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LIT.COMPARADA | PROF. MARCO LUCCHESI ‘Obras do aujor publicadas pela Compania das Letras Seis Propostas para o préximo millnio — Ligdes americanas 1s cidades invistoess © castelo dos destinos eruzador © bardo nas érvoree As cosmicmicas | Fébulas taltanas — Contos eae IFALO CALVINO Rerun POR QUE LER OS CLASSICOS Taduglo: ISON MOULIN 28 mimpressio | POYNT COPY | eastawe SSS ome Did OR ULB OS tases francés acompanhara, alguns séculos antes, a mobilizagio publi- citéria para as Cruzadas. * © millénio que esté para se encerrar foi 0 milénio do roman- ce. Nos séculos x1, xil € xi, os romances de cavalaria foram os primeiros livros profanos cuja difusio marcou profundamente 2 vida das pessoas comuns.¢ nfo somente dos doutos. Dante é tes- temunho disso, falando-nos de Francesca, a primeira personagem da literatura mundial que vé sua vida mudada pela leitura dos romances, antes de Dom Quixote, antes de Emma Bovary. No ro- mance francés Lancelot, 0 cavaleiro de Galehaut convence Gue- nitvie a beijar Lancelot; na Divina comédia, o livro Lancelot as- sume a fungdo que Galehaut tivera no romance, convencendo Francesca a deixar-se beijar por Paolo. Provocando uma identifi- cagdo entre.a personagem do livro enquanto age sobre as outras Bersonagens ¢ 0 livro enquanto age sobre seus leitores ("“Galeot- to fol o liveo e quem 0 escteveu), Dante executa uma primeira operago vertiginosa de metaliteratura. Nos versos de uma con- centragio e sobriedade insuperdveis, acompanhamos Francesca € Paolo que "sem nenhuma suspeita"’ se deixam prender pelas emogbes da leitura ¢, de vez em quando, se olham nos olhos, em- palidecem, quando chegam ao ponto em que Lancelot beija a boca de Gueniavre (""o desejado riso”) 0 desejo escrito no livro torna explicito o desejo experimentado na vida ¢ a vida toma a forma narrada no livro: “a boca me beijou toda tremula...” 1985 Se ee ae eo A ESTRUTURA DO “ORLANDO” Oriando furioso é um poema que se recusa 2 comecat e se fecusaa acabar. Recusa-se 2 comecer porque se apresenta como a continuagao de um outro poems, Orlando innamorato, de Mat. £0 Maria Botardo, interrompido pela morte do autor. E se recusa ‘aacabar porque Atiosto no para nunca de trabalhar dentro de nés. ‘Ap 6s té-lo publicado em sua primeira edigao de 1516, em quaren- ta cantos, procura fazé-lo crescer, inicialmente tentando dar-the uma sequencia, que fol truncada (os chamados Cingue canti, pix blicados postumamente), depois inserindo novos episédios nos cantos centrais, de modo que na terceira e definitiva edigio, que é de 1532, os cantos passaram a ser 46, Nesse meio tempo, houve uma edicéo de 1521, que testemunha outro modo de nao se consi- derar 0 poema definitivo, isto é, a limpeza, 0 ajuste da lingua e da versificagéo, que Ariosto continta a buscar. Por toda a vida, pode- sfamos dizer, pois para chegar & primeira edigdo de 1516, Ariosto havia trabalhado doze anos e outros dezessels sofre para puiblicar aedicio de 1532 e, no ano seguinte, morre. Essa dilatagdo a partir do interior, fazendo prbliferar episOdios de epis6dios, criando no- vas simetrias e novos contrastes, me parece que explica bem o mé- todo de construgio de Ariosto; ¢ permanece para ele o verdadeiro modo de alargar esse poema de estrutura policéntrica e sincroni- ca, Cujas vicissitudes se difundem em todas as diregdes ¢ se bifir- cam continuamente or POR QUE LER 08 cLASsIcos Para acompanhar as aventuras de tantas personagens princi- pais e secundérlas 0 poema precisa de uma “montagem” que per- ‘mita abandonar uma personagem ou um teatro de operagées ¢ pas- sar para outro, Estas passagens as vezes ocorrem sem romper a con- tinuidade da narrativa, quando duas personagens se encontram ‘@narrativa, que estava seguindo a primeira, se afasta para ir atrés da segunda; outras vezes, a0 contrario, mediante cortes nitidos que interrompemra ago bem no meio de um canto. S40 em geral 05 dois ttimos versos da oitava que informam sobre a suspensio ¢ descontinuidade no relato, duplas de versos rimados como es- tes: “Segue Rinaldo, ¢ d'ira si distrugge: ma seguitiamo Angelica che fugge"’ [Segue Rinaldo ¢ com ira se desfaz: sigamos Angelica que sombra se faz}; ou entdo: "‘Lascianio andar, che fara buon camino, €torniamo a Rinaldo paladino” (Deixem-no ir, pois fard boa esta: da, € voltemos a Rinaldo, alerta espada]; ou ainda: ‘Ma tempo ormai di ritrovar Ruggiero che scorre il ciel su I'animal leggiero"" (Mas j4 € tempo de encontrar Ruggiero que varre o céu no animal bem célere]. Enquanto estas cesuras da ago se situam no interior dos cantos, pelo contrério, o fecho de cada canto promete que © relato continuard no canto sucessivo; também aqui esta fungao didatica € em geral atribuida a0 par de versos simados que con- cluem a oitava: “Come a Parigi appropinquosse, e quanto Carlo aiutd, vi dira altro canto" (Como de Paris aprochegou-se, e quanto Carlo ajudou, diré 0 outro canto}. Freqlientemente, para fechar 0 canto, Ariosto finge de novo ser um aedo que recita seus versos numa noitada da corte: ‘Non pid, Signor, non pid di questo canto; ch’io son gi rauco, ¢ vo" posarmi alquanto" [Nao mais, Senhor, ndo mais deste canto; que Jd estou rouco, vou pousar um tanto}; ou entdo se nos mostra — testemunho mais raro — no ato material de escrever: “Poi che da tutti lati ho pieno il foglio, finire il canto, siposar mi voglio” [Pois de todos os lados cheia folha j4 vejo, terminar o canto ¢ recuperar-me desejo]. Ao contrarlo, o inicio do canto subsequlente comporta quase sempre um alargamento do hotizonte, um distanciamento da ur- ‘géncia da narragao, sob a forma de introdugéo gnémica ou de pe- oe A ESTRUTURA DO “ORLANDO” ts roracdo amorosa ou ainda de metéfora elaborada, antés de reto- ‘mar a narrativa no ponto em que foi interrompida. B justamfnte 1a abertura dos cantos se situam as digressOes sobre a atualidade italiana que sto muitas sobretudo na dltima parte do poema, £.co-, ‘mo se por meio dessas conexdes o tempo em que o autor vive € escreve irrompesse no tempo fabuloso da narrativa, Definir sinteticamente a forma do Orlando furtoso € portanto impossivel, pois ndo estamos perante uma geometria rigida: po- deriamos recorrer 3 imagem de um campo de forca, que gera con: tinuamente em seu interior outros campos de forga. O movimen: to € sempre centrifugo; no comeco jé nos encontramos em piena ago, ¢ isso vale para o poema como para cada canto e epis6dio, O defeito de todo preambulo ao Furioso € que se comega di- Zendo: ““é um poema que serve de continuago a um outro, o.qual continua um ciclo de Intimeros poemas”; 0 leitor logo se sente desencorajado: se antes de iniciar a leitura teré de conhecerfodos. os precedentes, ¢ os precedentes dos precedentes, quando é que conseguira de fato comegar 0 poema de Ariosto? Na realidade, to- do preambulo logo se revela supérfluo: 0 Purioso € um livro tni- a co em seu género e pode ser lido — quase diria: deve — sem fa- zer referéncia a nenhum outro livro precedente ou consecutivo; €um universo em si no qual se pode viajar em todos os quadran- tes, entrar, sair, perder-se, Que 0 autor faga passar a construcio desse universo por uma continuagao, um apéndice, um — como ele diz — “acréscimo” a uma obra alheia pode ser interpretado como um indicio da ex- traordinaria disctigao de Ariosto, um exemplo daquilo que'os in- gleses chamam de understatement, isto €, 0 especial espitito de 4 ironia contra si mesmo que leva a minimizar as coisas grandes importantes; mas pode também ser visto como sinal de uma con- cepgd6 do tempo e do espago que rencga a configuragio fechada do cosmos ptolomaico ¢ se abre ilimitada na direcao do passado € do futuro, bem como no sentido de uma incalculével piuralida- de de mundos. Desde o inicio 0 Furioso se anuncis como o poema do movi- ‘mento, ou melhor, anuncia o tipo particular de movimento que 0 ae oo fo JR Ue B08 Lalo us “percorrerd de um extremo a outro, movimento de linhas quebra- -das, em ziguezague. Poderiamos tragar o desenho geral do poe- mia seguindo 0 continuo cruzamento e divergéncia dessas linhas _ Sobre um mapa da Europa e da Aftica, mas jé bastatia para defini | 10 0 primeiro canto, em que trés cavaleiros perseguem Angelica que foge pelo bosque, numa sarabanda cheia de extravios, encon- tr0s fortuitos, descaminhos, mudangas de programa. E com esse ziguezague tracado pelos cavalos a galope e pelas intermiténcias do coragao humano que somos introduzidos no es- j pitito do poema; o prazer da rapidez da ago se mistura logo a.um sentido de amplitude na disponibilidade do espaco e do temps. O Procedimento distrafdo nio é 86 dos perseguidores de Angelica mas também de Ariosto: dir-se-ia que 0 poeta, iniciando sua nacrativa, ‘Ado conhece ainda o esquema da trama que em seguida o guiaré com pontual premeditagao, mas uma coisa jé tem perfeitamente cla- Fa: aquele impulso ¢ ao mesmo tempo aquela facilidade em nartar, ou seja, aquilo que podetiamos definir — com um termo denso de significados — 0 movimento "errante'’ da poesia de Ariosto. Tais caracteristicas do “espaco" ariostesco, podemos identi- ficé-las na escala do poema inteiro ou dos cantos singulares bem como numa escala menor, 2 da estrofe ou do verso. A oitava € a medida na qual melhor reconhecemos aquilo que Atiosto tem de inconfundivel: na estrofe de oito versos Ariosto se vira como quer, estd em casa, seu milagre € feito sobretudo de desenvoltura, Principalmente por duas razbes: uma intrinseca a oitava, isto €, uma estrofe que se presta a discursos também longos e 2 alter- -Rar tons sublimes ¢ Ifricos com tons prosaicos ¢ jocosos; e uma intrinseca 20 modo de poetar de Arlosto, que no se tolhe com limites de nenhum género, que n&o se propds como Dante uma [9 separuigao rigida da matéria, nem uma regra de simetria que 0 obri- | asse a um niimero de cantos preestabelecido ¢ a um ntimero de estrofes em cada canto. No Furioso, 0 canto mais breve tem 72 oitavas; o mais longo, 199. O poeta pode mover-se comodamen- te, se quiser, empregar mais estrofes para dizer algo que outros diriam num verso ou entdo concentra num verso aquilo que po derla ser matéria de um longo discurso. 70 ‘4 ESTRUTURA DO "ORLANDO" ( segredo da oitava ariostesca esté em seguir o ritmo variado da linguagem falada, na abundancia daqueles que De Sanctis defi- niu como os “‘acessérios ndo essenciais da linguagem”’, assim co mo na desenvoltura da fala irOnica; mas o registro coloquial é ape- nas um dos tantos que ele usa, que vio do Iirico 20 tragico ¢ 20 gndmico, e que podem coexistir na mesma estrofe. Ariosto pode ser de uma concisto memoravel; muitos de seus versos se torna- ram proverbiais: “Ai esti o jufzo humano que tanto erral”, ou en- Go: "Oh, grande bondade dos cavaleiros antigos!””. Mas no é sé com esses parénteses que ele pratica suas mudancas de velocidade, Cofvém frisar que a propria estrutura da oitava se baseia numa descontinuidade de ritmo: aos seis versos unidos por uma dupla de rimas alternadas seguem-se dois versos com rimas emparelha- das, com um efeito que hoje definirfamos como anticifmax, de brusca mudanga nao s6 ritmica mas de clima psicol6gico ¢ inte- Iectial, do culto a0 popular, do evocativo ao comico. Naturalmente, com tais volteios da estrofe, Ariosto joga do modo que Ihe € proprio, mas 0 jogo poderia tornar-se monétono, sem a agilidade do poeta 20 movimentar a oitava, introduzindo as pausas, 08 pontos fixos em posicdes diversas, adaptando diver- 0 andamentos sintéticos ao esquema métrico, alternando perf dos longos com breves, quebrando a estrofe ¢, em certos casos, encadeando-a numa outra, mudando continuamente os tempos da narrativa, saltando do pretérito perfeito para o imperfeito, pa- rao presente ¢ para o futuro, criando enfim uma sucessio de pla- nos, de perspectivas da narracio. Essa liberdade, essa amplitude de movimentos que encontra- mos na versificagao dominam ainda mais no nivel das estruturas narrativas, da composigao do enredo. As tramas principale, vale relembrar, so duas: a primeira conta como Orlaifdo se torna, de apaixonado infeliz por Angelica, doido furioso, e como os exérci- tos cristdos, pela auséncia de seu campedo, arriscam-se a perder 2 Franga, e como a raz3o perdida do louco foi reencontrada por Astolfo na Lua devolvida ao legitimo proprietario, permitindo- the retomar seu lugar na tropa. Paralela a esta se desenvolve a se- gunda trama, a dos predestinados mas sempre adiados amores de 7 POR QUE LER OS cLAssicos Ruggiero, campedo do campo sarraceno, e da guerteira crista Brae Gamante, ¢ de todos os obstéculos que se interpdem ao desting ‘upcial deles, até que o guerreiro consegue mudar de lado, rece. ero batismo e atrebatara robusta apaixonada, A trama Ruggiero. Bradamante no € menos importante que a de Orlando-angelica, Pols Atlosto (como antes Boiardo) quer transformar aquele casal em matriz da genealogia da familia D'Este, isto é, no s6 justificar © Poema aos tihos de seus comitentes, mas sobretudo ligar o tempo mitico da cavalaria as vivencias contemporineas, ao presente de Ferrara ¢ da Itdlia, As duas tramas principals e suas numerosas ca. milficagdes vio adiante entrelagadas, mas se prendem por seu lado 20 redor do tronco mais propriamente épico do poema, ou seja, © desenrolar da guerra entre o imperador Carlos Magno ¢ 0 rei da Africa, Agramante. Esta epopéla se concentra sobrenude num blo. Co de cantos que tratam 0 assédio de Paris visto pelos mouros, a contra-ofensiva cristZ, as discérdias do lado de Agramante. O assé. dio de Paris € como o centro de gravidade do poema, assim como a cidade de Paris se apresenta como seu umbigo geogrifico: Stede Parigi in uma gran pianura ne Vombilico a Francia, ani nel core; 8H passa la riviera entro le mura © corre et esce in altra parte fuore: ma fa un'isola prima, e v'assicura de la citta una parte, @ ta migiiore; Valire due (ch'in tre parti 2 la gran terra) di fuor la fossa, e dentro tl fiume serra Alla citta che motte miglia gira da molte parti si pud dar battaglie; ma perché sol da un canto assalir mire, né volentier Uesercito sbarragtia, oltre il fiume Agramante si ritira verso ponente, acid che quindi assagtia; Berd che né cittade né campagna ‘ba dietro (se non sua) fino alla Spagna* Gav, 104 ss) (9) "Centra-se Paris num grande descampado/ no umbigo da Franga, mais no coragto/passathe orto dentro doamuralhado/e corse salem dlstante dispersion! 72 4 ESTRUTURA DO “OR De tudo 0 que foi dito, poderfamos acreditar qtie:no a8 de Paris acabem por convergit os itinerdios de todas as'pt gens principais. Mas isso no acontece: dessa epopéla'colétiy t4 ausente a maior parte dos campedes mais famosos; $6’ tesca massa de Rodomonte sobressai na peleja. Onde se todos 0s outros? : E preciso dizer que o espago do poema tem também tit’ot tro centro de gravidade, um centro em negativo, uma arapuca, uma espécie de turbilhdo que engole uma a uma as principals sonagens: 0 palécio encantado do mago Atlas. A magia de. se deleita com arquiteturas ilusionistas: j4 no canto 1V fat! entre as alturas dos Pireneus, um castelo inteiramenite de depois o dissolve no nada; entre o canto Xit eo xox! vemos se, nfo distante das costas da Mancha, um paldcio que € unite ‘moinho de vazio, no qual se refratam todas as imagens do po ‘A Orlando em pessoa, enquanto esté buscando Angelica! acon tece ser vitima do encanto, conforme um procedimento que se. Fepete quase idéntico para cada um desses audazes cavaleirosi v8 sua bela ser raptada, persegue o raptor, entra num misterioso pa- licio, roda e rodeia por vestibulos e corredores desertos. Ou sa; © palécio acha-se deserto daquilo que se busca e € freqtientado apenas pot quem’ procura algo. Estes que vaguelam pelos pérticos ¢ pelos vios sob as €8¢z das, que remexem debaixo das tapegarias e baldaquihos Sid's mals famosos cavaleios cristdos e mouros: todos foram atraldos para o paldcio pela visio de uma mulher amada, de um inimigo | inalcangavel, de um cavalo roubado, de um objeto perdido. Bago. | 1 no podem mais afastar-se daquelas paredes: se alguém tenta afastar-se, escuta um chamado, vira-se e 2 aparicao inutilmente per- seguida esté al, a dama a ser salva encontra-se numa janela, implo- ‘as faz uma itha antes, resguardado/ da cidade um tzecho, em boa condickor/ | Qs outros dots (em trés se parte 2 terra}/ Id fora da fossa, e dentro o tio encerra/ Acidade que mulras mila gira/ de muitos lados se pode dat batalha;/ mas porque | 86 de um canto assaltar mira,/ em a contragosto o exétcito eafrangalha,/além do, #0 0 exérelto se tetra! ramo poente, negando combate canalha/ contudo nem cidade nem Area de campanhal tem por trés (Seno sua) até a Espanha.” 73 Fando socorro, Atlas deu forma a0 reino da ilusio; se a vida é sem- 7 Bre varlada, imprevista ¢ cambiante, 2 ilusto € monétona, passa © Fepassa sempre no mesmo ponto. O desejo € uma corrida rumo 30 nada, 0 encantamento de Atlas concentra todas as paixdes in- | _ Satisfeitas no interior de um labirinto, mas no muda as cegras que zp) Bovemnam os movimentos dos homens no espaco aberto do poe. ma ¢ do mundo. Também Astolfo chega 20 palécio, perseguindo — ou seja, imaginando perseguir — um pobre camponés que lhe roubou o cavalo Rabicano. Mas com Astolfo no hé encanto que prevaleca Ble possul um livro magico onde se explica tudo sobre os pala: clos daquele tipo. Astolfo vai direto até a laje de mérmore do um. bral: basta levanté-la para que todo o palicio se transforme em * fumaga. Naquele momento é alcancado por um bando de cavalei. 0s: quase todos sfo seus amigos, mas, em vez de dar-lhe boas. © vidas, colocam-se contra ele como se quisessem enfiarlne ses, _ Pada. Que acontecera? © mago Atlas, vendo-se em maus lengéls, __Tecorrera a.um iltimo encanto: fazer cém que Astolfo aparecesse _ 208 vitios prisioneitos do palécio como 0 adversério em cuja per. “5.5 seguiclo todos eles ali haviam entrado, Porém, Astolfo s6 precisa . Sopra em seu berrante para dispersar mago, magia e vitimas da ‘magla, O palicio, teia de sonhos, desejos e invejas, se desfaz: ou |. $/a, deixa de ser um espaco exterior anés, com paredes, escadas ‘ pottas, para voltar a encerrar-se em nossas mentes, no labirinto © 905 Pensamentos, Atias devolve o livre curso pelas vias do poe. 3 14) jema'as personagens que Seqilestrara, Atlas ou Ariosto? O palacio i I ccctade ve reveia um astuto estratagema estrutural do narrador | 5 que; pela impossibilidade material de desenvolver simultaneamen- {te um grande ndimero de historias Paralelas, sente falta de rcticat, durante alguns cantos, certas Petsonagens da ago, por de lado _ (7; determinadas cartas para continuar seu jogo e usé-las no momen. "| #9 oportuno, O encantador que pretende retardar © cumprimen. | “to do destino e 0 poeta-estratego que ora aumenta ora reds as _fileitas das personagens em campo, retine-as para depois dispers4- “las, sobrepdem-se até identificar-se 4 A sTrdTUdd vO ORuANLS" A palavra jogo reapareceu varias vezes em nosso discurso. Mas do devemos esquecer que os jogos, dos infantis aos dos adultos, tém sempre um fundamento sério: s4o sobretudo técnicas para treinamento de faculdades ¢ atitudes que serio necessérias na vi da. O de Ariosto € 0 jogo de uma sociedade que se sente produto- ra.¢ depositaria de uma visio do mundo, mas sente também 0 va- zio que se cria sob seus pés, entre ruidos de tecremoto © Ultimo canto, xLv1, se abre com a enumeragao de uma ga- leria de personas que constituem 0 piiblico em que Ariosto pen- sava ao escrever seu poema, Esta € a verdadeira dedicat6ria do Furioso, mais do que a reveréncia obrigat6ria 20 cardeal Ippolito d'Este, a “generosa hercilea prole” 20 qual 0 poema é dedicado, na abertura do primeiro canto. A nave do poema esta chegando ao porto e, para recebé-la, encontra perfiladas no pier as damas mais belas ¢ gentis das cida- des italianas, cavaleiros, poctas ¢ doutos. Trata-se de uma panora- mica de nomes ¢ répidos perfis de seus contemporaneos e amigos, © que Ariosto desenha: € uma definicao de seu piblico perfeito © 20 mesmo tempo uma imagem de sociedade ideal. Para uma es- pécie de reviravolta estrutural, 0 poema sai de si mesmo ¢ se ob- serva através dos olhos de seus leltores, se define através do cen- so de seus destinatdrios. E por sua vez € 0 poema que serve de definicgo ou de emblema para a sociedade dos leitores presentes ¢ futuros, para 0 conjunto de pessoas que participard de seu jogo, que nele se reconheceré. 1974 PEQUENA ANTOLOGIA ’ DE OITAVAS —_——. No quinto centensrio de Ariosto, me Perguntam 0 que sig- nificou o Furioso para mim. Porém, indicar onde, como e quanto 2 minha predilecdo por esse poema deixou tragos nas coisas que escrevi me obriga a retornar sobre o trabalho jé feito, enquanto © espitito arlostesco para mim sempre quis dizer impulso para dian- te, no olhar para trés. £, além disso, penso que tais tragos de pre- ferencia sdo bastante evidentes para deixar que 0 leitor os encon- tre por conta prépria. Prefiro aproveltar a ocasiZo para tornar a folhear 0 poema, €, um pouco na linha da meméria, um pouco me delxando levar pelo acaso, tentarei uma antologia pessoal de oltavas, A quinta-esséncia do espfrito ariostesco para mim se encon- tra nos versos que antecipam uma nova aventura. Varias vezes es ta sltuagdo € marcada pelo aproximar-se de uma embarcagto & mar- gem onde o herdi se encontra por acaso (1x, 9) Con git occbi cerca or questo lato or quello Jungo le ripe il paladin, se vede (quando né pesce eglt non 2, né augelto) come abbia a por ne W'altra ripa i! piede, at ecco a sé venir vede un battello, su le cut poppe una donzella siede, 76 che di volere a lui ventr fa segno; né lascia pot cb'arrivi a terra tl legno,* Um estudo que gostaria de ter feito € que, se no fizer, al- guém pode fazer em meu lugar concerne a esta situaglo: uma bel- rade mar ou de rio, uma personagem parada e um barco a peque- (f na distancia, portador de uma noticia ou de um encontro do qual nasce a nova aventura (em qualquer caso, 0 inverso: 0 herol esté no barco € 0 encontro ocorre com uma personagem em terra) ‘Uma resenha das passagens que narram situagbes semelhantes cul” minaria com uma oltava de pura abstragio verbal, quase um times | rick (xxx, 10); bi: Quindt partito, venne ad una terra, Zizera detta, che siede allo stretto i Zibeliarro, 0 vuot Zibelterra, che l'uno 0 V'altro nome le vien detto; ove una barca che sciogiiea da terra vide piena di gente da diletto che solazzando all'aura matutina, gla per ta tranquillissima marina, Entro assim num outro tema de estudo que gostaria de fazer mas que provavelmente {é fol feito: a toponomastica do Furioso, que cartega sempre consigo uma brisa de nonsense. Em especial ‘a toponomistica inglesa fornece a matéria verbal com que Arios- FT to mais se diverte, qualificando-se como o primeirc anglomano | dda literatura italiana, Em particular, poder-se-ia por em evidencia como os nomes com sonoridades extravagantes colocam em mo- ()"Com os othos busca ora este ora aquele lado! ao longo das margens o paladin, quer ver/ jd que pelxe ele nto ¢, tampouco ser aladoy’ como ha dé na ‘outra margem 0 pé descer:/e els que chega alguém embarcado,/ sobre a popa uma onzela a languescer,/ que desea a cle vir matreira/ nem deixa que Delf a terra a made (°*) "Tendo partido, chegou a uma terra,/ Gigita dita, que flea no estreito/ i de Gibraltatto,/ ou querendo, Gibralter, pols um ou outro nome Ihe & peafel- {0{/onde um barco que se afasa da terra viu chelo de gente predileta/ que folgan- do peta aura matutna/ segula a teangullissima marina,” Sa vimento um mecanismo de i Ro. quebra-cabeca herdldi mond Roussel (x, 81) imagens extravagantes, Por exemplo, ico do canto x, aparecem visées a Ray. 2 falcon cbe sul nido 4 vant incbina, Porta Raimondo, il conte di Devonia. 1H Biallo ¢ il negro ba quel di Vigorina, 4M can quel d'Erba; un orso quel d'On Wn Ors0 quel d'Osonia La croce che 18 vedi eristallines 2 del ricco prelato di Battonia Vedi net bigio una spezzata sedia 2 del duca Ariman di Sormosedia * Como rimas insélitas,recordarei a estrofe 63 do canto vate gue Bradamante se afasta de uma oponomésticn faces recon Mar nas intempéries hibernais que envolvem o corclo &e van a Islindia. Num poem em ger esével Go ponte oe cn ae lio como o Furies, este epitdcio — que se sbrecom anasto €a varlagdo térmica que se poses encontiat no eine ae nena tava — destaca-se por sus atmostons chron Leva al fin gli occbi, ¢ vede (1 sol che '! tergo avea mostrato alle citta dt Bocco, © poi sera attuffato, come il mergo, in grembo alla nutrice oltr'a Marocco: @ se disegna cbe ta frasca albergo Je dia ne’ campi, fa pensier di sciocco; cbe soffia un venio freddo, ¢ Varia grieve ploggia ta notte le minaccta 0 nieve.** Eu diria que a metéfora mais complicada pertence ao registro de Petrarca, mas Ariosto introduz all toda a sua necessidade de mo- ‘vimento, e assim essa estrofe me parece atingir também o primado (1) "0 faleto que sobre 0 ninho © v60 inclina, leva Raimundo, o conde de Devonla./O amarelo e 0 negro tem aquele de Vigorina,/ 0 cdo aquele Erba, um lurso 0 de Osdnia./ A cruz que la voct vé erstalina,/€ do rico prelado de BatOnia.! Ve no cinza uma quebrada cadeira/ € do duque de Sormosedelta (12) "Ergue por fim os olhos, e vé 001 que as costas/ hava mostrado as clda- es de Bocco./e depois se afundara, como 0 mergulhdo,/ no colo das nutrzesalém de Marrocos:/e se desenha que o ramo abrigo/ Ihe dé nos campos, penta feito bo: bbo1/ que sopra um vento {rio €0 4 no leve! chuva & noite o ameaga ou neve ™ 78 saalSGSCORLUNVon pensar cree eat at 64 OG EE OEEEE EAA GQ OW WW Ow ; - a) Ye POOP eaeremerecrrccccccccccccccceuceeusnuus de um maximo de deslocagdes espaciais para definir um estado de animo sentimental (xxxtt, 21) Ma di che debbo lamentarms, abi lass, Suor che del mio desire irrazionale? ch‘alto mi leva, e st nell'aria pass cb'arrva in parte ove s'abbructa ale, ‘pol non potendo sostener, mt lassa dal ciel cader: né qui finisce s! male; che le rimette, @ di nuovo arde: ond'io non bo mai fine al precipizio mio * Ainda nao exemplifiquel a oitava erstica, porém os exemplos mais insignes sio todos muito conhecidos; e pretendendo fazer uma op¢do mais singular acabo por esbarrar em alguns versos um tanto pesados. A verdade é que nos momentos sexualmente cul- minantes Ariosto perde a m4o € 2 tensio se esval. Inclusive nos epis6dios com efeitos eréticos mais sutis, como € o de Fiordispi- na e Ricclardetto (canto xxv), © refinamento est mals no relato ena vibragao geral que na estrofe isolada. No maximo posso citar uma multiplicagao de artes emaranhadas do tipo estampa japone- sa: "Non con pid nodi i flessuosi; acanti/ le colonne circondano € le travi,/ di quelli con che not legammo stretti/¢ colli e flanchi ¢ braccia e gambe ¢ petti"’ [Nio com mais nés os flexiveis acan- tos/ as colunas circundam ¢ as traves,/ daqueles com quem nos unimos estreitos/ € colos e flancos € bragos € pernas e peitos}. © verdadeiro momento erético para Ariosto ndo € 0 da reali zacio mas o da espera, da trepidacio inicial, dos preparativos. & entdo que atinge seus momentos mais altos. O desnudamento de Alcina € muito conhecido mas deixa sempre a respiragZo suspen- sa (vil, 28) ben che né gonna né faldighia avesse che venne avolta in un leggier zendado (yma de que devo lamentar-me, 31 cansaco,/além do meu desejo racic: nal? quo alto me leva, e sim no ar passa,/ que chega até onde incendeta a 255:/ mosteiro. Que um nio.Seja mais amado que outro, a ndo. ser aquele. que for reconhecido melhor nas boas ages ou na obeditncia. Nao anteponha 0 nascido livre ao origindrio de condigao servil, a nfo ser que-exista outra causa razodvel para isso; pois 48se parecer ao Abade’que deve fazé-lo por-questao de justica, f440-4 seja qual for a condigao social; caso ‘contrério, mantenhiam todos 3s. seus proprios lugares, "porque, servo ou livre, somos todos um em Cristo e sob um s6 Senhor czminhamos submissos na. mesma milicia de serviddo: “Porque nao ha em Deus acepgao de pessoas”. 21Somente- nun ponto somos por ele. distinguidos, jsto 6, se formos melhores do que os outros nas boas obras ¢ humildes. *Seja. pois igual a caridade dele para com todos; que uma 86 disciplina‘ seja proposta%, todos, conforme os merecimentos de cada um, | *8Portanto, ém-sua douttina deve sempre © Abade observar fiquela formula do Apéstolo: “Repreende, exorta, admoesta’® isto é, temperandd as ocasides umas com as outras, © os carinhos com os rigores, mostré a severidade de um mestre ¢ 0 pio afeto de um pai, quer dizer: aos indisciplinados e inquietos‘deve repre- ender mais duramente, mas ao8 obedientes, mansos ¢ pacientes deve exortar a que progtidam, ainda ‘mais, ¢ quanto aos negligentes e desdenhosos, advertimos que os repreenda ¢. castigue. **Nao dissimule.as faltas dos-culpados, mas logo que comegarem a brotar ampute-as pela raiz, como the for possivel,”) lembrando-se da desgraca de Heli sacerdote de. Silo. 21Aos mais honestos®) e de 4nimo compreensivel censure por palavras em primeira e segunda adverténcia; 8porém aos improbos, duros & soberbos ou desobe- 14, SL_49,16-17 20. Rom 2,11 26, Sab 11,24 45. Mt 7,3 23, 2 Tim 4,2 517 43 12 1 i4 i

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