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AGATHA CHRISTIE

MORTE NO NILO

CAPÍTULO 1

LINNET RIDGEWAY!

- É ela! - excla m o u Mr. Burnaby, proprietário de Thre e Crowns, dand o uma cotov el a d a no co m p a n
h e ir o.

De boc a ab erta e olho s arreg al a d o s , os dois ho m e n s fitaram o belíssi m o Rol s Royce ver m el h o ,
que

parara e m frente do Correio.

Desc e u uma jove m , se m chap é u e co m um vestido que pareci a (parecia so m e nt e) muito simpl e s.
Cabelo s doirad o s e feiçõ e s um tanto autoritárias, tipo dev er a s atrae nt e, co m o rara m e nt e se via e
m Malton- under- Wode.

Em pass o s rápidos e decidido s, a jove m entrou no edifício do Correio.

- É ela! - repetiu Mr. Burnaby. E e m tom mais baixo e rever e nt e: - Possui milhõ e s... Vai gastar um
dinheirã o na propried a d e que co m pr o u. Piscinas, jardins italiano s, salã o de baile... refor m a co m pl
eta da cas a!

- É mais dinh eiro que entra na cidad e.

O co m e nt ário, e m tom de inveja e ranc or, foi feito pelo outro, um sujeito ma gr o e espig a d o.

- Sim. óptim o para Malton- under- Wode. óptim o! - con c or d o u Mr. Burnaby, exprimind o- se e m tom
co m pl a c e nt e.

E dep ois dum a pequ e n a paus a: - Isto vai intere s s ar- nos um pouc o.

- Mas é muito diferent e de Sir Georg e - lem br o u o outro.

- Ah, a culpa foi dos cav al o s! Sir Georg e nunc a teve muita sorte - diss e Mr. Burnaby co m indulg ên ci
a.

- Quanto rec e b e u ele pela propried a d e ?

- Nada m e n o s de ses s e nt a mil, pelo que m e contara m .

Ante o ass o bi o de surpres a do co m p a n h eir o, Mr. Burnaby continuou co m ar triunfante:

- E dize m que ela pretend e gastar outro tanto, ante s de dar o serviç o por termina d o!

- Isso é pec a d o! - excla m o u o ho m e m . - Onde arranjou tanto dinheiro?

- Na América, pelo que ouvi dizer. A mã e era filha única de um des s e s multimilionários. Com o no cine
m a , he m?

A jove m saiu nes s e mo m e n t o. O ho m e m ma gr o aco m p a n h o u co m o olhar o carro que se


afastav a, e res m u n g o u:

- Não ach o que esteja certo! Dinheiro e bel ez a...

é de mais! Uma rapariga co m uma fortuna des s a s não tem o direito de ser bonita. E é bonita de facto!...

Tem tudo. Não ach o justo...


Trech o da notícia social do Daily Bdague:

"Entre as pes s o a s que ce a v a m e m Chez Ma Tante, notei a linda Linnet Ridge w a y. Estava m e m sua
co m p a n hi a a Hon.

Joana Southw o o d , Lorde Windlesh a m e Mr. Toby Bryce. Com o ningu é m ignora, Miss Ridge w a y é
filha de Melhuish Ridge w ay, que se cas o u co m Ana Hartz.

Herdou do avô, Leopold o Hartz, imen s a fortuna. A bela Linnet é a sen s a ç ã o do m o m e n t o. Corre o

boato de que o seu noivad o será anunciad o brev e m e n t e . Não há dúvida que Lorde Windlesh a m
parec e muito apaixon a d o!"

- Querida, vai ficar uma maravilha! - excla m o u a Hon. Joana Southw o o d .

Estava no quarto de Linnet Ridge w a y, sentad a e m frente da janela. O seu olhar pass o u sobr e os
jardins, indo até ao des c a m p a d o , co m a sua franja azulada, forma d a pelos bos q u e s .

- Uma perfeiçã o, não é verda d e ?

Ao dizer isto, Linnet apoiou- se ao parap eito da janela. A expre s s ã o do seu rosto era anim a d a , viva,
dinâ mi c a. A seu lado, Joana Southw o o d pare cia, até certo ponto, uma criatura apag a d a: vinte e sete
ano s, alta, ma gr a, rosto intelig ent e e sobra n c el h a s depilada s co m originalidad e .

- E con s e g uiu tanto e m tão pouc o temp o! Contratou muitos arquitecto s?

- Três.

- Com o são eles? Não creio que jamais tenha conh e ci d o algu m.

- Simpático s. Mas às vez e s pouc o práticos, pelo que tive oca si ã o de obs erv ar.

- Minha querida, co m certez a deu logo rem é di o a isso! É a pes s o a mais prática que conh e ç o .

Houve uma pequ e n a paus a.

Joana apanh o u o colar de pérolas que estav a sobr e o touca d or e diss e:

- Com certeza que são verda d eira s, não é verda d e , Linnet?

- Naturalm e nt e!

- Sei que para si é "natural m e nt e", minha querida, ma s ne m toda a gent e pod eria dizer a m e s m a
coisa. Em geral são cultivada s, ou m e s m o uma boa imitaçã o, de Woolworth! Minha querida, são
extraordinárias. Tão be m co m bi n a d a s! Este colar dev e valer uma fortuna.

- Um pouc o vulgar, na sua opinião?

- Não, de man eira nenhu m a . Uma belez a. Quanto vale?

- Mais ou m e n o s cinqu e nt a mil libras.

- Que dinheirã o! Não tem m e d o de ser roub a d a?

- Não; uso- o con stant e m e n t e e, alé m diss o, está no se gur o.

- Deixe- m e usá- lo até à hora do jantar, sim? Que e m o ç ã o para mi m!

- Claro, se isso lhe caus a assi m tanto prazer - con c ord o u Linnet, rindo;

- Sabe uma coisa? às vez e s, invejo- a. Você tem tudo na vida. Vinte ano s; don a do seu nariz; fortuna
enor m e ; bel ez a; óptim a saúd e. Até m e s m o intelig ên ci a!

Quando faz vinte e um ano s?

- Em Junho. Darei uma grand e festa e m Londres, para cele br ar a minha maioridad e .

- E preten d e dep oi s cas ar- se co m Charles Windlesh a m ? Esse s insuportáv ei s cronistas mund a n o s
anda m excitadíssi m o s . E

Charles pare c e dev er a s apaixon a d o .

Linnet resp o n d e u , enc olh e n d o os om br o s:

- Não sei. Para dizer a verda d e , ainda não pens ei e m cas ar- m e.

- E faz muito be m . As coisa s mud a m , dep oi s do cas a m e n t o , não é verda d e ?

O telefon e tocou e Linnet foi atend er.

- Sim?

Respon d e u- lhe a voz do mord o m o :

- Miss de Bel efort des ej a falar- lhe. Poss o fazer a ligaç ã o?

- Bel efort? Sim, natural m e nt e.

A ligaç ã o esta b el e c e u - se e e m se guid a ouviu- se uma voz arde nt e, suav e e um tanto ofeg a nt e:

- Olá, Miss Ridge w a y! Linnet!

- Jackie querida! Há quanto s século s não tenh o notícias suas!

- Te m razão; é m e s m o uma verg o n h a . Mas, Linnet, precis o muito de falar consig o.

- Não pod e cá vir? Gostaria de lhe mo strar a propried a d e ...

o m eu novo brinqu e d o .

- Pois é justa m e nt e o que des ej o fazer.

- Então tom e um ónibus; ou um auto m ó v e l, se ach ar preferív el.

- Está be m. Vou no m e u calha m b e q u e . Compr ei- o por quinze libras; às vez e s, arranc a que é uma
maravilha! Mas é caprich o s o . Se eu não estiver à hora do chá, é porqu e ele e m birrou co m algu m a
coisa. Até já.

Linnet deslig ou o telefon e e aproxi m o u- se nova m e n t e de Joana.

- É a minha mais velha amig a, Jacqu eline de Bel efort.

Estive m o s juntas num conv e nt o e m Paris. Tev e o mais incrível azar dest e mund o. Seu pai era um
cond e franc ê s; a mã e, am eric a n a- sulista. O pai fugiu co m outra mulh er, e a mã e perd e u toda a
fortuna no pânico de Wal Street. Jackie ficou se m nada. Não sei co m o se tem arranjad o nest e s últimos
dois ano s.

Joana polia as unha s es m altad a s de um rubro vivo.

Inclinou a cab e ç a para ver o efeito, e perguntou, e m tom lang or o s o :

- Minha querida, não ach a que vai ser uma ma ç a d a ? Quando acont e c e uma infelicidad e aos m e u s
amig o s, aban d o n o - os imediata m e n t e! Parec e falta de coraç ã o , ma s evita- se assi m tanto ab orre
ci m e nt o futuro!

Estão se m pr e a quer er dinheiro e m pr e st a d o , ou entã o abre m algu m a loja, e a gent e tem que ir ali
co m pr ar os mais pavor o s o s vestido s dest e mund o! Ou ainda dedica m - se a pintar abat jours e a
fazer éch arp e s ...

- Quer dizer que, se eu perd e s s e a fortuna, aban d o n a v a - m e no dia seg uinte?

- Sim, minha querida, não o neg o. Concord e que ao m e n o s sou franca! Só gosto das pes s o a s que estã
o por cima. E voc ê verá que o m e s m o se dá co m quas e toda a gent e, ma s muitos não têm a cora g e m
de confe s s ar a verdad e . Dizem apen a s: "Franc a m e n t e , não tolero Fulana, Sicrana, ou Beltrana. Os
dissa b or e s fizera m dela uma pes s o a tão am arg a, tão es quisita, coitadinh a!"

- Com o é mald o s a , Joana!

- Apenas m e defen d o , co m o toda a gent e.

- Eu não!

- Claro que não! Uma pes s o a co m os seus rendi m e nt o s não precis a de ser sórdida.

- E eng a n a- se a resp eito de Jacqu elin e - protestou Linnet. -

Ela não é uma parasita. Tenh o querido

ajudá- la, ma s se m pr e recus o u os m e u s ofere ci m e nt o s .

Tem um orgulho en or m e .

- Porqu ê tanta press a e m vir aqui? Garanto que quer algu m a coisa.

- Realm e nt e, pare c e u- m e um tanto agitada - confe s s o u Linnet.

- Jackie se m pr e foi muito e m otiva.

Uma vez, che g o u a esp et ar um canivet e...

- Querida, que intere s s a nt e!

- Num garoto que estav a a maltratar um cão. Jackie tentou fazer co m que ele paras s e co m a brincad eira.
Não o con s e g uind o, seg urou o garoto e deu- lhe uns açoite s. Mas o rapaz era mais forte, e entã o de
repent e ela puxou de um caniv et e e zás! Não imagina que algazarra, dep ois disso!

- Não duvido. É incrível!

A criada de Linnet entrou nest e mo m e n t o . Pediu licenç a, foi ao guarda- roupa, tirou dali um vestido e
retirou- se.

- Que aco nt e c e u a Marie? - perguntou Joana. - Parec e que este v e a chorar.

- Coitada! Lembra- se que lhe cont ei que ia cas ar- se co m um rapaz que trabalhav a no Egipto? Com o

não o conh e c e s s e muito be m , ach ei m elh or tirar algu m a s inform a ç õ e s . Pois vim a sab er que
tem mulh er e três filhos!

- Quantos inimig o s voc ê dev e ter!

- Inimigo s? - perguntou Linnet, ad mirad a.

Joana inclinou a cab e ç a e ac e n d e u um cigarro.


- Inimigo s, minh a querida. Você é assusta d or a m e n t e eficiente. Sabe, m elh or do que ningu é m , o
que dev e ser feito.

Linnet excla m o u, soltand o uma garg alh a d a .

- Imagine, dizer isso quand o eu, afinal, não tenh o um único inimig o neste mund o!

Lorde Windlesh a m estav a sentad o sob o cedro do jardim, ad miran d o os gracio s o s contorn o s de
Wode Hal . Nada que desfiguras s e a bel ez a antiga - os novo s alçad o s e pavilhõ e s ficava m para trás,
não estrag a v a m a fachad a.

Quadro de tranquilidad e e belez a, iluminad o pelo sol de Outono. E, no entanto, não era Wode Hal que
Charles Windlesh a m via naqu el e m o m e n t o, ma s uma

man s ã o do temp o de Elisab eth, mais

impon e nt e, co m uma larga ala m e d a no parqu e, e um fundo mais so m bri o... A sua própria man s ã o
, Charltonbury; e, no prim eiro plano, um vulto feminino - uma jove m de cab el o s doirad o s e rosto de
expre s s ã o

arde nt e... Linnet, co m o sen h or a de Charltonbury!

Tinha esp er a n ç a . A recus a de Linnet não fora abs oluta m e nt e cate g óric a. Não pass ar a m e s m o
de um pedido de esp er a. Pois be m; ele sab eria esp er ar...

Extraordinaria m e nt e conv e ni e nt e, ess a união. Um cas a m e n t o rico era, no seu cas o, acon s el h á
v el, ma s não uma nec e s si d a d e pre m e nt e, a ponto de obrigá- lo a desd e n h a r os próprios sentim e
nt o s. E am a v a Linnet.

Tê- la- ia des ej a d o para esp o s a , m e s m o que ela foss e paup érrim a e não uma das mais ricas
rapariga s da Inglaterra.

Distraiu- se durante algu m temp o co m ess e s agrad á v ei s plano s para o futuro. Talvez a restaura ç ã o
da ala oe st e, afastad a a nec e s si d a d e de aban d o n ar a caç a...

Charles Windlesh a m continuou a sonh ar, ao sol...

Eram quatro horas quand o o roadst er parou, co m um ruído ásp er o de roda s sobr e as pedra s da rua e
dele des c e u uma rapariga. Pequ e n a , delg a d a e de cab el o s negro s. Subiu a correr os degrau s e
puxou o cordã o da ca m p ain h a.

Minutos dep ois fazia m- na entrar na vasta sala de visitas, e um impon e nt e m ord o m o anunciav a, co m
a costu m a d a e lúgubr e intona ç ã o :

- Miss de Bel efort.

- Linnet!

- Jackie!

Windlesh a m afastou- se ligeira m e nt e, obs erv a n d o co m ar co m pl a c e nt e a impetu o s a


criaturinha que de braç o s ab erto s se atirara sobr e Linnet.

- Lorde Windlesh a m , Miss de Bel efort, a minha m elh or amig a - apre s e nt o u a dona da cas a.

Bonita, ach o u ele. Não exacta m e n t e bonita, ma s indubitav el m e nt e atraent e, co m aqu el e s olho s
enor m e s e os cab el o s negro s e ondulad o s. Lorde Windlesh a m diss e uma ou duas palavra s am á v ei
s e dep oi s, se m dar nas vistas, deixou a sós as duas amig a s.

Jacqu eline gritou, naqu el e seu mo d o caract erístico, tão conh e ci d o de Linnet.

- Windlesh a m ? Windlesh a m ? Mas é o rapaz co m que m voc ê vai cas ar- se, pelo que dize m os
jornais! Casa, Linnet?

- Talvez - mur mur ou Linnet.

- Querida, estou tão content e! Ele é simp ático.

- Oh, não conte co m o certo. Ainda não m e decidi.

- Claro que não! As rainha s delibera m long a m e n t e , ante s de es c olh er e m o príncipe con s ort e.

- Não seja ridícula, Jackie.

- Mas voc ê é uma rainha, Linnet! Sempr e o foi.

Sa Majesté, la reine Linnette! Linnette, la blond e!

E eu... Bom; eu sou a confident e da rainha, a prim eira da m a de hon or.

- Está a dizer tolice s, querida. Onde estev e durante tanto temp o? Desapar e c e u se m uma explicaç ã o!

E nunca se lem br o u de m e escr e v e r.

- Bem sab e que dete st o escr e v e r. Onde estive?

Oh, ce m por cento sub m e r s a , querida. Em EMPREGOS, sab e disso?

Empreg o s so m bri o s, co m mulh er e s so m bria s!

- Querida, gostaria que...

- Aceitass e a liberalidad e da rainha? Pois be m, para ser franca, foi para isso que vim. Não; não para pedir
dinheiro e m pr e st a d o . Ainda não che g u ei a ess e ponto! Mas vim pedir- lhe um grand e favor.

- Diga lá.

- Se é verda d e que vai cas ar- se co m ess e Windlesh a m , talvez m e co m pr e e n d a m elh or.

- Jackie, não m e diga que...

- Sim, Linnet, estou noiva!

- Então é isso! Achei- a exc e s si v a m e n t e exub er a nt e. É ess e o seu estad o habitual, ma s hoje pare
c e u- m e mais ainda.

- É co m o m e sinto.

- Fale- m e sobr e o felizardo.

- Cham a- se Simon Doyle. É alto, forte, muito simple s e infantil; adoráv el, enfim! Pobre... muito pobr e.
É o que se cha m a um "gentil-ho m e m " e disso não há dúvida, ma s se m dinheiro. A família é de Devon
s hire.

Simon adora o ca m p o e tudo quanto lhe diz resp eito. E pens ar que pass o u este s último s cinco ano s
num abafad o es critório da cidad e! Mas ag ora estã o a desp e dir muitos e m pr e g a d o s , e ele viu- se
de repe nt e se m coloc a ç ã o . Linnet, eu morro se não m e cas ar co m ele! Morro, sim...
- Não seja ridícula, Jackie.

- Mas é verda d e . Sou louca por ele. Ele é louco por mi m. Não pod e m o s viver um se m o outro.

- Querida"vo c ê está verda d eira m e n t e apaixon a d a!

- Eu sei. É horrível, não é verda d e ? O am or do min a- nos e nada pod e m o s fazer contra isso.

Houve uma paus a. Os olho s dilatad o s tivera m uma expre s s ã o trágica. Jackie estre m e c e u ligeira m
e nt e e continuou:

- Às vez e s, tenh o m e d o . Simon e eu fom o s feitos um para o outro. Nunca pod er ei am ar outro ho m
em.

Preciso que nos ajude, Linnet. Quando m e contara m que tinha co m pr a d o esta propried a d e , tive uma
ideia.

Oiça: voc ê vai precis ar de um ad ministrad or, talvez m e s m o de dois. Quero que dê o lugar a Simon.

- Oh! - excla m o u Linnet, assu sta d a.

Jacqu eline continuou viva m e nt e:

- Ele conh e c e be m o assunto. Foi criado no ca m p o, de mo d o que sab e dirigir uma propried a d e .
Além

do mais, tem prática bastant e de serviç o de escritório.

Oh, Linnet, voc ê dar- lhe- á o e mpr e g o , não é verdad e , por minha caus a? Se ele não der conta do reca
d o desp e ç a - o. Mas tenh o a certeza de que dará. E pod er e m o s viver num a casinh a, e voc ê e eu ver-
nos- e m o s muitas vez e s. Será maravilho s o ...

Jackie levantou- se e insistiu:

- Diga que sim, Linnet. Por favor, diga que sim.

Minha querida amig a Linnet, diga que sim!

- Jackie...

- Com bina d o?

Linnet des at ou a rir.

- Ridícula Jackie! Pois be m, traga o seu na m or a d o , deixe- m e conv er s ar co m ele e discutire m o s o


assunto.

Jackie avan ç o u para a amig a, beijand o- a co m exub er â n ci a.

- Querida Linnet, voc ê é amig a a valer! Eu sabia- o. Sabia que podia contar consig o, ag ora e se m pr e.

É a mais adoráv el criatura dest e mund o. Adeus.

- Mas, Jackie, voc ê vai ficar aqui.

- Eu? Oh, não. Vou para Londre s e am a n h ã estar ei de volta, co m Simon, para decidirm o s tudo. Você

vai adorá- lo; ele é um am or.

- Mas não pod e esp er ar ao m e n o s para tom ar uma cháv e n a de chá?


- Não, não poss o, Linnet. Estou muito excitada, aflita para ir contar tudo a Simon. Sei que pareç o louca,
querida, ma s quanto a isso nada poss o fazer. O cas a m e n t o co m certez a m e curará. Ouvi dizer que
ficam o s mais pond er a d a s , dep ois.

Ao che g ar à porta, Jackie parec e u hesitar, dep ois voltou para dar mais um rápido abra ç o.

- Querida Linnet, não há ningu é m no mund o co m o voc ê!

M. Gaston Blondin, proprietário do eleg a nt e restaurant e Chez Ma Tante, não era ho m e m que des s e a
muitos dos fregu e s e s a honra da sua co m p a n hi a. Até as mais bela s mulh er e s , os ricos, os nobr e s
e os afa m a d o s , às vez e s esp er a v a m e m vão por um sinal que os distinguiss e. Raram e nt e, e co m
ar de cond e s c e n d ê n c i a, M.

Blondin saud a v a um dos fregu e s e s , aco m p a n h a n d o - o a uma m e s a privilegiad a e trocan d o


co m ele um ou outro discreto co m e nt ário.

Mas naqu el a noite, três vez e s M. Blondin exerc e u a real prerrog ativa. Uma vez, por uma duqu e s a ;
outra, por um par do Reino, grand e apre cia d or do turf; e a terceira vez por um ho m e n zinh o um tanto
có mi c o, de enor m e s bigod e s negro s, e que, a julgar pelas aparê n ci a s, não era pes s o a cuja pres e n
ç a pude s s e honrar o ele g a nt e Chez Ma Tante.

M. Blondin, no entanto, tratou- o co m desu s a d a con sid er a ç ã o .

Embora ningu é m tives s e cons e g ui d o m e s a durante a última m eia hora, de repent e e misterios a m
e n t e apare c e u uma, num dos pontos mais cobiç a d o s . M. Blondin e m pes s o a aco m p a n h o u o
rec é m - ch e g a d o , dand o mo stra s de grand e e m pr e s s e m e n t.

- Mas, naturalm e nt e, para o sen h or se m pr e hav er á m e s a , Monsieur Poirot! Desejaria que nos des s
e ess a honra mais frequ e nt e m e n t e .

Hercule Poirot sorriu, lem bra n d o- se de certo incident e e m que tinha m estad o env olvido s um cad á v
e r, um criado, M. Blondin e uma belíssi m a e misterios a da m a.

- É muita gentileza sua, Monsieur Blondin.

- Veio só, Monsieur Poirot?

- Sim, estou só.

- Oh, be m! Jules vai preparar- lhe uma refeiçã o que será um verda d eiro poe m a ; sim, um poe m a!

A co m p a n hi a das senh or a s, por mais enc a nt a d or a s que elas seja m , tem ess a desv a nta g e m :
afasta da co mid a a nos s a atenç ã o . Garanto- lhe que vai apre ciar o seu jantar, Monsieur Poirot. Agora,
quanto ao vinho...

Seguiu- se uma confer ê n ci a entre técnic o s, assistida por Jules, o maitre d'hôtel.

M. Blondin de m o r o u- se alguns seg un d o s , perguntand o e m tom confide n ci al:

- Está a tratar de algu m cas o grav e?

- Não, infelizm e nt e - diss e Poirot aba n a n d o triste m e nt e a cab e ç a . - Juntei algu m a s ec o n o m i


a s e poss o ag ora gozar uma vida de ocio sida d e .

- Invejo- o, Monsieur Poirot.

- Não, não, seria tolice seg uir o m e u exe m pl o.


Garanto- lhe que não é agrad á v el co m o pare c e ... - diss e Poirot, co m um suspiro. - É be m verda d e o

que dize m: que o ho m e m foi obrigad o a inventar o trabalh o para fugir ao esforç o de ter que pens ar.

M. Blondin ergu e u as mã o s, num ge st o expre s siv o.

- Mas há tanto que fazer! Viagen s...

- Sim, viag e n s. E não são pouc a s as que tenh o feito. Pretend o visitar o Egipto, este Inverno. Dizem que
o clima é ma g nífico! Já é algu m a coisa a gent e ver- se livre do nev o eiro, dos dias cinzento s, da m on
ot o ni a da chuva que cai se m ces s ar.

- Ah, o Egipto! - suspirou M. Blondin.

- Pode- se m e s m o , creio eu, ch e g ar até lá de co m b o i o, es c a p a n d o da viag e m por mar, co m


exc e p ç ã o , é lógico, do can al da Mancha.

- Ah, o mar... Não pass a be m a bord o?

Hercule Poirot aban o u a cab e ç a , estre m e c e n d o ligeira m e nt e.

- Nem eu tão- pouc o - confe s s o u M. Blondin. - Curioso, o efeito que tem sobr e o estô m a g o .

- Mas sobr e alguns estô m a g o s , so m e nt e! O balan ç o não tem efeito nenhu m sobr e certas pes s o a
s . Parec e m até gostar!

- Injustiça de Deus.

M. Blondin sacudiu a cab e ç a e afastou- se, conc e ntran d o- se ainda nes s e ímpio pens a m e n t o .

Durante esta pequ e n a conv er s a os criado s, de mã o s háb ei s e m ovi m e nt o s suav e s, servia m


Poirot. Torradinh a s m elb a, mant eig a, bald e de gelo, enfim, todo s os co m pl e m e n t o s de uma
refeiçã o de primeira.

A orqu e stra negra romp e u num a orgia de sons altos e discord a nt e s . Londres danç a v a.

Hercule Poirot pôs- se a obs erv ar a sala; a sua m e nt e m et ó di c a ia registand o tudo o que via.

Que expre s s ã o de cans a ç o e tédio na mai oria dos rostos! Alguns daqu el e s ho m e n s pes a d õ e s
pareci a m , no entanto, divertir-se... Mas na fisiono mi a dos seus pare s notav a- se uma expre s s ã o de
pacient e resign a ç ã o .

A gorda mulh er de ver m el h o estav a radiante. Indubitav el m e nt e , os ob e s o s tinha m algu m a co m


p e n s a ç ã o na vida... um prazer, um deleite neg a d o aos de silhueta mais mo d e r n a.

Muita gent e nova... Alguns co m expre s s ã o vag a, alguns enten did o s; outros, se m dúvida algu m a,
infelizes. É um absurd o dizer que a juventud e é a épo c a da felicidad e - juventud e, temp o da maior
vulnera bilidad e!

O olhar de Poirot suavizou- se ao pous ar sobr e certo par.

Muito be m co m bin a d o : rapaz alto, de o m br o s largo s; rapariga esb elta e delicad a. Dois corpo s que
se m ovia m num perfeito ritmo de felicidad e - felicidad e enc o ntrad a no am bi e nt e, na hora, na co m p
a n hi a um do outro.

De súbito, a danç a parou. Palma s. Depois o bis, e o par voltou à sua m e s a , perto da de Poirot.

A rapariga vinha corad a, sorrident e. Quando a viu sentad a, Poirot estud ou- lhe o rosto, ligeira m e nt e
erguido para o do co m p a n h e ir o. Havia naqu el e s olho s algu m a coisa mais do que simple s expre s s
ã o de riso.
Hercule Poirot aban o u a cab e ç a .

"Ela am a de mais, esta pequ e n a", pens o u ele.

"Não vale a pena. Não, não. É muito perig o s o ."

Uma palavra lhe cha m o u a aten ç ã o neste mo m e n t o: Egipto.

Aos seus ouvido s che g ar a m duas voz e s. A da rapariga: arde nt e, clara, arrog a nt e e co m ligeiro
sotaqu e estran g eiro nos rr; a do rapaz: agrad á v el, grav e, be m educ a d a .

- Não estou a ser optimista, Simon. Garanto- lhe que Linnet não nos faltará.

- Talvez falte eu.

- Tolice. É justa m e nt e o e mpr e g o que lhe conv é m .

- Bom, para ser franco, creio que tem razã o... No fundo, não tenh o dúvidas quanto à minha capa cid a d e .

E hei- de venc er... por sua caus a!

A rapariga riu baixinho. Riso de verdad eira felicidad e...

- Esperar e m o s três m e s e s , até term o s a certeza de que voc ê não será desp e did o. E entã o.

- Então eu ac eitá- la-ei co m o minh a legítima esp o s a ; não é assi m que se diz?

- E irem o s pass ar a nos s a lua- de- m el ao Egipto.

Pouco importa que fique caro! Conhe c e r o Egipto foi se m pr e o sonh o da minha vida. O Nilo, as
pirâmid e s , a areia...

O rapaz diss e, e m voz rouca e abafad a:

- Verem o s tudo isso juntos, Jackie... Juntos. Que maravilha, não ach a?

- Não sei... Será tão maravilho s o para voc ê co m o para mi m? O seu am or será tão profund o co m o o m
eu?

A voz da jove m tornara- se subita m e nt e ásp er a, os olho s dela pareci a m maior e s, co m expre s s ã o
quas e rec e o s a .

A resp o st a foi dada co m igual asp er e z a:

- Não seja absurd a, Jackie.

A rapariga repetiu:

- Não sei... - e dep ois, enc olh e n d o os om br o s:

- Vamos danç ar.

Hercule Poirot mur mur ou de si para si:

"Un qui aim e et un qui se laiss e aim er." Tam b é m eu digo: "Não sei..."

Joana Southw o o d diss e:

- E, co m certeza, ele não é lá grand e coisa?


- Oh, não creio - resp o n d e u Linnet. - Confio no gosto de Jacqu elin e.

- Ah, ma s e m mat éria de am or há muito contra- sen s o!

Linnet aban o u a cab e ç a co m impaci ê n ci a e procurou mud ar de assunto.

- Preciso de ir ver Mister Pierce, a resp eito daqu el e s projecto s.

- Projecto s?

- Sim, algu m a s cab a n a s e m pés si m a s condiç õ e s sanitárias. Pretend o de m oli- las, assi m que os
mora d or e s tivere m saído.

- Você dá prova s de um espírito higiénic o e hum a nitário.

- De qualqu er man eira, as cab a n a s teriam que des a p ar e c e r, para dar lugar à minh a nova piscina.

- Os mora d or e s estã o satisfeitos co m a ideia?

- Quase todo s ficara m enc a nt a d o s . Mas dois ou três não con c ord ar a m ... procurav a m opor
dificuldad e s . Não pare c e m co m pr e e n d e r que as suas condiç õ e s de vida vão m elh or ar
extraordinaria m e nt e .

- Mas voc ê, co m certez a, não ced e u?

- Minha querida Joana, creia que a vantag e m é toda dele s!

- Sim, não duvido. Benefício co m p uls ório. - Joana soltou uma risada ao ver Linnet contrair as sobra n c
el h a s e acre s c e nt o u:

- Vamos, confe s s e , voc ê é uma tirana. Tirana benfeitora, se ach ar preferív el.

- Não sou tirana, de forma algu m a .

- Mas gosta que seja feita a sua vontad e .

- Nem se m pr e.

- Linnet Ridge w a y, pod e olhar- m e be m de frente e dizer que já houv e uma oca si ã o e m que não
tivess e feito exacta m e n t e o que des ej ou fazer?

- Inúmera s.

- Oh, sim, "inúm er a s". Apenas isto; nada de positivo. E

não pod e citar- m e um só exe m pl o, por mai or esforç o que faça! O retum b a nt e triunfo! Linnet Ridge
w ay na sua carruag e m doirada!

- Acha que sou eg oí sta? - perguntou Linnet, brusc a m e n t e .

- Não; irresistível, apen a s . Efeito da co m bi n a ç ã o

"dinheiro- enc a nt o". Todo s se curva m diante da sua pes s o a ; aquilo que não pod e co m pr ar co m
dinh eiro, adquire- o voc ê co m um sorriso. Resultad o: Linnet Ridge w a y, a Jove m que Possui Tudo.

- Não seja ridícula, Joana!

- E entã o, não possui tudo?

- Creio que sim... Mas dito des s e mo d o parec e repulsivo.


- Claro que é repulsivo! Daqui a alguns ano s, co m certez a, voc ê vai sentir profund o tédio. Entretanto,
goz e o seu retum b a nt e triunfo na sua carruag e m doirada! Mas às vez e s fico a conje cturar o que não
acont e c e r á quand o voc ê quiser pass ar por uma rua ond e houv er a tabuleta "Trânsito Impedid o".

- Não seja idiota, Joana. - Linnet voltou- se para Lord Windlesh a m , que aca b a v a de se juntar a elas, e
explicou: - Joana está a dizer- m e as coisa s mais des a gr a d á v e i s dest e mund o.

- Só desp eito, querida, só desp eito - replicou Joana e m tom vag o, ergu e n d o- se para sair dali.

Não se des c ulpou por deixá- los. Perce b e r a o brilho do olhar de Windlesh a m . ..

O rapaz nada diss e durante alguns minutos. Depois foi direito ao assunto:

- Resolv eu algu m a coisa, Linnet?

A jove m resp o n d e u lenta m e nt e:

- Acha que estou a ser cruel? Talvez que, não tend o a certeza, eu dev e s s e dizer: "Não"...

O rapaz interro m p e u- a.

- Não diga isso! Dar-lhe- ei temp o para reflectir.

Mas creio que pod ería m o s ser felizes um co m o outro.

Linnet resp o n d e u e m tom de crianç a que se des culpa:

- Sabe, estou a divertir-m e tanto... principal m e nt e co m tudo isto aqui... Em Wode Hal , quer o concr
etizar o m e u ideal; ach o que está a ficar bonito, não é verda d e ?

- Lindo. Bem plane a d o . Tudo perfeito. Você é muito inteligent e, Linnet - diss e o rapaz. E dep oi s de
uma paus a: - Gosta de Charltonbury, não gosta?

Naturalm e nt e, precisa de ser mo d er nizad a, ma s voc ê tem tanto jeito para isso! Seria até uma distrac ç
ão.

- Mas... Naturalm e nt e, Charltonbury é uma maravilha.

Linnet falara co m esp o nt an ei d a d e e entusias m o , ma s não pôd e deixar de sentir um frio no cora ç ã
o . Parec e u- lhe ter ouvido uma nota discord a nt e, que viera perturbar a co m pl et a satisfaç ã o que ante
s sentira.

Naquel e mo m e n t o , não analisou a sen s a ç ã o ; ma s dep ois, quand o Windlesh a m entrou e m cas a,
procurou sond ar os seus mais rec ô n dito s pens a m e n t o s .

Charltonbury. Sim, fora isso. Desagra d ar a- lhe a referên ci a a Charltonbury. Mas porqu ê? A man s ã o
era

relativa m e nt e fam o s a . Pertencia à família de Windlesh a m desd e os temp o s de Elisab eth. A posiçã
o de senh or a de Charltonbury era real m e nt e invejáv el. Windlesh a m era, incont e sta v el m e nt e , um
dos m elh or e s partidos da Inglaterra.

Claro que ele não podia levar Wode a sério...

A propried a d e de Linnet não podia ser co m p ar a d a co m a outra. Mas Wode era dela! Linnet vira- a,
co m pr ara- a, refor m ar a- a, ali gastan d o rios de dinheiro. Era a sua propried a d e , o seu reino. Perderia
o valor, a importância, se Linnet se cas a s s e co m Windlesh a m . Que utilidad e podia m ter duas cas a s
de ca m p o ? E, das duas, naturalm e nt e Wode Hal é que teria de ser sacrificad a.

Ela, Linnet Ridge w ay, deixaria de existir. Seria cond e s s a de Windlesh a m , levand o um belo dote a
Charltonbury e ao seu don o. Já não seria rainha, ma s esp o s a do rei.

"Estou a ser ridícula", pens o u consig o m e s m a .

Era curios o, no entanto, co m o lhe des a gr a d a v a a ideia de aba n d o n a r Wode... E outra coisa tam b
é m a preo c up a v a.

A voz de Jackie, co m aqu el a estranh a intona ç ã o : Se não m e cas ar co m ele, eu morro! Morro...

Tão decidida, tão atraent e. Ela, Linnet, sentiria o m e s m o a resp eito de Windlesh a m ? Claro que não.
Talvez não foss e m e s m o capaz de sentim e nt o tão intens o.

Devia ser... maravilho s o ... sentir assi m.

O ruído de um carro ouviu- se, atrav é s da janela ab erta.

Linnet fez um ge st o impaci e nt e. Jackie e o na m or a d o , co m certez a. Tinha de ir ao enc o ntro dele s.

Estava de pé, à porta da entrad a, quand o Jacqu eline e Simon Doyle des c e r a m do carro.

Jackie correu para a amig a e apres e nt o u:

- Linnet, este é Simon. Simon, aqui está Linnet.

É a pes s o a mais maravilho s a dest e mund o.

Linnet viu um rapaz alto, de o m br o s largo s e olho s de um azul profund o, cab el o s castan h o s
ondulad o s , queixo quadrad o e sorriso franc o, talvez m e s m o um tanto infantil...

Foi a primeira a saud á- lo. A mã o que apertou a sua era firme, quent e... Linnet gostou da man eira co m o
ele a olhou - co m expre s s ã o de ingénu a e franca ad miraç ã o .

Jackie diss er a- lhe que a amig a era maravilho s a e não havia dúvida que ele con c or d a v a co m ela.

Linnet sentiu que o sangu e lhe corria mais rápido nas veias; pareci a tom a d a de leve e m bria g u e z...

- Isto aqui não é real m e nt e lindo? - perguntou.

- Entre, Simon, e deixe- m e rec e b e r digna m e nt e o m eu novo ad ministrad or.

Ao voltar- se, para conduzi- los, ia pens a n d o :

"Sou imen s a m e n t e ... imen s a m e n t e feliz. Gosto do na m or a d o de Jackie. Gosto imen s a m e n t


e ..."

E dep ois, co m súbita angústia:

"Felizarda, esta Jackie..."

Tim Al erton reclinou- se na cad eira de vim e e boc ej o u, fitando o mar. Depois, olhou de soslaio para a
mã e .

Mrs. Al erton era uma sen h or a de cab el o s branc o s , de cinqu e nt a ano s, ainda bonita. Procurav a
disfarçar a imen s a afeiçã o que sentia pelo filho, dand o aos lábios uma expre s s ã o de sev erida d e todas
as vez e s que olhav a para ele. Mas ningu é m se iludia co m isso, e Tim m e n o s que qualqu er outro.

- Gosta de Maiorca, ma m ã ?

- Bem... é barato - pond er o u ela.


- E frio... - co m pl et o u Tim, estre m e c e n d o ligeira m e nt e .

Era um rapaz alto, ma gr o, de peito franzino e cab el o s negro s. A boc a tinha uma expre s s ã o suav e, o
olhar era tristonh o e o queixo pouc o firme. Mãos long a s e delicad a s.

Ameaç a d o , ano s antes, de tuberculo s e , nunc a fora real m e nt e muito forte. Constav a que "escr e vi
a", ma s os amig o s dele sabia m tacita m e nt e que as perguntas curios a s sobr e as suas produçÕe s
literárias não era m rec e bi d a s co m entusias m o .

- Em que está s a pens ar, Tim?

Mrs. Al erton estav a alerta. Os olho s de um castan h o- es curo brilhara m co m expre s s ã o susp eita.

O rapaz resp o n d e u , sorrindo:

- Estava a pens ar no Egipto.

- No Egipto?

- Sim. Há lá calor a valer. Convidativas areias doirada s. O Nilo. Eu gostaria de subir o Nilo; e a mã e ?

- Oh, gostaria! - resp o n d e u ela, sec a m e n t e . - Mas é uma viag e m cara. Não é para aqu el e s que
têm de contar os troco s.

Tim soltou uma garg alh a d a , ergu eu- se e esten d e u os braç o s, pare c e n d o de repe nt e anim a d o ,
ch ei o de vida.

Quando resp o n d e u , foi e m tom excitad o, ardent e:

- As desp e s a s ficam por minha conta. Sim, querida ma m ã , não se esp a nt e. Uma pequ e n a oscilaç ã
o no m erc a d o , co m resultad o s abs oluta m e n t e satisfatórios, co m o vim a sab er hoje de man h ã.

- Hoje de man h ã? - perguntou Mrs. Al erton

e m tom brusc o. - Tu rec e b e s t e apen a s uma carta e...

- interro m p e u- se, mord e n d o os lábios.

No rosto de Tim surgiu uma expre s s ã o ao m e s m o temp o divertida e aborre cid a. Mas o bo m hum or
saiu vitorios o.

- Era uma carta de Joana! - concluiu ele sere n a m e n t e . -

Acertou, ma m ã . Que óptim o dete ctive minha mã e daria! Até m e s m o o cél e br e Hercule Poirot teria
que tem er pela sua glória, cas o se lem bra s s e de co m p etir co m ele.

Mrs. Al erton zang ou- se.

- Só porqu e reco n h e ci a letra...

- E viu que não era do corretor? Te m razã o. Para ser exacto, foi onte m que rec e bi dele a co m u nic a ç ã
o.

A letra da pobre Joana real m e nt e cha m a a atenç ã o ...

gatafunh o s sobr e todo o sobr e s crito, co m o se por ele tivess e pass e a d o algu m a aranh a e m bria g a
da.

- Que diz Joana? Alguma novida d e ? - perguntou Mrs. Al erton, procuran d o dar à voz uma intona ç ã o
natural e despr e o c u p a d a .
A ca m ar a d a g e m entre Tim e sua prima e m se g un d o grau, Joana Southw o o d , tinha o do m de a
irritar.

"Não que haja algu m a coisa entre eles" - costu m a v a dizer. Tinha a certeza de não existire m motivo s
para rec ei o s. Tim nunc a manifestara pela prima um intere s s e sentim e nt al, e o m e s m o se podia
dizer de Joana, e m relaç ã o a ele. A atracç ã o mútua pare cia ter por bas e o m e s m o gosto pelos potins
e um grand e núm er o de amig o s co m u n s.

Ambos era m sociáv ei s e gostav a m de co m e nt ar a vida alheia; Joana era espirituos a, se be m

que às vez e s um tanto cáustica.

Não era, portanto, o m e d o de ver o filho apaixon a d o por Joana que fazia co m que Mrs. Al erton se
retraíss e quand o a rapariga estav a pres e nt e ou quand o

che g a v a m cartas dela. Era outro sentim e nt o, difícil de ser definido - talvez que, se m dar por isso,
tives s e ciúm e s do prazer que Tim pare cia sentir na co m p a n hi a da prima.

Ele e a mã e era m tão bon s co m p a n h eir o s, que Mrs. Al erton ficava ligeira m e nt e alarm a d a

quand o o via intere s s a d o por outra mulh er. Imaginav a tam b é m que a sua co m p a n hi a, e m tais
oca siÕe s, pod eria con stran g er as duas pes s o a s mais joven s. Frequ e nt e m e n t e , ia enc o ntrá- los
profunda m e n t e abs orto s num assunto, tend o a impres s ã o de que, à sua che g a d a , a conv er s a
vacilava, e que Tim e Joana procurav a m propo sitad a m e n t e fazer que ela ficass e inteirada do assunto,
co m o man d a v a a boa educ a ç ã o . Não; não havia dúvida de que Mrs. Al erton não apre ciav a Joana
Southw o o d . Achava- a pouc o sinc er a, afectad a e muito superficial, e tinha de fazer um esforç o para
não manife star franca m e n t e a sua opinião.

Em resp o st a à pergunta da mã e, Tim tirou a carta do bols o e pôs- se a relê- la. Uma carta long a, confor
m e obs erv o u Mrs. Al erton.

- Pouca coisa - diss e Tim. - Os Devenish e s estã o a divorciar- se. O velho Monty foi pres o por estar e m
bria g a d o quand o dirigia o carro. Windlesh a m foi para o Canad á. Parec e que ficou muito abalad o,
quand o Linnet Ridge w a y o recus o u. Ela vai cas ar co m

aqu el e seu ad ministrad or.

- Que coisa es quisita! E ele é algu m sujeito impo s sí v el?

- Não, e m abs oluto. É um dos Doyle de Devons hire. Sem dinheiro, naturalm e nt e... e estav a noivo de
uma das m elh or e s amig a s de Linnet. Deixa estar que é forte!

- Não ach o isso bonito - declarou Mrs. Al erton, coran d o.

Tim lanç ou- lhe um olhar rápido e afectuo s o .

- Eu sei que a mã e não aprov a o roub o do marido das outras e toda s ess a s histórias.

- No m eu temp o, tínha m o s , felizm e nt e, as noss a s norm a s! Hoje e m dia, os nov o s pens a m que
pod e m andar por aí a fazer o que be m enten d e m .

- Não "pens a m " so m e nt e . Faze m- no - declarou Tim, sorrindo.

- Pois ach o isso horrível!

Os olho s de Tim tivera m um brilho malicios o.

- Alegre- se, veteran a! Talvez eu conc ord e consig o. Em todo o cas o, ainda não m e apropriei da esp o s
a
ou noiva de ningu é m .

- Tenh o a certeza de que nunc a farias uma coisa des s a s - declarou Mrs. Al erton. E acre s c e nt o u co m
certo orgulho:

- Eduquei- te be m de mais para isso.

- Então a glória é sua, e não minh a.

Sorriu co m ar brincalh ã o, dobrou a carta e guard ou- a de nov o no bols o. Mrs. Al erton pens o u: "Ele

m o stra- m e toda s as cartas que rec e b e , ma s lê- m e so m e nt e trech o s das de Joana."

Afastou ess e pens a m e n t o indigno, decidind o- se, co m o se m pr e, a agir co m o a senh or a de boa


educ a ç ã o .

- Joana está a divertir-se muito?

- Mais ou m e n o s . Pensa e m abrir uma pastelaria e m Mayfair.

- Está se m pr e a falar e m dificuldad e s financ eira s!

- co m e nt o u Mrs. Al erton, co m uma ponta de desp eito. - Mas vai a toda a parte, e se m pr e ad mirav el
m e n t e be m vestida. Deve gastar um dinh eirã o e m roupas.

- Oh, bo m, talvez não as pagu e - diss e Tim. - Não, ma m ã , não m e refiro àquilo que a sua m e ntalidad
e burgu e s a lhe sug er e.

Falo literalm e nt e: que talvez não pagu e as suas contas.

Mrs. Al erton suspirou.

- Nunca pude co m pr e e n d e r co m o há gent e que con sig a fazer isso.

- É um do m esp e ci al - declarou Tim. - Quando a pes s o a tem gosto s extrava g a nt e s e nenhu m a noç
ã o do valor do dinh eiro, enc o ntra se m pr e que m lhe dê crédito ilimitado.

- Sim, ma s aca b a na Rua da Miséria, co m o o pobre Sir Georg e Wode.

- A ma m ã tem um fraco por aqu el e tratador de caval o s; provav el m e nt e porqu e ele lhe cha m o u
"botã o- de- rosa"

e m algu m baile de 18 7 9.

- Em 18 7 9, eu ainda não tinha nascid o! - protestou ve e m e n t e Mrs. Al erton. - Sir Georg e é um ho m


e m muito fino, e não ad mito que lhes cha m e s tratad or de cav al o s.

- Ouvi histórias muito es quisitas a resp eito dele, contad a s por pes s o a s be m inform a d a s .

- Tu e Joana não têm escrúpulo nenhu m de falar da vida alheia; qualqu er coisa serv e, contanto que seja
mald o s a .

Tim replicou, ergu e n d o as sobran c el h a s :

- Mãe querida, está irritada! Não sabia que apreci av a tanto o velho Wode.

- Tu não co m pr e e n d e s que sacrifício dev e ter sido para ele vend er Wode Hal . Adorava aqu el a
propried a d e .

Tim tinha uma resp o st a na ponta da língua, ma s conte v e - se. Afinal de contas, que m era ele para
julgar os outros? Depois de uma pequ e n a paus a, diss e co m ar pens ativo:
- Sabe uma coisa? Creio que não se eng a n a muito. Linnet convid ou- o para ir ver as refor m a s, e ele
recus o u gros s eira m e n t e .

- Claro. Ela devia ter tido o tacto de não fazer tal convite.

- E ach o que o velho lhe guarda ranc or. Resmun g a con sig o m e s m o toda s as vez e s que a vê. Não
lhe perdo a ela ter- lhe ofere cid o um preç o exag er a d o pela man s ã o e m ruínas.

- E não ach a s isso natural? - perguntou Mrs. Al erton, se c a m e n t e .

- Para ser franc o, não! - replicou Tim. - Para quê viver no pass a d o ? Para que continuar m o s ape g a d o
s às coisa s que deixara m de existir?

- Com que preten d e s substituí- las?

Tim resp o n d e u , enc olh e n d o os om br o s:

- Excitaçã o. Novidad e. Prazer do imprevisto. Em vez de herdar um inútil peda ç o de terra, a satisfaç ã o
de ganh ar dinheiro pelo noss o próprio esforç o, co m a nos s a inteligên ci a e habilidad e.

- Enfim, uma be m suc e did a transa c ç ã o na Bolsa!

- Porqu e não? - perguntou Tim, rindo.

- E que dizer de um prejuízo igual?

- Minha mã e , não está de m o n stran d o muito tacto co m es s a sua obs erv a ç ã o . Além do mais, é
pouc o apropriad a, justa m e nt e hoje!... Que m e diz da viag e m ao Egipto?

- Bom, ach o que...

Tim interro m p e u- a, sorrindo.

- Está co m bi n a d o , entã o. Tanto a mã e co m o eu se m pr e tive m o s vontad e de conh e c e r o


Egipto.

- Que data sug er e s ?

- Oh, o m ê s que ve m. Janeiro é a m elh or épo c a .

Gozare m o s da agrad á v el co m p a n hi a do pes s o al dest e hotel por mais algu m a s se m a n a s .

- Tim! - excla m o u Mrs. Al erton e m tom de cen sura. E dep ois, co m o que m se des c ulpa: - Prom eti a
Mistress Leech que tu a aco m p a n h a ria s à polícia.

Ela não fala esp a n h ol...

- A resp eito daqu el e anel? - perguntou Tim

co m uma careta. - O rubi cor de sangu e de sua filha?

Ainda insiste e m dizer que foi rouba d o? Bom, irei para lhe fazer a vontad e, ma m ã , ma s na minha
opinião é perd er temp o. Só servirá para m et er e m apuros algu m a pobr e criada. Tenh o a certez a de
que lhe vi o anel no ded o naqu el e dia, quand o foi tom ar banh o no mar.

Com certeza caiu- lhe se m que des s e por isso.

- Mistress Leech garante que o deixou sobr e o touca d or.

- Pois não deixou. Vi-o co m os m eu s próprios olho s. Aquela mulh er é uma tonta. Qualquer pes s o a que
se enfia pelo mar dentro e m Deze m br o, só porqu e o Sol está a brilhar nes s e mo m e n t o , pod e ser
qualificad a de idiota. Além do mais, as mulh er e s ob e s a s não têm o direito de se exibir de maillot. É
um esp e ct á c ul o revoltante.

- Creio que dev o desistir de tom ar banh o - mur mur ou Mrs.

Al erton.

Tim replicou, soltand o uma garg alh a d a:

- A mã e ? Pode fazer inveja a muita garota de dez oito ano s!

Mrs. Al erton suspirou:

- Gostaria que houv e s s e mais gent e nova aqui, para te fazer co m p a n hi a, Tim.

- Pois eu não - replicou o rapaz, aba n a n d o enfatica m e nt e a cab e ç a . - Damo- nos muito be m, a mã e
e eu, e não sinto a falta de outras distrac çÕ e s.

- Mas gostarias que Joana aqui estive s s e .

- Pelo contrário - declarou ele co m inesp er a d a firmeza. - Nisso eng a n a- se. Joana diverte- m e, ma s
não gosto dela real m e nt e; alé m do mais, a sua contínua pres e n ç a irrita- m e. Graça s a Deus, não está
aqui!

Não m e des a gr a d aria m e s m o sab er que nunc a mais veria Joana e m toda a minha vida.

Fez uma pequ e n a paus a e dep ois mur mur ou, e m tom quas e imperc e ptív el:

- Há so m e nt e uma mulh er no mund o por que m sinto verda d eiro resp eito e ad miraç ã o . E, Mistress
Al erton, creio que sab e muito be m a que m m e refiro.

A mã e de Tim corou, parec e n d o um tanto constran gid a.

O rapaz concluiu, e m tom grav e:

- Não há no mund o muitas mulh er e s real m e nt e corre cta s. Mas acont e c e que a mã e é uma delas.

Em Nova Iorque, num aparta m e nt o que dava para o Central Park, Mrs. Robso n excla m o u:

- Mas que maravilha! És real m e nt e uma criatura feliz, Cornélia.

Cornélia Robson corou de prazer. Era uma rapariga alta, des aj eitad a; os olho s castan h o s tinha m a
expre s s ã o sub mi s s a do olhar de um cão.

- Oh, será óptim o! - conc or d o u a rapariga.

A velha Miss Van Schuyler inclinou a cab e ç a , satisfeita co m a corre cta atitude das parent e s pobr e s.

- Sempr e sonh ei co m uma viag e m à Europa - suspirou Cornélia.

- Mas nunc a pens ei que o sonh o se realizas s e .

- Miss Bowers, natural m e nt e, irá co mi g o , co m o de costu m e - avisou Miss Van Schuyler. - Mas
social m e nt e ach o que a sua co m p a n hi a deixa um tanto a

des ej ar... Há muitas coisa s e m que Cornélia m e pod er á ser útil.

- Terei nisso muito prazer, prima Marie - replicou Cornélia pronta m e nt e .


- Bem, be m, entã o está decidido. Vá ag ora procurar Miss Bowers, minha querida. É a hora da minha

ge m a d a .

A mã e de Cornélia diss e, quand o a rapariga se retirou:

- Minha cara Marie, fico- lhe real m e nt e grata! Você be m sab e que, na minha opinião, Cornélia sent e
não ter êxito na soci e d a d e . Isso dev e, é lógico, mortificá- la. Se eu estive s s e e m condiç õ e s de lhe
proporci on ar viag e n s... Mas não ignora qual a nos s a situaç ã o , dep ois da m orte de Ned.

- Tenh o muito prazer e m levá- la co mi g o - declarou Miss Van Schuyler. - Cornélia foi se m pr e muito

serviçal, e é m e n o s eg oí sta do que as rapariga s de hoje.

Mrs. Robson ergu e u- se e beijou o rosto am ar el o e enrug a d o da prima rica.

- Fico real m e nt e grata - repetiu, saind o da sala.

Encontrou, na esc a d a , uma mulh er de tipo decidido e eficiente. Miss Bowers trazia um cop o co m um
líquido am ar el o e espu m a nt e.

- Então, Miss Bowers, de abalad a para a Europa?

- Sim, Mistress Robso n.

- Que viag e m agrad á v el!

- Sim, creio que vai ser muito agrad á v el.

- Já estev e no estrang eiro?

- Oh, sim, Mistress Robson. Estive e m Paris, no Outono pass a d o , co m Miss Van Schuyler. Mas ainda
não conh e ç o o Egipto.

Mrs. Robson pare c e u hesitar.

- Espero que... não hav er á... inconv e ni e nt e - diss e, baixand o a voz.

Miss Bowers, no entanto, resp o n d e u no tom habitual:

- Oh, não, Mistress Robso n. Isso fica por minha conta. Estou se m pr e de olho ab erto.

Mas ainda havia uma expre s s ã o preo cup a d a na fisiono mi a de Mrs. Robson, quand o des c e u os
último s degrau s da esc a d a ...

10

No seu escritório, na parte baixa da cidad e, Mr. Andrew Pennington abria a corre sp o n d ê n ci a
particular.

De súbito, cerrou o punho, baten d o co m força sobr e a es crivaninh a. O rosto enrub e s c e r a e duas gros
s a s veias sobr e s s a í a m - lhe na testa.

Premiu um botã o sobr e a escrivaninh a e imediata m e nt e surgiu uma ele g a nt e esten ó g r afa.

- Diga a Mister Rockford que venh a aqui.

- Sim, Mister Pennington.

Minutos dep ois, apar e c e u Sterndal e Rockford, sóci o de Pennington. Os dois tinha m mais ou m e n o s
o m e s m o tipo. Altos, cab el o s grisalh o s, fisiono mi a s inteligent e s, be m barb e a d o s .
- Que aco nt e c e u , Pennington?

Pennington ergu e u os olho s da carta que estav a relend o e diss e:

- Linnet cas o u- se.

- Quê?

- Você ouviu o que eu diss e! Linnet Ridge w ay cas o u- se!

- Com o? Quando? Por que motivo o não soub e m o s a temp o?

Pennington lançou um olhar ao calend ário da es crivaninh a e explicou:

- Ainda não estav a cas a d a quand o escr e v e u esta carta, ma s ag ora está. Dia 4, de man h ã. Hoje,
portanto.

Rockford sentou- se de chofre num a cad eira.

- Ufa!. . Sem participaç ã o , se m nada? Quem é ele?

Pennington con sultou nova m e n t e a carta.

- Doyle. Simon Doyle.

- Que esp é ci e de sujeito? Já ouvi falar nele?

- Não. Ela não é muito explícita... - declarou Pennington, estud an d o a letra de caract er e s altos e nítidos.

- Tenh o a impres s ã o de que há qualqu er coisa de es quisito nesta história toda... Mas isso não ve m ao
cas o. O

principal é que está cas a d a.

Os olhar e s de am b o s enc o ntrara m- se. Rockford inclinou a cab e ç a , dizend o calm a m e n t e :

- O assunto requ er estud o.

- que va m o s fazer?

- É o que lhe pergunto.

Ficara m alguns minutos e m silênci o. Rockford perguntou, afinal:

- Te m algu m plano?

- O Normandi e sai hoje - resp o n d e u Pennington lenta m e nt e . - Um de nós dois ainda pod eria...

- Está louco! Qual é a sua ideia?

Pennington replicou:

- Esses advo g a d o s ingles e s ... - ma s não terminou a frase.

- E entã o? Está por aca s o a pens ar e m enfrentá- los? Está louco!

- Não, sugiro que voc ê... ou eu... que um de nós vá à Europa.

- Mas que ideia é a sua? - perguntou de nov o.

Pennington acariciou a carta e replicou:


- Linnet vai pass ar a lua- de- m el no Egipto. Pretend e ali ficar um m ê s ou mais...

- Egipto, he m?

Rockford refletiu alguns instante s. Depois ergu eu a cab e ç a e o seu olhar enc o ntrou o do sócio.

- Egipto... É ess a a sua ideia?

- Sim. Um enc o ntro fortuito. A pass ei o. Linnet e o marido... Atmosfera de lua- de- m el. Não é impo s
sív el.

Rockford não parec e u muito conv e n ci d o.

- Linnet é perspicaz. Se é!... Mas...

- Creio que há man eira s de... se con s e g uir - mur mur ou suav e m e n t e Pennington.

De nov o, os olhar e s de am b o s se enc o ntrara m .

Rockford inclinou a cab e ç a .

-Está certo, m eu rapaz.

Pennington con sultou o relógio.

- Tere m o s de nos apres s ar... seja qual for o que tiver que partir.

- Vá voc ê - excla m o u viva m e nt e Rockford. - Você teve se m pr e as mai or e s atenç õ e s de Linnet.


Tio

Andrew... Aproveite- se diss o.

A fisiono mi a do outro endur e c e u.

- Espero dar conta do recad o.

- Isso é imperativo - declarou Rockford. A situaç ã o é crítica...


11
Ao rapazinh o franzino que abrira a porta co m ar interrog a d or, diss e Wil iam Carmich a el:

- Faça o favor de m e man d ar Mister Jim.

Minutos dep ois, Jim Fanthorp apare c e u , fitando o tio co m expre s s ã o indag a d or a.

- Humm m m . .. Cá está voc ê - grunhiu o velho, ergu e n d o a cab e ç a .

- Mandou- m e cha m a r?

- Olhe para isto.

O rapaz sentou- se e puxou para mais perto a pilha de papéis, enqu a nt o o outro ficava a obs erv á- lo.

- Então?

A resp o st a foi imediata:

- Parec e- m e muito susp eito.

O sóci o mais velho da firma Grant & Carmich a el grunhiu nova m e n t e .

Jim Fanthorp releu a carta aér e a que aca b ar a de che g ar do Egipto.

". . parec e o cúmul o escr e v e r de neg ó ci o s num dia co m o este. Pass á m o s uma se m a n a e m
Mena House e fize m o s uma excurs ã o a Faya m. Depois de am a n h ã , va m o s subir o Nilo, até Luxor
e Assuã o; talvez che g u e m o s até Cartum. Ao entrarm o s no escritório da

ag ê n ci a Cook, hoje de man h ã, para tratar das pass a g e n s , imagin e que m ali fom o s enc o ntrar?!...
O m eu procurad or am eric a n o, Andrew Pennington. Creio que voc ê lhe foi apres e nt a d o há dois ano
s, quand o ele veio a Inglaterra. Nem por so m br a s podia eu pens ar que viria enc o ntrá- lo no Egipto, e
ne m ele sabia que eu estav a aqui. Nem tão- pouc o que eu m e cas ar a! A carta que lhe es cr e vi, contan d
o tudo, dev e ter che g a d o justa m e nt e quand o ele partiu da América. Tam b é m vai subir o Nilo, se g
uind o o noss o itinerário. Não é extraordinária a coincid ê n ci a?

"Muito agrad e ci d a por tudo quanto fez por mim e m épo c a de tanta balbúrdia... "

Ao notar que o sobrinh o se preparav a para virar a página,, Mr. Carmich a el tirou- lhe a carta das mã o s .

- É só isso. O resto não tem importância. Muito be m; que ach a voc ê?

O rapaz refletiu alguns se g un d o s .

- Bom... Na minh a opinião, não foi coincid ê n ci a...

O outro aprov o u co m a cab e ç a e rosn ou:

- Gostaria de ir ao Egipto?

- Acha aco n s el h á v el?

- Acho que não há temp o a perd er.

- Mas eu, porqu ê?

- Reflicta um pouc o, m e u rapaz, reflita. Nem Linnet ne m Pennington o conh e c e m . Se for de avião,
talvez ch e g u e a temp o.
- Eu. . Para ser franco, a ideia não m e agrad a muito. Que dev o fazer?

- Use os seus olho s. Os ouvido s. A intelig ên ci a...

se é que a tem. E, se nec e s s á ri o, aja.

- Eu. . a ideia não m e agrad a.

- Talvez não; ma s tem de ser.

- É. . nec e s s á ri o?

- Imperativo, na minh a opinião - declarou

Mr. Carmich a el.


12
Comp o n d o o turbante de fazend a nacion al, que usav a à volta da cab e ç a , Mrs. Otterbourn e diss e e
m tom lamuriento:

- Não sei por que motivo não va m o s para o Egipto. Estou farta de Jerusal é m .

Ao notar que a filha não fazia co m e nt ário algu m continuou:

- Podias ao m e n o s resp o n d e r quand o algu é m diz algu m a coisa.

Mas Rosalie Otterbourn e estav a atenta ao jornal coloc a d o na sua frente.

Um retrato, e e m baixo a notícia:

"Mrs. Simon Doyle, que ante s do cas a m e n t o era conh e ci d a co m o a bela Miss Linnet Ridge w a y.
Mr.

Mrs. Doyle estã o a pass ar a lua- de- m el no Egipto..

- Gostaria de ir para o Egipto, ma m ã ? - perguntei.

- Gostaria - resp o n d e u brusc a m e n t e Mrs. Otterbourn e - Acho que nos trata m aqui co m muita
alegria. Recla m ei para o hotel, e esp er o- m e co m direito a uma reduç ã o nos preç o s. Quando falei a
ess e resp eito, fora m muito impertinent e s, m e s m o muito. Mas não fiz cerim ó ni a e m dizer a opinião
que tinha sobr e eles!

A rapariga suspirou.

- Um lugar é igual a outro lugar, ma m ã . Gostaria de partirjá.

Mrs. Otterbourn e continuou:

- E hoje de man h ã o ger e nt e teve o topete de m e dizer que todo s os quartos estã o res erv a d o s , e tem
o s de des o c u p ar os nos s o s neste s dois próxim o s dias!

- Então va m o s para outro lugar.

Imediata m e nt e . Estou dispo sta a lutar pelos direitos.

- Na minh a opinião, talvez seja preferív el irmos para o Egipto - mur mur ou Rosalie. - Tanto faz aqui co
m o lá.

- Não é real m e nt e uma que stã o de vida ou de morte. - conc ord o u a outra.

Mas nisto ela eng a n a v a - se. Era, de facto, uma que stã o de vida ou de morte.

- Aquele é Hercule Poirot, o cél e br e dete ctiv e - indicou Mrs. Al erton.

Ela e o filho estav a m sentad o s e m cad eira s de vim e de um ver m el h o berrant e, do lado de fora do
Hotel Catarata, e m Assuão, e obs erv a v a m os dois vultos que se afastav a m : um ho m e n zinh o baixo,
que env er g a v a um fato de sed a branc a, e uma rapariga alta e esb elta.

Tim Al erton endireitou- se na cad eira, co m inesp er a d a vivacida d e .

- Aquele có mi c o ho m e n zinh o? - perguntou incrédulo.

- Sim, aqu el e có mi c o ho m e n zinh o!

- Santo no m e de Deus, que está ele a fazer aqui?


A mã e de Tim soltou uma garg alh a d a .

- Meu caro, não te exaltes des s a forma. Porqu e será que os ho m e n s gosta m tanto de crim e s? Por
mim, dete st o rom a n c e s policiais, e não m e dou ao trabalh o de os ler. Mas não creio que Poirot esteja
aqui por algu m m otivo esp e ci al. Tem ganh o muito dinheiro e co m certez a viaja para conh e c e r o
mund o.

- Parec e que soub e es c olh er a rapariga mais bonita. - Mrs.

Al erton inclinou a cab e ç a de lado, obs erv a n d o nova m e n t e os dois vultos. A rapariga era uns dez

centí m etro s mais alta que o co m p a n h eir o. Andava co m ele g â n ci a, se m se inclinar para a frente, e
ao m e s m o temp o co m rigidez.

- Ela é bonita. co m certez a?

Ao fazer a pergunta, Mrs. Al erton lançou ao filho um olhar de soslaio, divertindo- se ao ver o peixe m ord
er a isca.

- Mais do que bonita! É pena estar se m pr e de mau hum or.

- Talvez seja apen a s expre s s ã o fisionó mi c a, m eu filho.

- Um diabr et e des a g r a d á v el, co m certez a. Mas bonita, diss o não há dúvida.

O alvo des s e s co m e nt ário s ca minh a v a ao lado de Poirot. Rosalie Otterbourn e revirava na mã o a so


m brinh a e a expre s s ã o do seu rosto não des m e n ti a as palavra s de Tim.

Parecia real m e nt e mal- hum or a d a; estav a de sobra n c el h a s contraída s e a linha rubra dos lábios
des c aí a- lhe nos canto s.

Pass ara m pelo portão do hotel, voltara m à es qu er d a e entrara m no jardim público.

Hercule Poirot conv er s a v a co m volubilidad e, tendo no rosto uma expre s s ã o de be atitud e. Estava de
fato de sed a branc a, muito be m pass a d o , chap é u pana m á , e levav a na mã o um vistos o enxota- mo
s c a s co m cab o de imitaçã o de âm b ar.

-. .estou enc a nt a d o... - dizia ele. - Encantad o! Os recifes negro s da Elefantina, o sol, os barquinh o s no
rio. Sim, vale a pena viver.

Fez uma paus a e acre s c e nt o u:

- Não é tamb é m a sua opinião, mad e m o i s ell e?

Rosalie replicou sec a m e n t e :

- Oh, provav el m e nt e . Mas ach o Assuão um lugar lúgubre. O hotel está quas e vazio e os hósp e d e s
têm ce m ano s de idad e...

Interro mp e u- se, mord e n d o os lábios.

Os olhitos de Poirot tivera m um brilho malicios o.

- É verdad e , sim; estou co m um pé na cova.

- Eu. . não estav a a pens ar no senh or - diss e a jove m . - Desculpe- m e. Foi pouc o delicad o da minha
parte.

- Não tem importân cia. É natural que des ej e co m p a n h e ir o s da sua idad e. Oh, bo m; há pelo m e n o
s um.
- Aquele que fica sentad o ao lado da mã e o temp o todo? Gosto dele... ma s ach o- o insuportáv el... tão
preten ci o s o!

Poirot sorriu.

- E eu? Sou tam b é m preten ci o s o ?

- Oh, de man eira nenhu m a .

Não havia dúvida que ela não estav a intere s s a d a , ma s isso não preo c up o u Poirot, que, co m ar
pacata m e n t e satisfeito, co m e nt o u:

- O m eu m elh or amig o diz que sou muito conv e n ci d o.

- Oh, bo m, co m certeza o senh or tem motivo s para isso - diss e Rosalie, num tom vag o. - Infelizm e nt
e, o crim e não m e intere s s a .

Poirot diss e co m ar solen e:

- Alegra- m e sab er que não tem nenhu m se gr e d o horrível a ocultar.

Pelo esp a ç o de um se g un d o, a má s c ar a ente diad a da rapariga transfor m o u- se, e ela lançou um


rápido olhar ao co m p a n h e ir o. Poirot continuou, se m pare c e r notar coisa algu m a:

- Made m oi s ell e, sua mã e não co m p ar e c e u hoje ao alm o ç o . Espero que não esteja indispo sta?

- A ma m ã não tem pass a d o be m - declarou Rosalie sec a m e n t e . -

Darei graç a s a Deus quand o nos

form o s e m b o r a daqui.

- Sere m o s co m p a n h eir o s de viag e m , não é verda d e ? Fare m o s juntos a excurs ã o até Uadi
Halfa e à Segund a Catarata?

- Sim.

Os dois saíra m das so m br a s do jardim para um poeirento trech o da estrad a que marginav a o rio. Cinco
vend e d o r e s de colare s, dois de bilhete s postais, três de esc ar a v el h o s de ge s s o e outros ainda
desta c ar a m - se

" de um grupo e ac erc ar a m - se dele s, e m atitude infantilm e nt e esp er a n ç o s a .

- Quer contas, sen h or? Muito bonitas, senh or.

Muito baratas...

- Menina, co m pr e um esc ar a v el h o . Veja... grand e rainha... muita sorte.

- Veja, senh or... lazúli verda d eiro. Muito bo m, muito barato...

- Um pass ei o de jum e nto, sen h or? Este é muito bo m. Jumento Whiskey e Soda, senh or...

- Quer ir às pedreiras de granito, sen h or? Este, bo m jume nt o. O outro não presta, cai de vez e m quand
o, sen h or...

- Bilhete postal? Bonito... barato...

- Veja, m e nin a... só dez piastras; muito barato...

isto é de marfim... Este muito bo m enxota- mo s c a s ... este, tudo âm b ar...


- Vai de barc o, sen h or? O m e u, muito bo m...

- Volta para o hotel, sen h or a? Este, muito bo m jume nt o...

Hercule Poirot fazia ge st o s vag o s, tentand o livrar- se do enxa m e de m o s c a s hum a n a s . Rosalie


atrav e s s o u o grupo co m ar de son â m b ul a.

- É m elh or a gent e fingir que é surda e mud a - obs erv o u.

A algazarra ainda os aco m p a n h a v a .

- Bakshish? Bakshish? Hip, hip, hurrah! Muito

bo m, muito barato...

Os trapos de core s vistos a s que eles vestia m arrastav a m - se pitores c a m e n t e , e as mo s c a s pous a


v a m nas pálpe bra s daqu el e s ho m e n s .

Alguns era m persistent e s. Outros confor m a v a m - se, preparan d o- se para investir contra o próxim o
turista.

Agora, Poirot e Rosalie fazia m a via- sacra das lojas...

Aqui, intona ç ã o suav e e persua siv a...

- Dá-m e a honra de visitar hoje a minh a loja, senh or? -

Deseja este croc o dilo de marfim, sen h or? - Já estev e na minh a loja, senh or? - Mostro- lhe os mais

belo s artigos...

Entrara m na quinta loja e Rosalie co m pr o u vários rolos fotográfico s - a finalidad e daqu el e pass ei o.

Saíra m e fora m até à marg e m do rio.

Um dos vapor e s do Nilo aca b a v a de atrac ar. Poirot e Rosalie obs erv ar a m co m intere s s e os pass a
g e ir o s.

- Muitos, não? - co m e nt o u a rapariga.

Virou a cab e ç a ao perc e b e r que Tim Al erton vinha juntar- se- lhes. O rapaz pare cia ofeg a nt e, co m
o se tivess e ca minh a d o muito depr e s s a .

Continuara m ali durante alguns minutos. Tim foi o prim eiro a falar:

- Gente horrível, co m certez a - co m e nt o u e m tom des d e n h o s o , indicand o as pes s o a s que des e


mbarcavam.

- Em geral são insuportáv ei s - con c or d o u Rosalie.

Os três tinha m o ar superior que assu m e m as pes s o a s que já estã o num lugar, quand o estud a m os
rec é m - che g a d o s .

- Olá! - excla m o u Tim, co m uma nota de súbita excitaç ã o na voz: - Macaco s m e mord a m se aqu el a
não é Linnet Ridge w a y!

Se Poirot não pare c e u intere s s a d o , o m e s m o não se pod e dizer de Rosalie. Inclinou- se para a
frente, a expre s s ã o ente diad a des a p ar e c e u - lhe do rosto.

- Onde? Aquela de branc o?


- Sim, co m o rapaz alto. Vão des c e r ag ora. O marido, co m certez a. Não m e lem br o do no m e dele,
nest e m o m e n t o.

- Doyle - inform o u Rosalie. - Simon Doyle.

"Todo s os jornais dera m a notícia. Ela é riquíssi m a," é?

- Uma das rapariga s mais ricas de Inglaterra - declarou Tim, anim a d a m e n t e .

Ficara m e m silêncio, obs erv a n d o os pass a g eir o s que des ci a m . Poirot fitou co m curiosidad e o
alvo daqu el e s co m e nt ário s.

- É muito bonita - mur mur ou.

- Alguma s pes s o a s têm tudo - obs erv o u Rosalie, num tom am arg o.

Havia no seu rosto uma estranh a expre s s ã o de ranc or, enqu a nt o o olhar dela aco m p a n h a v a a jove
m que vinha a des c e r a es c a d a de bord o.

Linnet Doyle estav a tão be m vestida co m o a principal figura de uma revista ao entrar no palco. Tinha

tam b é m o aplo m b de uma artista fam o s a . Estava habituad a a cha m a r a aten ç ã o , a ser ad mirad a,
a ser a prim eira, ond e quer que apar e c e s s e .

Perce b e u os olhare s atento s dirigidos à sua pes s o a

- e ao m e s m o temp o quas e não os perc e b e u , pois tais tributos fazia m parte da sua vida.

Desc e u para a marg e m , repre s e nt a n d o um pap el, se be m que o repre s e nt a s s e incon s ci e nt e


m e n t e . A rica, a bela Linnet Ridge w ay, a flor da soci e d a d e , na sua viag e m de núpcias. Voltou- se
co m ligeiro sorriso para o ho m e m a seu lado, fazend o uma obs erv a ç ã o qualqu er. Ele resp o n d e u,
e o so m da sua voz pare c e u intere s s ar Poirot. O

olhar do dete ctiv e brilhou; as suas sobran c el h a s contraíra m- se ligeira m e nt e .

O cas al pass o u perto dele s. Poirot ouviu Simon Doyle dizer:

- Procurare m o s arranjar temp o para isso, querida. Pode m o s ficar uma se m a n a ou duas, se gostar de
estar aqui.

O rosto do rapaz estav a voltad o para ela. Express ã o arde nt e, adora d or a, talvez m e s m o um tanto
humild e.

Poirot exa min o u- o co m ar pens ativo. Ombro s largo s, rosto bronz e a d o , olho s azul- escur o s,
sorriso infantil.

- Um tipo de sorte! - co m e nt o u Tim Al erton, ao vê- los pass ar. - Imagine! Encontrar uma herd eira que
não tenha ade n ói d e s e pés chato s!

- Parec e m muito felizes - diss e Rosalie co m uma nota de inveja na voz. Disse repe ntina m e nt e , ma s
tão baixo que Tim não perc e b e u o sentido das palavra s:

- Não é justo.

Mas Poirot ouviu- a. Continuav a de sobra n c el h a s contraída s, co m ar perplex o, ma s não deixou de


lançar à co m p a n h eira um olhar curios o.

Tim diss e entã o:

- Tenh o que fazer uma co m pr a para minha mã e.


Tocou no chap é u e afastou- se. Poirot e Rosalie voltara m lenta m e nt e para o hotel, afastand o do ca
minh o um ou outro vend e d o r importuno.

- Então não é justo, ma d e m o i s e ll e? - perguntou ele suav e m e n t e .

A rapariga corou, enc ol erizad a.

- Não sei o que quer dizer co m isso.

- Repito, apen a s , o que lhe ouvi dizer e m voz baixa há pouc o. Oh, diss e, sim.

Rosalie enc olh e u os om br o s.

- É real m e nt e de mais para uma pes s o a só. Dinheiro, bel ez a, e porte e... - Interro mp e u- se repentina
mente.

Poirot sug eriu:

- Amor? Hem, am or? Mas a senh or a não sab e.

Talvez ele tenha cas a d o só pelo dinh eiro!

- Não viu, entã o, co m o a olhav a?

- Sim, mad e m o i s ell e. Vi tudo; até m e s m o algu m a coisa que a sen h or a não viu.

- Que foi?

Poirot resp o n d e u lenta m e nt e:

- Vi, mad e m o i s ell e, linhas es cura s sob uns olho s de mulh er. Vi as articulaçÕe s lívidas da mã o que
seg urav a uma so m brinh a...

- Que quer dizer co m isso? - perguntou Rosalie, olhand o- o be m de frente.

- Digo que ne m tudo o que luz é oiro; digo que, e m b o r a aqu el a sen h or a seja bela, rica e am a d a ,
existe algu m a coisa que não vai be m ... E ainda mais...

- Sim?

Poirot continuou, franzindo as sobran c el h a s :

- Sei que, certa vez, e m qualqu er lugar, já ouvi aqu el a voz; a voz de Mister Doyle. E gostaria de sab er
ond e foi!

Mas Rosalie não o ouvia. Parecia subita m e nt e feita pedra, des e n h a n d o co m a ponta da so m brinh a
arabisc o s na areia. De repe nt e, explodiu:

- Sou dete stáv el. Uma verdad eira peste. Gostaria de lhe arranc ar o vestido e pisar aqu el e rosto belo e
arrog a nt e. Não pass o de uma gata invejos a; ma s é assi m que sinto. Tudo, na atitude dela, indica
triunfo, importância, confianç a e m si.

A explos ã o parec e u surpre e n d e r Poirot. Segurou o braç o de Rosalie e sacudiu- a amig a v el m e nt e


e se m rudeza.

- Ten ez... Vai sentir- se m elh or por ter dito isso.

- Odeio- a. Nunca pens ei que, à primeira vista, foss e possív el odiar tanto uma pes s o a!

- Magnífico.
Rosalie fitou- o co m ar incrédulo. Depois des at ou a rir.

- Bien - diss e Poirot, rindo tam b é m .

Voltara m co m o bon s ca m ar a d a s para o hotel.

- Preciso ir ver a ma m ã - diss e a jove m ao entrare m no átrio so m bri o e fresc o.

Poirot dirigiu- se para o terraç o que dava para o Nilo.

As m e sinh a s estav a m preparad a s para o chá, ma s ainda era ced o. Ele ficou alguns mo m e n t o s a
olhar o rio, dep oi s foi pass e ar pelo jardim.

Alguma s pes s o a s jogav a m ténis, ape s ar do calor do sol. Poirot parou a obs erv á- las; dep ois des c e
u a ladeira.

E ali, sentad a num a cad eira que dava para o Nilo, foi enc o ntrar a rapariga que vira e m Chez Ma Tante.

Reconh e c e u - a imediata m e n t e . O rosto que vira naqu el a noite ficara- lhe nitida m e nt e grava d o
na m e m ó ri a.

Mas a expre s s ã o era ag ora be m divers a. Estava mais pálida, mais ma gr a e havia no seu rosto algu m a
s so m br a s que indicav a m cans a ç o e sofrim e nt o.

Poirot recu ou. A jove m não o vira; ele ficou, portanto, a obs erv á- la durante alguns se g un d o s , se m
que ela susp eitas s e da pres e n ç a dele. O pézinh o batia impaci e nt e m e n t e no chã o. Os olho s, de
estranh o brilho, tinha m uma expre s s ã o de calm o e so m bri o triunfo. Ela fitava o Nilo, ond e os
barquinh o s de velas branc a s nav e g a v a m de um para o outro lado.

Um rosto - uma voz. Lembrou- se entã o de am b o s . O rosto da rapariga; a voz que pouc o ante s ouvira

nova m e n t e . A voz de um rapaz e m lua- de- m el...

E, enqu a nt o Poirot estav a ali, a obs erv ar a jove m , deu- se a seg un d a cen a do dra m a.

Vozes, lá e m cima. A rapariga levantou- se de chofre. Linnet Doyle e o marido des ci a m a ladeira. Linnet
pareci a feliz, confiante; a expre s s ã o tensa, a rigidez dos mús cul o s tinha m des a p ar e ci d o...

A jove m que se ergu er a tão repe ntina m e nt e adiantou- se entã o.

Os outros dois esta c ar a m .

- Olá, Linnet - diss e Jacqu eline de Bel efort. - Então voc ê está aqui! Os noss o s ca minh o s estã o se m
pr e a cruzar- se, não é verdad e ? Olá, Simon, co m o vai voc ê?

Linnet recuara, apoiand o- se à roch a co m uma excla m a ç ã o . O

belo rosto de Simon Doyle teve uma

súbita convulsã o de cólera. Ele adiantou- se, co m o se quise s s e agredir a es g uia criaturinha à sua
frente.

Com um rápido m ovi m e nt o de cab e ç a , qual um pass arinh o, ela indicou que perc e b e r a a pres e n ç
a de uma pes s o a estranh a. Simon voltou- se e viu Poirot.

Disse entã o des aj eitad a m e n t e :

- Olá, Jacqu eline. Não esp er á v a m o s enc o ntrá- la aqui.

As palavra s dele tivera m um so m muito pouc o convinc e nt e.


Os dente s branc o s da rapariga reluzira m.

- Verdad eira surpre s a, he m! - diss e ela.

Depois, co m uma inclinaç ã o de cab e ç a , pôs- se a subir a ladeira.

Delicada m e n t e , Poirot tom o u a direc ç ã o opo sta.

Mas ainda ouviu Linnet dizer:

- Simon... pelo am or de Deus... Simon, que pod e m o s fazer?

CAPíTULO 2

Terminara o jantar.

Suave a ilumina ç ã o no terraç o do Hotel Catarata, ond e, e m redor de m e s a s pequ e n a s , estav a a


mai oria dos hósp e d e s .

Simon e Linnet Doyle viera m até ali, aco m p a n h a d o s por um sen h or distinto, de cab el o s grisalho
s, rosto barb e a d o e vivaz de am eric a n o.

O grupo hesitou um mo m e n t o à porta. Tim Al erton ergu eu- se e adiantou- se, dizend o am a v el m e n
tea

Linnet:

- Não se lem br a de mim, co m certeza. Sou primo de Joana Southw o o d .

- Naturalm e nt e... Que distrac ç ã o a minha! Tim Al erton, não é verda d e ? Apres e nto- lhe m e u
marido (aqui a voz de Linnet trem e u ligeira m e nt e: orgulho? timidez?) É o m eu procurad or, na
América, Mister Penning s o n.

Tim cumpri m e nt o u os dois ho m e n s e diss e, voltand o- se de nov o para Linnet:

- Desejo apres e nt ar- lhe minha mã e .

Minutos dep ois fazia m todo s parte de um grupo.

Linnet sentara- se a um canto, entre Tim e Pennington cad a um dele s procurand o atrair a sua atenç ã o .

Mrs. Al erton conv er s a v a co m Simon Doyle.

A porta giratória mo v e u- se. A jove m sentad a entre os dois ho m e n s teve uma súbita contrac ç ã o .
Mas ficou de novo à vontad e , quand o viu um ho m e n zinh o engra ç a d o , que imediata m e n t e atrav
e s s o u o terraç o.

Mrs. Al erton diss e:

- Você não é a única cele brida d e aqui pres e nt e.

Aquele có mi c o ho m e n zinh o é Hercule Poirot.

Falara despr e o c u p a d a m e n t e , apen a s por hábito de soci e d a d e , para que br ar uma paus a con
stran g e d o r a; ma s a inform a ç ã o parec e u impres si o n ar Linnet.

- Hercule Poirot? Claro que o conh e ç o de no m e ...

Os olho s dela adquirira m uma expre s s ã o abstracta, e os dois ho m e n s a seu lado ficara m se m sab er
o que dizer.
Poirot aproxim o u- se do parap eito do terraç o, ma s a sua co m p a n hi a foi imediata m e n t e solicitada.

- Sente- se, Mister Poirot. Linda noite, não ach a?

- Claro que sim, mad a m e , muito linda - conc or d o u ele, ac eitand o o convite.

Sorriu am a v el m e n t e para Mrs. Otterbourn e. Que en or m e quantidad e de gaz e preta, e que ridículo
turbante!

Mrs. Otterbourn e continuou, na sua voz alta e lamurienta.

- Inúmera s notabilidad e s aqui, não é verda d e ?

Com certez a, os jornais dirão algu m a coisa a es s e resp eito. Belezas da soci e d a d e , fam o s a s rom a
n ci sta s...

interro m p e u- se co m um sorriso de falsa mo d é s tia.

Poirot mais sentiu do que viu a contrac ç ã o da rapariga mal- hum or a d a à sua frente.

- Está actual m e nt e a escr e v e r algu m a nov el a, ma d a m e ? -

perguntou ele.

Mrs. Otterbourn e es b o ç o u nova m e n t e um sorriso des aj eitad o.

- Ando muitíssi m o preguiç o s a . Preciso de rec o m e ç a r. O m e u público está a mo strar- se impaci e


nt e, e

o m eu editor... pobr e ho m e m ! Recla m a çÕ e s a cad a correio! Até m e s m o telegra m a s!...

Poirot viu de novo a jove m à sua frente mud ar de posiçã o.

- Não m e importo de lhe contar, Mister Poirot.

Estou aqui e m busc a de am bi e nt e, de cor local. Neve e m Pleno Deserto! é o título do m eu próxim o
livro.

Forte. Sugestivo. Neve... no des erto... derrete n d o- se ao prim eiro sopro ardent e da paixão.

Rosalie ergu e u- se, mur muran d o qualqu er coisa, e dirigiu- se para o jardim imers o e m so m br a s .

- A gent e precis a de ser forte - continuou

Mrs. Otterbourn e, sacudind o enfatica m e n t e o turbante. -

Realidad e... sim, os m eu s livros são reais. As bibliotec a s pod e m bani- los... que importa? Digo a verda
de.

Sexo... Ah! Mister Poirot, porqu e será que toda a gent e tem m e d o do sexo? O pivot do Universo? Te m
lido os m eu s livros?

- Não, infelizm e nt e, ma d a m e !... A senh or a co m pr e e n d e ; não leio muitos rom a n c e s . O m eu


trabalh o...

Mrs. Otterbourn e diss e co m firmez a:

- Preciso dar- lhe um exe m pl ar de Sombra da Figueira. Creio que vai gostar. É cru... ma s é real!

- É muita gentileza sua, mad a m e . Terei muito prazer e m lê- lo.


Mrs. Otterbourn e ficou dois ou três minutos e m silêncio, brincan d o co m um long o colar de contas que
lhe pass a v a duas vez e s pelo pes c o ç o .

Olhou rapida m e nt e de um lado ao outro, mur mura n d o :

- Talvez seja preferív el dar um pulo lá aci m a e trazê- lo.

- Oh, ma d a m e , por favor, não se inco m o d e . Mais tarde...

- Não, não é incó m o d o nenhu m - declarou ela ergu e n d o - se. Gostaria de lhe mo strar...

- Que é que suc e d e u, ma m ã ? - perguntou Rosalie, reapar e c e n d o inopinad a m e n t e .

- Nada, minh a querida. Ia apen a s busc ar um livro para Mister Poirot.

- Som bra da Figueira? Deixe lá, que eu vou busc á- lo.

- Tu não sab e s ond e está.

- Sei, sim.

A rapariga atrav e s s o u rapida m e nt e o terraç o e entrou no átrio.

- Permita- m e que a felicite, mad a m e , pela linda filha que tem - diss e Poirot, inclinand o- se galante m e
nte.

- Rosalie? Sim, sim é bonita. Mas é muito dura, Mister Poirot. E não tem paci ên ci a co m as pes s o a s do
e nt e s. Acha que tem se m pr e razã o. Pens a que sab e

mais a resp eito da minha saúd e do que eu própria...

Poirot fez sinal a um criado que ia a pass ar naqu el e m o m e n t o.

- Um licor, ma d a m e ? Chartreus e? Crem e de m e nth e?

Mrs. Otterbourn e aba n o u vigoro s a m e n t e a cab e ç a .

- Não, não. Sou franca m e n t e pela lei sec a. Talvez tenha notad o que só be b o água... ou de vez e m
quand o uma limon a d a . Não suporto nada que tenha álco ol.

- Poss o entã o ofere c e r- lhe uma limon a d a?

Ela inclinou a cab e ç a e Poirot enc o m e n d o u o refres c o e um bén é ditine.

A porta girou nova m e n t e e Rosalie apar e c e u, co m o livro.

- Aqui está - diss e ela e m voz inexpre s siv a.

- Mister Poirot aca b a de m e ofere c e r um refres c o

- diss e a rom a n ci sta.

- E mad e m o i s ell e, que des ej a?

- Nada - declarou a rapariga. Ao perc e b e r a falta de gentileza da resp o st a, acre s c e nt o u: - Nada,


obrigad a.

Poirot ac eitou o volu m e que Mrs. Otterbourn e lhe este n dia. Tinha ainda a capa original, e m core s
alegr e s, ond e se via, sentad a num a pele de tigre, uma senh or a de cab el o s cortad o s e unha s rubras, e
m trajes de
Eva. Em cima, uma árvor e co m folhas de carvalh o, cheia de ma ç ã s enor m e s e de fantástico colorido.
Sombra da Figueira, por Salom é Otterbourn e. Dentro, uma nota

do editor, referindo- se e m term o s entusiástico s ao ma g nífico realis m o e cora g e m daqu el e estud o


da vida am or o s a de uma mulh er mo d er n a.

Franc o, real, verdad eiro - era m os adjectivo s e m pr e g a d o s .

Poirot inclinou- se, mur mura n d o :

- Sinto- m e muito honrad o, ma d a m e .

Ao ergu er a cab e ç a , os seus olho s enc o ntrara m os da filha da autora. Involuntaria m e nt e, ele fez um
pequ e n o m ovi m e nt o, não pod e n d o ocultar totalm e nt e a surpre s a e a const ern a ç ã o que sentiu
ante a eloqu ê n ci a da dor que aqu el e s olho s revelav a m .

Felizm e nt e, as be bid a s ch e g ar a m nest e mo m e n t o .

Poirot ergu e u galante m e n t e o cop o.

- À votre santé, ma d a m e , mad e m o i s ell e.

Mrs. Otterbourn e mur mur ou, enqu a nt o ia tom a n d o uns gole s da limon a d a:

- Delicios o, tão refres c a nt e!

Depois disso, ficara m e m silêncio, fitando os recifes negr o s e brilhante s. Parecia m fantástico s, ao luar.

Com o en or m e s mo n stro s pré- histórico s, que tivess e m m eta d e do corpo fora da água.

Soprou repentina brisa, que co m a m e s m a pres s a des a p ar e c e u .

Que impres s ã o de silêncio, de exp e ct ativa!...

O olhar de Hercule Poirot exa min o u o terraç o e os seus ocupa nt e s. Estaria eng a n a d o , ou tam b é m
havia aqui a m e s m a sen s a ç ã o de exp e ct ativa? Com o no teatro, quand o a gent e esp er a a entrad a
da artista principal...

Neste m o m e n t o, a porta giratória m ov e u- se nova m e n t e , desta vez co m o se a pes s o a a e m


purra s s e co m ge st o de estud a d a importân cia. A conv er s a ces s o u e m toda s as m e s a s , os
olhare s voltara m- se para aqu el e lado.

Aparec e u uma jove m mor e n a e es b elta, de vestido de noite, cor de vinho. Parou por alguns se gu n d o
s , dep oi s atrav e s s o u o terraç o co m ar decidido e foi sentar- se a uma m e s a des o c u p a d a . Na sua
atitude nada havia de osten siv o, nada fora de propó sito, e, no entanto, dera a impre s s ã o de uma artista
a entrar no palco.

- Ora, ora! - excla m o u Mrs. Otterbourn e, aba n a n d o a cab e ç a aprision a d a no turbante. - Ela pens a
que é algu é m , ess a pequ e n a!

Poirot nada diss e. Observ av a... A jove m sentara- se num lugar de ond e podia enc ar ar Linnet Doyle.
Logo e m se guid a, a milionária inclinou- se para a frente, diss e

qualqu er coisa e levantou- se, indo sentar- se noutra cad eira. Estava ag ora de costa s para a rec é m - che
gada.

Poirot inclinou a cab e ç a , pens ativo.

Cinco minutos mais tarde, a outra jove m foi sentar- se no lado opo st o do terraç o. Ali ficou, fumand o e
sorrindo co m sere nid a d e , co m o se não tivess e uma só preo c up a ç ã o na vida. Mas con stant e m e n
t e , co m o que incon s ci e nt e m e n t e , o seu olhar des c a n s a v a sobr e a esp o s a de Simon Doyle.

Um quarto de hora mais tarde, Linnet ergu e u- se brusc a m e n t e e entrou no hotel, quas e log o seg uida
pelo marido.

Jacqu eline de Bel efort sorriu e fez a cad eira girar para o outro lado. Acend e u um cigarro e pôs- se a
conte m pl ar o Nilo. Continuou a sorrir...

CAPíTULO 3

- Mister Poirot.

O dete ctiv e ergu e u- se apres s a d a m e n t e . Continuara sentad o no terraç o, m e s m o dep ois de o


último hósp e d e se retirar. Imerso e m profunda m e ditaç ã o , estivera a conte m pl ar as lisas e brilhante
s roch a s negra s, ma s, ao ouvir o seu no m e , voltou à realidad e .

Cham ar a- o uma voz be m- educ a d a , firme; e, ape s ar de ligeira m e nt e arrog a nt e, enc a nt a d or a.

Voltando- se viva m e nt e, Hercule Poirot enc o ntrou o olhar do min a d or de Linnett Doyle.

A jove m lançara sobr e o vestido de cetim branc o uma capa de veludo carm e si m : estav a tão bela e
impon e nt e que Poirot, no seu íntimo, a co m p ar o u a uma rainha.

- Estou a falar co m Hercule Poirot?

A frase era mais uma afirma ç ã o do que uma pergunta.

- Ao seu dispor, mad a m e .

- Talvez saiba que m sou?

- Sim, mad a m e . Dissera m - m e o seu no m e . Sei exacta m e n t e que m é.

Linnet inclinou a cab e ç a , co m o que m não esp er a v a outra coisa.

- Quer aco m p a n h a r- m e à sala de jogo, Mister Poirot? Desejo muito falar- lhe - diss e ela co m aqu el
e seu ar enc a nta d or a m e n t e do min a d or.

- Certam e nt e, ma d a m e .

Entrara m no hotel, ca minh a n d o Linnet um pouc o à frente. Quando che g ar a m à sala de jogo, a jove
m fez sinal a Poirot para que fech a s s e a porta. Sentou- se dep ois a uma das m e s a s e o dete ctiv e seg
uiu- lhe o exe m pl o. Linnet foi direita ao assunto. Nenhu m a hesitaç ã o

Fluência abs oluta.

- Tenh o ouvido falar muito do sen h or, Mister Poirot, e sei que é um ho m e m muito intelig ent e.

Acontec e que precis o de auxílio, e creio que o sen h or é a pes s o a mais indicad a para isso.

Poirot inclinou a cab e ç a e replicou:

- É muita gentileza sua, mad a m e . Mas, a sen h or a sab e, estou e m férias, e nesta s oca siÕe s não costu
m o ac eitar incum b ê n ci a algu m a .

- Podería m o s che g ar a um acord o.

A frase não foi dita de man eira insultuos a - apen a s co m a intona ç ã o de que m está habituad a a decidir
tudo de acord o co m os seus próprios intere s s e s .

Depois de imperc e ptív el paus a, Linnet continuou:


- Mister Poirot, estou a ser vítima de uma intoleráv el pers e g uiç ã o . É precis o que isso aca b e! A minh
a intenç ã o era ir à polícia, ma s m e u... m e u marido ach a que ela nada pod eria fazer.

- Talvez poss a ser mais explícita? - perguntou Poirot delicad a m e n t e .

- Sim, é o que vou fazer. É muito simpl e s.

Ainda nenhu m a hesitaç ã o , nada de rodei o s. Linnet Doyle tinha uma m e ntalidad e de ho m e m de neg
ó ci o s.

Fez uma pequ e n a paus a, apen a s para pod er apres e nt ar os factos da man eira mais con cis a possív el.

- Antes de m e conh e c e r, m eu marido estav a noivo de uma amig a minha, Miss de Bel efort. Simon
romp e u o noivad o; dois caract er e s antag ó ni c o s. Lamento dizer que a minh a amig a ficou muito
abalad a. Eu. . sinto muito, ma s ningu é m pod e impedir estas coisa s. Ela fez...

be m, certas am e a ç a s . Pouca atenç ã o dei a ess a s am e a ç a s , que, sou forçad a a confe s s ar, ela não
procurou levar a efeito. Em vez diss o, adoptou o estranh o proc e di m e nt o de... de nos se g uir aond e
quer que va m o s .

Poirot ergu e u as sobran c el h a s e co m e nt o u:

- Vinganç a um tanto... original.

- Muito original... e co m pl eta m e n t e ridícula!

Mas, ao m e s m o temp o... importuna - confe s s o u Linnet, mord e n d o os lábios.

Poirot inclinou a cab e ç a e m sinal de ass e nti m e nt o.

- Sim, não há dúvida. A sen h or a, creio eu, está e m viag e m de núpcias?

- Estou, sim. Acontec e u, primeiro, e m Veneza.

Lá estav a ela, no Danielli. Pens ei que foss e apen a s coincid ê n ci a. Situaçã o um tanto con stran g e d o
r a, ma s nada mais do que isso. Depois, fom o s enc o ntrá- la a bord o, e m Brindisi. Pensá m o s que
estive s s e a ca minh o da Palestina; julgá m o s tê- la deixad o no navio. Mas ao che g ar m o s a Mena
House, lá estav a ela, à nos s a esp er a!

- E dep ois?

- Subim o s o Nilo. Eu. . tinha quas e a certeza de a enc o ntrar a bord o. Não a vend o, julguei que tivess e
desistido de agir de man eira tão... tão infantil. Mas quand o ch e g á m o s aqui... vimo s que nos esp er a v
a.

Poirot obs erv o u Linnet co m aten ç ã o . Absoluta m e nt e senh or a de si; ma s as articulaç õ e s da mã o


que

se agarrav a m à m e s a estav a m lívidas...

- E tem m e d o que continu e ess e estad o de coisa s?

- Tenh o... - diss e Linnet. E dep oi s de uma pequ e n a paus a: -

Claro que tudo isso é uma infantilidad e... Jacqu eline está a fazer um pap el ridículo. Admiro- m e de que
não tenha mais orgulho, mais dignidad e .

Poirot fez um gesto impulsivo.

- Há oca si õ e s , mad a m e , e m que o orgulho e a dignidad e...


salta m pela janela! Existe m outras... e m o çÕ e s mais fortes.

- Sim, possiv el m e nt e - diss e Linnet co m impaci ê n ci a. - Mas, franca m e n t e , que esp er a ela lucrar
co m isso?

- Nem se m pr e é uma que stã o de lucro, mad a m e .

Qualquer coisa no tom de Poirot des a g r a d o u a Linnet. Ela corou e replicou viva m e nt e :

- Te m razão. Uma discus s ã o sobr e os motivo s não ve m ao cas o. O ponto principal é pôr term o a tudo
isso.

- E de que man eira pretend e cons e g ui- lo, mad a m e ?

- Bom... naturalm e nt e, m eu marido e eu não pod e m o s continuar a ser vítima s de tal pers e g ui ç ã o .
Deve hav er algu m a m e did a legal contra uma coisa des s a s .

Linnet falara co m impaci ê n ci a. Poirot perguntou, fitando- a:

- Ela am e a ç o u- a, por aca s o, e m público? Serviu- se de term o s insultuos o s ? Tentou qualqu er


violênci a física?

- Não.

- Então, franca m e n t e , mad a m e , não vejo o que a sen h or a poss a fazer. A jove m tem prazer e m
viajar por certos lugare s, e ess e s lugare s são os m e s m o s ond e a sen h or a e seu marido se ach a m ,
eh bien, que mal há niss o? O Sol nasc e para todo s! Ela não procura introm et er- se na sua vida
particular? É se m pr e e m público que tais enc o ntro s se dão?

- Quer dizer que não há nada que eu poss a fazer?

- Perguntou Linnet co m incredulidad e.

Poirot resp o n d e u sere n a m e n t e :

- Nada, na minha opinião. Madem oi s ell e de Bel efort está no seu direito.

- Mas... isto é de enlouqu e c e r! É intoleráv el! Ver-m e obrigad a a suportar uma coisa des s a s!

Poirot diss e sec a m e n t e :

- Compre e n d o o seu ponto de vista, mad a m e , principal m e nt e porqu e não dev e estar habituad a a
suportar coisa s que lhe des a gr a d a m .

- Deve hav er uma man eira de pôr fim a isso - diss e Linnet, contraind o as sobra n c el h a s.

- A sen h or a pod eria partir, procurar outro lugar

- sug eriu Poirot, enc olh e n d o os om br o s.

- Ela seg uir- m e- ia.

- Provav el m e nt e .

- Mas é absurd o!

- Exacta m e nt e .

- De qualqu er man eira, porqu e hei- de eu... porqu e hav e m o s nós de fugir? Com o se... co m o se...

Linnet interro m p e u- se.


Poirot diss e, entã o:

- Exacta m e nt e , mad a m e . Com o se... ! Aí é que está a que stã o, não é verda d e ?

Linnet ergu e u a cab e ç a e enc ar ou- o.

- Que quer dizer co m isso?

Poirot mud ou de intona ç ã o . Inclinou- se para a frente, perguntand o e m tom confiden ci al, muito suav
e:

- Por que motivo se importa tanto, ma d a m e ?

- Porqu ê? Mas é alucinante! Irritante ao máxi m o!

Já lhe diss e qual a razão.

Poirot aban o u a cab e ç a .

- Não inteira m e nt e .

- Que quer dizer co m isso? - perguntou nova m e n t e Linnet.

Poirot apoiou- se ao esp ald ar da cad eira, dizend o e m tom despr e o c u p a d o , impe s s o al:

- Escute, mad a m e : vou contar- lhe uma historiazinha. Há um ou dois m e s e s , estav a eu num
restaurant e e m Londres. Na m e s a peg a d a à minha, vi duas pes s o a s , um rapaz e uma rapariga.
Parecia m muito felizes, muito apaixon a d o s .

Discutiam, confiante s, o futuro.

Não que eu seja indiscret o... eles não se preo cup a v a m co m que m pude s s e ouvi- los. O ho m e m
estav a de costa s para mi m, ma s podia ver o rosto da rapariga. Ardente. Apaixonad o. Aquela jove m am
a v a co m o coraç ã o , a alma, o corpo; e não era des s a s pes s o a s que am a m leviana m e n t e e muitas
vez e s. Via-se clara m e nt e que, para ela, era que st ã o de vida ou de m orte. Estava m noivo s, pelo que
pude perc e b e r, e falava m do lugar aond e iam pass ar a lua- de- m el. O Egipto.

Poirot fez uma paus a. Linnet perguntou brusc a m e n t e :

- E entã o?

- Isto foi há um ou dois m e s e s - continuou Poirot. - Mas o rosto da rapariga, não mais o es qu e ci.

Sabia que o reco n h e c e ri a, se o viss e nova m e n t e . Lembro- m e tam b é m da voz do ho m e m . E,


ma d a m e , creio que não lhe será difícil adivinhar a oca si ã o e m que de nov o vi o rosto e ouvi a voz.
Aqui, no Egipto. O ho m e m , e m lua- de- m el, sim; ma s e m lua- de- m el co m outra mulh er.

Linnet diss e se c a m e n t e :

- E que tem isso? Já m e n ci o n ei os factos.

- Os factos... sim.

- Então?

Poirot diss e lenta m e nt e:

- A rapariga do restaurant e referiu- se a uma amig a; uma amig a que, tinha ela a certez a, não lhe daria
nenhu m a dec e p ç ã o . Essa amig a era, creio eu, a senh or a.

Linnet corou.
- Sim, eu diss e- lhe que éra m o s amig a s.

- E ela tinha confianç a na sen h or a?

- Tinha.

Linnet hesitou por um mo m e n t o, mord e n d o impaci e nt e m e n t e os lábios. Depois, vend o que


Poirot não

pare cia dispo st o a falar, continuou:

- Naturalm e nt e, foi um cas o lam e ntá v el. Mas es s a s coisa s acont e c e m , Mister Poirot.

- Ah, sim, acont e c e m , mad a m e . - Fez uma paus a, e dep oi s: - A sen h or a perten c e à Igreja
Anglicana, co m certez a?

- Realm e nt e - diss e Linnet, um tanto perplexa.

- Então dev e conh e c e r certos trech o s da Bíblia, que são lidos e m voz alta na igreja. Deve ter ouvido
falar do rei David, do ho m e m rico que tinha muitos reban h o s e do pobr e que só tinha uma ovelh a, e co
m o o rico tirou ao pobr e ess a única ovelh a. Foi uma coisa que aco nt e c e u , mad a m e .

Linnet endireitou- se na cad eira e excla m o u, os olho s brilhante s de cólera:

- Vejo perfeita m e nt e aond e quer che g ar, Mister Poirot!

Faland o se m rodei o s, ach a que roub ei o na m or a d o à minh a amig a.

Sob o ponto de vista sentim e nt al, que na minh a opinião é o ponto de vista das pes s o a s da sua gera ç ã
o , talvez isso seja verda d e . Mas a fria realidad e é diferent e. Não neg o que Jackie estive s s e louca m e
n t e apaixon a d a por Simon, ma s não creio

que o senh or tenha ad mitido a hipóte s e de o m e s m o se dar co m ele. Gostava muito dela, ma s ach o
que, m e s m o ante s de m e conh e c e r, ele já co m e ç a r a a co m pr e e n d e r que ia co m e t er um
erro, cas a n d o- se co m Jacqu elin e.

Procure exa min ar o cas o a sangu e- frio, Mister Poirot.

Simon des c o b r e que é a mim que am a, não a Jackie.

Que dev e fazer? Ser de uma nobr ez a heróica e cas ar- se co m uma mulh er por que m não tem am or,
provav el m e n t e estrag a n d o três vidas; pois é duvido s o que

nes s a s circunstân ci a s pude s s e fazer Jackie feliz! Se já estive s s e cas a d o quand o m e conh e c e u ,
con c or d o que talvez foss e seu dev er mant er- se firme; se be m que ne m disso poss o ter a certeza!
Quando um é infeliz no cas a m e n t o , tam b é m o outro sofre. Mas o noivad o não é um laço indiss olúv
el. Se houv er eng a n o , entã o não há dúvida que é preferív el enc ar ar a situaç ã o antes que seja tarde de
mais. Concord o que foi duro para Jackie; lam e nt o que tenha sido assi m; ma s, paciên ci a!

Foi inevitáv el.

- Não sei - declarou Poirot.

- Que quer dizer co m isso?

- Muito sen s at o, muito lógico, tudo quanto diss e.

Mas não explica uma coisa.

- Que coisa?
- A sua atitude, mad a m e . Esta pers e g uiç ã o , a senh or a pod eria enc ar á- la de dois m o d o s : pod
eria caus ar- lhe ab orre ci m e nt o, sim, ou desp ertar a sua pieda d e . Piedad e por ver a sua amig a tão
profunda m e n t e ferida, a ponto de des d e n h a r toda s as conv e n çÕ e s sociais.

Mas não é ess a a sua reac ç ã o . Para a sen h or a, a pers e g ui ç ã o é intoleráv el. E

porqu ê? Por uma razão,

apen a s; porqu e a senh or a experi m e nt a uma sen s a ç ã o de culpa.

Linnet ergu e u- se de chofre.

- Com o ousa o sen h or? Realm e nt e, Mister Poirot, está a ir long e de mais!

- Mas é que eu ous o, mad a m e ! Ouso, sim. Vou falar- lhe co m abs oluta franqu e z a. Na minh a
opinião, e m b o r a tenha tentad o iludir-se a si própria, a sen h or a procurou con s ci e nt e m e n t e
suplantar a sua amig a. Na minha opinião, sentiu, des d e o princípio, grand e atracç ã o por Mister Doyle.
E houv e um m o m e n t o e m que hesitou, quand o co m pr e e n d e u que pod eria parar ou

continuar. A esc ol h a dep e n di a da sen h or a, não de Mister Doyle.

É bonita, mad a m e , rica, perspicaz, intelig ent e; e tem enc a nt o.

Estava nas suas mã o s fazer valer ess e enc a nt o, ou limitá- lo.

A senh or a tem tudo o que o mund o poss a ofere c e r.

A vida da sua amig a resu mi a- se e m uma só pes s o a . A sen h or a sabia- o e, e m b o r a hesitas s e ,


não ergu e u a mã o... Ao contrário, esten d e u- a, co m o o rei David, tirando ao pobr e a sua única ovelh
a.

Houve um silênci o. Linnet do min o u- se e replicou friam e nt e:

- Isso nada tem co m o cas o!

- Te m, sim. Estou a explicar- lhe por que motivo as inesp er a d a s apariçÕe s de Miss de Bel efort a têm
perturbad o tanto. É porqu e (em b or a o proc e di m e n t o dela talvez seja pouc o feminino e pouc o
digno) a senh or a tem a íntima convicç ã o de que ela está no seu direito.

- Isso não é verda d e!

Poirot enc ol h e u os om br o s.

- Vejo que insiste e m quer er iludir-se a si própria.

- Absoluta m e nt e.

Poirot diss e suav e m e n t e :

- Madam e, tenh o a impre s s ã o de que tem tido uma vida feliz e de que a sua atitude para co m os outros
tem sido se m pr e gen er o s a e am á v el.

- Tenh o feito o possív el para agir assi m - diss e Linnet.

A cólera impaci e nt e des a p ar e c e r a- lhe do rosto.

A frase fora pronunciad a simple s m e n t e , quas e co m des â ni m o .

Poirot diss e:

- E é por isso que a ideia de ter ferido algu é m a perturba tanto, é por isso que tem dificuldad e e m reco n
h e c e r que isto se tenha dad o. Perdo e- m e se fui impertinent e, ma s a psicolo gi a é o factor mais
importante de um cas o.

Linnet replicou lenta m e nt e :

- Mesmo supon d o- se que seja verdad e o que diz (e note que não ad mito coisa algu m a!) que fazer ag
ora? Ningué m pod e mo dificar o pass a d o ; tem o s de enc ar ar as coisa s tal qual elas são.

- A sen h or a raciocina co m clarez a. É verda d e ; não se pod e alterar o pass a d o . Tem o s de ac eitar as
coisa s co m o elas são. E, às vez e s, ma d a m e , nada mais do que isso pod e m o s fazer: ac eitar as cons
e q u ê n ci a s dos nos s o s actos pass a d o s .

- Quer dizer que não há nada que eu poss a fazer?

- perguntou Linnet co m incredulidad e. - Nada?

- Precisa de ter corag e m , mad a m e . Pelo m e n o s , é es s a a minha opinião.

- Mas o sen h or não podia... falar co m Jackie...

co m Miss de Bel efort? Procurar conv e n c ê - la?

- Sim, poss o fazer isso. Fá- lo- ei, se é ess e o seu des ej o. Mas não esp er e grand e s resultad o s. Na
minh a opinião, Miss de Bel efort está tão obc e c a d a , que nada a de m o v e r á do seu propó sito.

- Mas há- de hav er algu m a coisa que o sen h or poss a fazer para nos livrar desta pers e g uiç ã o .

- A sen h or a pod eria, naturalm e nt e, voltar a Inglaterra e fixar- se no seu lar.

- Mesmo assi m, creio que Jacqu elin e seria capaz de se instalar na vila, para que eu a viss e todas as vez e
s que pus e s s e o pé fora da propried a d e .

- Te m razão.

- Além do mais, não creio que Simon conc or d e e m fugir.

- Qual a atitude dele, e m tudo isto?

- Está furioso. Simples m e n t e furioso.

Poirot inclinou a cab e ç a , pens ativo. Linnet continuou, e m tom suplicante:

- O senh or procurará... falar co m ela?

- Falarei, sim. Mas não creio que seja be m suc e did o.

Linnet excla m o u violenta m e nt e :

- Jackie é extraordinária. Ningué m pod e prev er o que ela fará!

- Falou- m e, há pouc o, de certas am e a ç a s . Poderá dizer- m e que tipo de am e a ç a s ?

Linnet enc olh e u os om br o s e resp o n d e u:

- Ela am e a ç o u ... Bom... am e a ç o u matar- nos a am b o s . Jackie, às vez e s, de m o n stra... o seu


temp er a m e n t o latino.

- Compre e n d o ... - diss e Poirot, grav e m e n t e .

Linnet voltou- se para ele, e m tom arde nt e:


- O senh or agirá por mi m?

- Não, ma d a m e - resp o n d e u o dete ctiv e co m firmez a. - Não ac eitar ei a incu m b ê n ci a. Farei o


possív el, sob o ponto de vista hum a nitário. Isso, sim. A situaç ã o é difícil, perigo s a.

Farei o possív el para a ajudar, ma s repito que não creio muito no êxito.

- Mas não agirá e m m e u favor? - perguntou Linnet, pes a n d o cad a palavra.

- Não, ma d a m e - resp o n d e u Hercule Poirot.

CAPíTULO 4

O dete ctiv e enc o ntrou Jacqu elin e de Bel efort sentad a num dos roch e d o s que dava m para o Nilo.
Tivera a certez a de que ela não se retirara e que iria enc o ntrá- la e m algu m ponto, nas imedia çÕ e s do
hotel.

Estava co m o queixo entre as mã o s e não voltou a cab e ç a quand o ouviu pass o s.

- Made m oi s ell e de Bel efort? - perguntou Poirot. - Permite que lhe fale por alguns mo m e n t o s ?

Jacqu eline voltou ligeira m e nt e a cab e ç a , co m um leve sorriso a brincar- lhe nos lábios.

- Pois não - resp o n d e u . - É Mister Hercule Poirot, creio eu? Poss o tentar adivinhar? Vem falar- m e e
m no m e de Mistress Doyle, que lhe pro m et e u principe s c o s hon orários, se foss e be m suc e did o na
sua miss ã o .

Poirot sentou- se num banc o , perto dela.

- A sua supo siç ã o é, e m parte, verda d eira - diss e ele sorrindo. - Acabo de ter uma entrevista co m
Mistress Doyle. Mas não ac eitei hon or ário s e, rigoros a m e n t e faland o, não a repre s e nt o.

Jacqu eline deixou esc a p ar uma excla m a ç ã o e fitou- o co m aten ç ã o .

- Então porqu e veio? - perguntou brusc a m e n t e .

Poirot resp o n d e u co m outra pergunta:

- Já m e tinha visto antes, mad e m o i s e ll e?

- Não, creio que não.

- Pois eu já a conh e ci a. Sentei- m e a seu lado e m Chez Ma Tante. Estava lá co m Mister Simon Doyle.

O rosto da jove m transfor m o u- se e m má s c ar a inexpre s siv a.

- Lembro- m e daqu el a noite...

- Desd e entã o, muita coisa acont e c e u - diss e Poirot.

- Sim, tem razão; muita coisa aco nt e c e u .

A voz da rapariga era dura, co m intona ç ã o profunda m e n t e am ar g a.

- Made m oi s ell e, falo co m o amig o. Enterre os seus morto s!

Ela pare c e u sobr e s s altad a.

- Que quer dizer co m isso?

- Esque ç a- se do pass a d o! Volte- se para o futuro!


Aquilo que está feito está feito. A am ar g ura não dará rem é di o a coisa algu m a.

- Isso conviria ad mirav el m e n t e a Linnet.

Poirot fez um gesto vag o.

- Não pens o nela nest e mo m e n t o . Estou a pens ar e m Jacqu eline de Bel efort. A senh or a sofreu,
sim, ma s o que está a fazer ag ora só serv e para lhe aum e nt ar o sofrim e nt o.

A jove m sacudiu a cab e ç a e resp o n d e u:

- Engana- se. Há oca siÕe s... e m que ch e g o quas e a sentir prazer.

- E isso, mad e m o i s ell e, é o mais lam e nt áv el.

Ela ergu e u viva m e nt e o busto.

- O senh or não é tolo - diss e. E dep ois, pes a n d o as palavras: - Creio que é be m- intenci on a d o .

- Volte para cas a, ma d e m o i s e ll e. É nova, inteligent e... Te m o mund o diante de si.

Jacqu eline aban o u lenta m e nt e a cab e ç a .

- O senh or não co m pr e e n d e , ou não quer co m pr e e n d e r. Simon é o m eu mund o.

- O am or não é tudo, mad e m o i s ell e - diss e Poirot suav e m e n t e .

- É só na mo cid a d e que tem o s ess a ilusão.

- O senh or não co m pr e e n d e . - Lançand o- lhe um rápido olhar, a rapariga acre s c e nt o u: - Sabe de


tudo, co m certez a? Convers o u co m Linnet? Simon e eu am á v a m o - nos.

- Sei que a sen h or a o am a v a .

- Simon e eu am á v a m o - nos. E eu queria muito a Linnet... Confiava nela. Era a minha m elh or amig a.

Linnet pôd e co m pr ar se m pr e tudo o que quis. Nunca se privou de coisa algu m a. Quando viu Simon,
des ej o u- o e apropriou- se dele, simple s m e n t e .

- E ele cons e ntiu e m ser co m pr a d o ?

Jacqu eline aban o u lenta m e nt e a cab e cin h a negra.

- Não, não foi exacta m e n t e isso. Se tives s e sido assi m, eu hoje não estaria aqui... Está a insinuar que
Simon não m er e c e ser am a d o ... Se se tivess e cas a d o co m Linnet por intere s s e , isso seria verdad
e ; ma s não se cas o u por dinh eiro. O cas o é mais co m plica d o do que parec e . Existe uma coisa cha m
a d a deslu m br a m e n t o , Mister Poirot. E nisso o dinheiro ajuda. Linnet tinha cca m bi e nt e", perc e b
e ? Era a rainha de um pequ e n o reino; mulh er de luxo até à ponta dos ded o s. Com o num a cen a de
teatro. O mund o a seus pés... Um dos

mais ricos e mais cobiç a d o s pare s da Inglaterra era preten d e nt e à sua mã o. Em vez de ac eitá- lo, ela
inclinou- se para o obs cur o Simon Doyle... Admira- se de que isso lhe tenha subido à cab e ç a ? - Jacqu
eline fez um ge st o brusc o: - Olhe a Lua lá e m cima. Pode vê- la perfeita m e nt e , não pod e? É verda d
eira. Mas, se o Sol estive s s e a brilhar, não a pod eria ver. Foi mais ou m e n o s isso. Eu era a Lua...
Quando veio o Sol, Simon não mais m e viu... Ficou ofusc a d o . Nada mais viu, a não ser o Sol: Linnet.

Fez uma paus a, dep ois continuou:

- Vê, portanto, que foi... deslu m br a m e n t o . Ela subiu- lhe à cab e ç a . Além do mais, é abs oluta m e
nt e senh or a de si, tem aqu el e hábito de man d ar. Mostra- se tão decidida, tão certa, que faz as outras pes
s o a s tere m tam b é m certez a. Simon foi... fraco, talvez, ma s dev e -se levar e m conta que é um rapaz
muito simple s. Ele ter- m e- ia am a d o , e so m e nt e a mi m, se Linnet não tivess e apare cid o, arreb at a
n d o - o para a sua carrua g e m doirada. E eu sei, sei perfeita m e nt e , que nunca a teria am a d o , se ela
não tives s e procurad o con quistá- lo.

- Sim, é isso o que a senh or a pens a.

- Sei que é a verdad e . Ele am a v a- m e: se m pr e m e am ar á.

- Mesmo ag ora?

Ela ia resp o n d e r viva m e nt e , ma s contev e- se. Olhou para Poirot, coran d o violenta m e nt e .
Voltou o rosto, baixou a cab e ç a e diss e e m voz abafad a:

- Sim, sei. Agora od ei a- m e. Sim, od eia- m e... Ele que se acaut el e!

Rem ex e u rapida m e n t e na bolsa de sed a que estav a no banc o. Depois esten d e u a mã o. Poirot viu-
lhe na dextra um revolv erzinh o de cab o de ma dr e p é r ol a, que mais pare cia um brinqu e d o .

- Bonito, não? - perguntou a rapariga. - Parec e muito pequ e n o para ser verda d eiro, ma s é verda d eiro!
Uma desta s balas dá para matar uma pes s o a . E tenh o boa pontaria...

- Sorriu co m o que m se lem br a de factos antigo s. - Quando fui co m minha mã e para a Carolina do Sul,
m eu avô ensin ou- m e a atirar. Ele era daqu el e tipo que gostav a de solucion ar as suas rixas à bala,
principal m e nt e quand o

a honra estav a e m jogo.

Tam b é m m e u pai teve duelo s muitas vez e s, e m nov o.

Era bo m es gri mista. Duma vez, matou um ho m e m , por caus a de uma mulh er. Vê, portanto, Mister
Poirot... -

enc ar ou- o be m de frente -. .tenh o a que m sair! Compr ei este revólv er quand o tudo aquilo aco nt e c e
u.

Pretendia matar um dele s... a dificuldad e estav a e m sab er qual! Qualquer serviria. Se eu ach a s s e que
Linnet ia ter m e d o ... ma s Linnet tem muita cora g e m física. Foi aí que... ach ei que podia esp er ar! A
ideia cad a vez m e seduzia mais. Afinal de contas, eu pod eria realizar o m eu propó sito e m qualqu er mo
m e n t o ; seria mais divertido esp er ar... e ficar a pens ar niss o.

E entã o oc orr eu- m e esta vingan ç a: seg ui- los! Onde quer que che g a s s e m , alegr e s e felizes, iriam
enc o ntrar- m e! E

deu resultad o! Atingiu Linnet e m ch ei o, mais do que qualqu er outra coisa! Ficou profunda m e n t e
perturbad a. Foi aí que co m e c e i a divertir-m e... E não há nada que ela poss a fazer! Sou se m pr e muito
am á v el e delicad a! Não há uma palavra a que eles poss a m agarrar- se! Mas isso está a env e n e n a r-
lhes a existên cia.

Nítida e cristalina, uma garg alh a d a dela ec o o u pela noite dentro.

Poirot se g urou- a pelo braç o.

- Fique quieta. Quieta!

Jacqu eline voltou- se para ele e excla m o u:

- Então?

O seu sorriso era de franco des afio.


- Made m oi s ell e, imploro- lhe, não faça uma coisa des s a s .

- Quer que eu deixe e m paz a querida Linnet, não é verda d e ?

- É algo mais profund o do que isso. Não abra ao mal as portas do seu coraç ã o .

Ela ficou de lábios entre a b e rt o s, uma expre s s ã o perplexa surgiu- lhe no olhar.

Poirot continuou, grav e m e n t e :

- Porqu e, se o fizer, o mal atend er á à cha m a d a . ..

Sim, diss o não há dúvida. Entrará no seu cora ç ã o , fazend o dele a sua mora d a, e pass a d o algu m
temp o já não será possív el expulsá- lo.

Jacqu eline fitou- o. O olhar dela pare c e u vacilar.

- Não sei... Não sei... - mur mur ou. E dep ois, e m tom de des afio: - O sen h or não m e pod e impe dir.

- Não, não poss o - con c ord o u Poirot, triste m e nt e .

- Mesmo que quis e s s e matá- la... o sen h or não pod eria impe dir- m e de o fazer.

- Não, não pod eria, se a senh or a estive s s e dispo sta a sofrer o castig o.

Jacqu eline de Bel efort soltou uma garg alh a d a.

- Oh, não tenh o m e d o da m orte! Afinal de contas, que tenh o eu que m e prend a à vida? Com certeza

ach a errad o matar uma pes s o a que nos prejudicou, m e s m o que ess a pes s o a nos tenha rouba d o
aquilo que mais preza m o s no mund o?

Poirot resp o n d e u e m tom decidido:

- Sim, mad e m o i s ell e. Acho que matar é um crim e imperd o á v e l.

Jacqu eline riu nova m e n t e .

- Então dev e aprov ar o m e u actual plano de vingan ç a. Porqu e, sab e, enqu a nt o ele der resultad o, não

usarei esta arm a... Mas há oca siÕe s e m que tenh o m e d o ; sim, m e d o . Vejo tudo verm el h o à minh
a frente...

quero feri-la... enfiar- lhe uma faca no coraç ã o , enc o st ar- lhe o revólv er à fronte, apertar o gatilho...
Oh!

A excla m a ç ã o assu st ou Poirot.

- Que aco nt e c e u , ma d e m o i s e ll e?

Ela voltara a cab e ç a e o seu olhar perscrutou as treva s.

- Algué m... ali, de pé. Agora já se foi.

Hercule Poirot voltou- se viva m e nt e.

Tudo des erto e silencio s o .

- Parec e- m e que não há ningu é m , alé m de nós, mad e m o i s ell e. - Ergueu- se e continuou: - Em todo
o cas o, já diss e tudo quanto tinha para dizer. Desejo- lhe muito boa noite.
Jacqu eline tam b é m se levantara. Disse e m tom quas e suplicante:

- O senh or co m pr e e n d e , não co m pr e e n d e ? ... que não poss o fazer o que m e ped e?

Poirot sacudiu a cab e ç a e replicou:

- Não! Sei que pod eria, se assi m o des ej a s s e! Há se m pr e um mo m e n t o! A sua amig a Linnet...
Houve tam b é m um m o m e n t o e m que ela pod eria ter estac a d o ... Mas deixou que o mo m e n t o
pass a s s e . E quand o uma pes s o a faz isso, fica am arrad a, e não tem seg un d a oportunidad e .

- Não tem seg un d a oportunidad e ... - repetiu Jacqu eline.

Ficou pens ativa por alguns se g un d o s , dep ois ergu eu a cab e ç a e m atitude de des afio.

- Boa noite, Mister Poirot.

Ele aban o u a cab e ç a triste m e nt e ; dep ois, se g uiu- a pelo ca minh o que levav a ao hotel.

CAPíTULO 5

Na man h ã seg uinte, quand o saía do hotel para ir a pé até à cidad e, Poirot viu Simon Doyle aproxi m ar-
se.

- Bom dia, Mister Poirot.

- Bom dia, Mister Doyle.

- Vai à cidad e? Permite que lhe faça co m p a n hi a?

- Pois não! Terei niss o muito prazer.

Os dois ho m e n s ca minh ar a m lado a lado, pass ar a m pelo portão e ganh ar a m a so m br a das árvor e
s. Simon tirou entã o o cac hi m b o da boc a e diss e:

- Creio que minh a mulh er teve uma conv er s a co m o sen h or, onte m à noite, Mister Poirot?

- Realm e nt e.

Simon Doyle estav a de sobra n c el h a s ligeira m e nt e contraída s. Pertencia àqu el e tipo de ho m e m de


acç ã o , que sent e dificuldad e e m exprimir- se co m clarez a.

- Até certo ponto, fiquei satisfeito - diss e ele. - O

sen h or cons e g uiu conv e n c ê - la de que nada pod e m o s fazer.

- Realm e nt e não existe, nest e cas o, nenhu m a pena impo sta pela lei - con c ord o u Poirot.

- Exacta m e nt e . Linnet não podia co m pr e e n d e r que isso foss e possív el - diss e Simon sorrindo
ligeira m e nt e.

- Foi criada co m a ideia de que qualqu er dificuldad e pod e ser solucion a d a pela polícia.

- Boa coisa, se isso foss e possív el - diss e o dete ctiv e.

Houve uma paus a. De repent e, Simon excla m o u , uma ond a de sang u e subind o- lhe ao rosto:

- É. . é o cúmulo que ela seja vítima de tal pers e g ui ç ã o!

Não fez coisa algu m a. Vá lá que algu é m diga que proc e di co m o um mis erá v el! Com certeza que é
verdad e . Mas não ad mito que Linnet seja resp o n s a bilizad a.
Nada teve que ver co m o cas o.

Poirot inclinou grav e m e n t e a cab e ç a , ma s não fez co m e nt ário algu m.

- O senh or... conv er s o u co m Jackie... co m Miss de Bel efort?

- Convers ei.

- Cons e g uiu conv e n c ê - la a mo strar um pouc o mais de bo m sen s o ?

- Não o creio.

Simon excla m o u e m tom irritado:

- Ela não vê que está a fazer um papel ridículo?

Não perc e b e que nenhu m a mulh er resp eitáv el agiria des s a forma? Não tem um pouc o de orgulho, de
dignidad e ?

Poirot replicou, enc ol h e n d o os om br o s:

- Ela tem apen a s... co m o direi?... a impres s ã o de que foi lesad a.

- Está certo, ma s, co m os diab o s, m e u amig o, uma rapariga nor m al não proc e d e desta forma!
Confes s o que a culpa foi toda minh a. Não fui corre ct o nes s a história. Acharia co m pr e e n s í v el que
ficass e ab orre cid a co mi g o e nunca mais m e quise s s e ver... Mas se g uir- m e por toda a parte é...
indec e nt e! Exibindo- se desta man eira! Que esp er a ganh ar co m isso?

- Vinganç a... talvez.

- Tolice! Compr e e n d e ri a m elh or uma atitude m el o dra m á tic a...

Se m e des s e um tiro, por exe m pl o.

- Acharia isso mais de acord o co m o temp er a m e n t o dela?

- Para ser franc o, ach aria, sim. É impulsiva, tem um géni o dos diab o s. Não m e surpre e n d e ri a que,
sob o do mí ni o da cólera, praticas s e um acto de loucura.

Mas esta espion a g e m . ..

- É mais subtil, sim! Inteligent e!

- O senh or não co m pr e e n d e . Isso dá cab o dos nervo s de Linnet.

- E os seus?

Simon fitou- o co m ar de surpre s a.

- Eu?... Gostaria de torcer o pes c o ç o àqu el a pestezinh a.

- Nada ficou, entã o, do sentim e nt o antigo?

- Meu caro Mister Poirot... não sei co m o explicar- m e... Foi co m o ... co m o a Lua, quand o apar e c e o
Sol. A gent e não vê mais nada. Assim que vi Linnet, Jackie deixou de existir.

- Tiens, c'est drôle, ça! - mur mur ou Poirot.

- Perdã o?

- A sua co m p ar a ç ã o intere s s o u- m e, nada mais do que isso.


Simon corou nova m e n t e , dizend o:

- Jackie diss e- lhe, co m certez a, que m e cas ei co m Linnet por intere s s e . É m e ntira! Nunca m e cas
aria por dinheiro co m mulh er algu m a. O que Jackie não co m pr e e n d e é que é difícil, para um ho m e
m , quand o... quand o...

uma mulh er gosta dele co m o Jackie gostav a de mi m...

- Ah!. . - excla m o u Poirot, olhand o viva m e nt e para o co m p a n h eir o.

Simon continuou:

- Parec e... Talvez o não dev a dizer... ma s Jackie gostav a de m a si a d o de mi m!

- Un qui aim e et un qui se laiss e aim er - mur mur ou Poirot.

- Hem? Que foi que diss e? O sen h or co m pr e e n d e , um ho m e m não quer que a mulh er gost e mais
dele que ele dela. - A voz de Simon tornou- se mais quent e, à m e did a que ele continuav a: - Ningué m
quer ter a impre s s ã o de que é, corpo e alm a, propried a d e de outra pes s o a . Aquela atitude de poss e!
Este ho m e m é m eu; perten c e - m e! É coisa que não tolero, que ho m e m algu m tolera. A gent e quer
esc a p ar... libertar- se.

O ho m e m quer sentir que a mulh er lhe perten c e , e não ele a ela.

Interro mp e u- se e ac e n d e u um cigarro co m os ded o s ligeira m e nt e trémulo s.

- E era assi m que se sentia ao lado de Madem oi s ell e Jacqu eline? - perguntou Poirot.

- Que diss e? - excla m o u Simon, ergu e n d o os olho s. E dep ois: - Sim, sim. Para ser franc o, foi o que
aco nt e c e u . Ela nunc a perc e b e u coisa algu m a, é claro, e ne m eu podia falar- lhe sobr e isso. Mas
estav a inquieto... e, quand o enc o ntr ei Linnet, perdi a cab e ç a!

Nunca tinha visto mulh er mais linda na minh a vida. E tão extraordinária! Toda a gent e a fazer- lhe a
corte, e ela es c olh e um pobr e diab o co m o eu!

A última frase fora dita e m tom de ingénu a ad miraç ã o .

- Compre e n d o - diss e Poirot. - Sim, co m pr e e n d o .

- Por que motivo não pod e Jackie ac eitar a situaç ã o , confor m ar- se de boa vontad e? Afinal de conta s,
cad a um tem que agu e ntar o que lhe toca nest e mund o.

Confes s o que a culpa foi toda minh a. Mas paci ên ci a.

Acho loucura um ho m e m cas ar- se co m uma mulh er a que m deixou de am ar. E ag ora que conh e ç o
be m Jackie, que vejo a que extre m o s pod e che g ar,

co m pr e e n d o que es c a p ei de boa!

- A que extre m o s pod e ch e g ar... - repetiu Poirot, pens ativo.

- Te m algu m a ideia do que isso poss a ser, Mister Doyle?

Simon fitou- o, sobr e s s altad o.

- Não... ou pelo m e n o s ... que quer dizer co m isso?

- O senh or sab e que ela tem um revólv er?

- Não creio que se sirva dele. Talvez que no princípio...


Mas já pass o u des s e ponto. Agora está apen a s desp eitad a, procura importunar- nos.

- Talvez seja apen a s isso - diss e Poirot, enc olh e n d o os o m br o s.

- É co m Linnet que m e preo c up o - diss e Simon, um tanto desn e c e s s a ri a m e n t e .

- Sim, co m pr e e n d o .

- Não acre dito que Jackie tente qualqu er coisa de m el o dra m á tic o, ma s esta pers e g uiç ã o está a dar
cab o dos nervo s de Linnet. Vou contar- lhe a ideia que m e oc orr eu, e talvez o senh or poss a dizer- m e
se o m eu plano dev e ser mo dificad o. Para co m e ç a r, anunci ei ab erta m e nt e que va m o s ficar aqui
uns dez dias. Mas am a n h ã o navio Karnak sai de Shellâl para Uadi Halfa.

É minh a intenç ã o co m pr ar pass a g e n s para este vapor, até Philae. A criada de Linnet levará as mala s
para bord o; nós dois tom ar e m o s o Karnak e m Shellâl.

Quando Jackie perc e b e r que não volta m o s , será tarde de mais... estare m o s e m plena viag e m . Com
certeza há- de julgar que fom o s para o Cairo. Pens o até e m dar uma gorjeta ao porteiro para dizer isso.
Na ag ê n ci a de turism o, não lhe pod er ã o dar inform a çÕ e s , pois os nos s o s no m e s não con starã o
da lista de pass a g e ir o s.

Que tal a ideia?

- Não há dúvida que está be m plan e a d o . E se ela res olv er esp er ar aqui?

- Talvez não volte m o s . Podería m o s continuar até Cartum, indo dep ois, de avião, para o Quénia. Ela
não nos pod e se g uir à volta do mund o.

- Não; há- de ch e g ar a hora e m que as dificuldad e s financ eiras a impe dirã o de continuar. Ouvi dizer
que não tem fortuna.

Simon fitou o dete ctiv e co m ad miraç ã o .

- Muito be m pens a d o da sua parte; a ideia ainda não m e ocorrera. Jackie é paup érrim a.

- E, no entanto, cons e g uiu se gui- los até aqui?

Simon diss e, e m tom perplex o:

- Ela tem um pequ e n o rendi m e nt o, natural m e nt e.

Pouco m e n o s de duzenta s libras por ano, creio eu.

Com certeza... sim, co m certez a está a gastar o capital, para pod er custe ar esta s viag e n s.

- Quer dizer que ch e g ar á o dia e m que não terá mais recurs o s e ficará e m abs oluta mis éria?

- Sim...

Simon rem e x e u- se, constran gid o, co m o se aqu el a ideia lhe caus a s s e des c o nf orto. Poirot obs erv
a v a- o atenta m e n t e .

- Não, não é uma ideia muito agrad á v el...

- Bom, quanto a isso nada poss o fazer! - excla m o u Simon colerica m e n t e . E dep oi s: - Que tal ach a o
m eu plano?

- Acho que talvez dê resultad o. Mas, natural m e nt e, é uma retirada.

Simon corou violenta m e n t e .


- Quer dizer que va m o s fugir? Sim, é verda d e .

Mas Linnet...

Poirot ficou a obs erv á- lo, dep oi s inclinou a cab e ç a , con c ord a n d o .

- Com o diz, é real m e nt e a m elh or soluçã o . Mas lem br e- se de que Madem oi s ell e Jacqu eline é
intelig ent e.

Simon replicou so m bria m e n t e :

- Algum dia creio que tere m o s de enfrentar a situaç ã o e lutar, de uma man eira ou de outra. O proc e di
m e n t o dela não é nada razoáv el.

- Razoáv el, mo n Dieu! - excla m o u Poirot.

- Não vejo motivo para que uma mulh er não

proc e d a co m o um ser racion al - diss e Simon co m firmeza.

- Às vez e s, proc e d e m - replicou Poirot se c a m e n t e . - E são ainda mais des c o n c e rt a nt e s. - Fez


uma pequ e n a paus a e acre s c e nt o u: - Tam b é m estar ei a bord o do Karnak. O nos s o itinerário é o
mesmo.

- Oh!. . - Simon hesitou, dep ois perguntou, pare c e n d o ter dificuldad e e m exprimir- se: - Não é por

nos s a caus a? Quero dizer, não gostaria que...

Poirot desiludiu- o imediata m e n t e .

- De forma algu m a! Já estav a resolvido, ante s de sair de Londre s. Faço se m pr e os m e u s plano s co


m ante c e d ê n ci a.

- Não vai entã o de um lugar a outro, confor m e a inspiraç ã o? Não ach a isto muito mais agrad á v el?

- Talvez. Mas para se ter êxito na vida, cad a porm e n o r dev e ser estud a d o de ante m ã o .

Simon soltou uma garg alh a d a e replicou:

- Com certeza, é assi m que proc e d e m os ass a s sin o s mais háb ei s.

- Sim; se be m que o crim e mais perfeito de que tenh o lem br a n ç a , e um dos mais difíceis de ser des c
o b e rt o, foi co m e tid o no impulso do mo m e n t o.

Simon diss e, um tanto infantilm e nt e:

- Precisa de contar- nos alguns dos seus cas o s , a bord o do Karnak.

- Não; pod eria aca b ar por m e tornar ma ç a d o r.

- Isso nunca! O senh or dev e ter muita coisa intere s s a nt e para contar. Pelo m e n o s , é esta a opinião de
Mistress Al erton... Está ansios a pela oportunidad e de lhe fazer um interrog at ório e m regra!

- Mistress Al erton? A sen h or a de cab el o s grisalho s que tem um filho tão delicad o.

- Exacta m e nt e . Estará tam b é m a bord o do Karnak.

- Sabe que o sen h or...

- Claro que não! - declarou enfatica m e n t e Simon. - Ningué m sab e de coisa algu m a . Parti do
princípio que é m elh or não confiar e m ningu é m .

- Óptima m e did a, que tam b é m costu m o adoptar.

Por pens ar nisso, a terc eira pes s o a do seu grupo, aqu el e sen h or de cab el o s grisalho s...

- Um pouc o estranh o, num a viag e m de núpcias, não é o que está pens a n d o ? Pennington é o procurad
or de Linnet, na América. Encontrá m o - lo, por aca s o , no Cairo.

- Ah, verdad eira m e nt e! Permite- m e uma pergunta? Sua esp o s a atingiu já a mai oridad e ?

- Ainda não co m pl et o u vinte e um ano s - resp o n d e u . - Mas não teve que pedir o con s e nti m e nt o

de ningu é m para se cas ar co mi g o. A notícia caus o u grand e surpre s a a Pennington. Ele saiu de Nova
Iorque no Carma nic, dois dias antes de ter ali ch e g a d o a carta ond e Linnet lhe participav a o nos s o
cas a m e n t o.

E, portanto, não sabia de nada...

- Carmanic - mur mur ou Poirot.

- Ficou muito ad mirad o quand o nos enc o ntrou no Cairo.

- Foi real m e nt e uma grand e coincid ê n ci a!

- É verdad e . Ficá m o s a sab er que pretendi a viajar pelo Nilo e, portanto, reunim o- nos; não podía m o s
, se m indelicad e z a, agir de outra forma. Além do mais...

Bom, de certo mo d o, foi até um alívio. - Simon interro m p e u- se, pare c e n d o de nov o con stran gid o.
- O sen h or co m pr e e n d e . Linnet tem anda d o nervo sí s si m a , esp er a n d o ver Jackie surgir a cad a
mo m e n t o...

Enquanto estáv a m o s sós, este assunto vinha à baila constant e m e n t e . A co m p a n hi a de Andrew


Pennington valeu- nos nest e sentido: vimo- nos obrigad o s a falar de

outras coisa s.

- A sua esp o s a não se abriu co m Mister Pennington?

- Não - diss e Simon, e m tom ligeira m e nt e agre s siv o. - É assunto que só a nós diz resp eito.

Além do mais, quand o iniciá m o s esta viag e m pelo Nilo, pens á m o s que o cas o estive s s e liquidad o.

Poirot aban o u a cab e ç a , dizend o:

- Não, ainda não está liquidad o. O fim ainda não está próxim o, diss o tenh o a certez a.

- Sou obriga d o a dizer, Mister Poirot, que o sen h or não é muito anim a d or.

O dete ctiv e enc ar o u- o co m ligeira irritaçã o, pens a n d o con sig o m e s m o : "Este anglo- saxã o não
leva nada a sério. Continua a ser uma crianç a."

Linnet Doyle e Jacqu eline de Bel efort levav a m am b a s o cas o muito a sério. Mas na atitude de Simon
ele nada mais via do que irritaçã o, impaci ê n ci a ma s c ulina.

- Permite- m e uma pergunta indiscreta? A ideia de vir ao Egipto foi sua?

Simon resp o n d e u, coran d o:

- Não, claro que não. Para falar a verda d e , teria preferido ir a outra parte qualqu er. Mas Linnet fazia
grand e e mp e n h o . E entã o... entã o...
Interro mp e u- se, se m sab er co m o continuar.

- Naturalm e nt e - diss e Poirot, grav e m e n t e .

Compr e e n di a que, se Linnet fazia e mp e n h o num a coisa, ess a coisa tinha de ser feita.

Pens ou consig o m e s m o : "Ouvi três vers õ e s da m e s m a história.

Uma contad a por Linnet Doyle, a se gu n d a por Jacqu elin e de Bel efort, a terceira por Simon Doyle.
Qual delas estará mais próxim a da verdad e ?

CAPíTULO 6

Mais ou m e n o s às nov e horas da man h ã seg uinte, Simon e Linnet Doyle partiram para a sua excurs ã
o a Philae. De uma das varand a s do hotel, Jacqu elin e de Bel efort viu- os partir no pitores c o barquinh o
de velas branc a s. Por este motivo, não viu sair, da frente do hotel, um carro ch ei o de malas, ond e ia
sentad a uma criada de ar grav e e co m p e n e tr a d o . O carro tom o u a direcç ã o de Shellâl.

Hercule Poirot res olv e u pass ar na ilha Elefantina, be m defronte do hotel, as duas horas que lhe restav a
m ante s do alm o ç o .

Desc e u até ao anc or a d o ur o e reuniu- se aos dois ho m e n s que tom a v a m um dos barc o s do hotel.
Evidente m e n t e , os dois sujeitos não se conh e ci a m . O mais nov o

che g ar a na vésp er a, de co m b oi o. Alto, de cab el o s es curo s, rosto ma gr o e queixo belico s o .


Usava uma s calça s de flanela cinzenta, muito sujas, e um pulôv er de

jogad or de pólo, impróprio para aqu el e clima. O outro era um sujeito de m ei a- idad e, atarrac a d o , que
não perd eu temp o a enc et ar conv er s a co m Poirot, exprimind o- se num inglês um tanto lânguido. Sem
tom ar parte

na conv er s a, de expre s s ã o fecha d a e sobra n c el h a s contraída s, o mais novo voltou- lhe as costa s,
pond o- se a ad mirar a agilidad e co m que os barqu eiro s núbios gov ern a v a m o barc o co m os ded o s
dos pés, enqu a nt o

co m as mã o s man o b r a v a m as velas.

O rio estav a tranquilo: viam- se pass ar os vultos negro s dos recifes... A brisa soprav a- lhes no rosto.

Cheg ar a m à ilha; assi m que des e m b a r c a r a m , Poirot e o seu loquaz co m p a n h e ir o fora m


directa m e n t e para o mus e u. A esta altura, o ho m e n zinh o ofere c e r a ao dete ctiv e o seu cartão de
visita, inclinand o- se galante m e n t e :

- Signor Guido Richetti, Arque ól o g o

Não ficand o atrás e m gentileza, Poirot retribuiu a vénia e apres e nt o u tamb é m o seu cartão. Satisfeitas
as conv e n ç õ e s , os dois entrara m juntos no mus e u, mo strand o- se o italiano uma fonte de eruditas
inform a ç õ e s . Agora conv er s a v a m e m franc ê s.

O rapaz que viera co m eles deu, co m ar desinter e s s a d o , uma volta pela sala, boc ej a n d o de vez e m
quand o; dep ois saiu.

Poirot e Richetti aca b ar a m por lhe

se g uir o exe m pl o. O italiano pôs- se entusiastica m e n t e a exa min ar as ruínas, ma s Poirot, reco n h e
c e n d o uma so m brinh a de listas verd e s, nos recifes perto do rio, fugiu naqu el a direcç ã o .

Mrs. Al erton estav a sentad a na roch a, tend o um livro no reg a ç o e um cad ern o de des e n h o nas mã
os.
Poirot tirou delicad a m e n t e o chap é u e Mrs. Al erton puxou log o a conv er s a.

- Bom dia - diss e ela. - Nada mais difícil do que a gente ficar livre desta crianç a d a .

Um band o de pretinho s estav a à volta dela, sorrident e s, de mã o este n did a s e implorand o baks hish
co m ar esp er a n ç o s o .

- Pens ei que ficass e m cans a d o s de m e obs erv ar - diss e Mrs.

Al erton co m ar des a ni m a d o . - Estão aí há duas horas, e ch e g ar a m um a um. De vez e m quand o,


eu e m pun h a v a a so m brinh a e brada v a: Imshi, esp alh a n d o- os, por um ou dois minutos; ma s
voltava m logo, de olho s arreg al a d o s , ess e s olho s nojento s... e narizes ainda mais nojento s! Não
creio que gost e de crianç a s, a não ser que esteja m mais ou m e n o s limpas e tenha m noçÕe s ele m e nt
ar e s de educ a ç ã o .

Ela respirou, riu-se e Poirot, am a v el m e n t e , procurou dispers ar a petizada, e m b o r a se m resultad o.


Fugia m, ma s não tardav a m a voltar, form an d o um círculo à volta dele s.

- Se ao m e n o s se pude s s e ter um pouc o de sos s e g o no Egipto, ach o que gostaria daqui estar algu m

temp o! - excla m o u Mrs. Al erton. - Mas a gent e nunca pod e estar real m e nt e só. Vem logo algué m
pedir- nos dinheiro, ou ofere c e r jum ent o s, ou colare s, ou propor excurs õ e s às vilas dos nativos, ou
seja lá o que for.

- É um grand e inconv e ni e nt e, não há dúvida - conc ord o u Poirot.

Estend e u o lenç o no roch e d o e sentou- se co m muito cuidad o.

- Seu filho hoje não lhe faz co m p a n hi a?

- Não; Tim tem de man d ar algu m a s cartas, ante s de partirmo s daqui. Vamo s à Segund a Catarata, não
sabia?

- Eu tam b é m vou.

- Oh, que bo m! Confes s o que estou enc a nta d a por conh e c ê - lo. Estive m o s e m Maiorca co m uma
tal Mistress Leech, e ela contou- nos as coisa s mais extraordinárias dest e mund o a seu resp eito,
Monsieur Poirot. Perdera no banh o de mar um anel de rubi e lam e nt ou que o sen h or lá não estive s s e
para o enc o ntrar.

- Ah, parbleu, não sou nenhu m a foca!

Ambos riram. Mrs. Al erton diss e entã o:

- Vi-o da minh a janela, hoje de man h ã, ca minh a n d o ao lado de Simon Doyle. Diga- m e: que ach a

dele? Estam o s todo s intere s s a dí s si m o s pelo marido de Linnet Ridge w a y.

- Ah, sim?

- É verdad e . Talvez o senh or não ignor e que o cas a m e n t o dele co m Linnet caus o u grand e surpre s
a.

Pensa v a m todo s que ela ia ac eitar Lorde Windlesh a m , e de repent e apar e c e noiva dest e rapaz de
que ningu é m jamais ouvira falar!

- Conh e c e - a be m, ma d a m e ?

- Não, ma s uma das minh a s prima s, Joana

Southw o o d , é uma das suas m elh or e s amig a s.


- Ah, sim, tenh o lido ess e no m e nos jornais -diss e Poirot.

Ficou e m silêncio por alguns minutos,

dep ois continuou: - Está muito e m evid ê n ci a, ess a Madem oi s ell e Joana Southw o o d .

- Oh, Joana sab e fazer recla m o de si própria, disso não há dúvida! - diss e se c a m e n t e Mrs. Al erton.

- Não a apreci a muito, ma d a m e ?

- A minha obs erv a ç ã o foi muito pouc o carido s a

- diss e Mrs. Al erton, e m tom penitent e. - O sen h or sab e, tenh o ideias antigas, e não gosto dela. Mas
Tim e Joana são muito bons amig o s.

- Compre e n d o - diss e Poirot.

Mrs. Al erton lanç ou- lhe um rápido olhar, e res olv e u mud ar de assunto.

- Há pouc a gente nova por aqui! Aquela linda pequ e n a de cab el o s castan h o s , que tem por mã e a
horrível criatura de turbante, é quas e a única rapariga que

se vê aqui. Notei que o sen h or tem conv er s a d o muito co m ela. Interes s o- m e por aqu el a pequ e n a
.

- Porqu ê, ma d a m e ?

- Tenh o pena dela. Com o uma pes s o a pod e sofrer tanto, quand o é nova e sen sív el! Creio que ela sofre
bastant e.

- É verdad e ; não é feliz, a pobr ezinh a.

- Tim e eu cha m a m o s - lhe a "pequ e n a amu a d a".

Tentei uma ou duas vez e s conv er s ar co m ela, ma s tratou- m e co m abs oluta frieza. Parec e- m e que
vai tam b é m fazer esta viag e m pelo Nilo. Com a conviv ê n ci a,

será inevitáv el uma certa ca m ar a d a g e m , não é verdad e ?

- É possív el, mad a m e .

- Por mi m, sou muito sociáv el; gosto imen s o de estud ar tipos diferent e s. - Fez uma paus a e continuou:
- Tim diss e- m e que ess a jove m m or e n a (Miss de Bel efort, creio eu) estav a noiva de Simon Doyle.
Deve ser constran g e d o r, um enc o ntro des s e s .

- Realm e nt e - con c or d o u Poirot.

Mrs. Al erton lanç ou- lhe um olhar rápido.

- Sabe uma coisa? Talvez seja tolice minha, ma s ela am e dr o nt a- m e. Parec e uma criatura tão... arde nt
e.

- Talvez não se eng a n e muito, mad a m e . Uma grand e força e m otiva é se m pr e assusta d or a.

- Tam b é m gosta de estudar tipos divers o s, Monsieur Poirot?

Ou res erv a o seu intere s s e para os grand e s crimino s o s ?

- Madam e, ess a cate g oria não incluirá muita gent e?

Mrs. Al erton parec e u ligeira m e nt e alarm a d a .


- Fala sério?

- Com o devido incentivo, é claro - terminou Poirot.

- Que, co m certez a, varia?

- Naturalm e nt e.

Mrs. Al erton hesitou, brincan d o- lhe um sorriso nos lábios.

- Até m e s m o eu?

- As mã e s , mad a m e , são as mais impied o s a s , quand o os filhos estã o e m perig o.

- Creio que é verda d e - diss e grav e m e n t e Mrs. Al erton. - Sim, o sen h or tem razão.

Ficara m e m silêncio por alguns seg un d o s ; dep ois, ela continuou, sorrindo:

- Procuro imaginar crim e s de acord o co m o temp er a m e n t o de cad a uma das pes s o a s do hotel. É
muito

divertido... Simon Doyle, por exe m pl o?

Poirot resp o n d e u, sorrindo tam b é m :

- Um crim e muito simpl e s; um ca minh o directo para o seu obje ctivo. Nada de subtileza s.

- E, natural m e nt e, fácil de ser des c o b e rt o?

- Sim. Não seria verg o n h o s o .

- E Linnet?

- Com o a rainha, e m Alice, no País das Maravilhas:

"Corte m- lhe a cab e ç a ." E pronto!

- Claro. O divino pod er da mo n ar q ui a! Com o no cas o da vinha de Naboth... E a rapariga perigo s a...

Jacqu eline de Bel efort? Poderia tornar- se ass a s si n a?

Poirot hesitou por um ou dois se gu n d o s , dep ois resp o n d e u se m grand e convicç ã o :

- Sim, creio que sim.

- Mas não tem a certeza?

- Não. Ela deixa- m e perplex o, aqu el a pequ e n a .

- Não creio que Mister Pennington foss e capaz de matar, não ach a tam b é m ? Parec e tão se c o, tão
dispéptico, se m sang u e nas veias.

- Mas, provav el m e n t e , co m um pod er o s o instinto de con s erv a ç ã o!

- Sim, talvez. E a pobr e Mistress Otterbourn e, co m o seu etern o turbante?

- Existe uma coisa que se cha m a vaidad e .

- Com o m otivo para o ass a s sí ni o? - perguntou, ad mirad a, Mrs. Al erton.

- Os motivo s são às vez e s muito banais, mad a m e .


- Quais os principais, Monsieur Poirot?

- Dinheiro, principal m e nt e. Com isto quero dizer

"lucro" e m toda a exten s ã o da palavra. E há tam b é m : vingan ç a, am or, m e d o ... e ódio, simpl e s m
e n t e . E filantropia...

- Monsieur Poirot!

- Oh, sim, mad a m e . Conhe ci uma pes s o a cha m a d a . .. diga m o s A. . que foi ass a s si n a d a por B,
unica m e n t e para que C foss e ben eficiad a. Os crim e s políticos geral m e nt e pod e m ser assi m
classificad o s . Uma pes s o a é con sid er a d a nociva à civilizaçã o e por ess e motivo eliminad a. Tais
crimino s o s es qu e c e m - se de que só Deus tem o direito de vida ou morte.

Poirot falara e m tom grav e. Mrs. Al erton con cluiu calm a m e n t e :

- Agrada- m e ess a opinião. Mas, por outro lado, Deus esc ol h e os seus instrum e nt o s.

- É perigo s o pens ar assi m, mad a m e .

Ela replicou, co m intona ç ã o m e n o s séria:

- Depois desta conv er s a, Monsieur Poirot, ad miro- m e de que ainda haja um ser vivo no mund o.

Levantou- se, acre s c e nt a n d o :

- Te m o s de voltar. Vamo s sair logo dep ois do alm o ç o .

Quando ch e g ar a m ao anc or a d o ur o, viram o rapaz de pulôv er de jogad or de pólo preparan d o- se


para tom ar o seu lugar no barc o. O italiano já ali estav a instalad o. Quando o barqu eiro núbio soltou a
vela, Poirot

procurou, delicad a m e n t e , enc et ar conv er s a co m o des c o n h e ci d o .

- Há coisa s maravilho s a s no Egipto, não é verda d e ?

O rapaz fumav a um cac hi m b o mais ou m e n o s barulh ent o. Tirou- o da boc a e diss e, brev e e
enfatica m e nt e , e, contra a exp e ct ativa, e m voz muito be m- educ a d a :

- Causa m- m e nojo.

Mrs. Al erton, intere s s a d a , coloc o u o lorgno n no nariz e fitou- o co m ar enc a nt a d o .

- Sim? E a que se refere? - perguntou Poirot.

- Tom e por exe m pl o as Pirâmid e s. Grand e s bloc o s de inútil alven aria, erguido s para satisfazer o
desp ótic o eg oí s m o de um rei ob e s o . Pens e na multidã o de

ho m e n s que suara m e morrera m ao con struí- las. Fico naus e a d o quand o m e lem br o do sofrim e nt
o e tortura que elas repre s e nt a m .

Mrs. Al erton excla m o u alegr e m e n t e :

- O senh or ach aria preferív el não hav er Pirâmid e s, ne m Paternon, ne m belo s túmulos e templ o s, só
pela satisfaç ã o de sab er que as criaturas tivera m três refeiçõ e s por dia e morrera m tranquila m e nt e
nos seus leitos !

O rapaz fitou- a de sobrolh o carre g a d o .

- Acho que os sere s hum a n o s vale m mais do que as pedra s.


- Mas não dura m tanto - obs erv o u Poirot.

- Prefiro ver um operário be m alim e nta d o a ad mirar aquilo a que cha m a m "obra de arte". O futuro é
que tem importância, não o pass a d o .

Isto foi de mais para o Signor Richetti, que romp e u num palavre a d o difícil de ser co m pr e e n di d o.

O rapaz replicou apaixon a d a m e n t e , dizend o franca m e n t e qual a sua opinião sobr e o capitalis m o
.

Quando terminou o seu discurs o, tinha m che g a d o ao cais do hotel.

Mrs. Al erton mur mur ou anim a d a m e n t e : "Bom, bo m" - e des c e u imediata m e nt e . O rapaz
atirou- lhe um olhar ven e n o s o .

No átrio do hotel, Poirot enc o ntrou Jacqu elin e de Bel efort, vestida de am az o n a . A rapariga inclinou-
se co m um sorriso zom b e t eiro e diss e:

- Vou andar de jum e nto. Reco m e n d a uma excurs ã o às vilas nativas, Monsieur Poirot?

- É aond e preten d e ir, ma d e m o i s e ll e? Eh bien, são pitores c a s , ma s aco n s el h o- a a não gastar


muito dinh eiro nas curiosidad e s locais.

- Que são man d a d a s daqui para a Europa? Não, não sou assi m tão ingénu a.

Com uma ligeira inclinaç ã o de cab e ç a , ela saiu para a claridad e do Sol, lá fora.

Poirot aca b o u de arrum ar as mala s, fácil tarefa, uma vez que as suas roupas estav a m se m pr e na m elh
or orde m possív el. Dirigiu-se e m se guid a para a sala de jantar.

Depois do alm o ç o , o ónibus do hotel levou até à estaç ã o os hósp e d e s que iam à Segund a Catarata.
Tom aria m ali o expre s s o do Cairo a Shellâl.

Iam: Mrs. Al erton e o filho, Poirot, o rapaz de calça s de flanela e o italiano. Mrs. Otterbourn e e a filha
tinha m preferido a excurs ã o à repre s a e a Philae; tom aria m o vapor e m Shellâl.

O co m b o i o trazia uns vinte minutos de atras o. Mas finalm e nt e che g o u. Com e ç o u a correria.
Carreg a d or e s nativos que tirava m as mala s das carruag e n s esb arrav a m e m outros que carre g a v a
m a bag a g e m dos que partiam. Finalm e nt e, um tanto ofeg a nt e, Poirot viu- se num co m p arti m e nt
o co m a sua bag a g e m , a dos Al erton e outra co m pl eta m e n t e des c o n h e ci d a , ao pass o que
Tim e a mã e tinha m ido parar a outra carruag e m , co m o resto das suas malas.

No co m p artim e nt o do dete ctiv e, estav a uma sen h or a idos a, de rosto enrug a d o , gola alta co m
barb a s,

muitos brilhante s nos ded o s , e, no rosto, uma expre s s ã o de grand e despr ez o pelo resto da Humanida
de.

Lançou a Poirot um aristocrático olhar e entrinch eirou- se por detrás de uma revista am eric a n a. Em
frente dela estav a sentad a uma jove m grand alh o n a, um tanto des aj eitad a. Tinha olho s castan h o s ,
sub mi s s o s co m o os de um cão, cab el o s e m des alinh o, e pare cia ansios a por agrad ar. De vez e m
quand o, a velha levantav a o olhar e e m tom sec o dava- lhe uma orde m qualqu er.

- Cornélia, reúna as manta s. Quando che g ar m o s , tom e conta da minha mala. Não permita que ningu é
m a ag arre.

Não se es qu e ç a da minh a faca de cortar papel.

Viage m curta. Dez minutos dep ois che g a v a m ao cais, ond e estav a atrac a d o o S. S. Karnak. As duas
Otterbourn e já se enc o ntrav a m a bord o.
O Karnak era m e n or do que o Papyrus ou o Lótus, navios da Primeira Catarata, grand e s de mais para
pass ar pelos can ais da repre s a de Assuão. Os pass a g eir o s subira m para bord o, indo logo procurar as
suas aco m o d a ç õ e s .

Com o o navio não estav a chei o, muitos tinha m cabin e s no tom b a dilh o de pass ei o. Toda a parte
fronteira des s e tom b a dilh o era ocupa d a por um salão envidraç a d o , ond e os pass a g e ir o s podia m
sentar- se para ad mirar o rio. No tom b a dilh o de baixo, ficava a sala de fumo e o pequ e n o salã o, e no
tom b a dilh o inferior a sala de jantar.

Deixand o as malas na cabina, Poirot voltou ao tom b a dilh o, para apreci ar a partida, indo reunir- se a
Rosalie, que estav a debruç a d a na amurad a.

- Então va m o s para a Núbia! Está conte nt e, mad e m o i s ell e?

A jove m respirou profunda m e n t e e resp o n d e u:

- Estou, sim; tenh o a impre s s ã o de que esta m o s ag ora real m e nt e long e de tudo.

Fez um ge st o co m a mã o, m o strand o o rio na frente dele s.

Espectá cul o e m que havia qualqu er coisa de selva g e m : o lenç ol de água; os recifes se m veg et a ç ã o
que des ci a m até à marg e m ; aqui e ali, as ruínas de uma cas a aban d o n a d a . O cen ário tinha um enc
a nt o m el an c ólic o, sinistro, m e s m o .

- Long e das criaturas - acre s c e nt o u Rosalie.

- A não ser dos co m p a n h eir o s de viag e m , mad e m o i s e ll e?

Ela enc ol h e u os om br o s, dizend o:

- Há qualqu er coisa neste país que m e faz ficar...

má. Tudo o que ferve dentro de mi m parec e vir à tona... Tudo tão mal distribuído, tão injusto...

- Será? A gent e não pod e julgar pelas apar ên ci a s.

Rosalie mur mur ou:

- Veja as mã e s de algu m a s pes s o a s ... e veja a minha. Para ela, não existe outro deus a não ser o Sexo,
e Salom é Otterbourn e é o seu profeta! - Interro m p e u- se. E

dep ois: - Talvez eu não dev e s s e ter dito isto.

Poirot fez um gesto co m am b a s as mã o s .

- Porqu e não? Estou habituad o a ouvir muita coisa. Se, co m o diz, está fervend o por dentro, co m o gel
éia no fogo, eh bien, deixe que a espu m a venh a à superfície, para que a gent e poss a tam b é m tirá- la co
m uma colh er! - Poirot fez um gesto, de que m atirava qualqu er coisa ao rio e acre s c e nt o u:

- Pronto, já se foi!

Rosalie não pôd e deixar de sorrir.

- Que ho m e m extraordinário é o sen h or! - mur mur ou. De repe nt e contraiu- se e excla m o u: - Olhe

que m está aqui! Mistress Doyle e o marido! Eu não tinha a m e n or ideia que tam b é m iam fazer esta
viag e m .

Linnet aca b ar a de sair de uma cabina que ficava na parte central do tom b a dilho e Simon vinha logo
atrás dela. Poirot teve um leve sobr e s s alto ao vê- la apar e c e r
- tão bela, tão senh or a de si. Atitude arrog a nt e, feliz.

Simon tam b é m pareci a outra pes s o a . A boc a rasg a v a- se- lhe num sorriso e pareci a um cole gial
satisfeito.

- Que maravilha! - diss e, inclinand o- se tam b é m na amurad a. - Acho que vou gostar muitíssi m o da
viag e m : e voc ê, Linnet? Não se tem impre s s ã o algu m a de viag e m de turism o, pare c e que va m o s
conh e c e r o cora ç ã o do Egipto.

Linnet resp o n d e u viva m e nt e:

- Te m razão. É tão... selva g e m , se é que m e exprim o be m.

Ao dizer isto, pass o u a mã o pelo braç o de Simon, e ele apertou- lha carinho s a m e n t e .

- Estam o s a largar, Lin.

Realm e nt e o navio afastav a- se do cais. Tinha co m e ç a d o a viag e m de sete dias - até à Segund a
Catarata e de novo de volta ao hotel.

Atrás dele s, ec o o u uma garg alh a d a cristalina. Linnet deu uma súbita revirav olta. Jacqu elin e de Bel
efort estav a ali, tend o no rosto uma expre s s ã o zom b et eira.

- Olá, Linnet; não pens ei que vies s e enc o ntrá- la aqui. Julguei tê- la ouvido dizer que ia ficar mais dez
dias e m Assuã o. Que surpres a!

- Você não... não... - balbuci ou Linnet. Depois, con s e g uind o um sorriso conv e n ci o n al: - Nem eu
tão- pouc o esp er a v a vê- la.

- Não?

Jacqu eline afastou- se para o outro lado do navio.

A mã o de Linnet apertara co m força o braç o do marido.

- Simon... Simon...

A expre s s ã o de prazer des a p ar e c e r a da fisiono mi a de Doyle. Via-se que estav a furioso. Fech o u
os punh o s, ape s ar do esforç o que fazia para se do min ar.

Os dois afastara m- se dali. Embora não voltass e a cab e ç a , Poirot perc e b e u algu m a s palavras soltas.

. . Fugir... impo s sí v el... pod ería m o s . ..

E dep ois, mais alta, a voz de Doyle, des e s p e r a d a , ma s decidida:

- Não pod e m o s fugir a vida inteira, Linnet: ag ora, tem o s que se g uir para diante.

Alguma s horas mais tarde. Anoitec er a. Poirot estav a sentad o no salã o envidraç a d o , ad miran d o o
panora m a . O Karnak pass a v a por uma garg a nta do rio.

Os recifes des ci a m co m uma esp é ci e de ferocida d e até às água s que corria m entre eles.

Estava m ag ora na Núbia.

Poirot ouviu um ruído...

Linnet Doyle apare c e u a seu lado. Cruzava e des cruza v a as mã o s e Poirot estranh o u- lhe a expre s s ã
o do rosto; de crianç a assusta d a e perplexa. Foi ela a prim eira a falar:

- Mister Poirot, estou co m m e d o ... co m m e d o de tudo. Nunca m e senti assi m. Estes recifes selva g e
n s , so m bri o s, nus... Para ond e va m o s ? Que vai acont e c e r?

Tenh o m e d o , repito. Toda a gent e m e od ei a, não sei porqu ê... fui se m pr e am á v el, tenh o procurad
o ajudar os outros... e, no entanto, muita gent e m e od eia. Exceptuan d o Simon, estou cerc a d a de inimig
o s. É horrível sab er que há que m nos dete st e.

- Mas que significa tudo isso, ma d a m e ?

- Nervos, talvez... ma s tenh o a impre s s ã o do perigo...

perigo à minha volta.

Lançou um rápido olhar por sobr e o om br o, dep oi s diss e brusc a m e n t e :

- Com o irá aca b ar tudo isto? Estam o s pres o s aqui. Numa rato eira. Não há saída nenhu m a . Te m o s
de continuar. Eu. . não sei ond e estou.

Linnet sentou- se num a cad eira a seu lado. Poirot fitou- a grav e m e n t e , tend o nos olho s uma expre s s
ã o co m p a s si v a.

Linnet continuou:

- Com o pôd e ela sab er que se g uí a m o s neste navio? Com o pôd e sab er?

Poirot aban o u a cab e ç a e resp o n d e u:

- Ela é intelig ent e, co m o a senh or a sab e.

- Tenh o a impres s ã o de que nunc a pod er ei esc a p ar- lhe.

- Existe uma soluç ã o. Admiro- m e que ainda não lhe tenha oc orrido... Afinal de conta s, no seu cas o,
mad a m e , o dinh eiro é de so m e n o s importânci a. Porqu e não tom o u o seu daha biya h particular?

Linnet parec e u ter dificuldad e e m explicar- se.

- Se tivés s e m o s sabid o... ma s naqu el a oca si ã o não des c o nfiáv a m o s de coisa algu m a ... E é
difícil... - Fez uma paus a, e dep ois co m súbita ve e m ê n ci a: - Oh, o sen h or não conh e c e m eta d e
das minh a s dificuldad e s .

Preciso ser diplo m at a, co m Simon... É tão sen sív el, e m mat éria de dinh eiro. Queria que eu foss e co
m ele a Espanh a... queria pag ar sozinh o as desp e s a s da viag e m de núpcias. Com o se isso tives s e
importânci a! Os ho m e n s são uns tolos. Simon tem de se habituar a... viver confortav el m e n t e . Só a
m e n ç ã o de um dah a biya h o perturbou: desp e s a s des n e c e s s á ri a s e ess a história toda. Tenh o
de educ á- lo... aos pouc o s.

Linnet ergu e u os olho s e m ord e u os lábios, ach a n d o que se exc e d e r a nas confidên ci a s.
Levantou- se, dizend o:

- Tenh o de ir vestir- m e. Desculpe- m e, Mister Poirot, ma s pare c e - m e que estive a dizer muitas
tolices!

CAPíTULO 7

Usando um eleg a nt e e discreto vestido de noite, de renda preta, Mrs. Al erton des c e u para a sala de
jantar.

O filho enc o ntrou- a à porta.

- Desculpe- m e; pens ei que estive s s e atrasa d o.

- Onde serã o os noss o s lugare s?


O salã o estav a repleto de m e sinh a s . Mrs. Al erton ficou parad a, à esp er a que o Steward, ocup a d o e
m aco m o d a r um grupo grand e, pude s s e vir atend ê- la.

- Por pens ar niss o, convid ei aqu el e ho m e n zinh o, Hercule Poirot, para se sentar à nos s a m e s a .

- Mamã! - excla m o u Tim, pare c e n d o real m e nt e cho c a d o e des c o nt e nt e.

Mrs. Al erton fitou- o, ad mirad a. Em geral, Tim era tão cordato...

- Inco m o d a - te, m e u filho?

- Claro que m e inco m o d a . É um sujeito se m eira ne m beira.

- Oh, não, Tim! Não conc or d o contig o.

- De qualqu er man eira, que intere s s e tem o s nós e m conviv er co m um des c o n h e c i d o ? Num
vaporzinh o dest e tam a n h o , é aborre cid o! Tere m o s a co m p a n hi a dele pela man h ã, à tarde e à
noite.

- Desculpa- m e - diss e Mrs. Al erton, pare c e n d o real m e nt e co m p u n gid a. - Pens ei que ach a s s e
s muito divertido. Mister Poirot, afinal de conta s, dev e ter tido uma vida cheia de peripé cia s. E tu gosta s
de rom a n c e s policiais!

- Preferia que a mã e não tivess e es s a s ideias lumino s a s -

res m u n g o u Tim. - Creio que não há ag ora nada a fazer!

- Para ser franca, não vejo co m o .

- Oh, bo m, entã o é m elh or confor m ar- m e.

O ste w ard aproxi m o u- se, conduzind o- os a uma m e s a . No rosto de Mrs. Al erton, havia uma expre s
são

perplexa. Em geral, Tim era muito cordato e be m- hum or a d o .

Aquela explos ã o não estav a de acord o co m o seu temp er a m e n t o ; ele não sentia a habitual avers ã o
dos Ingles e s pelos estrang eiro s. Era cos m o p o lita...

"Oh, paciên ci a", pens o u ela co m um suspiro. "Os ho m e n s são inco m pr e e n s í v ei s! Até m e s m o
os mais ch e g a d o s a nós têm reac çÕ e s imprevistas."

Tinha m aca b a d o de se sentar quand o Poirot apar e c e u, atrav e s s a n d o rapida m e nt e a sala. Parou,
apoiand o a mã o no enc o st o da terc eira cad eira.

- Permite, real m e nt e , ma d a m e , que m e aprov eite do seu convite?

- Naturalm e nt e. Sente- se, Mister Poirot.

- É muita gentileza sua.

Mrs. Al erton teve a des a gr a d á v e l impres s ã o de que, ao sentar- se, ele lançara um rápido olhar a
Tim, e que o rapaz não con s e g uira esc o n d e r totalm e nt e o des c o nt e nt a m e n t o que sentia.

Mrs. Al erton procurou criar um am bi e nt e agrad á v el. Ao tom ar e m a sopa, apanh o u a lista de pass a
g eir o s, que estav a sobr e a m e s a .

- Vamos ver que m conh e c e m o s - propô s ela alegr e m e n t e . - Isto é se m pr e divertido.

Com e ç o u a ler.
- Mistress Al erton, Mister Tim Al erton. Bom, até aqui não é difícil. Miss de Bel efort. Está na m e s a das
Otterbourn e... Será possív el que ela e Rosalie esteja m ag ora a dar- se be m? Em se guid a, ve m o Doutor
Bessn er. Quem é este Doutor Bessn er?

Ao dizer isto, ergu eu os olho s para uma m e s a a que estav a m sentad o s quatro ho m e n s .

- Na minh a opinião, dev e ser aqu el e gord o de bigodinh o e cab e ç a quas e rapad a - diss e Poirot. -
Alemã o, co m certeza.

Parec e gostar da sopa.

Não havia dúvida que dali podia m ouvir o ruído que o ho m e m fazia ao co m e r.

Mrs. Al erton continuou a ler.

- Miss Bowers? Vamo s adivinhar que m é Miss Bowers? Há três ou quatro mulh er e s ... Bom, por enqu a
nt o va m o s deixá- la de lado. Mister e Mistress Doyle. São, se m dúvida nenhu m a , os mais importante
s. Ela é muito bonita, e que maravilho s o vestido que ela tem!

Tim voltou- se ao ouvir o co m e nt ário. Linnet, Simon e Pennington ocup av a m uma m e s a de canto.
Linnet estav a de branc o, tend o co m o única jóia um colar de pérolas.

- A mi m, parec e- m e um vestido muito simple s - diss e Tim. -

Apenas um peda ç o de fazend a co m uma

esp é ci e de corda na cintura.

- Sim. Uma des criçã o muito ma s c ulina de um m o d el o de oitenta guinéu s.

- Não poss o co m pr e e n d e r co m o é que as mulh er e s pag a m tanto pelas suas roupas! - co m e nt o u


Tim.

- É um verda d eiro absurd o.

Mrs. Al erton continuou a estud ar os co m p a n h e ir o s de viag e m .

- Mister Fanthorp dev e ser aqu el e rapaz sério, que nunc a diz uma palavra, e que está à m e s a do ale m ã
o . Rosto simpátic o; des c o nfiad o, ma s inteligent e.

- Sim, o rapaz é inteligent e - conc or d o u Poirot.

- Quase não fala, ma s ouv e atenta m e n t e e obs erv a tudo. Os olho s dele não perd e m nada... não é do
tipo que a gente esp er a enc o ntrar viajand o por prazer nesta parte do Globo. Gostaria de sab er o que faz
por aqui.

- Mister Fergus o n - leu Mrs. Al erton. - Tenh o um palpite de que Fergus o n é o nos s o amig o co m u ni
sta. Mistress Otterbourn e, Miss Otterbourn e. Sabe m o s que m são. Mister Pennington? Aliás: tio
Andrew! É um ho m e m bonito...

- Mamã!... - ad m o e s t o u Tim.

- Acho que é bonito, de uma man eira sec a - co m pl et o u ela. -

Queixo um tanto cruel. Com certeza

daqu el e tipo a que se refere m os jornais, que esp e c ul a e m Wal Street... Garanto que é riquíssi m o! Em
se guid a: Mister Hercule Poirot, cujas en or m e s qualidad e s estã o send o desp erdiç a d a s . Não pod e
arranjar um crim e para Mister Poirot, Tim?

A pilhéria, dita co m boa intenç ã o , só serviu para aborre c e r mais ainda o rapaz. Contraiu as sobra n c el
h a s e Mrs. Al erton continuou viva m e nt e :

- Mister Richetti. O noss o amig o italiano, o arqu e ól o g o .

Depois, Miss Robso n, e finalm e nt e Miss Van Schuyler. Esta última é fácil de adivinhar. A feíssi m a am
eric a n a que, co m certeza, se julga dona do navio e que provav el m e nt e vai mo strar- se muito es quiva
e não dirigir a palavra sen ã o aos muito privilegiad o s! Mas é extraordinária, sob certo ponto de vista, não
é verda d e ? Uma esp é ci e de obje ct o antigo... As duas mulh er e s e m sua co m p a n hi a dev e m ser
Miss Bowers e Miss Robso n. Uma delas, a ma gr a de óculo s, co m certez a é a se cr et ária; a outra,
coitada, que parec e divertir-se ape s ar de ser tratada co m o escra v a, dev e ser algu m a parent e pobr e.
O m eu palpite é que Robson é

a se cr et ária, e Bowers a parent e pobr e.

- Engana- se, ma m ã - declarou Tim, que recup er ar a o bo m hum or.

- Com o é que o sab e s ?

- Estava no salã o ante s do jantar e ouvi a velhota dizer à da m a de co m p a n hi a: "Onde está Miss
Bowers?

Vá imediata m e nt e cha m á - la, Cornélia. " E lá foi a rapariga co m o um cãozinh o ob e di e nt e.

- Preciso de conh e c e r Miss Van Schuyler - diss e Mrs. Al erton co m ar pens ativo.

Tim sorriu nova m e n t e .

- Ela tratá- la-ia co m frieza, ma m ã .

- Não importa. Preparar ei o terren o, sentan d o- m e a seu lado e faland o e m tom baixo e be m- educ a d
o

(mas perfeita m e nt e perc e ptív el) de todo s os titulares, parente s e amig o s nos s o s , de que m e puder
lem br ar.

Creio que uma ligeira referên ci a ao teu primo e m terceiro grau, o duqu e de Glasg o w, cons e g uirá
maravilha s.

- Com o é pouc o escrupulo s a, ma m ã!

Os acont e ci m e n t o s , dep ois do jantar, não deixara m de ter o seu lado có mi c o, para que m gosta s s
e de estud ar a natureza hum a n a.

O rapaz socialista (que, confor m e julgara Mrs. Al erton, era real m e nt e Mr. Fergus o n) retirou- se para
a sala de fumar, desd e n h a n d o a co m p a n hi a dos que tinha m ido para o salão envidraç a d o .

Conform e era de esp er ar, Miss Van Schuyler es c olh e u o m elh or e mais resgu ard a d o canto, avan ç a
ndo

decidida para a m e s a à qual estav a sentad a Mrs. Otterbourn e.

- A sen h or a há- de des culpar- m e, ma s creio que deixei aqui o m eu tricot.

Diante daqu el e olhar hipnotizad or, a sen h or a de turbante teve que bater e m retirada. Miss Van
Schuyler instalou- se ali co m a sua co mitiva. Mrs. Otterbourn e sentou- se perto, de vez e m quand o
aventuran d o uma ou outra obs erv a ç ã o , ma s foi tratada co m tal frieza que teve log o de desistir. Miss
Van Schuyler continuou ali sentad a, e m esplên did o isola m e nt o. Os Doyle procurara m a co m p a n hi
a dos Al erton; o Dr. Bessn er ficou ao lado do silenci o s o Mr. Fanthorp. Jacqu elin e de Bel efort estav a
sozinha, co m um livro na mã o. Rosalie Otterbourn e pare cia inquieta... Uma ou duas vez e s, Mrs.
Al erton dirigiu- lhe a palavra, procuran d o

atraí- la para o seu grupo, ma s a rapariga resp o n d e u se m a m e n or cordialidad e.

Mr. Poirot pass o u a noite ouvind o porm e n o r e s da carreira literária de Mrs. Otterbourn e.

Ao dirigir-se para a sua cabina, naqu el a noite, Poirot enc o ntrou- se co m Jacqu eline de Bel efort. A
rapariga estav a debruç a d a na amura d a. Voltou- se, ao ruído de pass o s , e Poirot não pôd e deixar de
notar a expre s s ã o de profunda infelicidad e do seu rosto. A despr e o c u p a ç ã o , o malicios o des afio,
o so m bri o triunfo tinha m des a p ar e ci d o.

- Boa noite, ma d e m o i s e ll e.

- Boa noite, Mister Poirot. - Ela pare c e u hesitar, dep ois perguntou: - Ficou ad mirad o por m e ver

aqui?

- Não tanto ad mirad o co m o pes ar o s o ... muito pes ar o s o -

resp o n d e u Poirot e m tom grav e.

- Quer dizer... pes ar o s o por minh a caus a?

- Sim, foi o que eu quis dizer. A senh or a esc ol h e u o ca minh o mais perig o s o ... Da m e s m a man
eira

que nós, nest e navio, iniciá m o s uma viag e m , tamb é m a sen h or a partiu num a viag e m só sua, nav e
g a n d o por entre esc ol h o s, num rio torm e nt o s o , ao enc o ntro de corrent e s perig o s a s e des c o n
h e c i d a s ...

- Porqu e diz tudo isso?

- Porqu e é verdad e ... A senh or a cortou as am arra s que a prendia m à se guran ç a. Duvido que poss a

ag ora voltar, m e s m o que foss e es s e o seu des ej o.

- É verdad e ... - mur mur ou ela lenta m e nt e .

E dep ois, deitand o a cab e ç a para trás: - Oh, bo m, cad a um de nós tem de aco m p a n h a r a sua estrela
para ond e quer que ela nos conduz a.

- Cuidado, ma d e m o i s e ll e, que não seja uma estrela falsa!

Ela deu uma garg alh a d a e imitou a voz de papa g ai o dos rapaz e s que ofere ci a m jume nt o s:

- Esta estrela muito má, sen h or! Esta estrela cai...

Poirot aca b ar a de peg ar no son o, quand o um mur múrio de voz e s o desp ertou.

Reconh e c e u a voz de Simon Doyle, repetind o as m e s m a s palavra s que diss er a quand o o navio
saíra de Shellâl:

- Agora tem o s de seg uir para diante...

"Sim, ag ora tem o s de seg uir para diante" - mur mur ou Poirot de si para si.

Não estav a nada satisfeito.

CAPíTULO 8

Na man h ã se g uinte, o navio ch e g o u ced o a Es-Sebua. Toda sorrident e, tend o na cab e ç a um chap é
u

de aba larga e esv o a ç a nt e, Cornélia Robson foi uma das prim eiras a des c e r. Não era o seu forte fazer
pouc o dos outros. Tinha bo m génio e estav a se m pr e mais dispo sta a notar as qualidad e s do que os
defeitos dos outros. Não estre m e c e u ao ver Poirot, de fato branc o, ca mi s a cor- de- rosa, gravata borb
ol eta e chap é u branc o, co m o provav el m e n t e teria estre m e c i d o horrorizad a a muito aristocrática
Miss Van Schuyler.

Enquanto ca minh a v a m lado a lado, por uma avenid a lade a d a de esfing e s, resp o n d e u am a v el m
e n t e à frase co m que ele tentou enta bular conv er s a.

- As suas co m p a n h e ir a s não vê m a terra, visitar o templo?

- Bom, a prima Marie, isto é, Miss Van Schuyler, nunca se levanta ced o. Precisa de ter muito cuidad o co
m a sua saúd e. E, natural m e nt e, queria que Miss Bowers, a enfer m eira, ficass e para a atend er e m
divers a s coisa s. Disse tamb é m que este não é um dos templ o s mais intere s s a nt e s . Mas foi muito
am á v el, per mitindo que eu des c e s s e . ..

- Muito am á v el - diss e Poirot sec a m e n t e .

A ingénu a Cornélia não perc e b e u a ironia.

- Oh, ela é muito boa. Foi uma maravilha convidar- m e para esta viag e m . Acho que sou uma criatura

de sorte! Nem pude acre ditar, quand o ela diss e à ma m ã que preten dia trazer- m e.

- E tem- se divertido, ma d e m o i s e ll e?

- Oh, muitíssi m o. Conh e ci a Itália: Veneza, Pádua, Pisa.

Depois o Cairo... Só no Cairo é que a prima Marie não pass o u muito be m e eu não pude sair.

E ag ora esta viag e m a Uadi Halfa...

Poirot co m e nt o u, sorrindo:

- Vejo que tem muito bo m génio, mad e m o i s e ll e.

Ao dizer isto, olhou pens ativo para Rosalie, que ca minh a v a solitária à frente dele s.

- É muito bonita, não é? - perguntou Cornélia, aco m p a n h a n d o o olhar do dete ctiv e. - Talvez um
pouc o res erv a d a de mais. Muito ingles a, disso não há dúvida. Mas é m e n o s bonita que Mistress
Doyle.

Acho que Mistress Doyle é a mulh er mais linda, mais ele g a nt e que jamais vi na minh a vida! E o marido
pare c e adorá- la, não é verdad e ? Acho aqu el a senh or a de cab el o s grisalh o s muito distinta. Creio
que é prima de um duqu e. Estava a falar sobr e ele, perto de nós onte m à noite. Mas não creio que tenha
um título.

E foi faland o, até que o drag o m a n o fez sinal para que todo s paras s e m . O ho m e m anunci ou:

- Este templo foi dedica d o ao deus egípcio Amon e ao deus Sol Ré-Harakhte, que tem por sím b ol o uma
cab e ç a de gaviã o...

A voz mo n ót o n a continuou. O Dr. Bessn er, de Baedek er e m punh o, falava con sig o m e s m o e m
ale m ã o .

Preferia orientar- se pelo que estav a escrito...

Tim Al erton não se reunira ao grupo. E a mã e procurav a que br ar a res erv a do gélido Mr. Fanthorp.
Andrew Pennington, de braç o dad o co m Linnet, ouvia atenta m e n t e , pare c e n d o muito intere s s a d
o nas explicaçÕ e s do guia.

- Um m etro e oitenta e cinco centí m etro s de altura, entã o? -

diss e Pennington, ad mirad o. - Parec e- m e um pouc o m e n o s . Que tipo, este Rams é s! Que en ergi a!

- Um bo m neg o ci a nt e, tio Andrew - co m e nt o u Linnet.

Pennington fitou- a co m ar aprov a d or.

- Está muito be m- dispo sta, Linnet. Tenh o estad o preo c up a d o consig o, ultima m e nt e . Andava
muito abatida.

Rindo e conv er s a n d o , o grupo voltou para bord o.

De novo o Karnak cortou as água s do Nilo. O cen ário era ag ora m e n o s árido. Havia palm eira s, ca m p
o s cultivad o s.

A mud a n ç a de panora m a parec e u trazer certo alívio à opre s s ã o dos pass a g eir o s. Tim Al erton
recup er ar a o bo m hum or. Rosalie estav a m e n o s res erv a d a . Linnet pareci a quas e despr e o c u p a
d a ...

Pennington diss e- lhe:

- É falta de tacto falar e m neg ó ci o s num a viag e m de núpcias, ma s há uma ou duas coisa s...

- Mas, naturalm e nt e, tio Andrew! - excla m o u Linnet, voltand o imediata m e n t e a ser mulh er de neg
ó ci o s. - O

m eu cas a m e n t o traz algu m a s mo dificaçÕ e s, é lógico.

- Justam e nt e. Quando lhe convi er, queria que assina s s e alguns docu m e n t o s .

- Porqu e não ag ora?

Andrew Pennington lançou um olhar à sua volta.

Eram os únicos, naqu el e canto do salã o envidraç a d o .

Quase todo s estav a m fora, no ped a ç o de tom b a dilh o que ficava entre o salão e as cabina s. Além dele
s, estav a m ali: Mr. Fergus o n, tom a n d o cerv eja num a m e sinh a do centro, de perna s esten did a s e
usand o as m e s m a s pouc o limpas calça s de flanela, e ass o bi a n d o nos intervalo s entre um gole e
outro; Mr. Poirot sentad o na parte fronteira, muito atento ao panora m a ; Miss Van Schuyler, a um canto,
lendo um livro sobr e o Egipto.

- Óptimo - diss e Pennington.

Saiu do salã o.

Linnet e Simon sorrira m um para o outro - sorriso lento, que levou alguns minutos para se definir.

- Tudo be m , querida?

- Sim, tudo be m. Engraç a d o co m o já não m e sinto ator m e nt a d a!

Pennington voltou, trazend o consig o uma porçã o de docu m e n t o s es critos e m letra cerrad a.

- Deus do Céu! - excla m o u Linnet. - Tenh o

de assinar tudo isso?


Pennington pare c e u co m p u n gid o.

- Sei que é aborre cid o para si, ma s eu gostaria que os seus neg ó ci o s ficass e m e m orde m . Primeiro, o
alugu er da propried a d e da Quinta Avenida... Depois a con c e s s ã o daqu el e s terren o s no Oeste...

Continuou faland o, enqu a nt o ia pond o e m orde m os papéis.

Simon boc ej o u.

Nisto, a porta que dava para o tom b a dilho abriu- se e Mr. Fanthorp apar e c e u. Examinou o salã o co m
ar despr e o c u p a d o , dirigindo- se e m se g uida para ond e estav a Poirot, ali ficand o a apre ciar as
água s azulad a s e a areia am ar el a...

. .assin e aqui - con cluiu Pennington, esten d e n d o uma folha de papel sobr e a m e s a e indicand o

um esp a ç o e m branc o.

Linnet peg o u no docu m e nt o e co m e ç o u a lê- lo.

Voltou de nov o à prim eira página; dep oi s peg o u na can et a que Pennington colo c ar a sobr e a m e s a
e assin ou:

- Linnet Doyle...

Pennington afastou o papel e apre s e nt o u- lhe outro.

Fanthorp enc a m i n h o u- se despr e o c u p a d a m e n t e para aqu el e lado.

Olhou pela janela lateral, co m o se

qualqu er coisa na marg e m lhe tives s e cha m a d o a aten ç ã o .

- É apen a s a transfer ê n ci a - diss e Pennington a Linnet. - Não precisa de ler.

Mas Linnet exa min o u rapida m e n t e o docu m e n t o .

Pennington esten d e u outra folha, que Linnet leu co m aten ç ã o .

- Está tudo e m perfeita ord e m - declarou o am eric a n o . - Nada de intere s s a nt e. Terminol o gi a


legal,

apen a s.

Simon boc ej o u nova m e n t e , dizend o:

- Minha querida, não vai ler tudo isso, pois não?

Levará até à hora do alm o ç o , ou talvez mais.

- Leio se m pr e tudo até ao fim - diss e Linnet. - Aprendi isto co m m eu pai. Ele dizia que às vez e s podia
hav er um eng a n o involuntário.

Pennington diss e, co m uma garg alh a d a um tanto ásp er a:

- A sen h or a teve se m pr e boa cab e ç a para os neg ó ci o s, Linnet.

- É muito mais cautelo s a do que eu - diss e Simon, rindo. -

Nunca li um docu m e n t o na minha

vida! Assino ond e m e man d e m assinar, na linha de pontinho s, e pronto!


- É um desl eixo - reprov o u Linnet.

- Não tenh o feitio para neg ó ci o s - diss e Simon jovialm e nt e. - Nunca tive. Dizem- m e para assinar e
eu assino. É muito mais simpl e s.

Andrew Pennington fitava- o, pens ativa m e nt e . Disse e m tom se c o, acariciand o o lábio superior:

- Um tanto arrisca d o, às vez e s, não, Doyle?

- Tolice! Não sou dest e s sujeitos que ach a m que toda a Humanidad e está pronta a pass ar- nos a perna.

Sou uma criatura confiante, sab e, e ach o que vale a pena, pois quas e nunc a m e arrep e n d o .

De repe nt e, co m grand e surpre s a de todo s, o silenci o s o Mr.

Fanthorp voltou- se, dirigindo- se a Linnet:

- Espero que não consid er e impertinên ci a da minha parte, ma s a sen h or a há- de permitir-m e que lhe

diga o quanto ad miro a sua co m p et ê n ci a. Na minha profissã o (sou advo g a d o) tenh o notad o que,
infelizm e nt e, as sen h or a s são e m geral pouc o cautelo s a s .

Achei ad miráv el ouvi- la dizer que nunca assina um docu m e n t o se m prim eiro o ler até o fim.
Admiráv el!

Inclinou- se ligeira m e nt e ; dep ois, muito ver m el h o , voltou- se para de novo conte m pl ar o Nilo.

Linnet balbuci ou, hesitante:

- Eu. . agrad e ç o - lhe...

Mordeu os lábios para conter o riso. Com que solenida d e falara o rapaz!

Pennington pare cia dev er a s ab orre cid o. Simon não sabia se devia ficar tam b é m ab orre cid o ou ach
ar graç a.

As orelha s de Mr. Fanthorp continuav a m muito ver m el h a s .

- O próxim o, por favor - diss e Linnet ao seu procurad or.

Mas o mau hum or do am eric a n o não se dissipara.

- Talvez seja preferív el deixar m o s para outra oca si ã o -

diss e ele se c a m e n t e . - Com o... hum... co m o diz Doyle, se a senh or a quis er ler tudo, ficare m o s
aqui até à hora do alm o ç o . Não pod e m o s perd er a maravilha dest e cen ário. E, de qualqu er man eira,
os dois primeiros docu m e n t o s era m os mais urgent e s. Mais tarde tratare m o s do resto.

- Vamos para fora - sug eriu Linnet. - Está

aqui muito calor.

Saíra m os três. Hercule Poirot voltou a cab e ç a , pens ativo. O seu olhar pous o u- se, durante alguns
minutos, sobr e as costa s de Mr. Fanthorp, indo dep ois fixar- se e m Mr. Fergus o n, que continuav a na
sua posiçã o despr e o c u p a d a , ass o bi a n d o baixinho.

Finalm e nt e, o dete ctiv e olhou para a e mp ertig a d a Miss Van Schuyler, que continuav a sozinh a no
seu canto. A velhota fulminav a Fergus o n co m o olhar.

A porta abriu- se e Cornélia apare c e u , muito es b af orida.


- Dem or ou- se muito - diss e a velha, sec a m e n t e .

- Onde estev e ?

- Desculpe- m e, prima Marie. A lã não estav a ond e a sen h or a m e diss e que a procura s s e .

- Minha amig a, voc ê nunca enc o ntra nada! Reconh e ç o - lhe a bo a vontad e, ma s precis a de fazer um
esforç o para ser mais inteligent e e mais esp erta. Basta

con c e ntrar- se um pouc o mais.

- Sinto muito, prima Marie. Sei que sou muito tola.

- Pois esforc e- se por não o ser. Convidei- a para esta viag e m e esp er o e m troca um pouc o de atenç ã o
.

Cornélia corou.

- Desculpe- m e, prima Marie.

- E ond e está Miss Bowers? Há dez minutos que eu devia ter tom a d o as minh a s gotas! Faça o favor de
ir procurá- la imediata m e n t e . O m é dic o diss e que é importantíssi m o ...

Ness e mo m e n t o , Miss Bowers apar e c e u, trazen d o um cop o co m o rem é di o.

- As suas gotas, Miss Van Schuyler.


- Eu devia ter tom a d o este rem é di o há dez minutos - excla m o u a velhota sec a m e n t e . - Se há coisa
s

que m e irritam, a falta de pontualidad e é uma delas.

- Perfeita m e nt e - conc or d o u Miss Bowers. Consultou o relógio de pulso e declarou: - Falta m ei o


minuto para as onze.

- Pelo m eu relógio são onze e dez.

- Poderá verificar que o m eu está certo. É uma óptim a marc a. Não se adianta ne m se atras a um seg un d
o.

Miss Bowers continuav a imperturbáv el.

Miss Van Schuyler tom o u o rem é di o e diss e asp er a m e n t e :

- Estou muito pior.

- Sinto muito, Miss Van Schuyler.

Apesar disso, Miss Bowers não pare cia de m a si a d o pes ar o s a . A sua atitude era co m pl eta m e n t e
desinter e s s a d a .

Dera, ma q uinal m e nt e, a resp o st a que devia dar.

- Está quent e de mais aqui - diss e Miss Van Schuyler. - Arranje- m e uma cad eira no tom b a dilh o, Miss
Bowers. E voc ê, Cornélia traga o m e u tricot, ma s não vá deixá- lo cair! Depois quero que m e des m a n
c h e uma m e a d a .

A pequ e n a prociss ã o saiu.

Mr. Fergus o n suspirou, mud o u de posiçã o e obs erv o u para os circunstant e s:

- Céus, co m o eu gostaria de torcer o pes c o ç o a esta criatura!

Poirot perguntou, e m tom intere s s a d o :

- É um tipo que lhe des a g r a d a , he m?

- Desagra d a? Se des a g r a d a! Que be m faz esta mulh er a que m quer que seja? Nunca trabalh ou, nunc
a levantou um ded o para ajudar ningu é m . Aproveitand o- se se m pr e dos outros... É uma parasita... e
uma

parasita be m pouc o simp ática, ainda por cima. Há muita gente neste navio que não faria falta, se des a p
ar e c e s s e do mund o!

- Acha?

- Claro que ach o. Aquela rapariga, por exe m pl o, que estav a há pouc o ali, a assinar transfer ê n ci a s de
acçÕe s e fazend o- se importante! Centen a s e cente n a s de criaturas matan d o- se por uma ninharia para
que ela poss a usar m ei a s de sed a e vestido s luxuos o s! Uma das mulh er e s mais ricas de Inglaterra,
diss er a m - m e, e uma que nunc a ajudou ningu é m .

- Quem lhe diss e que é uma das mulh er e s mais ricas da Inglaterra?

Mr. Fergus o n fitou Poirot co m ar belico s o e replicou:

- Um ho m e m co m que m o sen h or não gostaria de falar! Um ho m e m que trabalha co m as suas


próprias mã o s e não se env er g o n h a disso! Muito diferent e dos seus bon e c o s be m vestido s que não
vale m nada.

O olhar do rapaz exa min o u co m des a gr a d o a gravata borb ol et a e a ca mi s a cor- de- rosa de Poirot.

- Pois eu, eu trabalh o co m a inteligên ci a e não tenh o verg o n h a disso! - excla m o u Poirot dev olv e n
d o o olhar do socialista.

- Devia m ser morto s à bala, todo s eles! - rosn ou o ho m e m .

- Meu caro, que paixão tem pela violênci a!

- Diga- m e: que be m se pod e con s e g uir se m ela?

A gent e tem de que br ar e destruir, antes de edificar coisa que preste.

- É certa m e nt e mais fácil, e mais barulhe nto e mais esp e ct a c ul ar!

- Que faz o senh or para ganh ar a vida? Nada, garanto. Com certez a, consid er a- m e um ho m e m m é di
o...

- De man eira nenhu m a! Estou por cima! - declarou Poirot co m ligeira arrog â n ci a.

- Quem é o sen h or?

- Sou dete ctive - diss e Poirot co m o ar m o d e st o de que m diss e s s e : "Sou rei."

- Deus do Céu! - excla m o u o rapaz pare c e n d o real m e nt e atónito. - Não m e diga que aqu el a
rapariga arrasta atrás de si um pateta de um polícia? Tem

assi m tanto cuidad o co m a pele?

- Não tenh o relaç õ e s algu m a s co m Mister e Mistress Doyle -

declarou Poirot sec a m e n t e . - Viajo por prazer.

- Divertindo- se co m uma s férias, he m?

- E o sen h or? Não está tam b é m de férias?

- Férias? - repetiu Mr. Fergus o n co m ar de despr ez o. -

Estudo as condiç õ e s da vida.

- Muito intere s s a nt e - diss e Poirot, saind o dali discreta m e nt e e dirigindo- se para o tom b a dilh o.

Miss Van Schuyler instalara- se no m elh or canto.

Cornélia estav a ajo elh a d a e m frente dela, co m uma m e a d a de lã à volta dos braç o s esten did o s.
Miss Bowers, sentad a muito direita, lia o Saturday Evening Post.

Poirot vagu e o u por ali, indo até ao tom b a dilh o de estibord o. Ao pass ar pela popa, quas e colidiu co m
uma mulh er, que se voltou assusta d a para ele. Morena, provo c a nt e, tipo latino, vestida de preto.
Estivera a conv er s ar co m um ho m e m fardad o, que pareci a ser um dos ma q uinistas. Havia uma
estranh a expre s s ã o no rosto de am b o s - de culpa e alarm e . Poirot ficou a fazer conje cturas sobr e o
assunto que tinha m estad o a discutir...

Continuou o seu ca minh o. Abriu-se a porta de uma cabina e, m etida num roupã o de cetim esc arlate,
Mrs. Otterbourn e quas e lhe caiu nos braç o s.

- Desculpe- m e - diss e ela. - Meu caro Mister Poirot, des c ulp e- m e! O balanç o... O balan ç o, o sen h or
co m pr e e n d e! Nunca fui bo m marinh eiro. Se ao m e n o s o navio paras s e de jogar... - Agarrou o braç
o do dete ctiv e e continuou: - Nunca m e sinto be m , a bord o.

E fico aqui, sozinh a, horas e horas... Aquela minh a filha...

não tem nenhu m a con sid er a ç ã o . .. nenhu m cuidad o co m a sua pobr e mã e , que tudo tem feito por

ela. - Aqui, Mrs. Otterbourn e co m e ç o u a chorar, ma s se m interro m p e r as queixas. - Tenh o trabalha


d o para ela co m o uma escra v a, co m o uma verda d eira escra v a. Uma grand e am o ur e u s e ... que eu
pod eria ter sido! Uma grand e am o ur e u s e! Sacrifiquei tudo... ningu é m se inco m o d a! Mas direi a
todo o mund o... ag ora m e s m o . .. co m o minh a filha m e aban d o n a ...

Fez um mo vi m e nt o para a frente, ma s Poirot procurou detê- la delicad a m e n t e .

- Irei procurá- la, mad a m e . O rio está agitad o.

A senh or a pod eria ter sido varrida pela borda fora.

Mrs. Otterbourn e fitou- o co m ar incrédulo.

- Acha?

- Sem dúvida nenhu m a .

Poirot con s e g uiu o seu intento. Mrs. Otterbourn e pare cia vacilar, ma s dep ois entrou, trope ç a n d o ,
na cabina.

As narinas de Poirot estre m e c e r a m uma ou duas vez e s. Depois, foi procurar Rosalie, que estav a
sentad a entre Tim e Mrs. Al erton.

- Sua mã e recla m a a sua pres e n ç a , mad e m o i s ell e.

A jove m estivera a rir-se, feliz e despr e o c u p a d a .

Uma so m br a pass o u- lhe pelo rosto... Lançou um olhar susp eito ao dete ctive e saiu apres s a d a m e n t
e dali.

- Não poss o co m pr e e n d e r esta m e nin a - diss e Mrs. Al erton. - Varia tanto! Mostra- se um dia am á
v el... e no outro franca m e n t e indelicad a.

- Compl eta m e n t e estrag a d a e mal- hum or a d a - declarou Tim.

Mrs. Al erton aban o u a cab e ç a e replicou:

- Não o creio. Na minha opinião, é muito infeliz.

Tim enc olh e u os om br o s .

- Oh, bo m, co m certeza todo s nós tem o s os noss o s aborre ci m e nt o s - diss e ele e m tom sec o e
duro.

Neste m o m e n t o, ouviu- se o so m de um gon g o .

- Almoç o! - excla m o u Mrs. Al erton, enc a nta d a.

- Estou a morrer de fom e.

Naquela noite, Poirot notou que Mrs. Al erton conv er s a v a co m Miss Van Schuyler. Ao pass ar por ali,
viu a

mã e de Tim piscar os olho s disfarça d a m e n t e para ele.


- Naturalm e nt e, no castel o de Cafries... O duqu e... - dizia ela.

De folga por algu m temp o, Cornélia estav a no tom b a dilh o, ouvind o o Dr. Bessn er, que, co m frase s
inspirada s, lhe falava sobr e as coisa s do Egipto. A rapariga pare cia enc a nta d a.

Debruça d o na amura d a, Tim dizia:

- De qualqu er man eira, é um mund o infam e...

- Alguma s pes s o a s têm tudo. Não é justo - replicou Rosalie.

Poirot suspirou.

Ainda be m que já não era nov o...

CAPíTULO 9

Naquela man h ã de seg un d a- feira, fora m ouvida s várias excla m a ç õ e s de prazer no tom b a dilho do
Karnak. O navio estav a anc ora d o; e m frente dele podia

ver- se, banh a d o pelo Sol da man h ã, um grand e templo talhad o na roch a. Quatro enor m e s figuras
fitava m eterna m e n t e o Nilo e o nasc e nt e .

Cornélia excla m o u, entusias m a d a :

- Oh, Mister Poirot, isto é uma maravilha! Quero dizer... São tão grand e s e ser e n o s ... Olhand o para
eles a gent e sente- se tão pequ e n a ... co m o um inse cto... e nada parec e ter importância, não é verda d e
?

Mr. Fanthorp, que estav a perto dele s, mur mur ou:

- Sim... hum m m m . . . é real m e nt e impres si o n a nt e.

- Que colos s o , he m? - diss e Simon Doyle, aproxim a n d o - se. E

e m tom confiden ci al, dirigindo- se a

Poirot: - Sabe uma coisa, não sou muito amig o de visitar templo s e ad mirar vistas, ma s um esp e ct á c ul
o co m o este impre s si o n a, e m p ol g a, se é que co m pr e e n d e o que quer o dizer. Aquele s faraó s
dev e m ter sido uns sujeitos extraordinários.

Os outros afastara m - se. Simon baixou a voz e continuou:

- Estou satisfeitíssi m o por ter feito esta viag e m .

As nuven s dissipara m - se. Extraordinário que isto tenha acont e ci d o, ma s é verda d e . Os nervo s de
Linnet voltara m ao nor m al. Diz ela que é porqu e enfrentou finalm e nt e a situaç ã o.

- Acho muito prováv el - declarou Poirot.

- Diz que, quand o viu Jackie no navio, sentiu um cho q u e horrível. Mas dep oi s... se m sab er co m o ,
deixou de se importar co m isso. Combiná m o s não a evitar mais. Enfrentare m o s Jackie no seu próprio
ca m p o , m o strand o- lhe que a sua atitude ridícula já não nos impre s si o n a. É apen a s falta de
dignidad e da parte dela; nada mais do que isso. Pens ou que iríam o s ator m e nt a d o s , en erv a d o s ,
ma s... Bom, ag ora já não nos

impre s si o n a m o s . Que isto lhe sirva de lição!

- Muito be m - diss e Poirot, co m ar pens ativo.

- E, portanto, está tudo e m ord e m , não é verdad e ?


- Sim, sim...

Linnet surgiu nest e mo m e n t o , bela e sorrident e, de vestido de linho cor de da m a s c o .

Saudou Poirot se m grand e entusias m o , co m uma ligeira inclinaç ã o de cab e ç a ; dep oi s levou o
marido dali.

Poirot sorriu intima m e n t e , rec o n h e c e n d o que a sua atitude crítica não fora muito apreci ad a.
Linnet estav a aco stu m a d a a ser ad mirad a, tanto pela sua pes s o a co m o pelos seus actos. Hercule
Poirot co m e t er a um crim e de lesa- maje sta d e .

Mrs. Al erton veio procurá- lo.

- Que diferen ç a, nesta jove m! - mur mur ou. - Parecia aborre cid a, nada feliz, e m Assuão. Hoje está tão
cont ent e que a gent e tem m e d o até que ela esteja...

Antes que Poirot pude s s e resp o n d e r, foi feita a cha m a d a para todo s se reunire m. O guia oficial
levou os pass a g eir o s para terra, para visitare m Abu Simb el.

Poirot estav a ag ora ao lado de Andrew Pennington.

- É esta a sua prim eira viag e m ao Egipto? - perguntou ao am eric a n o.

- Não. Estive aqui e m 19 2 3 . Isto é, estive no Cairo. Mas é a prim eira vez que faço esta viag e m pelo
Nilo.

- Veio pelo Carmanic, creio eu? Pelo m e n o s foi o que m e diss e Mistress Doyle.

Pennington lançou ao dete ctiv e um olhar pen etrant e e resp o n d e u:

- Vim, sim.

- Estive a pens ar que talvez o senh or tenha conh e ci d o uns amig o s m eu s que estav a m tam b é m a
bord o: a família Rushington Smith.

- Não m e lem br o de ningu é m co m es s e no m e .

O navio estav a ch ei o e tive m o s mau temp o: muitos dos pass a g eir o s quas e não saíra m das cabina s.
E, de qualqu er man eira, a viag e m é tão curta que a gent e não ch e g a a sab er que m está ou não a bord
o.

- Sim, tem razão. Que agrad á v el surpre s a, enc o ntrar- se co m Mistress Doyle e o marido! Não tinha a

m e n or ideia de que estav a m cas a d o s ?

- Não. Mistress Doyle tinha- m e es crito, ma s a carta che g o u à América dep ois de eu ter partido, e foi-
m e reenviad a de lá. Só a rec e bi alguns dias dep ois do nos s o inesp er a d o enc o ntro no Cairo.

- Conh e c e Mistress Doyle há muitos ano s, não é verdad e ?

- Oh, sim, Mister Poirot. Conh e ç o Linnet Ridge w a y des d e que era dest e tam a n h o - diss e ele,
fazend o um ge st o para ilustrar o que diss er a. - O pai dela e eu éra m o s grand e s amig o s. Um ho m e
m extraordinário, Melhuish Ridge w a y, e que teve grand e êxito na vida.

- A filha herd ou uma fortuna consid er á v el, pelo que ouvi dizer... Oh, pardon, não estou a ser muito
discreto!

Andrew Pennington sorriu ligeira m e nt e.

- Oh, isso não é se gr e d o . Sim, Linnet é uma mulh er muito rica.


- Creio, no entanto, que a última baixa lhe afectou o valor das acçÕe s, por mais se gura s que seja m?

Pennington levou um ou dois seg un d o s para resp o n d e r:

- Isso, natural m e nt e, é, até certo ponto, verda d eiro. As coisa s estã o muito difíceis, hoje e m dia.

- Parec e- m e, no entanto, que Mistress Doyle tem boa cab e ç a para os neg ó ci o s - mur mur ou Poirot.

- Te m razão. Sim, tem razão. Linnet é uma mulh er prática e inteligent e.

Parara m. O guia co m e ç o u a falar sobr e o templo con struído pelo grand e Rams é s. As quatro gigant e
s c a s imag e n s do próprio Rams é s , talhad a s na roch a, duas de cad a lado da entrad a, pareci a m enc
ar ar o pequ e n o grupo de turistas.

Desd e n h a n d o as explicaçÕ e s do drag o m a n o , Richetti exa min a v a a bas e dos gigante s, ond e se
viam e m relev o as imag e n s dos es crav o s negro s e sírios.

Quando entrara m no templo, pare c e u experi m e nt ar e m todo s uma sen s a ç ã o de tranquilidad e e


paz.

O guia continuav a a cha m a r a atenç ã o de todo s para as imag e n s e m relev o, de colorido vivo, nas
pared e s internas, ma s os turistas sep ar ara m - se e m grupos de

duas ou três pes s o a s .

Em ale m ã o son or o, o Dr. Bessn er lia o seu Baed ek er, parand o de vez e m quand o para traduzir uma
pass a g e m ou outra para Cornélia, que docilm e nt e se cons er v a v a a seu lado. Mas não por muito
temp o... Miss Van Schuyler entrou pelo braç o da fleum ática Miss Bowers e ord en o u: "Venha cá,
Cornélia" - interro m p e n d o assi m a aula.

Depois dela partir, o ale m ã o ainda continuou, a sorrir vag a m e n t e , atrav é s das gros s a s lentes dos
óculo s.

- Rapariga simp ática - diss e ele a Poirot. - Não tem a apar ê n ci a faminta das ma gric el a s de hoje...
Belas curvas... Sabe tam b é m ouvir inteligent e m e n t e , e é um prazer dar- lhe explicaç õ e s .

Poirot não pôd e deixar de refletir que era sina de Cornélia ter se m pr e que ob e d e c e r ou ouvir.

Dispond o de alguns mo m e n t o s de liberdad e , dep ois da pere m pt ória ord e m dada a Cornélia, Miss
Bowers estav a de pé no m ei o do templo, exa min a n d o- o co m o seu olhar frio e pouc o curios o, não
pare c e n d o muito impres si o n a d a co m as maravilha s do pass a d o .

Havia um santuário interno, ond e estav a m quatro imag e n s , sentad a s e m atitude de grand e dignidad e
.

Linnet e Simon estav a m ali a exa min á- las. A jove m pass ar a o braç o pelo do marido e estav a de rosto
erguido -

rosto típico da m o d er n a civilizaçã o; inteligent e, curios o, se m nada que lem br a s s e o pass a d o .

- Vamos sair daqui - diss e Simon. - Não gosto dest e s sujeitos, principal m e nt e daqu el e de chap é u
alto.

- É Amon, co m certez a. E o outro é Rams é s .

Porque não gosta dele s? Acho- os muito impon e nt e s .

- Impon e nt e s de mais, na minha opinião. Há nele s algo de sobr e n atural... Vamos para o sol.

Linnet riu-se, ma s aco m p a n h o u- o.


Saíra m para fora, pisand o a areia am ar el a e quent e.

Linnet co m e ç o u a rir. . Aos pés dele s, e m fila, estav a m as cab e ç a s de seis m e nin o s núbios, parec
e n d o sep ara d a s dos corpo s. Virava m os olho s, as cab e ç a s m ovia m- se no m e s m o ritmo, enqu a
nt o eles diziam.

- Hip, hip, hurrah! Muito bo m, muito bo m. Muito obrigad o.

- Que absurd o! Com o con s e g u e m uma coisa desta s? Estão enterrad o s muito profunda m e n t e ? -
perguntou Linnet.

Simon atirou algu m a s mo e d a s e imitou os garoto s:

- Muito bo m, muito bonito, muito caro!

Dois rapazitos, a carg o do sho w, apanh ar a m as m o e d a s .

Linnet e Simon continuara m o seu ca minh o.

Não tinha m vontad e de voltar para o navio e estav a m cans a d o s de apre ciar vistas e antiguidad e s .
Sentara m- se de costa s para a roch a, aqu e c e n d o - se ao sol.

- Com o é lindo o Sol! - excla m o u Linnet. Tão bo m... E que tranquilidad e, que sen s a ç ã o de seg uran
ç a! Com o é bo m ser feliz... Com o é bo m ser eu, eu, eu, Linnet Doyle...

Fech o u os olho s. Estava m ei o acord a d a, m ei o ador m e ci d a, co m pens a m e n t o s que não fugia


m ne m se fixava m , co m o a areia que a brisa levantav a e de nov o deixav a cair.

Simon não fechara os olho s. Tam b é m nele s havia uma expre s s ã o de conte nta m e n t o . Que tolo
fora e m aborre c e r- se, aqu el a prim eira noite! Não havia motivo para se preo cup ar. Tudo ia be m ...
Afinal de conta s, a gent e podia confiar e m Jackie...

Um grito... Algué m a correr para aqu el e lado, gesticuland o, gritand o...

Durante alguns seg un d o s , Simon parec e u estup efa ct o. Em se g uida ergu e u- se de um salto,
arrastand o Linnet consig o.

Um minuto dep ois teria sido tarde de mais. Um grand e bloc o de pedra, que rolara do penh a s c o , pass o
u fragoro s a m e n t e por eles. Se tives s e ficado ond e estav a, Linnet teria sido es m a g a d a .

Pálidos, se m fala, os dois continuara m ag arrad o s um ao outro. Tim Al erton e Poirot ch e g ar a m , a


correr.

- Lá foi, mad a m e , esc a p o u por pouc o!

Instintiva m e nt e , os quatro ergu er a m os olho s. Não viram coisa algu m a. Mas lá e m cima havia uma
send a... Poirot lem br o u- se de ter visto alguns nativos seg uire m por ali, quand o o grupo de turistas des
e m b a r c a r a.

Olhou para o cas al Doyle. Linnet pare cia atordo a d a , perplexa. Simon estav a franca m e n t e furioso.

- Que Deus a am aldiç o e - excla m o u ele.

Interro mp e u- se, lançan d o um rápido olhar ao co m p a n h eir o de Poirot.

- Safa, que foi por um triz! - excla m o u Tim. - Algum idiota que soltou a pedra, ou terá ela rolad o por aca
s o?

Ainda muito pálida, Linnet balbuci ou:

- Creio que... algu m idiota soltou a pedra.


- Poderia ter ficad o reduzida a pó. Parec e- lhe que não tem nenhu m inimig o, Linnet?

Duas vez e s ela eng oliu e m sec o, se m pod er resp o n d e r à pergunta.

- Venha para o navio, ma d a m e - diss e Poirot viva m e nt e. -

Precisa de tom ar um estimulant e.

Caminh ara m alguns se gu n d o s e m silênci o. Via-se que Simon mal podia conter a cólera, ma s Tim co
m e ç o u a falar e m tom de grac ej o, procurand o distrair a aten ç ã o de Linnet do perig o de que ela esc a
p ar a. Poirot estav a mud o, sério.

E entã o, quand o ch e g ar a m ao pass a di ç o, Simon estac o u subita m e nt e , estup efa ct o.

Jacqu eline de Bel efort vinha des c e n d o para terra.

Com o seu vestido de fustão azul, pare cia uma crianç a naqu el a man h ã.

- Deus do céu! - mur mur ou Simon e m tom abafad o. - Então foi um acid e nt e.

A cólera des a p ar e c e r a- lhe do rosto, send o substituída por tal expre s s ã o de alívio que Jacqu eline
notou que aco nt e c e r a algu m a coisa de anor m al.

- Bom dia - diss e ela. - Creio que estou atras a d a.

Com uma inclinaç ã o de cab e ç a para todo s e m geral, tom o u a direcç ã o do templ o.

Simon agarrou o braç o de Poirot. Tim e Linnet iam na frente.

- Meu Deus, que alívio! Pens ei... pens ei...

- Sim, sim, sei o que pens o u - diss e Poirot.

Mas ainda continuav a preo c up a d o e grav e.

Voltou a cab e ç a , obs erv a n d o cuidad o s a m e n t e a posiçã o de todo s os outros m e m b r o s do


grupo.

Miss Van Schuyler vinha pelo braç o de Miss Bowers.

Um pouc o adiante, de pé, Mrs. Al erton ria dos garoto s núbios. Mrs. Otterbourn e estav a ao lado dela.

Não viu nenhu m dos outros.

Poirot aban o u a cab e ç a e lenta m e nt e aco m p a n h o u Simon, que subia para o vapor.

CAPíTULO 10

- Quer fazer- m e o favor, ma d a m e , de m e explicar o sentido da palavra fé?

A pergunta pare c e u caus ar surpres a a Mrs. Al erton. Ela e Poirot subia m lenta m e nt e o roch e d o que
dava para a Segund a Catarata. Quase todo s os outros tinha m ido de ca m el o, ma s Poirot ach o u que o
balan ç o do anim al pod eria lem brar o de um navio. Mrs.

Al erton dera co m o des culpa a pres erv a ç ã o da sua dignidad e pes s o al.

Tinha m ch e g a d o na noite anterior a Uadi Halfa.

Duas lanch a s havia m, nes s a man h ã, levad o todo o grupo até à Segund a Catarata, co m exc e p ç ã o
de Richetti, que insistira e m ir sozinh o a um lugar des erto cha m a d o Semn a que, diss er a ele, era
muito important e por ter sido a porta da Núbia no temp o de Amen e m h e t III, e ond e havia uma laje na
qual se lia que, ao

entrar no Egipto, os negro s tinha m de pag ar direitos aduan eiro s. Os outros pass a g eir o s fizera m tudo
para o dissua dir, e m b o r a se m resultad o. Signor Richetti estav a res olvido e afastou toda s as obje c ç õ
e s : 1) que a excurs ã o não valia a pena; 2) que não seria possív el cons e g uir um carro; 3) que não pod
eria obter outro m ei o

de condu ç ã o ; 4) que o preç o seria proibitivo. Tend o zo m b a d o de 1; manifesta d o incredulidad e


quanto a 2; tend o- se prontificad o a procurar ele m e s m o o carro quanto a 3; e pedinch a n d o anim a d
a m e n t e , e m árab e , ao ch e g ar a 4, finalm e nt e o italiano abalara, arranjand o a partida de man eira
furtiva e secr eta, para evitar que algu m outro turista se lem bra s s e de lhe fazer co m p a n hi a.

- Pey? - Mrs. Al erton inclinou a cab e ç a de lado, co m o que m reflecte. - Bom, é real m e nt e uma
palavra es c o c e s a . Indica uma esp é ci e de exag er a d a felicidad e que prec e d e o des a str e. O senh
or sab e o que quero dizer... É bo m de mais para pod er durar, e ess a história toda...

E ela continuou no m e s m o tom, tentand o explicar o m elh or que podia e sabia. Poirot ouvia- a atenta m
e nt e:

- Agrade cid o, ma d a m e . Agora co m pr e e n d o . É es quisito que tivess e dito isso onte m , se m prev
er que, por pouc o, Madam e Doyle ia esc a p ar à m orte.

Mrs. Al erton estre m e c e u ligeira m e nt e.

- Deve ter sido por um triz. Acha que algu m daqu el e s negrinh o s foss e capaz de e mpurrar a pedra por
brincad eira? É o que as crianç a s de todo o mund o gosta m mais de fazer... se m má intenç ã o , é claro.

Poirot enc ol h e u os om br o s.

- Talvez, mad a m e .

Mudou de assunto, faland o de Maiorca, e fazend o várias pergunta s, sob o pretexto de uma possív el

visita.

Mrs. Al erton já gostav a muito de Poirot - talvez por espírito de contradiçã o. Perce b e r a que Tim fazia o
possív el para que ela não se mo stra s s e tão ca m ar a d a do dete ctiv e, que ele qualificav a de "ho m e m
se m eira ne m beira". Mas Mrs. Al erton não co m p artilhav a des s a opinião. Provav el m e nt e era a
exótica man eira de Poirot se vestir que aum e nt a v a a prev e n ç ã o de Tim.

Mas Mrs. Al erton ach a v a- o intelig ent e, e intere s s a nt e a sua co m p a n hi a. Muito co m pr e e n si v


o, tam b é m . ..

Viu-se de repe nt e a fazer- lhe confidê n ci a s, contan d o- lhe a antipatia que tinha por Joana Southw o o
d . Sentiu um grand e alívio e m falar sobr e isso. E porqu e

não? Ele não conh e ci a Joana, provav el m e n t e nunc a viria a conh e c ê - la. Que mal havia e m des a b
af ar?

Neste m o m e n t o, Tim e Rosalie falava m dela.

Tim estivera a queixar- se, e m tom m ei o brincalhã o. Saúde má, não o bastant e para desp ertar intere s s
e ; ne m boa tão- pouc o, a ponto de lhe per mitir que levas s e a vida que des ej aria levar. Pouco dinh eiro
-

nenhu m a ocupa ç ã o atraent e.

- Vida co m pl eta m e n t e insípida - terminou ele e m tom des c o nt e nt e.

Rosalie replicou brusc a m e n t e :


- Você tem uma coisa que muita gente invejaria.

- E isso é...?

- Sua mã e.

Tim ficou agrad a v el m e n t e surpre e n did o.

- Minha mã e ?... Sim, é extraordinária. É muito am á v el da sua parte dizer- m e isso.

- Acho- a enc a nt a d or a. Bonita... distinta, cal m a...

co m o se nada pude s s e atingi- la... E, no entanto, se m pr e pronta a ach ar graç a e a divertir-se.

Rosalie balbuciav a, tal a sua esp o nt a n ei d a d e .

Tim sentiu uma onda de simp atia pela rapariga.

Desejou pod er retribuir o elogio, ma s infelizm e nt e Mrs. Otterbourn e era, na sua opinião, um dos mai or
e s perigo s para a Humanida d e . Ficou e m b ar a ç a d o por não pod er resp o n d e r.

Miss Van Schuyler ficara na lanch a. Não podia arriscar- se a subir de ca m el o, ne m tão- pouc o a pé.
Dissera, e m tom brusc o:

- Sinto ter de lhe pedir que fique co mi g o, Miss Bowers. Era minha intenç ã o dizer- lhe que foss e, e
Cornélia que ficass e, ma s as rapariga s de hoje são tão eg oí sta s! Fugiu se m m e dar a míni m a satisfaç
ã o. E vi-a a conv er s ar co m aqu el e sujeito des a gr a d á v e l e mal-educ a d o , o tal Fergus o n.
Cornélia des a p o nt o u- m e bastant e. Não tem a m e n or noç ã o dos hábitos da soci e d a d e . 0 Miss
Bowers replicou, na sua voz desinter e s s a d a :

- Não tem importân cia, Miss Van Schuyler. Está muito quent e para se ir a pé, e eu não sinto atracç ã o
algu m a pelas selas daqu el e s ca m el o s . Com certeza, estã o ch eia s de pulgas.

Ajeitou os óculo s, se mi c err ou os olho s para exa min ar o grupo que vinha des c e n d o o morro e obs
erv o u:

- Miss Robson não está co m aqu el e rapaz. Está co m o doutor Bessn er.

Miss Van Schuyler rosn ou, apen a s.

Desd e que des c o b rira que Bessn er tinha uma clínica na Chec o sl o v á q ui a e era dos m é dic o s mais
afa m a d o s da Europa, tratava- o co m mais cordialidad e . Além do mais, talvez vies s e a precisar dos
seus serviç o s profission ai s, ante s de ver terminad a aqu el a viag e m .

Quando voltara m para o navio, Linnet deixou esc a p ar uma excla m a ç ã o de prazer.

- Um telegra m a para mim!

Agarrou- o viva m e nt e e abriu- o.

- Mas... não co m pr e e n d o . .. batatas.... bet erra b a s ... que significa tudo isto, Simon?

Simon ia aproxi m ar- se para ler por sobr e o o m br o dela, quand o uma voz furiosa excla m o u:

- Desculpe- m e, ess e telegra m a é para mi m.

Ao dizer isto, Richetti arranc o u- o brusc a m e n t e das mã o s de Linnet, fulminand o- a ao m e s m o


temp o co m o olhar.

A jove m fitou- o, ad mirad a, dep ois virou o sobr e s crito.


- Oh, Simon, que tolice a minh a! É Richetti, não Ridge w a y... Além disso, o m eu no m e já não é Ridge
w ay.

Peço des c ulpa.

Linnet seg uiu o arqu e ól o g o , que se dirigia para a popa.

- Peço- lhe que m e des culp e, Signor Richetti.

O m e u no m e era Ridge w a y, antes de m e cas ar, e não estou cas a d a há muito temp o...

Interro mp e u- se, sorrident e, convidan d o- o tamb é m a sorrir do faux pas de uma rec é m - cas a d a .

Mas não havia dúvida que Richetti não ach ar a graç a. Nem m e s m o a rainha Vitória, nos seus mo m e n
t o s de mai or sev erida d e , pod eria ter- se m o strad o tão des c o nt e nt e.

- Deve ter- se cuidad o, ao ler um no m e . Qualquer desl eixo nest e sentido é imperd o á v e l.

Linnet mord e u os lábios, sentind o o sangu e vir-lhe ao rosto. Não estav a habituad a a ver as suas des
culpa s rec e bi d a s daqu el a forma. Voltou- se e, aproxim a n d o - se do marido, diss e e m tom colérico:

- Estes italiano s são insuportáv ei s.

- Não faça cas o, querida. Vamos ver o grand e croc o dilo de marfim que cha m o u a sua atenç ã o .

Desc er a m juntos para terra.

Poirot, que os obs erv a v a , ouviu a seu lado uma respiraç ã o ofeg a nt e. Voltou- se e deu co m Jacqu elin
e de Bel efort, de mã o s ag arrad a s à amura d a do navio.

A expre s s ã o do seu rosto alarm o u Poirot... Já não era alegr e ou malicios a. Com o se dentro dela arde s
s e um fogo con su mi d or...

- Eles já não liga m importân cia - diss e ela, faland o baixinho e depre s s a . - Já não os poss o atingir...

Não se importa m que eu esteja ou não aqui... Não poss o... não poss o feri-los mais.

Poirot notou que as mã o s de Jacqu eline tremia m .

- Made m oi s ell e...

Ela não se pôd e conter.

- Oh, ag ora é tarde... tarde de mais. O senh or tinha razão.

Eu não devia ter vindo. Não nesta viag e m ... Com o foi que a classificou? Viage m da alma?

Não poss o voltar atrás... tenh o que continuar. Eles não serã o felizes juntos... não serã o! Prefiro matar...

Afastou- se brusc a m e n t e , se m terminar a frase. Poirot se g uiu- a co m o olhar. Nisto sentiu uma mã o
sobr e o o m br o.

- A sua amiguinh a pare c e muito perturba d a, Mister Poirot.

O dete ctiv e voltou- se, ad miran d o- se ao dar co m um velho conh e ci d o. - Coron el Race!

O ho m e m , de rosto bronz e a d o , sorriu.

- Que surpre s a, he m?

Hercule Poirot vira Race um ano ante s, e m Londres. Convivas do m e s m o jantar - reunião que terminara
co m a morte de um estranh o sujeito, o don o da cas a.

Poirot sabia que Race era um ho m e m que tanto podia estar aqui co m o ali. Geralm e nt e, era enc o ntrad
o num dos posto s avan ç a d o s do Império, ond e havia perig o de algu m a sublev a ç ã o .

- Então está e m Uadi Halfa - co m e nt o u Poirot co m ar pens ativo.

- Estou aqui nest e navio.

- Quer dizer?.

- Que vou voltar co m voc ê s para Shellâl.

Poirot ergu e u as sobran c el h a s .

- Muito intere s s a nt e. Poss o, talvez, ofere c e r- lhe um drink?

Fora m para o salão envidraç a d o , ag ora co m pl et a m e nt e des erto. Poirot enc o m e n d o u um whisk
ey para o coron el e para si uma laranjad a be m açuc ar a d a.

- Então vai voltar conn o s c o ? - diss e o dete ctiv e, dep ois do prim eiro gole. - Iria mais depre s s a se
foss e

pelo navio do gov ern o, que viaja tanto de noite co m o de dia, não é verda d e ?

O rosto de Race enrug ou- se num sorriso.

- Acertou, co m o se m pr e, Mister Poirot - diss e ele.

- Os pass a g e ir o s, entã o?

- Um dele s.

- Qual? Eu gostaria de sab er?! - perguntou Poirot ergu e n d o os olho s para o tecto.

- Infelizm e nt e ne m eu sei.

Poirot fitou- o co m ar intere s s a d o e o coron el continuou:

- Não há m otivo para não lhe contar. Ultimam e nt e , tem o s tido muitos aborre ci m e nt o s aqui, de uma
forma ou de outra.

Não quer e m o s apanh ar as pes s o a s que pro m o v e m ab erta m e nt e as agitaç õ e s e sim os ho m e n


s que, intelig ent e m e n t e , ch e g a m o fogo à pólvora.

Eram três. Um morreu. Outro está na cad ei a. Quero o terceiro... um ho m e m que já co m e t e u cinco ou
seis ass a s sí ni o s a sang u e- frio. É um dos mais intelig ent e s agitad or e s pag o s que jamais existira
m... E ach a- se nest e navio. Sei diss o, pelo trech o de uma carta que estev e nas noss a s mã o s. Depois
de decifrada pude m o s ler:

"X estará a bord o do Karnak. Fev. de 7 a 13." Não dizia sob que no m e viajaria.

- Alguma des criç ã o do sujeito?

- Não. De asc e n d ê n ci a am eric a n a, franc e s a e irland e s a . Meio m e stiç o. Isto não nos ajuda
muito! Te m algu m a ideia?

- Uma ideia... não é muita coisa - diss e Poirot, pens ativo.

Conhe ci a m - se tão be m que Race não insistiu. Sabia que Poirot não falava a não ser que tivess e a certez
a do que dizia.
O dete ctiv e coç o u o nariz e diss e, e m tom des c o nt e nt e:

- Passa- se algu m a coisa nest e navio que m e caus a inquieta ç ã o .

Race fitou- o co m ar indag a d o r, ma s nada diss e.

Poirot continuou:

- Imagine uma pes s o a , diga m o s : A, que prejudicou seria m e nt e uma se gu n d a pes s o a , B. Esta
pes s o a

B des ej a vingar- se. Faz algu m a s am e a ç a s . ..

- A e B estã o nest e navio?

- Exacta m e nt e - diss e Poirot.

- E B, presu m o , é uma mulh er?

- Acertou.

Race ac e n d e u um cigarro e diss e:

- Se eu foss e voc ê, não m e preo cup aria. As pes s o a s que dize m que vão fazer isto e mais aquilo geral
m e nt e não faze m nada.

- Principal m e nt e quand o se trata das mulh er e s , não é o que quer dizer?

Mas Poirot não pare cia nada satisfeito.

- Há mais algu m a coisa? - perguntou Race.

- Há, sim. Onte m, A esc a p o u milagro s a m e n t e da m orte. Espéci e de morte que muito conv e ni e nt
e m e n t e pod eria ter sido consid er a d a acide nt e.

- Tentativa feita por B?

- Não; é justa m e nt e isso que não co m pr e e n d o .

B não podia ter tido ligaçã o algu m a co m o cas o.

- Então foi acide nt e?

- Creio que sim... ma s não gosto des s e tipo de acid e nt e s.

- Te m a certez a de que B está inoc e nt e?

- Absoluta.

- Bom, existe m des s a s coincid ê n ci a s. Por pens ar niss o: que m é A? Uma pes s o a des a gr a d á v e
l?

- Pelo contrário. Uma rapariga enc a nt a d or a, rica e bonita.

- Até pare c e um rom a n c e - co m e nt o u Race, sorrindo.

- Peut- être. Mas, repito, não estou nada satisfeito, m eu amig o. Se não m e eng a n o , e, para ser exa ct o,
rara m e nt e m e eng a n o ...

O coron el Race sorriu intima m e nt e dest e tão típico co m e nt ário.


- Então há real m e nt e m otivo para m e inquietar

- Continuou Poirot. - E ag ora voc ê apare c e - m e co m outra co m plica ç ã o . Vem dizer- m e que há um
ass a s sin o a bord o do Karnark!

- Mas as suas vítima s e m geral não são rapariga s enc a nta d or a s.

Poirot aban o u a cab e ç a co m ar des c o nt e nt e.

- Tenh o m e d o ... Tenh o m e d o ... Acons elh ei hoje es s a sen h or a, Mistress Doyle, a ir co m o
marido para Cartum, a não voltare m neste navio. Mas não conc or d ar a m . Peço a Deus que nos deixe
che g ar a Shellâl

se m que aco nt e ç a uma des gr a ç a .

- Não está a ser muito pes si mista?

- Tenh o m e d o - diss e o dete ctiv e simpl e s m e n t e . - Sim, eu, Hercule Poirot, tenh o m e d o ...

CAPíTULO 1 1

No dia seg uinte. Noite parad a e quent e.

Cornélia Robson ad mirav a o interior do templ o.

O Karnak anc or ar a nova m e n t e e m Abu-Simb el, para que os pass a g e ir o s pude s s e m visitar o
templo, desta vez co m luz artificial. Extraordinária diferen ç a! Cornélia co m e nt o u o facto co m Mr.
Fergus o n, que estav a a seu lado.

- Imagine, a gent e vê muito m elh or à noite! - excla m o u ela. - Todo s os inimig o s do rei, que fora m

deg ol a d o s por orde m dele... be m visíveis, ag ora. E ali está um lindo cast el o que eu não tinha notad o
ante s.

Gostaria que o doutor Bessn er estive s s e aqui, para m e explicar o que é.

- Não co m pr e e n d o co m o tolera aqu el e velho idiota - excla m o u Fergus o n e m tom des a ni m a d


o.

- Não diga isso. É um dos ho m e n s mais bond o s o s que tenh o conh e ci d o .

- Velho ped a nt e.

- Acho que não devia falar des s a forma.

O rapaz seg ur ou- a pelo braç o. Iam saind o do templ o, para a noite quent e e enluarad a.

- Com o é que con s e nt e e m ser apo qu e nt a d a por aqu el e velhot e, e do min a d a e pisad a por aqu el
a m e g e r a?

- Mister Fergus o n!

- Não tem um pouc o de pers o n alida d e ? Não sab e que é tão boa co m o ela?

- Não sou, não! - excla m o u Cornélia co m sinc er a convicç ã o .

- Não é tão rica... foi o que quis dizer.

- Não foi, não. A prima Marie é muito culta e...

- Culta! - excla m o u o rapaz soltand o o braç o tão brusc a m e n t e co m o o agarrara. - Essa palavra
repugn a- m e.

Cornélia fitou- o, alarm a d a .

- Ela não gosta que voc ê conv er s e co mi g o, não é verdad e ? - continuou o rapaz.

Cornélia corou, muito e m b a r a ç a d a , ma s nada resp o n d e u.

- E porqu ê? Por pens ar que não sou do seu nível social? Bah... Não sent e o sang u e ferver- lhe nas veias?

- Gostaria que não foss e tão exaltad o - balbuciou Cornélia.

- Não co m pr e e n d e entã o, voc ê, uma am eric a n a, que todo s nasc e m livres e iguais?

- De man eira nenhu m a! - prote st ou Cornélia.

- Minha m e nin a, isso faz parte da sua Constituiçã o!

- A prima Marie diz que os políticos não são cav alh eiro s. E, naturalm e nt e, não so m o s todo s iguais.

Que tolice! Sei que não sou bonita. Isso às vez e s entristecia- m e, ma s já m e confor m ei. Gostaria de ser
bela e ele g a nt e co m o Mistress Doyle, ma s não sou assi m, e de nada vale ficar aborre cid a.

- Mistress Doyle! - excla m o u Fergus o n e m tom de profund o despr ez o. - É um tipo de mulh er que
devia ser morta para exe m pl o.

Cornélia fitou- o co m ar ansios o.

- Com certeza é por caus a da sua dige stã o - diagn o stic ou ela.

- Tenh o uma pepsina esp e ci al, que

a prima Marie já exp eri m e nt o u. Quer tamb é m exp eri m e nt ar?

- Você é impo s sív el! - excla m o u Fergus o n, afastand o- se dali.

Cornélia dirigiu- se para o navio. Ia a ch e g ar ao pass a di ç o quand o Fergus o n a alcan ç o u de nov o.

- Você é de facto a m elh or pes s o a neste navio - diss e ele. -

Não se es qu e ç a diss o!

Corada de prazer, Cornélia dirigiu- se para o salão envidraç a d o .

Miss Van Schuyler conv er s a v a co m o Dr. Bessn er

- conv er s a agrad á v el, a resp eito de certos aristocrático s cliente s do m é dic o.

Cornélia diss e e m tom contrito:

- Espero não m e ter de m o r a d o de mais, prima Marie.

A velhota con sultou o relógio e replicou sec a m e n t e :

- Não foi lá muito rápida, minha amig a. E ond e pôs a minha éch arp e de veludo?

Cornélia procurou à sua volta, ofere c e n d o - se dep ois para ir ver na cabina.

- Claro que não a enc o ntrará na cabina! - excla m o u a velha.

- Estava aqui a m eu lado dep ois do jantar, e eu não saí dest e salã o. Estive sentad a ali, naqu el a cad eira.
Cornélia iniciou nova busc a.

- Não con sig o enc o ntrá- la, prima Marie.

- Tolice. Procure de novo.

Mais pare cia uma ord e m dada a um cão; e, co m o se m pr e, Cornélia ob e d e c e u humild e m e n t e .

O silencio s o Mr. Fanthorp, que estav a sentad o ali perto, ergu eu- se para a ajudar. Mas a éch arp e não
apare c e u .

O dia fora tão quent e e abafad o que muita gent e se retirara ced o, dep ois de ter ido a terra ad mirar o
templ o.

Os Doyle jogav a m o bríde g e , a uma m e s a de canto, co m Pennington e Race. O único ocup ant e do
salão era Hercule Poirot, que pareci a morto de son o.

Ao pass ar por ele (rainha co m a sua co mitiva!) Miss Van Schuyler parou para lhe dizer algu m a s
palavra s.

O dete ctiv e ergu eu- se pronta m e nt e , reprimind o um enor m e boc ej o.

- Só ag ora fiquei a sab er que m é, Mister Poirot

- diss e a am eric a n a. - Um velho amig o m e u, Rufus Van Aldin, já m e falara do senh or. Preciso que m
e conte uma das suas ave ntura s, quand o tiver oca si ã o.

Dito isto, pass o u adiante co m uma am á v el, se be m que cond e s c e n d e n t e , inclinaç ã o de cab e ç a
.

De olho s reluzent e s, ape s ar da son ol ê n ci a, Poirot inclinou- se exag er a d a m e n t e diante dela.

Depois boc ej o u de novo. Sentia- se pes a d o e e m brute cid o de tanto son o e mal podia ficar de olho s

ab erto s. Olhou de relanc e para os jogad or e s de bríde g e , abs orto s no jogo, dep oi s para Fanthorp,
que pareci a muito intere s s a d o na leitura de um livro. Não havia mais ningu é m no salão.

Pass ou pela porta giratória, entrand o no tom b a dilho.

Jacqu eline de Bel efort, que vinha apre s s a d a m e n t e e m direc ç ã o contrária, quas e colidiu co m ele.

- Pardon, ma d e m o i s e ll e.

- Está co m cara de son o, Mister Poirot.

- Sim - confe s s o u ele franca m e n t e . - Mal poss o abrir os olho s. Tive m o s um dia muito abafad o,
opre s siv o.

- Sim... - diss e ela, parec e n d o reflectir alguns seg un d o s . - Sim, dia e m que tudo parec e ... estalar!

Quebrar! A gente não pod e mais...

A sua voz era rouca e apaixon a d a . Jackie olhara, não para Poirot, ma s para a areia da costa. As suas mã
o s estav a m convulsa s, rígidas. Súbito, a tensã o parec e u diminuir.

- Boa noite, Mister Poirot.

- Boa noite, ma d e m o i s e ll e.

Os olho s de am b o s enc o ntrara m- se, ma s so m e nt e durante uns seg un d o s . No dia seg uinte, ao
rele m br ar este olhar, Poirot ch e g o u à con clus ã o de que nele houv er a um apel o...
Poirot dirigiu- se para a sua cabina e Jacqu eline entrou no salã o.

Depois de ter atendid o Miss Van Schuyler e m mui tas coisa s úteis e inúteis, Cornélia peg o u num borda
d o e voltou para o salão. Não sentia son o. Pelo contrário, estav a be m acord a d a e ligeira m e nt e
excitada.

Os jogad or e s de bríde g e continuav a m abs orto s no jogo. Fanthorp ainda lia tranquila m e nt e .
Cornélia sentou- se e co m e ç o u a bordar.

De repe nt e, a porta abriu- se e Jacqu eline apare c e u .

Ficou ali parad a, a cab e ç a lança d a para trás. Depois tocou a ca m p ain h a e aproxi m o u- se de
Cornélia, sentand o- se a seu lado.

- Estev e e m terra?

- Estive - resp o n d e u Cornélia. - Achei tudo lindo ao luar.

- Sim, é uma noite linda... Verdad eira noite de lua- de- m el.

O seu olhar procurou a m e s a do bríde g e , des c a n s a n d o um m o m e n t o sobr e Linnet Doyle.

O criado veio atend er a ca m p ain h a.

Jacqu eline enc o m e n d o u um gin duplo. Ao ouvir a orde m , Simon lanç ou- lhe um olhar rápido, ond e
havia uma expre s s ã o ligeira m e nt e ansios a.

- Simon, esp er a m o s a sua marc a ç ã o - diss e Linnet.

Jacqu eline pôs- se a cantarolar baixinho. Quando o criado voltou, ela ergu e u o cop o e excla m o u: "Ao
crim e!"

Bebeu de um só trag o e enc o m e n d o u outro.

Simon olhou de nov o para aqu el e lado. Com e ç o u a distrair- se nas marc a çÕ e s ; Pennington, seu
parc eiro, cha m o u- lhe duas ou três vez e s a atenç ã o .

Jacqu eline co m e ç o u de nov o a cantarolar, a princípio baixinho, dep ois um pouc o mais alto:

Ele era dela, e aban d o n o u- a...

- Perdã o - diss e Simon a Pennington. - Foi tolice minh a não voltar ao seu naipe. E assi m eles ganh ar a
m o rubb er.

Linnet ergu e u- se.

- Estou co m son o. Acho que vou para a ca m a .

- Está m e s m o na hora - declarou o coron el Race.

- De acord o - diss e Pennington.

- Você ve m, Simon?

Doyle resp o n d e u lenta m e nt e :

- Ainda não. Creio que vou primeiro tom ar um drink.

Linnet inclinou a cab e ç a e saiu co m Race. Pennington aca b o u o seu whisk ey e aco m p a n h o u - os.

Cornélia co m e ç o u a rec olh er as linhas e o borda d o .


- Não vá ainda, Miss Robson - pediu Jacqu eline. - Não vá por favor. Estou co m vontad e de fazer

desta noite uma noite e tanto! Não m e aban d o n e .

Cornélia sentou- se nova m e n t e .

- Nós, rapariga s, precis a m o s ficar solidárias! - diss e Jacqu eline, atirand o a cab e ç a para trás e soltand
o uma garg alh a d a se m alegria algu m a.

O criado trouxe o seg un d o gin.

- Tom e algu m a coisa - ofere c e u Jacqu eline.

- Não, muito agrad e ci d a - resp o n d e u Cornélia.

Jacqu eline inclinou a cad eira para trás e rec o m e ç o u a cantarolar, mais alto ag ora:

Ele era dela, e aban d o n o u- a...

Mr. Fanthorp virou uma página do livro: Europe from Within.

Simon apanh o u uma revista.

- Acho que vou para a ca m a - diss e Cornélia. - Está a fazer- se tarde.

- Não pod e ir já - diss e Jacqu eline. - Não lho permito se m que m e conte a sua vida.

- Bom... Não há muito que contar... - balbuci ou Cornélia. -

Tenh o vivido se m pr e e m cas a, quas e

não viajo. É esta a minha primeira viag e m à Europa.

Estou enc a nt a d a...

Jaqueline soltou nova garg alh a d a.

- é uma criatura feliz, não é? Céus, eu gostaria de ser assi m.

- Oh, gostaria? Mas garanto- lhe que...

Cornélia não terminou, pare c e n d o muito e m b a r a ç a d a .

Não havia dúvida que Miss de Bel efort estav a a be b e r de mais. Bom, isso não era novida d e para
Cornélia. Tinha visto muita gent e be b er no temp o da Lei Seca. Mas havia algu m a coisa... Jacqu eline
falava co m ela... olhav a para ela... e no entanto Cornélia sentia que as suas palavras era m dirigidas a
outra pes s o a .

Mas só havia duas pes s o a s no salão: Mr. Fanthorp e Mr. Doyle. O prim eiro pare cia abs orto na leitura;
o se g un d o tinha um ar es quisito... uma expre s s ã o vigilante no olhar...

Jacqu eline diss e de novo:

- Conte- m e a sua vida.

Obedi ent e, co m o se m pr e, Cornélia fez- lhe a vontad e .

Convers o u pes a d a m e n t e , dand o porm e n o r e s inúteis da sua vida quotidiana. Estava tão pouc o
habituad a a ser ouvida! O seu papel era ouvir, ouvir se m pr e.

E, no entanto, Jacqu eline pare cia quer er sab er.


Quando Cornélia parav a, a outra anim a v a- a a continuar:

- Vamos, conte- m e mais algu m a coisa.

E, portanto, Cornélia continuou ("A ma m ã , natural m e nt e, tem uma saúd e muito delicad a; e m certos
dias só co m e cer e ai s!") sab e n d o , infelizm e nt e, que tudo o que

dizia era supina m e nt e desinter e s s a nt e, ma s ape s ar diss o lisonje a d a pela aten ç ã o que a outra lhe
dispe n s a v a . Mas estaria Jacqu elin e real m e nt e intere s s a d a ? Não estaria, por aca s o , ouvind o
algu m a outra coisa, ou antes: esp er a n d o ouvir outra coisa? Olhava para Cornélia, sim, ma s não hav
eria algué m naqu el a sala...

- E, natural m e nt e, tem o s aulas de arte, e o ano pass a d o fiz um curso de... (Que horas seria m? Tardíssi
m o, co m certez a. Estivera faland o, faland o se m parar. Se ao m e n o s acont e c e s s e algu m a coisa...)

Imediata m e nt e , co m o para que o seu des ej o ficass e satisfeito, algu m a coisa aco nt e c e u que, no
primeiro m o m e n t o, lhe parec e u muito natural.

Jacqu eline voltou a cab e ç a , e diss e a Simon Doyle:

- Toqu e a ca m p ain h a, Simon. Quero outro drink.

O rapaz ergu e u os olho s da revista que folhe a v a e diss e cal m a m e n t e :

- Os criado s já fora m para a ca m a. Já pass a da m ei a- noite.

- Estou a dizer- lhe que quero outro drink.

- Você já be b e u de mais, Jackie.

Ela voltou- se brusc a m e n t e para o rapaz.

- Que diab o tem voc ê co m isso?

Ele enc ol h e u os om br o s e resp o n d e u:

- Nada.

A rapariga obs erv o u- o durante um ou dois minutos. Depois:

- Que aco nt e c e u , Simon? Está co m m e d o ?

Ele não resp o n d e u , e peg o u de nov o na revista, co m exag er a d a cal m a.

Cornélia mur mur ou:

- Céus... tão tarde, já... Preciso...

Com e ç o u a rem e x er nas suas coisa s, deixou cair o ded al.

- Não vá ainda - diss e Jacqu eline. - Quero ter outra mulh er aqui ao m eu lado, para m e apoiar. - Deu uma
garg alh a d a e continuou: - Sabe por que

m otivo Simon está co m m e d o ? Receia que lhe conte a história da minha vida.

- Oh!. . - balbuci ou Cornélia.

Jacqu eline diss e e m voz be m clara:

- Porqu e, sab e voc ê, nós fom o s noivo s.


- Oh, não diga isso!

Cornélia estav a do min a d a por e m o ç õ e s contrárias.

Sentia- se profunda m e n t e e m b a r a ç a d a , ma s ao m e s m o temp o estav a excitada, curios a. Que


expre s s ã o ... so m bria, no rosto de Simon Doyle!

- Sim, é uma história muito triste - diss e Jacqu eline e m voz abafad a e irónica. - Ele tratou- m e muito
mal; não é verda d e , Simon?

Simon Doyle diss e asp er a m e n t e :

- Vá para a ca m a , Jackie. Você está bê b e d a .

- Se está con stran gid o, m e u caro Simon, pod e sair da sala.

Simon olhou para ela. A mã o que se g urav a a revista tremia ligeira m e nt e . Mas declarou e m tom
firme:

- Não saio.

Cornélia mur mur ou pela terc eira vez:

- Tenh o de ir. . é tão tarde...

- Você não vai - diss e Jacqu elin e, este n d e n d o a mã o e obrigand o- a a sentar- se. - Vai ficar e ouvir o
que tenh o para lhe dizer.

- Jackie, voc ê está a fazer um papel ridículo! - excla m o u Simon asp er a m e n t e . - Pelo am or de Deus,
vá para a ca m a .

Jacqu eline endireitou- se na cad eira. Dos seus lábios saiu, sibilante, uma torrente de palavra s enc ol
erizad a s:

- Está co m m e d o de uma cen a, não está? Isso porqu e voc ê é tão inglês... tão res erv a d o! Quer que eu
proc e d a "corre cta m e n t e", não é verda d e ? Mas pouc o m e importo de ser corre cta ou não! É m elh
or sair daqui, porqu e vou falar... e muito.

Jim Fanthorp fech o u co m cuidad o o livro, boc ej ou discreta m e nt e , consultou o relógio, levantou- se
e saiu.

Atitude muito ingles a e muito pouc o convinc e nt e.

Jacqu eline deu uma reviravolta na cad eira e de nov o fitou Simon.

- Seu grandís si m o idiota, pens o u que podia tratar- m e co m o m e tratou, se m sofrer coisa algu m a? -
excla m o u e m voz rouca e pes a d a.

Simon abriu os lábios, ma s resolv e u calar- se. Continuou imóv el, co m o se ach a s s e que a cólera se
extinguiria por si, cas o nada diss e s s e para provo c ar Jacqu eline.

A voz dela era pes a d a , confusa. Cornélia pareci a fascinad a, pois não estav a habituad a a ver e m o ç õ
e s tão fortes assi m postas a nu.

- Disse- lhe que seria mais fácil matá- lo do que per mitir que perten c e s s e a outra mulh er... Acha que
falei só por falar? Engana- se. Estive apen a s ... à esp er a, voc ê perten c e - m e! Ouve? É m e u.

Nem assi m Simon falou. A mã o de Jacqu eline procurou qualqu er coisa na bolsa. A rapariga inclinou- se
para a frente.

- Eu diss e- lhe que o mataria, e diss e a verda d e ...


- Jacqu eline ergu e u a mã o, ond e brilhou qualqu er coisa. - Vou matá- lo co m o a um cão, cão que voc ê
é...

Finalm e nt e, Simon parec e u acord ar. Ergueu- se de um salto, ma s no m e s m o instante ela pre miu o
gatilho...

Simon torceu- se, caind o na cad eira. Cornélia deu um grito e correu para o tom b a dilho. Jim Fanthorp
estav a ali, debruç a d o sobr e a amurad a.

- Mister Fanthorp... Mister Fanthorp...

O rapaz correu. Cornélia agarrou- lhe as mã o s, faland o inco er e nt e m e n t e .

- Ela matou- o! Oh, ela matou- o!

Simon Doyle estav a imóv el na cad eira ond e havia caíd o m ei o atrav e s s a d o . Jacqu eline pare cia
paralisad a.

Tre mia violenta m e nt e e co m os olho s dilatad o s fitava a man c h a rubra que, pouc o a pouc o, se esp
alh a v a pela calça de Simon, be m abaixo do joelho, no ponto ond e ele co m pri mi a um lenç o.

Jacqu eline balbuciou:

- Eu não tinha intenç ã o ... Oh, m e u Deus, eu não tinha intenç ã o ...

O revólv er despr e n d e u- se- lhe dos ded o s nervo s o s , caind o no chã o co m um ruído sec o. Ela deu-
lhe um pontap é e a arm a foi parar deb aixo de uma poltrona.

Simon mur mur ou e m voz fraca.

- Fanthorp, pelo am or de Deus... ve m gent e...

Diga que não foi nada... um acide nt e... ou seja lá o que for... É precis o evitar o esc â n d al o.

Fanthorp inclinou a cab e ç a , co m o que m co m pr e e n d e u perfeita m e nt e . Virou- se para a porta,


dizend o ao assu sta d o núbio que apar e c e u neste mo m e n t o:

- Muito be m ... muito be m... Foi uma brincad eira!

O negro parec e u perplex o; dep ois, tranquilizou- se.

Sorriu, arreg a n h a n d o os dente s e saiu.

Fanthorp voltou- se para os outros:

- Está certo. Não creio que ningu é m mais tenha ouvido. Mais pare c e u o estalo de uma rolha, ao saltar.

Agora...

Parou, sobr e s s altad o . Jacqu eline co m e ç a r a a chorar histerica m e nt e .

- Oh, m eu Deus, eu preferia estar morta... Vou matar- m e... Oh, que fiz eu, que fiz eu?

Cornélia correu para o seu lado.

- Calma, m e nina, cal m a.

De testa húmid a e rosto contraíd o de dor, Simon diss e, ansios a m e n t e : - Leve m- na daqui. Pelo am or
de Deus, leve m - na daqui! Fanthorp, obrigu e- a a ir para a cabina. Por favor, Miss Robson, vá cha m a r
aqu el a sua enfer m eira.
Olhou, suplicante, para um e para outro e continuou:

- Não a deixe m sozinha... Faça m co m que a enfer m eira fique co m ela. Depois vão cha m a r Bessn er.

Pelo am or de Deus, não deixe m que minh a mulh er venh a a sab er disto.

Jim Fanthorp inclinou a cab e ç a . Aquele silencio s o rapaz sabia mo strar- se cal m o e co m p e t e nt e
num a crise.

Ele e Cornélia levara m a chor o s a Jacqu eline para a cabina. Ela continuav a a lutar, os soluç o s parec er
a m recrud e s c e r.

- Vou afog ar- m e... Vou afog ar- m e... Não m er e ç o viver... Oh, Simon... Simon...

- Vá cha m a r Miss Bowers - diss e Fanthorp a Cornélia - Fico aqui à esp er a.

Cornélia inclinou a cab e ç a e apres s o u- se a ob e d e c e r .

Assim que ela saiu, Jacqu eline ag arrou o braç o de Fanthorp.

- A perna de Simon... está a sangrar... que br a d a... Ele pod e m orrer. Preciso ir vê- lo... Oh, Simon...

Simon... Com o é que fui fazer aquilo?

Ela ergu er a a voz. Fanthorp rec o m e n d o u :

- Calma... cal m a... Nada aco nt e c e r á a Mister Doyle.

A jove m co m e ç o u a lutar.

- Deixe- m e. Quero atirar- m e à água... Quero m orrer.

Segurand o- a pelos om br o s, Fanthorp obrig ou- a de nov o a deitar- se.

- Fique quieta. Não faça barulho. Procure do min ar- se. Não vai aco nt e c e r coisa algu m a, garanto- lhe.

Com grand e alívio de Fanthorp, Jacqu elin e pare c e u acal m ar- se. Ele deu graç a s a Deus quand o as
cortinas se abrira m e a co m p e t e nt e Miss Bowers, m etida num horrível quim o n o , entrou, aco m p a
n h a d a por Cornélia.

- Então, entã o, que é isto? - perguntou viva m e nt e a enfer m eira, tom a n d o conta da situaç ã o , se m
de m o n strar surpres a ou alarm e.

Fanthorp deu- se por feliz por deixar Jacqu eline entreg u e aos seus cuidad o s e apres s o u- se a ir
procurar o Dr. Bessn er.

Bateu, entrand o quas e imediata m e nt e .

- Doutor Bessn er?

Ouviu um ronc o terrível e log o e m seg uida uma voz assu sta d a:

- Sim? Que houv e?

Fanthorp ac e n d e r a a luz. O m é di c o piscou os olho s, parec e n d o uma coruja en or m e .

- Doyle... Foi ferido. Miss de Bel efort deu- lhe um tiro. Está no salã o. O sen h or pod e vir exa min á- lo?

O m é dic o agiu pronta m e nt e . Fez algu m a s rápidas pergunta s, enfiou um roupã o e os chinelo s, peg
o u na mal eta e aco m p a n h o u o inglês até ao salã o.
Simon con s e g uira abrir uma janela a seu lado, apoian d o ali a cab e ç a , procuran d o respirar o ar puro
da noite. O rosto dele tinha uma palidez impre s si o n a nt e.

O m é dic o aproxi m o u- se.

- Então? Que aco nt e c e u?

Um lenç o ens a n g u e nt a d o estav a caíd o no chã o, e no tapete havia uma man c h a rubra.

O exa m e do m é dic o foi pontilhad o de excla m a ç õ e s e grunhido s teutónic o s.

- Sim, isto é grav e... Fractura... E grand e perda de sangu e. Herr Fanthorp, precisa m o s de o levar para a
cabina. Assim... Ele não pod e andar. Tem o s que peg ar nele...

assi m.

Quando levantav a m Simon, Cornélia apare c e u à porta.

O m é dic o deixou esc a p ar um grunhido de satisfaç ã o.

- Ach, é a senh or a? Goot. Venha conn o s c o . Tenh o nec e s si d a d e de que m m e auxilie. A sen h or a
ser- m e- á mais útil do que aqui o noss o amig o. Ele já está pálido.

Fanthorp perguntou co m um sorriso am ar el o:

- Quer que vá cha m a r Miss Bowers?

O m é dic o lanç ou a Cornélia um olhar crítico e declarou:

- Esta sen h or a servirá. Não vai des m ai ar, ou coisa pare cid a, he m?

- Farei o que m e diss er que faça - replicou Cornélia viva m e nt e .

Bessn er inclinou a cab e ç a co m ar satisfeito.

A pequ e n a prociss ã o seg uiu pelo tom b a dilho.

Os dez minutos seg uinte s fora m dedica d o s ao trata m e nt o; Mr.

Fanthorp não os apreci ou e m abs oluto.

Sentia- se intima m e n t e env er g o n h a d o da cora g e m de m o n stra d a por Cornélia.

- Bom, é só o que poss o fazer - diss e Bessn er finalm e nt e. E

baten d o no o m br o de Simon, co m ar

aprov a d or: - Foi um herói, m eu amig o.

Depois enrolou a man g a da ca mi s a do ferido e tirou uma sering a da mal eta.

- Vou ag ora dar- lhe um sed ativo, para pod er dormir. E

quanto à sua mulh er?

- Ela não precis a sab er até am a n h ã - diss e Simon, fraca m e n t e . - Eu. . ningu é m dev e cen surar
Jackie... Foi tudo por culpa minh a. Tratei- a muito mal... pobr e m e nina... não sabia o que estav a a fazer.

O m é dic o inclinou a cab e ç a .

- Sim, sim, co m pr e e n d o .
- É minha a culpa - insistiu Simon. Os seus

olho s procurara m os de Cornélia. - Algué m precisa ficar co m ela... Poderia... fazer algu m a loucura...

O m é dic o deu- lhe uma injecç ã o . Cornélia diss e, muito co m p e n e tr a d a:

- Não se preo c up e , Mister Doyle. Miss Bowers vai ficar co m ela toda a noite.

Os olho s de Simon tivera m um brilho de gratidã o.

Relaxou os mús c ul o s e cerrou as pálpe bra s. De repe nt e, abriu- os nova m e n t e .

- Fanthorp? O revólv er... não dev e m deixá- lo...

por ali... os criado s iriam enc o ntrá- lo... de man h ã.

O inglês inclinou a cab e ç a .

- Está certo. Vou eu m e s m o busc á- lo.

Saiu e perc orreu o tom b a dilho. Miss Bowers apar e c e u à porta da cabina de Jacqu elin e.

- Está be m. Dei-lhe uma injecç ã o de m orfina - anunciou a enfer m eira.

- Mas a sen h or a vai ficar ao lado dela?

- Sim. A morfina tem um efeito excitante sobr e certas pes s o a s . Ficarei co m ela toda a noite.

Fanthorp foi para o salã o.

Alguns minutos mais tarde, o m é dic o ouviu uma panc a d a na sua porta.

- Doutor Bessn er?

- Sim - resp o n d e u o interpelad o, apar e c e n d o imediata m e n t e .

Fanthorp cha m o u- o para o tom b a dilh o.

- Oiça... Não consig o enc o ntrar o revólv er...

- Que m e diz?

- O revólv er. Caiu da mã o da rapariga... Ela deu- lhe um pontap é e ele foi parar deb aixo de uma das
poltrona s. Mas não está ali.

Entreolhara m - se por se gu n d o s .

- Mas que m pod eria tê- lo apanh a d o ?

Fanthorp enc ol h e u os om br o s.

Bessn er continuou:

- Esquisito... Mas, quanto a isso, não vejo o que poss a m o s fazer.

Perplexo s e ligeira m e nt e alarm a d o s , os dois ho m e n s sep arara m - se.

CAPíTULO 12

Hercule Poirot aca b a v a de tirar a espu m a do rosto rec é m - barb e a d o , quand o ouviu uma panc a d a
na porta.
Quase que imediata m e nt e Race entrou se m cerim ó ni a algu m a .

- O seu instinto não o eng a n o u. Acontec e u! - diss e ele ao dete ctive.

Poirot endireitou- se e perguntou brusc a m e n t e :

- Acontec e u o quê?

- Linnet Doyle m orreu; levou um tiro na cab e ç a onte m à noite.

Poirot ficou uns minutos e m silênci o. Duas cen a s apare c e r a m viva m e nt e diante dos seus olho s...
Uma jove m , e m Assuão, dizend o e m tom ofeg a nt e: "Gostaria de lhe enc o st ar o revólv er à cab e ç a
e pre mir o gatilho..." E outra, mais rec e nt e, a m e s m a voz dizend o:

"A gent e sent e que não pod e continuar... que qualqu er coisa vai estalar. " E aqu el a fugidia expre s s ã o
de súplica no olhar. Que aco nt e c e r a co m ele, que não resp o n d e r a ao apel o? Estivera ceg o , surdo,
imb e cilizad o, co m aqu el a vontad e de dor mir.

Race continuou:

- Com o tenh o certa posiçã o oficial, man d ar a m - m e cha m a r, entre g a n d o - m e o cas o. O navio
devia partir daqui a m ei a hora, ma s só partirá co m orde m minha.

Há, naturalm e nt e, a possibilidad e de o ass a s sin o ter vindo de terra.

Poirot sacudiu neg ativa m e nt e a cab e ç a . Race pare c e u con c ord ar co m ele.

- Te m razão. A hipóte s e dev e ser afastad a. Bom, m eu amig o, assu m a o co m a n d o . Você enten d e
mais do que eu do assunto.

Poirot, que se vestira co m grand e rapidez, voltou- se para o amig o, dizend o:

- Estou às suas ord en s.

Saíra m para o tom b a dilho.

- Bessn er já dev e estar lá - diss e Race. - Mandei- o cha m a r imediata m e n t e .

Havia, no navio, quatro cabina s de luxo, co m cas a de banh o. Das duas a bo m b o r d o , uma era ocup a
d a por Bessn er, a outra por Andrew Pennington. A estibord o, a prim eira era de Miss Van Schuyler e a se
guinte de Linnet Doyle. A de Simon ficava contígua a esta.

Um criado muito pálido e nervo s o , do lado de fora da cabina de Linnet, abriu a porta para os dois ho m e
n s entrare m . Bessn er estav a debruç a d o sobr e a ca m a , ma s ergu e u a cab e ç a e grunhiu quand o os
viu che g ar.

- Que nos diz, doutor Bessn er, dest e neg ó ci o? - perguntou Race.

O m é dic o coç o u co m ar pens ativo o queixo ainda não barb e a d o .

- Ach! Ela levou um tiro à quei m a- roupa. Veja...

aqui... por cima da orelha... ond e a bala entrou. Uma bala muito pequ e n a , de calibre vinte e dois, diria
eu.

O revólv er quas e enc o st a d o à cab e ç a ... Veja, a pele está cha m u s c a d a .

De nov o, e co m tristeza, Poirot se lem br ou das palavras que ouvira e m Assuão.

Bessn er continuou:
- Ela estav a a dormir... Não houv e luta... O ass a s sin o entrou no escur o e matou- a, se m que ela tivess e
perc e bi d o coisa algu m a.

- Ah! Non! - excla m o u Poirot, sentind o- se ultrajad o no seu sen s o psicoló gic o. (Jacqu eline de Bel
efort, de revólv er e m punh o, entrand o sorrateira m e nt e num a cabina às es cura s... Não, isto não estav
a

"certo".)

Bessn er fitou- o atrav é s das gros s a s lentes dos óculo s e declarou:

- Mas garanto- lhe que foi o que aco nt e c e u .

- Sim, sim. Não estav a a pens ar no que m e diss e.

Não quis contradizê- lo.

Bessn er deixou esc a p ar um grunhido de satisfaç ã o .

Poirot adiantou- se. Linnet Doyle estav a deitada de lado, e m posiçã o natural e calm a. Mas, acim a do
ouvido havia um pequ e n o orifício, e um círculo de sangu e se c o à volta dele.

O dete ctiv e sacudiu triste m e nt e a cab e ç a . Nisto, o seu olhar fixou- se na pared e, deixand o esc a p ar
uma excla m a ç ã o de esp a nt o.

A brancura da pared e estav a ma cula d a por uma grand e letra J traçad a co m um líquido es curo.

Durante seg un d o s , Poirot não pôd e desviar os olho s; inclinou- se dep ois e co m muito cuidad o ergu
eu a mã o direita da m orta. Um dos ded o s estav a man c h a d o de ver m el h o es curo...

- Nom d'un no m d'un no m!

- Hem? Que suc e d e u? - perguntou Race.

O m é dic o ergu eu os olho s e diss e:

- Ach! Isso aí?

- Com os diab o s! - excla m o u Race. - Que m e diz a isto, Poirot?

- Você pergunta- m e o que é isto? Eh bien, é muito simple s, não é? Mistress Doyle está a morrer, des ej a
indicar o seu ass a s si n o, e escr e v e co m o ded o molh a d o no próprio sangu e a inicial de que m a
matou.

Oh, sim, é simplicíssi m o .

- Ach! Mas...

O m é dic o ia dizer qualqu er coisa, ma s um ge st o brusc o do coron el detev e- o.

- Então é ess a a sua opinião? - perguntou Race lenta m e nt e .

Poirot voltou- se para ele, inclinand o afirmativa m e nt e a cab e ç a .

- Sim, sim. É co m o já diss e, de uma incrível simplicidad e.

Tão conh e ci d o, não é verda d e ? Acontec e tantas vez e s e m rom a n c e s policiais! É m e s m o um


pouc o vieux jeu! Faz- m e acre ditar que o ass a s si n o seja um pouc o... antiquad o!

Race respirou profunda m e n t e .


- Compre e n d o . A princípio, pens ei...

Poirot interro m p e u- o, sorrindo:

- Que eu acreditav a nos velho s clich é s m el o dra m á tic o s ? Mas, perdã o, doutor Bessn er; o sen h or
ia a

dizer?...

O m é dic o excla m o u na sua voz gutural:

- Que diz? Bah! É absurd o! Tolice! A pobr e sen h or a morreu instantan e a m e n t e . Embe b e r o ded o
no sang u e (co m o os sen h or e s pod e m ver, há muito pouc o sang u e!) e escr e v e r a letra J na pared e
... Que tolice!

Que m el o dra m á tic a tolice!

- C'est de l'enfantillag e.

- Mas foi feito co m algu m a intenç ã o - diss e Race.

- Naturalm e nt e - declarou Poirot, co m uma expre s s ã o grav e.

- Que significa esta letra J? - perguntou Race.

- Jacqu elin e de Bel efort - declarou pronta m e nt e o dete ctiv e. - Uma jove m que há m e n o s de uma se
m a n a m e diss e que nada lhe daria maior prazer do que... - Interro m p e u- se, dep ois citou delibera d a
mente:-

"enc o st ar- lhe o m e u querido revólv er à cab e ç a e apertar o gatilho..."

- Gott in Himm el! - excla m o u o m é dic o.

Houve um mo m e n t o de silêncio. Race respirou profunda m e n t e e perguntou:

- E foi exacta m e n t e o que acont e c e u?

Bessn er inclinou a cab e ç a .

- Sim, foi. Revólver de calibre muito pequ e n o , provav el m e n t e vinte e dois. A bala, natural m e nt e,
tem que ser extraída, ma s pod e m o s dar isso co m o certo.

- Qual a hora da m orte?

De nov o Bessn er coç o u o queixo, fazend o um ruído ásp er o.

Disse:

- Não poss o ser muito precis o. São ag ora oito horas. Acho que, levand o- se e m conta a temp er atura de
onte m à noite, ela está morta no míni m o há seis horas e no máxi m o há oito.

- Isso fixa a hora da morte entre a m eia- noite e as duas da man h ã?

- Exacta m e nt e .

Houve uma paus a. Race olhou à volta e perguntou:

- E quanto ao marido? Com certez a dor m e na cabina contígua.

- No mo m e n t o pres e nt e está a dor mir na minha cabina - diss e o dr. Bessn er.
Os outros fitaram- no atónitos.

Bessn er aba n o u a cab e ç a várias vez e s.

- Ach, isso m e s m o . Vejo que não sab e m do incident e... Mister Doyle levou um tiro, onte m à noite,

no salã o.

- Tiro? Mas, que m ?...

- Miss Jacqu elin e de Bel efort.

- Está ferido grav e m e n t e ? - perguntou Race e m tom brusc o.

- Sim, houv e fractura. Tom ei, no mo m e n t o, as providê n ci a s nec e s s á ri a s, ma s, assi m que for
possív el, Mister Doyle terá de tirar uma radiografia e procurar rec e b e r trata m e nt o ad e q u a d o , que
não lhe pod e ser dad o nest e navio.

- Jacqu elin e de Bel efort... - mur mur ou Poirot.

O seu olhar procurou de nov o a letra J, na pared e .

Race diss e brusc a m e n t e :

- Se não há nada mais para se fazer aqui, va m o s entã o para baixo. A ger ê n ci a pôs a sala de fumo à
noss a dispo siç ã o . É imperativo conh e c e r os porm e n o r e s do que acont e c e u onte m à noite.

Saíra m da cabina. Race fech ou a porta e tirou a chav e, dizend o:

- Pode m o s voltar mais tarde. O mais urgent e é ter uma ideia exacta dos aco nt e ci m e nt o s .

Fora m para o tom b a dilho de baixo, ond e enc o ntrara m o ger e nt e do Karnak que, parec e n d o pouc o
à vontad e, esp er a v a à porta da sala de fumo.

O pobre ho m e m estav a muito perturbad o, aflito por deixar a resp o n s a bilidad e ao coron el Race.

- Acho que, levand o e m conta a sua posiçã o oficial, não há m elh or soluç ã o do que deixar tudo nas

suas mã o s. Rece bi ord e m de m e pôr à sua dispo siç ã o sobr e aqu el e outro... assunto. Se quis er assu
mir o co m a n d o , provide n ci ar ei para que tudo seja feito de acord o co m a sua vontad e.

- Muito be m . Para co m e ç a r, gostaria que, durante o inquérito, esta sala ficass e à minh a dispo siç ã o e
de Mister Poirot.

- Perfeita m e nt e .

- Por enqu a nt o, é só isto. Continue co m o seu trabalh o. Sei ond e dev o procurá- lo, se precisar de algu
m a coisa.

O ger e nt e saiu, parec e n d o mais aliviado.

Race voltou- se para o m é di c o:

- Sente- se, Bessn er, e conte- nos o que aco nt e c e u onte m à noite.

Ele e Poirot ouvira m e m silêncio a narrativa do m é dic o.

- Muito claro - co m e nt o u Race, dep ois de Bessn er con cluir. -

A rapariga estav a excitad a, mais ainda ficou dep ois de dois ou três drinks, aca b a n d o por disparar o
revólv er contra Doyle. Depois, foi à cabina de Mrs. Doyle e matou- a.
Mas o m é di c o ac e n o u co m a cab e ç a .

- Não, não con c ord o. Não ach o isso possív el. Para co m e ç a r, ela não teria escrito a sua própria inicial
na pared e . Seria ridículo, nicht wahr?

- Poderia ter agido assi m, se estive s s e tão ce g a m e n t e enciu m a d a co m o pareci a - diss e Race. -
Talvez tivess e querido assinar... Bom, assinar o crim e.

Poirot aban o u a cab e ç a .

- Não; não creio que agiss e assi m tão crua m e nt e.

- Então só há outra explicaç ã o . Algué m escr e v e u aqu el e J, co m intenç ã o de atrair as susp eitas sobr
e a jove m .

O m é dic o conc ord o u:

- Sim, e o crimino s o foi infeliz... porqu e, o sen h or sab e, não so m e nt e é improv á v el que a jove m
fraulein tenha co m e tid o o crim e, ma s impo s sí v el, na minh a opinião.

- Com o assi m?

Bessn er falou do histeris m o de Jacqu elin e, que os obrigara a cha m a r Miss Bowers.

- E creio... tenh o a certez a, que Miss Bowers pass o u co m ela toda a noite.

- Se foi assi m, as coisa s simplifica m- se - diss e Race.

- Quem des c o b riu o crim e? - perguntou Poirot.

- A criada de Mistress Doyle, uma tal Louise

Bourget. Foi hoje de man h ã cha m a r a patroa, co m o de costu m e . Ao enc o ntrá- la m orta, saiu
horrorizad a da cabina, des m ai a n d o nos braç o s de um criado que pass a v a nes s e mo m e n t o . O ho
m e m foi procurar o ger e nt e e este veio cha m a r- m e. Avisei Bessn er, dep ois fui para a sua cabina,
Poirot.

O dete ctiv e inclinou a cab e ç a e Race continuou, dirigindo- se ag ora ao m é dic o:

- Doyle precis a de ser inform a d o . O sen h or diss e que ele ainda está a dormir?

- Sim, na minha cabina. Dei-lhe um forte narc ótic o a noite pass a d a .

Race voltou- se para Poirot:

- Não creio que seja nec e s s á ri o deter m o s o doutor Bessn er por mais temp o, não é verdad e ?... Muito
agrad e ci d o, doutor.

O m é dic o ergu eu- se.

- Sim, vou tom ar o m eu pequ e n o - alm o ç o . Depois, voltarei à minha cabina, para ver se Mister Doyle

está e m condiç õ e s de ser acord a d o .

- Agrade cid o.

Depois de Bessn er sair, os dois ho m e n s entre olh ara m - se.

- Então, que m e diz a isto, Poirot? - perguntou Race. - Está tudo nas suas mã o s. Rece b e r ei as suas orde
n s. É só dizer- m e o que dev o fazer.
Poirot inclinou- se, dizend o:

- Eh bien, precisa m o s de iniciar o inquérito. Em prim eiro lugar, ach o que dev e m o s verificar o
incident e de onte m à noite. Isto é, tem o s que interrog ar Fanthorp e Miss Robso n, que teste m u n h a r a
m o facto. O des a p ar e ci m e nt o do revólv er é muito significativo.

Race tocou a ca m p ainh a e deu uma ord e m ao criado que apare c e u .

Poirot aban o u triste m e nt e a cab e ç a , mur mura n d o :

- É grav e, é grav e...

- Te m algu m a ideia? - perguntou Race, co m certa curiosida d e .

- As minha s ideias são confus a s. Não estã o e m orde m ... Não nos pod e m o s es qu e c e r de uma coisa
importantíssi m a: que ess a pequ e n a odiava Linnet Doyle e falou e m matá- la.

- Acha que seria capaz?...

- Acho que sim... sim - diss e Poirot se m muita convicç ã o .

- Mas não desta man eira? É isto que o aborre c e ?

Não entraria no escur o, matan d o- a enqu a nt o ela dor mi a? Acha impo s sív el este abs oluto sangu e-
frio?

- Sim, até certo ponto.

- Acha que es s a rapariga, Jacqu eline de Bel efort, seria incapaz de um crim e frio e pre m e ditad o?

Poirot diss e lenta m e nt e:

- Não tenh o a certez a. Ela teria a inteligên ci a...

sim, ma s duvido que che g a s s e a praticar o acto.

- Sim, co m pr e e n d o - declarou Race. - Bom, de acord o co m a história de Bessn er, teria sido mat erial
m e nt e impo s sív el.

- E se for verda d e , isso facilita muito as coisa s.

Espere m o s que seja verda d e . - Poirot fez uma paus a e acre s c e nt o u co m simplicidad e : - Ficarei
content e, porqu e tenh o muita pena dela.

Abriu-se a porta e Cornélia e Fanthorp apare c e r a m .

- Não é horrível? - excla m o u Cornélia. - Pobre, pobr e Mistress Doyle! Tão bonita! Só um mo n stro

a pod eria ter ferido. E Mister Doyle vai ficar des e s p e r a d o , quand o soub er. Ainda onte m à noite
estav a tão preo c up a d o , co m m e d o que ela viess e a sab er do incident e!

- É justa m e nt e sobr e isso que quer e m o s certas inform a ç õ e s , Miss Robson - diss e Race. - Deseja
mos

sab er exa cta m e n t e o que se pass o u onte m à noite.

Cornélia co m e ç o u a falar, um tanto confusa m e n t e , ma s, co m uma ou outra pergunta, Poirot pô- la


no bo m ca minh o.

- Ah, sim, co m pr e e n d o . Depois do bríde g e , Madam e Doyle retirou- se. Mas teria ido para a sua
cabina?
- Foi, sim - diss e Race. - Eu m e s m o a aco m p a n h e i, desp e dind o- m e dela à porta da cabina.

- A que horas?

- Céus, isso não sei eu dizer - excla m o u Cornélia.

- Passav a m vinte minutos das onze horas - diss e Race.

- Bien. Então às onze e vinte, Madam e Doyle estav a viva.

Nessa oca si ã o, quais era m, exa cta m e n t e , as pes s o a s que estav a m no salã o?

Desta vez foi Fanthorp que m resp o n d e u:

- Doyle, Miss de Bel efort, Miss Robson e eu.

- Isso m e s m o - confirm o u Cornélia. - Mister Pennington aca b o u o seu whisk ey e retirou- se e m seg
uid a.

- E isso foi... ?

- Oh, três ou quatro minutos dep ois.

- Antes das onze e m ei a, entã o?

- Sim.

- Então só ficara m no salão: a sen h or a, Miss de Bel efort, Mister Doyle e Mister Fanthorp. Que estav a
m todo s a fazer?

- Mister Fanthorp estav a a ler um livro; eu, a bordar. Miss de Bel efort estav a... estav a...

Fanthorp veio e m auxílio de Cornélia.

- Estava a be b e r muito.

- Sim, conv er s a v a co mi g o, pedind o- m e que lhe contas s e a minha vida. Mas dizia coisa s es
quisitas...

olhav a para mi m, ma s as suas palavra s pare cia m dirigidas a Mister Doyle. Ele estav a furioso, ma s não
dizia coisa algu m a. Creio que ach o u que, se ficass e quieto, ela se acal m aria.

- Mas não foi o que acont e c e u ?

Cornélia aban o u a cab e ç a .

- Procurei retirar- m e, uma ou duas vez e s, ma s ela prend e u- m e. Sentia- m e constran gid a... Depois,
Mister Fanthorp levantou- se e saiu...

- Estava a ficar des a g r a d á v el - diss e o rapaz. - Achei preferív el sair discreta m e n t e . Miss de Bel
efort procurav a arm ar ab erta m e nt e uma cen a.

- E dep ois ela puxou o revólv er - diss e Cornélia.

- Mister Doyle deu um salto, ma s a bala atingiu- o na perna. E aí entã o Jacqu eline co m e ç o u a chorar e
soluçar... e eu fiquei apav or a d a, e corri atrás de Mister Fanthorp e ele aco m p a n h o u- m e, e Mister
Doyle pediu que não fizéss e m o s esc â n d al o, e um dos núbios ouviu a deton a ç ã o e veio sab er o que
era, e Mister Fanthorp diss e que não era nada, e nós levá m o s Jacqu eline para a cabina e Mister Fanthorp
ficou co m ela

enqu a nt o fui cha m a r Miss Bowers!


Cornélia parou, ofeg a nt e.

- A que horas? - perguntou Race.

Cornélia excla m o u de nov o:

- Céus, isso não sei eu dizer!

Mas Fanthorp resp o n d e u pronta m e nt e:

- Mais ou m e n o s m eia- noite e vinte. Sei que à m ei a- noite e m eia hora já eu estav a na minh a cabina.

- Deixe m- m e ter a certez a sobr e um ou dois ponto s - diss e Poirot. - Depois que Mistress Doyle se

retirou, nenhu m dos quatro saiu do salã o?

- Não.

- Te m a certez a de que Miss de Bel efort não saiu dali?

Fanthorp resp o n d e u se m hesitar:

- Absoluta. Nem Doyle, ne m Miss de Bel efort, ne m eu ou Miss Robso n saí m o s do salão.

- Muito be m . Isto prova que Miss de Bel efort não pod eria ter ass a s sin a d o Mistress Doyle antes de...
diga m o s m eia- noite e vinte. Agora, Miss Robson: a sen h or a diss e- nos que foi cha m a r Miss
Bowers.

Miss de Bel efort ficou sozinha na cabina nes s e períod o de temp o?

- Não, Mister Fanthorp ficou co m ela.

- Muito be m . Até ag ora, Miss de Bel efort tem um álibi perfeito. Miss Bowers é a próxim a pes s o a a ser
ouvida, ma s antes de a man d ar cha m a r, gostaria de sab er a sua opinião sobr e um ou dois ponto s. A
senh or a diss e- m e que Mister Doyle estav a ansios o para que Miss de Bel efort não ficass e sozinh a.
Rece aria ele por aca s o Que ela co m e t e s s e outro acto de loucura?

- É es s a a minha opinião - diss e Fanthorp.

- Acha que rec e a v a que ela atac a s s e Mistress Doyle?

- Não; não creio que foss e ess e o seu rec ei o - declarou Fanthorp. - Na minha opinião, temia que

ela fizess e algu m a loucura contra si própria.

- Suicídio?

- Exacta m e nt e . O efeito do álco ol pare cia ter des a p ar e ci d o e ela estav a des ol a d a co m o que
fizera. Recriminav a- se ve e m e n t e m e n t e , dizend o que preferia ter morrido.

Cornélia diss e timida m e nt e :

- Acho que Mister Doyle estav a preo c up a d o co m ela. Falou muito suav e m e n t e ... Que era culpa
dele...

que a maltratara. Foi muito... gentil.

Hercule Poirot aban o u a cab e ç a , pens ativo.

- Agora, quanto ao revólv er. Que fim levou?


- Ela deixou- o cair - diss e Cornélia.

- E dep ois?

Fanthorp explicou que mais tarde fora procurar o revólv er, não o tend o enc o ntrad o.

- Ah! - excla m o u Poirot. - Agora esta m o s perto. Por favor, seja m precis o s. Descrev a m - m e exacta
m e nt e o que aco nt e c e u .

- Miss de Bel efort deixou cair o revólv er, dand o -lhe e m se g uida um pontap é.

- Com o se sentiss e repugn â n ci a - diss e Cornélia.

- Compre e n d o exacta m e n t e co m o devia sentir- se.

- E, confor m e m e diss er a m , o revólv er foi parar deb aixo de uma poltrona. Agora, muita atenç ã o :
Miss de Bel efort não o apan h o u, ante s de sair do salão?

Tanto Cornélia co m o Fanthorp fora m positivos nest e ponto.

- Precisa m e n t e . Apenas quero ter a certez a - diss e Poirot.

- Cheg a m o s , entã o, a este ponto. Quando Miss de Bel efort saiu do salão, o revólv er estav a sob a
poltrona. E co m o dep ois disso Miss de Bel efort não ficou sozinha um só minuto, não teve oportunidad e
de ir ao salã o para apanh ar a arm a.

Que horas era m, Mister Fanthorp, quand o voltou para o procurar?

- Pouco antes da m ei a- noite e m eia hora.

- E quanto temp o se pass o u, des d e o mo m e n t o e m que o sen h or e o doutor Bessn er levara m Doyle
para fora do salã o, até àqu el e e m que voltou para procurar o revólv er?

- Cinco minutos... talvez um pouc o mais.

- Então, nes s e s cinco minutos, algu é m tirou a arnuz de deb aixo da poltrona. Esse algu é m não era Miss
de Bel efort.

Quem teria sido? Parec e muito prováv el que ess a pes s o a tenha sido o ass a s sin o de Mistress Doyle.

Pode m o s tamb é m supor que ess a pes s o a viu ou ouviu o que se pass o u no salã o.

- Não sei por que motivo diz isso - interro m p e u Fanthorp.

- Porqu e o sen h or aca b o u de dizer que a arm a estav a deb aixo da poltrona, fora do alcan c e da vista
de

que m quer que foss e. Acho, portanto, pouc o prováv el que tives s e sido des c o b e rt a por aca s o . Foi
apanh a d a por algu é m que sabia que estav a ali. E, portanto, ess e algu é m dev e ter assistido à cen a.

Fanthorp aban o u a cab e ç a .

- Não vi ningu é m quand o saí para o tom b a dilh o, pouc o antes de ser dad o o tiro.

- Ah, ma s o senh or saiu pela porta a estibord o.

- Sim, do m e s m o lado da minha cabina.

- Então não teria visto uma pes s o a que estive s s e a espiar pelos vidros da porta a bo m b o r d o ?

- Não - confe s s o u o rapaz.


- Algué m mais ouviu a deton a ç ã o , a não ser o criado núbio?

- Que eu saiba, não.

Depois de uma pequ e n a paus a, Fanthorp continuou:

- Lembro- m e ag ora de que as janelas tinha m sido fech a d a s , porqu e Miss Van Schuyler sentira uma
corrent e de ar, ao princípio da noite. As portas giratórias

tam b é m estav a m fecha d a s . Duvido que a deton a ç ã o pude s s e ser ouvida. Teria soa d o apen a s co
m o o estalo de uma rolha ao saltar.

- Até ag ora ningu é m pare c e ter ouvido o se g un d o tiro; aqu el e que matou Mistress Doyle - co m e nt
o u Race.

- Logo tratare m o s disso - diss e Poirot. - Por enqu a nt o quer o conc e ntrar- m e e m Made m oi s ell e de
Bel efort. Precisa m o s de interrog ar Miss Bowers. Mas ante s de saíre m - co m um gesto detev e
Cornélia e Fanthorp - des ej o que m e dê e m certas inform a ç õ e s sobr e as suas pes s o a s . Assim não
será nec e s s á ri o cha m á - los nova m e n t e . Primeiro, o sen h or: o seu no m e , co m pl et o?

- Jame s Lechdal e Fanthorp.

- Endere ç o ?

- Glasm or e House, Market Donnington, Northa m pt o n s hire.

- Profissã o?

- Sou adv o g a d o .

- As suas razõ e s para visitar este país?

Houve uma paus a. Pela primeira vez, o impas sív el Fanthorp pare c e u des c o n c e rt a d o . Disse,
finalm e nt e, quas e balbucian d o:

- Humm m ... por prazer.

- Ah! - excla m o u Poirot. - De férias, he m, de férias?

- Humm m ... sim.

- Muito be m , Mister Fanthorp. Queira dar- m e um resu m o dos seus acto s, dep ois dos aco nt e ci m e nt
o s que aca b a de expor.

- Fui imediata m e n t e para a ca m a.

- A que horas?

- Logo dep ois da m eia- noite.

- A sua cabina é a vinte e dois, a estibord o, a mais próxim a do salã o?

- Exacta m e nt e .

- Mais uma pergunta. Ouviu algu m a coisa... seja o que for, dep ois de se retirar?

Fanthorp pare c e u reflectir.

- Deitei- m e imediata m e n t e . Creio ter ouvido o ruído de um baqu e na água, quand o ia a peg ar no son
o.
- Ouviu? Perto?

Fanthorp aban o u a cab e ç a .

- Franca m e n t e , não o poss o dizer. Eu estav a m ei o ador m e ci d o .

- E a que horas devia ter sido isso?

- à uma hora, mais ou m e n o s . Franca m e n t e , não poss o precis ar.

- Muito agrad e ci d o, Mister Fanthorp. Não quer o mais nada.

Poirot voltou- se para Cornélia.

- E ag ora, Miss Robson, o seu no m e todo?

- Cornélia Ruth. O m e u end er e ç o é: The Red House, Bel field, Conne cticut.

- Porqu e veio ao Egipto?

- Minha prima Marie, Miss Van Schuyler, convid ou- m e para vir e m sua co m p a n hi a.

- Já conh e ci a Mistress Doyle, ante s de a enc o ntrar nesta viag e m ?

- Não, não conh e ci a.

- Que fez onte m à noite?

- Fui imediata m e n t e para a ca m a, dep oi s de ter ajudad o o m é di c o a tratar da perna de Mister


Doyle.

- A sua cabina é...?

- Quarenta e um, a bo m b o r d o , peg a d a à de Miss de Bel efort.

- Ouviu algu m a coisa?

- Nada, abs oluta m e n t e nada.

- Nenhu m baqu e ?

- Não. Nem pod eria ouvir, pois do m eu lado o navio está enc o st a d o à marg e m .

Poirot inclinou a cab e ç a .

- Muito agrad e ci d o, Miss Robso n. Talvez poss a ag ora fazer- m e a gentileza de m e man d ar Miss
Bowers.

Depois de Cornélia e Fanthorp saíre m , Race voltou- se para Poirot:

- Parec e claro. A não ser que três teste m u n h a s indep e n d e nt e s esteja m a m e ntir, Jacqu elin e de
Bel efort não pod eria ter reavido aqu el a arm a. Mas algu é m a apan h o u. E algué m pres e n ci o u a cen
a. E algu é m foi bastant e idiota para escr e v e r a letra J na pared e .

Ouviu- se uma panc a d a na porta e Miss Bowers apare c e u .

A enfer m eira sentou- se co m a calm a e corre c ç ã o habituais. Respond e u às pergunta s de Poirot,


dizend o- lhe o no m e , end er e ç o , profissã o e acre s c e nt a n d o :

- Estou ao serviç o de Miss Van Schuyler há mais de dois ano s.


- A saúd e des s a sen h or a é real m e nt e delicad a?

- Não, não poss o dizer que o seja - declarou Miss Bowers. - Já não é muito nova, e é nervo s a quanto à
sua saúd e, de mo d o que gosta de ter se m pr e uma enfer m eira a seu lado. Mas não tem nenhu m a m ol
é stia grav e. Gosta de ser servida, e está dispo sta a pag ar para isso.

Poirot pare c e u co m pr e e n d e r.

- Ouvi dizer que Miss Robson foi cha m á - la onte m , à noite, Miss Bowers?

- Foi, sim.

- Pode dizer- m e exa cta m e n t e o que aco nt e c e u ?

- Pois não! Miss Robso n contou- m e resu mid a m e n t e a cen a do salã o e eu aco m p a n h e i- a.
Encontrei Miss de Bel efort num estad o de grand e excitaç ã o .

- Fez algu m a am e a ç a contra Mistress Doyle?

- Não, nada nes s e gén er o. Parecia tom a d a de m órbid o arrep e n di m e nt o. Tinha be bid o muito,
pelo que m e parec e u, e estav a a sentir a reac ç ã o . Achei que não devia ficar sozinh a; dei- lhe uma
injecç ã o de morfina e pass ei a noite a seu lado.

- Agora, Miss Bowers, quero que m e resp o n d a franca m e n t e : Miss de Bel efort saiu da cabina?

- Não, não saiu.

- E a sen h or a?

- Fiquei co m ela até hoje de man h ã.

- Te m a certez a abs oluta?

- Absoluta.

- Agrade cid o, Miss Bowers.

Depois de a enfer m eira sair os dois ho m e n s entre olh ar a m - se.

Jacqu eline de Bel efort estav a abs oluta m e nt e inoc e nt e. Quem teria ass a s si n a d o Linnet Doyle?

CAPíTULO 13

Race diss e:

- Algué m apanh o u o revólv er e ess e algu é m não foi Miss de Bel efort. Algué m que sabia o bastant e
para pens ar que o crim e seria atribuído a ela... Mas es s a pes s o a ignorav a que uma enfer m eira iria
ficar a seu lado toda a noite, dep ois de lhe ter dad o uma injecç ã o de morfina. E mais ainda: já houv er a
uma tentativa de m orte contra Linnet Doyle, quand o aqu el a pedra rolou do penh a s c o . Tam b é m
disso Jacqu elin e de Bel efort estav a inoc e nt e. Quem, entã o?

- Será mais simpl e s procurar m o s ver que m não pod eria ter sido - diss e Poirot. - Mister Doyle,
Mistress Al erton, Mister Tim Al erton, Miss Van Schuyler e Miss Bowers são inoc e nt e s, pois estav a m
ao alcan c e da minh a vista naqu el e m o m e n t o.

- Humm m - res m u n g o u Race. - Ainda sobra muita gente. E quanto ao motivo?

- Acho que só Mister Doyle nos pod er á ajudar.

Houve vários incident e s...


A porta abriu- se e Jacqu elin e entrou. Estava muito pálida, e pare cia atordo a d a .

- Não fui eu - diss e e m voz de crianç a am e dr o nt a d a . - Oh, por favor, acre dite m e m mi m. Toda a
gent e vai pens ar que fui eu... ma s não fui... não fui!

É horrível! Gostaria que não tivess e acont e ci d o. A noite pass a d a , quas e mat ei Simon... Creio que
estav a louca. Mas o outro tiro não fui eu que...

Sentou- se, des ata n d o a chorar.

Poirot bateu- lhe leve m e n t e num om br o.

- Vamos, va m o s . Sabe m o s que não matou Mistress Doyle. Está provad o, sim, provad o , m on enfant.

Jackie endireitou- se brusc a m e n t e na cad eira.

- Quem foi, entã o?

- Tam b é m gostaría m o s de o sab er! - diss e Poirot. - Não pod e ajudar- nos e m algu m a coisa, minh a
m e nin a?

Jacqu eline sacudiu a cab e ç a .

- Não sei... Não poss o imaginar que m ... Não, não tenh o a m e n or ideia.

Ficou alguns minutos de sobran c el h a s contraída s, dep ois continuou:

- Não m e poss o lem brar de ningu é m que lhe des ej a s s e a m orte... - aqui a voz de Jackie trem e u
ligeira m e nt e : -. a não ser eu.

- Desculpe m - m e por um m o m e n t o - interro m p e u Race. - Acaba de m e oc orr er uma coisa.

Saiu apre s s a d a m e n t e .

Jacqu eline continuou sentad a, de cab e ç a baixa, torce n d o nervo s a m e n t e as mã o s. De repent e,


excla m o u:

- A m orte é uma coisa horrível. Sim, horrível.

Detesto lem brar- m e dela.

- Te m razão - diss e Poirot. - Não é agrad á v el, na verda d e , pens ar que, ag ora, nest e mo m e n t o ,

uma pes s o a dev e estar a reg ozijar- se co m o êxito do seu crim e.

- Não... diga isso! - excla m o u Jackie. - É horrível, dito assi m des s a man eira!

Poirot replicou, enc ol h e n d o os om br o s:

- É verdad e .

Jackie mur mur ou baixinho:

- Desejei a sua m orte... e ag ora ela está morta...

E, mais ainda, morreu co m o eu diss e que gostaria que m orre s s e!

- Sim, mad e m o i s ell e. Levou um tiro na cab e ç a .

- Então eu tinha razão, aqu el a noite, no Hotel Catarata! Algué m estav a a ouvir.
- Ah! Eu estav a a pens ar se se lem br aria diss o.

Sim, é de m a si a d a coincid ê n ci a. Mistress Doyle ter morrido exacta m e n t e da man eira que a sen h
or a imagin ou.

Jackie estre m e c e u .

- Aquele ho m e m . .. que m pod eria ter sido?

Houve alguns minutos de silêncio; dep ois, Poirot perguntou e m tom muito diferent e:

- Te m a certez a de que era um ho m e m , ma d e m o i s e ll e?

- Sim, naturalm e nt e. Pelo m e n o s ...

Ela franziu as sobra n c el h a s, fech ou os olho s, esforç a n d o - se por se lem brar m elh or.

- Pens ei que foss e um ho m e m - diss e lenta m e nt e .

- Mas ag ora já não tem a certez a?

- Não, não tenh o a certeza. Julguei que foss e um ho m e m . .. ma s era apen a s um vulto... uma so m br
a...

Fez uma paus a e, co m o Poirot nada diss e s s e , continuou:

- Acha que talvez tenha sido uma mulh er? Mas nenhu m a das mulh er e s dest e navio pod e ter motivo s
para des ej ar a morte de Linnet, não é assi m?

Poirot não resp o n d e u. A porta abriu- se e Bessn er apare c e u .

- Quer fazer o favor de vir ver Mister Doyle, Monsieur Poirot? Ele des ej a falar con sig o.

Jackie levantou- se de um salto, agarrand o Bessn er pelo braç o.

- Com o vai ele? Está... be m ?

- Claro que não está be m - resp o n d e u o m é dic o e m tom de cen sura. - Houve fractura.

- Mas não morrerá?

- Ach, que m falou e m morrer? Quando che g ar m o s a um lugar civilizado, ele tirará uma radiografia e

rec e b e r á o trata m e nt o ad e q u a d o .

A jove m torceu convulsiva m e n t e as mã o s , caind o de novo na cad eira.

Poirot saiu co m o m é di c o. Ness e mo m e n t o, Race veio reunir- se a eles. Percorrera m o tom b a dilh
o de pass ei o, até à cabina de Bessn er.

Simon Doyle estav a deitad o, a sua palidez era impre s si o n a nt e, tanto pela dor co m o pelo cho q u e
que levara.

Mas a expre s s ã o principal da sua fisiono mi a era perplexidad e - a pen o s a perplexida d e de uma
crianç a.

- Entre m, por favor - diss e ele. - O m é di c o contou- m e... a resp eito de Linnet... Não poss o acre ditar.
Não poss o acreditar que seja verdad e .

- Sim, dev e ter sido um cho q u e horrível - diss e Race.


Simon balbuci ou:

- Os senh or e s sab e m . .. não foi Jackie. Tenh o a certez a de que não foi Jackie! As aparê n ci a s são
contra ela, não há dúvida, ma s tenh o a certeza de que não é culpad a. Estava... um pouc o e m bria g a d a
, a noite pass a d a , e muito excitada; foi por isso que m e alvejou.

Mas Jackie não co m e t eria um... ass a s sí ni o... a sang u e- frio...

Poirot diss e suav e m e n t e :

- Não fique assi m perturba d o, Mister Doyle.

Não foi Miss de Bel efort que m matou sua esp o s a .

Simon fitou- o co m ar de dúvida.

- Está a falar sério?

- Mas já que não foi Miss de Bel efort, pod e dar- nos uma ideia de que m pod eria ter sido?

Simon aba n o u a cab e ç a , parec e n d o ainda atordo a d o .

- É absurd o... impo s sí v el. A não ser Jackie, ningu é m tinha m otivo para lhe des ej ar mal.

- Reflicta, Mister Doyle. Não tinha inimig o s?

Não existe ningu é m co m razõ e s de queixa contra ela?

Simon sacudiu neg ativa m e n t e a cab e ç a .

- É absurd o, fantástico. Há, naturalm e nt e, Windlesh a m . Ela des q uitou- se dele para cas ar co mi g o.
Mas não vejo que um rapaz corre ct o co m o Windlesh a m poss a co m e t er um crim e... Além do mais,
está a muitas milhas de distância daqui. O m e s m o se aplica a Sir Georg e Wode. Tinha um pequ e n o
ress e nti m e nt o contra Linnet, reprov a n d o a man eira co m o ela mo dificou a cas a,

ma s tam b é m ele está long e; e, e m todo o cas o, seria ridículo pens ar e m algué m co m e t er um crim e
por m otivo tão fútil.

- Oiça, Mister Doyle. No primeiro dia, aqui, a bord o do Karnak, fiquei impres si o n a d o co m uma conv
er s a que tive co m sua esp o s a - diss e Poirot viva m e nt e . - Estava muito aborre cid a, muito preo cup a
da.

Disse: (preste aten ç ã o às minha s palavras!) diss e que toda a gent e a odiava. Que estav a co m m e d o ,
que se sentia e m perig o, co m o se cad a pes s o a à sua volta foss e um inimig o.

- Ficou real m e nt e perturba d a quand o viu Jackie a bord o. O m e s m o se deu co mi g o - diss e Simon.

- É verdad e , ma s isso não basta para explicar tais palavra s. Quando diss e que estav a cerc a d a de
inimig o s, co m certez a exag er o u, ma s se m dúvida nenhu m a referia- se a mais de uma pes s o a .

- Talvez nisso tenha razã o - conc or d o u Simon.

- Creio que poss o explicar... Ficou muito perturba d a co m um no m e que viu na lista dos pass a g e ir o s.

- Um no m e na lista dos pass a g e ir o s? Que no m e ?

- Bom, para falar a verda d e , não sei. Eu não ouvi co m aten ç ã o , tão preo c up a d o ficara co m a
apariçã o de Jacqu eline. Se be m m e lem br o, Linnet falou e m prejuízos, e m neg ó ci o s, e que não se
sentia à vontad e quand o enc o ntrav a algu é m que tinha uma queixa contra a sua família. Embora não
conh e ç a muito be m a
história da família, sei que a mã e de Linnet era filha de um milionário. Seu pai era apen a s aba st a d o,
ma s dep ois do cas a m e n t o natural m e nt e co m e ç o u a jogar na Bolsa, ou seja lá o que for. Com o
resultad o desta s transa c çÕ e s, natural m e nt e muitas pes s o a s tivera m prejuízos. O

sen h or sab e a história: aba st an ç a num dia, mis éria no outro. Muito be m: pelo que perc e bi, estav a a
bord o o filho de um ho m e m que sofrera um grand e des a str e financ eiro por caus a do pai de Linnet.
Lembro- m e de tê- la ouvido dizer: "É horrível a gent e sab er que é dete sta d a por uma pes s o a que ne
m ao m e n o s nos conh e c e . "

- Sim... - diss e Poirot co m ar pens ativo. - Isso explica o que ela m e diss e. Pela primeira vez na vida
estav a a sentir o pes o, não as vantag e n s , da sua posiçã o. Tem a certez a, Mister Doyle, de que ela não
diss e o no m e do ho m e m ?

Simon aba n o u a cab e ç a co m ar des a ni m a d o .

- Franca m e n t e , não prestei muita atenç ã o . Sei que resp o n di: "Oh, hoje e m dia ningu é m se inco m
o d a muito co m o que aco nt e c e u co m os pais. A vida ca minh a de m a si a d a m e n t e depr e s s a
para isso."

Bessn er diss e sec a m e n t e :

- Ach, ma s tenh o um palpite. Existe a bord o um rapaz que de m o n stra ress e nti m e nt o.

- Fergus o n? - perguntou Poirot.

- Sim. Falou uma ou duas vez e s contra Mistress Doyle. Eu m e s m o o ouvi.

- Que pod e m o s fazer para ter a certez a? - perguntou Doyle.

- Race e eu tem o s que interrog ar todo s os pass a g eir o s -

declarou Poirot. - Até ouvirm o s o que têm

a dizer, seria leviand a d e formar opinião. Há ainda a criada... Acho que dev e ser a primeira a ser interrog
a d a. A pres e n ç a de Mister Doyle talvez nos seja útil.

- Boa ideia - con c or d o u Simon.

- Estava há muito temp o ao serviço de Mistress Doyle?

- Mais ou m e n o s dois m e s e s .

- Só dois m e s e s ? - excla m o u Poirot.

- O senh or não supõ e...

- Sua esp o s a tinha jóias de valor?

- Tinha o colar de pérolas. Disse- m e que valia quare nta ou cinqu e nt a mil libras. - Simon estre m e c e u
ligeira m e nt e e excla m o u: - Meu Deus, ach a que aqu el a s malditas pérolas...

- O mó bil do crim e pod e ter sido o roub o - diss e Poirot. -

Se be m que pareç a impo s sív el... Bom,

vere m o s . A criada que venh a cá.

Louise Bourget era a mor e ninh a viva que Poirot vira, certa vez, no tom b a dilho.

Mas ag ora a vivacidad e des a p ar e c e r a do seu rosto.


Via-se que tinha chorad o e pare cia am e dr o nt a d a, e no entanto havia no seu rosto uma expre s s ã o
profunda m e n t e astucios a, que impre s si o n o u des a gr a d a v e l m e n t e os dois ho m e n s .

- O seu no m e é Louise Bourget?

- Sim, m on si e ur.

- Quando foi que viu Mistress Doyle co m vida pela última vez?

- A noite pass a d a , m on si e ur. Esperei para a ajudar a despir- se.

- Que horas era m?

- Um pouc o dep ois das onz e, mo n si e ur. Não poss o dizer a hora exacta. Esperei que a sen h or a m e
dispen s a s s e e dep ois saí.

- Quanto temp o levou tudo isso?

- Dez minutos, mon si e ur. A sen h or a estav a cans a d a . Disse- m e que apag a s s e as luzes ante s de
sair.

- Depois de a deixar, que fez voc ê?

- Fui para a minh a cabina, m on si e ur, no tom b a dilho de baixo.

- E não viu ne m ouviu nada que nos poss a servir de esclar e ci m e nt o?

- Com o pod eria eu, m on si e ur?...

- Isso só voc ê nos pod er á dizer - replicou Poirot.

A mulh er olhou- o de soslaio e continuou:

- Mas, m on si e ur, eu não estav a perto... co m o pod eria eu ver ou ouvir algu m a coisa? Eu estav a no
tom b a dilho de baixo. A minha cabina fica do outro lado do navio. Teria sido impo s sí v el ouvir qualqu
er coisa.

Claro que se não tivess e sentido son o, se tives s e subido as es c a d a s , talvez tives s e visto o ass a s sin
o, ess e mo n stro, entrar ou sair da cabina de mad a m e ; ma s, co m o não foi assi m...

Ergueu as mã o s num gesto suplicante, dirigindo- se a Simon:

- Monsieur, por favor... Compre e n d e a minh a situaç ã o ? Que poss o eu dizer?

- Minha cara m e nin a, não seja tola - repre e n d e u Simon asp er a m e n t e : - Ningué m pens a que viu
ou ouviu coisa algu m a . Não se preo cup e . Cuidarei de si.

Ningué m pens a e m acus á- la...

- Monsieur é muito bo m - mur mur ou Louise,

baixand o mo d e st a m e n t e os olho s.

- Pode m o s ter entã o a certez a de que nada viu ou ouviu? - perguntou Race co m impaci ê n ci a.

- Foi o que eu diss e, m on si e ur.

- E não conh e c e ningu é m que tivess e algu m a queixa contra a sua patroa?

Com grand e surpre s a de todo s, Louise aban o u vigoro s a m e n t e a cab e ç a .


- Oh, sim. Isso sei. A ess a pergunta poss o resp o n d e r

"sim", co m a maior certez a dest e mund o.

- Refere- se a Madem oi s ell e de Bel efort? - perguntou Poirot.

- Quanto a ela, não há dúvida. Mas não era e m Miss de Bel efort que eu pens a v a. Há um ho m e m nest e
navio que não gostav a de mad a m e , e que estav a

muito zang a d o porqu e ela o havia prejudica d o.

- Deus do Céu, que significa tudo isso? - excla m o u Simon.

Louise continuou, aban a n d o enfatica m e nt e a cab e ç a :

- Sim, sim, é co m o digo! O cas o deu- se co m a antiga criada de mad a m e , que a servira antes de mim.

Um ho m e m , um dos ma q uinistas dest e vapor, queria cas ar- se co m ela. A outra criada, Marie, era o
seu no m e , estav a dispo sta a cas ar- se co m ele. Mas Madam e Doyle tirou inform a ç õ e s sobr e o ho
m e m e des c o b riu que ess e tal Fleetw o o d já era cas a d o ... co m uma mulh er de cor, os sen h or e s
co m pr e e n d e m , natural dest e país. Ela voltara para viver co m a família, ma s continuav a ainda a ser
mulh er dele. Madam e contou isto a Marie, e ela ficou muito triste e não quis mais sab er de Fleetw o o d .
O ho m e m ficou furioso, e quand o des c o b riu que Madam e Doyle se cha m a r a Miss Linnet

Ridge w a y, antes do cas a m e n t o , diss e- m e que gostaria de a matar! Estrag ara- lhe a vida, introm et
e n d o - se ond e não era cha m a d a ; foi o que ele m e diss e.

Louise parou, triunfante.

- Interes s a nt e - co m e nt o u Race.

Poirot voltou- se para Simon e perguntou:

- Sabia disso, por aca s o?

- Não - resp o n d e u Simon co m evid e nt e sinc eridad e . - Duvido m e s m o que Linnet soub e s s e que
o ho m e m trabalhav a nest e navio.

Provav el m e n t e , ela já se es qu e c e r a do incident e.

Voltou- se brusc a m e n t e para a criada e perguntou:

- Falou sobr e isso a Mistress Doyle?

- Não, mo n si e ur, claro que não.

- Sabe algu m a coisa a resp eito do colar da sua patroa? -

perguntou Poirot.

- O colar? - excla m o u Louise arreg al an d o os olho s. - Onte m à noite ainda o usou.

- Você viu o colar, quand o Mistress Doyle se foi deitar?

- Sim, m on si e ur.

- Onde foi que ela o guard ou?

- Na m e sinh a de cab e c e ir a, co m o de costu m e .

- Foi ond e o viu pela última vez?


- Sim, sen h or.

- Viu-o ali hoje de man h ã?

Uma expre s s ã o assu sta d a apar e c e u no rosto da rapariga.

- Mon Dieu, ne m m e lem br ei de olhar! Aproxim ei- m e da ca m a , dep ois vi... vi mad a m e . Saí a
correr e

des m ai ei.

Hercule Poirot inclinou grav e m e n t e a cab e ç a .

- Você ne m ao m e n o s olhou. Mas eu tenh o olho s obs erv a d o r e s , e digo- lhe que não havia nenhu
m colar na m e sin h a de cab e c e ira, hoje de man h ã.

CAPíTULO 14

Poirot não se eng a n ar a. O colar não estav a na m e sinh a de cab e c e ira de Linnet.

Louise Bourget foi enc arre g a d a de dar uma busc a nas coisa s de Mrs. Doyle; estav a tudo e m orde m ,
se g un d o ela diss e. Som e nt e havia m des a p ar e ci d o as pérolas.

Saíra m da cabina. Um dos criado s de bord o veio dizer que a refeiçã o estav a pronta na sala de fumo.

Quando perc orria m o tom b a dilh o, Race parou para se debruç ar na amurad a.

- Ah! Vejo que tem uma ideia, m e u amig o - excla m o u Poirot.

- Sim, oc orr eu- m e de repent e, quand o Fanthorp diss e que tinha ouvido um baqu e na água. Tam b é m
eu acord ei onte m à noite, pens a n d o ter ouvido ess e m e s m o ruído. É

be m possív el que, dep ois do crim e, o ass a s sin o tenha atirado a arm a fora.

- Acha isso possív el, m eu amig o?

Race enc olh e u os om br o s e replicou:

- É apen a s uma sug e st ã o . Afinal de contas, a arm a não foi enc o ntrad a na cabina. Foi a primeira coisa
que procurei.

- Assim m e s m o , pare c e incrível que tenha sido atirada à água.

- Onde está, entã o?

- Se não está na cabina de Mistress Doyle, logica m e n t e só há um lugar ond e pod er á ser enc o ntrad a.

- E é...?

- A cabina de Madem oi s ell e de Bel efort.

- Sim, co m pr e e n d o . ..

Race pare cia reflectir. E dep ois, e m tom brusc o:

- A pequ e n a não está na cabina ag ora. Vamo s exa min á- la?

Mas não era ess a a ideia de Poirot.

- Não, não, m eu amig o. Não seja m o s precipitad o s. Talvez ainda não tenha sido levad a para lá.
- Que ach a uma busc a imediata a todo o navio?

- Dessa man eira ficaria m a sab er o que pens a m o s . Precisa m o s de agir co m a maior cautela. A nos s
a

posiçã o é, neste mo m e n t o, muito delicad a. Vamo s discutir a situaç ã o enqu a nt o co m e m o s .

Entrara m na sala de fumo.

- Então? - diss e Race servind o- se de café. - Tem o s dois indícios: o des a p ar e ci m e nt o das pérolas, e
aqu el e tal Fleetw o o d . Quanto ao colar, tudo leva a acre ditar e m roub o, ma s... não creio que conc or d
e co mi g o...

Poirot diss e viva m e nt e :

- Não ach a que a esc ol h a do mo m e n t o foi um tanto infeliz?

- Exacta m e nt e . O roub o de um colar daqu el e valor acarretaria uma busc a rigoros a. Todo s os pass a g
eir o s teriam que ser revistad o s: co m o pod eria entã o o

ladrão esp er ar esc a p ar?

- Poderia ter ido a terra, es c o n d e n d o - o e m qualqu er parte.

- A co m p a n hi a tem se m pr e um guarda na marg e m .

- Então não seria possív el... Teria o ass a s sí ni o sido co m e tid o para distrair a atenç ã o do roub o? Não,
isto é um absurd o! Mas supon h a m o s que Mistress Doyle tenha acord a d o e apan h a d o o ladrão e m
flagrante?...

- E o ho m e m matou- a? Mas ela estav a a dormir quand o levou o tiro.

- Então, tam b é m isso está fora de discus s ã o . Sabe uma coisa?... Tenh o um palpite a resp eito desta s
pérola s... e no entanto... não, é impo s sív el. Porque, se o m eu palpite estive s s e certo, as pérolas não
teria m des a p ar e ci d o. Diga- m e: qual é a sua opinião sobr e a criada?

- Achei que sabia mais do que quis dar a enten d e r -

resp o n d e u Race lenta m e nt e .

- Ah, tam b é m voc ê teve es s a impre s s ã o ?

- Não é nada simpática.

- Te m razão. Eu não pod eria ter confianç a naqu el a pequ e n a .

- Acha que teve algu m a relaç ã o co m o crim e?

- Não, não o creio.

- Com o roub o das pérolas, entã o?

- Isso é mais prováv el. Há pouc o temp o que estav a ao serviç o de Mistress Doyle. Pode ser que faça

parte de algu m a quadrilha esp e ci alizad a e m roub o s de jóias; neste s cas o s , há se m pr e uma criada
co m óptim a s referên ci a s. Infelizm e nt e, não nos é possív el tirar inform a çÕ e s a resp eito dela. Além
do mais, esta explicaç ã o não m e satisfaz... Aquelas pérolas... ah, sacr é, o m eu palpite devia estar certo.
E, no entanto, ningu é m seria imb e cil a ponto de...

Poirot interro m p e u- se brusc a m e n t e . Race perguntou:


- E quanto a Fleetw o o d ?

- Precisa m o s de o interrog ar. Talvez esteja aí a soluçã o . Se a história de Louise é verda d eira, ele tinha
m otivo para des ej ar vingar- se. Poderia ter assistido à cen a entre Jacqu elin e e Mister Doyle, entrand o
dep ois no salã o vazio para se apod er ar da arm a. Sim, é possív el. E

aqu el a letra J escrita co m sangu e... Tam b é m está de acord o co m a psicolo gi a de uma criatura rude.

- Quer dizer que é exacta m e n t e a pes s o a que procura m o s ?

- Sim... só se...

Poirot coç o u o nariz e resp o n d e u co m uma careta:

- Vê voc ê, reco n h e ç o as minha s fraqu ez a s. Dizem que gosto de tornar difíceis os m eu s cas o s . A
soluç ã o que voc ê sug er e... é tão simple s... fácil de mais... Não ach o possív el que tenha real m e nt e
suc e did o des s a man eira. E, no entanto, talvez seja simpl e s prev e n ç ã o da minha parte.

- Bom, talvez seja m elh or cha m a r m o s o ho m e m aqui.

Race tocou a ca m p ainh a. Depois de o criado se retirar, Race voltou- se nova m e n t e para Poirot:

- Outras... prob a bilidad e s ?

- Muitas, m e u amig o. Tom e m o s , por exe m pl o, o procurad or am eric a n o.

- Pennington?

- Sim, Pennington. Assisti, um dia dest e s, a uma cen a curios a.

Poirot contou a Race o que acont e c e r a e continuou:

- Vê, pois, que é significativo. Madam e queria ler todo s os papéis, antes de os assinar. E ele, entã o, deu a
des c ulpa de um outro dia. E o marido fez uma obs erv a ç ã o muito significativa!

- Qual?

- Disse: "Nunca leio docu m e nt o algu m. Assino ond e m e man d a m assinar." Perce b e co m o é
significativo?

Pennington perc e b e u . Foi co m o se eu tives s e lido isso no seu olhar. Fitou Doyle co m o se uma ideia
inteira m e nt e nova lhe tives s e pass a d o pela cab e ç a . Imagine m o s , m e u amig o, que voc ê é
procurad or da filha de um ho m e m imen s a m e n t e rico. Talvez tenha usad o o dinheiro para esp e c ul
ar. Sei que é

o que aco nt e c e e m nov el a s policiais, ma s de vez e m quand o a gente lê tam b é m sobr e isso nos
jornais. É coisa que aco nt e c e , m eu amig o, acont e c e .

- Não duvido - declarou Race.

- Talvez ainda haja temp o para esp e c ul ar louca m e n t e . Talvez a pupila ainda não tenha atingido a
mai oridad e . E entã o... ela cas a- se! A ad ministraç ã o do dinh eiro pass a, de um mo m e n t o para o
outro, das suas mã o s para as dela! Catástrofe!... Mas ainda há uma esp er a n ç a .

Ela está e m lua- de- m el. Talvez se des cuid e...

Um docu m e n t o enfiad o no m ei o dos outros; assina d o , talvez, se m ser lido... Mas Linnet Doyle não
era des s e tipo. Com ou se m lua- de- m el, era uma mulh er de neg ó ci o s. E

entã o seu marido faz uma obs erv a ç ã o , e uma nova ideia ocorre ao ho m e m que des e s p e r a d a m e
n t e procura salvar- se da ruína. Se Linnet m orre s s e , a fortuna pass aria para as mã o s do marido, e co
m ele seria tão fácil lidar! Seria co m o uma crianç a nas mã o s de um ho m e m astuto co m o Andrew
Pennington. Mon cher coron el, garanto- lhe que vi o pens a m e n t o pass ar pela m e nt e de Pennington.
"Se eu tivess e que tratar co m Doyle..." Sim, foi este o pens a m e n t o de Andrew Pennington.

- Talvez - diss e Race sec a m e n t e . - Mas voc ê não tem prova s.

- Não, infelizm e nt e.

- E há tam b é m aqu el e tal Fergus o n. Fala co m bastant e azedu m e . .. Não que m e impre s si o n e co
m palavras; ape s ar diss o, é possív el que ele seja o filho do ho m e m que foi levad o à ruína pelo pai de
Linnet. Sei que é arrisca d o , ma s não impo s sív el. Há gent e que fica às vez e s a rem o e r injúrias pass
adas.

Race ficou e m silênci o por alguns minutos, e dep oi s diss e:

- E há tam b é m o m e u ho m e m .

- Sim, há o "seu ho m e m " , co m o voc ê diz.

- É um ass a s si n o - declarou Race. - Quanto a isso não há dúvida. Por outro lado, não vejo que ligaç ã o
poss a ter tido co m a família de Linnet. Vivem e m esfera s co m pl eta m e n t e divers a s.

Poirot diss e lenta m e nt e:

- A não ser que, acide ntal m e nt e , Mistress Doyle tenha des c o b e rt o a identidad e dele.

- É possív el, ma s pouc o prováv el. - Race interro m p e u- se ao ouvir uma panc a d a na porta. Depois:

- Ah, aqui está o noss o quas e bíga m o .

Fleetw o o d era um ho m e m alto e de apar ê n ci a feroz. Olhou, des c o nfiad o, de um para o outro.
Poirot

rec o n h e c e u nele o ho m e m que vira no tom b a dilh o a conv er s ar co m Louise Bourget.

Fleetw o o d perguntou:

- Mandou- m e cha m a r?

- Mandei - diss e Race. - Talvez tenha ouvido dizer que foi co m e tid o um crim e nest e vapor, onte m à
noite?

O ho m e m inclinou a cab e ç a .

- E creio que voc ê tinha motivo s para não gostar da mulh er que foi ass a s sin a d a .

Uma expre s s ã o de alarm e surgiu no olhar de Fleetw o o d .

- Quem lhe diss e isso?

- Acho que Mistress Doyle se intro m et er a entre voc ê e uma certa rapariga.

- Sei que m lhe contou isso: aqu el a franc e s a vag a b u n d a. É uma grand e m e ntiros a, ess a rapariga.

- Mas aco nt e c e u que é verda d e .

- É m e ntira!

- Diz isso se m sab er ainda do que se trata.


O alvo foi atingido. O ho m e m enrub e s c e u , eng olind o e m sec o.

- É verdad e , não é, que ia cas ar- se co m uma rapariga cha m a d a Marie, e que ela des m a n c h o u o
noivad o quand o soub e que voc ê já era cas a d o ?

- Que tinha ela co m isso?

- Quer dizer: que tinha Mistress Doyle co m isso?

Bom, voc ê sab e, biga mi a é biga mi a.

- Não foi nada assi m. Casei- m e co m uma das nativas daqui.

Ela voltou para a sua família. Não a vejo há seis ano s.

- Mas ainda está cas a d o co m ela.

O ho m e m ficou e m silênci o e Race continuou:

- Mistress Doyle, ou Miss Ridge w a y, co m o se cha m a v a naqu el e temp o, des c o b riu tudo...

- Sim, e que Deus a am aldiç o e! Metendo- se naquilo que não lhe dizia resp eito... Eu teria sido bo m

para Marie. Teria feito tudo pela sua felicidad e. E ela nunca teria sabid o nada da outra, se não foss e por
aqu el a sua patroa intro m etida. Não neg o que tinha esta razão de queixa contra aqu el a senh or a, e
fiquei revoltad o quand o a vi nest e navio, toda be m vestida e

cheia de jóias, man d a n d o e m Deus e toda a gente, se m se lem brar que estrag ar a para se m pr e a vida
de um ho m e m !

Fiquei revoltad o, sim... Mas daí a pens ar e m que sou um mis erá v el ass a s sin o... se pens a m que pegu
ei num revólv er e a mat ei... Bom, isso não pass a de uma grand e m e ntira! Nunca lhe toqu ei. E que Deus
m e sirva de teste m u n h a .

O ho m e m parou, o suor es c orria- lhe da testa.

- Onde estav a voc ê onte m , entre a m eia- noite e as duas da man h ã?

- Na minh a ca m a . E o m eu co m p a n h e ir o pod er á confirmar o que digo.

- Verem o s - diss e Race, desp e dind o- o co m uma se c a inclinaç ã o de cab e ç a . - Por enqu a nt o é só
isto.

- Eh bien? - diss e Poirot quand o a porta se fech ou.

Race enc olh e u os om br o s .

- Falou muito co er e nt e m e n t e . Está nervo s o , é claro, ma s não exc e s siv a m e n t e . Tere m o s


que verificar o seu álibi, se be m que não creio que seja decisivo.

O co m p a n h eir o dele provav el m e n t e estav a a dor mir, e este sujeito pod eria ter entrad o e saíd o se
m que o outro perc e b e s s e coisa algu m a. Depend e de sab er m o s se mais algu é m o viu.

- Sim, precis a m o s de averiguar.

- O próxim o facto a investigar, na minh a opinião, é se algu é m ouviu qualqu er coisa que nos dê uma
ideia da hora do crim e. Bessn er diz que ocorreu entre a m ei a- noite e as duas da man h ã. É possív el que
algu m dos pass a g eir o s tenha ouvido a deton a ç ã o , m e s m o que não a tenha m rec o n h e ci d o co
m o um tiro. Por mi m, não ouvi nada se m el h a nt e. E voc ê?

Poirot sacudiu a cab e ç a .


- Dormi co m o um frade. Não ouvi nada, abs oluta m e nt e nada.

Mesmo que estive s s e narcotizad o, não

teria dor mid o mais profunda m e n t e .

- É pena - diss e Race. - Bom, esp er e m o s obter mais resultad o co m as pes s o a s que têm cabina s a
estibord o. Já interrog á m o s Fanthorp. Em seg uida, vê m os Al erton. Vou man d ar cha m á - los.

Mrs. Al erton entrou co m muita vivacidad e . Enverg av a um vestido cinzento, de sed a listrada.

- É horrível! - diss e, ao ac eitar a cad eira que Poirot lhe ofere c e u. - Mal poss o acreditar... Aquela linda
criatura, co m tudo para a prend er à vida... m orta desta man eira! Mal poss o real m e nt e acreditar.

- Sei co m o se sent e, ma d a m e - diss e Poirot e m tom co m pr e e n si v o.

- Ainda be m que o senh or está a bord o - diss e ela simpl e s m e n t e . - Assim pod er á des c o b rir que
m co m e t e u o crim e. Fiquei conte nt e por sab er que não foi aqu el a pobr e rapariga de rosto trágico.

- Made m oi s ell e de Bel eford? Quem lhe contou que não foi ela?

- Cornélia Robson - resp o n d e u Mrs. Al erton co m a so m br a de um sorriso. - Sabe, ela está excitadíssi
m a co m toda esta história! É provav el m e n t e a única coisa fora do co m u m que lhe aco nt e c e u na
vida e

que jam ais aco nt e c e r á . Mas é muito nova, e env er g o n h a - se de gozar co m os aco nt e ci m e nt o
s . Acha que é horrível da sua parte.

Mrs. Al erton fitou Poirot durante alguns seg un d o s , dep ois acre s c e nt o u:

- Mas não dev o tagar elar. O sen h or tem algu m a s pergunta s a fazer- m e?

- Sim, por favor. A que horas se deitou, ma d a m e ?

- Logo dep ois das dez e m eia.

- E dor miu imediata m e nt e ?

- Sim; estav a co m son o.

- E ouviu algu m a coisa... seja o que for, durante a noite?

Mrs. Al erton franziu as sobra n c el h a s.

- Sim, creio que ouvi um baqu e e algu é m correr... ou teria sido o contrário? Estou um pouc o confusa.
Tive a vag a ideia de que algué m caíra ao mar...

Sonho, o sen h or co m pr e e n d e . Mas dep oi s acord ei e fiquei à es cuta, e nada mais ouvi.

- E sab e a que horas foi isso?

- Não, infelizm e nt e não. Mas não creio que tenha sido muito dep ois de m e ter deitad o; isto é, durante a
prim eira hora ou pouc o mais tarde.

- Infelizm e nt e, ma d a m e , isso é muito vag o!

- Te m razão. Mas não vale a pena eu quer er adivinhar, quand o na realidad e não tenh o a m e n or ideia,
não é verda d e ?

- E é só o que tem a dizer- nos, ma d a m e ?


- Infelizm e nt e, é.

- Já conh e ci a Mistress Doyle, ante s desta viag e m ?

- Não. Tim conh e ci a- a. E eu já ouvira falar muito dela, por uma prima, Joana Southw o o d , ma s nunca

tínha m o s trocad o uma palavra, até àqu el e dia, no terraç o do hotel, e m Assuão.

- Se m e dá licenç a, mad a m e , tenh o outra pergunta a fazer- lhe.

Mrs. Al erton mur mur ou co m um leve sorriso:

- Gostaria imen s o que m e fizess e uma pergunta indiscreta.

- Muito be m . A sen h or a, ou pes s o a de sua família, teve algu m prejuízo financ eiro, e m cons e q u ê n
ci a de transa c ç õ e s co m Melhuish Ridge w a y, pai de Mistress Doyle?

A pergunta pare c e u surpre e n d e r Mrs. Al erton.

- Oh, não. As finanç a s da família nunc a sofrera m , a não ser uma ligeira depr e s s ã o . .. O sen h or sab
e, tudo rend e m e n o s do que costu m a v a rend er... Não houv e nada de m el o dr a m á tic o na noss a
pobr ez a. Meu marido deixou uma fortuna pequ e n a , ma s ainda con s erv o o que herd ei, e m b o r a os
juros não seja m os m e s m o s daqu el e temp o.

- Agrade cid o, ma d a m e . Talvez queira ter a bond a d e de nos man d ar o seu filho?

Tim diss e a Mrs. Al erton, quand o esta foi procurá- lo:

- Acabou- se a prova? Cheg o u a minha vez. Que esp é ci e de pergunta s lhe fizera m?

- Apenas se eu tinha ouvido algu m a coisa onte m à noite. E, infelizm e nt e, não ouvi coisa algu m a . Não
sei co m o ... Afinal de contas, a cabina de Linnet é quas e peg a d a à minh a. Acho que devia ter ouvido a
deton a ç ã o . Vai ag ora, Tim; estã o à tua esp er a.

Poirot fez a Tim a m e s m a pergunta que a Mrs. Al erton, e ele resp o n d e u:

- Fui ced o para a ca m a, às dez e m ei a, mais ou m e n o s . Li um pouc o, e apag u ei a luz log o dep oi s
das onz e horas.

- Ouviu algu m a coisa dep ois disso?

- Ouvi uma voz de ho m e m , dizend o boa noite, não muito long e da minh a cabina.

- Devia ser eu, desp e din d o- m e de Mistress Doyle

- Disse Race.

- Com certeza. Depois diss o fui para a ca m a .

Mais tarde, ouvi ruídos confus o s: algu é m cha m a n d o Fanthorp, lem br o- m e ag ora.

- Era Miss Robson, ao sair do salão envidraç a d o .

- Sim, co m certez a foi isso. E dep ois ouvi várias voz e s diferent e s. E algu é m corren d o pelo tom b a
dilho, e um baqu e na água. E dep oi s a voz do velho Bessn er, rec o m e n d a n d o e m tom não muito
baixo: "Cuidad o, ag ora." E ainda: "Não and e depr e s s a de m ai s."

- Ouviu um baqu e ?

- Qualquer coisa des s e gén er o.


- Te m a certez a de que não foi uma deton a ç ã o ?

- Bom, talvez tenha sido isso. Deu- m e a impres s ã o do estalo de uma rolha ao saltar. É possív el que
tenha sido um tiro. Talvez eu tenha imagina d o o baqu e , por ass o ci a ç ã o de ideias; o ruído da rolha
fazend o- m e lem brar algu m líquido a ser desp ej a d o num cop o... Sei que, na nebulo sid a d e do m eu
pens a m e n t o , ach ei que estav a a dar- se uma festa, ou coisa parecid a. E des ej ei que foss e m todo s
para a ca m a e ficass e m quieto s!

- Nada mais, dep ois disso?

Tim parec e u reflectir.

- Som e nt e Fanthorp m ov e n d o - se na sua cabina, que é peg a d a à minh a. Pens ei que nunca mais
foss e para a ca m a .

- E dep ois?

Tim enc olh e u os om br o s .

- Depois... o es qu e ci m e nt o.

- Não ouviu mais nada?

- Absoluta m e nt e nada.

- Muito agrad e ci d o, Mister Al erton.

Tim levantou- se e saiu.

CAPíTULO 15

Race estud av a a planta do tom b a dilho de pass ei o.

- Fanthorp, Tim Al erton, Mistress Al erton. Depois uma cabina vazia, a de Simon Doyle. A velha

am eric a n a. Se algu é m ouviu algu m a coisa, tamb é m ela dev e ter ouvido. É m elh or man d ar m o s
cha m á - la, se já estiver a pé.

Miss Van Schuyler entrou na cabina, parec e n d o ainda mais velha e am ar el a naqu el a man h ã. Os
olhitos pretos tinha m uma ven e n o s a expre s s ã o de contraried a d e .

Race ergu e u- se e inclinou- se diante dela.

- Sentim o s muito ter que a inco m o d a r, Miss Van Schuyler. Foi muita bond a d e sua... Queira sentar-
se.

A velhota diss e sec a m e n t e :

- Acho dete stáv el ver- m e m etida nisto; dete stáv el! Não quer o de mo d o algu m env olv er- m e e m...
hum m m . .. neg ó ci o tão des a gr a d á v e l.

- Te m razão, tem razão. Eu estav a justa m e nt e a dizer a Monsieur Poirot que, quanto mais ced o ouvíss e
m o s o seu dep oi m e nt o, m elh or, pois assi m não tería m o s mais que a inco m o d a r.

Miss Van Schuyler fitou Poirot co m expre s s ã o um pouc o mais ben e v ol e nt e.

- Fico satisfeita por ver que os senh or e s co m pr e e n d e m os m eu s sentim e nt o s. Não estou habituad
a a esta s coisa s.

Poirot diss e suav e m e n t e :


- De acord o, mad e m o i s ell e. É exa cta m e n t e por isso que quer e m o s deixá- la livre de aborre ci m
e nt o s o mais depre s s a possív el. Agora: a que horas se deitou onte m ?

- Deito- m e se m pr e às dez horas. Onte m, fiquei um pouc o atrasa d a, porqu e, muito des at e n ci o s a
m e n t e , Cornélia fez- m e esp er á- la.

- Très bien, ma d e m o i s e ll e. Agora: que ouviu dep ois de se ter retirado?

Miss Van Schuyler explicou:

- Tenh o o son o muito leve.

- À m erv eille. É uma sorte para nós.

- Acordei co m a voz daqu el a esp alh afato s a criada de Mistress Doyle, dizend o: "Bonne nuit, ma d a m
e " , e m voz alta de mais, na minha opinião.

- Depois?

- Adorm e ci nova m e n t e . Acordei co m a impre s s ã o de que algué m estav a na minha cabina, ma s


não tardei a perc e b e r que o ruído vinha da cabina vizinha.

- A de Mistress Doyle?

- Sim. Depois ouvi pass o s no tom b a dilh o e e m se g uida um baqu e na água.

- Não sab e mais ou m e n o s que horas era m?

- Poss o dizer exacta m e n t e a hora. Uma e dez.

- Te m a certez a?

- Tenh o, sim. Olhei para o relógio, que estav a na m e s a de cab e c e ira.

- Não ouviu uma deton a ç ã o ?

- Não; ne m nada des s e gén er o.

- Mas que m sab e se não foi a deton a ç ã o que a acord o u?

Miss Van Schuyler parec e u reflectir, inclinand o ligeira m e nt e a cab e ç a .

- Talvez - resp o n d e u, contrariad a.

- E não tem a m e n or ideia do que poss a ter caus a d o es s e baqu e na água?

- Pelo contrário. Sei perfeita m e nt e o que foi.

Race endireitou- se, de olhar alerta.

- Sabe?

- Claro! Não gost ei daqu el e ruído de pass o s a m ei o da noite. Levantei- m e, portanto, e fui até à porta
da minha cabina. Miss Otterbourn e estav a debruç a d a na amurad a e aca b a v a de atirar qualqu er coisa
à água.

- Miss Otterbourn e?

- Distingui- lhe perfeita m e nt e o rosto.

- E ela não a viu, ma d e m o i s e ll e?


- Não o creio.

Poirot inclinou- se e perguntou:

- E qual a expre s s ã o do rosto de Miss Otterbourn e?

- Parecia profunda m e n t e alterad a.

Os dois ho m e n s entre olh ar a m - se. Race perguntou:

- E entã o?

- Miss Otterbourn e afastou- se para o lado da popa e eu voltei para a ca m a.

Neste m o m e n t o, batera m à porta e o ger e nt e apar e c e u, trazend o nas mã o s um e m brulh o enc h


ar c a d o .

- Encontrá m o s , coron el.

Race este n d e u a mã o e des e m b r ulh o u, dobra por dobra, o tecido de veludo. Caiu de dentro um lenç
o gros s eiro, co m man c h a s cor- de- rosa, que env olvia um revolv erzinh o de cab o de ma dr e p é r ol
a.

Race fitou Poirot co m ar de malicios o triunfo.

- Vê? A minha ideia não era assi m tão má. Foi atirado à água - diss e ele, coloc a n d o o revólv er na palm
a da mã o. - Que diz a isto, Monsieur Poirot?

É o revólv er que viu no Hotel Catarata, naqu el a noite?

O dete ctiv e exa min o u- o co m cuidad o, dep ois diss e calm a m e n t e :

- Sim, é o m e s m o . Cá estã o os enfeite s no cab o e... as iniciais: J. B. É um article de luxe, muito


feminino, ma s ape s ar diss o perigo s o .

- Vinte e dois... - mur mur ou Race, exa min a n d o - o tam b é m . -

Duas balas batidas. Não há dúvida

nenhu m a de que é esta a arm a.

Miss Van Schuyler tossiu de man eira significativa.

- E que ach a m da minha éch arp e?

- A sua éch arp e, ma d e m o i s e ll e?

- Sim, isto que o sen h or tem aí na mã o é a minha éch arp e de velud o!

Race exa min o u o tecido ma ci o e perguntou:

- Isto é seu, Miss Van Schuyler?

- Claro que é m e u! - excla m o u a velha sec a m e n t e . - Dei pela sua falta onte m à noite. Perguntei a
todo s se tinha m visto a minha éch arp e.

Poirot con sultou Race co m o olhar e este inclinou a cab e ç a e m sinal de ass e nti m e nt o.

- Onde a viu pela última vez, Miss Van Schuyler?

- Estava a m e u lado, no salão, onte m à noite.


Quando m e levant ei para m e ir deitar, não cons e g ui enc o ntrá- la.

Poirot perguntou tranquila m e nt e:

- Perce b e para que foi usad a?

Ao dizer isto, abriu a éch arp e, m o strand o vários furinhos no tecido.

- O ass a s sin o usou- a para am ort e c e r a deton a ç ã o -

acre s c e nt o u ele.

- Que topete! - excla m o u Miss Van Schuyler,

coran d o violenta m e nt e .

Race diss e entã o:

- Ficar- lhe- ei muito agrad e ci d o, Miss Van Schuyler, se m e diss er quais as suas relaç õ e s co m
Mistress Doyle, anterior m e nt e a esta viag e m .

- Essas relaç õ e s era m inexistent e s.

- Mas conh e ci a- a?

- Sabia que m era, natural m e nt e.

- Mas a sua família e a dela não se dava m ?

- A minha família foi se m pr e exig e nt e, coron el Race. Minha mã e jamais sonh aria e m ir visitar uma
pes s o a da família Hartz, que, a não ser pelo seu dinheiro,, era gente que social m e nt e não contav a.

- É só o que tem a dizer, Miss Van Schuyler?

- Nada tenh o a acre s c e nt ar ao que já diss e. Linnet Ridge w ay foi educ a d a na Inglaterra e eu nunca a

tinha visto até pôr os pés neste vapor.

Dito isto, levantou- se. Poirot abriu- lhe a porta e ela saiu muito tesa e importante.

Os olhar e s dos dois ho m e n s enc o ntrara m- se.

- É esta a sua versã o da história, e dela não se afastará - diss e Race. - Talvez seja verda d e . Não sei...
Mas... Rosalie Otterbourn e? Por esta não esp er a v a eu!

Poirot aban o u a cab e ç a , co m ar perplexo. Depois bateu co m força o punh o na m e s a , excla m a n d


o:

- Mas isto não tem sentido! Nom d'un no m d'un no m! Não tem sentido!

- Que quer exa cta m e n t e dizer co m isso? - perguntou Race, fitando- o co m curiosida d e .

- Digo que até certo ponto tudo ca minh a logica m e nt e . Algué m queria matar Linnet Doyle. Algué m

ouviu a cen a no salã o, onte m à noite. Algué m ali entrou sorrateira m e nt e , apanh a n d o o revólv er; o
revólv er de Miss de Bel efort, lem br e- se be m! Algué m matou Linnet co m este revólv er e escr e v e u a
letra J na pared e ...

Tudo muito claro, não é verda d e ? Tudo apontan d o para Jacqu eline. E dep ois, que faz o ass a s sin o?

Deixa o revólv er (a arm a revela d or a) e m algu m lugar ond e poss a ser enc o ntrad o? Não! Ele, ou ela,
atira o revólv er à água, esta prova tão important e. Porqu ê, m eu amig o, porqu ê?

Race sacudiu a cab e ç a .

- É real m e nt e es quisito - confe s s o u ele.

- Mais do que es quisito, impo s sí v el!

- Impossív el não, uma vez que acont e c e u!

- Não foi isso que eu quis dizer. Digo que a marc h a dos acont e ci m e n t o s é impo s sív el! Alguma
coisa está errad a.

CAPíTULO 16

Race fitou o cole g a co m curiosida d e . Respeitav a, e tinha motivo para isso, a intelig ên ci a de Hercule
Poirot. E, no entanto, naqu el e mo m e n t o não podia aco m p a n h a r- lhe o raciocínio. Mas ne m por
isso lhe perguntou coisa algu m a . Não era hábito seu fazer perguntas.

Continuou co m o assunto de que tratava m naqu el e m o m e n t o.

- Que fazer, e m seg uida? Interrog ar a pequ e n a Otterbourn e?

- Sim; isso talvez nos ajude um pouc o.

Rosalie Otterbourn e entrou co m expre s s ã o de má vontad e no rosto. Não pareci a nervo s a ou am e dr


o nt a d a; apen a s de mau hum or e contrariada.

- Então! Que des ej a m ? - perguntou.

Foi Race que m primeiro lhe dirigiu a palavra.

- Estam o s a investigar a m orte de Mistress Doyle - explicou ele.

Rosalie inclinou a cab e ç a , se m nada resp o n d e r.

- Quer dizer- m e o que fez onte m à noite?

Rosalie reflectiu alguns seg un d o s .

- A ma m ã e eu fom o s ced o para a ca m a; antes das onz e horas. Não ouvi m o s coisa algu m a , a não
ser mur múrios de voz e s à porta da cabina do doutor Bessn er.

Distingui a voz pes a d a do ale m ã o , afastand o- se. Naturalm e nt e, só hoje de man h ã fiquei a sab er do
que se tratava.

- Não ouviu um tiro?

- Não.

- Não saiu da sua cabina, onte m à noite?

- Não.

- Te m a certez a?

Rosalie enc ar o u- o.

- Que quer dizer co m isso? Claro que tenh o a certez a.

- A sen h or a não teria, por aca s o , dad o a volta pelo tom b a dilh o, e atirado qualqu er coisa à água?
- Há algu m a lei proibind o que se atire m coisa s à água? - perguntou a jove m , corand o.

- Não, claro que não. Então foi o que fez?

- Nada disso. Já lhe diss e que não saí da minh a cabina.

- Se algu é m tiver dito que a viu...

A jove m interro m p e u- o:

- Quem foi que diss e que m e viu?

- Miss Van Schuyler.

- Miss Van Schuyler? - perguntou Rosalie, ad mirad a.

- Sim; Miss Van Schuyler diss e que espr eitou pela porta da sua cabina, e viu a sen h or a atirar qualqu er
coisa à água.

- É m e ntira - declarou a jove m se m hesitar.

Depois, co m o se algu m a coisa lhe tives s e ocorrido de repent e, perguntou:

- A que horas?

Desta vez foi Poirot que m resp o n d e u:

- Passav a m dez minutos da uma hora, ma d e m o i s e ll e.

Rosalie inclinou a cab e ç a , co m ar pens ativo.

- Ela viu mais algu m a coisa?

Poirot fitou- a co m curiosida d e , coç a n d o o queixo.

- Ver... não. Mas ouviu.

- Sim?

- Algué m a m ex er- se na cabina de Mistress Doyle.

- Compre e n d o - mur mur ou Rosalie.

Agora estav a pálida, muito pálida.

- E insiste e m dizer que não atirou nada fora, ma d e m o i s e ll e?

- Por que motivo havia eu de andar no m ei o da noite a atirar coisa s ao rio?

- Talvez houv e s s e um motivo, um motivo inoc e nt e.

- Inocent e? - perguntou a jove m brusc a m e n t e .

- Foi o que eu diss e. Porque, a sen h or a sab e , algu m a coisa foi atirada à água a noite pass a d a; uma
coisa que nada tinha de inoc e nt e.

Sem dizer uma palavra, Race mo strou- lhe a éch arp e de velud o, abrind o- a para exibir o seu conteú d o .

Rosalie recuou, perguntan d o:

- Foi co m isto... que a matara m ?


- Sim, mad e m o i s ell e.

- E ach a que eu... que fui eu que a mat ei? Que tolice! Por que motivo havia eu de quer er matar Linnet
Doyle?

Se ne m ao m e n o s a conh e ci a!

Sorriu, levantand o- se co m ar des d e n h o s o .

- É co m pl eta m e n t e ridículo! - acre s c e nt o u.

- Lembr e- se, Miss Otterbourn e, de que Miss Van Schuyler está pronta a jurar que distinguiu clara m e nt
e as suas feiçõ e s , ao luar.

Rosalie riu nova m e n t e .

- Aquela gata velha! Com certez a é quas e ceg a.

Não foi a mi m que viu. - Fez uma paus a e perguntou: - Poss o ir-m e e m b o r a?

Race inclinou a cab e ç a e a jove m saiu.

Os dois ho m e n s entre olh ar a m - se nova m e n t e . Race ac e n d e u um cigarro e co m e nt o u:

- Então é isso! Contradiçã o abs oluta. Em que m dev e m o s acreditar?

- Parec e- m e que nenhu m a das duas foi muito franca.

- É isso o mais duro no nos s o trabalh o - obs erv o u Race e m tom des a ni m a d o . - Tanta gent e oculta
a verda d e , às vez e s por motivo s co m pl et a m e n t e fúteis!

E ag ora? Continuare m o s o interrog at ório?

- Creio que sim. É se m pr e bo m agir co m m ét o d o e ord e m .

Mrs. Otterbourn e foi a se g uinte a ser cha m a d a .

Confirmou o que a filha diss er a - que tinha m am b a s ido para a ca m a ante s das onze horas. Nada
ouvira durante a noite.

Não podia dizer se Rosalie saíra ou não da cabina... Quanto ao crim e, pare cia dispo sta a discuti- lo.

- O crim e passi onn el! - excla m o u ela. - O instinto primitivo: matar! tão ligad o ao instinto sexual!

Aquela pequ e n a , Jacqu eline, m ei o latina, de temp er a m e n t o arde nt e, ob e d e c e n d o aos seus


mais fortes instintos, adiantand o- se de man sinh o, de revólv er na mã o...

- Jacqu elin e não matou Mistress Doyle. Disso tem o s nós a certez a. Está prova d o - declarou Poirot.

- Seu marido, entã o - e m e n d o u Mrs. Otterbourn e, se m se dar por vencid a. - Sede de sangu e e
instinto

sexual; crim e passion el. Há muitos exe m pl o s...

- Mister Doyle levou um tiro na perna e estav a impo s si bilitado de se mov er - explicou o coron el Race. -

Pass ou a noite co m o doutor Bessn er.

Mrs. Otterbourn e pare c e u des a p o nt a d a, ma s imediata m e n t e procurou outra soluçã o .

- Naturalm e nt e! Com o fui tola! Miss Bowers!


- Miss Bowers?

- Sim, é lógico. Psicologic a m e n t e tão claro! Repres s ã o . A virge m recalc a d a! Enfurecida ao ver o
esp e ct á c ul o daqu el e s dois: um cas al jove m e apaixon a d o!

Claro que foi ela. É o tipo perfeito... se m atracç ã o física...

seried a d e inata... No m e u livro "A Vinha Estéril..."

Race interro m p e u- a delicad a m e n t e :

- As suas sug e st õ e s fora m muito apreci ad a s . Precisa m o s ag ora de continuar co m o nos s o trabalh
o. Muito agrad e ci d o.

Acomp a n h o u- a am a v el m e n t e até à porta e voltou enxug a n d o a testa.

- Uf, que criatura ven e n o s a! É pena não ter sido ela a ass a s sin a d a.

- Pode ainda acont e c e r! - diss e Poirot à guisa de con s ol a ç ã o .

- Talvez não seja tão grand e absurd o. Quem é que falta? Pennington? Vamo s deixá- lo para o fim.
Richetti, Fergus o n.

Signor Richetti che g o u, parec e n d o muito agitad o e faland o co m volubilidad e.

- Que horror! Que infâmia!... Uma mulh er tão jove m e bonita... Que crim e mo n struo s o! - excla m o u
ergu e n d o expre s siv a m e n t e as mã o s .

Respon d e u co m clarez a às pergunta s de Poirot. Logo dep ois do jantar, para ser exa ct o, fora para a ca
m a ...

muito ced o. Lera um panfleto muito intere s s a nt e, rec é m - publicad o.

Apagara a luz um pouc o antes das onze horas.

Não, não ouvira deton a ç ã o algu m a. Nem coisa pare cid a co m o estalo de uma rolha. O único so m que
ouvira

- e isto be m mais tarde! - fora o de qualqu er coisa baten d o na água, perto da sua esc otilha.

- A sua cabina fica no tom b a dilh o de baixo, a estibord o, não é verdad e ?

- Sim, sim, é isso m e s m o . E ouvi o ruído de um baqu e, muito forte.

De nov o ele ergu e u os braç o s para dar ênfas e à frase.

- Pode dizer- m e a que horas foi isso?

Richetti pare c e u reflectir.

- Uma, duas, três horas dep ois que ador m e ci.

Talvez duas horas.

- À uma e dez, por exe m pl o?

- Sim, talvez tives s e sido. Ah! Que crim e horrível...

desu m a n o ... uma mulh er tão linda!...

Saiu o Signor Richetti, ainda ge sticuland o bastant e.


Race olhou para Poirot. O dete ctive ergu e u expre s siv a m e n t e as sobra n c el h a s , dep ois enc olh e
u os om br o s .

Mandara m cha m a r Mr. Fergus o n.

Com ele foi mais difícil. O rapaz esp arra m o u- se insol ent e m e n t e num a cad eira.

- Que barulho por caus a de uma coisa se m importância! -

diss e ele des d e n h o s a m e n t e . - Há mulh er e s e m exc e s s o no mund o.

Race perguntou friam e nt e:

- Pode dar- nos um resu m o dos seus actos onte m à noite, Mister Fergus o n?

- Não vejo razã o para isso. Mas não m e inco m o d a resp o n d e r. Vague ei de um lado para o outro. Fui
a terra co m Miss Robson. Quando ela voltou para o barc o, vag a b u n d e e i, sozinh o, mais um pouc o.
Voltei para o navio e fui deitar- m e à m eia- noite.

- A sua cabina fica no tom b a dilh o de baixo, a estibord o?

- Fica. Não estou e m cima, co m os aristocrata s.

- Ouviu um tiro? Qualquer coisa pare cid a co m o estalar de uma rolha?

Fergus o n reflectiu; dep ois diss e:

- Sim, creio ter ouvido um so m se m e l h a nt e ao saltar de uma rolha... Não m e lem br o quand o...
Antes de ador m e c e r . Mas ainda havia muita gent e a pé; agitaç ã o, pass o s apres s a d o s no tom b a
dilho de cima.

- Provav el m e nt e devido ao tiro dad o por Miss de Bel efort. Não ouviu outro?

Fergus o n sacudiu neg ativa m e n t e a cab e ç a .

- Nem o ruído de um baqu e na água?

- Sim, isso creio que ouvi. Mas havia tanto barulho que não poss o ter a certez a.

- Saiu da sua cabina durante a noite?

Fergus o n sorriu.

- Não, não saí. E infelizm e nt e não tive participaç ã o no acto m eritório.

- Vamos, va m o s , Mister Fergus o n, não seja tão infantil.

Isto pare c e u enc ol erizar o socialista.

- Porqu e não hei- de dizer o que pens o? Sou a favor da violênci a.

- Mas não põe e m prática as suas ideias? - diss e Poirot. - Não sei, não...

Inclinou- se e perguntou noutro tom:

- Foi aqu el e sujeito, Fleetw o o d , não foi, que lhe diss e que Linnet Doyle era uma das mulh er e s mais
ricas da Inglaterra?

- Que tem Fleetw o o d co m isso?

- Fleetw o o d , m eu amig o, tinha um exc el e nt e motivo para matar Linnet Doyle.


Fergus o n endireitou- se viva m e nt e na cad eira.

- Então é este o seu jogo, he m? - excla m o u colerica m e n t e . -

Quere m e m purrar a culpa para o pobr e

Fleetw o o d , que não pod e defen d e r- se, que não tem dinh eiro para pag ar a adv o g a d o s! Mas oiça
m uma coisa: se tentare m incriminá- lo, terão de ajustar conta s co mi g o.

- E, precisa m e n t e , que m é o senh or? - perguntou suav e m e n t e Poirot.

Mr. Fergus o n corou violenta m e nt e .

- Sou uma pes s o a leal aos seus amig o s - diss e ele brusc a m e n t e .

- Bom, Mister Fergus o n, por enqu a nt o, creio que é só isto - diss e Race.

Quando a porta se fech o u, Race co m e nt o u:

- Um sujeito no fundo be m simp ático, não ach a?

- Não des c o nfia entã o que seja o ho m e m que está a procurar? - perguntou Poirot.

- Não o creio. E no entanto ele está a bord o.

A inform a ç ã o foi muito precisa. Oh, bo m, uma coisa de cad a vez. Vamo s interrog ar Pennington.

CAPíTULO 17

Andrew Pennington co m p ar e c e u co m toda s as conv e n ci o n ai s manife sta çÕ e s de surpres a e pes


ar. Estava, co m o se m pr e, caprich o s a m e n t e vestido. Usava ag ora uma gravata preta. O rosto co m
prido e be m barb e a d o tinha uma expre s s ã o perplexa.

- Senhor e s , este cas o abal ou- m e profunda m e n t e .

A pequ e n a Linnet... Imagine m , lem br o- m e dela quand o era a m e nina mais linda dest e mund o!
Com o Melhuish Ridge w ay se orgulhav a dela! Bom, de nada adianta m as lam e nta ç õ e s .

Digam- m e apen a s e m que poss o ajudá- los; é só o que lhes peç o.

Race abriu o interrog at ório:

- Para co m e ç a r, Mister Pennington, ouviu algu m a coisa a noite pass a d a?

- Não, senh or. Não poss o dizer que tenha ouvido. A minh a cabina fica peg a d a à do doutor Bessn er,

núm er o trinta e oito- trinta e nov e. Ouvi certa agitaç ã o, aí pela m eia- noite. Naturalm e nt e, naqu el a
oca si ã o não soub e do que se tratava.

- Não ouviu mais nada? Tiros?..

Pennington aba n o u a cab e ç a .

- Nada se m e l h a nt e.

- E foi para a ca m a às...?

- Pouco dep ois das onz e.

O am eric a n o inclinou- se para a frente e continuou e m tom confiden ci al:


- Não creio que ignor e m os boato s que corre m nest e navio? Aquela rapariga m ei o franc e s a , por exe
m pl o, Miss de Bel efort. Há algu m a coisa de es quisito, co m o sab e m . Linnet nada m e diss e, ma s
natural m e nt e não sou ceg o ne m surdo. Houve qualqu er coisa entre ela e Simon, não houv e? Cherch e
z la fem m e (é coisa que muitas vez e s dá certo) e nest e cas o não creio que tenha m que cherc h er muito
long e.

Poirot perguntou:

- Quer dizer que, na sua opinião, Miss de Bel efort matou Mistress Doyle?

- É o que m e pare c e . Claro que não sei de nada...

- Infelizm e nt e, nós sab e m o s de algu m a coisa!

- Bem? - excla m o u o am eric a n o, ligeira m e nt e sobr e s s altad o.

- Sabe m o s que teria sido impo s sív el Miss de Bel efort matar Mistress Doyle.

Poirot deu porm e n o rizad a m e n t e explicaç õ e s , ma s Pennington mo strou- se pouc o dispo st o a ac


eitá- las.

- Não digo que à prim eira vista não pareç a que os sen h or e s têm razã o, ma s aqu el a enfer m eira...
garanto que não ficou acord a d a toda a noite. Com certeza ador m e c e u e a rapariga esc a p uliu- se da
cabina.

- Pouco prováv el, Mister Pennington. Lembr e- se de que Miss Bowers tinha aplicad o a Jacqu eline uma
forte injecç ã o . Além do mais, as enfer m eira s e m geral têm o son o leve e costu m a m acord ar quand o
os paci ent e s acord a m .

- Acho muito es quisito - diss e o am eric a n o.

Race replicou, e m tom ligeira m e nt e autoritário:

- Creio que pod e acreditar, Mister Pennington, que exa min á m o s co m cuidad o todas as possibilidad e s
.

Não há dúvida quanto ao resultad o: Jacqu eline de Bel efort não pod eria ter ass a s sin a d o Linnet Doyle.
Som o s, portanto, obrigad o s a procurar algure s e ach a m o s que nest e ponto o senh or nos pod er á
auxiliar.

- Eu? - perguntou Pennington co m um nervo s o sobr e s s alto.

- Sim. O senh or era íntimo amig o da vítima. Provav el m e nt e , sab e da vida de Mistress Doyle mais do
que o seu próprio marido, que a conh e c e u há pouc o s m e s e s . Talvez nos poss a dizer, por exe m pl o,
se existe algu é m co m razão de queixa contra ela, algué m que tives s e motivo s para lhe des ej ar a m
orte.

Pennington pass o u a língua pelos lábios ress e q uid o s e resp o n d e u:

- Garanto- lhe que não tenh o a míni m a ideia...

Linnet, o sen h or sab e, foi educ a d a na Inglaterra. Conhe ç o muito pouc o da sua vida e das suas relaç õ
es.

- E, no entanto, algué m nest e navio estav a intere s s a d o no seu des a p ar e ci m e nt o. O sen h or dev e
estar lem bra d o de que Mistress Doyle esc a p o u de um perig o iminent e, aqui m e s m o , quand o aqu
el a pedra rolou... Ah! Mas talvez não estive s s e lá?

- Não; eu estav a dentro do templ o, nes s a oca si ã o.


Ouvi dep oi s co m e nt ário s sobr e o cas o, naturalm e nt e.

Escap ou por um triz. Mas... talvez um acide nt e, não ach a?

Poirot enc ol h e u os om br o s.

- Foi o que se pens o u, no mo m e n t o . Agora...

não sei!

- Sim, sim, tem razão! - diss e Pennington enxug a n d o a testa co m um finíssi m o lenç o de sed a.

Race diss e:

- Mistress Doyle referiu- se a certa pes s o a nest e navio que tinha razõ e s de queixa, não contra ela, pes s
o al m e n t e , ma s contra a sua família. Sabe que m pod eria ser ess a pes s o a ?

O am eric a n o resp o n d e u, parec e n d o sinc er a m e n t e ad mirad o:

- Não, não tenh o a míni m a ideia.

- Mistress Doyle não discutiu o cas o co m o sen h or?

- Não.

- Era amig o íntimo do pai dela... Não se lem br a de nenhu m a transa c ç ã o que tenha tido co m o
resultad o a ruína de algu m adv er s ário, no mund o das finanç a s?

Pennington aba n o u a cab e ç a , co m ar des a ni m a d o .

- Nenhu m cas o esp e ci al. Tais transa c ç õ e s era m, naturalm e nt e, frequ e nt e s, ma s não m e lem br
o de ningu é m que tives s e feito am e a ç a s . .. Nada des s e gén er o.

- Em resu m o , Mister Pennington, o sen h or não nos pod e ajudar?

- É o que parec e . Lame nt o muito, m e u s sen h or e s .

Race trocou um olhar co m Poirot.

- Tam b é m eu sinto - diss e ele. - Estáva m o s co m esp er a n ç a s .

Levantou- se, dand o a entrevista por terminad a.

- Com o está de ca m a, Mister Doyle co m certeza há- de quer er que eu cuide de tudo - diss e Pennington.
-

Perdo e- m e, coron el, ma s que provid ê n ci a s vai tom ar?

- Quando sairm o s daqui, irem o s directa m e n t e para Shellâl, ond e dev e m o s ch e g ar am a n h ã de


man h ã.

- E o corpo?

- Será levad o para uma das câ m ar a s frigoríficas.

Pennington desp e diu- se e saiu.

Poirot e Race con sultara m- se co m o olhar. O coron el ac e n d e u um cigarro e co m e nt o u:

- Mister Pennington não estav a nada à vontad e.


Poirot inclinou a cab e ç a e diss e:

- Mister Pennington estav a tão perturba d o, a ponto de dizer uma m e ntira estúpida. Ele não estav a no
templ o de Abu Simb el, quand o aqu el a pedra rolou.

Sobre isso, (eu que vos falo) poss o jurar. Eu aca b ar a justa m e nt e de sair do templ o.

- Uma m e ntira estúpida - conc ord o u Race. - E muito significativa.

- Mas no mo m e n t o oportuno nós o tratare m o s co m luvas de pelica, não é verda d e ?

- É tam b é m a minha opinião.

- Meu amig o, nós enten d e m o - nos às mil maravilha s.

Ouvira m um ronc o distante e ásp er o, sentira m o navio vibrar a seus pés...

O Karnak iniciava a sua viag e m de regre s s o a Shellâl.

- As pérolas - diss e Race. - Tem o s ag ora que cuidar das pérola s.

- Te m algu m plano?

- Tenh o, sim. - Race con sultou o relógio e acre s c e nt o u: - Daqui a m eia hora, será servido o alm o ç o .

No fim da refeiçã o, farei uma co m u ni c a ç ã o ; direi que o colar foi rouba d o , e que sou obriga d o a
pedir que fique m todo s no salã o, para que se proc e d a a uma busc a no navio.

Poirot inclinou a cab e ç a e m sinal de ass e nti m e nt o.

- Muito be m pens a d o . Quem quer que seja que tenha rouba d o o colar, ainda o con s erv a e m seu pod
er. Apanhad o de surpres a, o ladrão não terá oportunidad e de o atirar ao rio, num mo m e n t o de pânico.

Race puxou para mais perto uma pilha de papéis e diss e, e m tom de que m se des c ulpa:

- Gosto de fazer um resu m o dos factos, à m e did a que vou progre dind o. Evita- se assi m muita confus ã
o.

- Faz muito be m. Nada há co m o a orde m e o m ét o d o - diss e Poirot.

Race escr e v e u durante dez minutos, na sua letra miúda e fina. Finalm e nt e, e m purrou para mais perto
de Poirot o fruto do seu trabalh o.

- Qualquer coisa co m que não conc or d e ?

O dete ctiv e apanh o u as folhas. No alto da primeira, estav a escrito:

ASSASSÍNIO DE MRS. LINNET DOYLE

Mrs. Doyle foi vista co m vida, a última vez, pela sua criada, Louise Bourget. Hora: 23 e 30 (aproxim a d a
m e n t e) Das 23.3 0 às 0.20 as se guinte s pes s o a s têm álibis: Cornélia Robso n, Jame s Fanthorp,
Simon Doyle, Jacqu elin e de Bel efort - ningu é m mais - ma s o crim e

provav el m e n t e foi co m e tid o dep ois disso, pois é quas e certo o ass a s sin o ter usad o o revólv er de
Jacqu eline de Bel efort, que até entã o estav a dentro da bolsa desta última. Não está prova d o que o crim
e foi co m e tid o co m este revólv er, e só se pod er á ter a certeza abs oluta dep ois da autópsia, quand o
for ouvida a opinião dos técnic o s, a resp eito da bala; ma s pod e m o s con sid er ar isto co m o prováv el.

Curso prováv el dos aco nt e ci m e nt o s : X (o ass a s sin o) pres e n ci ou a cen a entre Jacqu eline e
Simon Doyle, no salã o envidraç a d o , viu ond e caiu o revólv er, sob a poltrona.
Quando o salão ficou des erto, X procurou a arm a - pens a n d o que o crim e seria por isso atribuído a
Jacqu eline. Devido a esta teoria, muita gent e pod e ser con sid er a d a inoc e nt e.

Cornélia Robson, uma vez que não teve oportunidad e de ir busc ar o revólv er, antes de Jame s Fanthorp
voltar para o procurar.

Miss Bowers - a m e s m a coisa.

Dr. Bessn er - a m e s m a coisa.

N. B. Não se pod e consid er ar Fanthorp co m o co m pl eta m e n t e inoc e nt e, pois podia ter m etido a
arm a no bols o, dizend o dep oi s que a não enc o ntrara.

Qualquer outra pes s o a pod eria ter apanh a d o a arm a naqu el e esp a ç o de dez minutos.

Possív ei s m otivo s para o crim e:

Andrew Pennington: Isto, partindo- se do princípio de que é culpad o de fraudulenta s esp e c ul a ç õ e s .


Há muitos indícios nest e sentido, ma s não basta m para o apontar co m o ass a s si n o. Se foi que m fez
rolar a pedra, entã o m o strou que é pes s o a que sab e aprov eitar a oportunidad e que se apres e nt a. O
crim e, naturalm e nt e, não foi pre m e ditad o, a não ser de uma man eira geral. A cen a no salã o onte m à
noite forne c e u a oportunidad e ideal.

Objec ç õ e s à teoria da culpabilidad e de Pennington.

Porque atirou ele o revólv er ao rio, uma vez que era uma prova valiosa contra "B"?

Fleetw o o d : Motivo: vingan ç a. Fleetw o o d ach a v a que Linnet Doyle o prejudicara. É possív el que
tives s e assistido à cen a, notand o o lugar ond e o revólv er fora parar. Pode tê- lo apanh a d o mais pela
facilidad e de ter uma arm a à mã o, do que para atirar a culpa sobr e Jacqu elin e.

Isto condiz co m o ge st o subs e q u e nt e de o atirar fora. Mas, send o assi m, por que motivo escr e v e u
a letra J co m sang u e na pared e?

N. B. É mais prováv el que o lenç o barato, enc o ntrad o à volta do revólv er, perten ç a a um ho m e m co
m o Fleetw o o d , do que a qualqu er dos pass a g e ir o s aba st a d o s .

Rosalie Otterbourn e: Deve m o s ac eitar o dep oi m e nt o de Miss Van Schuyler ou a neg ativa de
Rosalie? Alguma coisa foi lança d a à água, provav el m e nt e o revólv er dentro da éch arp e de velud o.

Pontos a ser e m estud a d o s : Teria Rosalie algu m motivo?

É possív el que não apreci a s s e Mrs. Doyle e a invejas s e - ma s co m o motivo para matar isto parec e
absurd o; a julgar pelas aparê n ci a s, não havia nenhu m a ligaçã o anterior entre Rosalie e Linnet.

Miss Van Schuyler: A éch arp e de velud o que env olvia a arm a perten c e a Miss Van Schuyler. A julgar
pelo que ela diss e, viu- a pela última vez no salão envidraç a d o .

Cham o u a aten ç ã o para o facto de a ter perdido, tend o sido feita, se m resultad o, uma busc a para a enc
o ntrar.

Com o foi a éch arp e parar às mã o s de X? Ter- se- ia X apod er a d o dela no princípio da noite? E, send
o assi m, co m que fito? Ningué m podia sab er de ante m ã o que ia hav er uma cen a entre Jacqu elin e e
Simon. Teria X enc o ntrad o a éch arp e no salã o, quand o foi procurar o revólv er? Mas, nest e cas o,
porqu e não foi enc o ntrad a na oca si ã o da busc a? Miss Van Schuyler tê- la- ia perdido real m e nt e?

Isto é:

Terá Miss Van Schuyler ass a s sin a d o Linnet Doyle? Será falsa a sua acus a ç ã o a Rosalie? Se matou
Mrs. Doyle, qual o motivo?
Outras possibilidad e s :

Algué m co m razõ e s contra a família Ridge w a y. Possív el - ma s não há indícios.

Sabe m o s que há um ho m e m perig o s o a bord o - um ass a s si n o. Te m o s aqui um ass a s si n o e um


crim e. Não hav er á ligaçã o entre os dois? Mas, para che g ar m o s a esta con clus ã o , seria nec e s s á ri
o sab er que Linnet tinha pod er o s a s inform a ç õ e s a resp eito des s e ho m e m .

Conclus õ e s : Pode m o s dividir as pes s o a s a bord o e m dois grupo s - aqu el e s que tinha m m otivo,
ou contra que m há indícios, e aqu el e s que, pelo que até ag ora averiguá m o s , estã o livres de susp eita.

Grupo I Grupo II

Andrew Pennington Mrs. Al erton

Tim Al erton

Fleetw o o d Cornélia Robso n

Rosalie Otterbourn e Miss Bowers

Miss Van Schuyler Dr. Bessn er

Signor Richetti

Louise Bourget (Roubo) Mrs.Otterbourn e

Fergus o n (Política?) Jame s Fanthorp

Poirot afastou os pap éis e co m e nt o u:

- Está certo, muito certo, o que escr e v e u .

- Concord a?

- Concord o, sim.

- E ag ora, qual a sua colab or a ç ã o ?

Poirot e mp ertig ou- se co m ar important e.

- Eu, eu faço a mi m m e s m o uma pergunta: "Por que motivo atirara m fora o revólv er?"

- Só isso?

- No mo m e n t o pres e nt e, é só isso. Até cons e g uir uma resp o sta satisfatória a esta pergunta, de nada
vale o resto. Isto é... talvez aí esteja o ponto de partida.

Note, m eu amig o, que no seu sum ário, voc ê não procurou solucion ar ess a dificuldad e.

Race sug eriu, enc ol h e n d o os om br o s:

- Pânico.

Mas Poirot não pare c e u satisfeito. Apanhou a éch arp e de velud o, esten d e n d o - a sobr e a m e s a , e
pass o u os ded o s e m volta dos furos e das marc a s cha m u s c a d a s .

- Diga- m e uma coisa, m eu amig o: voc ê tem mais prática do que eu de arm a s de fogo... Uma coisa assi
m, à volta de um revólv er, am ort e c e ri a o so m?

- Não. Pelo m e n o s não tanto co m o um silenciad or - resp o n d e u Race.


- Um ho m e m , e ainda mais um ho m e m habituad o a lidar co m arm a s de fogo, sab eria isso. Mas não
uma mulh er.

Race fitou- o co m curiosida d e .

- Provav el m e nt e , não.

- Ela teria lido nov el a s policiais, ond e os porm e n o r e s ne m se m pr e são exa ct o s.

Race ergu e u o revólv er.

- De qualqu er man eira, este brinqu e d o não faria muito barulho - diss e ele. - Um simple s estalo e
pronto! Com outros ruídos à volta, as prob a bilidad e s são de dez para um de que não seria ouvido.

- Sim, pens ei niss o.

Poirot exa min o u o lenç o e continuou:

- Lenço de ho m e m , ma s não de um cav alh eiro.

Ce ch er Woolworth, co m certez a. No máxi m o três penc e .

- Tipo de lenç o que um ho m e m co m o Fleetw o o d usaria.

- Sim. Notei que Andrew Pennington usa um finíssi m o lenç o de sed a.

- Fergus o n? - sug eriu Race.

- Possiv el m e nt e . Com o bravata. Mas uma band a n a estaria mais de acord o!

- Em lugar de luva, co m certez a, para se gurar o revólv er e evitar impre s s õ e s digitais - diss e Race.

- E acre s c e nt o u, co m o pilhéria: - O Caso do Lenço Cor-de- Rosa.

- Ah, sim. Cor de jeun e fil e, não é?

Poirot coloc o u o lenç o sobr e a m e s a e voltou a exa min ar a éch arp e.

- Apesar de tudo, é es quisito...

- A que se refere?

- Cette pauvre Madam e Doyle. Deitada tão calm a m e n t e ... co m aqu el e furo na cab e ç a . Lembra- se
da sua expre s s ã o ?

Race fitou- o co m curiosida d e .

- Sabe uma coisa? Palpita- m e que m e quer dizer algu m a coisa, Poirot, ma s não tenh o a m e n or ideia
do que seja!

CAPíTULO 18

Ouviu- se uma panc a d a na porta.

- Entre - diss e Race.

Aparec e u um dos criado s, que se dirigiu a Poirot:

- Desculpe- m e, ma s Mister Doyle des ej a falar- lhe.

- Vou imediata m e nt e .
O dete ctiv e saiu da sala, subiu ao tom b a dilh o superior e foi até à cabina do Dr. Bessn er.

De rosto verm el h o e febril, Simon pareci a um tanto con stran gid o.

- Foi muita gentileza sua vir ver- m e, Mister Poirot. Desejo fazer- lhe um pedid o.

- Sim?

Simon enrub e s c e u mais ainda.

- É. . a resp eito de Jackie. Eu gostaria de a ver.

O senh or ach a... O senh or importa- se... ach a que ela se inco m o d a ria... se lhe pediss e para vir até cá?
Tenh o estad o aqui deitad o, reflectindo... Aquela pobr e pequ e n a ...

não pass a de uma crianç a, afinal de conta s...

e tratei- a tão mal, e...

Interro mp e u- se, se m sab er co m o continuar.

Poirot fitou- o, intere s s a d o .

- Deseja ver Made m oi s ell e Jacqu elin e? Vou cha m á - la.

- Agrade cid o. É muita bond a d e sua.

Poirot enc o ntrou Jacqu eline enc olhida num a cad eira, a um canto do salã o envidraç a d o . Tinha um
livro ab erto nas mã o s , ma s não o lia.

Poirot diss e- lhe suav e m e n t e :

- Quer fazer o favor de m e aco m p a n h a r, mad e m o i s ell e?

Mister Doyle des ej a vê- la.

A rapariga teve um sobr e s s alto. Corou, dep ois e m p alid e c e u .

Havia no seu rosto uma expre s s ã o perplexa.

- Simon? Ele... quer... ver- m e?

Poirot ach ou co m o v e n t e aqu el a incredulidad e.

- Quer vir, mad e m o i s e ll e?

- Ah, sim... irei.

Acomp a n h o u- o docilm e nt e, co m o uma crianç a.

Poirot entrou prim eiro na cabina.

- Made m oi s ell e está aqui.

Jacqu eline entrou, vacilante, e estac o u de repe nt e.

Continuou ali, de pé, mud a, os olhos fitos e m Simon.

- Olá! Jackie...

Tam b é m ele pare cia con stran gid o.


Com o a jove m nada diss e s s e , continuou:

- É muita bond a d e sua vir ver- m e. Eu queria dizer... isto é...

Jaqueline interro m p e u- o. As palavra s saíra m- lhe aos borb ot õ e s , e m tom de des e s p e r o .

- Simon... eu não mat ei Linnet. Você sab e que não fui eu... Onte m à noite eu... estav a louca.

Oh, pod er á perdo ar- m e?

Agora, já ele podia exprimir- se co m maior facilidad e.

- Naturalm e nt e! Não tem importân cia! Não tem a míni m a importân cia! Era isso que eu queria dizer-
lhe.

Achei que talvez voc ê estive s s e um pouc o preo cup a d a ...

- Preocup a d a ? Um pouc o? Oh, Simon!

- Era por isso que queria vê- la e falar- lhe. Está certo, minh a boa amig a. Você estav a perturbad a onte m
à noite... um pouc o e m bria g a d a . Tudo muito natural.

- Oh, Simon, eu pod eria tê- lo mata d o...

- Não co m aqu el e brinqu e d o ...

- E a sua perna? Talvez nunc a mais poss a andar...

- Oiça, Jackie, não seja tola. Assim que ch e g ar m o s a Assuão, vão tirar- m e uma radiografia e extrair a
bala, e tudo ficará e m ord e m .

Jackie eng oliu e m sec o duas vez e s, dep ois correu para perto de Simon, ajoelh a n d o - se ao lado da ca
m a , es c o n d e n d o o rosto nas mã o s e soluç an d o . O rapaz acariciou- lhe a cab e ç a , des aj eitad a
m e n t e . O seu olhar enc o ntrou o de Poirot; co m um suspiro de má vontad e o dete ctiv e saiu da cabina.

Ao afastar- se, ainda ouviu soluç o s e mur múrio s.

- Com o pude ser tão má... Oh, Simon!... Sinto tanto... Estou tão arrep e n did a...

Cornélia estav a debruç a d a na amurad a. Voltou a cab e ç a ao ver o dete ctive aproxim ar- se.

- Ah, é o senh or, Mister Poirot. De certo m o d o pare c e incrível que o dia esteja tão bonito!

Poirot ergu e u o olhar, dizend o:

- Quando brilha o Sol, a gent e não pod e ver a Lua. Mas quand o o Sol des a p ar e c e . .. ah, quand o o
Sol des a p ar e c e!...

Cornélia fitou- o, de boc a ab erta.

- Perdã o?

- Dizia eu, mad e m o i s ell e" que, quand o o Sol des a p ar e c e r, va m o s ver a Lua. É esta a verda d e ,
não é?

- Mas... sim... claro que sim - diss e ela, fitando- o, ad mirad a.

Poirot riu de man sinh o.

- Estou a dizer tolice s. Não faça cas o, mad e m o i s ell e.


Dito isto, dirigiu- se lenta m e nt e para a popa. Ao pass ar pela prim eira cabina, parou alguns seg un d o s
.

Ouviu trech o s de conv er s a lá dentro.

. . profunda ingratidã o... dep ois do que fiz por si... falta de con sid er a ç ã o para co m a sua pobr e mã e
...

não imagina o que sofro...

Poirot co m pri miu os lábios. Ergueu a mã o e bateu à porta.

Um silêncio assu sta d o; dep ois a voz de Mrs. Otterbourn e, perguntand o:

- Quem é?

- Made m oi s ell e Rosalie está?

Rosalie apare c e u . Poirot ficou impres si o n a d o co m os círculos roxos sob os olho s e os sulco s à
volta da boc a.

- Que aco nt e c e u ? - perguntou ela se m cordialidad e algu m a . -

Que des ej a?

- O prazer de alguns minutos de conv er s a co m a sen h or a. Quer fazer- m e o favor?...

Os lábios da rapariga apertara m- se num a expre s s ã o mal- hum or a d a . Fitou Poirot co m ar des c o
nfiad o e perguntou- lhe de chofre:

- Porqu ê?

- Seria um favor, mad e m o i s e ll e.

- Oh, entã o...

Pass ou para o tom b a dilh o, fecha n d o a porta da cabina.

Poirot se g urou- a delicad a m e n t e pelo braç o e levou- a pelo tom b a dilh o, se m pr e e m direc ç ã o à
popa. Pass ara m pelo baln e ário, dera m a volta para o outro lado.

Estava m sozinh o s naqu el a parte do navio. O Nilo corria atrás dele s...

Poirot des c a n s o u os cotov el o s na amura d a, ma s Rosalie continuou dura e tesa.

- Que des ej a? - perguntou ela no m e s m o tom brusc o.

Poirot falou dev a g arinh o, es c olh e n d o as palavras.

- Poderia fazer- lhe algu m a s pergunta s, ma d e m o i s e ll e, ma s não creio que consinta e m resp o n d e
r- m e.

- Parec e- m e entã o que perd e u o seu temp o, trazen d o- m e aqui.

Poirot pass o u lenta m e nt e a mã o pela amurad a e diss e:

- Está aco stu m a d a , ma d e m o i s e ll e, a suportar sozinha o pes o dos seus ab orre ci m e nt o s ... Mas
não é possív el fazer isso eterna m e n t e . A tens ã o não pod e ser suportad a por muito temp o. É este o
seu cas o, ma d e m o i s e ll e.

- Não sei a que se refere - diss e Rosalie.


- Estou a falar sobr e factos, mad e m o i s e ll e; factos positivos e se m bel ez a. Vamo s cha m a r preto ao
preto, e num a sent e n ç a curta. A sua mã e be b e , ma d e m o i s e ll e.

Rosalie não resp o n d e u . Abriu os lábios co m o que m ia falar, ma s fech o u- os nova m e n t e . Por um
m o m e n t o, ficou se m sab er o que dizer.

- Não precisa de dizer coisa algu m a, ma d e m o i s e ll e; deixe que eu fale sozinh o. Em Assuão, intere s
s ei- m e pelas relaçÕe s entre a sen h or a e sua mã e . Vi imediata m e nt e que, ape s ar das suas obs erv a
ç õ e s pouc o filiais, a senh or a estav a na realidad e prote g e n d o des e s p e r a d a m e n t e a sua mã e .
Logo perc e bi do que se tratava. E isto muito ante s de ter, certa man h ã, enc o ntrad o

sua mã e co m pl et a m e n t e e m bria g a d a . Compr e e n di que o seu cas o era de crise s intermitent e


s, cas o s de cura mais difícil. A sen h or a dava prova s de muita cora g e m .

Além do mais, sua mã e tinha a malícia da pes s o a que be b e às esc o n did a s. Cons e g uiu uma provisã
o secr et a de be bid a s. Não seria surpre s a para mi m sab er que só onte m a sen h or a des c o b riu o seu
esc o n d e rijo. E assi m, a m ei o da noite, foi para o outro lado do navio (uma vez que o seu ficava contra
a marg e m) e atirou tudo ao Nilo.

Poirot fez uma paus a e perguntou:

- Acertei?

- Acertou, sim - diss e Rosalie co m súbita paixão. - Com certez a fui tola e m não lhe confe s s ar isso des
d e o princípio! Mas não queria que toda a gent e soub e s s e . A notícia esp alh ar- se- ia entre os pass a g
e ir o s.

E pareci a tal tolice... isto é... que eu...

Poirot terminou a frase por ela:

- Tal tolice que a sen h or a foss e acus a d a de ass a s sí ni o?

Rosalie inclinou a cab e ç a , dep ois explodiu nova m e n t e :

- Tenh o- m e esforç a d o tanto para impe dir que vies s e m a sab er!... Mas não é real m e nt e culpa dela.

Com e ç o u a ficar des a ni m a d a . Os seus livros não tinha m saída nenhu m a . O público está farto dest
e s vulgare s enre d o s sexuais.

Ela ficou ma g o a d a . .. profunda m e n t e ma g o a d a . Com e ç o u entã o a...

be b e r. Durante muito temp o, não co m pr e e n di porqu e andav a tão es quisita.

Quando des c o b ri... tentei impe dir que continua s s e . Passa v a be m durante algu m temp o... dep ois,
de repe nt e, reco m e ç a v a , tornand o- se birrenta, discutindo co m toda a gent e. Que horror! - Rosalie
estre m e c e u e continuou: -

E eu se m pr e alerta, para levá- la ao bo m ca minh o!... Depois, co m e ç o u a implicar co mi g o... às vez


e s, ch e g o a pens ar que m e od eia...

- Pauvre petite - diss e Poirot.

Rosalie voltou- se brusc a m e n t e para ele.

- Não tenha pena de mi m. Não seja bo m. É mais fácil, de outra forma.

Suspirou - um suspiro de cortar o cora ç ã o . E, dep ois de uma paus a:

- Estou cans a d a ... horrivel m e nt e cans a d a .


- Compre e n d o .

- Todo s m e ach a m insuportáv el, res erv a d a e se m pr e de mau hum or. Não é culpa minha. Há muito
temp o já que m e es qu e ci de co m o é que se pod e ser gentil...

- Foi justa m e nt e o que lhe diss e. A senh or a suportou sozinh a, durante muito temp o, o fardo dos seus
pes ar e s.

Rosalie diss e lenta m e nt e :

- É um alívio... falar sobr e isso. O sen h or se m pr e foi muito bo m, Mister Poirot. Creio que muitas vez e
s fui gros s eira...

- La polites s e não é nec e s s á ri a entre amig o s.

A expre s s ã o des c o nfiad a voltou ao rosto de Rosalie.

- O senh or vai... vai contar a toda a gent e? Com certez a será obrigad o a isso, por caus a daqu el a s
malditas garrafas que atirei fora.

- Não, não será nec e s s á ri o. Quero apen a s que m e es clar e ç a sobr e certo ponto. A que horas foi
isso?

Uma, e dez?

- Mais ou m e n o s . Não m e lem br o ao certo.

- Diga- m e ag ora, ma d e m o i s e ll e: Miss van Schuyler viu- a; a sen h or a viu- a tam b é m ?

- Não.

- Diz ela que espr eitou pela porta da cabina.

- Eu não pod eria vê- la. Examin ei de relanc e o tom b a dilh o e dep ois olhei o rio.

- E viu algu é m , quand o exa min o u o tom b a dilh o?

Houve uma paus a - uma long a paus a. Rosalie franziu as sobran c el h a s , co m o que m reflecte.

Finalm e nt e, resp o n d e u e m tom firme.

- Não, não vi ningu é m .

Hercule Poirot aban o u lenta m e nt e a cab e ç a . Mas era grav e a expre s s ã o dos seus olhos...

CAPíTULO 19

Isolado s, ou dois a dois, co m ar sub mi s s o , os pass a g eir o s entrara m na sala de jantar. Com o se ach
a s s e m que seria inde c or o s o sentar e m - se muito anim a d a m e n t e à m e s a ... Tom ar a m os seus
lugare s, co m ar penitente, quas e .

Tim Al erton ch e g o u alguns minutos dep ois de sua mã e , pare c e n d o mal- hum or a d o .

- Nunca nos tivés s e m o s lem br a d o de fazer esta maldita viag e m! - res m u n g o u ele.

Mrs. Al erton sacudiu triste m e nt e a cab e ç a .

- Oh, m eu filho, tam b é m sou da m e s m a opinião.

Aquela linda rapariga! Tudo tão desp er diç a d o . Pensar que houv e que m pude s s e matá- la a sang u e-
frio! Parec e impo s sív el que exista gente capaz disso. E aqu el a pobrezinh a...
- Jacqu elin e?

- Sim, tenh o muita pena dela. Parec e tão infeliz!

- Isto lhe ensinará a não andar por aí a disparar arm a s co m o que m brinca - diss e friam e nt e Tim,
servind o- se de mant eig a.

- Com certeza ela foi mal- educ a d a .

- Oh, pelo am or de Deus, não enc ar e o cas o sob um ponto de vista mat ern al.

- Estás de mau hum or, Tim.

- Estou, sim. E porqu e não havia de estar?

- Não vejo motivo para zang a s. É um cas o muito triste, apen a s.

Tim replicou, enc ol erizad o:

- A mã e está a ver tudo co m olho s rom â ntic o s!

Parec e não co m pr e e n d e r que não é brincad eira nenhu m a a gent e ver- se env olvida num crim e de
morte.

Mrs. Al erton parec e u ligeira m e nt e sobr e s s alta d a.

- Mas certa m e nt e ...

- É justa m e nt e isso! Não existe nenhu m "Mas certa m e nt e ..." Toda s as pes s o a s , nest e maldito
navio, estã o sob susp eita. Nós am b o s tanto co m o os outros.

Mrs. Al erton não pare c e u conv e n ci d a.

- Tecnic a m e n t e , creio que sim... ma s, quanto ao resto, é ridículo!

- Não há nada de ridículo num crim e! Pode ficar aí sentad a, exaland o santidad e e co m a con s ci ê n ci a
tranquila, ma s os investig ad or e s de Shellâl ou Assuão não vão julgá- la pela expre s s ã o do seu rosto!

- Talvez que até lá já tenha m des c o b e rt o a verda d e .

- Porqu ê?

- Monsieur Poirot...

- Aquele velho preten si o s o ? Não des c o b rirá coisa algu m a . Só tem prosápia e bigod e s .

- Muito be m , Tim; talvez tenha s razão, ma s m e s m o assi m é m elh or a gent e confor m ar- se e
continuar de cara alegr e.

Apesar disso, Tim não parec e u mais anim a d o .

- Há ainda o roub o daqu el a s malditas pérolas - diss e ele.

- O colar de Linnet?

- Sim; pare c e que foi rouba d o.

- Com certeza foi ess e o mó bil do crim e.

- Porqu ê? Está a confundir duas coisa s co m pl et a m e n t e diferente s.


- Quem diss e que des a p ar e c e u ?

- Fergus o n. Ele soub e - o pelo ma q uinista seu amig o, e este, por seu turno, ficou sab e n d o do cas o
pela criadinh a franc e s a .

- Era um lindo colar - suspirou Mrs. Al erton.

Poirot che g o u nest e m o m e n t o. Inclinou- se diante de Mrs. Al erton, des c ulpan d o- se:

- Estou um pouc o atras a d o .

- Com certeza estev e muito ocupa d o?

- Realm e nt e - diss e ele, enc o m e n d a n d o uma nova garrafa de vinho ao criado.

- Som o s muito fiéis aos nos s o s hábitos - obs erv o u Mrs.

Al erton. - O senh or tom a se m pr e vinho,

Tim ped e whisk ey e sod a, e eu, por m e u lado, estou se m pr e a experi m e nt ar uma nova marc a de
água min eral.

- Tiens! - excla m o u Poirot, fitando- a durante um m o m e n t o. Depois mur mur ou de si para si: "Aqui
está uma ideia...

Depois, co m um impaci e nt e mo vi m e nt o de om br o s, afastou o pens a m e n t o que lhe oc orr era e


co m e ç o u a conv er s ar sobr e banalidad e s .

- É grav e o ferim e nt o de Mister Doyle? - perguntou dali a pouc o Mrs. Al erton.

- Sim, é mais ou m e n o s sério. Bessn er está ansios o por che g ar m o s a Assuão, para que poss a m tirar
uma radiografia e extrair a bala. Mas tem esp er a n ç a s de que ele não fique defeituos o.

- Pobre Simon! Ainda onte m pareci a um m e nin o satisfeito, a que m nada faltava no mund o. E ag ora a
sua linda esp o s a está morta e ele inutilizado num a ca m a!

Espero, no entanto...

- Que esp er a, ma d a m e ? - perguntou Poirot vend o que ela parara no m ei o da frase.

- Espero que não esteja zang a d o de mais co m aqu el a pobr ezinh a.

- Com Madem oi s ell e Jacqu eline? Pelo contrário.

Estava muito preo c up a d o co m ela.

Poirot voltou- se para Tim e continuou:

- Sabe uma coisa? Está aí um intere s s a nt e proble m a psicoló gi c o. Durante todo o temp o e m que
Madem oi s ell e Jacqu eline os seg uia, ele estav a furioso; ma s ag ora que ela o atac ou, ferindo- o grav e
m e n t e , toda a cólera de Mister Doyle parec e ter des a p ar e ci d o. Pode explicar- m e uma coisa desta
s?

- Sim, creio que sim - diss e Tim co m ar pens ativo. - O

proc e di m e nt o dela, a princípio, fez co m que ele se sentiss e um tolo...

- Te m razão. Ofend e u a sua dignidad e ma s c ulina.

- Mas ag ora, enc ar a n d o - se o cas o sob outro ponto de vista, ela é que fez papel de tola. Toda a gente
está contra Jacqu eline, de mo d o que...
- Ele pod e mo strar- se gen er o s o e perdo ar- lhe - terminou Mrs.

Al erton. - Com o os ho m e n s são crianç a s!

- Com e nt ário profunda m e n t e falso que as mulh er e s têm a mania de fazer - mur mur ou Tim.

Poirot sorriu. E, dirigindo- se ao rapaz:

- Diga- m e: a prima de Madam e Doyle, Miss Joana Southw o o d , era pare cid a co m ela?

- O senh or confundiu o parent e s c o , Monsieur Poirot. Joana é noss a prima e era amig a de Linnet.

- Ah, perdã o, estou confundid o. É uma rapariga muito e m mo d a. Tenh o- m e intere s s a d o por ela
ultima m e nt e .

- Porqu ê? - perguntou Tim brusc a m e n t e .

Poirot quas e se pôs de pé para cumpri m e nt ar Jacqu elin e, que aca b a v a de entrar e pass a v a por ali,
dirigindo- se para a sua m e s a . A jove m estav a corad a e de olho s brilhante s, parec e n d o ligeira m e
nt e ofeg a nt e.

Quando se sentou de nov o, Poirot pare cia ter es qu e ci d o a pergunta de Tim. Murmurou e m tom
distraído:

- Gostaria de sab er se toda s as mulh er e s que têm jóias de valor são tão des cuid a d a s co m o Madam e
Doyle!

- É entã o verda d e que o colar des a p ar e c e u ? - perguntou Mrs. Al erton.

- Quem lhe diss e isso, mad a m e ?

- Fergus o n - declarou Tim.

- Sim, é verdad e - resp o n d e u Poirot grav e m e n t e .

- Com certeza vai ser muito des a g r a d á v el para todo s nós -

diss e nervo s a m e n t e Mrs. Al erton. - Pelo m e n o s é o que diz Tim.

O rapaz ficou carrancud o, ma s o dete ctiv e voltou- se para ele.

- Ah! Então já pass o u por ess a exp eriên ci a? Estev e hosp e d a d o e m algu m a cas a ond e houv e um
roub o?

- Nunca.

- Oh, sim - lem br o u Mrs. Al erton. - Estivest e e m cas a dos Portaligtons, quand o fora m rouba d o s os
brilhante s daqu el a velha impo s sív el.

- Confund e se m pr e as coisa s, ma m ã . Eu estav a lá, quand o des c o b rira m que os brilhante s que ela
usav a era m falsos! A substituiçã o talvez tivess e sido feita ano s antes... Para ser franc o, muita gent e ach
ou que talvez foss e ela m e s m a a resp o n s á v e l!

- Foi o que Joana diss e, co m certeza.

- Joana não estav a lá.

- Mas conh e ci a muito be m aqu el a gent e. O co m e nt ário é do tipo que ela gostaria de fazer.

- A mã e está se m pr e contra Joana.


Poirot mud ou viva m e nt e de assunto. Disse que estav a co m intenç ã o de fazer uma co m pr a grand e,
num a das lojas de Assuão. Um tecido muito intere s s a nt e, ver m el h o e oiro. Teria, naturalm e nt e, que
pag ar alguns direitos alfand e g ári o s...

- Eles dize m que pod e m ... co m o direi?... desp a c h a r tudo para mi m? E que os direitos não serã o
muito pes a d o s .

Acha m que che g ar á tudo e m ord e m ?

Mrs. Al erton diss e que muita gent e fazia, naqu el a s lojas, co m pr a s que era m man d a d a s directa m
e n t e ; para a Inglaterra, e que e m geral não havia m otivo de queixa.

- Bien. Farei isso, entã o. Mas que trabalh o, quand o a gent e está no estran g eiro e nos ch e g a um pac ot
e de Inglaterra! Já tivera m ess a experiên ci a? Tê m rec e bid o algu m a coisa, e m viag e m ?

- Não o creio, não é verda d e , Tim? Tens rec e bi d o livros, naturalm e nt e, ma s sobr e isso nunc a tive
m o s aborre ci m e nt o s .

- Ah, não; co m livros é diferent e.

A sobr e m e s a fora servida. Sem prévio aviso, Race levantou- se e fez o seu discurs o.

Referiu- se às circunstân ci a s do crim e e anunciou o roub o do colar. Enquanto se proc e di a a uma busc
a no vapor, ele ficaria grato aos pass a g e ir o s se perm a n e c e s s e m tranquilos no salã o. Depois disso,
se ningu é m fizess e obje c ç ã o , seria m todo s revistad o s...

Poirot aproxim ar a- se discreta m e n t e de Race. Ouviu- se um zunzu m... Vozes perplexa s, indigna d a s,
excitada s...

Poirot mur mur ou qualqu er coisa ao ouvido de Race, justa m e nt e no mo m e n t o e m que este ia sair do
salã o.

O coron el inclinou afirmativa m e n t e a cab e ç a e cha m o u um criado.

Disse- lhe algu m a s palavra s e dep ois, junta m e nt e co m Poirot, pass o u para o tom b a dilho, fech a n
d o a porta.

Ficara m por um ou dois minutos debruç a d o s na amura d a.

Race ac e n d e u um cigarro e diss e:

- Não é má a sua ideia. Logo vere m o s se dá resultad o.

Dou- lhes três minutos.

A porta da sala de jantar abriu- se e o m e s m o criado co m que tinha falado apar e c e u. Saudou Race,
dizend o:

- Te m razão, coron el. Uma das sen h or a s diz que precis a de falar- lhe co m urgên ci a.

- Ah! - excla m o u Race co m ar satisfeito. - Quem é ela?

- Miss Bowers, a enfer m eira.

O coron el pare c e u surpre e n did o.

- Traga- a para a sala de fumo. Não consinta que ningu é m mais saia da sala.

- Não, senh or. O outro criado cuidará disso.

O ho m e m voltou ao salã o e Poirot e Race dirigiram- se para a sala de fumo.


- Bowers, he m? - mur mur ou Race.

Mal tinha m lá entrad o, Miss Bowers apar e c e u co m o criado. O ho m e m saiu, fecha n d o a porta.

- Muito be m , Miss Bowers; que significa tudo isto? -

perguntou Race.

Miss Bowers era a m e s m a pes s o a controlad a de se m pr e, não parec e n d o nada e m o ci o n a d a .

- Desculpe- m e, coron el, ma s, nas circunstân ci a s actuais, ach ei que era preferív el vir imediata m e nt e
falar- lhe

- diss e ela, abrindo a bolsa - para lhe dev olv er isto...

Tirou de dentro um colar de pérola s, coloc a n d o - o sobr e a m e s a .

CAPíTULO 20

Se Miss Bowers foss e do tipo que gosta s s e de caus ar sen s a ç ã o , teria ficado ampla m e n t e satisfeita
co m o efeito do seu gesto.

No rosto de Race apar e c e r a uma expre s s ã o co m pl et a m e n t e estup efa cta.

- É extraordinário! Quer ter a bond a d e de se explicar, Miss Bowers?

- Naturalm e nt e. Foi para isso que vim aqui - diss e a enfer m eira, instaland o- se confortav el m e nt e
num a cad eira. -

Claro que m e foi difícil resolv er qual a

mais ac ertad a man eira de agir. A família, natural m e nt e, preferiria evitar um esc â n d al o, confiand o
no m eu critério; ma s as circunstân ci a s são tão extraordinárias que não m e deixa m outra alternativa.
Não enc o ntran d o nada nas cabina s, a primeira ideia dos sen h or e s seria revistar os pass a g eir o s; se o
colar foss e enc o ntrad o e m m e u pod er, a situaç ã o seria e m b a r a ç o s a e a verdad e teria

que vir à luz.

- E qual é exa cta m e n t e a verda d e ? Tirou esta s pérolas do quarto de Mistress Doyle?

- Oh, não, coron el Race. Claro que não. Foi Miss Van Schuyler que m as tirou.

- Miss Van Schuyler?

- Sim. Não pôd e resistir... O senh or sab e , ela costu m a tirar... coisa s. Jóias, principal m e nt e. É por
isso que a aco m p a n h o por toda a parte, e não por caus a da sua saúd e. E devido a esta sua... maniazinh
a. Fico alerta, e felizm e nt e nada houv e de des a g r a d á v el desd e que estou ao seu serviço. Basta eu
ficar de sobr e a vi s o, o sen h or co m pr e e n d e . E ela costu m a pôr tudo no m e s m o lugar (num pé de
m eia) de mo d o que é muito simple s para mi m. Basta eu olhar para lá todas as man h ã s .

Tenh o o son o leve e durm o se m pr e a seu lado; nos hotéis deixo ab erta a porta de co m u nic a ç ã o .
Procuro entã o conv e n c ê - la a voltar para a ca m a . Num navio, é, natural m e nt e, muito mais difícil.
Mas geral m e nt e ela não faz isso de noite. É mais um hábito de apan h ar as coisa s que vê es qu e ci d a s
aqui e ali... Claro que se m pr e sentiu grand e atracç ã o pelas pérolas.

- Com o foi que a sen h or a des c o b riu que o colar tinha sido tirado? - perguntou Race.

- Encontrei- o no pé de m ei a, hoje de man h ã. Eu sabia, natural m e nt e, a que m perten ci a. Já o tinha


notad o.

Fui levá- lo à cabina de Mistress Doyle, co m esp er a n ç a s de a enc o ntrar ainda a dormir e se m ter dad
o pelo seu des a p ar e ci m e nt o, ma s ao che g ar à porta vi ali

um criado, que m e contou o que aco nt e c e r a . Ningué m podia entrar na cabina. O sen h or co m pr e e
n d e , portanto, o m eu dile m a. Mas eu ainda tinha esp er a n ç a de con s e g uir pôr o colar na cabina e m
qualqu er outro m o m e n t o. Garanto- lhe que pass ei uma man h ã muito des a g r a d á v el, procuran d o
resolv er qual a m elh or man eira de agir, pois, co m o o senh or sab e , a família de Miss Van Schuyler é
muito corre cta e exig e nt e. Uma notícia co m o esta nunc a dev er á apar e c e r nos jornais.

Mas não será nec e s s á ri o, não é verda d e ?

Miss Bowers pare cia real m e nt e preo cup a d a .

- Depend e das circunstân ci a s - resp o n d e u Race, se m se co m pr o m e t e r. - Mas fare m o s , é claro,


o possív el para a ajudar. Que diz a isso Miss Van Schuyler?

- Oh, ela neg ar á a pés juntos, naturalm e nt e. É o que se m pr e faz. Dirá que uma pes s o a mald o s a
coloc o u o colar entre as suas roupas. Nunca confe s s a ter tirado coisa algu m a. É por isso que vai muito
man sinh a para a ca m a, quand o é apan h a d a a temp o. Diz que foi apen a s ad mirar a Lua, ou coisa
parecid a.

- Miss Robson sab e des s e ... defeito?

- Não, não des c o nfia de nada. Sua mã e sab e, ma s Miss Robso n é uma rapariga muito ingénu a e
Mistress Robso n ach ou preferível que ela continua s s e na ignorân ci a. Poss o perfeita m e nt e tom ar
conta de Miss Van Schuyler sozinha - acre s c e nt o u a co m p et e nt e Miss Bowers.

- Fica m o s muito agrad e ci d o s , Miss Bowers, por nos ter vindo procurar tão pronta m e nt e - diss e
Poirot.

A enfer m eira ergu e u- se, dizend o:

- Espero ter agido pelo m elh or.

- Pode ter a certeza que sim.

- O senh or co m pr e e n d e que, co m um crim e de morte...

Race interro m p e u- a co m voz grav e:

- Miss Bowers, vou fazer- lhe uma pergunta e

quero que co m pr e e n d a que terá de ser resp o n did a co m abs oluta franqu e z a. Miss Van Schuyler é
m e ntal m e nt e anor m al, a ponto de ser clepto m a ní a c a . Te m tam b é m tend ê n ci a s ho micid a s?

Miss Bowers resp o n d e u viva m e nt e:

- Oh, céus, não! Nada nes s e gén er o; diss o pod e ter a certeza. A velha é incapaz de uma malda d e .

A resp o st a fora dada co m tanta firmeza que não havia mais nada a dizer. Apesar disso, Poirot ainda fez
uma pergunta.

- Miss Van Schuyler é ligeira m e nt e surda, não é?

- Para falar a verda d e , sim, Monsieur Poirot.

Não muito, de mo d o que não se nota isso ao conv er s ar co m ela. Mas muitas vez e s não ouv e uma pes
s o a entrar no quarto, ou qualqu er outra coisa des s e gén er o.

- Acha que ouviria ruído de pass o s na cabina de Mistress Doyle, que é peg a d a à dela?

- Oh, não o creio. A ca m a dela fica do outro lado, ne m m e s m o contra a pared e co m u m às duas
cabina s! Não, não creio que pude s s e ouvir coisa algu m a .

- Agrade cid o, Miss Bowers.

- Quer ter a bond a d e de voltar à sala de jantar e esp er ar ali co m os outros? - diss e Race.

Abriu a porta e viu- a des c e r as es c a d a s e dirigir-se para o salã o. Depois fech ou de nov o a porta e
voltou para perto da m e s a . Poirot exa min a v a o colar.

- Bom, a reac ç ã o foi rápida - diss e Race. - Mulher astuta e de muita pres e n ç a de espírito, capaz de nos
iludir mais ainda, se isto convi er aos seus plano s. E,

quanto a Miss Van Schuyler? Não creio que

poss a m o s eliminá- la da lista dos susp eitos. É possív el que tenha co m e tid o o crim e para se apod er
ar das pérolas.

Não pod e m o s acreditar na palavra da enfer m eira; ela fará o possív el para prote g e r a família.

Poirot inclinou a cab e ç a . Estava muito ocup a d o a revirar as pérolas nos ded o s , exa min a n d o- as
contra a luz.

- Na minh a opinião, pod e m o s acreditar que esta parte da história, referent e à velha, é verda d eira.

Ela espreitou pela porta da cabina e viu Rosalie. Mas não creio que tenha ouvido coisa algu m a na cabina
de Mistress Doyle. Com certez a estav a apen a s a espr eitar, ante s de ir surripiar as pérolas.

- Então Rosalie estav a no tom b a dilh o?

- Sim; atirand o à água o sortido de be bid a s da mã e.

Race aba n o u a cab e ç a , co m ar de pena.

- Então é isso! Duro para uma pes s o a tão nova.

- Sim; a vida não tem sido muito alegr e para cette pauvre petite Rosalie.

- Estou conte nt e por tere m sido dissipad a s as dúvida s. Ela não ouviu ou viu coisa algu m a?

- Fiz-lhe es s a pergunta. Respon d e u- m e (depois de um intervalo de vinte seg un d o s!) que não vira
ningu é m .

- Oh! - excla m o u Race subita m e nt e alerta.

- Sim, é significativo.

- Se Linnet foi ass a s si n a d a à uma e dez, ou a qualqu er hora dep oi s, e m que havia silêncio no navio,
ach o extraordinário que ningu é m tenha ouvido

o tiro - obs erv o u Race. - Concord o que aqu el e revolv erzinh o não faria muito barulho, ma s hav eria

co m pl et o silêncio a bord o, e qualqu er ruído, m e s m o um estalo, seria ouvido. Mas co m e ç o a co m


pr e e n d e r m elh or. A cabina contígua à de Mistress Doyle, na parte da frente, estav a des o c u p a d a ,
uma vez que Simon se ach a v a na do m é dic o. A outra, atrás, é de Miss Van Schuyler, que é ligeira m e
nt e surda. Isto deixa apen a s ...

Fez uma paus a, fitando Poirot.

- A cabina peg a d a à dela, do outro lado do navio, isto é, a de Pennington. Parec e- m e que volta m o s se
m pr e a Pennington.
- Voltare m o s a ele daqui a pouc o, ma s se m luvas de pelica! Ah, sim, vou proporci on ar a mi m m e s m
o esta satisfaç ã o! - excla m o u Poirot.

- Neste m ei o temp o, é m elh or continuar m o s a revistar o navio. O colar servirá de des c ulpa, e m b o r
a já tenha sido dev olvid o, pois Miss Bowers co m toda a certez a não irá propalar o facto.

- Ah, estas pérolas! - diss e Poirot, exa min a n d o - as mais uma vez contra a luz.

Pass ou a língua sobr e elas, ch e g a n d o m e s m o a m ord er uma. Depois largou- as sobr e a m e s a ,


suspirand o.

- Mais co m plica ç õ e s , m eu amig o - diss e ele. - Não sou perito no assunto, ma s, na épo c a das minha
s actividad e s , lidei muito co m jóias, e conh e ç o mais ou m e n o s o que vejo. Estas pérolas são apen a s
uma boa imitaçã o.

CAPíTULO 21

Race blasfe m o u violenta m e nt e .

- Este maldito cas o está a ficar cad a vez mais co m plica d o - diss e ele, apan h a n d o o colar. - Te m a
certez a de que não se eng a n o u? A mi m parec e- m e verda d eiro.

- Sim, a imitaçã o é perfeita.

- Que significa isto? Quem sab e se Linnet não trazia uma imitaçã o, para viajar mais tranquila m e nt e , co
m o faze m muitas mulh er e s?

- Se foss e ess e o cas o, o marido provav el m e nt e estaria inform a d o .

- Talvez não lhe tives s e contad o.

Poirot aban o u a cab e ç a , des c o nt e nt e.

- Não, não creio. Naquela primeira noite, a bord o, ad mirei as pérola s de Mistress Doyle, o oriente, o
brilho maravilho s o . Tenh o a certeza de que era m verda d eira s.

- Isso sug er e- nos duas possibilidad e s . Primeiro: que Miss Van Schuyler roub ou a imitaçã o, dep ois de
o colar verda d eiro ter sido roub a d o por outra pes s o a . Segund o: que aqu el e neg ó ci o de clepto m a
ni a é treta. Ou Miss Bowers é uma ladra, e inventou a história, procurand o alienar as nos s a s susp eitas
co m a entre g a da imitaçã o, ou o band o está todo de acord o. Isto é: trata- se de uma autêntica quadrilha,
quer e n d o pass ar por uma família am eric a n a.

- Talvez. É difícil sab er - diss e Poirot. - Mas cha m o a sua atenç ã o para um ponto. Uma imitaçã o, co m
fech o e tudo o mais, perfeita a ponto de eng a n ar Mistress Doyle, não pod eria ter sido feita à pres s a.

A pes s o a que copiou as pérolas dev e ter tido oca si ã o de exa min ar cuidad o s a m e n t e as verdad eira
s.

Race ergu e u- se.

- É inútil continuar a fazer conje ctura s. Vamo s para diante. Te m o s que enc o ntrar o colar verdad eiro,
ficand o ao m e s m o temp o de olho s ab erto s.

Primeiro, revistara m as cabina s do tom b a dilho inferior.

A de Richetti continha vários trabalh o s sobr e arqu e ol o gi a, e m divers a s língua s; inúm er a s roupas;
loçõ e s para o cab el o, de perfum e intens o; duas cartas - uma, de uma expe di ç ã o arqu e ol ó gi c a na
Síria, e outra,

pelo que pare cia, de uma irmã que vivia e m Roma.


Todo s os lenç o s era m de sed a de cor.

Pass ara m e m se g uida para a cabina de Fergus o n.

Literatura co m u nista; vários instantân e o s ; Erezvh o n, de Samu el Butler; uma ediçã o barata de Pepys

Diary. O guarda- roupa não era muito vasto - as roupas de cima geral m e nt e rotas e sujas, as de baixo,
pelo contrário, de muito boa qualidad e. Lenço s caros, de linho.

- Interes s a nt e discrep â n ci a - mur mur ou Poirot.

- É es quisito não hav er nada de pes s o al, nenhu m a carta, docu m e n t o ou coisa parecid a.

- Sim, dá que pens ar. Um sujeito engra ç a d o , este Fergus o n.

Poirot exa min o u, pens ativo, um anel co m sinet e, guardan d o- o e m se g uida na gav et a ond e o enc o
ntrara.

Dali fora m para a cabina de Louise Bourget.

A criada costu m a v a tom ar as suas refeiç õ e s dep ois dos outros pass a g eir o s, ma s Race dera ord e m
para que ela foss e reunir- se aos outros.

Um dos criado s veio procurá- lo.

- Desculpe- m e, senh or, ma s não con sig o enc o ntrar aqu el a rapariga. Não poss o sab er para ond e foi.

Race espreitou para dentro da cabina de Louise.

Estava vazia.

Fora m para o tom b a dilho de pass ei o, e co m e ç a r a m a busc a nas cabina s a estibord o. A de


Fanthorp era a prim eira. Aqui, perfeita ord e m . Mr. Fanthorp não trazia grand e bag a g e m , ma s tudo o
que tinha era de boa qualidad e .

- Nenhu m a carta - co m e nt o u Poirot. - Este Mister Fanthorp tem o cuidad o de destruir a sua corre sp o
n d ê n ci a.

Em seg uid a, fora m para a cabina de Tim Al erton.

Havia ali sinais de uma m e ntalidad e de anglo -católico - um pequ e n o tríptico e um grand e terço de ma
d eira trabalha d a.

Além das roupa s de uso pes s o al, enc o ntrara m um manu s crito inco m pl et o, muito anotad o e rabisc a
d o , e uma boa cole c ç ã o de livros, quas e todo s de rec e nt e publicaç ã o . Havia tam b é m uma grand e
quantidad e de cartas num a gav eta.

Poirot, que nunc a

tivera escrúpulo de ler a corre sp o n d ê n ci a alheia, pass o u uma vista de olho s por elas. Notou que não
havia nenhu m a de Joana Southw o o d .

Apanhou um tubo de sec c otin e, exa min a n d o - o co m ar distraído, dep ois diss e:

- Vamos continuar.

- Nada de lenç o s de Woolworth - obs erv o u Race, tornand o a pôr num a gav eta o que dali tirara.

A seg uir, vinha a cabina de Mrs. Al erton. Muito be m arrum a d a; no ar, um suav e perfum e de lavand
a...
A busc a terminou logo. Race co m e nt o u, ao sair:

- Uma senh or a corre cta, esta.

A seg un d a cabina era a que Simon Doyle usav a co m o vestiário.

As coisa s de primeira nec e s si d a d e , co m o pijam a s e obje ct o s de toilette, tinha m sido levad o s


para a cabina de Bessn er, ma s o resto ficara ali. Duas mala s de coiro de bo m tam a n h o e uma mala-
arm ário. No arm ário, havia tam b é m algu m a s roupas.

- Vamos exa min ar tudo co m cuidad o, m e u amig o

- diss e Poirot. - É be m prováv el que o ladrão tenha es c o n did o aqui as pérolas.

- Acha?

- Sim, sim. Pens e be m! O ladrão, seja ele que m for, devia sab er que ced o ou tarde iríam o s fazer uma
busc a e que seria loucura esc o n d e r o colar na sua própria cabina. Os lugare s público s apres e nt a m
outras dificuldad e s , ma s aqui está uma cabina que não pod er á ser visitada pelo don o. E, portanto, se o
colar for enc o ntrad o

aqui, ficare m o s na m e s m a .

Mas, por mais que procura s s e m , nada enc o ntrara m .

Poirot soltou uma excla m a ç ã o des c o nt e nt e e mais uma vez saíra m para o tom b a dilh o.

A cabina de Linnet fora fech a d a, dep ois de o corpo ser rem o vid o, ma s Race trouxera a chav e.

Entrara m. A não ser pela aus ê n ci a do corpo, estav a tudo exacta m e n t e co m o de man h ã.

- Poirot, se há algu m a coisa para ser des c o b e rt a aqui, pelo am or de Deus, des cu br a- a! - excla m o u
Race. - Ningué m mais co m p et e nt e do que voc ê, tenh o a certeza disso.

- Desta vez não se refere às pérolas, mo n ami?

- Não. O crim e é mais important e. É possív el que algu m a coisa m e tenha esc a p a d o hoje de man h ã.

Calma m e nt e , co m m ét o d o e habilidad e, Poirot co m e ç o u a busc a.

Pôs- se de joelho s e exa min o u o soalh o, palm o a palm o. Em seg uida a ca m a. Depois o arm ário, as
gav et a s da có m o d a , a mala- arm ário, as duas finas mal eta s.

Conc e ntrou- se finalm e nt e no lavatório.

Vários cre m e s , pós, loçõ e s . Mas a única coisa que pare c e u intere s s ar Poirot fora m dois frasc o s,
co m a etiqu eta

"Nailex". Tirou- os da prateleira e levou- os para a m e s a de toilette. Um dele s, co m o rótulo "Nailex


Rose", estav a vazio, a não ser uma ou duas gotas de um líquido rubro, no fundo. O outro, do m e s m o
tama n h o , ma s rotulad o "Nailex Cardinalv, estav a quas e chei o. Poirot des arrolh o u- os a am b o s ,
cheirand o- os co m cuidad o e delicad e z a .

Um cheiro de pêra invadiu a cabina. Com uma careta, o dete ctiv e rolhou os frasc o s.

- Desc o briu algu m a coisa? - perguntou Race.

Poirot replicou co m um prov ér bi o franc ê s:

- On ne prend pas les mou c h e s ave c le vinaigre.


Depois acre s c e nt o u, co m um sorriso:

- Meu amig o, não tive m o s sorte. O ass a s sin o não foi gentil. Não deixou cair as aboto a d ur a s, a
ponta do cigarro, a cinza do charuto ou, no cas o de se tratar de uma mulh er, o lenç o, o bâton, o ganc h o
do cab el o.

- Som e nt e o frasc o de verniz para unha s?

Poirot enc ol h e u os om br o s, dizend o:

- Tenh o que perguntar à criada. Há aqui uma coisa... sim, uma coisa muito curios a.

- Onde diab o foi ela m et er- se?

Saíra m, fechara m a porta e fora m para a cabina de Miss Van Schuyler.

Ali, tamb é m , todo s os sinais de luxo - tudo e m perfeita ord e m .

A cabina seg uinte era a cabina dupla, ocupa d a por Poirot; a seg uir vinha a de Race.

- Pouco prováv el que o tenha m esc o n di d o num a desta s - diss e Race. Poirot não con c ord o u.

- É possív el. Certa vez, no Express o do Oriente, tive que investig ar um ass a s sí ni o. Havia o mistério de
um quim o n o ver m el h o . Tinha des a p ar e ci d o, e no entanto devia estar no co m b o i o. Achei- o...
imagina ond e?...

Na minha própria mal eta, fech a d a à chav e! Ah, ma s que impertinên ci a!

- Bom, veja m o s se algué m foi impertinent e consig o ou co mi g o desta vez.

Mas nada enc o ntrara m . Em seg uid a, revistara m a cabina de Miss Bowers, co m igual resultad o. Os
lenç o s ali, era m simple s, de linho co m uma inicial, apen a s.

A seg uir, a cabina das duas Otterbourn e s. Tam b é m aqui Poirot foi m eticulos o , ma s se m resultad o
algu m.

Logo dep ois entrara m na cabina de Bessn er. Ao lado de Simon, estav a uma band eja co m co mid a e m
que

ele não tocara.

- Sem apetite - des c ulpou- se Simon.

Parecia febril, mais do e nt e do que no princípio do dia. Poirot co m pr e e n d e u a ansi ed a d e de Bessn


er e m levá- lo o mais depre s s a possív el para um hospital.

O dete ctiv e explicou o que ele e Race estav a m a fazer e Simon inclinou a cab e ç a co m ar aprov a d or.
Manifestou grand e surpre s a quand o soub e que as pérola s havia m sido dev olvida s por Miss Bowers, e
que era m falsas.

- Te m a certez a abs oluta, Mister Doyle, de que sua esp o s a não tinha um colar falso, que trouxe e m
lugar do verdad eiro?

Simon aba n o u enfatica m e n t e a cab e ç a .

- Oh, tenh o a certez a. Linnet adorav a aqu el e colar e usav a- o e m toda a parte. Estava no seg ur o e ach
o que por isso ela se despr e o c u p a v a um pouc o.

- Precisa m o s entã o continuar a nos s a busc a.

Poirot abriu as gav eta s. Race atac o u uma das mala s.


Simon fitou- os, ad mirad o, e perguntou:

- Oiça m, não susp eita m do velho Bessn er, não é verdad e ?

Poirot enc ol h e u os om br o s, replicand o:

- Porqu e não? Que sab e m o s nós dele? Som e nt e o que ele próprio nos contou.

- Mas ele não pod eria esc o n d e r aqui o colar, se m que eu...

- Não pod eria esc o n d e r hoje, se m que o senh or o perc e b e s s e . Mas a substituiçã o pod e ter sido
feita há muitos dias.

- Não pens ei niss o.

A busc a foi improfícua.

Agora, a cabina de Pennington. Os dois ho m e n s levara m algu m temp o a exa min ar co m cuidad o o
conteú d o de uma pasta - vários docu m e nt o s que exigia m a assinatura de Linnet.

Poirot co m e nt o u e m tom lúgubre:

- Tudo aci m a de qualqu er susp eita. Não é tam b é m a sua opinião?

- Sem dúvida. Mas o ho m e m não é nenhu m idiota. Se houv e s s e aqui algu m docu m e nt o co m pr o
m e t e d o r, uma procura ç ã o , ou coisa pare cid a, é mais do que certo que o teria destruído imediata m e
n t e apó s o crim e.

- Te m razão.

Poirot tirou da gav et a de cima da có m o d a um pes a d o Colt, exa min o u- o, guardan d o- o nova m e n
te.

- Então ainda há gent e que viaja arm a d a! - mur mur ou ele.

- Sim, significativo, talvez. Mas Linnet não foi ass a s si n a d a co m uma arm a dest e calibre. - Race fez
uma paus a e dep oi s diss e: - Sabe uma coisa? Tenh o

procurad o uma resp o st a à sua obs erv a ç ã o sobr e o revólv er atirado ao rio. Suponh a m o s que o ass a
s sin o o tenha deixad o na cabina, e que outra pes s o a o deitou fora?

- Sim, é possív el. Tam b é m pens ei niss o. Mas dá ens ej o a várias perguntas.

Quem era es s a se gu n d a pes s o a ? Que

intere s s e tinha e m prote g e r Jacqu elin e? Que estav a lá a fazer? A única pes s o a que nós sab e m o s
que entrou na cabina de Linnet foi Miss Van Schuyler.

Acha possív el ela ter tirado o revólv er? Que m otivo tem para prote g e r Jacqu elin e? E no entanto... que
outro motivo pod e existir para a rem o ç ã o da arm a?

Race sug eriu:

- Talvez a velha tenha reco n h e ci d o a sua éch arp e, ficass e assu stad a e atirass e tudo fora.

- A éch arp e, talvez. Mas a arm a? Concord o, no entanto, que talvez seja uma soluçã o . Mas é pouc o
subtil, bon Dieu, é pouc o subtil. E voc ê ainda não perc e b e u uma coisa a resp eito da éch arp e...

Quando saíra m da cabina de Pennington, Poirot propô s que Race continuas s e a revistar as que faltava m,
de Jacqu eline, de Cornélia, e duas des o c u p a d a s , enqu a nt o ele ia conv er s ar co m Simon Doyle.
Voltou entã o para a cabina de Bessn er.

Simon diss e, ao vê- lo entrar:

- Oiça, estive a reflectir. Tenh o a certez a de que o colar de onte m à noite era o verda d eiro.

- Porqu e diz isso, Mister Doyle?

- Porqu e Linnet... - ele contraiu- se ligeira m e nt e ao pronunciar o no m e da esp o s a - estev e a acariciá-


lo pouc o antes do jantar e faland o sobr e ele. Entendia de jóias. Tenh o a certez a de que teria perc e bid o,
se foss e falso...

- Em todo o cas o, era uma boa imitaçã o. Diga- m e uma coisa: Mistress Doyle estav a habituad a a sep ar
ar- se do colar? Emprestou- o algu m a vez a uma amig a, por exe m pl o?

Simon corou, ligeira m e nt e con stran gid o.

- O senh or sab e , Mister Poirot, é- m e difícil resp o n d e r...

eu... o sen h or co m pr e e n d e , não havia muito temp o que eu conh e ci a Linnet.

- Ah, não; foi um rom a n c e rápido, o seu.

Simon continuou:

- E, portanto, não podia estar a par de uma coisa des s a s . Mas Linnet era muito gen er o s a . Não duvido
de que isso tenha aco nt e cid o.

Poirot diss e e m voz muito suav e:

- Por exe m pl o, nunca e mpr e st o u o colar a Made m oi s ell e de Bel efort?

- Que quer dizer co m isso? - excla m o u Simon, coran d o violenta m e nt e . Tentou sentar- se, teve uma
contrac ç ã o de dor e caiu de nov o sobr e a ca m a . - Que pretend e insinuar? Que Jackie roub ou o colar?

Não foi ela. Juro que não. Jackie é hon e st a co m o ningu é m . É

ridículo supor que é ladra... co m pl eta m e n t e ridículo.

Poirot fitou- o co m os olhos brilhante s.

- Oh, lá lá lá! - excla m o u inesp er a d a m e n t e . - Parec e que fui m ex er num vesp eiro.

- Jackie é hon e st a!

Poirot lem br o u- se de uma voz de mulh er, e m Assuão, à beira do Nilo, dizend o: "Amo Simon... e ele
am a- m e. "

Ficara conje cturan d o qual das três ass er ç õ e s que ouvira naqu el a noite era a verda d eira. Parecia- lhe
ag ora que fora Jacqu elin e que m mais se aproxi m ar a da verda d e .

A porta abriu- se e Race apare c e u .

- Nada - diss e e m tom brusc o. - Bom, era o que esp er á v a m o s . Vejo que os criado s vê m para nos
contar o resultad o da busc a, no salã o.

Um ho m e m e uma mulh er apare c e r a m à porta.

O ho m e m foi o prim eiro a falar.

- Nada, senh or.


- Algum dos ho m e n s fez opo siç ã o ?

- Som e nt e o italiano. Falou muito sobr e isso.

Disse que era uma verg o n h a... qualqu er coisa nes s e gén er o. E tinha um revólv er.

- Que esp é ci e de revólv er?

- Automático. Mauser 25, senh or.

- Os italiano s são nervo s o s - co m e nt o u Simon.

- Richetti fez um barulho dos diab o s e m Uadi Halfa, só por caus a de um telegra m a errad o. Foi muito
gros s eir o co m Linnet.

Race voltou- se para a criada das cabina s, uma mulh er forte e bonita.

- Nada, nas sen h or a s - declarou ela. - Toda s protestara m , a não ser Mistress Al erton, que não podia ter
sido mais gentil. Nem m e s m o sinal do colar!

Por pens ar nisto, Miss Rosalie Otterbourn e tem um revolv erzinh o na bolsa.

- De que tipo?

- Pequ e nin o, co m cab o de madr e p ér ol a. Mais pare c e um brinqu e d o .

Race teve um sobr e s s alto.

- Maldito cas o! Pens ei que ela estive s s e livre de qualqu er susp eita. Porque será que toda a gent e, nest
e navio anda co m revólv er de cab o de madr e p ér ol a?

Voltou- se para a mulh er e perguntou:

- Mostrou- se ab orre cid a quand o voc ê des c o b riu o revólv er?

A criada aba n o u a cab e ç a e resp o n d e u:

- Não creio que tenha perc e bi d o. Eu estav a de costa s, quand o exa min ei a bolsa.

- De qualqu er man eira, ela devia sab er que o revólv er seria enc o ntrad o. Oh, bo m, não sei o que pens
ar. E quanto à criada?

- Batem o s o navio todo à procura dela, sen h or, e não cons e g ui m o s enc o ntrá- la.

- De que se trata? - perguntou Simon.

- Louise Bourget, a criada de Mistress Doyle, des a p ar e c e u .

- Desapar e c e u ?

Race diss e co m ar pens ativo:

- É possív el que o colar tenha sido roub a d o por ela. É a única pes s o a que pod eria ter con s e g uid o
uma imitaçã o.

- E dep ois, quand o perc e b e u que iam revistar o navio, atirou- se ao rio - sug eriu Simon.

- Tolice! - replicou Race e m tom irritado. - Ningué m pod e atirar- se de um navio co m o este e m pleno
dia, se m que algu é m dê por isso! Ela dev e estar aqui.

Houve uma paus a, dep oi s Race perguntou à criada:


- Quando foi que Louise foi vista pela última vez?

- Mais ou m e n o s m eia hora ante s de tocar e m a sineta do alm o ç o .

- Vamos exa min ar a sua cabina. Talvez enc o ntre m o s aí algu m indício.

Race des c e u para o tom b a dilh o de baixo, aco m p a n h a d o por Poirot. Abriram a porta da cabina e
entrara m .

Louise Bourget, que tinha por obriga ç ã o con s erv ar e m orde m as coisa s dos outros, não pare cia muito
ord en a d a no que era seu. Em cima da có m o d a havia uma confus ã o de obje ct o s, a sua mal eta estav
a ab erta, co m roupas caída s para fora, impe dind o- a que se fech a s s e , e nas cad eira s estav a m

pous a d a s algu m a s roupa s de baixo.

Poirot exa min o u as gav et a s da có m o d a e Race a mal eta.

Os sapato s de Louise estav a m alinhad o s perto da ca m a. Um dele s, de verniz preto, pareci a des c a n s
a r num ângulo muito es quisito, quas e se m apoio. Tão extraordinário aquilo que cha m o u a aten ç ã o de
Race.

Race fech o u a mal eta e inclinou- se sobr e os sapato s.

Soltou uma brusc a excla m a ç ã o . ..

Poirot voltou- se viva m e nt e para ele e perguntou

- Qu'est- ce qu'il y a?

Race resp o n d e u so m bria m e n t e :

- Ela não des a p ar e c e u . Está aqui, deb aixo da ca m a..

CAPíTULO 22

O corpo se m vida de Louise Bourget estav a no chã o da cabina. Os dois ho m e n s inclinara m- se para o
exa min ar.

Race foi o prim eiro a ergu er- se.

- Morta há mais de uma hora, creio eu. Bessn er terá que dar o seu parec er. Apunhalad a no cora ç ã o .

Morte instantân e a , co m certeza. Não está nada bonita, não é verda d e ?

- Não - resp o n d e u Poirot, estre m e c e n d o ligeira m e nt e .

O rosto m or e n o e felino estav a convulsion a d o num a expre s s ã o de surpre s a e fúria - os lábios ab


erto s, m o strand o os dent e s.

Poirot inclinou- se nova m e n t e , ergu e n d o a mã o direita da m orta. Abriu-lhe os ded o s, que ainda ag
arrav a m qualqu er coisa. Entreg ou a Race um ped a cinh o de papel de um tom rosa- lilás e perguntou:

- Sabe o que é?

- Dinheiro.

- O canto de uma nota de mil franc o s, creio eu.

- Bom, não há dúvida quanto ao que acont e c e u - diss e Race. - Ela sabia algu m a coisa, e estav a a
explorar o ass a s si n o. Bem notá m o s nós que ela não estav a a ser muito
sinc er a hoje de man h ã!

- Te m o s sido idiotas... imb e ci s! - excla m o u Poirot. -

Devía m o s ter co m pr e e n di d o... nes s e mo m e n t o .

Que foi que ela diss e? Com o pod eria eu ver ou ouvir algu m a coisa! Eu estav a no tom b a dilh o de
baixo. Claro que, se não tives s e sentido son o, se tives s e subido as es c a d a s , talvez tives s e visto o
ass a s sin o, ess e mo n stro, entrar ou sair da cabina da sen h or a; ma s co m o não foi assi m..." Claro que
foi o que aco nt e c e u! Ela subiu. Viu algué m

es g u eiran d o- se para a cabina de Linnet, ou saind o de lá. E, por caus a da sua gan â n ci a, da sua insen
s at a ganâ n ci a, jaz aí ag ora!

- E esta m o s long e de sab er que m a matou - diss e Race, aborre cid o.

Mas Poirot aban o u a cab e ç a , dizend o:

- Não, não... Sabe m o s muito mais ag ora. Sabe m o s . .. quas e tudo. Parec e incrível... e no entanto dev e
ter sido assi m. Mas não co m pr e e n d o . .. Ah! Que idiota fui hoje de man h ã! Achá m o s ... ach á m o s
que Louise estav a a ocultar- nos algu m a coisa, e não perc e b e m o s a caus a de tudo: chanta g e .

- Deve ter exigido algu m dinh eiro imediata m e n t e

- diss e Race. - Com am e a ç a s . O ass a s si n o foi obrigad o a ced er, pag a n d o- a e m dinh eiro franc ê
s. Algum indício?

- Não o creio. Muita gent e traz e m viag e m uma res erv a de dinh eiro, libras, dólare s, e tam b é m franco
s.

Com certeza o ass a s sin o deu- lhe tudo o que tinha, e m m o e d a de vários país e s. Vamo s continuar.

- O ass a s sin o entrou aqui, deu- lhe o dinh eiro e dep ois...

- Depois, ela contou o dinheiro - terminou Poirot. - Oh, sim, conh e ç o ess e tipo. Ela contaria o dinh eiro,
e ao fazê- lo estaria distraída. O ass a s sin o atac o u. Tend o con s e g ui d o matá- la, agarrou o dinheiro e

fugiu... se m notar que ficava o canto de uma nota.

- Talvez seja possív el identificá- lo por aí - diss e Race, se m grand e convicç ã o .

- Duvido. Ele exa min ar á as notas e notará o rasg ã o. Claro que, se foss e um sujeito avar e nt o, não teria
cora g e m de destruir uma nota de mil franco s; ma s acre dito que seja um tipo co m pl et a m e n t e
diferent e.

- Porqu e diz isso?

- Tanto este crim e co m o o de Mistress Doyle exig e m certas qualidad e s : corag e m , audá ci a, pres e n
ç a de espírito, rapidez; qualidad e s que não condiz e m co m um temp er a m e n t o prudent e, ec o n ó m i
co.

Race aba n o u a cab e ç a , des a ni m a d o .

- Vou man d ar cha m a r Bessn er.

O exa m e m é di c o não durou muito. Com uma profusã o de Achs, Sos e outras excla m a ç õ e s , Bessh
er pôs mã o s à obra.

- A m orte não oc orr eu há mais de uma hora - declarou ele. -

Foi rápida, instantân e a .


- Que arm a ach a o senh or que foi usad a?

- Ach, isto é intere s s a nt e. Alguma coisa muito afiada, muito fina, muito delicad a. Poss o m o strar- lhes
de que tipo.

Fora m todo s para a cabina de Bessn er. O m é di c o abriu uma mala pequ e n a , tirando dali uma esp é ci
e de bisturi long o e fino.

- Alguma coisa neste gén er o, m e u amig o. Não uma faca co m u m de m e s a .

- Espero que nenhu m dos seus instrum e nt o s...

lhe falte, doutor? - perguntou Race suav e m e n t e .

Bessn er enc ar o u- o; uma ond a de sang u e subiu- lhe ao rosto.

- Que diz? - excla m o u indignad o. - Acha que eu, Carl Bessn er, tão conh e ci d o e m toda a áustria, eu,
co m a minha clínica, os m eu s aristocrático s cliente s...

eu tenha mata d o uma mis er áv el fem m e de cha m b r e! Ah, ma s é ridículo, absurd o o que diz! Nenhu
m dos m eu s instrum e nt o s m e falta, nenhu m , garanto- lhe. Estão todo s aqui, nos seus lugare s.
Verifique o sen h or m e s m o .

Não m e es qu e c e r ei dest e insulto à minh a profissã o.

Bessn er fech o u a caixa brusc a m e n t e , atirou- a para cima de uma cad eira e pass o u furioso para o
tom b a dilho.

- Uf! - excla m o u Simon - o velho ficou furioso!

- É lam e ntá v el - diss e Poirot, enc olh e n d o os om br o s.

- Estão eng a n a d o s . O velho Bessn er é uma óptim a criatura, ape s ar de ser m ei o boc h e .

O m é dic o reap ar e c e u subita m e nt e .

- Quere m ter a bond a d e de sair da minha cabina?

Tenh o de fazer o curativo à perna do do e nt e.

Miss Bowers entrara dep ois dele, e esp er a v a, corre cta e profission al, que os outros se retirass e m .

Race e Poirot ob e d e c e r a m vag ar o s a m e n t e . Race mur mur ou qualqu er coisa e pass o u à frente.

Poirot voltou à es qu er d a.

Ouviu voz e s feminina s, uma garg alh a d a ... Jacqu eline e Rosalie conv er s a v a m na cabina desta
última.

A porta estav a ab erta. As rapariga s ergu er a m os olho s quand o a so m br a de Poirot caiu sobr e elas.
Rosalie sorriu para ele pela prim eira vez, um sorriso tímido e am á v el, um tanto incerto, co m o que m
fazia uma coisa co m que não estav a familiarizad a.

- Faland o da vida alheia, m e nina s! - brincou ele.

- Não, nada disso - resp o n d e u Rosalie. - Para falar a verda d e , estáv a m o s a co m p ar ar os noss o s
bâton s.

Poirot sorriu.

- Les chiffons d'aujourd'hui - mur mur ou ele.


Havia algo de forçad o no seu sorriso, e Jacqu elin e, mais perspicaz do que Rosalie, não deixou de notar o
facto. Largou o batôn e pass o u para o tom b a dilh o.

- Alguma coisa... que foi que aco nt e c e u ?

- Acertou, mad e m o i s ell e. Alguma coisa aco nt e c e u .

- Que foi? - perguntou Rosalie, vindo juntar- se a eles.

- Outra m orte - diss e Poirot.

Rosalie ficou um minuto co m a respiraç ã o susp e n s a .

Poirot obs erv a v a- a atenta m e nt e . Viu a expre s s ã o de alarm e , e, mais do que isso, de con st ern a ç
ã o , que por um minuto pass o u pelos olho s dela.

- A criada de Mistress Doyle foi ass a s sin a d a - diss e ele se m rod ei o s.

- Assas sina d a? - excla m o u Jacqu elin e. - O sen h or diss e ass a s si n a d a ?

- Sim, foi isso o que eu diss e.

Embora a resp o st a tives s e sido dad a a Jackie, os olho s de Poirot obs erv a v a m Rosalie. Foi a ela que
se dirigiu e m seg uid a:

- A tal criada viu algu m a coisa que não devia ter visto. E, portanto, rec e a n d o que ela não soub e s s e
guardar se gr e d o , reduzira m- na para se m pr e ao silêncio!

- Que teria ela visto?

A pergunta foi feita de novo por Jackie, e de nov o Poirot resp o n d e u a Rosalie. Interes s a nt e, aqu el a
cen a triangular...

- Quanto a isso, não pod e hav er dúvida - diss e o dete ctiv e. - Deve ter visto algué m entrar ou sair da
cabina de Mistress Doyle, na noite do crim e.

Poirot era obs erv a d o r. Notou a respiraç ã o ofeg a nt e, o estre m e c i m e n t o das pálpe br a s... A reac
ç ã o de Rosalie fora exacta m e n t e a que ele esp er a v a ver.

- Ela diss e que m ? - perguntou Rosalie.

Poirot sacudiu triste m e nt e a cab e ç a .

Ouvira m- se pass o s no tom b a dilho. Cornélia, apare c e u , assu sta d a, de olho s arreg al a d o s .

- Oh, Jacqu elin e, aco nt e c e u uma coisa horrível!

Afastara m- se as duas. Instintiva m e nt e , Poirot e Rosalie tom ar a m a direc ç ã o opo sta.

A jove m perguntou brusc a m e n t e :

- Porqu e m e olha des s a form a? Que é que lhe pass o u pela cab e ç a ?
- A sen h or a fez- m e duas pergunta s. Far- lhe- ei uma só, e m troca, mad e m o i s ell e. Porque não m e
conta a verdad e ?

- Não sei a que se refere. Contei- lhe tudo, hoje de man h ã.

- Não; ne m tudo. Não m e contou que traz na bolsa um revólv er de pequ e n o calibre, co m cab o de madr
e p ér ol a. Não m e contou tudo o que viu a noite pass a d a .

A rapariga corou. Depois diss e sec a m e n t e :

- Não é exa ct o. Não tenh o revólv er nenhu m .

- Insisto e m dizer que tem um revólv er na sua bolsa.

Ela deu uma reviravolta, entrou na cabina e voltou imediata m e n t e , entre g a n d o - lhe co m ge st o
brusc o a sua bolsa de ca m urç a cinzenta.

- Está a dizer absurd o s. Verifique.

Poirot abriu a bolsa. Não havia dentro nenhu m revólv er.

Devolveu- a a Rosalie, notand o a expre s s ã o des d e n h o s a e triunfante do olhar dela.

- Não, não está aqui - diss e ele, be m- hum or a d o .

- Vê? Nem se m pr e tem razão, Monsieur Poirot.

E eng a n a- se sobr e aqu el a coisa ridícula que diss e.

- Não; não o creio.

- O senh or é impo s sív el! - declarou ela, baten d o o pé, indigna d a. - Mete uma ideia na cab e ç a , e vai
baten d o, baten d o se m pr e na m e s m a tecla.

- É porqu e quero que m e diga a verda d e .

- Qual é a verda d e ? O sen h or parec e conh e c ê - la m elh or do que eu.

- Quer que lhe diga o que foi que a senh or a viu?

Se eu ac ertar, está pronta a confe s s ar que ac ertei? Pois be m, vou co m e ç a r. Acho que, quand o deu a
volta pela popa do navio, a sen h or a estac o u subita m e nt e porqu e viu um ho m e m a sair de uma
cabina do centro do tom b a dilh o; a cabina de Mistress Doyle, co m o ficou a sab er no dia se guinte. Viu-
o fechar a porta e afastar- se para o outro lado, entrand o num a das cabina s da extre mid a d e .

E ag ora: ac ertei, mad e m o i s ell e?

Rosalie não resp o n d e u .

Poirot continuou:

- Talvez ach e mais sen s at o não resp o n d e r. Talvez tenha m e d o de, se falar, ser tam b é m ass a s sin
a d a.

Por um mo m e n t o pens o u que ela mord eria a isca - que a acus a ç ã o à sua cora g e m cons e g uiria
aquilo que argu m e nt o s mais subtis não tinha m con s e g ui d o.

Os lábios de Rosalie entre a brira m- se... trem er a m .

- Não vi ningu é m - diss e ela.


CAPíTULO 23

Endireitand o os punho s do vestido, Miss Bowers saiu da cabina do m é dic o.

Jacqu eline aban d o n o u Cornélia brusc a m e n t e e aproxim o u- se da enfer m eira.

- Com o vai ele?

Poirot che g o u a temp o de ouvir a resp o st a. Miss Bowers pare cia preo c up a d a ... Disse:

- Não vai muito mal.

- Quer dizer que piorou? - excla m o u Jacqu eline.

- Bom, não neg o que ficarei mais tranquila dep ois da radiografia, quand o ele estiver num hospital.

Quando ach a que ch e g ar e m o s a Shellâl, Mister Poirot?

- Amanh ã, ced o.

Miss Bowers co m pri miu os lábios e aba n o u a cab e ç a lenta m e nt e .

- É pena. Estam o s a fazer o possív el, ma s há se m pr e o perig o de uma septic e mi a.

Jacqu eline ag arrou o braç o da enfer m eira, excla m a n d o :

- Ele vai m orrer? Vai morrer?

- Céus, não, Miss de Bel efort. Isto é, esp er o real m e nt e que não. O ferim e nt o e m si não é perig o s o .

Mas não há dúvida quanto à nec e s si d a d e de uma radiografia. E, naturalm e nt e, o pobr e Mister Doyle
dev e ficar hoje e m repou s o abs oluto. Com toda esta agitaç ã o ... não

é de ad mirar que a febre tenha subido.

O cho q u e da morte da mulh er, e uma e outra coisa...

Jacqu eline largou o braç o da enfer m eira e afastou- se, indo debruç ar- se na amura d a.

- Na minh a opinião, nunca se dev e perd er a esp er a n ç a - diss e Miss Bowers. - Felizm e nt e, Mister

Doyle tem uma óptima con stituiçã o, e isto é um ponto a seu favor. Mas não há dúvida que esta alta de
temp er atura caus a preo cup a ç õ e s . ..

Abanou a cab e ç a , ac ertou os punh o s mais uma vez e afastou- se e m pass o s rápidos.

Com os olho s chei o s de lágrima s, Jacqu elin e dirigiu- se, ca m b al e a nt e, para a sua cabina. Sentiu
que algu é m a ajudav a a firmar- se. Voltou- se e deu co m Poirot. Apoiou- se a ele e entrara m juntos na
cabina.

Jacqu eline sentou- se na ca m a , e as lágrim a s correra m- lhe entã o livre m e nt e, aco m p a n h a d a s


de soluç o s.

- Ele vai m orrer. Vai m orrer. Sei que vai morrer.

E fui eu que o mat ei...

Poirot enc ol h e u os om br o s, co m ar tristonh o.

- Made m oi s ell e, o que está feito está feito. É tarde de mais para arrep e n di m e nt o s .
Jacqu eline excla m o u , apaixon a d a m e n t e :

- Se ele morrer, a culpa será minh a. Eu!. .

E am o- o tanto, tanto...

- De mais... - suspirou Poirot.

O pens a m e n t o oc orr era- lhe m e s e s antes, no restaurant e de M. Blondin, e era ainda ess a a sua
opinião.

Após ligeira hesitaç ã o , continuou:

- Mas não se fie no que diz Miss Bowers. Achei se m pr e as enfer m eira s muito lúgubr e s! A enfer m eira
da noite ad mira- se se m pr e de enc o ntrar o do e nt e vivo, ao anoite c er, e a enfer m eira do dia fica ad
mirad a por enc o ntrá- lo vivo na man h ã se guinte! Elas conh e c e m a fundo, co m pr e e n d e , as co m
plica çÕ e s que pod e m sobr e vir. Uma pes s o a que guia um carro pod eria imaginar: se um road st er
saíss e daqu el a encruzilhad a, se aqu el e ca mi ã o se lem bra s s e de repent e de fazer march a atrás, se a
direc ç ã o do carro que se aproxim a se partiss e, se um cão saltas s e daqu el a cerc a e m cima do m e u
braç o; eh bien co m certez a eu morreria. Mas a

gent e supÕe, e geral m e nt e co m razão, que nenhu m a des s a s coisa s acont e c e r á e que a viag e m
terminará se m incident e s.

Jacqu eline diss e, sorrindo por entre as lágrim a s:

- Procura cons ol ar- m e, Monsieur Poirot?

- Deus sab e o que tento fazer! A senh or a não devia ter feito esta viag e m .

- Te m razão... Te m sido... horrível! Mas está quas e terminad a.

- Mais oui... Mais oui.

- E Simon irá para o hospital e será be m tratad o, e tudo se arranjará.

- Fala co m o uma crianç a! E vivera m para se m pr e felizes. É isto, não é?

A rapariga corou.

- Monsieur Poirot, garanto- lhe que nunca...

- "É ced o de mais para pens ar m o s nisso!" É a frase hipócrita que devia ter dito, não é verdad e ? Mas a
sen h or a é m ei o latina, ma d e m o i s e ll e. Deve sab er reco n h e c e r a verdad e , m e s m o quand o
não é muito eleg a nt e. Le roi est mort...

vive le roi! O Sol es c o n d e u- se, já se vê a Lua. É isto, não é?

- O senh or não co m pr e e n d e . Ele tem apen a s dó de mi m, porqu e sab e co m o m e sinto por ser a
caus a d or a de todo o seu sofrim e nt o.

- Ah, bo m, a pieda d e sinc er a é um nobr e sentim e nt o -

declarou Poirot.

Fitou- a co m ar m ei o zo m b e t eiro, e m que havia tam b é m outra expre s s ã o . Murmurou baixinho, e


m franc ê s: La vie est vaine

Un peu d'a m o ur

Un peu de haine
Et puis bonjour.

La vie est brèv e

Un peu d'esp oir

Un peu de rêve

Et puis bon s oir.

O dete ctiv e saiu de nov o para o tom b a dilho. Race, que pass e a v a de borda a borda, cha m o u- o.

- Poirot? óptim o. Tenh o uma ideia.

Pass ou o braç o pelo do dete ctiv e e co m e ç a r a m a ca minh ar juntos.

- A resp eito de um co m e nt ário de Doyle. Oportuna m e nt e , não lhe dei importância. Qualquer coisa
sobr e um telegra m a .

- Tiens... c'est vrai.

- Com certeza não dá nada, ma s não pod e m o s despr ez ar nenhu m indício. Com os diab o s, m e u amig
o, duas m orte s e ainda esta m o s no es curo!

- Não; no escur o não. No claro.

Race fitou- o co m curiosida d e .

- Te m algu m a ideia?

- Agora é mais do que uma ideia. Tenh o a certez a.

- Desd e... quand o?

- Desd e a m orte de Louise Bourget.

- Macaco s m e mord a m se enten d o algu m a coisa!

- Meu amig o, está tudo tão claro, tão claro! Só há certas dificuldad e s . Embarg o s, impe di m e nt o s!
Compr e e n d a - m e: à volta de uma pes s o a co m o Linnet Doyle há tanta coisa... tantos sofrim e nt o
s... ódio, inveja, ciúm e, m e s q uin h e z. Com o um enxa m e de mo s c a s ...

zumbind o... zumbind o.

- Mas ch e g o u a algu m a con clus ã o? - perguntou Race se m pod er conter a curiosidad e . - Sei que não
diria uma coisa des s a s , a não ser que tives s e a certeza.

Quanto a mi m, estou na m e s m a . Tenh o as minha s susp eitas, é claro...

Poirot estac o u subita m e nt e , ag arrand o co m força o braç o de Race.

- Você é um grand e ho m e m , mo n colon el. Não diz: "Conte- m e. Que foi que des c o b riu?" Sabe que,
se pude s s e falar, eu falaria. Há ainda tanta coisa para es clar e c e r! Mas reflicta, reflicta durante alguns
minutos sobr e o que lhe vou dizer. Há certos ponto s... A declara ç ã o de Madem oi s ell e de Bel efort, de
que algu é m ouviu a noss a conv er s a e m Assuão. O dep oi m e nt o de Mister Tim Al erton, sobr e o que
ouviu ou não ouviu na noite do crim e. As significativas resp o st a s de Louise Bourget, hoje de man h ã. O
facto de Mistress Al erton be b e r água, seu filho whisk ey e sod a, e eu vinho.

Acresc e nt e a isto os dois frasc o s de verniz das unha s, e o prov ér bi o que citei na oca si ã o. E, finalm e
nt e, che g a m o s ao ponto culminant e da história: o facto do revólv er ter sido env olvido num lenç o
barato e num a éch arp e de velud o, e atirado ao rio...
Race ficou alguns minutos e m silêncio, dep ois aban o u a cab e ç a .

- Não co m pr e e n d o . Tenh o apen a s uma vag a ideia do que está a insinuar, nada mais.

- É porqu e voc ê está enx erg a n d o apen a s a m eta d e . E lem br e- se de uma coisa: tem o s que co m e
ç a r,

des d e o princípio, pois as noss a s prim eiras deduç õ e s estav a m co m pl eta m e n t e errad a s.

Race fez uma careta.

- Estou habituad o a isso. às vez e s, tenh o a impres s ã o de que é só es s e o trabalh o do dete ctiv e: voltar
atrás, reco m e ç a r!

- Sim, tem razão. E é justa m e nt e isso que muita gent e não quer fazer. Conc e b e m uma teoria e quer e
m que tudo caiba dentro dela. Se algu m a coisa não se enc aixa, afasta m- na se m mais ne m m e n o s .
Mas os factos que não se enc aixa m são justa m e nt e os mais significativos.

Durante todo este temp o, reco n h e ci a importân cia do revólv er ter sido levad o do local do crim e.

Sabia que tinha algu m a significaç ã o , ma s há m ei a hora so m e nt e co m pr e e n di qual era ess a


significaç ã o!

- E eu ainda não vejo nada!

- Mas verá! Reflicta sobr e os ponto s que lhe indiqu ei.

Agora, va m o s solucion ar o proble m a do telegra m a . Isto é, se Herr Doktor nos rec e b e r.

Bessn er rec e b e u - os carrancu d o .

- Que é isto? Quere m ver de nov o o m eu do e nt e?

Garanto- lhes que é uma imprud ê n ci a. Está co m febre, teve um dia muito agitad o.

- Apenas uma pergunta. Nada mais do que isso

- pro m et e u Race.

O m é dic o afastou- se co m um grunhido de des c o nt e nt a m e n t o e os dois ho m e n s entrara m na


cabina.

Bessn er pass o u por eles, res m u n g a n d o qualqu er coisa e diss e:

- Volto daqui a três minutos, o temp o que lhes dou para falare m co m o do e nt e.

Os seus pass o s pes a d o s ress o ar a m no tom b a dilh o.

O olhar de Simon interrog o u os dois ho m e n s .

- Que des ej a m ?

- Uma coisa de nada - diss e Race. - Quando os criado s de bord o m e diss er a m que Richetti se tinha m o
strad o muito des a gr a d á v e l, o sen h or obs erv o u que isso não era de ad mirar, pois o ho m e m tinha
mau géni o, e fora muito gros s eir o co m sua esp o s a , a resp eito de certo telegra m a . Pode contar- nos
o incident e?

- Pois não. Foi e m Uadi Halfa, quand o aca b á v a m o s de voltar da Segund a Catarata. Linnet julgou ter

visto um telegra m a para ela. Esque c e u- se de que o seu no m e já não era Ridge w ay; e Richetti e Ridge
w a y são pare cid o s, quand o escritos e m má caligrafia. Abriu, portanto, o telegra m a , não pod e n d o
enten d ê- lo; nisto, o italiano aproxim o u- se furioso, arranc a n d o - lhe o telegra m a das mã o s. Ela se
guiu- o, para lhe pedir des c ulpa, ma s o ho m e m tratou- a co m muita gros s e ria.

Race respirou profunda m e n t e .

- E o sen h or sab e, Mister Doyle, o que dizia ess e telegra m a ?

- Sei, sim sen h or; Linnet leu um trech o e m voz alta. Dizia...

Interro mp e u- se. Qualquer coisa estav a a aco nt e c e r lá fora...

- Onde estã o Mister Poirot e o coron el Race?

Preciso vê- los imediata m e n t e . É muito importante.

Trag o inform a ç õ e s importante s. Eu. . Estão co m Mister Doyle?

Bessn er não fechara a porta; so m e nt e a cortina se interpunh a entre a cabina e o tom b a dilh o. Mrs.
Otterbourn e afastou- a, entrand o co m o um furacã o. Estava ver m el h a, ca minh a n d o e m pass o
incerto, e a sua voz não era muito firme.

- Mister Doyle, sei que m matou sua esp o s a! - excla m o u ela e m tom dra m átic o.

- Quê?

Simon e os dois outros ho m e n s fitara m- na estup efa ct o s. Mrs.

Otterbourn e lançou- lhes um olhar triunfante. Estava feliz, imen s a m e n t e feliz.

- Sim, a minha teoria está provad a. Instinto primitivo, impulso irresistível... Pode pare c e r impo s sí v el,
fantástico... ma s é verdad e .

Race perguntou brusc a m e n t e :

- Quer dizer que tem e m seu pod er prova s contra a pes s o a que ass a s si n o u Mistress Doyle?

Mrs. Otterbourn e caiu sobr e uma cad eira, aban a n d o enfatica m e nt e a cab e ç a .

- Claro que tenh o. Os sen h or e s con c ord a m , não é verdad e , que a pes s o a que matou Louise
Bourget tam b é m matou Linnet Doyle?

- Sim, sim - diss e Simon e m tom impaci e nt e. - É lógico.

Continue.

- Então não m e eng a n ei. Sei que m matou Louise Bourget, e portanto sei que m matou Linnet Doyle!

- Quer dizer que tem uma teoria a resp eito da m orte de Louise Bourget - diss e Race e m tom céptico.

Mrs. Otterbourn e voltou- se para ele co m o uma fera.

- Não, nada disso. Tenh o a certeza abs oluta. Vi a pes s o a co m os m e u s próprios olho s.

Agitado, febril, Simon pediu:

- Pelo am or de Deus, co m e c e pelo princípio. Sabe que m matou Louise Bourget?

Mrs. Otterbourn e inclinou a cab e ç a .

- Vou contar- lhes exa cta m e n t e o que aco nt e c e u .


Sim, ela sentia- se feliz, se m dúvida nenhu m a! Era aqu el e o seu mo m e n t o de triunfo. Pouco importav
a que os seus livros não tives s e m saída... Pouco importav a que o público que antes os dev or a v a tivess
e ag ora outros predilecto s! Salom é Otterbourn e tornar- se- ia nova m e n t e fam o s a , o seu no m e
apare c e ri a nos jornais... Seria a principal teste m u n h a num crim e de morte!

Respirou profunda m e n t e e abriu a boc a.

- Foi quand o des ci para o alm o ç o . Não tinha vontad e nenhu m a de co m e r... dep ois daqu el a trag é
dia... Bom, este porm e n o r não intere s s a. No m ei o do ca minh o, ocorre- m e que m e es qu e c e r a de
certa coisa na cabina e pedi a Rosalie que foss e busc á- la.

Mrs. Otterbourn e fez uma pequ e n a paus a.

A cortina mov e u- se ligeira m e nt e, co m o que ao toqu e da brisa, ma s nenhu m dos três ho m e n s


notou coisa algu m a .

- Eu. . - Mrs. Otterbourn e parou de novo. Era um assunto delicad o, ma s não podia despr ez ar aqu el e
porm e n o r. - Eu. . tinha uma co m bin a ç ã o co m uma das pes s o a s ... do... hum... pers o n n el do
navio. Esta pes s o a tinha que m e... arranjar certa coisa... e eu não queria que minh a filha soub e s s e . ..
Ela às vez e s é implicant e...

Bom, a história não estav a lá muito be m contad a, ma s dep oi s pod eria pens ar e m qualqu er coisa que
caus a s s e m elh or impre s s ã o nos jurado s.

Race olhou interrog ativa m e n t e para Poirot.

O dete ctiv e inclinou a cab e ç a de man eira imperc e ptív el e os lábios dele form ara m a palavra:
"Bebida".

A cortina mov e u- se nova m e n t e . Aparec e u qualqu er coisa, co m um brilho acinz enta d o de m etal...

Mrs. Otterbourn e continuav a:

- Eu tinha co m bin a d o ir até ao tom b a dilh o da popa abaixo dest e, ond e o ho m e m estaria à minha
esp er a. Ao perc orrer o tom b a dilh o, vi abrir- se a porta de

uma cabina e surgir Louise. Parecia estar à esp er a de algué m .

Ficou surpre e n di d a quand o m e viu, entrand o de novo, brusc a m e n t e , na cabina. Não dei
importânci a ao facto, é claro. Fui até ond e devia ir e rec e bi a... tal coisa, das mã o s do ho m e m . Pagu
ei- lhe e... troqu ei algu m a s palavra s co m ele. Depois voltei. Quando ia a transp or aqu el e ângulo, vi
algu é m bater à porta da cabina da criada e entrar...

Race diss e:

- E es s a pes s o a era...

Bum!

O ruído da explos ã o parec e u ench er toda a cabina.

Cheiro forte de pólvora... Mrs. Otterbourn e virou de lado, co m o que e m atitude indag a d o r a, dep oi s
tom b o u para a frente, baten d o pes a d a m e n t e no chã o. O sangu e jorrava- lhe detrás da orelha...

Houve um mo m e n t o de silêncio estup efa ct o.

Logo e m se guid a, os dois ho m e n s válidos levantara m- se. O

corpo da mulh er atrapalh ou- os um pouc o...


Race inclinou- se sobr e ela, ao pass o que Poirot, co m um pulo de gato, pass a v a para o tom b a dilho.

Vazio. No chã o, be m perto da porta, o revólv er, um Colt.

Poirot olhou de um lado para outro. O tom b a dilh o estav a co m pl eta m e n t e des erto. Dirigiu-se para a
popa.

Ao fazer a curva, deu co m Tim Al erton, que vinha apre s s a d a m e n t e , e m sentido contrário.

- Com os diab o s, que acont e c e u? - perguntou o rapaz, ofeg a nt e.

- Viu algué m , quand o vinha para cá?

- Se vi algu é m ? Não.

- Então, aco m p a n h e - m e.

Poirot se g urou o rapaz pelo braç o e voltou para a cabina de Bessn er.

Havia ag ora um grupo e m frente à porta: Rosalie, Jacqu eline e Cornélia tinha m saíd o das suas cabina s.

Outras pes s o a s vinha m do salã o: Fergus o n, Fanthorp e Mrs. Al erton.

Race postara- se ao lado do revólv er. Poirot diss e brusc a m e n t e a Tim Al erton:

- Te m por aca s o um par de luvas?

Tim rem e x e u no bols o.

- Tenh o, sim - diss e ele.

Poirot agarrou as luvas, calçou- as e baixou- se para exa min ar o revólv er. Race se g uiu- lhe o exe m pl o.
Os outros obs erv a v a m , de respiraç ã o susp e n s a .

- Ele não foi para o outro lado - diss e Race. Fanthorp e Fergus o n estav a m sentad o s no salã o e tê- lo-
iam visto.

- E Mister Al erton tamb é m o teria visto se ele tivess e ido para a popa - declarou Poirot.

Race diss e, apontan d o a arm a:

- Creio que vimo s este revólv er há pouc o temp o... Precisa m o s de nos certificar diss o.

Batera m à porta da cabina de Pennington. Não houv e resp o st a. A cabina estav a vazia... Race foi até à
có m o d a e abriu a gav et a de cima. O revólv er des a p ar e c e r a .

- Este ponto está esclar e cid o - diss e Race. - E ag ora, ond e estará Pennington!

Voltara m para o tom b a dilh o. Mrs. Al erton juntara- se ao grupo. Poirot aproxi m o u- se viva m e nt e ,
dizend o:

- Madam e, leve Miss Otterbourn e daqui, e fique co m ela. Sua mã e foi... - Poirot con sultou Race co m o
olhar e terminou: - ass a s sin a d a.

Bessn er apare c e u , muito afogu e a d o .

- Gott im Himm el! Que suc e d e u?

Abriram ca minh o para ele. Race fez um sinal co m a cab e ç a e o m é di c o entrou na cabina.

- Procure m Pennington - diss e Race. - Há impres s õ e s digitais nes s e revólv er?


- Nada - declarou Poirot.

Encontrara m Pennington no tom b a dilho de baixo, na saleta, a escr e v e r algu m a s cartas. O am eric a n
o levantou o rosto bonito e be m barb e a d o e perguntou:

- Algo de nov o?

- Não ouviu um tiro?

- Agora que m e falam niss o, creio ter ouvido um estrond o qualqu er. Mas nunca imagin ei... Quem levou
o tiro?

- Mistress Otterbourn e.

- Mistress Otterbourn e? - perguntou ele, parec e n d o muito ad mirad o. - Que m e dize m! Mistress
Otterbourn e... Não vejo por que... - Fez uma paus a e

dep ois baixand o a voz: - Quer-m e parec er, sen h or e s , que tem o s a bord o algu m maní a c o . Acho
que dev e m o s organizar um siste m a de defe s a.

- Mister Pennington, há quanto temp o está nesta sala? - perguntou Race.

- Bom, deixe- m e pens ar... - diss e Pennington, coç a n d o o queixo dev a g ar. - Uns vinte minutos, mais
ou m e n o s .

- E não saiu daqui?

- Não... Claro que não - diss e o am eric a n o , fitando os dois ho m e n s co m expre s s ã o indag a d or a.

- Saiba, Mister Pennington, que Mistress Otterbourn e foi ass a s si n a d a co m o seu revólv er - diss e
Race.

CAPíTULO 24

Mr. Pennington ficou esc a n d alizad o, Mr. Pennington mal podia acre ditar naqu el a s palavra s.

- Mas, m eu s sen h or e s , o cas o é muito sério. Realm e nt e muito sério.

- Muito, para o senh or, Mister Pennington.

- Para mim? - excla m o u o am eric a n o ergu e n d o ad mirad o as sobra n c el h a s. - Mas, m eu caro sen
h or, eu estav a aqui, a escr e v e r tranquila m e nt e , quand o ouvi a deton a ç ã o .

- Talvez tenha uma teste m u n h a para provar isso?

O am eric a n o aba n o u a cab e ç a .

- Bom, não... não digo que tenha. Mas vê- se log o que teria sido impo s sív el eu ir até ao tom b a dilh o de
cima, matar aqu el a pobr e mulh er (e que m otivo s tinha eu para isso, afinal de conta s?) e des c e r de
novo, se m que algué m m e viss e. Há se m pr e muita gent e no salão, a esta hora do dia.

- Com o explica o facto de ter sido usad o o seu revólv er?

- Bom, creio que niss o tenh o um pouc o de culpa.

Logo dep ois de term o s vindo para bord o, estáv a m o s conv er s a n d o , no salã o, sobr e arm a s de
fogo, e lem br o- m e de ter dito que quand o viajo trag o se m pr e um revólv er.

- Quem estav a pres e nt e?

- Bom, não poss o lem br ar- m e exa cta m e n t e . Muitas pes s o a s , e m todo o cas o.
O am eric a n o fez uma paus a, aban o u lenta m e nt e a cab e ç a e repetiu:

- Sim, niss o tenh o um pouc o de culpa.

E dep ois:

- Primeiro Linnet, dep ois a criada de Linnet e ag ora Mistress Otterbourn e. Não faz sentido!

- Houve um m otivo - diss e Race.

- Sim?

- Mistress Outterb ourn e ia dizer- nos o no m e de uma pes s o a que ela vira entrar na cabina de Louise.

Antes de o pod er fazer, algu é m a matou.

Pennington enxug o u a testa co m um lenç o de sed a, mur muran d o:

- É horrível!

- Mister Pennington, eu gostaria de discutir certos asp e ct o s dest e cas o con sig o - diss e Poirot. - Quer
vir à minh a cabina daqui a m ei a hora?

- Com muito prazer.

Mas o am eric a n o não pare cia sentir prazer algu m...

Race e Poirot saíra m.

- Um sujeito astuto - obs erv o u Race. - Mas está co m m e d o , he m?

- Não está nada satisfeito, o nos s o Mister Pennington -

con c ord o u Poirot.

Quando ch e g ar a m de nov o ao tom b a dilho de pass ei o, Poirot viu Mrs. Al erton sair da sua cabina,
fazend o- lhe urgent e s sinais.

- Madam e?

- Aquela pobr e m e nina! Diga- m e, Mister Poirot, não há algu m a cabina dupla ond e eu poss a ficar

co m ela? Não conv é m voltar para aqu el a ond e dor mia co m sua mã e , e a minh a só tem um leito.

- Isso é fácil de se arranjar, mad a m e . É muita bond a d e sua.

- Oh, nada, nada. Além do mais, gosto da pequ e n a . Sempr e simpatizei co m ela.

- Está muito... abalad a?

- Muito. Creio que era muito dedic a d a àqu el a horrível mulh er. É isto que torna o cas o tão patético.

Tim ach a que ela be bi a... É verda d e ?

Poirot apen a s inclinou a cab e ç a . Mrs. Al erton continuou, enc ol h e n d o os om br o s:

- Oh, bo m... Pobre mulh er!... Com certez a não dev e m o s julgá- la, ma s Rosalie dev e ter tido uma vida
dura.

- Sim, mad a m e , teve. É muito orgulho s a, e foi se m pr e muito leal.


- Gosto disso... quer o dizer: da lealdad e . É um sentim e nt o que hoje e m dia está fora de m o d a. Tem
um caráct er es quisito, aqu el a m e nina... Orgulhos a, res erv a d a , teim o s a , e no fundo muito afectuo
s a, creio eu.

- Vejo que ela estará e m muito boa s mã o s , mad a m e .

- Não se preo c up e; cuidar ei dela. Está- se afeiço a n d o a mim de uma man eira muito co m o v e n t e .

Mrs. Al erton entrou de novo na cabina e Poirot voltou ao local do crim e.

Cornélia estav a de pé, no tom b a dilho, de olho s be m ab erto s.

- Não co m pr e e n d o be m, Mister Poirot. Com o é que a pes s o a que fez fogo con s e g uiu fugir se m
que nenhu m de nós a viss e?

- Sim, co m o ? - perguntou Jacqu elin e.

- Ah, não foi assi m tão extraordinário co m o pens a m . Há três direcç õ e s que o ass a s sin o pod eria ter
se guid o.

Jacqu eline parec e u ad mirad a.

- Três?

- Poderia ter ido para a direita e pod eria ter ido para a es qu er d a - diss e Cornélia. - Não vejo outro ca
minh o.

Jacqu eline tam b é m pareci a perplexa. De súbito, o seu rosto iluminou- se.

- Claro. Ele pod eria ter tom a d o , no m e s m o plano, uma de duas direcçÕ e s; ma s pod eria tam b é m
ter

voltad o à direita, nest e m e s m o plano. Isto é, não pod eria subir ma s pod eria des c e r.

Poirot sorriu:

- Made m oi s ell e é inteligent e - diss e ele.

Cornélia diss e:

- Creio que sou uma tonta, ma s não perc e b o coisa algu m a .

- Monsieur Poirot quer dizer que ele pod eria ter saltad o para o tom b a dilh o de baixo.

- Céus! - excla m o u Cornélia. - Isso nunca m e oc orr eria! Mas teria que ser muito ágil. Acha m isso
possív el?

- Muito fácil - diss e Tim. - Lembr e- se de que há se m pr e um minuto de surpre s a dep ois de um acont e
ci m e n t o co m o este. A gente ouv e uma deton a ç ã o e durante um ou dois se gu n d o s fica co m o que
paralisad o.

- Foi o que lhe aco nt e c e u , Mister Al erton?

- Sim, foi o que m e aco nt e c e u . Durante cinco se g un d o s , fiquei apateta d o. Depois, corri pelo tom b
a dilho.

Race saiu da cabina de Bessn er e diss e e m tom autoritário:

- Queira m ter a bond a d e de sair. Vamos rem o v e r o cad á v er.

Obed e c e r a m todo s imediata m e nt e . Poirot aco m p a n h o u - os.


Cornélia diss e co m tristeza:

- Nunca m e es qu e c e r ei desta viag e m ... Três m orte s... Um verdad eiro pes a d el o.

Fergus o n excla m o u, e m tom agre s siv o:

- Isso é porqu e voc ê s são supercivilizado s. De viam con sid er ar a morte co m o a con sid er a m os
Orien tais. É apen a s um incident e, que mal se nota.

- Isso está certo para eles - obs erv o u Cornélia.

- Coitado s, não têm instruçã o.

- Não; e é uma vantag e m . A instruçã o desvitalizou a raça hum a n a . Veja a América; a sua mania de
cultura. É repug n a nt e.

- Acho que está a dizer tolices - obs erv o u Cornélia coran d o.

- No Inverno, assisto se m pr e a confer ê n ci a s sobr e Arte Grega e a Renas c e n ç a , e ouvi uma sobr e
as Mulheres Célebr e s da História.

- Arte Grega! Renas c e n ç a! Mulheres Célebr e s da História! Fico des g o st o s o só de ouvi- la falar. É o
futuro que importa, m e nin a, não o pass a d o . Morrera m três mulh er e s nest e navio... Bom, e que tem
isso? Não faze m falta.

Linnet Doyle e o seu dinh eiro! A criada

franc e s a , parasita do m é s tic a. Mistress Otterbourn e, velha idiota e inútil. Acha que algué m se
importa que tenha m morrido ou não? Pois eu não ach o. Foi m e s m o uma boa coisa.

- Engana- se redon d a m e n t e! - excla m o u Cornélia co m ve e m ê n c i a. - E estou cans a d a de o


ouvir falar, co m o se ningu é m tives s e importân cia no mund o a não ser voc ê. Eu não apre ciav a
Mistress Otterbourn e, ma s Rosalie gostav a muito da mã e e está profunda m e n t e abalad a co m a sua
morte. Eu não ach a v a a criada franc e s a muito simpática, ma s há- de hav er algué m , e m algu m canto
do mund o, que gosta s s e dela... E quanto a

Linnet Doyle... Bom, se m olhar mais nada, era uma bel ez a! Achava- a tão bonita que ficava co m um nó
na garg a nta se m pr e que a via apare c e r. Sei que sou feia, e isto faz co m que apre ci e mais ainda a bel
ez a. Era tão linda... co m qualqu er coisa de Arte Grega! E quand o uma coisa bela des a p ar e c e , é um
prejuízo para a Humanida d e .

Pronto, e aca b o u- se.

Mr. Fergus o n recu ou um pass o e enfiou as duas mã o s nos cab el o s, puxand o- os co m força.

- Desisto - diss e ele. - Você é incrível. Não tem um pingo de desp eito feminino... - E, voltand o- se para
Poirot: - Sabe que o pai de Cornélia foi levad o à ruína pelo velho Ridge w a y? Mas esta m e nin a faz

careta s quand o vê a herd eira cob erta de pérola s, exibind o m o d el o s franc e s e s ? Não! Solta um
balido apen a s: Não é linda?, co m o qualqu er ov elh a man sinh a.

Não creio que tenha sentido desp eito algu m.

Cornélia corou.

- Sim, ma s por um minuto apen a s . O m e u pai m orreu de des g o st o...

- Por um minuto apen a s! Essa é boa!

Cornélia voltou- se brusc a m e n t e para ele.


- Bom, não diss e há pouc o que era o futuro que importav a, e não o pass a d o ? Tudo isso foi no pass a d
o , não foi? Já se aca b o u!

- Um a zero! - confe s s o u Fergus o n. - Cornélia Robson, voc ê é a mulh er mais simp ática que jamais
enc o ntr ei na vida. Quer cas ar co mi g o?

- Não seja absurd o.

- É um pedido de cas a m e n t o , e m b o r a feito na pres e n ç a do Grand e Detective. De qualqu er man


eira, o sen h or é teste m u n h a , Monsieur Poirot. Em pleno gozo das minh a s faculdad e s , propus cas a
m e n t o a esta mulh er, contra todo s os m e u s princípios, pois não aprov o os tais laço s legais entre os
sexo s! Mas, co m o não creio que ela ac eitas s e outra coisa, que seja entã o o matrim ó ni o! Vamos,
Cornélia, diga "sim"!

- Acho que voc ê é supina m e nt e ridículo - replicou Cornélia, coran d o.

- Porqu e não se cas a co mi g o?

- Não é sério...

- Quer dizer que não estou a falar sério quand o lhe propon h o cas a m e n t o , ou que não sou bastant e
sisud o?

- Ambas as coisa s; ma s eu referia- m e ao caráct er.

Você ri de tudo o que é sério: Educaç ã o , Cultura e...

Morte. Ningué m pod eria ter confianç a e m si.

Interro mp e u- se, corou de nov o e entrou apres s a d a m e nt e na sua cabina.

Fergus o n continuou a olhar naqu el a direc ç ã o .

- Maldita rapariga! Parec e u- m e que estav a a ser sinc era. Quer um ho m e m de confianç a. Essa é boa! -
Fez uma paus a e dep ois perguntou co m curiosida d e : - Que acont e c e u , Monsieur Poirot?

O senh or está muito pens ativo.

Com um sobr e s s alto, Poirot voltou à realidad e .

- Reflicto, nada mais do que isso. Reflicto.

- Meditaçã o sobr e a Morte, por Hercule Poirot.

Um dos seus conh e ci d o s m on ó g r af o s.

- Mister Fergus o n, o senh or é um rapaz muito impertinent e.

- Desculpe- m e. Gosto de atac ar as instituiçõ e s org anizad a s.

- E eu... sou uma delas?

- Exacta m e nt e . Que ach a daqu el a pequ e n a ?

- Miss Robson?

- Sim.

- Acho que é uma rapariga de muito caráct er.

- Te m razão. É en érgic a, e m b o r a pare ç a dócil.


Corajos a... Bom, quero aqu el a m e nina. Creio que não será mau ir sond ar a velhota. Se eu cons e g uir
que se manife st e ab erta m e nt e contra mi m, talvez Cornélia fique mais be m- dispo sta a m e u favor.

Fergus o n deu uma revirav olta e dirigiu- se para o salão.

Miss Van Shuyler estav a sentad a no seu canto habitual, pare c e n d o mais arrog a nt e do que nunc a, e
fazia tricô.

Fergus o n aproxim o u- se.

Entrand o disfarça d a m e n t e , Poirot sentou- se a uma distância regular, pare c e n d o abs orto na leitura
de uma revista.

- Boa tarde, Miss Van Schuyler.

Miss Van Schuyler ergu eu o olhar, baixand o- o imediata m e nt e e resp o n d e n d o e m tom gélido:

- Humm m ... boa tarde.

- Miss Van Shuyler, precis o falar- lhe sobr e um assunto muito importante. Quero cas ar co m a sua prima.

O nov el o de lã de Miss Van Schuyler caiu, roland o pelo soalh o. A velhota resp o n d e u e m tom lacrim
o ni o s o :

- O senh or dev e estar maluc o.

- De mo d o nenhu m . Estou decidido. Já falei co m ela.

Miss Van Shuyler obs erv o u- o friam e nt e, co m o olhar curios o de que m exa min a um anim al raro.

- Falou! E, co m certez a, ela man d o u- o pass e a r?

- Recus ou.

- Naturalm e nt e.

- Nada de "natural m e nt e. Vou insistir até ela dizer "sim".

- Garanto- lhe, sen h or, que tom ar ei providê n ci a s para que minha prima não seja importuna d a -
declarou Miss Van Schuyler, e m tom ac erb o.

- Que tem a senh or a contra mim?

Miss Van Schuyler apen a s ergu e u as sobran c el h a s , deu um puxão na lã para fazer voltar o nov el o, e
enc err ou assi m a conv er s a.

- Vamos - insistiu Fergus o n. - Que tem contra mi m?

- Acho a pergunta desn e c e s s á ri a, Mister...

Humm m ... não sei o seu no m e .

- Fergus o n.

- Mister Fergus o n - co m pl et o u Miss Van

Schuyler co m evid e nt e despr ez o - tal cas a m e n t o está fora de discus s ã o .

- Quer dizer que não sou digno dela?

- Acho que isso está mais do que claro.


- E porqu e é que não sou digno dela?

Miss Van Schuyler não resp o n d e u.

- Tenh o duas perna s, dois braç o s, boa saúd e, intelig ên ci a norm al. Que é que m e falta?

- Existe uma coisa cha m a d a posiçã o social, Mister Fergus o n.

- Posiçã o social? Isso é larach a.

A porta abriu- se e Cornélia apare c e u , estac a n d o subita m e nt e ao ver o seu preten d e nt e e m conv
er s a co m a temív el prima Marie.

Fergus o n voltou a cab e ç a , sorriu e excla m o u:

- Aproxim e- se, Cornélia. Estou a fazer o pedido da man eira mais corre cta possív el.

- Cornélia! - excla m o u a am eric a n a e m voz real m e nt e terrível. - Cornélia, voc ê deu corda a este
rapaz?

- Eu. . Claro que não... isto é...

- Que quer dizer co m isso?

- Ela não m e deu corda - diss e o rapaz, vindo e m soc orro de Cornélia. - A culpa é toda minha. Não m e
desiludiu co m pl eta m e n t e , porqu e tem muito bo m cora ç ã o . Cornélia, sua prima diz que não sou
digno de si. Isso, naturalm e nt e, é verda d e , ma s não sob o ponto de vista de Miss Van Schuyler. O m e
u caráct er, é lógico, não é tão elev a d o co m o o seu, ma s diz ela que social m e nt e estou muito abaixo
de si.

- Isso, creio eu, há- de saltar aos olho s de Cornélia

- diss e a am eric a n a.

- Acha? - perguntou Mr. Fergus o n, fitando a

rapariga atenta m e nt e . - É por isso que não quer cas ar co mi g o?

- Não, não é - replicou Cornélia, coran d o. - Se eu gosta s s e de voc ê, teria dito "sim", foss e voc ê que m
foss e.

- Então não gosta de mi m?

- Acho- o impo s sí v el! As coisa s que diz... A man eira de as dizer... Eu. . nunc a enc o ntr ei ningu é m
co m o o senh or...

Confusa, e preste s a chorar, Cornélia saiu apre s s a d a m e n t e do salã o.

- Para ser franc o, o co m e ç o não está nada mau - obs erv o u Fergus o n. Reclinou- se na cad eira, olhou
o tecto, ass o bi o u, cruzou as perna s e continuou: - Ainda aca b ar ei por lhe cha m a r "minha prima".

Miss Van Schuyler estav a trémula de raiva.

- Saia desta sala imediata m e n t e , senh or, ou tocar ei a ca m p ain h a para cha m a r o criado.

- Paguei a minha pass a g e m , e não pod er ã o expulsar- m e do salã o principal - diss e Fergus o n. - Mas

vou fazer- lhe a vontad e.

Ergueu- se e saiu displicent e m e n t e dali, cantarolan d o baixinho.


Miss Van Schuyler tentou ergu er- se, louca de raiva. Saindo discreta m e nt e do seu retiro, Poirot curvou-
se para apanh ar o nov el o que rolara de nov o.

- Agrade cid a, Monsieur Poirot. Se quiser fazer o favor de m e man d ar Miss Bowers... Estou muito
perturbad a...

Que sujeito insolent e!

- Um tanto exc ê ntrico, creio eu - obs erv o u Poirot. - Quase todo s os da família são assi m. Tarad o s,

naturalm e nt e. Sempr e dispo st o s a exa g er o s .

Fez uma paus a e perguntou despr e o c u p a d a m e n t e :

- A sen h or a rec o n h e c e u - o, co m certeza?

- Reconh e ci- o?

- Adopta o no m e de Fergus o n, por não quer er usar o título, devid o às suas ideias avan ç a d a s .

- Título?

- Sim, aqu el e rapaz é Lorde Dawlish. Riquíssi m o, naturalm e nt e. Tornou- se co m u nista, quand o este
v e e m Oxford.

No rosto de Miss Van Schuyler, reflectia m- se e m o ç õ e s contraditórias. Perguntou e m voz rouca:

- Há quanto temp o sab e isso, Monsieur Poirot?

O dete ctiv e enc olh e u os om br o s .

- Vi o retrato dele num a desta s revistas... e dep ois enc o ntr ei na sua cabina o anel co m o bras ã o. Oh,
quanto a isso não há dúvida.

Poirot divertia- se co m o conflito de e m o ç õ e s da velha am eric a n a. Finalm e nt e, co m uma am á v el


inclinaç ã o de cab e ç a , ela desp e diu- se, dizend o:

- Fico- lhe muito agrad e ci d a, Monsieur Poirot.

O dete ctiv e ainda sorria, m e s m o dep ois de se ver só, no salã o.

Sentou- se, minutos dep ois, e o seu rosto adquiriu uma expre s s ã o mais grav e. Estava a se guir um deter
min a d o curso de ideias... De vez e m quand o aban a v a a cab e ç a .

- Mais oui - mur mur ou afinal. - Está tudo certo.

CAPíTULO 25

Race veio procurá- lo.

- Então, Poirot, que m e diz? Pennington dev e subir daqui a dez minutos. Deixo tudo nas suas mã o s , m e
u amig o.

Poirot ergu e u- se viva m e nt e .

- Primeiro, man d e cha m a r Fanthorp.

- Fanthorp? - perguntou Race, ad mirad o.

- Sim. Traga- o à minha cabina.


Race inclinou a cab e ç a e afastou- se. Poirot dirigiu- se para a sua cabina. Minutos dep ois, che g a v a m
Fanthorp e Race.

Poirot indicou duas cad eiras e ofere c e u cigarro s.

- Agora, Mister Fanthorp, va m o s ao que intere s s a! Vejo que usa a m e s m a gravata que o m eu amig o
Hastings.

Fanthorp olhou, perplex o, para a gravata, e explicou:

- É uma gravata O. E.

- Exacta m e nt e . Saiba que, e m b o r a estrang eiro, conh e ç o o ponto de vista inglês. Sei, por exe m pl
o, que há coisa s "que se faze m" e coisa s "que não se faze m".

Fanthorp sorriu, dizend o:

- Hoje e m dia isso já não é vulgar.

- Talvez não, ma s o hábito persiste. A Velha Gravata da Escola ainda é A Velha Gravata da Escola, e há
certas coisa s (sei por experi ên ci a própria) que que m usa a Velha Gravata não faz! Uma des s a s coisa s,
Mister Fanthorp, é uma pes s o a intro m et er- se na conv er s a de estranh o s , quand o ningu é m pediu a
sua opinião.

Fanthorp fitou- o se m nada dizer. Poirot continuou:

- Mas há pouc o s dias, Mister Fanthorp, foi exacta m e n t e isso o que o sen h or fez. Certas pes s o a s
estav a m a tratar de neg ó ci o s particulare s, no salã o; o senh or aproxi m o u- se, indubitav el m e nt e
para ouvir a conv er s a che g a n d o m e s m o a voltar- se e dar os parab é n s à sen h or a, Mistress Simon
Doyle, pela sua criterios a man eira de neg o ci ar.

Fanthorp estav a rubro. Poirot continuou, se m esp er ar por co m e nt ário algu m:

- Muito be m , Mister Fanthorp; isso não devia, de mo d o algu m, ser o proc e di m e nt o de uma pes s o a
que usa uma gravata igual à do m e u amig o! Hastings é delicadís si m o , e morreria de verg o n h a se
fizess e uma coisa des s a s . E, portanto, levand o- se e m con sid er a ç ã o o facto de o senh or ser muito
novo para estar e m condiç õ e s de fazer uma viag e m tão dispen di o s a , não dev e n d o ter grand e
fortuna pes s o al, pois trabalha num a firma de adv o g a d o s , e não dand o m o stra s de rec e nt e mol é
stia que nec e s sita s s e de uma viag e m de conv al e s c e n ç a , levand o- se tudo isto e m consid er a ç ã
o , pergunto a mim m e s m o , e pergunto tam b é m ao sen h or: Qual a

razão da sua pres e n ç a nest e navio?

Fanthorp lançou a cab e ç a para trás, num des afio, excla m a n d o :

- Recus o- m e a prestar qualqu er declara ç ã o nes s e sentido. Acho que está louco, Monsieur Poirot.

- Estou no m e u juízo perfeito. Onde fica a sua firma? Em Northa m pt o n, isto é, não muito long e de
Wode Hal . Que conv er s a tentou ouvir? Sobre docu m e nt o s ...

Qual a finalidad e da sua obs erv a ç ã o , qual o co m e nt ário que fez co m evide nt e constran gi m e nt o
e malais e? A finalidad e era evitar que Mistress Doyle assina s s e , se m lê- los, certos docu m e n t o s .

Poirot fez uma paus a; dep oi s continuou:

- Houve, nest e navio, um crim e, e log o e m seg uida outros dois. Se eu lhe diss er que a bala que matou
Mistress Otterbourn e saiu do revólv er de Mister Andrew Pennington, talvez co m pr e e n d a que é seu
dev er contar- nos o que sab e.

Fanthorp ficou e m silêncio alguns minutos. Finalm e nt e, diss e:


- O senh or tem uma man eira engra ç a d a de dizer as coisa s, Monsieur Poirot, ma s co m pr e e n d o o
seu ponto de vista. O facto é que não tenh o inform a ç õ e s precis a s para lhe dar.

- Quer dizer entã o que é um cas o de susp eita, apen a s?

- Exacta m e nt e .

- E, portanto, ach a imprud ê n ci a falar? Talvez tenha razão, sob o ponto de vista jurídico. Mas isto aqui
não é um tribunal de justiça. Race e eu procura m o s des c o b rir o crimino s o. Qualquer inform a ç ã o
que nos dê pod er á ser de grand e valor.

Jim Fanthorp reflectiu nova m e n t e . Depois:

- Muito be m . Que des ej a m sab er?

- Por que motivo e mpr e e n d e u esta viag e m ?

- Vim a man d a d o de m eu tio, Mister Carmich a el, procurad or de Mistress Doyle, na Inglaterra. Por m
otivo s de neg ó ci o s, m e u tio mantinh a con stant e corre sp o n d ê n ci a co m Mister Andrew
Pennington, procurad or de Mistress Doyle, na América. Diverso s pequ e n o s incident e s (não poss o enu
m e r á- los a todo s) fizera m co m que m e u tio susp eitas s e que as coisa s não anda v a m co m o devia
m.

- Para falar se m rodei o s, seu tio susp eitav a que Pennington foss e um trapac eiro?

Fanthorp inclinou a cab e ç a , sorrindo de leve.

- O senh or é mais franc o do que eu, ma s no fundo é isso m e s m o . Certas des c ulpa s apre s e nt a d a s
por Pennington, e explicaçÕ e s sobr e o e m pr e g o de deter min a d o s capitais desp ertara m as susp
eitas de m e u tio.

Tais susp eitas ainda não estav a m be m definidas, quand o soub e m o s que Miss Ridge w ay se cas ar a e
viera para o Egipto. O cas a m e n t o tranquilizou m eu tio, pois, quand o ela voltas s e à Inglaterra, a
direcç ã o dos neg ó ci o s ser- lhe- ia entre g u e. Nisto, num a carta do Egipto, ela referiu- se ao facto de se
ter enc o ntrad o, por aca s o, no Cairo, co m Andrew Pennington. As susp eitas de m eu tio tornara m- se
mais fortes. Ele teve a certez a de que o am eric a n o, ag ora e m situaç ã o des e s p e r a d a , iria tentar
obter a assinatura de Mistress Doyle, para cobrir os seus desfalqu e s. Não tend o prova s para apres e nt ar
à sua cliente, m eu tio viu- se num a e m b a r a ç o s a situaç ã o .

A única soluç ã o que enc o ntrou foi man d ar- m e para cá de avião, para tentar des c o b rir a verda d eira
situaç ã o.

Eu devia ficar de olhos ab erto s, e, se foss e nec e s s á ri o, agir; miss ã o muito des a g r a d á v el, pod e
ter a certez a!

Para falar a verda d e , na oca si ã o a que o sen h or se referiu, sei que fiz um papel indec e nt e. Situaçã o
constran g e d o r a , ma s o resultad o foi satisfatório.

- Quer dizer que Mistress Doyle des c o nfiou de qualqu er coisa? - perguntou Race.

- Não tanto por isso. Mas creio que Pennington ficou co m a pulga atrás da orelha. Fiquei conv e n ci d o
que ele não tentaria mais nada durante algu m temp o, e até lá eu esp er a v a ter travad o relaç õ e s co m os
Doyle, para pod er prev e ni- los de qualqu er forma. Para dizer a verdad e , pretendi a falar co m Mister
Doyle. Mistress Doyle era tão ape g a d a a Pennington que seria difícil insinuar qualqu er coisa contra ele.
Teria sido mais

fácil falar co m o marido.

Race inclinou a cab e ç a , con c or d a n d o . Poirot perguntou:


- Quer dar- m e a sua opinião franca, Mister Fanthorp? Se tivess e que fazer um neg ó ci o des o n e s t o,
esc ol h eria para vítima Mister ou Mistress Doyle?

Fanthorp sorriu ligeira m e nt e.

- Mister Doyle, se m hesitar um só m o m e n t o.

Linnet era muito perspicaz. O marido, pelo que m e parec e , é um dest e s sujeitos confiante s que não
enten d e m de

neg ó ci o s e estã o se m pr e pronto s a assinar "na linha de pontinho s", co m o ele m e s m o diss e.

- De acord o - declarou Poirot. - E ai está o motivo.

- Mas tudo isto são conje ctura s - obs erv o u Fanthorp. - Não são prova s.

- Ah! Ah! Mas cons e g uire m o s as prova s - excla m o u Poirot.

- De que man eira?

- Provav el m e nt e por interm é di o do próprio Pennington.

Fanthorp pare c e u pouc o conv e n ci d o.

- Acha? Eu duvido.

Race con sultou o relógio e declarou:

- Ele dev e estar a che g ar.

Perce b e n d o a insinuaç ã o , Fanthorp desp e diu- se e saiu.

Dois minutos dep ois, Pennington apar e c e u, mo stran d o- se ainda am á v el e sorrident e. Som e nt e a
linha

dura do queixo e a expre s s ã o cautelo s a do olhar deixav a m perc e b e r o exp eri ent e ho m e m de
luta, que estav a de sobr e a vi s o.

- Muito be m , senh or e s , aqui estou eu - diss e ele, sentan d o- se e olhand o para os dois ho m e n s .

Poirot co m e ç o u :

- Pedim o s- lhe que vies s e até aqui, Mister Pennington, pois não há dúvida que está directa m e nt e intere
s s a d o no assunto.

Pennington excla m o u, ergu e n d o as sobra n c el h a s:

- É es s a a sua opinião?

- Sem dúvida nenhu m a - replicou Poirot suav e m e n t e . - Se não m e eng a n o , conh e c e u Linnet des
d e crianç a.

- Oh!. . - O rosto do am eric a n o des a n u vi ou- se, a expre s s ã o de alerta já não era tão intens a. - Perdã
o, eu não tinha enten did o be m . Sim; confor m e lhe diss e hoje, conh e ci Linnet desd e pequ e nin a.

- Era amig o íntimo do pai dela?

- Sim; Melhuish Ridge w a y e eu éra m o s muito amig o s.

- Tão íntimo s que, ante s de morrer, ele o no m e o u procurad or da filha, entreg a n d o - lhe a direc ç ã o
de toda a sua imen s a fortuna?
- Sim, mais ou m e n o s isso - diss e o am eric a n o.

A expre s s ã o cautelo s a voltara ao seu rosto. - Não sou, naturalm e nt e, o único resp o n s á v el. Havia
outros.

- Morrera m?

- Dois m orrera m . O terc eiro, Mister Sterndal e Rockford, ainda vive.

- Seu sócio?

- Sim.

- Pelo que vim a sab er, Miss Ridge w ay era m e n or, quand o se cas o u?

- Sim; ia fazer vinte e um ano s e m Julho próxim o.

- E, natural m e nt e, a ger ê n ci a da fortuna pass aria para as mã o s dela?

- Exacta m e nt e .

- Mas o cas a m e n t o precipitou os acont e ci m e n t o s ?

O queixo de Pennington endure c e u.

- Perdo e m - m e, ma s que têm os senh or e s co m isso? - perguntou e m tom agre s siv o.

- Se lhe des a gr a d a resp o n d e r...

- Não é que stã o de des a gr a d ar. Não m e importo que pergunt e m . Mas não vejo razão para isso.

- Oh, ma s certa m e nt e , Mister Pennington - diss e Poirot, inclinand o- se para o am eric a n o, os olho s a
luzire m co m o os de um gato -. . existe a que stã o do motivo... E a situaç ã o financ eira da vítima dev e
se m pr e ser levad a e m conta.

Pennington diss e e m tom dúbio:

- Pelo testa m e nt o de Ridge w a y, Linnet devia assu mir a ger ê n ci a dos neg ó ci o s quand o fizess e
vinte e um ano s, ou quand o se cas a s s e .

- Nenhu m a outra condiç ã o?

- Nenhu m a.

- E, se não m e eng a n o , é uma que stã o de milhÕes?

- Sim, de milhõ e s.

Poirot diss e suav e m e n t e :

- A sua resp o n s a bilidad e, Mister Pennington, e do seu sócio, dev e ter sido enor m e .

- Estam o s aco stu m a d o s a assu mir resp o n s a bilidad e s . Isso não nos preo c up a - replicou o outro
sec a m e n t e .

- Não sei, não.

Qualquer coisa no tom de Poirot des a g r a d o u ao am eric a n o.

- Que diab o quer dizer co m isso? - perguntou ele colerica m e n t e .


Poirot replicou co m ar de ingénu a franqu e z a.

- Estava a pens ar, Mister Pennington, se o cas a m e n t o de Linnet não teria caus a d o certa... con st ern a
ç ã o , no seu es critório!

- Consterna ç ã o ?

- Foi a palavra que e mpr e g u ei.

- Que diab o quer insinuar?

- Uma coisa muito simple s. Os neg ó ci o s de Linnet Doyle estarã o e m perfeita orde m , co m o devia m
estar?

Pennington ergu e u- se, excla m a n d o :

- Basta. Por mim, basta!

- Mas prim eiro vai resp o n d e r à minh a pergunta?

- Estão e m perfeita ord e m - replicou o outro, se c a m e n t e .

- Não ficou alarm a d o co m a notícia do cas a m e n t o , a ponto de tom ar o primeiro vapor para a Europa
e

fingir um enc o ntro furtuito no Egipto?

Pennington aproxim o u- se, pare c e n d o nova m e n t e calm o.

- O que aca b a de dizer é um verda d eiro absurd o!

Eu não tinha a m e n or ideia do cas a m e n t o de Linnet, até a enc o ntrar no Cairo. Fiquei ad miradís si m
o ...

A carta dela dev e ter ch e g a d o um ou dois dias dep ois de eu ter saíd o de Nova Iorque. Foi-m e
reenviad a e rec e bi- a uma se m a n a dep oi s.

- O senh or diss e- m e que veio no Carma nic?

- Exacta m e nt e .

- A carta che g o u a Nova Iorque dep ois de o Carmanic sair?

- Quantas vez e s tenh o que repetir a m e s m a coisa?

- Estranh o... - mur mur ou Poirot.

- Que é que é estranh o?

- Que nas suas mala s não haja etiqu eta algu m a do Carma nic. Os únicos rótulos transatlântico s são do
Norman di e, que saiu dois dias dep ois do Carmanic.

Por um mo m e n t o , o outro ficou se m sab er o que dizer. O seu olhar vacilou...

Race intervei o, para reforçar a vantag e m a favor dele s:

- Vamos, va m o s , Mister Pennington. Tem o s várias razõ e s para acre ditar que o sen h or veio no
Norman di e e não no Carmanic. Se assi m foi, rec e b e u a carta de Mistress Doyle antes de sair de Nova
Iorque. Não vale a pena neg ar; nada mais fácil do que esclar e c e r este ponto co m as resp e ctiva s co m
p a n hi a s.
Pennington procurou distraida m e n t e uma cad eira e sentou- se. A sua fisiono mi a estav a impas sí v el -
de jogad or de póqu er. Atrás daqu el a má s c ar a, a ágil intelig ên ci a preparav a a próxim a cartad a.

- Entreg o os pontos, senh or e s . Fora m esp erto s de mais para mim. Mas eu tinha uma razão para isso.

- Sem dúvida - diss e Race se c a m e n t e .

- Se eu lhes diss er quais era m as razÕes, esp er o que co m pr e e n d a m que falo confiden ci al m e nt e .

- Pode esp er ar um proc e di m e nt o criterios o da nos s a parte. Não pod e m o s , é lógico, garantir nada
às ce g a s.

- Muito be m - suspirou o am eric a n o . - Vou confe s s ar a verda d e . Certas coisa s que se pass ar a m na
Inglaterra des a gr a d ar a m - m e profunda m e n t e . Fiquei preo cup a d o . Com o não era possív el des
c o b rir coisa algu m a por

carta, resolvi vir averiguar pes s o al m e nt e .

- Que quer dizer co m "coisa s que m e des a g r a d ar a m "?

- Eu tinha razõ e s para acreditar que Linnet estav a a ser lesad a.

- Por que m ?

- Pelo seu advo g a d o inglês. É uma acus a ç ã o que não se pod e fazer leviana m e n t e . Resolvi vir sab
er pes s o al m e n t e do que se tratava.

- Isso prova o seu sinc er o intere s s e pelos neg ó ci o s da sua cliente, não há dúvida. Mas não explica a m
e ntira a resp eito da carta.

- Bom, quanto a isso... - o am eric a n o esten d e u as mã o s, de palm a s para cima, e continuou: - A gent
e não pod e vir perturbar uma viag e m de núpcias, se m

dar para isso uma razão plausív el. Achei preferível que se acre ditas s e e m coincid ê n ci a. Além do
mais, eu não sabia coisa algu m a a resp eito do marido. Era até possív el que foss e cúmplic e.

- Em resu m o , os seus motivo s era m abs oluta m e n t e desinter e s s a d o s - obs erv o u Race, sec a m e
nte.

- Exacta m e nt e , coron el Race.

Houve uma paus a. Race olhou para Poirot. O dete ctiv e inclinou- se para a frente dizend o:

- Mister Pennington, não acre dita m o s num a só palavra des s a história.

- Com os diab o s, não acre dita m? Em que acre dita m, entã o?

- Parec e- nos que o cas a m e n t o de Linnet Ridge w a y o deixou num a situaç ã o e m b ar a ç o s a ; que
o sen h or veio à press a, esp er a n d o pod er salvar- se, isto é, procurand o um m ei o de ganh ar temp o. E
ach a m o s que, tend o isso e m vista, procurou obter a assinatura de Mistress Doyle para certos docu m e n
t o s , não tend o sido be m suc e did o. E que, no fim da viag e m pelo Nilo, quand o ca minh a v a pelo
penh a s c o de Abu Simb el, o sen h or deslo c o u uma pedra, que quas e a matou...

- Está louco.

- Acredita m o s que mais ou m e n o s as m e s m a s circunstân ci a s se repetira m na viag e m de volta,


isto é,

que se apres e nt o u a oportunidad e de eliminar Mistress Doyle quand o a m orte dela seria certa m e nt e
atribuida a outra pes s o a ; e não so m e nt e julga m o s , ma s sab e m o s que o seu revólv er foi usad o
para matar a mulh er que nos ia rev elar o no m e do ass a s sin o de Mistress Doyle e de Louise Bourget...

- Com os diab o s! - excla m o u o am eric a n o, interro m p e n d o a eloqu ê n ci a de Poirot. - Aonde quer


che g ar? Está louco? Que m otivo tinha eu para matar Linnet? Eu não herdaria coisa algu m a , que m
herda é o marido! Porqu e não o interrog a m ? O ben eficiad o é ele, não eu.

Race replicou friam e nt e:

- Na noite do crim e, Doyle só saiu do salão dep ois de ter levad o um tiro na perna. A impo s si bilidad e
de se mo v er dep ois diss o é atesta d a pela enfer m eira e pelo m é dic o, am b o s teste m u n h a s de
confianç a. Ele não pod eria ter matad o Louise Bourget. É mais do que certo que não matou Mistress
Otterbourn e! O sen h or sab e- o tão be m co m o nós.

- Sei que não a matou - diss e Pennington um pouc o mais calm o. - Digo apen a s: porqu e se volta m
contra mi m, quand o nada lucro co m es s a morte?

- Mas, m eu caro sen h or, isto é apen a s uma que st ã o de opinião - diss e Poirot, co m a suavidad e do
miar de um gato. - Mistress Doyle era uma mulh er inteligent e, be m a par dos seus neg ó ci o s, e bastant e
perspicaz para des c o b rir qualqu er irregularidad e . Assim que assu mi s s e a ger ê n ci a da fortuna, o
que se daria logo que foss e para a Inglaterra, não deixaria de susp eitar... ma s dep ois da sua m orte, co m
o be m diss e o sen h or, o marido herda tudo, e o cas o mud a de figura. Simon des c o n h e c e os neg ó ci
o s da esp o s a ; sab e apen a s que era muito rica. É pes s o a simple s e confiante...

O senh or não terá grand e dificuldad e e m apre s e nt ar- lhe docu m e nt o s co m plica d o s , ocultand o o
ponto principal num a confusã o de algaris m o s , adiand o a prestaç ã o de conta s sob qualqu er pretexto,
aleg a n d o form alidad e s , a rec e nt e depre s s ã o do m erc a d o .

Acho que hav er á muita diferen ç a entre lidar co m a esp o s a ou co m o marido.

Pennington enc olh e u os om br o s.

- As suas ideias são... ridículas.

- O temp o no- lo dirá.

- Que diss e?

- Disse: "O temp o no- lo dirá." Te m o s aqui três m orte s, três ass a s sí ni o s. A lei exigirá uma co m pl
eta vistoria aos neg ó ci o s de Mistress Doyle.

Poirot viu os o m br o s do outro caíre m e perc e b e u que venc er a. As susp eitas de Fanthorp estav a m
confirma d a s .

O dete ctiv e continuou:

- O senh or os apost ou... e perd e u. É inútil quer er continuar co m o bluff.

Pennington mur mur ou:

- O senh or não co m pr e e n d e . .. Foi tudo muito direito. Essa maldita depr e s s ã o . .. A loucura de Wal

Street... Mas já prepar ei a reac ç ã o . Com sorte, estará tudo e m orde m até m e a d o s de Junho.

Com as mã o s trémula s, procurou um cigarro; tentou ac e n d ê - lo, ma s se m resultad o.

- Com certeza aqu el a pedra foi uma súbita tentaç ã o - diss e Poirot. - Pens ou que ningu é m o tinha
visto...

- Aquilo foi um acide nt e, garanto que foi! - excla m o u Pennington, inclinand o- se para a frente, co m
expre s s ã o ansios a e a voz aterrorizad a. - Trope c ei e caí contra a pedra. Juro que foi um acide nt e...
Os dois ho m e n s nada diss er a m .

De repe nt e, Pennington parec e u voltar a si. Ainda estav a abalad o, ma s o espírito co m b ativ o refizera-
se- lhe e m parte. Dirigiu-se para a porta, dizend o:

- Os senh or e s não m e pod e m incriminar. Foi um acid e nt e. E não fui eu que a mat ei! Ouviram?
Quanto a isso, não pod e m tam b é m incriminar- m e, e nunc a con s e g uirã o fazê- lo. - Saiu.

CAPíTULO 26

Quando a porta se fech o u, Race suspirou profunda m e n t e .

- Cons e g ui m o s mais do que eu esp er a v a. Confissã o de fraud e.

De tentativa de ass a s sí ni o. Mais teria sido impo s sí v el. Um ho m e m pod e confe s s ar uma tentativa
de morte, ma s não o crim e verdad eiro.

- às vez e s, sim - diss e Poirot co m olho s sonh a d or e s , luzente s co m o os de um gato.

Race fitou- o co m curiosida d e .

- Te m algu m plano?

Poirot inclinou a cab e ç a , enu m e r a n d o pelos ded o s:

- O jardim de Assuão. O dep oi m e nt o de Mister Al erton. Os dois frasc o s do verniz. A minh a garrafa
de vinho. A éch arp e de velud o. O lenç o man c h a d o . O revólv er enc o ntrad o no local do crim e. A m
orte de Louise. A morte de Mistress Otterbourn e... Sim, está tudo aí. Pennington não é o ass a s si n o,
Race.

- Quê? - perguntou Race, estup efa ct o.

- Pennington não é o ass a s si n o. Tinha motivo s?

Sim. Desejav a a m orte de Linnet? Sim. Cheg ou a fazer uma tentativa. Mais que tudo. A este crim e era
nec e s s á ri o algo que Pennington não possui. É um crim e

que exig e audá ci a, exe c u ç ã o rápida e perfeita, cora g e m , indiferen ç a ao perig o, e uma inteligên ci
a calculista, de recurs o s. Pennington não tem ess e s atributos.

Não podia co m e t e r um crim e, a não ser que tives s e a certez a de que não correria perigo. Mas este
crim e era dos mais perig o s o s! Era nec e s s á ri o audá cia... E Pennington não é auda ci o s o . É apen a
s astuto.

Race fitou Poirot co m o resp eito que um ho m e m co m p et e nt e tem por outro.

- Você resolv e u todo o probl e m a ?

- Creio que sim. Há uma ou duas coisa s... Aquele telegra m a , por exe m pl o, que Linnet Doyle leu.

Gostaria de es clar e c e r es s e ponto.

- Com os diab o s, es qu e c e m o - nos de perguntar a Doyle. Ia dizer- nos quand o a velha Otterbourn e
apar e c e u...

Vamo s perguntar- lhe nova m e n t e .

- Daqui a pouc o. Primeiro quer o conv er s ar co m certa pes s o a .

- Quem?
- Tim Al erton.

Race ergu e u as sobra n c el h a s .

- Al erton? Bom, va m o s man d á- lo cha m a r.

Tocou a ca m p ain h a e man d o u o criado dar o reca d o .

Tim entrou, co m expre s s ã o indag a d o r a na fisiono mi a.

- Mandara m- m e cha m a r?

- Sim, Mister Al erton. Sente- se.

Tim sentou- se. A expre s s ã o do seu rosto era atenta, ma s ligeira m e nt e contrariada.

- Alguma coisa e m que os poss a servir? - perguntou ele e m tom polido, ma s nada entusias m a d o .

- Até certo ponto, talvez - diss e Poirot. - O que real m e nt e lhe peç o é que m e ouça.

Tim ergu e u as sobra n c el h a s, ad mirad o, e replicou:

- Pois não. Ningué m sab e ouvir m elh or do que eu. Digo se m pr e: Humm m ... Humm m ... nos mo m e
n t o s oportuno s.

- óptim o. Humm m , Humm m , será muito expre s siv o. Eh bien, va m o s co m e ç a r. Quando os conh e
ci, e m Assuã o, Mister Al erton, senti grand e atracç ã o pelo sen h or e pela senh or a sua mã e. Para co m
e ç a r, ach o- a uma das pes s o a s mais enc a nta d or a s que conh e ci até hoje...

O rosto inexpre s siv o de Tim transfor m o u- se durante uns se g un d o s :

- Sim, é única - conc or d o u ele.

- Mas o que dep ois m e intere s s o u foi o facto de se referire m a certa pes s o a .

- Com o?

- Sim... Uma certa Joana Southw o o d . Porque, o sen h or sab e, eu tinha ouvido ess e no m e rec e nt e m
ente.

Poirot fez uma paus a e continuou:

- Nestes último s três ano s, certos roub o s de jóias têm preo c up a d o a Scotland Yard. Do tipo que pod e
ser des crito co m o "roub o s sociais". O m ét o d o é geral m e nt e o m e s m o : a substituiçã o da jóia
verda d eira por uma imitaçã o. O inspe ct or Japp, que é m eu amig o, che g o u à con clus ã o de que os
roub o s não era m praticad o s por uma só pes s o a , ma s por duas, que muito inteligent e m e n t e
trabalhav a m de acord o. Estava conv e n ci d o, pelos indícios, de que os roub o s era m co m e tid o s por
pes s o a s da soci e d a d e . A sua atenç ã o fixou-se, finalm e nt e, e m Miss Joana Southw o o d .
Verificou- se que cad a uma das vítima s era sua parenta ou amig a, e e m todo s os cas o s ela che g ar a a
ter nas mã o s ou usar a jóia des a p ar e ci d a. Além do mais, a sua man eira de viver não estav a de acord
o co m a sua fortuna. Por outro lado, estav a provad o que o roub o propria m e nt e dito, isto é, a
substituiçã o, não fora co m e tid o por ela. Em certas oca siÕe s, ela ach a v a- se fora da Inglaterra no mo
m e n t o da substituiçã o. E assi m, pouc o a pouc o, uma ideia se form ou no cére br o do inspe ct or Japp.

Miss Southw o o d fora, e m certa épo c a, sócia de uma firma de jóias de fantasia. Japp ach o u que provav
el m e nt e ela exa min a v a as jóias das amig a s, des e n h a n d o - as minucio s a m e n t e , provide n ci
an d o e m seg uid a para que foss e m copiad a s por algu m joalheiro hábil e pouc o escrupulo s o . Depois
disso, havia a substituiçã o da jóia verda d eira pela falsa, substituiçã o ess a feita por uma terceira pes s o a
, algu é m que pude s s e provar não ter exa min a d o a jóia, ne m tido interferên ci a algu m a na sua cópia.
Japp ignorav a a identidad e desta terceira pes s o a . Certos trech o s da sua conv er s a, Mister Al erton,
intere s s ar a m - m e. Um anel des a p ar e c e r a durante a sua estad a e m Maiorca, o senh or estivera
hosp e d a d o num a cas a ond e houv e uma des s a s substituiçõ e s , a sua intimidad e co m Miss Southw
o o d , tudo isso cha m o u a

minha atenç ã o . Além diss o, o facto de não gostar da minh a co m p a n hi a e de procurar evitar a ca m ar
adagem

entre sua mã e e eu... Poderia, é claro, tratar- se apen a s de antipatia pes s o al, ma s ach ei que não era ess
e o cas o. O

sen h or fazia grand e esforç o para ocultar, sob certa afabilidad e, ess a antipatia. Eh bien, dep ois da m
orte de Linnet, des c o b riu- se o des a p ar e ci m e n t o das pérolas. Compr e e n d e , pois, que imediata
m e nt e m e lem br ei do sen h or! Mas não fiquei satisfeito. Porqu e, se, co m o des c o nfio, é cúmplic e
de Miss Southw o o d (íntima amig a de Mistress Doyle) entã o o m ét o d o e m preg a d o seria a
substituiçã o, não o roub o pura e simpl e s m e n t e . Mas as pérolas são dev olvida s inesp er a d a m e n t
e , e que des c u br o eu?... Que se trata apen a s de uma imitaçã o.

Sei entã o que m é o verdad eiro ladrão.

O colar dev olvido era falso; a substituiçã o fora feita anterior m e nt e.

Poirot fitou o rapaz sentad o na sua frente. Tim estav a pálido. Não tinha o espírito co m b ativ o de
Pennington. Era de outro tipo, mais franco, m e n o s calejad o. O rapaz excla m o u, esforç a n d o- se por
mant er o tom zo m b e t eiro:

- Que diz? E, se foi isso o que aco nt e c e u , que fiz entã o às pérolas?

- Tam b é m sei ond e estã o.

A expre s s ã o de Tim transfor m o u- se.

Poirot continuou lenta m e nt e :

- Há so m e nt e um lugar ond e pod e m estar. Reflecti sobr e isso, e che g u ei a esta con clus ã o . As
pérolas, Mister Al erton, estã o es c o n did a s num terço, na sua cabina. As contas do terço são entalha d a
s co m muita perfeiçã o... Provav el m e nt e feitas sob enc o m e n d a . Estas contas pod e m ser des
atarraxa d a s , se be m

que ningu é m o perc e b e ri a, ao vê- las. Dentro de cad a conta está uma pérola, colad a co m sec c otin e.
Muitos investiga d or e s policiais resp eita m os obje ct o s religios o s, a não ser que haja nele s algo que
real m e nt e cha m e a aten ç ã o . O senh or contou co m isso. Tentei des c o b rir de que man eira Miss
Southw o o d lhe man d ar a a imitaçã o... Deve ter vindo pelo correio, uma vez que o sen h or decidiu esta
viag e m quand o soub e , e m Maiorca,

que Mistress Doyle estav a aqui e m lua- de- m el. Na minh a opinião, o colar veio num livro, quadra d o ,
cortad o nas página s do centro. Em geral, os livros não são ab erto s no correio.

Houve uma paus a, uma long a paus a. Depois Tim diss e ser e n a m e n t e :

- O senh or venc e u. Mas foi uma ave ntura intere s s a nt e. Não há nada a fazer, creio eu, a não ser ac
eitar o castig o.

Poirot inclinou a cab e ç a .

- Sabe que foi visto, aqu el a noite?

- Visto? - excla m o u Tim co m um sobr e s s alto.

- Sim. Algué m o viu sair da cabina de Linnet Doyle, na noite do crim e.


Tim excla m o u:

- Oiça! Não pens a... Juro que não fui eu que a mat ei! Tenh o estad o e m palpos de aranh a... Escolh er log
o aqu el a noite!... Céus, que pes a d el o tem sido isto para mi m.

- Sim, o sen h or dev e ter tido mo m e n t o s des a g r a d á v ei s -

con c ord o u Poirot. - Mas ag ora que a verda d e veio à luz, talvez nos poss a ajudar. Mistress Doyle

estav a viva ou morta, quand o o sen h or roub ou as pérolas?

Tim resp o n d e u e m voz rouca:

- Não sei. Juro por Deus, Monsieur Poirot, que não sei. Eu des c o b rira ond e ela deixav a o colar durante
a noite... na m e sinh a de cab e c e ir a. Entrei de man sinh o, este n di a mã o e agarrei o colar, deixand o
ali o falso. Calculei, naturalm e nt e, que ela estive s s e a dor mir.

- Não ouviu a respiraç ã o ? É claro que procurou ouvir?

- Estava tudo muito silenci o s o... muito silenci o s o... - diss e Tim, parec e n d o real m e nt e sinc er o. -
Não; não m e lem br o de tê- la ouvido respirar...

- Havia algu m cheiro a pólvora quei m a d a no ar co m o se um tiro tives s e sido dad o rec e nt e m e n t e
?

- Não o creio. Não m e lem br o.

Poirot suspirou.

- Então esta m o s na m e s m a .

- Quem foi que m e viu? - perguntou Tim co m curiosida d e .

- Rosalie Otterbourn e. Veio do outro lado do navio, viu- o sair da cabina de Linnet e entrar na sua.

- Então foi ela que m lhe contou...

Poirot replicou suav e m e n t e :

- Desculpe- m e; não foi ela que m m e contou.

- Mas entã o... co m o che g o u a sab er?

- Porqu e sou Hercule Poirot! Não precis o que m e diga m! Quando lhe pergunt ei, sab e o que ela m e resp
o n d e u? Não vi ningu é m ." Mas m e ntiu.

- Porqu ê?

Poirot replicou despr e o c u p a d a m e n t e :

- Talvez por ter pens a d o que o ho m e m que ela vira era o ass a s si n o. Tinha razão para pens ar isso.

- Mais um motivo para lhe contar.

Poirot enc ol h e u os om br o s.

- Não foi ess a a opinião de Miss Otterbourn e.

Tim diss e, co m uma nota es quisita na voz:

- É uma pequ e n a extraordinária. Deve ter sofrido muito co m aqu el a sua mã e.


- É verdad e . A vida não tem sido muito fácil para ela.

- Pobre m e nina... - mur mur ou Tim. E voltand o- se para Race: -

Confes s o ter roub a d o as pérolas, e os

sen h or e s enc o ntrá- las- ão exa cta m e n t e ond e diss er a m que estã o. Sou culpad o, sim. Mas, quanto
a Miss Southw o o d ... não confe s s o coisa algu m a . Os sen h or e s não têm prova s contra ela. A man
eira co m o con s e g ui o colar falso é coisa que só a mim diz resp eito.

- Atitude muito corre cta - mur mur ou Poirot.

- Sempr e cav alh eiro! - co m e nt o u Tim.

E dep ois de uma pequ e n a paus a:

- O senh or co m pr e e n d e ag ora por que m otivo eu ficava aborre cid o ao ver minh a mã e se m pr e a
procurá- lo, Monsieur Poirot. Não sou crimino s o bastant e calejad o para gostar de m e ver cara a cara co
m um grand e dete ctiv e, ainda mais ante s de levar a efeito uma opera ç ã o arrisca d a! Talvez que outro
sentiss e prazer niss o.

Eu não. Para ser franco, fiquei co m muito m e d o!

- Mas ne m assi m desistiu?

Tim enc olh e u os om br o s .

- O m e d o não bastou para tanto. A troca tinha de ser feita; uma óptima oportunidad e se apre s e nt a v a
aqui no navio. Duas cabina s dep oi s da minha, e Linnet tão preo c up a d a co m os seus ab orre ci m e nt
o s , que não notaria a substituiçã o...

- Não sei, não...

- Que quer dizer co m isso? - perguntou viva m e nt e Tim.

Poirot tocou a ca m p ain h a.

- Vou pedir a Miss Otterbourn e que venh a aqui por alguns minutos.

Tim franziu as sobran c el h a s , ma s nada diss e.

Rosalie entrou logo dep ois. Os seus olho s, incha d o s de chorar, tivera m uma expre s s ã o ad mirad a ao
ver Tim. Mas a atitude des afiad or a des a p ar e c e r a por co m pl et o.

Sentou- se, fitando Poirot e Race, co m uma docilidad e inesp er a d a .

- Sentim o s muito inco m o d á - la, Miss Otterbourn e

- diss e Race suav e m e n t e , um tanto aborre cid o co m Poirot.

- Não tem importân cia - mur mur ou a jove m .

Poirot tom o u a palavra:

- Preciso de es clar e c e r um ou dois pontos, ma d e m o i s e ll e.

Quando lhe perguntei se tinha visto algué m

no tom b a dilh o, à uma e dez, naqu el a ma drug a d a , a senh or a resp o n d e u- m e que não. Felizm e nt
e, cons e g ui des c o b rir a verda d e se m o seu auxílio. Mister Al erton confe s s o u que este v e na
cabina de Linnet Doyle a noite pass a d a .
A jove m olhou de relanc e para Tim, e este inclinou grav e m e n t e a cab e ç a .

- A hora está certa, Mister Al erton?

- Certíssi m a.

Rosalie fitava- o, perplexa. Os seus lábios trem er a m . ..

entre a brira m- se...

- Mas voc ê não... não...

Ele resp o n d e u viva m e nt e :

- Não; não a mat ei. Sou ladrão, não ass a s si n o.

Tudo virá à luz, de m o d o que não há mal nenhu m e m sab er- se a verda d e . Eu estav a co m os olho s
naqu el e colar!

- Mister Al erton diz que foi à cabina naqu el a noite trocar o colar verda d eiro por um falso - diss e Poirot.

- É verdad e ? - perguntou Rosalie.

Os olho s grav e s, tristonh o s , interrog ar a m - no suav e m e n t e .

- É verdad e - diss e Tim.

Houve uma paus a. Race rem e x e u- se na cad eira constran gid o.

Poirot continuou, num tom es quisito de voz:

- Com o diss e, é esta a história de Mister Al erton, e m parte confirma d a pelo seu teste m u n h o , mad e
m o i s ell e. Isto é, há prova s quanto ao facto de ter ele visitad o a cabina de Linnet a noite pass a d a , ma
s não quanto ao m otivo de tal visita.

Tim fitou- o, excla m a n d o :

- Mas o sen h or sab e!

- Sei o quê?

- Bom... Sabe que tenh o o colar e m m eu pod er.

- Mais oui... mais oui. Sei que tem o colar, ma s não sei quand o se apod er o u dele. Talvez tenha sido
antes da noite pass a d a ... Ainda há pouc o o sen h or m e diss e que Linnet não teria notad o a substituiçã
o. Não estou muito certo disso. Suponh a m o s que tivess e notad o...

Suponh a m o s que soub e s s e que m era o culpad o... que tivess e am e a ç a d o denun ciá- lo... E supon
h a m o s que o sen h or tenha ouvido a cen a entre Jacqu elin e e Simon, e que, assi m que viu o salão
vazio, entrou ali, apod er a n d o - se do revólv er... E que mais tarde, quand o havia silêncio a bord o, foi à
cabina de Linnet para impe dir de uma vez por toda s que ela o denun ci a s s e ...

- Meu Deus!... - mur mur ou Tim, fitando Poirot co m olhar de intens o sofrim e nt o.

O dete ctiv e continuou:

- Mas algu é m mais o viu: Louise Bourget. No dia se g uinte, foi procurá- lo. O senh or co m pr e e n d e u
que ced er à chanta g e da rapariga seria tornar- se para se m pr e seu es crav o. Fingiu con c ord ar, marc a
n d o enc o ntro na cabina dela para dep ois do alm o ç o . E entã o, quand o Louise contav a o dinh eiro,
matou- a... Mas a sorte não estav a do seu lado. Algué m o viu dirigir-se para a cabina... Mistress
Otterbourn e. Mais uma vez o sen h or teve que agir pronta m e nt e , louca m e nt e , ma s era a sua única
oportunidad e! Ouvira Pennington falar do revólv er... Correu à cabina dele, apan h o u o revólv er, ficou
do lado de fora da cabina do doutor Bessn er e atirou antes que Mistress Otterbourn e pude s s e revelar o
seu no m e ...

- Não! - excla m o u Rosalie. - Não foi ele!

Não foi.

- Depois disto, fez a única coisa que lhe era possív el fazer. Deu a volta pela popa, e quand o dei co m o sen
h or, fingiu que vinha e m direcç ã o contrária. O sen h or usara luvas, e estas luvas estav a m no seu bolso.

- Diante de Deus juro que nada diss o é verda d e!

- excla m o u Tim.

Mas a voz trémula e hesitante não era nada convinc e nt e.

Nisto, a excla m a ç ã o de Rosalie surpre e n d e u- os a todo s.

- Claro que não é verdad e! E Monsieur Poirot sab e- o be m.

Fala assi m por algu m motivo oculto.

Poirot fitou- a, sorrindo. Estend e u as mã o s, de palm a s para cima, co m o que m entreg a os ponto s.

- Made m oi s ell e é inteligent e de mais... Mas con c or d a m que foi eng e n h o s o ?

- Com os diab o s...

Tim pareci a furioso, ma s Poirot contev e- o co m um ge st o.

- As aparê n ci a s estã o contra si, Mister Al erton, e quero que não se es qu e ç a disto. Agora, vou dizer-
lhe algo mais agrad á v el. Ainda não exa min ei aqu el e terço na sua cabina. Pode ser que, quand o o fizer,
não enc o ntre ali coisa algu m a . E uma vez que Madem oi s ell e Rosalie insiste e m dizer que não viu
ningu é m no tom b a dilh o...

eh, bien nada tem o s contra o sen h or. O colar foi tirado por uma clepto m a ní a c a , que o dev olv e u.
Está num a caixa na m e sin h a ao lado da porta; se o senh or e mad e m o i s ell e quiser e m exa min á-
lo...

Tim ergu e u- se e perm a n e c e u um mo m e n t o imóv el.

Quando falou, as suas palavras soara m inad e q u a d a s , ma s pare c e r a m satisfazer os ouvinte s.

- Obrigad o. Não precis arã o de dar- m e outra oportunidad e .

Abriu a porta para a rapariga pass ar, e levou a caixinha.

Seguira m lado a lado pelo tom b a dilho. Tim abriu a caixa, tirou de dentro o colar falso e atirou- o ao
Nilo.

- Pronto! Quando dev olv er a caixa a Poirot, o colar verdad eiro estará dentro dela. Que idiota tenh o sido!

Rosalie diss e e m voz baixa:

- Com o foi que co m e ç o u ?

- Com o co m e c e i? Oh, não sei ao certo. Tédio...

preguiç a... espírito de aventura. Maneira muito mais agrad á v el de pass ar o temp o que na prisão de um
escritório.
Há-de parec er- lhe sórdido... ma s tinha uma certa atracç ã o . Principal m e nt e por caus a do perig o.

- Creio que co m pr e e n d o .

- Sim, ma s voc ê nunc a faria uma coisa des s a s .

Rosalie ficou pens ativa alguns minutos, dep ois resp o n d e u:

- Não; não faria.

- Oh, minh a querida... voc ê é tão linda.. tão linda! Porqu e não quis dizer que m e viu a noite pass a d a?

- Pens ei que... pod eria m susp eitar de si.

- E susp eitou de mi m?

- Não. Não o ach ei capaz de matar algu é m .

- Te m razão; não sou feito da ma s s a forte dos ass a s sin o s .

Sou apen a s um mís er o ladrão.

Ela tocou- lhe timida m e nt e no braç o.

- Não diga isso...

Tim seg ur ou co m força a mã o de Rosalie, dizend o:

- Minha querida, seria possív el... Sabe a que m e refiro?... Ou lançar- m e- ia se m pr e e m rosto...

Ela replicou, sorrindo:

- Há coisa s que tam b é m voc ê m e pod eria lançar e m rosto...

- Rosalie, m e u am or...

Ela fez um gesto, deten d o- o:

- Mas... e Joana?

- Joana?! Você é co m o a ma m ã! Não ligo a míni m a importân cia a Joana... Te m cara de caval o e olho
s

de ave de rapina... Uma criatura muito pouc o atrae nt e, enfim.

Rosalie diss e, após uma paus a:

- Sua mã e não precis a sab er de nada.

- Não sei - replicou Tim, pens ativo. - Creio que lhe contar ei. A ma m ã é forte. Pode agu e nt ar muita
coisa.

Sim, creio que vou desfaz er- lhe as ilusÕes mat ern ais a m eu resp eito. Ficará tão conte nt e ao sab er

que as minh a s relaç õ e s co m Joana era m pura m e nt e co m e r ci ais, que m e perdo ar á seja o que for!

Tinha m ch e g a d o à cabina de Mrs. Al erton. Tim bateu à porta co m firmeza. Mrs. Al erton apare c e u .

- Rosalie e eu... - co m e ç o u Tim.

Fez uma paus a.


- Oh, m eu s querido s... - excla m o u Mrs. Al erton abraç a n d o Rosalie. - Minha querida m e nina...

Eu tinha esp er a n ç a s , ma s Tim era tão es quisito!..

Fingia que não gostav a de si! Mas claro que não m e eng a n o u.

Rosalie balbuci ou:

- A sen h or a foi se m pr e tão boa para mi m... tão boa... Desejei que...

Não pôd e continuar, apoian d o, feliz e soluça nt e, a cab e ç a no o m br o de Mrs. Al erton.

CAPíTULO 27

Quando a porta se fech o u sobr e Tim e Rosalie, Poirot voltou- se co m ar penitente para Race. O coron el
estav a muito sério.

- Cons e nt e no m e u arranjo, não cons e nt e? - perguntou o dete ctiv e. - É um tanto irregular... Sei que é
irregular... ma s prezo muito a felicidad e das criaturas.

- Não pare c e prezar a minha! - queixou- se Race.

- Aquela jeun e fil e... tenh o um fraco por ela, e vejo que está apaixon a d a . Será um óptim o cas a m e n t
o.

Ela tem as qualidad e s fortes que lhe faltam a ele.

A mã e gosta de Rosalie... tudo tão be m co m bin a d o!

- Em resu m o , o cas a m e n t o foi arranjad o pelos deus e s e por Hercule Poirot. Só m e resta tom ar
parte na con spiraç ã o .

- Mas, m on ami, eu diss e- lhe que isto tudo não pass a de m era supo siç ã o da minha parte.

Race não pôd e deixar de rir.

- Está certo, está certo. Não sou nenhu m polícia, graç a s a Deus! Não duvido de que o rapaz and e direito
daqui por diante. A rapariga é muito corre cta quanto a isso não há dúvida. Não; do que m e queixo é da
sua man eira de m e tratar, a mi m! Sou paci ent e, ma s existe um limite para ess a paciên ci a. Você sab e
que m co m e t e u os três crim e s nest e navio, ou não sab e ?

- Sei.

- Então para quê toda esta leng al e n g a ?

- Acha que m e estou a divertir co m conje cturas?

E isso aborre c e - o? Mas não é co m o pens a. Duma vez fiz parte de uma exp e diç ã o arqu e ol ó gi c a e
ali apren di algu m a coisa. Durante a esc a v a ç ã o , quand o saía algu m a coisa da terra, tirava m cuidad
o s a m e n t e tudo quanto estav a e m volta.

Primeiro a terra solta, raspan d o

aqui e ali co m uma faca, até que o obje ct o apar e c e s s e limpo, isolad o, pronto para ser fotografad o se
m ele m e nt o s estranh o s a defor m á- lo. É o que tenh o procurad o fazer; afastar os ele m e nt o s
estranh o s para que

poss a m o s ver a verda d e , a verdad e nua e crua.

- Muito be m . Que venh a entã o ess a verda d e nua e crua! Não foi Pennington. Não foi Al erton. Não dev
e ter sido Fleetw o o d . Para variar, diga- m e que m foi.
- Meu amig o, é justa m e nt e o que vou fazer.

Ouviu- se uma panc a d a na porta. Race blasfe m o u baixinho.

Cornélia e o Dr. Bessn er entrara m. A rapariga pare cia muito perturbad a.

- Oh, coron el Race! Miss Bowers aca b a de m e contar a resp eito da prima Marie... Levei um cho q u e
horrível! Miss Bowers diss e que não podia mais suportar sozinh a a resp o n s a bilidad e, que era m elh or
eu sab er, já que faço parte da família. A princípio, não quis acreditar, ma s o doutor Bessn er tem sido
muito bo m...

- Nada disso - prote st ou o m é di c o, m o d e s t a m e n t e .

- Te m sido tão am á v el, explicand o tudo, e co m o a pes s o a não tem culpa... Ele já teve cas o s de
clepto m a ni a na sua clínica. E explicou- m e que muitas vez e s é um cas o agud o de neuro s e ...

Cornélia pronunci ou a última palavra co m profunda rever ê n ci a. Com o os outros nada diss e s s e m ,
continuou:

- Está implantad o no subc o n s ci e nt e, às vez e s por caus a de algu m a coisa que aco nt e c e u quand o
a pes s o a era crianç a. Ele tem curad o muita gente, fazend o o do e nt e pens ar no pass a d o , procuran d
o lem br ar- se que

coisa era ess a...

Cornélia vez uma paus a, respirou, e continuou:

- Mas estou preo cup a dí s si m a , co m m e d o de que venh a m a des c o b rir. Seria horrível, se che g a s
s e m a sab er e m

Nova Iorque! Imagine, os jornais publicaria m a notícia...

A prima Marie, a ma m ã ... nenhu m a delas pod eria andar de cab e ç a erguida.

Race suspirou:

- Sim, sen h or, pelo que vejo, isto aqui é a Casa dos Segred o s .

- Perdã o, coron el Race?

- Eu queria dizer que qualqu er coisa m e n o s grav e do que o ass a s sí ni o está a ser ocultad a.

- Oh, que alívio! - excla m o u Cornélia juntand o as mã o s. - Tenh o anda d o tão preo c up a d a ...

- A sen h or a tem muito bo m cora ç ã o - diss e Bessn er, dand o- lhe uma panc a dinh a ben e v ol e nt e
no o m br o. E, voltand o- se para os outros: - É muito nobr e e sen sív el.

- Oh, não. O sen h or é que está a ser am á v el.

- Te m visto Mister Fergus o n? - perguntou Poirot.

Cornélia corou.

- Não, ma s a prima Marie tem falado sobr e ele.

- Parec e que o rapaz é nobr e - obs erv o u Bessn er. - Confes s o que não dá es s a impre s s ã o . As suas
roupas são horríveis. Nem por so m br a s pare c e um rapaz de educ a ç ã o!

- E qual é a sua opinião, mad e m o i s ell e?

- Acho que é maluc o, pura e simpl e s m e n t e - declarou Cornélia.


Poirot perguntou, voltand o- se para o m é di c o:

- Com o vai o seu do e nt e?

- Ach, vai indo optim a m e n t e . Acabo de tranquilizar a pequ e n a Fraulein de Bel efort. Talvez não acre
dite m , ma s enc o ntr ei- a e m estad o de des e s p e r o , só porqu e o rapaz tinha um pouc o de febre hoje
à tarde! Nada mais natural. É m e s m o extraordinário que a febre não tenha subido mais ainda. Ele é co m
o alguns

dos nos s o s ca m p o n e s e s ; tem um óptim o org anis m o .

Tenh o- os visto grav e m e n t e feridos, não pare c e n d o sentir coisa algu m a. O m e s m o se dá co m


Mister Doyle. O pulso dele está nor m al, a temp er atura apen a s um pouc o mais elev a d a do que devia
estar. Cons e g ui acal m ar os rec ei o s da rapariga. Em todo o cas o, é ridículo, nicht wahr? Num mo m e
n t o , dá um tiro ao sujeito, e no mo m e n t o seg uinte tem m e d o que ele morra!

Cornélia diss e:

- Ela am a- o apaixon a d a m e n t e ; é por isso.

- Ach, ma s não está certo! Se a senh or a gosta s s e de um ho m e m , iria dar- lhe um tiro? Não; é sen s at
a de mais para isso.

- De qualqu er man eira, não gosto de coisa s que faze m barulho! - excla m o u infantilm e nt e Cornélia.

- Claro que não. É muito feminina...

Race interro m p e u a troca de am a bilidad e s .

- Se Simon está be m , não vejo motivo para não reatar m o s a nos s a conv er s a de hoje à tarde. Estava a
falar- m e de um telegra m a ...

- Ah! Ah! Muito engra ç a d o - excla m o u Bessn er.

- Doyle falou- m e do tal telegra m a . Batatas, alcac h ofra s...

Ach? Perdã o?

Race endireitara- se na cad eira, excla m a n d o :

- Meu Deus! Então é ele! Richetti...

Voltou- se para os outros três, que o fitava m se m nada co m pr e e n d e r.

- Um nov o códig o, usad o na reb eliã o da áfrica do Sul. Batatas significa m m etralha d or a s; alcac h
ofra s, explosivo s pod er o s o s , e assi m por diante. Richetti é tão arqu e ól o g o co m o eu! É um perig o
s o agitad or, um ho m e m que já matou várias pes s o a s . Mistress Doyle abriu o telegra m a por eng a n
o , os senh or e s co m pr e e n d e m . Se repetiss e na minha frente o que lera, Richetti estaria perdido!

Race pare c e u reflectir. E dep ois, voltand o- se para Poirot:

- Acertei? É Richetti o crimino s o?

- É o seu ho m e m - declarou Poirot. - Sempr e ach ei que havia qualqu er coisa de es quisito nele. Era
perfeito de mais no seu pap el. Só arqu e ól o g o , não uma criatura hum a n a .

Poirot fez uma paus a, e, co m o os outros nada diss e s s e m , continuou:

- Mas não foi Richetti que m matou Linnet Doyle. Há já algu m temp o que conh e ç o o que cha m o a
prim eira m eta d e " do ass a s si n o. Agora conh e ç o tam b é m a se g un d a m eta d e". O quadr o está
co m pl et o.
Mas co m pr e e n d a m que, e m b o r a saiba o que acont e c e u , não tenh o prova s. Intelectual m e nt e,
a soluç ã o satisfaz- m e. Há apen a s uma esp er a n ç a : confiss ã o, por parte do ass a s sin o.

Bessn er ergu e u ceptica m e n t e os om br o s .

- Ach! Mas isso seria um milagre.

- Não o creio. Não nas circunstân ci a s actuais.

- Mas que m é? - excla m o u Cornélia. - Não vai dizer- nos?

O olhar de Poirot foi de um para o outro. Race sorria ironica m e n t e ; Bessn er continuav a céptico;
Cornélia, de lábios entre a b e rt o s fitava- o co m expre s s ã o profunda m e n t e intere s s a d a .

Race m ex e u- se na cad eira e excla m o u:

- Então, va m o s ver até que ponto che g a a inteligên ci a de Hercule Poirot!

- Para co m e ç a r, fui idiota, co m pl eta m e n t e idiota

- diss e o dete ctiv e. - O mai or obstá cul o era o revólv er, o revólv er de Jacqu eline. Porqu e não ficara no
local do crim e? A intenç ã o do ass a s si n o era certa m e nt e

"criminá- la. Por que m otivo levou a arm a? Fui tão idiota que imagin ei os mais fantástico s m otivo s. E o
verda d eiro era muito simple s! O ass a s si n o levou o revólv er porqu e precis av a de levá- lo... porqu e
não podia fazer outra coisa!

CAPíTULO 28

Poirot inclinou- se para Race e continuou:

- Você e eu, m e u amig o, iniciá m o s a nos s a investig a ç ã o co m uma ideia prec o n c e b i d a .


Acháva m o s que o crim e fora perp etrad o num impulso de mo m e n t o , se m nenhu m plano anterior.
Algué m des ej a v a eliminar Linnet Doyle e aprov eitara a oportunidad e de agir num mo m e n t o e m
que o crim e seria certa m e nt e atribuído a Jacqu eline de Bel efort. Daí se con cluía que es s a pes s o a
ouvira a cen a entre Jacqu eline e Simon, e se apod er ar a da arm a quand o os outros saíra m do salão.

"Mas, m eu amig o, se ess a noss a ideia prec o n c e b i d a estive s s e errad a, entã o todo o asp e ct o da
que st ã o ficava alterad o. E estav a errad a! O crim e não fora co m e tid o impulsiva m e nt e . Ao
contrário, fora plan e a d o , calculad o co m muita precis ã o , tend o todo s os porm e n o r e s sido estud a
d o s de ante m ã o , até m e s m o quanto ao narcótico vertido aqu el a noite na garrafa de vinho de Hercule
Poirot! Tom o vinho; os m eu s co m p a n h e ir o s de m e s a tom a m : um, água mineral; o outro, whisk
ey e sod a. Nada mais simple s do que deitar uma dos e de um narc ótic o inofen siv o no m eu vinho, uma
vez que as garrafas ficara m na m e s a todo o dia. Mas não ach ei isso prováv el. O dia estivera quent e, e
eu sentia- m e cans a dí s si m o ; não era de ad mirar que, contra o m eu costu m e , eu tivess e dor mid o
profunda m e n t e .

"Compr e e n d a m - m e: ainda estav a sob a impre s s ã o daqu el a ideia prec o n c e b i d a. Se eu tives s


e sido narcotizad o, entã o o crim e teria sido pre m e ditad o... Quero co m isto dizer que, ante s das sete e
trinta, quand o foi servido o jantar, o crim e já fora plan e a d o ... E isto (sob o ponto de vista da ideia prec
o n c e b i d a) era absurd o.

O prim eiro obstá c ul o à ideia prec o n c e bi d a foi o facto de ter o revólv er sido enc o ntrad o no Nilo.
Para co m e ç a r, se as nos s a s dedu ç õ e s estive s s e m certas, o revólv er nunca dev eria ter sido atirado
ao rio. E ainda mais..

Poirot voltou- se para Bessn er:

- O senh or, doutor Bessn er, exa min o u o corpo de Linnet Doyle. Lembra- se que o ferim e nt o apres e nt
a v a sinais de cha m u s c a d o , significand o que o tiro fora dad o co m a arm a rente à cab e ç a .
Bessn er inclinou a cab e ç a , dizend o:

- Sim, é exacto.

- Mas o revólv er foi enc o ntrad o dentro de uma éch arp e de velud o, pod e n d o - se verificar que a bala
perfurara as dobra s do tecido, pare c e n d o que a intenç ã o do crimino s o fora abafar o so m. Mas se o
tiro tivess e sido dad o atrav é s do veludo, não hav eria sinais cha m u s c a d o s na pele da vitima. E,
portanto, o tiro dad o atrav é s da éch arp e não podia ser o tiro que matara Linnet Doyle.

Poderia ter sido o outro, de Jacqu eline contra Simon?

Não, pois quanto a isso havia teste m u n h a s . Parecia, portanto, que houv er a um terceiro tiro, sobr e o
qual nada sabí a m o s . Mas duas balas so m e nt e havia m sido picad a s.

"Estava ali uma curios a circunstân ci a, difícil de ser explicad a. O seg un d o ponto intere s s a nt e fora m
os dois frasc o s do verniz, que enc o ntrei na cabina de Linnet.

Agora, rara m e nt e as senh or a s troca m a cor do verniz das unha s, e eu notei que as unha s de Linnet
tinha m se m pr e a tonalidad e cha m a d a "Cardinal", de um ver m el h o- escur o. O outro frasc o estav a
marc a d o "Rose", que é de um rosa- pálido. Mas as pouc a s gotas no fundo do frasc o não era m cor- de-
rosa, ma s de um ver m el h o- vivo. A curiosidad e fez que eu destap a s s e o frasc o e cheiras s e o cont eú
d o . Em vez do ac e ntua d o perfum e de pêra, havia ali um ch eiro de vinagr e! Isto queria dizer que as
duas gotas lá no fundo devia m ser de tinta ver m el h a! Ora: não havia motivo para que Mistress Doyle
não tivess e tinta ver m el h a na cabina, ma s seria mais natural que a guarda s s e num frasc o de tinta e
não num frasc o de verniz. Estava ali um elo co m o lenç o man c h a d o de rosa, enc o ntrad o à volta do
revólv er. Tinta ver m el h a ao contact o da água des a p ar e c e co m facilidad e, ma s se m pr e deixa um
tom rosad o.

"Talvez que só co m este s indícios eu dev e s s e ter che g a d o à verda d eira conclus ã o , ma s houv e um
acont e ci m e n t o que aca b o u co m todas as dúvidas. Louise

Bourget foi ass a s sin a d a de man eira que a indicav a clara m e nt e co m o chanta gista. Segurav a o
canto de uma nota de mil franc o s... Lembr ei- m e tam b é m das significativas palavra s que m e diss er a
naqu el a man h ã ...

Ouça m cuidad o s a m e n t e , pois aqui está a chav e do proble m a .

Quando lhe perguntei se vira algu m a coisa na noite anterior, ela deu- m e uma resp o st a muito curios a:

"Claro que se não tivess e sentido son o, se tivess e subido as es c a d a s , talvez tives s e visto o ass a s sin
o, ess e mo n stro, entrar ou sair da cabina de mad a m e " ... Agora, que é que isto significa?

Bessn er, que pare cia intelectual m e nt e intere s s a d o no assunto, sug eriu:

- Significava que subira as esc a d a s .

- Não, não; o senh or não co m pr e e n d e aond e quero che g ar.

Porque dizia ela isto a nós?

- Para insinuar...

- Mas para que insinuar a nós? Se sabia que m era o ass a s si n o, pod eria ter agido de duas man eira s:
dizer- nos a verdad e , ou guardar silêncio e explorar o crimino s o! Mas não fez ne m uma ne m outra
coisa. Não diss e pronta m e nt e: "Não vi ningu é m . Eu estav a a dor mir." Nem tão- pouc o: ""Vi algu é
m , Fulano- de- tal.

Porque se serviu daqu el a frase co m plica d a? Parbleu, só pod e hav er uma razão!

Ela estav a a insinuar para o


ass a s si n o, e, portanto, o ass a s si n o devia estar pres e nt e na oca si ã o. Mas, alé m de nós dois, Race e
eu, só estav a m ali duas pes s o a s : Simon Doyle e o senh or, doutor Bessn er.

O m é dic o deu um salto da cad eira.

- Ach! Que está dizend o? Está a acus ar- m e? Mas isso é ridículo, incon c e b í v el!

Poirot diss e brusc a m e n t e :

- Fique quieto. Estou a dizer- lhe quais as minha s reflexõ e s , na oca si ã o. Sejam o s impe s s o a i s.

- Ele não está a acus á- lo - diss e Cornélia e m tom con ciliad or.

Poirot continuou viva m e nt e :

- E, portanto, só restav a m os outros dois: Simon Doyle e Bessn er. Mas que razão tinha Bessn er para
matar Linnet Doyle? Nenhu m a, a julgar pelas aparê n ci a s.

Simon Doyle, entã o? Mas isso era impo s sí v el!

Havia muitas teste m u n h a s de que ele não saíra do salão antes do conflito. Depois, fora ferido; ter- lhe-
ia sido mat erial m e nt e impo s sí v el sair dali. Tinha eu prova s disso? Sim. Havia o dep oi m e nt o de
Miss Robso n, de Jim Fanthorp, de Jacqu elin e de Bel efort, quanto à prim eira parte; a declara ç ã o de pes
s o a s co m p et e nt e s co m o Miss Bowers e o doutor Bessn er, quanto à seg un d a. Não havia dúvida
possív el. E, portanto, Bessn er devia ser o culpad o. Em favor des s a teoria havia o

facto da criada ter sido apunh al ad a co m um instrum e nt o cirúrgico. Mas, por outro lado, fora o próprio
Bessn er que m cha m a r a a atenç ã o para ess e ponto!

"E entã o, m eu s amig o s, um outro facto indiscutível se apre s e nt o u ante os m e u s olho s. A insinuaç ã
o de Louise Bourget não pod eria ter sido feita a Bessn er, pois pod eria ter falado co m ele e m particular a
qualqu er m o m e n t o que o des ej a s s e . Tais palavras só pod eria m ter sido dirigidas a uma pes s o a :
Simon Doyle! Simon estav a ferido, tinha o m é di c o con stant e m e n t e a seu lado, estav a na cabina des
s e m é dic o... Ela arrisc ou- se a dirigir-lhe aqu el a s palavra s am bí g u a s , co m m e d o de não ter
outra oportunidad e . Lembro- m e de que se voltou para ele, excla m a n d o : "Monsieur, por favor...
Compr e e n d e a minha situaç ã o ? Que poss o eu dizer?" E a resp o st a dele: "Minha cara m e nin a, não
seja tola. Ningué m pens a que viu ou ouviu coisa algu m a. Não se preo c up e . Cuidarei de si. Ningué m a
acus a". Era esta a garantia que ela des ej a v a obter!

Bessn er soltou um grunhido imen s o .

- Ach! Que tolice! Acha que um ho m e m co m a perna fracturad a pod e andar pelo navio a matar os pass
a g eir o s? Garanto- lhe que teria sido impo s sí v el a Simon Doyle sair da cabina!

Poirot diss e suav e m e n t e :

- Sei diss o. Te m toda a razã o. Era impo s sív el...

ma s verdad eiro! Logica m e nt e , as palavra s de Louise só pod eria m ter tido um sentido. E, portanto,
voltei atrás, fazend o uma revisã o do cas o, estuda n d o os aco nt e ci m e nt o s à luz dest e novo conh e ci
m e nt o. Teria sido impo s sív el que, ante s da que stã o, Simon tivess e saíd o do

salã o se m que pes s o a algu m a lhe notas s e a aus ê n ci a?

Não ach ei a ideia ad mi s sív el. O teste m u n h o de pes s o a s co m p et e nt e s co m o Bessn er e Miss


Bowers pod eria ser despr ez a d o ? Tam b é m não. Mas lem br ei- m e de que houv er a um intervalo...
Simon Doyle ficara sozinh o no salã o pelo esp a ç o de cinco minutos, e o exa m e co m p et e nt e de
Bessn er fora feito dep ois dest e períod o. Para este períod o tínha m o s apen a s o teste m u n h o apar ent
e, visual; e, aquilo que pare c e r a prováv el, já não era certo. Que é que fora real m e nt e visto, deixand o
de lado as supo siç õ e s ?
Miss Robso n vira Miss de Bel efort atirar, vira Simon cair na cad eira, vira- o apertar contra a perna um
lenç o que gradu al m e nt e se fora tingindo de ver m el h o .

Que vira ou ouvira Mister Fanthorp? Ouvira um tiro, enc o ntrara Doyle co m um lenç o man c h a d o de
verm el h o à volta da perna. Que aco nt e c e r a dep ois? Doyle

m o strara- se muito insistent e, ao pedir que levas s e m dali Miss de Bel efort, dizend o que não a deixas s
e m sozinh a. Depois disso sug erira a Fanthorp que foss e cha m a r o m é di c o.

"E, portanto, Miss Robson e Miss de Bel efort e Mister Fanthorp saíra m dali, e nos seg uinte s cinco
minutos estivera m ocup a d o s no tom b a dilho a bo m b o r d o . As cabina s de Miss Bowers, do m é di c
o e de Miss de Bel efort ficam toda s daqu el e lado. Simon Doyle só precis av a de dois minutos... Apanha
o revólv er, tira os sapato s, corre co m o uma lebre pelo tom b a dilho, entra na cabina da esp o s a , que
está a dor mir, dá- lhe um tiro na cab e ç a , pÕe no lavatório o frasc o co m a tinta ver m el h a (é nec e s s
á ri o que não seja enc o ntrad o e m seu pod er!) volta a correr para o salão, apan h a a éch arp e de Miss
Van Schuyler (que anterior m e nt e esc o n d e r a no vão da poltrona) enrola- lhe o revólv er e dá um tiro
na própria perna... A cad eira ond e cai (co m verda d eira dor, desta vez) fica perto da janela. Ele abre a
janela e atira o revólv er ao Nilo, env olto na éch arp e e no lenç o rev elad or...

- Impossív el! - diss e Race.

- Não, m e u amig o, nada impo s sí v el. Lembr e- se do dep oi m e nt o de Tim Al erton. Ele ouviu um
estalo e e m se g uida o ruído de um baqu e. E ouviu mais algu m a coisa...

pass o s de que m corria, e m frente da sua cabina. Mas ningu é m devia andar a correr no tom b a dilho a
estibord o. Que ouvira Mister Alberton? Os pass o s de Simon Doyle, corren d o só de m ei a s.

- Ainda ach o impo s sí v el - declarou Race. - Ningué m pod eria ter agido co m ess a velocid a d e . Ainda
mais um sujeito de raciocínio lento co m o Doyle!

- Mas muito ágil, fisica m e nt e!

- Quanto a isso, de acord o. Mas não pod eria ter plane a d o tudo sozinh o co m todo s es s e s porm e n o r
es.

- Mas não plan e o u sozinh o, m eu amig o. Nisso é que estáv a m o s eng a n a d o s . Parecia um crim e co
m e tid o num impulso de mo m e n t o , ma s não era um crim e nes s e sentido!

Pelo contrário. Foi muito intelig ent e m e n t e plane a d o , e estuda d o minucio s a m e n t e . Não era
possív el que Simon tives s e por aca s o um frasc o de tinta no bols o. Não: foi propo sitad a m e n t e .
Não foi por aca s o que Jacqu eline deu um pontap é no revólv er, man d a n d o - o para baixo da poltrona,
de man eira a ficar ali es qu e ci d o até mais tarde.

- Jacqu elin e?

- Certam e nt e. A se gu n d a m eta d e do ass a s si n o.

Que foi que deu a Simon o seu álibi? O tiro dad o por Jacqu eline. Que foi que deu a Jacqu eline o seu
álibi?

A insistên ci a de Simon, que fez co m que a enfer m eira pass a s s e a noite toda ao lado dela. E, portanto,
enc o ntra m o s nos dois as qualidad e s nec e s s á ri a s: e m Jacqu elin e, a inteligên ci a fria e calculista;
e m Simon, o ho m e m de acç ã o , que co m e t e ria o crim e co m incrível rapidez e precisã o.

Poirot fez uma paus a e continuou:

- Analise m o cas o sob o ponto de vista certo, e toda s as dúvida s se dissiparã o. Simon e Jacqu elin e
tinha m sido apaixon a d o s um pelo outro. Admita m a hipóte s e de ainda se am ar e m e tudo fica esclar e
cid o. Simon liquida a esp o s a rica, herda o seu dinheiro e mais tarde cas ar á co m a antiga na m or a d a .
Muito inteligent e! A pers e g uiç ã o a Mistress Doyle, por parte de Jacqu elin e, fazia parte do plano. A
supo sta raiva de Simon. E no entanto... havia falhas. Ele queixara- se certa vez das mulh er e s autoritárias,
exprimind o- se co m sinc era am ar g ura. Eu devia ter perc e bi d o que pens a v a na sua mulh er, não e m
Jacqu eline. Depois, a sua atitude para co m a esp o s a , e m público. Um típico inglês, co m o Simon
Doyle, e m geral não é de m o n strativo. Simon não era verda d eira m e nt e um bo m actor. Exag er ou a
atitude apaixon a d a. E aqu el a conv er s a que tive co m Jacqu elin e, quand o ela quis que eu pens a s s e
que algu é m

estivera à escuta!... Eu não vi ningu é m . E não havia ningu é m! Mas isto seria mais tarde um porm e n o r
chei o de intere s s e . E dum a vez, aqui no navio, julguei ter ouvido uma conv er s a entre Simon e Linnet.
Dizia ele: "Agora tem o s que andar para diante." Era Simon, sim, ma s dirigindo- se a Jacqu eline.

"O dra m a final foi perfeita m e nt e calculad o. O narc ótico vertido no m eu vinho, para evitar que lhes
atrapalha s s e os plano s, a esc ol h a de Miss Robso n co m o

teste m u n h a , o prelúdio da cen a no salã o, o histeris m o de Miss de Bel efort, os seus rem or s o s exag
er a d o s . Ela fez bastant e barulho, para evitar que o tiro foss e ouvido.

En vérité, foi uma ideia muito inteligent e! Jacqu elin e declara ter atirado sobr e Doyle, Miss Robson
confirma as suas palavra s, Fanthorp diz a m e s m a coisa...

E, quand o o m é di c o exa min a Doyle, verifica que real m e nt e ele está ferido! Não pod e hav er
dúvida! Ambos con s e g uira m um perfeito álibi, à custa, naturalm e nt e, de certo risco e sofrim e nt o
para Simon. Mas era nec e s s á ri o que o sofrim e nt o de facto o inutilizass e durante algu m temp o.

"Mas houv e um imprevisto! Louise Bourget não tinha son o aqu el a noite. Subiu as es c a d a s e viu
Simon correr até à cabina da esp o s a e sair nova m e n t e dali. Isto bastou para que tirass e as suas conclus
õ e s no dia se g uinte. E, portanto, procurou gana n ci o s a m e n t e extorquir dinheiro, assinan d o assi m
a sua sente n ç a de m orte.

- Mas Mister Doyle não pod eria ter matad o Louise - excla m o u Cornélia.

- Não. Este crim e foi co m e tid o pela outra parc eira. Assim que teve oportunidad e , Simon pediu para

falar co m Jacqu eline. Cheg ou m e s m o a fazer- m e sinal para que os deixas s e sós. Falou- lhe do nov o
perigo.

Precisav a m de agir se m de m o r a! Ele sab e ond e Bessn er guarda os seus instrum e nt o s. Depois do
crim e, o

bisturi é posto de nov o no seu lugar; um pouc o tarde, um tanto ofeg a nt e, Jacqu eline entra no salão, para
alm o ç ar.

"Mas ne m assi m pass o u o perigo. Mistress Otterbourn e viu Jacqu eline entrar na cabina de Louise
Bourget. E ve m a correr contar a Simon a novida d e . Jacqu elin e é a ass a s sin a.

Lembra- se, Race, co m o Simon

gritou co m a pobr e mulh er? Nervos, pens á m o s nós.

Mas a porta ficara ab erta e ele procurav a avisar a cúmplic e.

Ela ouviu- o e agiu co m a rapidez do relâ mp a g o .

Lembrou- se do revólv er que Pennington m e n ci o n ar a no salã o. Foi busc á- lo, aproxim o u- se da


porta, ficou à es cuta e no mo m e n t o crítico atirou. Gabara- se certa vez de ser boa atiradora, e deu prova
s disso.

"Depois do terc eiro crim e, eu diss e que o ass a s sin o pod eria ter tom a d o três ca minh o s . Poderia ter
ido para a popa (e neste cas o o crimino s o era Tim) pod eria ter pulad o para baixo (pouc o prováv el) ou
ter entrad o e m algu m a cabina. A de Jacqu elin e era a seg un d a dep ois da do doutor Bessn er. Bastava-
lhe atirar o revólv er para o chã o e entrar na cabina, des m a n c h a r o cab el o e atirar- se para cima da ca
m a . Arriscad o, ma s a única coisa possív el.

Houve alguns seg un d o s de silêncio. Depois Race perguntou:

- Que aco nt e c e u co m a prim eira bala, atirada por Jacqu eline?

- Creio que entrou na m e s a . Há ali um burac o rec e nt e m e n t e feito. Acho que Doyle teve temp o de a
tirar co m um caniv et e, atirand o- a pela janela. Tinha,

naturalm e nt e, uma cápsula extra, para que julgás s e m o s que so m e nt e duas balas havia m sido picad
a s.

- É horrível - suspirou Cornélia. - Simples m e n t e horrível.

Pensara m e m tudo!

Poirot ficou e m silêncio. Mas não era um silênci o m o d e st o. Os seus olho s pare cia m dizer: "Não, niss
o está eng a n a d a . Não contara m co m Hercule Poirot!"

Disse e m voz alta:

- E ag ora, doutor Bessn er, va m o s dizer uma s palavrinha s ao seu do e nt e...

CAPíTULO 29

Mais tarde, Poirot bateu à porta de uma cabina.

Uma voz diss e "Entre", e ele entrou.

Jacqu eline estav a sentad a num a cad eira. Noutra, contra a pared e , estav a a robusta criada de bord o.

Jacqu eline olhou, pens ativa, para Poirot. Com um ge st o, indicou a criada e perguntou:

- Não pod e m o s ficar a sós?

Ele inclinou a cab e ç a e a mulh er retirou- se. Poirot puxou a cad eira des o c u p a d a para perto de Jacqu
eline.

Nenhu m dos dois diss e coisa algu m a. O dete ctiv e pareci a muito infeliz.

Finalm e nt e, a rapariga resolv e u que br ar o silênci o.

- Então está tudo aca b a d o! O senh or foi inteligent e de mais para nós, Monsieur Poirot.

O dete ctiv e suspirou, este n d e u as mã o s para cima se m nada enc o ntrar para dizer.

- Apesar de tudo, não sei co m o pod eria ter prova d o -

continuou Jacqu elin e. - Acertou, naturalm e nt e, ma s se tivéss e m o s continuad o co m o bluff...

- De nenhu m a outra form a, ma d e m o i s e ll e, pod eria ter acont e cid o.

- Isto pod e satisfaz er a inteligên ci a, ma s não creio que tives s e conv e n ci d o os jurado s. Oh, bo m,
não há rem é di o. O sen h or colh e u Simon de surpres a, e ele entre g o u os ponto s, se m lutar. Perdeu a
cab e ç a , coitad o, e confe s s o u tudo.

Minutos dep ois, Jacqu eline acre s c e nt o u:

- Ele é mau jogad or.


- Mas a sen h or a sab e perd er.

Ela riu subita m e nt e - uma garg alh a d a estranh a, alegr e, des afiad or a.

- Oh, sim, sei perd er.

E impulsiva m e n t e , fitando o dete ctiv e:

- Não se ab orre ç a tanto, Monsieur Poirot! Por minha caus a, é o que quer o dizer. O sen h or importa- se,
não é verdad e ?

- Sim, mad e m o i s ell e.

- Mas nunc a lhe ocorreria deixar- m e esc a p ar?

- Nunca - resp o n d e u Poirot ser e n a m e n t e .

Ela inclinou a cab e ç a , con c ord a n d o .

- De nada vale ser sentim e nt al. Não pod eria rec o m e ç a r... Já não sou pes s o a e m que m se poss a ter
confianç a. Eu m e s m a o sinto...

Continuou, co m o se falass e consig o própria:

- É tão fácil matar... E a gent e co m e ç a a ach ar que não tem importân cia... Que é só a nos s a felicidad e
que intere s s a! Isto é perigo s o.

Fez uma paus a, e dep ois, sorrindo:

- Sabe, o senh or fez o possív el por mi m. Aquela noite, e m Assuão, diss e que não abriss e ao mal as
portas do cora ç ã o ... Já des c o nfiav a das minha s intenç õ e s ?

Poirot aban o u a cab e ç a , dizend o:

- Eu só sabia que o que lhe diss er a era verda d e .

- Era verda d e , sim. Sabe, eu pod eria ter entã o evitad o... Quase che g u ei a desistir. Poderia ter dito a
Simon que não queria continuar... Mas aí, talvez que...

Interro mp e u- se, e dep ois, impulsiva m e n t e :

- Gostaria de sab er co m o foi tudo, des d e o princípio?

- Se des ej ar contar- m e, mad e m o i s e ll e.

- Sim, creio que sim. Foi real m e nt e muito simpl e s. Simon e eu am á v a m o - nos...

Disse isto e m voz natural; e, no entanto, sob o tom despr e o c u p a d o havia reminisc ê n ci a s...

Poirot diss e simple s m e n t e :

- E o am or bastaria para a sen h or a, ma s não para ele.

- Te m razão, até certo ponto. Mas o senh or não conh e c e Simon. Desejou se m pr e ser rico. Gosta de
tudo quanto o dinheiro proporci on a: caval o s, iates, desp orto, as coisa s boa s da vida. E nunca pôd e
obtê- las...

Simon é muito, muito simple s. Quando des ej a uma coisa, é co m o uma crianç a... tem que con s e g ui-
la.

Apesar diss o, nunca procurou cas ar- se co m algu m a mulh er rica e horrível. Não é des s e tipo. Depois,
conh e c e m o - nos, e isto mais ou m e n o s res olv e u tudo. Só o que não sabí a m o s era quand o nos
pod ería m o s cas ar.

Simon tivera um bo m e mpr e g o , ma s perd era- o, até certo ponto por sua própria culpa. Tentara ser esp
erto de mais e fora log o des c o b e rt o. Não creio que tivess e real m e nt e tido intenç ã o de ser des o n e
s t o . Pens ou apen a s que era o recurs o nor m al de que a gent e da cidad e se servia.

Os olho s de Poirot brilhara m, ma s não fez co m e nt ário algu m.

- Estáva m o s naqu el a situaç ã o, quand o m e lem br ei de Linnet e da sua nova propried a d e . Fui
procurá- la. Eu gostav a muito da Linnet; gostav a, Monsieur Poirot. Era a minha m elh or amig a e nunc a
pens ei que coisa algu m a se m et e s s e entre nós. Apenas ach ei que era uma sorte ela ser rica. Se des s e
o e m pr e g o a

Simon, a nos s a vida seria outra. Ela foi muito boazinh a, dizend o- m e que trouxe s s e Simon para que o
conh e c e s s e . Foi justa m e nt e na épo c a e m que o senh or nos viu e m Chez Ma Tante. Tínha m o s
procurad o divertir-nos aqu el a noite, e m b o r a não estivé s s e m o s e m condiç õ e s de fazer extrava g â
n ci a s.

Fez uma paus a, suspirou e continuou:

- Monsieur Poirot, o que lhe vou dizer é a pura verdad e . As coisa s não mud a m pelo facto de Linnet ter
morrido. É por isso que ne m ag ora tenh o pena dela. Fez tudo para m e roubar Simon... Juro que é verda d
e . Não creio que ela tenha hesitad o um minuto.

Eu era sua amig a, ma s isto não lhe fez do er a con s ci ê n ci a.

Atirou- se a Simon de uma man eira bárb ara...

" E Simon não lhe deu aten ç ã o . Eu falei- lhe sobr e deslu m br a m e n t o", Monsieur Poirot, ma s
natural m e nt e fiz isso para o despistar. Simon não queria sab er de Linnet. Achava- a bonita, ma s muito
autoritária, e ele dete sta as mulh er e s des s e gén er o. O intere s s e de Linnet constran gia- o horrivel m e
nt e. Mas, natural m e nt e, gostav a do dinh eiro dela...

"Claro que perc e bi isso... E diss e a Simon que talvez foss e preferív el ele romp er co mi g o para pod er
cas ar- se co m Linnet. Mas ele riu-se da minh a

sug e st ã o . Declarou que, co m ou se m dinh eiro, devia ser um inferno ser marido de uma mulh er daqu
el a s.

Disse que ter dinh eiro, na sua opinião, era ele ter dinh eiro, e não estar cas a d o co m uma mulh er que
guarda s s e a chav e do cofre. "Eu seria uma esp é ci e de príncipe cons ort e", acre s c e nt o u. Disse tam
b é m que não

des ej a v a outra mulh er a não ser eu...

"Creio que sei exa cta m e n t e quand o a ideia lhe oc orr eu pela primeira vez. Disse- m e: "Se eu tives s e
um pouc o de sorte, cas ar- m e- ia co m ela, e ela morreria dentro de um ano, deixand o- m e os cobr e s!"
Ao dizer isto, uma estranh a expre s s ã o luziu no seu olhar. Sim, foi quand o teve es s a ideia pela prim
eira vez...

"Falou sobr e isso muitas vez e s, dizend o se m pr e:

"Que sorte se Linnet morre s s e!"

"Protest ei en er gic a m e n t e , e durante algu m temp o Simon não voltou ao assunto. Mas certo dia enc o
ntrei- o a ler qualqu er coisa sobr e arsé nic o... Acusei- o e ele deu uma garg alh a d a, dizend o: "Quem
não arrisca, não petisca. Nunca terei outra oportunidad e de pôr a mã o e m tanto dinh eiro."

"Passa d o algu m temp o, perc e bi que estav a res olvido. Fiquei apav or a d a , simple s m e n t e apav or
a d a. Porqu e, sab e, co m pr e e n di que ele nunca cons e g uiria sair- se be m. É tão ingénu o... Não tem
imagina ç ã o nenhu m a . Com ele, nada de subtileza s... Provav el m e nt e , daria a Linnet uma boa dos e
de arsé nic o e esp er aria que o m é di c o declara s s e que ela m orrera de

gastrite. Supõe que as coisa s sa e m se m pr e à m e did a dos nos s o s des ej o s.

"E, portanto, tive que intervir, para tom ar conta dele...

Jacqu eline diss e isto muito simple s m e n t e , de boa- fé. Poirot não duvidou que o m otivo foss e exacta
m e n t e ess e que ela aleg a v a. Pess o al m e nt e , não cobiç ar a o dinheiro de Linnet. Mas am a v a
Simon, co m um am or que ia alé m da razã o, da justiça e da pieda d e .

A rapariga continuou:

- Reflecti muito, procuran d o um plano que des s e resultad o. Achei que a bas e devia ser uma esp é ci e
de duplo álibi. Sabe co m o ... Se Simon e eu pudé s s e m o s dep or um contra o outro, ma s um dep oi m e
nt o que justa m e nt e

nos exon er a s s e . .. Ser- m e- ia fácil fingir que o odiav a. Nada mais natural, naqu el a s circunstân ci a s.

Depois, quand o Linnet foss e ass a s si n a d a , co m certeza susp eitaria m de mi m, de mo d o que era
preferív el que susp eitas s e m des d e o princípio. Combiná m o s os porm e n o r e s , um a um. Eu fazia
que st ã o de que, se algu m dos porm e n o r e s falhas s e , tivess e eu que pag ar, e não Simon. Mas ele
estav a preo c up a d o co mi g o...

"A única parte que m e agrad o u foi sab er que eu não teria que co m e t er o crim e. Eu não o pod eria ter
feito! Ir de man sinh o, a sang u e- frio, enqu a nt o ela estive s s e a dor mir!... O senh or sab e , eu não lhe
perdo ar a Poderia matá- la frente a frente, ma s nunc a de outra man eira...

"Estudá m o s tudo cuidad o s a m e n t e . Mesmo assi m, Simon foi escr e v e r aqu el a letra J na pared e,
ideia tola e m el o dra m á tic a! Exacta m e nt e a ideia que lhe oc orr eria! Mas deu tudo certo.

Poirot inclinou a cab e ç a .

- Te m razão. Não foi culpa sua, se Louise Bourget não sentiu son o aqu el a noite... Mas, dep ois, ma d e m
o i s e ll e?

Ela fitou- o nos olho s e diss e:

- Te m razão... É horrível, não é? Não poss o acre ditar que eu tenha feito aquilo! Compre e n d o ag ora o

que o senh or queria dizer co m "abrir ao mal as portas do cora ç ã o ". O sen h or sab e perfeita m e nt e o
que aco nt e c e u .

Louise fez Simon co m pr e e n d e r que o vira. Ele pediu que m e cha m a s s e m . . . Assim que nos vimo
s sós contou- m e tudo, dizend o o que eu devia fazer. Não fiquei horrorizad a. Estava co m m e d o ... co m
um m e d o incrível; é ess e o mal que o crim e faz a uma pes s o a ...

Simon e eu não corría m o s perigo, a não ser por caus a daqu el a mis erá v el franc ezinh a chanta gista!
Levei- lhe todo o dinheiro de que dispúnh a m o s . Fingi rastejar...

E entã o, quand o ela contav a o dinh eiro... mat ei- a! Foi muito fácil. Por isso é que é tão horroro s a m e n
t e assu sta d or... tão fácil, tão fácil!..

"Mas ne m assi m estáv a m o s salvo s. Mistress Otterbourn e vira- m e. Veio, triunfante, pelo tom b a dilh
o, à procura do coron el Race. Não tive temp o para reflectir. Agi co m a rapidez do relâ mp a g o . Foi
muito excitante. Eu sabia que naqu el a oca si ã o era arrisca dí s si m o

e por ess e motivo foi ainda mais intere s s a nt e!..


Jacqu eline ficou de novo e m silênci o. E dep ois:

- Lembra- se que veio dep ois à minha cabina?

Disse- m e que não sabia porqu e tinha vindo. Eu estav a apav or a d a , infeliz... Pens ei que Simon foss e
morrer.

- E eu... des ej ei do coraç ã o que isso acont e c e s s e

- diss e Poirot.

Jacqu eline inclinou a cab e ç a .

- Sim, teria sido m elh or para ele.

- Não foi isso que eu quis dizer.

Jacqu eline fitou o rosto sev er o à sua frente e mur mur ou baixinho:

- Não se importe tanto por minha caus a, Monsieur Poirot. Se tivéss e m o s vencid o, eu teria sido muito
feliz, e aprov eitad o a vida, e co m certez a nunca m e arrep e n d e ria. Mas, co m o não foi assi m... Bom,
a gent e tem de agu e nt ar as cons e q u ê n ci a s .

Minutos dep ois, acre s c e nt o u:

- Com certeza a criada fica aqui para m e vigiar, para que eu não m e enforqu e, ou engula algu m a pílula
de ácido prússic o, co m o qualqu er pers o n a g e m de rom a n c e . Não precis a de ter m e d o . Não farei
nada disso.

Será mais fácil para Simon, se eu estiver a seu lado.

Poirot ergu e u- se. Jacqu eline seg uiu- lhe o exe m pl o e excla m o u , sorrindo:

- Lembra- se quand o lhe diss e que eu tinha que se g uir a minh a estrela? O senh or ach o u que talvez foss
e uma estrela falsa. E eu resp o n di: "Esta estrela é muito má, senh or! Esta estrela cai..."

Quando Poirot pass o u para o tom b a dilh o, a garg alh a d a de Jacqu eline ec o a v a- lhe ainda nos
ouvido s.

CAPíTULO 30

Cheg ara m a Shellâl de ma drug a d a . Os so m bri o s roch e d o s des ci a m até ao rio.

- Quel pays sauv a g e - mur mur ou Poirot.

- Bom, cumpri m o s o noss o dev er - diss e Race.

- Tom ei provid ê n ci a s para que Richetti seja levad o para terra e m prim eiro lugar. Felizm e nt e que o
apanh á m o s . É um ho m e m man h o s o . .. isso poss o- lhe garantir. Escap ou- nos dez e n a s de vez e
s.

- Não foi isso exacta m e n t e - replicou Poirot. Este tipo infantil de crimino s o é geral m e nt e muito
preten ci o s o . Uma picad a na bola de gás da sua vaidad e , e a bola esv azia- se log o! Fica m murch o s
co m o qualqu er crianç a.

Com o Poirot nada diss e s s e , Race continuou:

- Precisa m o s arranjar uma ma c a para Doyle.

É extraordinário o mís er o estad o e m que ficou de repe nt e.


- Ele m er e c e a forca - diss e Race. - É um sujeito frio e se m es crúpulos. Tenh o pena da rapariga...

ma s, quanto a isso, nada pod e m o s fazer.

- Dizem que o am or justiça tudo ma s não é, verdad e . Mulheres que am a m co m o Jacqu elin e são
perigo s a s . Foi o que pens ei, quand o a vi. "Ela am a de mais, esta pequ e n a!" E era verda d e . Cornélia
Robson aproxi m o u- se.

- Estam o s quas e a che g ar.

Acresc e nt ou silêncio um ou dois minutos, dep ois...

- Estive co m ela.

- Com Miss de Bel efort?

- Sim, tive pena dela, aco m p a n h a d a apen a s co m a criada. Mas creio que a prima Marie ficou muito
zang a d a .

Com expre s s ã o furiosa no olhar Miss Van Schuyler vinha lenta m e nt e pelo tom b a dilh o.

- Cornélia, voc ê co m p ortou- se muito mal. Vou man d á- la directa m e nt e para a América.

- Sinto muito, prima Marie, ma s não vou para a América. Vou cas ar- m e.

- Então, finalm e nt e teve juízo - diss e a velha, sec a m e n t e .

Fergus o n aproxim o u- se nest e m o m e n t o.

- Cornélia, que está a dizer? Não pod e ser verda d e!

- É verdad e , sim - declarou Cornélia. - Vou

cas ar co m o doutor Bessn er. Pediu a minha mã o onte m à noite.

- E porqu e é que vai cas ar co m ele? - perguntou Fergus o n, furioso. - Só porqu e é rico?

- Não, senh or! - replicou a rapariga indignad a.

- Porqu e gosto dele. É bo m, e muito culto. E eu se m pr e m e intere s s ei pela m e di cina, e pelos do e nt


e s, e vou ter uma vida intere s s a ntís si m a ao lado dele!

- Quer dizer que prefer e cas ar co m aqu el e velho insuportáv el a cas ar- se co mi g o? - perguntou Fergus
o n co m ar incrédulo.

- Prefiro, sim! Você não é de confianç a! Ningué m teria sos s e g o vivend o con sig o. E ele não é velho!
Ainda não tem cinqu e nta ano s.

- Te m uma barriguinha redo n d a - diss e Fergus o n co m malda d e .

- Bom, e eu tenh o os om br o s abaulad o s - replicou Cornélia. -

O físico não tem importância. Ele

diss e que poss o ajudá- lo na clínica e que vai ensinar- m e muita coisa a resp eito de neuro s e s .

Depois de Cornélia sair, Fergus o n dirigiu- se a Poirot:

- Acha que ela fala sério?

- Acho.
- Prefere aqu el e velho ab orre cid o a mi m?

- Sem dúvida algu m a .

- A pequ e n a está maluc a! - declarou Fergus o n.

Os olho s de Poirot brilhara m.

- É uma mulh er original. Provav el m e nt e a primeira que o sen h or conh e c e .

O navio aproxi m a v a- se do cais. Fora este n did o um cordã o à frente dos pass a g e ir o s. Estes tinha m
sido prev e nid o s de devia m esp er ar, antes de des e m b a r c a r.

De rosto so m brio e olhar ven e n o s o , Richetti des ceu para terra, entre dois ma q uinistas.

Depois dum pequ e n o intervalo, trouxera m uma ma c a . Simon Doyle foi levad o até ao pass a di ç o.

Parecia outro ho m e m - covard e , am e dr o nt a d o , tend o- lhe des a p ar e ci d o do rosto a despr e o c u


pação.

Logo e m se guid a vinha Jacqu elin e, ao lado da criada.

Estava pálida, ma s fora diss o pareci a a m e s m a de se m pr e. Aproxim ou- se da ma c a e diss e:

- Olá, Simon.

Ele ergu e u viva m e nt e o olhar; A expre s s ã o infantil pare c e u voltar- lhe ao rosto por um m o m e n t
o.

- Estragu ei tudo - diss e ele. - Perdi a cab e ç a e confe s s ei! Perdo e- m e, Jacqu eline; a culpa foi toda
minha.

Ela sorriu doc e m e n t e .

- Não tem importân cia, Simon. Arriscá m o s e perd e m o s . Nada mais do que isso.

Os ho m e n s peg ar a m de nov o na ma c a.

Jacqu eline baixou- se e arranjou o laço do sapato.

Depois a mã o subiu até acim a da m eia e ela endireitou- se, se g ura n d o qualqu er coisa...

Ouviu- se um esta m pid o: "Bum!"

Simon Doyle fez um mo vi m e nt o convulsivo, imobilizand o- se e m se g uida.

Jacqu eline inclinou a cab e ç a . Ficou um instante de revólv er na mã o, sorrindo para Poirot.

E entã o, no mo m e n t o e m que Race pulou, ela voltou o revólv er contra o peito e apertou o gatilho.

Caiu vag ar o s a m e n t e no chã o...

Race berrou:

- Com os diab o s, ond e foi ela arranjar ess e revólv er Poirot sentiu uma press ã o no braç o. Mrs. Al erton
perguntou baixinho:

- O senh or... sabia?

- Jacqu elin e tinha dois des s e s revólv er e s - explicou o dete ctiv e. - Fiquei certo diss o, quand o m e
contara m que havia m enc o ntrad o um na bolsa de Rosalie, no dia e m que os pass a g eir o s fora m
revistad o s .

Mais tarde, Jackie foi à cabina de Rosalie e apan h o u de novo o revólv er, distraind o a aten ç ã o da outra
sob o pretexto de uma co m p ar a ç ã o de bâton s. Com o Jacqu elin e e a sua cabina tinha m sido revistad
a s onte m , ningu é m ach o u nec e s s á ri o fazer hoje o m e s m o .

Mrs. Al erton perguntou:

- O senh or queria que ela tives s e este fim?

- Sim; se m dúvida nenhu m a . Mas Jacqu eline não o quis sozinh a. Por isso, Simon Doyle teve uma
morte mais suav e do que m er e ci a.

Mrs. Al erton mur mur ou, estre m e c e n d o ligeira m e nt e:

- O am or é às vez e s uma coisa terrível.

- É por isso que muitos dos grand e s rom a n c e s de am or são trag é di a s.

O olhar de Mrs. Al erton des c a n s o u sobr e Tim e Rosalie. Ela excla m o u, co m súbita ve e m ê n c i a:

- Mas, graç a s a Deus, ainda existe felicidad e no mund o!

- Com o be m o diss e, mad a m e , graç a s a Deus!

Mais tarde, os corpo s de Louise Bourget e Mrs.

Otterbourn e fora m levad o s para terra.

Em seg uid a o de Linnet Doyle. Minutos dep ois, o telégrafo co m e ç o u a funcion ar para todo o mund o,
co m u ni c a n d o ao público que Linnet Doyle, né e Linnet Ridge w a y, a cél e br e, a bela, a riquíssi m a
Linnet Doyle, m orrera...

Sir Georg e Wode leu a notícia no seu club e, e m Londres; Sterndal e Rockford, e m Nova Iorque; Joana
Southw o o d , na Suíça. E o crim e foi tam b é m discutido no bar Thre e Crowns, e m Malton- under-
Wode.

E o amig o de Mr. Burnaby, o ma gric el a, diss e:

- Bom, não pareci a justo, ela ter tudo quanto queria.

Mr. Burnaby replicou, co m muito bo m sen s o:

- Em todo o cas o, não pare c e que tenha aprov eitad o muito, coitadita.

Mas pass a d o pouc o temp o parara m de co m e nt ar o facto, e discutira m o Grand e Prémi o e o prováv
el venc e d o r.

Pois, co m o dizia Mr. Fergus o n, naqu el e m e s m o mo m e n t o , e m Lúxor, não é o pass a d o que


intere s s a ma s sim o futuro.

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