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O que há de radical na teoria

democrática contemporânea
Análise do debate entre ativistas e deliberativos*

Cláudia Feres Faria

O fim do socialismo na Europa Oriental (1989) gência desta agenda, a forma de torná-la plausível nas
deixou marcas consideráveis no pensamento políti- sociedades contemporâneas, marcadas pela comple-
co contemporâneo e, por conseqüência, na teoria xidade, pelo pluralismo, pelos desarcordos profun-
democrática (Grodnic 2005). Sob a perspectiva do dos e pela crescente desigualdade, não é consensual.
“fim da história” e do triunfo do capitalismo demo- Enquanto autoras como Mouffe (1992, 2000), entre
crático liberal, tal como praticado nos países ociden- outras, endossam a reformulação da tradição liberal
tais, a agenda teórica dos democratas radicais passou mediante o abandono das premissas individualistas e
por mudanças importantes, cuja ênfase passa a ser racionalistas, bem como da recuperação da dimensão
“a radicalização da tradição democrática moderna” e da participação ativa e do pluralismo, autores como
não mais a idéia de substituição completa da ordem Cohen e Fung (2004), partindo também da defesa
política vigente (Mouffe, 1992; Bohman, 1996). desta mesma tradição, apóiam sua reformulação com
Se, por um lado, podemos identificar na idéia base no aumento não só das práticas participativas,
de radicalização da democracia um ponto de conver- mas também das práticas deliberativas, cuja ênfase
recai no debate e na discussão racional que precede
* Agradeço os comentários feitos pelos participantes do e justifica as decisões alcançadas (Habermas, 1997;
grupo de trabalho de Teoria Política da ABCP-2008,
bem como as sugestões críticas elaboradas por dois Benhabib, 1996; Bohman, 1996; Dryzek, 2001;
pareceristas anônimos. Os erros remanescentes são de Gutmann e Thompson, 2004).
minha inteira responsabilidade. A defesa da ampliação da participação, assim
Artigo recebido em novembro/2008 como o anseio por mais deliberação não consti-
Aprovado em março/2010 tuem novidades para a teoria política, uma vez
RBCS Vol. 25 n° 73 junho/2010

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que dos gregos aos liberais do século XIX tal ar- sível afirmar que o termo deliberação designa, para
gumento esteve sempre presente (Bohman, 1998). este autor, um “ato intersubjetivo de comunicação
Entretanto, em um contexto sociopolítico radical- e argumentação, cujo o objetivo é alcançar um con-
mente diferente, caracterizado, entre outras coisas, senso sobre a solução para determinado problema
pela extensão universal do sufrágio e pela progres- social” (1997, p. 305). Para tanto, a deliberação
siva restrição aos espaços deliberativos (Fishkin e envolve: (a) argumentação, ou seja, intercâmbio re-
Luskin, 2005), o debate estabelecido no interior do gulado de informações e de razões entre partes que
campo teórico e prático dos democratas radicais em introduzem e examinam criticamente propostas;
torno das possibilidades inclusivas das democracias (b) publicidade e inclusividade: ninguém pode, a
contemporâneas constitui uma novidade que mere- princípio, ser excluído. Todos aqueles que são pos-
ce ser analisada. sivelmente afetados pelas decisões devem ter chan-
Se, de um lado, ativistas1 e deliberativos identi- ces iguais de tomarem parte de sua elaboração; (c)
ficam-se em relação ao endosso e, simultaneamente, ausência de coerção externa: os participantes são so-
aos limites da democracia liberal contemporânea, beranos na medida em que só se encontram vincu-
de outro, divergem quanto aos melhores mecanis- lados aos pressupostos da comunicação e às regras
mos para radicalizá-la. Analisar este debate consti- procedimentais de argumentação; (d) ausência de
tui objeto deste artigo. coerção interna: cada participante tem oportunida-
Começaremos analisando a constituição da de igual de ser ouvido, de introduzir novos tópicos,
agenda teórica dos democratas deliberativos. Para fazer propostas e contribuições, assim como de cri-
tal, na primeira seção, buscaremos retratar os diver- ticar aquilo que foi proposto. A tomada de posição
sos significados que o termo deliberação vem assu- sim/não é motivada somente pela força do melhor
mindo. Na segunda seção, analisaremos os princípios argumento; (e) acordos racionalmente motivados que
normativos que guiam essa diversidade semântica. podem ser, a princípio, desenvolvidos sem restri-
Mostraremos em seguida, na terceira seção, como ções ou retomados em qualquer momento. Não
os deliberativos, cientes que são da necessidade dos obstante, as deliberações devem ser concluídas le-
métodos convencionais de construção da decisão vando em conta a decisão da maioria. Devido ao
política – o voto, as eleições, a organização da vida seu nexo interno com a prática deliberativa, a regra
política em partidos, a regra da maioria etc. – nas da maioria justifica o pressuposto de que a opinião
sociedades de massa, buscam democratizar tais mé- da maioria pode ser considerada uma base razoável
todos. Na quarta seção, as críticas dos ativistas a esta para uma prática comum, até que a minoria con-
agenda de pesquisa será analisada. É possível adian- vença a maioria do contrário; (f ) regulação de todos
tar, entretanto, que elas se concentram, primordial- os assuntos tendo em vista o interesse igual de todos.
mente, na possível ingenuidade dos deliberativos Isto implica que certos temas e objetos, tradicional-
quanto às potencialidades da prática discursiva em mente considerados “privados”, possam ser subme-
incluir novas vozes ao processo democrático das so- tidos à discussão. Em particular, aquelas questões
ciedades contemporâneas (Sanders, 1997; Young, que são publicamente relevantes, pois dizem respei-
2000, 2001a; Dryzek, 2001; Mouffe, 2000). Por to à distribuição desigual de recursos sobre os quais
fim, na seção conclusiva, buscaremos apontar, a depende, de fato, o exercício dos direitos de comu-
partir do diálogo estabelecido entre deliberativos e nicação e participação; (g) extensão das deliberações
ativistas, as possibilidades da radicalização da demo- políticas à interpretação de necessidades e à transfor-
cracia nestas mesmas sociedades. mação de preferências e enfoques pré-políticos. Aqui,
a força consensual dos argumentos não se apóia em
um acordo sobre valores previamente desenvolvi-
A diversidade semântica do termo deliberação dos nas tradições e formas de vida comuns. Este
“procedimento ideal de deliberação e de tomada de
Tomando Jürgen Habermas como um dos decisão” pressupõe uma associação que concorde em
principais expoentes da agenda deliberativa é pos- regular imparcialmente as condições de vida comum

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de seus cidadãos, uma vez que aquilo que os agrupa (1996, p. 32). Segundo o autor, o diálogo público é
será, em último termo, o laço lingüístico com capa- possível mesmo quando não existe acordo unânime
cidade de manter a coesão de qualquer comunidade entre os partícipes ou quando os interlocutores não
de comunicação (Idem, pp. 305-306). se encontram face a face. Na visão de Bohman, a
Embora Habermas tenha se baseado nas contri- deliberação é mais uma atividade cooperativa e pú-
buições de Cohen (1989) para elaborar os elementos blica do que discursiva e argumentativa.
constitutivos da deliberação pública, o autor discorda Por que o diálogo e não a discussão? Para Boh-
da amplitude que Cohen atribui ao processo deli- man, a análise do diálogo está interessada em como
berativo. Diferentemente deste, Habermas reserva a a interação pública produz os efeitos práticos nos
prática discursiva para a esfera pública e para partes participantes que elaboram razões convincentes, ao
do sistema político, notadamente o parlamento e o passo que a análise do discurso está interessada nos
poder judiciário (Habermas, 1997). Ao limitá-la a argumentos e nos tipos de justificação que possam
esses “espaços”, sem preocupações mais fáticas com ser publicamente convincentes.2 Ademais, a versão
a eficácia dessa prática na condução dos poderes ad- discursiva oferecida por Habermas busca recons-
ministrativo e econômico, o autor torna-se alvo de truir, ainda segundo este autor, os ideais de conver-
críticas referentes ao alcance inclusivo do modelo gência, unanimidade e imparcialidade em termos
operacional de democracia deliberativa por ele pro- políticos. Esses ideais não são necessariamente os
posto (Fraser, 1996; Bohman, 1996; Cohen, 1998). pressupostos da discussão democrática ou da argu-
É exatamente a preocupação com a operacio- mentação pública (Idem, p. 34).
nalização prática da deliberação que Bohman, em A explicação alternativa de Bohman – o pro-
seu debate com as contribuições habermasianas, re- cesso dialógico – parte do pressuposto de que a pu-
define a deliberação como blicização não consiste no conhecimento pleno de
todos os interesses e de todas as razões relevantes.
[...] uma atividade social incorporada na ação Ela é uma forma particular pela qual se oferecem
social do diálogo. Ou seja, [o ato de] oferecer razões e se obtêm respostas via comunicação.
e receber razões que ocorre em um contexto
social específico, em face de uma situação pro- Oferecer uma razão é demandar uma resposta
blemática na qual a coordenação se rompe e é de outros; se a audiência dessa resposta é geral
retomada quando os atores são capazes de coo- e não restrita, tanto a razão, como a audiência
perar novamente (1996, p. 33, grifo meu). para qual ela é dirigida podem ser consideradas
públicas. Tal público se difere do coletivo na
Os objetivos do ato deliberativo não se limi- medida em que a comunicação generalizada na
tam, aqui, à busca do consenso entre os pares, mas esfera pública não requer qualquer comparti-
à tentativa de resolver as situações problemáticas lhamento de crenças e valores de primeira or-
(conflitos), restaurar a cooperação entre os atores e dem. [...] A esfera pública não precisa de uma
coordenar seus resultados. Nesse sentido, para que consciência coletiva, nem de uma comunidade,
a deliberação se desenvolva basta que os participan- embora ambas possam emergir da prática pú-
tes reconheçam que eles contribuem e influenciam blica. Entretanto, para sustentar essa esfera pú-
os resultados, mesmo discordando deles. O resulta- blica e esse processo de reflexão temporalmente
do de uma decisão passa a ser aceitável “quando as é necessária uma estrutura comum: uma estru-
razões por trás dela são suficientes para motivar a tura de convenções formal e informal, acordos
cooperação de todos” (Idem, ibidem). e leis explícitas que tornem possível a delibe-
Diferente de Habermas (1997), Bohman con- ração pública. Essa própria estrutura deve ser
sidera a deliberação mais como uma forma de diá- garantida pela razão pública e deve possibilitar
­logo do que uma forma de discurso. “É por inter- a própria deliberação. Para cumprir tal tarefa,
médio do diálogo que as capacidades para o ato ela deve estar aberta às novas razões e revisões
deliberativo podem ser exercidas conjuntamente” (Idem, p. 46).

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A mudança do discurso para o diálogo, na versão vez que não endossam somente uma visão proce-
deliberativa apresentada por Bohman, já considera dimental da deliberação, mas buscam reconciliá-la
algumas das preocupações que iremos encontrar nas com uma abordagem mais substantiva. Afirmam,
críticas dos ativistas ao suposto caráter elitista da prá- também, que a deliberação pode conviver com ou-
tica deliberativa. A alternativa apresentada pelo autor tras formas de tomada de decisões, desde que o uso
visa diminuir as “exigências epistêmicas” contidas no dessas formas seja, em algum momento do proces-
ato discursivo quando se tenta ampliar as chances de so deliberativo, publicamente justificado. Mas acre-
participação daqueles que desejam conformar a deli- ditam que a deliberação, comparada aos métodos
beração pública, ou seja, as chances inclusivas. agregativos de decisão, pode diminuir os efeitos
Dryzek apresenta uma outra alternativa para discriminatórios oriundos das relações de classe,
buscar ampliar as chances inclusivas da prática de- gênero e raça, pois pode tornar público o uso inde-
liberativa ao defini-la como um “um tipo de comu- vido de determinados meios, como, por exemplo,
nicação que induz, de forma não coercitiva, a refle- poder e dinheiro. Não obstante, concordam com a
xão sobre as preferências dos atores sociais envolvidos” sugestão dos ativistas, como veremos adiante, que
(2001, p. 2, grifo meu). algumas formas de ação pública, como a passeata e/
É neste sentido que o autor, em contraposição ou o boicote, podem se tornar mais eficientes para
à Habermas, Cohen e Bohman e junto com Young forçar os limites da política (Idem, pp. 65-67).
e as democratas da diferença, defende não só o dis- Por fim, Manin define a deliberação como “o
cursso racional como meio da deliberação autênti- processo de formação da vontade, o momento que pre-
ca, mas também outras formas de expressão como cede a escolha por meio da qual os indivíduos ponde-
a retórica, a emoção, o humor, a fofoca e o teste- ram soluções diferentes antes de chegar a uma delas”.
munho. Dryzek acredita que tais formas podem ser Assim, a deliberação configura, para ele, “um proces-
indutoras de maior inclusão política. Não obstante, so de formação das preferências mediante informações”
ainda que elas devam ser consideradas, na visão do (1987, p. 345, grifos meus). A fonte da legitimi-
autor a discussão racional permanece central para dade dessas decisões não residiria na vontade pre-
a democracia deliberativa, na medida em que a va- determinada dos indivíduos, mas no processo de
lidade inclusiva das outras formas de comunição formação desta mesma vontade, que é, segundo ele,
aludidas requer comprovação empírica. a própria deliberação.
Para assegurar a pluralidade de identidades, Embora Manin, assim como Cohen, tenha
próprias às sociedades contemporâneas, Dryzek su- contribuído sobremaneira para divulgar o termo na
gere ainda que a esfera pública seja pensada como última década do século passado (Dryzek, 2001), é
“uma arena de contestação de discursos sobrepostos” possível afirmar que a forma como ele desenvolve o
cujo resultado no sistema político nem sempre é termo no interior da teoria democrática o distingue
decisivo, mas que, em determinados momentos, faz dos demais, notadamente J. Habermas.
diferença e induz mudanças no contéudo da po- Em primeiro lugar, Manin discorda, assim
lítica pública (Idem, p. 73). Dessa forma, o autor como Bohman, que o acordo racionalmente mo-
também busca oferecer uma outra resposta para a tivado sobre as normas morais e políticas, produ-
questão da deliberação como busca de consenso ou zidas pela deliberação, tome a forma de um con-
acordo unânime entre as partes. senso unânime entre as partes envolvidas. Para ele,
Em Gutman e Thompson, a deliberação é de- dada as regras procedimentais apropriadas para a
finida como “o ato de justificar as decisões tomadas deliberação, o melhor argumento é aquele que gera
pelos cidadãos e por seus representantes. O que carac- maior apoio e não aquele capaz de convercer to-
teriza a deliberação é aqui a exigência por justifica- dos os participantes (1987, p. 353). Segundo, ele,
ção que pode assumir contornos processuais e/ou diferentemente de Habermas e da maior parte dos
substantivos” (2004, p. 3, grifo meu). Nesse sen- autores supracitados, na medida em que atribui aos
tido, estes autores estabelecem um diálogo com os partidos o local próprio à deliberação nas socieda-
procedimentalistas como Habermas e Cohen, uma des complexas, afirma que

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[...] a contribuição dos partidos para a demo- 17). Com isso, não se espera também a formação
cracia deriva do fato de que eles permitem a de um consenso, mas de uma relação pautada pelo
deliberação de todos sobre matérias já relativa- respeito mútuo.
mente determinadas. A existência de partidos O caráter duplamente público da justificação
políticos é, assim, essencial para a deliberação. defendido pelos autores – ela deve ocorrer em pú-
Os partidos enfretam-se, e o processo argu- blico e não na privacidade, assim como deve ser
mentativo é submetido ao arbítrio de todos acessível, isto é, aqueles que tomam parte desse
(Idem, p. 359). processo devem entender o conteúdo da discus-
são  – qualifica ainda mais a presunção de a de-
Dessa forma, embora crtiticando o pressuposto liberação ensejar simultaneamente a publicidade
das preferências e dos interesses previamente dados, e a inclusividade. O que Gutmann e Thompson
assumido pelos pluralistas tradicionais, Manin, estão defendendo com a preocupação em tornar o
como estes, defende as instituições convencionais conteúdo das discussões acessíveis é que todos os
da democracia liberal representativa como os me- envolvidos sejam capazes de tomar parte do pro-
lhores locais para o desenvolvimento da deliberação cesso em curso. Neste caso, mesmo que o entendi-
pública. Nesse caso, ele se diferencia dos autores mento sobre as questões em pauta não seja com-
aqui analisados, os quais, embora não desconside- pleto, presume-se que a deliberação possa induzir
rem a representação política como mecanismo de uma compreensão individual e coletiva maior em
inclusão e de tomada de decisão, não consideram função da disseminação pública de informações
os partidos um ator privilegiado, dando maior ên- acerca do problema em debate.
fase à participação extra-institucional3. Esta é considerada uma das funções da esfera
pública habermasiana que, como se sabe, deve atu-
ar como uma caixa de ressonância dos problemas te-
Elementos constitutivos da deliberação matizados na sociedade, possibilitando a circulação
de diferentes pontos de vistas sobre questões rele-
Em que pese a diversidade semântica do termo vantes para a coletividade.
deliberação, é possível afirmar que todas as concep- O controle público também deriva desta exi-
ções retratadas retêm, em suas elaborações, os mes- gência de justificação das ações para o público en-
mos elementos constitutivos. volvido. Segundo Bohamn, todas as vezes que as
Desde a publicação de Legitimation crisis (1973), expectativas e/ou a coordenação da ação quebram,
Habermas já ressaltava que a fonte de legitimidade espera-se uma justificação pública e uma presta-
de um governo se encontra no julgamento coletivo ção de contas caso se queira reconstituir a relação
das pessoas. Uma vez que os cidadãos de uma comu- em desenvolvimento. Mas, novamente, não basta
nidade política não devem ser tratados como objeto só prestar contas, a justificação pública precisa ser
das decisões, como sujeitos passivos dos governos, inteligível e capaz de responder às objeções dos ou-
eles devem não só debater os diversos motivos que tros; caso contrário, o espaço público corre o risco
conformam uma decisão, mas também solicitar que de se esvaziar (1996, p. 50).
seus representantes o façam. Pretende-se, assim, pro- No que diz respeito à justiça, neste caso proce-
duzir decisões justificadas e, ao mesmo tempo, ex- dimental, afirma-se que a deliberação, mesmo sob
pressar o respeito ao outro. condições injustas, contribui mais para a eliminação
Como mostram Gutmann e Thompson, o res- das mesmas do que outras formas de comunicação.
peito ao outro deriva do reconhecimento, ensejado Ao publicizar tais situações, a deliberação pode vir
pelo ato deliberativo, do “mérito moral presente a constranger as ações dos grupos socialmente do-
nas exigências dos oponentes”. Segundo os auto- minantes, ao passo que determinados tipos de ne-
res, não se trata de compatibilizar valores incom- gociação, como a barganha, por exemplo, tendem
patíveis, mas ajudar os partícipes a reconhecerem o a reproduzir as desigualdades em jogo (Dryzek,
valor contido nas pretensões dos outros (2004, p. 2001).

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Relação entre deliberação e representação razões, independentemente da existência de desa-


cordos entre eles (2004, p. 26).
De uma forma geral, os deliberativos aqui
analisados aceitam que a maioria das decisões de-
mocráticas sejam tomadas por representantes, mas Limites inclusivos da democracia deliberativa
defendem formas alternativas de participação po-
pular que melhorem a qualidade da deliberação e a Um dos campos comuns de crítica à teroria de-
justiça da representação. Dado que os mecanismos liberativa encontra-se entre autores que comparti-
formais de tomada de decisão não exaurem as pos- lham uma visão agregativa da democracia, cuja ên-
sibilidades democráticas nas sociedades complexas fase recai nos interesses dos indivíduos e na forma
e pluralistas e nem resolvem problemas que su- de agregá-los com o objetivo de alcançar decisões
põem resolver – melhorar a qualidade da opinião vinculantes.5 Tornou-se conhecida a coletânea or-
pública, coordenar as diferentes preferências, ofe- ganizada por Elster em que o autor, entre outros,
recer chances iguais de vocalização das mesmas –, afirma, em debate com as formulações de Haber-
os deliberativos apostam na pluralidade de espaços mas (1987, 1996), que “a tomada de decisão co-
deliberativos com graus de influência diferenciados letiva por indivíduos livres, iguais e racionais não
no sentido de que possam contribuir para qualificar necessariamente precisa tomar a forma de delibe-
a representação. ração” (1998, p. 111). Existem outras maneiras de
Dessa forma, parafraseando Miguel (2003), é se alcançar tais decisões, como a barganha e o voto,
possível afirmar que uma terceira dimensão da re- cujo uso depende do fator “tempo”, crucial no pro-
presentação emerge para além da autorização e do cesso de constituição de decisões vinculantes. Além
controle público vertical. Ela reside exatamente na do constrangimento temporal, este autor conside-
possibilidade de publicização de novos temas por ra a barganha e o voto, sem comunicação prévia,
tais esferas múltiplas.4 Ademais, esses espaços têm o formas superiores de se alcançar decisões coletivas
potencial de informar os representantes que, espe- quando comparadas ao debate nos fóruns públicos.
ra-se, “não decidam somente entre si, mas que co- Para ele, a publicização, tão enfatizada pelos de-
muniquem e ouçam seus representados por outros mocratas deliberativos, no processo de deliberação
meios que não somente o voto ocasional” (Gutman constitui tão-somente uma
e Thompson, 2004, p. 30).
A participação nos espaços deliberativos seria, [...] força cilizatória da hipocrisia, uma vez que
assim, indutora não só de mais oportunidades para induz e constrange os interlocutores a escon-
os cidadãos tomarem parte da deliberação, mas tam- derem seus motivos básicos (a maximização de
bém do desenvolvimento das virtudes da cidadania, seus interesses privados), embora não os elimi-
incentivando-os a considerarem questões políticas nem. Assim, a força civilizatória decorrente da
de maneira mais pública. Ou seja, ao defederem a publicização, ao mascarar os interesses priva-
autonomia política com base na troca de razões, os dos como se fossem públicos, ofereceria um ar-
deliberativos não esperam que os grupos de inte- gumento second-best para a deliberação (Idem,
resses desapareçam como forças políticas, mas pre- ibidem).
tendem tão-somente assegurar que o argumento
político e os apelos por interesses sejam estrutura- Pretende-se aqui explorar, entretanto, um ou-
dos de forma mais pública, levando em considera- tro conjunto de críticas, qual seja, aquelas elabora-
ção valores como justiça, igualdade e generalização das pelos autores que se auto-intitulam democratas
dos ganhos. Quando tais valores são levados a sério radicais, ou seja, que defendem a ampliação da in-
pelos cidadãos, as decisões deixam de ser somente clusão política, seja por meio da presença ativa de
produtos do poder e dos interesses e passam, segun- grupos e movimentos nos processos decisórios das
do Cohen e Fung, a serem vistas também, por estes sociedades contemporâneas, seja por meios delibe-
mesmos cidadãos, como um guia de suas próprias rativos, requerendo para tal uma “soberania popular

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desubstancializada” como sugere Habermas (1997). tica do que com a qualidade das razões apresentadas
Tal “campo” tem como pais inspiradores um con- para justificar as preferências dos atores. Os delibe-
junto de autores que vão de Aristóteles e Rousseau rativos, por sua vez, estão mais preocupados com a
a Dewey e Arendt (Bohamn, 1998, p. 401; Cohen qualidade da discussão e da interação que irão gerar
e Fung, 2004, p. 25). as escolhas políticas (pp. 450-451). Cohen e Fung
Uma das críticas que conformam este “cam- (2004), assim como Fishkin (1991), identificam
po” diz respeito ao suposto estreitamento da agen- uma tensão entre participação e deliberação. Segun-
da de pesquisa dos democratas radicais em decor- do os autores, melhorar a qualidade da deliberação
rência de uma possível acomodação aos fatos da e expandir a participação constitui objetivos contra-
realidade social, principalmente o argumento da ditórios. Passeatas, demonstrações, referendos, recall
complexidade social próprio às sociedades con- etc. são mecanismos que promovem a participação
temporâneas (McCarthy, 1985). ampla, mas não a deliberação. Ao mesmo tempo,
Ao contrário dos democratas agregativos, al- fóruns menores são mais propícios à deliberação,
guns desses autores veêm com bons olhos “o ideal mas operam à custa do insulamento do público ge-
da democracia baseada na discussão” (Young, ral (Cohen e Fung, 2004, pp. 26-27).
2001a; Mouffe, 2000), mas apontam um conjunto Sanders (1997), Gould (1996) e Young (2001a),
de limitações. Uma delas diz respeito ao arrefeci- entre outras, identificam na exclusão política uma
mento do potencial crítico da própria teoria. das principais limitações da democracia deliberativa.
Para alguns autores, os deliberativos, embora Mas, não se trata de desconsiderar os fatos da com-
não descartem por completo a perspectiva partici- plexidade social e advogar pela extensão da participa-
pativa, ou seja, aquela centrada na trasformação da ção, mas de criticar a exclusão de uma série de vozes
sociedade e de suas instituições por meio da partici- em função da defesa de um tipo particular de inte-
pação ativa e direta dos cidadãos em diversos locais ração política – a deliberação – supostamente racio-
(Pateman, 1986; Macpherson, 1987), não a endos- nal e neutra (Dryzek, 2001, p. 58). Por isto Young
sam mais em defesa de uma abordagem considera- (2001b) sugere outras formas de expressão – a sau-
da reformista, que busca mostrar os potenciais e os dação, a narrativa, a retórica, o testemunho – bem
limites do emprego público e autônomo da razão como formas de ação direta – o boicote, a demos-
prática. O objetivo é promover iniciativas demo- tração pública, as passeatas – para se contrapor ao
cráticas, dentro ou fora do Estado, que tornem os discurso racional e supostamente neutro, próprio do
procedimentos usuais de tomada de decisão mais ato deliberativo.6
abertos à interferência do público por meio da ra- Young (2001b), ao estabelecer um diálogo en-
zão pública (Hauptmann, 2000). Essa defesa tem tre os democratas ativistas – entre os quais ela se
como pano de fundo a consideração dos fatos da inclui – e os democratas deliberativos, ressalta qua-
complexidade social e seus limites à uma partici- tro diferentes críticas à teoria deliberativa que re-
pação mais ampla. Os cidadãos passam, portanto, sume a agenda crítica dos autores supracitados: (1)
a participar somente daquilo que os interessam em os procedimentos deliberativos são excludentes; (2)
esferas públicas múltiplas e a exigir, de resto, justifi- o pressuposto da inclusão formal não é suficiente;
cativas públicas para os atos de seus representantes (3) as alternativas são limitadas; e (4) a deliberação
e/ou autoridades (Warren, 2002). baseia-se em um discurso hegemônico.
Papadopoulos e Warin (2007) argumentam, Em geral, a autora afirma que a recomendação
com propriedade, que, embora participativos e de- dos deliberativos para que os cidadãos engajem em
liberativos almejem melhorar a qualidade da vida uma discussão racional e repeitosa com outros que
pública, eles o fazem por meios diferentes. Os par- eles discordam é, no mínimo, ingênua e ideal. No
ticipativos defendem o envolvimento direto, amplo mundo real, as deliberações – discussão e decisão
e sustentado dos cidadãos nas questões públicas. – ocorrem às portas fechadas, entre elites que re-
Preocupam-se, assim, mais com a inclusão como presentam segmentos estruturalmente dominantes,
condição para a efetividade e a legitimidade da polí- possuindo, assim, grande influência sobre o proces-

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so discurssivo e as decisões alcançadas. Dessa for- pla da geração e influência da opinião pública. [...]
ma, defendem os ativistas, a promoção da justiça Para isto, além do engajamento na discussão com
social não pode prescindir da atividade de oposi- os outros, é necessário também protestar e engajar-
ção crítica. Mais do que o acordo entre aqueles que se em ações diretas”. Em que pese a tensão existente
apoiam as estruturas de poder existentes é neces- entre essas duas formas de ação, a autora assegu-
sário confrontá-los em espaços públicos através de ra que elas podem ocorrer juntas e promover uma
manifestações públicas, como passeatas, boicote e opinião pública mais crítica, conformando, assim,
outras ações diretas (Idem, p. 672). um outro campo da democracia radical denomina-
Ademais, em sociedades estruturadas por desi- do por Fung (2005) de ativistas deliberativos. Tal
guladades sociais e econômicas profundas, os proces- perspectiva ocorrerá sempre que “a força do melhor
sos deliberativos, formalmente inclusivos, sofrerão argumento” não for suficiente para estabelecer uma
destas mesmas tendências e serão comprometidos deliberação justa e inclusiva.
pela ação de atores que dominarão tanto os proce-
dimentos como os espaços deliberativos com seus
próprios interesses, embora utilizem argumentos ra- À guisa de conclusão
cionais e se disponibilizem a entrar no debate. Des-
sa forma, os ativistas prescrevem a não participação Como apontado na introdução deste artigo, os
nestes espaços com o objetivo de não legitimá-los democratas radicais buscam, antes de mais nada, de-
e, defendem o protesto e a crítica ao processo em mocratizar a democracia liberal, mesmo que sacrifi-
curso que envolve desde a elaboração da agenda até quem o ideal transformador das sociedades liberais e
os resultados finais dos fóruns públicos discurssivos dos princípios que a guiam. Os acontecimentos do
(Idem, p. 679). fim do século passado contribuíram em muito para a
Ainda segundo Young, os defensores dos pro- mudança nesta agenda teórica.
cedimentos deliberativos parecem não atentar para Tal constatação não nos exime de questionar
os constrangimentos estruturais e institucionais que até que ponto o diálogo aqui retratado entre deli-
limitam as alternativas políticas nas democracias berativos e ativistas ajudam a moldar os objetivos
reais. Na maior parte do tempo, afirma a autora, os almejados pelos democratas radicais. Começaremos
políticos operam sobre alternativas limitadas que são por afirmar que os deliberativos contribuem para
produzidas e apoiadas pela desigualdade estrutural. esta agenda ao buscarem superar os limites da tradi-
Por fim, uma última limitação apontada pelos ção liberal em pelo menos três campos: o controle
ativistas e também derivada da desigualdade estru- público mais autêntico, a ampliação da igualda-
tural diz respeito à influência de um mesmo tipo de de formal e a autonomia política (Cohen e Fung,
discurso, o hegemônico, nos espaços deliberativos. 2004). Os ativistas, por sua vez, ao denuciarem os
Se tais discursos estruturam o proceso deliberati- possíveis vícios elitistas da democracia deliberativa
vo, o acordo alcançado não pode ser considerado recuperam a dimensão social e participativa que
genuinamente livre dado que é, pelo menos par- pode estar ausente na discussão sobre a deliberação.
cialmente, condicionado por eles. Se esses discursos Assim, as dimensões deliberativa e participativa da
estão contaminados por relações de poder injustas, democracia, embora partindo de pressupostos dife-
os acordos atingidos irão mascarar exatamente tais rentes, como já apontado, oferecem aos cidadãos,
relações. O prognóstico, portanto, é desafiá-los, que assim desejarem, oportunidades adicionais de
bem como os processo deliberativos nos quais eles treinamento e aprendizado político, capacitando-
ocorrem. Isto se realizaria por meios não discurssi- os a julgarem com mais propriedade os méritos das
vos, ou seja, por outros formas de expressão e ação leis e das políticas produzidas. Ademais, tal pers-
que não a argumentação (Idem, p. 687). pectiva, ao defender simultaneamente a delibera-
O que Young (2001a, 2001b) defende com as ção e a participação em espaços públicos formais
críticas descritas é mudar “da simples disposição de e informais, impactam positivamente a questão da
dar e ouvir razões para uma compreensão mais am- igualdade formal. Ao defender que a legitimidade

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O que há de radical na teoria democrática contemporânea  109

das leis e da política deriva da “força do melhor ar- mas da política deliberativa: para Bohman, o discurso
gumento” e não do status social dos partícipes na demanda mais que o diálogo, pressupondo acordos
confecção das mesmas, os democratas radicais estão unânimes sobre regras básicas e padrões de justifica-
propondo uma prática social que poderá nos sevir ção racional e, assim, só se torna aberto, em princípio,
quando os pressupostos requeridos para a participa-
de escala comparativa para julgar em que medida
ção ativa dos cidadãos sejam muito altos. Já o diálogo
a participação está assentada em hieraquias sociais não requer expertise epistêmica específica, tornando-se
e políticas dadas ou na constestação de um públi- aberto a todos os cidadãos que desejam formatar o
co organizado em bases sociais mais amplas do que resultado da deliberação (1996, p. 57).
aquelas promovidas pela força do dinheiro e do po- 3 Plotke (1997), assim como Urbinatti (2006), ofere-
der. Por fim, ao elaborarem razões e justificativas ce uma vinculação interessante entre práticas sociais
para soluções de problemas comuns, os cidadãos e instituições ao repensar a representação como um
participantes apropriar-se-iam destas mesmas leis e conceito relacional que vai muito além da represen-
das políticas que os vinculam. Se é verdade que as tação eleitoral.
críticas dos ativistas fazem sentido, principalmente 4 Seguindo Dryzek (2001, 2006) e Benhabib (1996),
aquelas derivadas das desigualdades estruturais que esta é uma justificativa plausível para não abordarmos
podem resultar no “elitismo cognitivo”, sua solução neste artigo autores como J. Rawls ou B. Arkeman,
não precisa prescindir da deliberação, mas pode ser mesmo reconhecendo a centralidade deles na discus-
encontrada em políticas que envolvam tanto a di- são sobre deliberação pública. Ou seja, a deliberação
guiada pelo uso público da razão ocorre, para estes au-
mensão participativa como a deliberativa, uma vez
tores, em espaços sociais restritos, preferencialmente
que a própria forma de decidir sobre como utili-
nas instituições do governo, sobretudo no Legislativo
zar tais dimensões deve estar assentada em meios e no Judiciário. Somente em ocasiões particulares tais
discursivos. Tal como Chambers (2003) apontou fronteiras serão extrapoladas. É possível chamar aten-
em relação às escolhas sobre diferentes formas de ção ainda para o fato de que Rawls desconsidera o as-
comunicação a serem utilizadas em diferentes con- pecto interativo (intersubjetivo) da deliberação, sendo
textos sociais e políticos, aqui, também, os tipos de a razão pública alcançada por meio de uma reflexão
atuação dos democratas radicais podem ser defini- estritamente individual.
dos mediante o debate entre as partes envolvidas. A 5 Enquanto a versão agregativa da democracia busca
opção pelo metódo discursivo é considerada prio- formas de decisão eficientes que retratem a agrega-
ritária, mas, uma vez que as condições ou os opo- ção de interesses e preferências individuais que são
nentes o rejeitam – seus procedimentos e os valores privadamente formadas, a versão deliberativa da de-
nele contidos –, é possível recorrer a outras formas mocracia preocupa-se, como vimos, com a autentici-
dade e com a justificação das decisões por meio de
de ação. Não obstante, qualquer que seja a escolha
razões. Mas, como lembra Araújo, “não são quaisquer
é fundamental, a meu ver, que ela seja guiada pelo razões, mas aquelas que fundamentam a decisão no
princípio da justificação pública, possibilitando, bem comum”. Para tal, é necessário que os atores se
assim, resgatar parte do ideal deliberativo mesmo comuniquem, estabelecendo uma interação que não
quando as circunstâncias lhes forem hostis. busca apenas tornar público seus interesses, mas tam-
bém obter um entendimento mútuo (2004, p. 160).
Nesse sentido, a racionalidade própria à versão delibe-
Notas rativa de democracia é a discursiva, própria ao fórum,
e não a racionalidade estratégica, própria ao mercado.
1 Seguindo a definição de Mansbridge, ativistas são A crítica dos deliberativos ao pluralismo competitivo
aqueles que participam da vida pública para além dos reside no fato de essa perspectiva não atentar para tal
momentos eleitorais. Aqueles que se identificam com diferença (Bohman, 1998, p. 400).
um movimento social, que se envolvem com as suas 6 Young parece não atentar para o fato de que tais for-
causas e que os apóiam efetivamente (1990, p. 229). mas de comunicação também podem gerar assime-
2 A distinção entre diálogo e discurso separa a visão dia- trias e exclusões entre os atores, podendo bloquear a
lógica de Bohman da explicação discursiva de Haber- própria interação.

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110  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 25 N° 73

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176  REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 25 N° 73

O que há de radical na WHAT IS radical IN qu’y-a-t-il de radical dans


teoria democrática CONTEMPORARY DEMOCRACY? la thÉorie dÉmocratique
contemporânea: Análise THE DEBATE BETWEEN contemporraine: analyse
do debate entre ativistas e ACTIVISTS AND DELIBERATIVE du dÉbat entre activistes
deliberativos DEMOCRATS. et dÉlibératifs

Cláudia Feres Faria Cláudia Feres Faria Cláudia Feres Faria

Palavras-chave: Democracia radical; Par- Keywords: Modern political theory; Mots-clés: Démocratie radicale; Parti-
ticipação; Deliberação; Inclusão política. Radical democracy; Participation; Delib- cipation; Délibération; Inclusion politi-
erative democracy; Political inclusion. que.
Este artigo analisa o debate estrutura-
do no interior do campo teórico dos This paper analyzes the debate on inclu- Cet article analyse le débat structuré à
democratas radicais em torno das pos- sive potentials of contemporary democ- l’intérieur du champ théorique des démo-
sibilidades inclusivas das democracias racies, according to the theoretical ap- crates radicaux sur les possibilités inclusi-
contemporâneas. Se, de um lado, é pos- proach of radical democracy. On the one ves des démocraties contemporraines. Si,
sível afirmar que ativistas e deliberativos hand, activists and deliberative democrats d’un côté, il est possible d’affirmer que les
se identificam em relação ao endosso e, concur in supporting liberal democracies activistes et les délibératifs s’identifient par
simultaneamente, aos limites da demo- and pointing its limitations; on the other rapport à l’endossement et, simultané-
cracia liberal contemporânea, de outro, hand, they disagree on mechanisms to ment, aux limites de la démocratie libéra-
é patente que eles divergem quanto aos radicalize it. Although since the Greeks le contemporraine, d’un autre, il reste évi-
melhores mecanismos para radicalizá-la. there has been support in social and dent qu’ils divergent quant aux meilleurs
Embora a defesa da ampliação da parti- political theory to the extension of par- mécanismes pour la radicaliser. Malgré le
cipação, assim como o anseio por mais ticipation and to more deliberation (Bo- fait que la défense de l’élargissement de
deliberação não constituam uma novi- hman, 1998), the present sociopolitical la participation et le souhait pour davan-
dade para a teoria social e política; em context changes the nature of this debate. tage de délibération ne constituent pas
um contexto sociopolítico radicalmente The contemporary debates take place une nouveauté pour la théorie sociale et
diferente, marcado pela extensão univer- within a framework of universal suffrage, politique, nous démontrons que dans un
sal do sufrágio, pela presença crescente de a reality of growing deep disagreements contexte sociopolitique radicalement dif-
desarcordos profundos e pela progressiva and increasing restriction of deliberative férent, marqué par l’extension universelle
restrição aos espaços deliberativos, tal spaces. This new context reshapes the du suffrage, par la présence croissante de
debate configura-se uma novidade que debates and this paper analyzes the new désacords profonds et par la progressive
merece ser analisada. terms. restriction aux espaces délibératifs, un tel
débat se configure comme une nouveauté
qui mérite d’être analysée.

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