
pirado de lembrar, registrar e exercitar
aconselhamento e orientação para o projeto, enquanto o comitê editorial, composto
a liderança orientada por Deus (ver
por editores, profissionais e estudantes trabalha na produção direta da Enciclopédia.
Deuteronômio 4:9, Josué 4:1-7).
A estrutura de gestão do projeto da EASD foi projetada para incluir representantes
de todas as regiões administrativas e áreas demográficas da igreja.
Então, como você pode participar desse projeto? Nossa maior necessidade é de escri-
tores. Conforme foi dito anteriormente, haverá artigos sobre cada aspecto da história
adventista, assim, pense: Sobre qual ou quais tópicos você poderia escrever? Pode ser a
respeito de uma pessoa que foi esquecida e você acha que o público em geral deveria ter Benjamin Baker
PhD pela Howard University, Washington,
mais informações. Pode ser a respeito da obra adventista no país, estado ou cidade em
D.C., EUA. é editor-chefe da Encyclopedia of
que você nasceu. Você pode querer escrever um artigo sobre uma escola ou ministério,
Seventh-day Adventists, General Conference of
sobre o envolvimento dos adventistas com alguma área ou tema que aprecia muito, Seventh-day Adventists, Silver Spring, Maryland.
como o ativismo social, tecnologia ou meio ambiente. A cada artigo da EASD será E-mail nos EUA: bakerb@gc.adventist.org.
atribuído um tamanho, baseado em fontes primárias, incluindo as notas finais e uma
bibliografia, e será submetido a um processo duplo-cego de revisão por pares. Essa é
uma oportunidade de escrever sobre a igreja de maneira honesta, aberta e completa.
Milhares de artigos precisam ser escritos para a EASD e, embora não haja
nenhuma recompensa monetária para escrevê-los, há muitos outros incentivos:

Para saber mais sobre esse projeto, acesse https://www.adventistarchives.org/encyclopedia.


36 Para contribuir com a Enciclopédia dos Adventistas do Sétimo Dia, entre em contato conosco
DIÁLOGO 29 • 2em2017
http://encyclopedia.adventist.org. Estamos aguardando seu contato!

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