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Washington Drummond*
1. Fantasmagorias
Em Hamlet os soldados temem menos o fantasma que sua aparição numa forma já
vivida e reconhecível. O que os assombra é a ilusão de ver o que é de outro tempo e extinto em
uma aparência espectral assumindo aquilo que não lhe pertenceria mais. Aí o caráter
demoníaco das coisas: o desdobramento de uma superfície fora das circunstâncias de sua
primeira aparição. Benjamin já nos alertara que novas formas de vida e novas criações, oriundas
do século antecedente, transformam-se em fantasmagorias, pois se no presente não as tomamos
como nossas, quer dizer não exploramos suas potencialidades, no futuro nos assombrariam com
suas promessas sem redenção. Os estilhaços de outras épocas que perduram enquanto ruínas no
meio urbano assumem o caráter fantasmagórico e explosivo: floresta de signos, alegorias,
arquiteturas, práticas. Como Marx, Benjamin acreditava que os homens são oprimidos pela
tradição das gerações que os antecederam e que agora estão mortas. No presente, ao tentarmos
criar algo novo, sucumbiríamos ao passado, dando-lhe nomes e roupagens de outrora, como se
sempre olhássemos o mundo por um retrovisor embaçado! A vida urbana, dessa maneira, pode
ser descrita com um teatro no qual fantasmagorias assombram o presente em sua aparição
ruinosa: arquiteturas, imaginário, práticas. E se até então significavam inovação, potência e
perenidade mostram-se, agora, como máscaras mortuárias. A cena contemporânea é a
emergência deste mundo flutuante das fantasmagorias e dos jogos que aí se iniciam, estando o
conceito de comunidade -uma poderosa fantasmagoria que assola a nossa compreensão da vida
urbana- presente na política da diferença, na biopolítica e no discurso urbanístico.
2. Comunidades