You are on page 1of 5

1

A CRISE DE CREDIBILIDADE E A INSULARIDADE DO PODER


JUDICIÁRIO
THE CRISIS OF CREDIBILITY AND INSULARITY OF THE JUDICIARY
Nathália Martins Americano
Thiago César Carvalho dos Santos

RESUMO
Esta pesquisa discute a crise de credibilidade e o estado de insularidade que assola o Poder
Judiciário brasileiro e seus agentes. Questiona-se o excesso de autonomia e independência
conferida ao Poder Judiciário, os quais facilitam o surgimento de uma alcova intocável e
inacessível ao próprio cidadão. Em decorrência da insatisfação social perante a atuação desse
órgão, surgem propostas de reformulações no âmbito jurídico nacional, com o intuito de
aperfeiçoar a eficiência das cortes, facilitar o acesso à justiça e fortalecer a responsabilidade
judicial. Diante da ineficácia dos métodos de controle interno, o controle externo, ou popular,
mostra ser a alternativa mais promissora para uma reforma estrutural efetiva do Judiciário.
PALAVRAS-CHAVE: Crise do Judiciário. Insularidade. Responsabilidade.

ABSTRACT
This research discusses the crisis of credibility and the state of insularity that plagues the
Brazilian Judiciary and its agents. The excess of autonomy and independence granted to the
judiciary is questioned, since it facilitate the emergence of an alcove untouchable and
inaccessible to citizens. As a result of social dissatisfaction with the performance of this
entity, reformulations of the national legal framework are proposed in order to improve the
efficiency of the courts, to facilitate access to justice and strengthen judicial accountability.
Given the ineffectiveness of methods of internal control, an external or popular control proves
to be the most promising alternative for effective structural reform of the judiciary.
KEYWORDS: Judiciary crisis. Insularity. Responsibility.

1. INTRODUÇÃO

A necessidade de uma reforma estrutural do modelo de prestação jurisdicional


brasileiro surge a partir de uma imensa insatisfação da sociedade com o Poder Judiciário.
Discussões em torno da reforma do Judiciário começaram em meados de 1992, com a
proposta de uma Emenda Constitucional, na Câmara dos Deputados, com o propósito de
2

remodelar a estrutura do Poder Judiciário. Desde esta época constatava-se que os


procedimentos judiciais não se adequavam à realidade brasileira, e, portanto, não era
cumprida sua primordial finalidade: fazer Justiça.
A crise do Poder Judiciário no Brasil envolve inúmeros fatores, dentre os quais
podem-se citar: morosidade da prestação jurisdicional, acusações de corrupção de magistrados
e serventuários, falta de transparência, credibilidade e confiança popular, ineficácia dos
mecanismos de controle e responsabilização dos juízes etc. Todos estes fatores culminando
em uma falha no acesso à Justiça. Surgindo assim, a necessidade de repensar a prestação
jurisdicional no país.

2 CRISE DO JUDICIÁRIO E EXCESSO DE INDEPENDÊNCIA

O Estado Democrático de Direito fornece aos cidadãos uma garantia de efetivação


plena dos seus direitos constitucionais por meio de uma atuação mais proativa do Poder
Judiciário. Contudo, ao mesmo passo, este se tornou cada vez mais ineficiente e desconfiável,
impossibilitando, assim, o próprio fortalecimento do Estado Democrático de Direito. Barbosa
(2006, p. 3-4) explica que o déficit de legitimidade enfraquece o Judiciário. Esse ainda é visto
com um poder neutro, imparcial, acima dos conflitos, compreendendo-os de forma
desapaixonada. Contudo, exige-se cada vez mais uma atuação parcial, comprometida e
apaixonada, pondo em ameaça esses pilares tradicionais.
Augusto Zimmermann (2008) constrói considerações sobre a estrutura judicial
brasileira com base em estudos de William Prillaman (2000), afirmando que a concepção
popular do Judiciário brasileiro consta de um declínio da confiança nos tribunais, uma maior
tolerância para uma justiça vigilante, o que culmina em um aumento do cinismo sobre a
democracia. Aponta uma decadência democrática, tendo o fracasso do judiciário como fator
crítico na contribuição para esta descrença congênita na máquina estatal.
Carlos Santiso (2003), afirma ser a falta de credibilidade e confiança no Judiciário a
dimensão central da atual crise institucional da governança instaurada em vários países da
América Latina, incluindo o Brasil. Analisando a estrutura judiciária brasileira, descreve a
insularidade e a falta de responsabilização como os pontos chave da crise de confiança
instaurada, os quais decorrem de uma independência exacerbada e falta de prestação de contas
de seus atos e dispêndios.
O Judiciário possui níveis sem precedentes de independência estrutural e individual,
sem qualquer mecanismo de prestação de contas ou transparência. Tornando os tribunais
3

irresponsáveis, ineficientes e inacessíveis. Entretanto, quaisquer tentativas de propor reformas


que alterem a estrutura e introduzam um controle externo são massacradas pela cultura
corporativista do Judiciário e a interpretação literal do princípio da separação dos poderes.
Zimmermann (2008, p. 41) compartilha da mesma opinião e acrescenta que essa
excessiva independência judicial acaba por transformar os tribunais em uma oligarquia
burocrática desprovida de responsabilidade perante o cidadão.
O temor de um controle político do Judiciário, sob o pretexto de defesa do princípio da
separação dos poderes de Montesquieu, criou uma redoma de vidro em volta deste poder.
Sendo assim, o Poder Judiciário brasileiro se mostra um poder intocável, selado, divino, que
goza de inúmeras prerrogativas de função, que vão além das garantias constitucionais aos
jurisdicionados a um devido processo legal e acesso à justiça.
No entanto, apenas independência não garante ao jurisdicionado imparcialidade e um
julgamento justo e adequado. Inclusive, verifica-se que a independência excessiva pode
induzir a um julgamento arbitrário e parcial em função do ambiente corporativista na
atividade jurisdicional.

3 CONTROLE INTERNO E EXTERNO DO PODER JUDICIÁRIO

Desta forma, aponta-se a necessidade de um maior controle da atividade jurisdicional,


por parte de uma responsabilização efetiva dos juízes. Verificou-se que um poder sem
controle dá margens a abusos e autoritarismo. Zimmermann (2008, p. 47) afirma que os juízes
brasileiros são vistos pela sociedade como desprovidos de qualquer responsabilidade por seus
atos. Sugere, então, a realização de reformas institucionais para controlar a corrupção, o
nepotismo, a ineficiência e a politização que assola o Poder Judiciário.
Por muito tempo a fiscalização e a apuração de responsabilidade funcional do Poder
Judiciário se dava por meio das Corregedorias e Conselhos de Magistratura. Tais órgãos são o
que se denomina autocontrole ou controle interno. Isso significa que é formado por membros
do próprio poder, os quais julgam as transgressões de seus colegas. É comprovado que este
tipo de controle é ineficiente e contaminado pelo corporativismo, não desempenhando seu
dever de combater os excessos, distorções administrativas e desvios de verba por parte dos
magistrados. (PIRES, 2012).
Neste diapasão, uma das tentativas de avanço no sentido de maior controle da
atividade jurisdicional veio com a qual criou o Conselho Nacional de Justiça no Brasil (CNJ),
através da Emenda n. 45/2004. O órgão possui elogiáveis funções de planejamento das ações
4

do Poder Judiciário e de controle disciplinar dos Juízes. Todavia, seu controle promovido
também tem caráter interno e administrativo, além de ser bastante tímido e pouco eficaz.
Zauli (2007, 72-73) reconhece o esforço de jurisdicionalização do processo disciplinar
a partir da criação do CNJ como órgão autônomo com poderes corretivos. Porém, o excesso
de preocupação em impedir que a responsabilização acarretaria em ameaças à independência
do Judiciário acabou por manter o insulamento da magistratura.
Abre-se, então, a discussão sobre a possibilidade de responsabilização popular do
Poder Judiciário, um controle social. O tema é bastante controverso, sendo continuamente
abafado no país, vez que, primeiramente, ainda mantém-se uma atitude formalista, de
superioridade, quase religiosa sobre a figura do julgador. Em segundo, que qualquer discussão
sobre a relativização dos poderes dos magistrados não é de interesse da hierarquia judicial,
que deseja manter em suas mãos o poder que atualmente detém.
Barbosa (2002) aponta para a possibilidade da criação de um órgão de controle externo
como alternativa para perfazer as mazelas dos atuais mecanismos de controle. Neste caso, tal
órgão deveria assumir a função jurisdicional, a fim de julgar as faltas cometidas pelos
magistrados. Entretanto, argumentos contrários surgem alertando dos perigos da interferência
indevida na atividade jurisdicional, atingindo a famigerada independência, supostamente
imprescindível para a efetividade da prestação jurisdicional.
Não obstante, a autora lembra que durante a criação do CNJ, discutiu-se a participação
de cidadãos na sua composição. A proposta foi logo rechaçada e retirada qualquer
participação popular ou de membros estranhos ao Judiciário neste órgão fiscalizatório,
também com base no princípio da independência e separação dos poderes.
Registra-se que, ainda que tímido, existem o controle realizados pelas partes no
processo, seus advogados, pelo Ministério Público, pela OAB, ou mesmo pelas exigências de
motivação e fundamentação das decisões. Entretanto, esse controle é claramente insuficiente e
raro. O cidadão não possui de fato poder efetivo de responsabilização e correição dos juízes.
Barbosa (2002) conclui lembrando que a questão do controle do Judiciário precisa,
necessariamente, perpassar pela criação de um órgão de planejamento e fiscalização do
Judiciário. Esta seria apenas uma das alternativas para o aperfeiçoamento da instituição. Cita-
se, talvez, a possibilidade de um controle popular direto, por meio de eleição dos magistrados.

4 CONCLUSÃO

Foi verificado que a estrutura jurisdicional brasileira perece de uma independência


5

exacerbada, beirando a insubmissão e impunidade, assim como uma falta de prestação de


contas de seus atos e dispêndios. Sendo assim, torna-se imperiosa a criação mecanismos de
compensação de prestação de contas e fiscalização, a fim de melhorar a resposta social do
Judiciário e a sua responsabilidade política.
As tentativas de controle interno dos tribunais, como a atuação das Corregedorias,
Conselhos de Magistrados ou até mesmo do CNJ vem se provando extremamente ineficazes
no controle efetivo e na responsabilização dos magistrados por seus desmandos. Isso devido à
contaminação destes órgãos pelos interesses do próprio poder, promovendo o ciclo de
corporativismo e insulamento novamente.
Por fim, este trabalho aponta para a solução que se apresenta como mais promissora à
crise de credibilidade do Poder Judiciário: um controle externo. A questão é polêmica, vez que
toca justamente na relativização da independência judicial. Entretanto, o desafio almejado
reside no delicado balanço entre a independência e a responsabilização do órgão.

REFERÊNCIAS

BANDEIRA, Regina Maria Groba. Democratização e controle externo do poder judiciário.


Brasília: Consultoria Legislativa. Câmara dos Deputados, abr. 2002. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/pdf/202322.pdf>.
Acesso em: 13 jul. 2014.
BARBOSA, Cláudia Maria. O papel da universidade na discussão sobre o poder
judiciário. In. CONGRESO NACIONAL DE SOCIOLOGIA JURÍDICA: Sociedad,
Diversidad y Derecho, 7, 2006, La Plata, Buenos Aires, Argentina. Disponível em:
<http://www.sasju.org.ar/encuentros/vii/sasju2006/comision08/comision_8_3.pdf>. Acesso
em: 9 nov. 2011.
PIRES, Mozart Valadares. Justiça Transparente, Maior Credibilidade. Revista Interesse
Nacional, ano 4, n. 16, jan./mar. 2012. Disponível em:
<http://interessenacional.uol.com.br/index.php/edicoes-revista/justica-transparente-maior-
credibilidade/>. Acesso em: 9 nov. 2011.
SANTISO, Carlos. The elusive quest for the Rule of Law: promoting judicial reform in Latin
America. Brazilian Journal of Political Economy, v.23, n.3, jul./set. 2003. Disponível em:
<http://www.rep.org.br/pdf/91-6.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2014.
ZAULI, Eduardo Meira. Democracia e métodos constitucionais de recrutamento da
magistratura no Brasil. Teoria e sociedade: Revista dos Departamentos de Ciência Política e
de Sociologia e Antropologia – UFMG, Belo Horizonte, n. 15.2, p. 52-81, jul./dez. 2007.
Disponível em:
<http://www.fafich.ufmg.br/~revistasociedade/edicoes/artigos/15_2/DEMOCRACIA_E_M%
C3%89TODOS_CONSTITUCIONAIS.pdf>. Acesso em: 01 nov. 2012.
ZIMMERMANN, Augusto. How Brazilian Judges Undermine the Rule of Law: A Critical
Appraisal. International Trade and Business Law Review, v.11. 2008. Disponível em:
<http://www.profpito.com/ITBLRBrazilianJudiciaryZimmermann.pdf>. Acesso em: 13 jul.
2014.

You might also like