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INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação


XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação – Campo Grande /MS – setembro 2001

AS POTENCIALIDADES DA INTERNET NA PRÁTICA EDUCATIVA


Cristiana Serra1

Resumo: As mudanças nas formas de comunicação e de intercâmbio de conhecimentos,


desencadeadas pelo uso generalizado das tecnologias digitais nos distintos âmbitos do
mundo contemporâneo, demandam uma reformulação das práticas pedagógicas. O artigo
examina as possibilidades que a Internet oferece para a criação de novos padrões de
aquisição e construção do conhecimento, ao permitir o uso integrado e interativo de
diversas mídias, a exploração hipertextual de um volume enorme de informações, a
simulação e a comunicação à distância. As interações via rede abrem novos canais de
expressão e interlocução, ampliando, consideravelmente, o espectro de idéias e o
número de pessoas com que temos contato. O desenvolvimento de processos de
aprendizagem cooperativa sobressai como uma das estratégias mais promissoras de
utilizaç ão desse novo ambiente eletrônico no campo educativo.

Palavras-chaves: tecnologias digitais; Internet; aprendizado cooperativo;

O ciberespaço abre novas possibilidades que requerem uma reformulação das relações de ensino e
aprendizagem, tanto no que diz respeito ao que é feito nas escolas, quanto a como é feito. Precisamos então
pensar no que realmente pode ser feito com a utilização da Internet no processo educativo. Para isso, é
necessário compreender o que vem a ser esse ambiente eletrônico e seu potencial pedagógico.
As possíveis mudanças decorrentes da inclusão das recentes tecnologias de comunicação e informação na
atividade educativa, normalmente, são avaliadas sob o ponto de vista de uma ruptura total, a partir da instauração
de algo completamente novo, ou como uma simples continuidade das práticas vigentes. A primeira acepção parte
do princípio de uma novidade radical, muitas vezes implícito na idéia de “novas tecnologias”. Marcos Palacios,
André Lemos e Cláudio Cardoso relativizam:
“Dizemos que as novas tecnologias são interativas, hipertextuais, ou seja, que elas utilizam
simulações, interatividade, não-linearidade (ou multilinearidade), multivocalidade e tempo
real. Todas essas características são possíveis sem nenhuma mediação tecnológica e vivemos
isso no nosso sistema educativo atual, com menor ou maior sucesso.” (CARDOSO, LEMOS,
PALACIOS, 1999, p.69)
A noção de novo sempre é relativa, uma vez que comporta, estende e potencializa elementos da
conjuntura anterior. No entanto, não se pode deixar de considerar o que a inovação apresenta de específico, caso
contrário não seria inovação. Por mais que um professor possa explorar os conteúdos de forma multilinear em
seu discurso, alternando diferentes visões sobre um mesmo assunto, dificilmente, ele atingirá um nível de
complexificação semelhante ao que é permitido pela navegação hipertextual na Internet.

Num outro extremo, está a visão instrumental, que considera as novas tecnologias como
uma simples evolução do quadro negro ou dos livros didáticos. Para aqueles que sustentam
esta posição, a metodologia utilizada com os livros pode continuar sendo empregada hoje com
o uso do computador. Muda-se a tecnologia, mas a maneira de ensinar permanece a mesma.
Nelson Pretto ilustra essa situação, lembrando a conhecida história do médico e do professor
que retornam do passado. “O primeiro vê tudo diferente e não consegue adaptar-se às salas
cirúrgicas. O segundo continua a lição de onde havia parado há mais de um século”
(PRETTO, 2000).
Há ainda os que defendem que a revisão dos paradigmas educacionais não depende necessariamente das
atuais tecnologias de comunicação e informação. Até esse ponto, tal argumento é pertinente. É o que afirma
Dora Incontri:

1
Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente, é professora da
Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.
Comunicação Coordenada -06 de setembro de 2001 - das 14h às 18h30mi
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“O progresso tecnológico pode nos atiçar, nos empurrar, mas não promove por si só um salto
qualitativo na história. E se falamos em revolução, reconheça-se em primeiro lugar que uma
revolução é necessária na Educação, independente do fato ‘multimídia’ ou ‘informática’. Estes
fatores tecnológicos podem instrumentalizar umas tantas mudanças, que seriam necessárias mesmo
sem o seu advento. Mas este advento tornou-as de certa forma mais necessárias.” (INCONTRI, 1996,
p.17)
É importante atentar para a ressalva que a autora faz ao concluir sua argumentação. O posicionamento de
Guillermo Orozco Gómez, embora parta de uma premissa semelhante, encerra um pensamento completamente
diferente:
“... temos que deixar de pensar nos meios, temos que pensar nas pessoas, nos sujeitos e isso
mostra que o problema da vinculação da educação com a comunicação não é assunto de
técnica, não é assunto dos meios, é assunto de um projeto educativo, de metodologia
pedagógica, de filosofia educativa.” (OROZCO GÓMEZ, 1998, p.86)
Embora não deva estar centrado exclusivamente nos meios, o projeto educativo não pode ignorar as
potencialidades da tecnologia e as implicações culturais do desenvolvimento tecnológico na sociedade de um
modo geral. A seguinte afirmação de Marcos Palacios, apesar de ter sido feita em um outro contexto, serve de
contraponto ao argumento de Guillermo Orozco Gómez:
“Concordo que a ‘submissão’ à tecnologia, nos termos em que a questão foi colocada, é um
equívoco a ser evitado. No entanto, a afirmação inversa de que ‘a pedagogia nada tem a ver
com o avanço tecnológico’ parece-me igualmente inaceitável, uma vez que faria dessa
atividade a única forma de fazer humano não afetado pelo avanço tecnológico. Parece-me
claro que a Pedagogia, enquanto prática e enquanto campo de reflexão, tem também sua
história, seu desenvolvimento e ‘seus avanços’ (ainda que tal palavra tenha um certo sabor
evolucionista que talvez seja melhor evitar...) e que UM dos elementos concorrentes para tal
desenvolvimento é o ‘avanço’ tecnológico. Para ficar apenas num exemplo e num autor: será
que a invenção da imprensa não teve repercussões sobre a Pedagogia? Marshall McLuhan (A
Galaxia de Gutenberg, Ed. Cia Nacional, S.P., 1965) que o diga... E disse.” (PALACIOS,
2000)
Feitas essas considerações, vejamos as possibilidades que a Internet oferece para a criação de novos
padrões de aquisição e construção dos conhecimentos, ao permitir o uso integrado e interativo de diversas
mídias, a exploração hipertextual de um volume enorme de informações, a simulação e a comunicação à
distância.
A interatividade é o próprio modo constitutivo da rede. Ou seja, a Internet exige uma participação ativa
do usuário, do contrário nada acontece. Como explica VITTADINI (1995), com base na definição oficial
francesa, “...a interatividade (...) é uma peculiaridade de alguns tipos de sistemas informáticos ‘que permitem
ações recíprocas de modo dialógico com outros usuários ou em tempo real com as máquinas’”.2
Esta definição aponta duas formas de interação: uma interação homem-máquina, que ocorre, por
exemplo, quando utilizamos um editor de texto ou qualquer outro software; e uma interação homem-homem,
como é o caso dos bate-papos e listas de discussão via Internet. Ainda podemos considerar uma terceira
possibilidade, que seria a interação máquina-máquina, a exemplo das ferramentas de busca automática.
LEMOS (1997) situa a noção de interatividade em três níveis: uma interatividade social, que marcaria de
um modo geral nossa relação com o mundo e toda vida em sociedade; uma interatividade técnica do tipo
"analógico-eletro-mecânica", que experimentamos ao dirigir um automóvel ou mesmo ao girar a maçaneta da
porta; e outra do tipo "eletrônico-digital", que seria ao mesmo tempo técnica e social.
Segundo Don Tapscott, o campo da educação tem sido, em larga medida, orientado por um modelo de
aprendizado, que el e denomina de “pedagogia da difusão”.
“A leitura, o livro escolar, a lição de casa e a escola são todos analogias para a mídia da
difusão  unidirecional, centralizada e com ênfase em estruturas predefinidas que melhor
satisf arão ao público de massa.

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Tradução minha. No original: “La interatividad (...) es una peculiaridad de algunos tipos de sistemas informáticos ‘que permiten
acciones recíprocas de modo dialógico con otros usuarios o en tiempo real con aparatos’”.
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“Hoje, os métodos pedagógicos e até mesmo os programas educativos de computador baseiam-
se nessa visão de aprendizado transmitido. O professor é basicamente um transmissor. [...] Os
programas não são adaptados a cada aluno, mas desenvolvidos para atender às necessidades
do grau  um tamanho-serve-para-todos, como na difusão.” (TAPSCOTT, 1999, p.126)

No entanto, esse autor também chama a atenção para as exceções, lembrando, inclusive,
do personagem interpretado por Sidney Poitier no filme “Ao mestre com carinho”.
“É claro que muitos professores se esforçaram para ser mais do que apenas transmissores de
informação, avaliadores da assimilação e juízes de desempenho. [...] Quem não se lembra de
pelo menos um professor que nos tenha inspirado a ser melhores; que nos motivou a pensar
diferentemente; que nos permitiu processar e integrar informações de diversos campos; que nos
ajudou a adquirir conhecimentos e valores?” (TAPSCOTT, 1999, p.126)
Na Internet, o acesso à informação pressupõe a navegação hipertextual por uma quantidade quase infinita
de conteúdos, exigindo, portanto, a participação de um sujeito ativo que decide onde quer chegar, que precisa
validar o tempo todo suas fontes, escolher o que vai utilizar, estabelecer uma ordem e determinar o nível de
aprofundamento. O “excesso” de informações na rede não deve ser visto como algo nocivo. Pelo contrário, pode
contribuir para estimular o pensamento criativo, como disse Victor Mirshawka Jr., em uma entrevista sobre a
relação entre caos e criatividade:
“O aluno precisa ter acesso à informação e a muita informação, primeiro para poder descartar
o que é irrelevante. Só se faz isso por comparação. Segundo, para enxergar conexões
relevantes entre coisas díspares ou distantes e transformar a informação em conhecimento. A
capacidade de fazer analogias é o que conduz as pessoas a conceber idéias interessantes e
diferentes. A livre associação norteia as técnicas de pensamento criativo.” (MIRSHAWKA
JUNIOR, 1999)
Em contraposição à “pedagogia da difusão”, podemos vislumbrar uma pedagogia da interação. Esta
última estaria fundamentada tanto na interação entre os sujeitos do processo educativo (alunos-alunos,
professores-professores, professores -alunos), fomentando dinâmicas de aprendizagem cooperativa, inclusive à
distância; como na interação destes com os inúmeros recursos de informação disponíveis na Internet.
O diálogo estabelecido com o ambiente informacional se dá através de um novo tipo de leitura, batizada
de navegação. Segundo COLOMBO (1995, p.240), o hipertexto funciona como uma espécie de parêntese
suspensivo e momentâneo, um modo de proceder em paralelo, que quebraria o encadeamento linear e seqüencial
do discurso. Ao percorrer os múltiplos caminhos possíveis no hipertexto digital  seja on-line, no WWW, ou
off -line, em CD-ROM , o usuário vai saltando de um ponto a outro, sem interromper o fluxo comunicativo, e
instituindo uma ordem lógica própria.
Quando lemos um texto impresso ou assistimos a um filme, também tecemos ligações entre suas
diferentes partes, trechos ou cenas (intratextualidade) e estabelecemos relações com outros textos, imagens ou
situações vividas (intertextualidade). Como diz LÉVY (1996, p.36), “...podemos desobedecer às instruções,
tomar caminhos transversais, produzir dobras interditas, estabelecer redes secretas, clandestinas, fazer emergir
outras geografias semânticas”. Nesse sentido, esse autor afirma que a navegação pelo hipertexto digital é uma
espécie de virtualização da leitura.
“O hipertexto, hipermídia ou multimídia interativo levam adiante, portanto, um processo já
antigo de artificialização da leitura. Se ler consiste em selecionar, em esquematizar, em
construir uma rede de remissões internas ao texto, em associar a outros dados, em integrar as
palavras e as imagens a uma memória pessoal em reconstrução permanente, então os
dispositivos hipertextuais constituem de fato uma espécie de objetivação, de exteriorização, de
virtualização dos processos de leitura.” (LÉVY, 1996, p.43)
Os conceitos de intratextualidade e intertextualidade podem ser aplicados, portanto, ao processo de leitura
de qualquer texto. O grande diferencial do hipertexto informático é o fato de tornar explícita e imediata a

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vinculação entre diferentes níveis de informações, dentro do próprio texto ou com outros documentos, através
dos links. Daí resulta um outro conceito: a multivocalidade.3
“... os links externos e internos permitem dar voz própria a uma nova informação
(multivocalidade), colocando-a em pé de igualdade com a informação textual que a vinculou.
[...] A intratextualidade e a intertextualidade são formas de ampliação do universo
informacional, possibilitando, fora da hierarquia do ‘pé de página’, uma multivocalidade. Essa
multivocalidade (forma de vincular discursos diversos e contraditórios) deve ser explorada em
experiências de educação online, visto que ela é a forma de passar ao aluno versões complexas
sobre um assunto, deixando ao mesmo a possibilidade de efetuar suas próprias sínteses.”
(CARDOSO, LEMOS, PALACIOS, 1999, p.72)
Além de permitir vários níveis de aprofundamento de um mesmo assunto, a Internet possibilita o acesso a
múltiplos pontos de vista e a diferentes referenciais culturais. A rede abriga expressões das mais diversas
culturas, minorias étnicas, religiosas, sexuais e políticas. É nesse sentido que MCCLINTOCK (1997) preconiza o
fim da competição, no âmbito da elaboração dos currículos, entre multiculturalistas e defensores do cânone:
“Nos últimos 500 anos, o currículo tem consistido em levantamentos condensados de assuntos
escalados para encaixar dentro dos livros didáticos ora em uso. A seqüência do currículo não
tem sido uma função do que é valioso na cultura, mas sim o que um limitado conjunto de livros
pode abarcar. Conseqüentemente, a política curricular envolvia uma competição para excluir
os materiais julgados perniciosos e para incluir aqueles considerados essenciais. Essa
competição está no centro do conflito entre multiculturalistas e defensores do cânone. Essa
competição está tornando-se rapidamente sem sentido e desnecessária.” 4
O processo de digitalização, com a conversão de toda informação em códigos binários, tornou possível a
reunião, combinação e hibridização dos diferentes meios, através da conjugação de textos, sons e imagens em
um único suporte. Visto que a tendência de fundo é a interconexão e a integração, LÉVY (1999, p.65) questiona
a pertinência do termo “multimídia”, já que este “...parece indicar uma variedade de suportes ou canais” e não
“...a confluência de mídias separadas em direção à mesma rede digital”.
Mais importante do que operar a simples junção de diferentes modos de representação (música, escrita,
fotografias, imagens em movimento, etc.), o ciberespaço tem como característica distintiva “...a vocação de
colocar em sinergia e interfacear todos os dispositivos de criação de informação, de gravação, de comunicação e
de simulação”. Dessa forma, tende a tornar-se o “...principal canal de comunicação e suporte de memória da
humanidade”, como afirma LÉVY (1999, p.93).
Quais as conseqüências para a educação? A palavra escrita e o discurso verbal, provavelmente, perderão
sua hegemonia em relação a outros modos de comunicação e conhecimento. Seria o fim do logocentrismo? A
multimídia incentivaria os modos artísticos, metafóricos e intuitivos de expressão do pensamento? Pierre Lévy
acredita que sim. Segundo esse autor, “...os ‘ícones’ informáticos, certos videogames, as simulações gráficas
interativas utilizadas pelos cientistas representam os primeiros passos em direção a uma futura ideografia
dinâmica” (LÉVY, 1996, p.50).
“... o pesquisador que faz proliferar os cenários, explorando modelos numéricos (digitais), e a
criança que joga um videogame experimentam, ambos, a escritura do futuro, a linguagem de
imagens interativas, a ideografia dinâmica que permitirá simular os mundos. Antes de
condenar os videogames, os humanistas, os pedagogos, os criadores, os autores, deveriam
valer-se desta nova escritura e produzir com ela obras dignas desse nome, inventar novas
formas de saber e exploração que lhes correspondam, dar-lhes seus títulos de nobreza.”
(LÉVY, 1998b)

3
Sobre os conceitos de intratextualidade, intertextualidade e multivocalidade, ver LANDOW, George.
Hypertext: the convergence of contemporary critical theory and technology. Baltimore: The Johns Hopkins
University Press, 1992.
4
Tradução minha. No original: “For the pas t 500 years, the curriculum has consisted of compressed surveys of
selected subjects scaled to fit within usable textbooks. The scale of the curriculum has not been a function of
what is worthwhile in the culture, but rather what a limited set of books can encompass. Consequently, the
politics of the curriculum involved a competition to exclude materials judged pernicious and to include those
deemed essential. This competion is at the heart of the conflict between multiculturalists and defenders of the
cannon. This competition is rapidly becoming meaningless and unnecessary”.
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Como afirma Lévy, em vez de censurarem o uso de videogames, os pais e educadores deveriam estar
atentos às habilidades que estão sendo desenvolvidas pelas crianças, através do contato com esse tipo de
brinquedo. Os jogos de simulação envolvem uma estratégia pessoal e estimulam a capacidade de solução de
problemas frente a uma variedade de situações.
Técnicas de simulação, semelhantes às dos videogames, têm sido bastante empregadas em atividades de
pesquisa científica, em treinamentos e no meio industrial, uma vez que não implicam riscos e custos elevados,
além de permitirem a exploração rápida de um grande número de hipóteses. Em simuladores, pilotos de avião,
por exemplo, podem testar como agiriam ao enfrentar uma tempestade ou se houvesse um defeito na turbina.
Astronautas podem experimentar a sensação de falta de gravidade.
Simular é fazer “como se fosse real”. Cabe destacar que a simulação é algo que se aproxima da
experiência real, mas não a substitui. Um piloto de avião, em um simulador de vôo, pode exercitar suas
habilidades e a competência para solucionar problemas, mas não está submetido à mesma pressão psicológica
decorrente da responsabilidade de estar realmente conduzindo uma aeronave.
LÉVY (1996, p.58) diz que “...o conhecimento é [...] o fruto de uma aprendizagem, ou seja, o resultado
de uma virtualização da experiência imediata. Em sentido inverso, este conhecimento pode ser aplicado, ou
melhor, ser atualizado em situações diferentes daquelas da aprendizagem inicial”. O mesmo vale para uma
aprendizagem que não resulta da experiência direta. Ou seja, o conhecimento adquirido por simulação também
pode ser atualizado em circunstâncias reais, daí sua importância como recurso pedagógico.
Outra vantagem dos recursos de simulação, na Internet ou em CD-ROM, é suprir as deficiências de
escolas que não dispõem de laboratórios ou do instrumental necessário em sala de aula. Equipamentos utilizados
nas pesquisas mais avançadas, como microscópios eletrônicos e telescópios, podem ser encontrados em vários
sites na rede. Em “A Vida Digital”, NEGROPONTE (1995, p.189-190) dá o seguinte conselho para professores
e alunos: “Não disseque: construa um sapo. [...] Uma vez que o computador pode hoje simular quase tudo, não
se precisa mais dissecar um sapo para aprender sobre ele”. Os pesquisadores do Lawrence Berkeley National
Laboratory parecem ter levado a sério a advertência de Nicholas Negroponte e produz iram um programa 5,
disponível na Internet, inclusive em português, que simula a dissecação de uma rã.
Os recursos de simulação têm aplicações nas diversas áreas de conhecimento e não apenas nas chamadas
ciências naturais. Vejamos um exemplo de aplicação no ensino de história. Em “Thirty-Five Critical Days”6, o
usuário se coloca na posição dos principais líderes políticos, nos 35 dias que antecederam a Primeira Guerra
Mundial. Com base em documentos enviados por diplomatas em Paris, Londres, São Petersburgo, Viena e
Berlim, os representantes dos países envolvidos tomaram decisões que culminaram na eclosão do conflito. Nesta
simulação, cada um faz suas próprias deliberações e pode compará-las às medidas que foram efetivamente
tomadas na época. A partir das escolhas realizadas, o simulador sinaliza os possíveis rumos da História.
As simulações por computador não só podem ser utilizadas nas diversas disciplinas, como também
favorecem sua integração. No SimCity7, um jogo bastante popular entre os jovens, o usuário controla o
crescimento e a manutenção de cidades. Nesta aplicação, uma série de noções são trabalhadas: planejamento
urbano, relações sociais, controle ambiental, capacidade administrativa, entre outras. Esse tipo de jogo estimula o
desenvolvimento de um raciocínio sistêmico ou ecológico e a percepção de dinâmicas complexas, já que a
alteração de um dos fatores do sistema supõe a modificação ou reorganização de todo o conjunto.
De acordo com LÉVY (1999, p.166), as técnicas de simulação prolongam e transformam a experiência de
pensamento, sendo, portanto, “...um modo especial de conhecimento, próprio da cibercultura nascente”. Ele
afirma que “...a capacidade de variar com facilidade os parâmetros de um modelo e observar imediata e
visualmente as conseqüências dessa variação constitui uma verdadeira ampliação da imaginação” (LÉVY, 1999,
p.166).

Aprendizado cooperativo

A Internet não é apenas um meio de informação, mas um meio para a troca de informações, isto é, um
ambiente comunicacional. Ao proporcionar a comunicação à distância e a constituição de um contexto comum

5
http://www-itg.lbl.gov/vfrog/portuguese/dissect.html
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http://idlc.marshall.edu/history/ww1ferd/Default.asp
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Jogo produzido pela Maxis Inc. http://www.simcity.com
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entre indivíduos dispersos no espaço geográfico, a rede oferece possibilidades de criação coletiva distribuída e
favorece processos de aprendizagem cooperativa.
A escola é um espaço gerador de socialização e a comunicação é imprescindível em toda a prática
educativa. Segundo Mário Kaplún, pesquisador latino -americano pioneiro nos estudos que relacionam os campos
da comunicação e da educação, a comunicação não deve ser considerada apenas como um mero instrumento
midiático e tecnológico, mas, sobretudo, como um componente pedagógico.

“... é fundamental ultrapassar esta visão redutora e postular que a Comunicação Educativa
abarca certamente o campo da mídia, mas não apenas esta área: abarca também, e em lugar
privilegiado, o tipo de comunicação presente em todo processo educativo, seja ele realizado
com ou sem o emprego de meios.” (KAPLÚN, 1999, p.68)
As interações em grupo são essenciais para o aprendizado. Esse aspecto é enfatizado pelas teorias
sociocognitivas, que propõem uma pedagogia cooperativa e delegam aos fatores culturais e sociais um papel
decisivo no processo de construção do conhecimento.
Com a massificação do ensino e a existência de um número muito grande de alunos por turma, há cada
vez menos espaço para o diálogo e o intercâmbio de experiências no ambiente restrito da sala de aula. O que
termina predominando, portanto, é o paradigma da “pedagogia da difusão”. KAPLÚN (1999, p.74) rejeita este
modelo e postula que “...educar-se é envolver-se em um processo de múltiplos fluxos comunicativos. O sistema
será tanto mais educativo quanto mais rica for a trama de interações comunicacionais que saiba abrir e por à
disposição dos educandos”.
A utilização da Internet na educação pode ampliar, consideravelmente, “a trama de interações
comunicacionais” de que fala Kaplún. A rede abre novos canais de interlocução, convertendo-se em uma
extensão da comunicação face a face, em vez de substituí -la, como muitos costumam defender. Do mesmo
modo, pode-se dizer que o uso da telemática constitui um prolongamento do ensino presencial  e, nesse
sentido, faz parte deste  e não o seu melhor substituto, como tem sido apregoado por alguns programas de
educação à distância.
A Internet deve ser utilizada, sobretudo, como um meio para que o estudante exercite a auto-expressão e
produza conhecimento. Ou seja, um espaço em que ele pode desenvolver suas habilidades comunicativas,
compartilhar e confrontar seu pensamento, visão de mundo e experiências, enriquecendo-se também com as
contribuições de seus companheiros de navegação. A participação em chats ou listas de discussão, a
possibilidade de apresentar suas idéias e disponibilizar suas produções na rede conferem uma outra motivação ao
estudante, uma vez que ele sabe que outras pessoas vão ler o que ele escreveu, analisar e criticar seu trabalho,
concordar ou não com sua opinião. Certamente, não é a mesma coisa que cumprir uma mera tarefa que será
avaliada apenas pelo professor.
“A comunicação de suas aprendizagens, por parte do sujeito que aprende, apresenta-se assim
como um componente básico do processo de cognição e não apenas como um produto
subsidiário desse processo. A construção do conhecimento e sua comunicação não são, como
costumamos imaginar, duas etapas sucessivas através das quais primeiro o sujeito se apropria
dele e depois o enuncia. São, isso sim, o resultado de uma interação: alcança-se a organização
e a clareza desse conhecimento ao convertê-lo em um produto comunicável e efetivamente
comunicado. Mas para que o educando se sinta motivado e estimulado a empreender o esforço
de intelecção que essa tarefa supõe, necessita destinatários, interlocutores reais: escrever
sabendo que vai ser lido, preparar suas comunicações orais com a expectativa de que será
ouvido.” (KAPLÚN, 1999, p.73-74)
Hoje muito mais importante do que preparar os jovens para que eles tenham uma postura crítica enquanto
consumidores de informação é proporcionar as condições necessárias para que eles próprios sejam produtores de
informação. A tecnologia está à nossa disposição e cabe a nós fazer uso da capacidade de expressão que ela
oferece. A partir desta constatação, surge uma questão que torna-se crucial no campo da educação.
“Estamos descobrindo que o computador não se destina apenas à leitura e ao consumo, mas à
comunicação e à participação, e todo um novo conjunto de responsabilidades nos desafia: o
que queremos dizer e fazer, e que efeito terão nossas palavras e ações sobre a alucinação
consensual?”(RUSHKOFF, 1999, p.206)

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Temos agora não apenas meios que falam, mas também os meios para falar (KAPLÚN, 1999, p.74). O
que os estudantes têm de valioso para dizer? Eles conhecem as propriedades da tecnologia? Com quem irão se
comunicar? Que linguagens irão utilizar? Sobre o que versará a comunicação? É importante lembrar que durante
muito tempo os alunos estavam acostumados a receber informações pré-digeridas e otimizadas. Assistir a uma
aula expositiva exige um compromisso mínimo, ao passo que a interação na rede requer a defesa de argumentos
e tomadas constantes de posição.
A escola tradicional adota um modelo de educação massificante, isto é, nivelado pela média. Os
estudantes são tratados de maneira “entrópica”, já que muitas competências são desperdiçadas e as qualidades
singulares de cada um não são levadas em conta. O conceito de inteligência coletiva proposto por Lévy
apresenta-se como contrapartida ao caráter homogeneizante do sistema educativo convencional. Ninguém sabe
tudo, mas todos sabem alguma coisa e a Internet é um ambiente propício para a sinergia dos diferentes saberes.
Na rede, cada site publicado, cada opinião emitida contribui para enriquecer o patrimônio comum. Vejamos
como PELLANDA (2000, p.140) discute o conceito de Lévy:
“Quando Newton e Leibniz descobriram quase ao mesmo tempo o cálculo infinitesimal ou
diferencial, eles não tinham como saber o que o outro estava fazendo e não podiam trocar
experiências. Isso certamente deu muito mais trabalho, e a ciência poderia sair ganhando se
eles tivessem algum suporte para desenvolver os seus conhecimentos em conjunto. Esse suporte
hoje é o ciberespaço, como nos mostra Pierre Lévy. A idéia do autor francês é que cada um de
nós pode ser um nó na rede e com isso produzirmos conhecimento.”
Novas formas de colaboração estão surgindo a partir das interações via rede. Nesse contexto, as
especificidades de cultura, gênero, raça, religião e nível social devem ser estimuladas e preservadas. A
diversidade torna-se um valor primordial, uma vez que amplia as possibilidades de crescimento intelectual.
“As identidades tornam-se identidades de saber. As conseqüências éticas dessa nova instituição
da subjetividade são imensas: quem é o outro? É alguém que sabe. E que sabe as coisas que eu
não sei. O outro não é mais um ser assustador, ameaçador: como eu, ele ignora bastante e
domina alguns conhecimentos. Mas como nossas zonas de inexperiência não se justapõem ele
representa uma fonte possível de enriquecimento de meus próprios saberes. Ele pode aumentar
meu potencial de ser, e tanto mais quanto mais diferir de mim.” (LÉVY, 1998a, p.27)
Quando se pensa nas vantagens que a Internet proporciona ao trabalho do professor, normalmente, a
primeira a ser citada é seu potencial como fonte de pesquisa. A rede possibilita incursões a bibliotecas e museus
virtuais, visitas a sites especializados sobre todos os tipos de assuntos e o acesso a publicações no mundo inteiro.
No entanto, o ciberespaço não é apenas um meio para pesquisa e busca de material para utilização em sala de
aula, mas, sobretudo, um local privilegiado para a discussão, a colaboração entre os pares e o intercâmbio de
experiências e práticas pedagógicas. Atividades escolares, que até então ficavam confinadas às paredes das
escolas, começam a ganhar visibilidade e dimensão pública. É nesse sentido que Nelson Pretto costuma afirmar
que mais importante do que colocar a Internet nas escolas é colocar as escolas na Internet (PRETTO, 1999).

O desenvolvimento de práticas de aprendizagem colaborativa destaca-se, portanto, como uma das


estratégias mais promissoras de utilização da Internet no campo educativo, implicando modificações substanciais
na cultura escolar e nos papéis de aluno e professor. Conectados em rede, alunos e professores de todo o mundo
podem trocar conhecimentos, realizar trabalhos coletivos, atuar em conjunto na busca de soluções para
problemas comuns e explorar a singularidade cultural das diversas nações e grupos sociais, num rico processo de
aprendizado mútuo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARDOSO, Cláudio, LEMOS, André, PALACIOS, Marcos. Uma sala de aula no


ciberespaço: reflexões e sugestões a partir de uma experiência de ensino pela Internet.
Bahia Análise e Dados, Salvador, v.9, n.1, p.68-76, jul. 1999.
COLOMBO, Fausto. La comunicación sintética. In: BETTETINI, Gianfranco, COLOMBO, Fausto. Las
nuevas tecnologías de la comunicación. Barcelona: Paidós, 1995.
INCONTRI, Dora. Multimídia na educação. Comunicação & Educação, São Paulo, n.7,
p.16-20, set./dez. 1996.
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INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação – Campo Grande /MS – setembro 2001

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