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Revista Educación 26(2): 51-60, 2002

III Conferencia

Los aportes de Paulo Freire a la pedagogía crítica

Moacir Gadotti

Paulo Freire não gostava de rotular


as pedagogías, mas, desde que introduziu
a tese de que existe uma educação como
prática da domesticação e uma educação
como prática da liberdade, podemos dizer
que existe uma pedagogia dogmática, por
conseguinte, domesticadora e uma pedago-
gia dialéctica, crítica, interrogativa. Paulo
Freire foi um crítico da educação do seu
tempo. Sua “pedagogia do oprimido” inse-
re- se no grande movimento da “pedagogia
crítica”, também chamada de “radical” ou
“revolucionária”, dependedo do contexto.

Muitos educadores, reunidos em “Cír-


culos de Cultura”, em Porto Alegre, de 25 a
30 de janeiro de 2001, durante o Fórum So-
cial Mundial, com razão referiam-se a Frei-
re como o educador mais coherente do sécu-
lo XX, cujas lições deverão continuar válidas
por muito tempo. Eles lançaram um “Mani-
festo” que assim se inicia: “No século que
findou, dois projectos de sociedade fracassa-
ram relativamente ao processo civilizatório:
um porque privilegiou o eu, eliminando o
nós; o outro porque privilegiou o nós, des-
considerando o eu. Neste novo século, con-
frontam-se dois projetos antagónicos de so-
ciedade: um subordina o social ao económico
e ao imperio do mercado; outro prioriza o so-
cial. Faz-se necessário construir um projeto
de socidade onde o ser humano seja resgata-
do na sua plenitude de eu e nós, com base na
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prioridade do social sobre o económico. Para seus problemas cotidianos junto com os ou-
que este novo mundo seja possível, é neces- tros e não individualemente.
sário que a toda a humanidade entenda e
aceite a educação transformadora como pré- Uma outro contribuição de Freire à
condição. Esta educação tem como pressu- história das idéias pedagóficas é a sua con-
postos o princípio de que ninguén encina na- cepção de currículo. Não se pode enten-
da a ninguém e que todos aprendem em co- der a pedagogia de Freire sem entender os
munhão, a partir da leitura coletiva do conceitos de transdisciplinaridade, trans-
mundo”. Não se pode entender o pensamen- curricularidades e interculturalidade. A in-
to pedagógico de Paulo Freire descolado de ter e a transdisciplinaridade freireanas
um projeto social e político. Por isso, não se não são apenas um método pedagógico ou
pode “ser freireano” apenas cultivando suas uma atitude do profesor. Elas se consti-
idéias. Isso exige, sobretudo, comprometer- tuem numa verdadeira exigência da pró-
se com a construção de um “outro mundo pria natureza do ato pedagógico. Paulo
possível”. Como dizia ele, na Pedagogia da Freire, na prática, sabia trabalhar com vá-
autonomia (1997, p.86): “mundo não é um rias disciplinas ao mesmo tempo: a etno-
convite para transfórmalo. grafía, a teoria literaria, a filosofía, a polí-
tica, a economia, a sociologia, etc. Trabal-
Paulo Freire colocou o oprimido no hava mais com teorias do que com discipli-
palco da história, pelo seu engajamento nas ou currículos que dizia deveriam ser
político e pela sua teoria como contra-na- ultrapassados. Para o ato pedagógico con-
rrativa ao discurso dos poderosos e privile- correm muitas ciencias. Paulo Freire tra-
giados. Ela valorizava, além do saber cien- balhava ao mesmo também com várias
tífico elaborado, também o saber primeiro, perspectivas teóricas: a do militante polí-
o saber cotidiano. Sustentava que o aluno tico, do filósofo da libertação, do cientista,
não registra em separado as significações do intelectual, do revolucionario, etc.
instrutivas das significações educativas e
cotidianas. Ao incorporar conhecimento, Para mostrar a contribuição de Pau-
ele incorpora outras significações, tais co- lo Freire à pedagogia crítica gostaria de
mo como conhecer, como se produz e como destacar alguns aspectos de sua teoria do
a sociedade utiliza o conhecimento... enfim, conhecimiento e do seu conhecido “método”.
o saber cotidiano do seu grupo social.

Uma noção que ele desenvolveu e que 1. A socidade brasileira e latino-


a distinguia atoda a conotação neolibleral, americana da década de 60 pode ser consi-
era noção de qualidade. Quando estava à derada como o grande laboratório onde se
frente da Secretaria Municipal de Educação forjou aquilo que ficou conhecido como o
de São Paulo ele nos falava de uma “nova “Método Paulo Freire”. A situação de inten-
qualidade”. A qualidade é todos (quantida- sa mobilização política desse período teve
de) terem acesso ao conhecimento e a rela- uma importancia fundamental na consoli-
ções sociais e humanas renovadas. Qualida- dação do pensamento de Paulo Freire, cujas
de é empenho ético, alegria de apren- origens remontam à década de 50. O mo-
der. Para o pensamento neoliberal, a quali- mento histórico que Paulo Freire viveu no
dade se confunde com a competitividade. Chile foi fundamental para explicar a con-
O neoliberais negam a necesidades da soli- solidação de seu pensamento político-peda-
dariedade. Contudo, as pessoas não são gógico. No Chile, ele encontrou um espaço
competitivas, mas porque sabem enfrentar político, social e educativo muito dinámico,
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rico e desafiante, permitindo-lhe reestudar moradores do lugar em que se vai trabal-


seu método em outro contexto, avaliá-lo na har, convivendo como eles, sentido suas
práctica e sistematizá-lo teóricamente. preocupações e captando elementos de sua
cultura.
Por outro lado, na constitução do seu
método pedagógico, Paulo Freire fundamen- b) A tematização, pela qual profe-
tava-se nas ciencias da educação, principal- sor e aluno codificam e decodificam esses
mente a psicologia e a sociologia; teve im- temas; ambos buscam o seu significado so-
portancia capital a metodologia das cien- cial, tomando assim conciencia do mundo
cias sociais. A sua teoria da codificação e vivido. Descobrem-se assim novos temas
da de-codificação das palabras e temas ge- geradores, relacionados com os que foram
radores (interdisciplinaridade), caminhou inicialmente levantados. É nesta fase que
passo a passo com o desenvolvimiento da são elaboradas as fichas para a decomposi-
chamada pesquisa participante. ção das familias fonéticas, dando subsidios
para a leitura e a escrita.
O que chamou a atenção dos educa-
dores e políticos da época foi a fato de que c) A problematização, na qual eles
o método Paulo Freire “acelerava” o pro- buscam superar uma primeira visão mági-
cesso de alfabetização de adultos. Paulo ca por uma visão crítica, partindo para a
Freire não estava aplicando ao adulto alfa- transformação do contexto vivido. Nesta
betizando o mesmo método de alfgabetiza- ida e vinda do concreto para o abstrato e
çã aplicado às crianças. É verdade, outros do abstrato para o concreto, volta-se ao
já estavam pensando da mesma forma. To- concreto problematizando-o. Descobrem-se
davía, foi ele o primeiro a sistematizar e assim limites e posibilidades existenciais
experimentar um método inteiramente concretas captadas na primeira etapa. Evi-
criado para educação de adultos. dencia-se a necessidade de uma ação con-
creta, cultural, política, social, visando à
De manera esquemática, podemos superação de situações-limite, isto é, de
dizer que o “Métodos Paulo Freire” consis- obstáculos ao processo de hominização. A
te en três momento dialéctica e interdispli- realidade opresiva é experimentada como
narmente entrelaçados: um processo passível de superação. A edu-
cação para libertação debe desembocar na
a) A investigação temática pela praxis transformadora.
qual aluno e profesor buscam, no universo
ocabular do aluno e da sociedade onde ele Paulo Freire não ficou nessas primei-
vive, as palabras e temas centrais de sua ras intuições sobre o método. Ao longo de
biografia. Esta é a etapa da descoberta do sua vida desenvolveu-o mesmo não queria
universo vocabular, em que são levantadas que sua teoria de conhecimiento foie re-
palabras e temas geradores relacionados ducida a uma pura metodologia. Por isso
com a vida cotidianta dos alfabetizandos e não se pode destacar os passos do seu méto-
do grupo social a que eles pertenecem. Es- do sem entendê-los no contexto de sua epis-
sas palabras geradoras são seleccionadas temologia. Insisto ainda nesse ponto porque
em função da riqueza silábica, do valor fo- existem mitas leituras de Freire nas quais
nético e principalemtne em função do sig- ele mesmo não se reconhecia, quer sejam
nificado social para o grupo. A descoberta leituras políticas dogmáticas, sectarias,
desse universo vocabular pode ser efetua- quer sejam leituras pouco científicas e epis-
da a través de encontros informais com os temologicamente pouco rigorsas.
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Quais seriam, a meu ver, O confronto de olhares é necessário


esses passos do seu “Método”? para se chegar à verdade comum. Ca-
so contrário a verdade a que se chega
1. Ler o mundo. Paulo Freire insitiu a é ingênua, não crítica e criticizada. O
vida toda nesse conceito chave do seu meu está presente na busca da verda-
pensamento. O primeiro passo do seu de. Esse segundo passo leva à solida-
método de apropriação do conheci- ridade. O meu conhecimento só é vá-
meinto é a leitura do mundo. Aqui lido quando eun o compartilho com
debe-se destacar a curiosidade co- alguém. Novamente a conhecimento
mo precondição do cohecimiento (in- só é válido quendo eu compartilho
teresse, para Habermas) É o apren- com alguém. Novamentea compara-
diz que conhece. Palabras geradoras, çao com o pensamento de Habermas,
temas geradores, complexos temáti- que Paulo Freire tanto admirava: a
cos, codificação, decodificação. No ação comunicativa é parte da busca
seu último livro Paulo Freire insistia do conhecimento. Não é um ato gene-
ainda na autonomia do aluno. Dos roso de compreensão humana do ou-
seus primeiros aos últimos escritos tro. É uma necessidade ontológica e
procurou dar dignidade ao aprenden- epistemológica.
te, respeitando a identidade do alu-
no. Ele não humilhava ninguém, nãó 3. A Educação como ato de produ-
considerava o educador superior ao ção e de reconstrução do saber.
educando. Para ele jamais um educa- Conhecer não é acumular conheci-
dor poderia ser arrogante. Nada me- mentos, informa-oes ou dados. Con-
nos freireano do que um educador hecer implica mudança de atitude,
arrogante, prepotente. Ele tinha de saber pensar e não apenas assimilar
intelectuais arrogantes, sobretudo de conteúdos escolares do saber chama-
esquerda. Dizia que fazia parte da ló- do universal. Conhecer é estabelcer
gica da direita o intelectual ser arro- relações, dizia Piaget e Paulo Freire
gante, más na esquerda era uma de- completava: saber é criar vínculos. O
formação. conteúdo torna-se forma.Paulo Frei-
re foi combatido pelos conteundistas
2. Compartilhar a leitura do mundo iluministas porque eles não chega-
lido. Não posso saber se minha leitu- ram a entender que, em educação, a
ra de mundo está correta a não ser forma é o contúdo. Saber em educa-
que a compare como a leitura do ção é mudar de forma, criar a forma,
mundo de outras pessoas. O diálogo formar-se. Educar-se é formar-se. Só
não é apenas uma estratégia pedagó- muito recentemente os pedagogistas
gica. É um critério de verdade. A ve- conseguiram entender essa nova vi-
racidade do meu ponto de vista, do são da educação quando discutiram
meu olhar, depende do olhar do outro, a educação do futuro, como no Rela-
da comunicação, da intercomunica- tório Jacques Delors da UNESCO
ção. Só o olhar do outro pode dar ve- (1998) onde ela está associada a
racidade ao meu olhar. O diálogo com quatro grandes pilares: aprender
o outro não exclui o conflito. A verda- a aprender, aprender a fazer, apren-
de não nasce da conformação do meu der a viver juntos, aprender a ser. Pe-
olhar com o olhar do outro. Nasce do la primeira vez perceberma os espe-
diálogo-conflicto com o olhar do outro. cialistas em educação que educar é
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criar vínculos e não decorar conteú- redação. Sua primeira redação era definiti-
dos. Paulo Freire antecipou-se pelo va, mesmo que “inacabada”, dizia ele. Ela
menos 50 anos com o seu “Circulo de era a expressão daquele momento; não era
Cultura”, criando uma metodología apenas científica, mas era também poética,
prática que oferece as bases para a literária. Paulo Freire reúne nos seus escri-
construção desses pilares e rompen- tos o estilo literário, a linguagem científica
do com a noção clássica de “aula”. e a linguagem poética. Não foi assim que
foram escritos os grandes textos filosóficos?
4. A Educação como prática da liberda-
de (libertação). Ate aquí creio que o
construtivismo de Piaget também 2. A obra de Paulo Freire tem sido re-
iria. Mas o construtivismo crítico de conhecida mundialmente não apenas como
Paulo Freire foi além, afirmando a uma resposta a problemas brasileiros do
politicidade do conhecimento. É o passado ou do presente, mas como uma
momento da problematização, da contribuição original e destacada da Amé-
existência pessoal e da sociedade, do rica Latina ao pensamento pedagógico uni-
futuro (utopia). Educação não é só versal. Não se pode dizer que seu pensa-
ciência: é arte e práxis, ação-refle- mento responda apenas à questão da edu-
xão, conscientização e projeto. Como cação de adultos ou à problemáitica do
projeto a educação precisa reinstalar chamado “Terceiro Mundo”. Creio que vali-
a esperança. Nada mais atual do que dade universal da teoria e da práxis de
esse pensamento, numa época em Paulo Freire está ligada sobretudo a qua-
que muitos educadores vivem ali- tro intuições originais:
mentados mais pelo desencanto do
que de esperança. 1. Ênfase nas condições gnosiológicas
da prática educativa. Toda obra de
Não é fácil entender o pensamento de Paulo Freire está permeada pela
Pulo Freire. Ele não pode ser lido como idéia de que educar é conhecer, é ler
qualquer outra litertura pedagógica, pois o mundo para poder transformá-lo.
ele não queria escrever textos tecnicamen- Ele detacou, desde o início, a impor-
te pedagógicos. Os textos de Paulo são tam- tância das metodologias, o que é
bém textos literários e devem ser lidos muito atual. Foi acusado de não dar
também como textos literários. Paulo fora valor aos conteúdos e, por isso, de
professor de português na juventude e con- ser espontaneista e não-directivo.
tinuou durante toda a vida a apresentar Na verdade ele não foi nada disso:
seus textos de forma literária. Paulo Freire seu pensamento estava fortemente
deu o manuscrito de seu último livro Peda- orientado por um projeto político-pe-
gogía da autonomía para Ângela Antunes, dagógico cujo conteúdo era a liberta-
directora pedagógica do Instituto Paulo ção. As críticas de espontaneísmo de
Freire, em São Paulo, para uma revisão e não-directividade não procedem.
introdução de títulos e intertítulos ao seu
texto origina, antes de ser enviado para a 2. Defesa da educação como ato dia-
publicação. Ângela, professora de portu- lógico e, ao mesmo tempo, riguroso,
guêz, fez sugest-es também de estilo. Por intuitivo, imaginativo, afectivo. Pau-
mais que ela argumentasse com Paulo lo destaca a necessidade de uma ra-
Freire em favor de algumas dudan-as lite- zão dialógica comunicativa. A teoria
rárias, na disscusão final do texto, ele, em do conhecimento de Paulo Freire re-
vários momentos, manteve sua primeira conhece que o ato de conhecer e de
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pensar estão directamente ligados à manas; são necessidades impostas


relação com outro. O conhecimento aos seres humanos, com a finalidade
precisa de expressão e de comunica- do lucro.
ção. Não é um ato solitário. Além de
ser um ato histórico, gnosiológico e 4. O planejamento comunitário, parti-
lógico ele contém um quarto elemen- cipativo, a gest-o democrática, a pes-
to que é a sua dimensão dialógica. quisa participante. Sob influência do
pensamento de Paulo Freire hoje no
3. A noção de ciência aberta às neces- Brasil estão se realizando muitas ex-
sidades populares ligada, portanto, periências educacionais de enorme
ao trabalho, ao emprego, à pobreza, à impacto, relacionadas com a chama-
fome, à doença etc. Seu método, por da “Constituinte Escolar”, que utili-
isso, não parte de categorias abstra- za os princípios metodológicos frei-
tas, mas dessas necessidades das pes- reanos e com o emblemático “Orça-
soas, capturadas nas suas própirias mento Participativo” no quadro no
expressões (valor da oralidade) e ana- movimiento pela Escola Cidadã, ou-
lisadas por ambos, educador e edu- tra expressão tambén utilizada por
cando. Nos últimos anos Paulo Freire ele nos últimos anos.
destacou também as necesidades pla-
netárias trazidas ao debate pela eco- O reconhecimiento de Paulo Freire
logia, como nesessidades humanas, fora do campo da pedagogia, demonstra
fundamentais, ligadas por exemplo, que o seu pensamento é tambén trans-
ao saneamento básico, ao lixo, à disciplinar e transversal. A pedagogia
água, à poluição do ar. Dia 17 de abril é essencialmente uma ciência transversal.
de 1997, poucos dias antes de flecer, Desde seus primeiros escritos considerou
ele falva de ecopedagogia, afirmando a escola muito mais do que a quatro pare-
que amava a Terra, os bichos, as des da sala de aula. Criou o “Círculo de
plantas. Dizia ele numa entrevista Cultura”, como expressão dessa nova pe-
dada no Instituto Paulo Freire na- dagogia que não se reduzia à noção sim-
quele dia: “Quero sem lembrado como plista de “aula”. Na sociedade do conheci-
alguém que amou os homens, al mul- mento de hoje isso é muito mais verdadei-
heres, as plantas, os animais, a Te- ro já que o “espaço escolar” é muito maior
rra”. Um dos seus últimos livros foi À doque a escola. Os novos espaços da for-
sombra desta mangueira onde ele fa- mação (mídia, rádio, TV, vídeo, igrejas,
la do prazer de respirar ar puro (uma sindicatos, empresas, ONGs, espaço tor-
das necessidades humanas), de en- nou-se comunitária, virtual, multiculral e
trar num rio despoluído, de pisar na ecológica e a escola estendeu-se para a ci-
grama, na areia da praia. E criticava dade e o planeta. Hoje se pensa em rede,
a lógica capitalista que não valoriza se pesquisa em rede, trabalha-se em rede,
esses prazeres gratuitos e por substi- sem hierarquias. A noção de hierarquia
tuí-los por prazeres vendidos e com- (saber-ignorãncia) é muito cara à escola
prados, prazeres que dão lucro. O ca- capitalista. Ao contrário, Paulo Freire in-
pitalismo tem necessidade de substi- sista na conectividae, na gestão coletiva
tuir felicidades gratuitas (necessida- do conhecinento social a ser socializado
des humanas) por felicidades vendi- de forma ascendente. Não se trata mais
das e compradas, que são, acima de de ver apenas a “cidade educativa” (Edgar
tudo, necessidades do capital e, mui- Faure) mas de enxengar o planeta como
tas vezes, não são necessidades hu- uma escola permanente.
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Abrir a escola para o mundo, como 2. Como se conhecer? Só é possível con-


queria Paulo Freire, é uma das condições hecer quando se deseja, quando se
para a sua sobrevivêcia com dignidade, quer, quando nos evolvemos profun-
nessa travessia de milênio. O novo espaço damente no que apreendemos. No
paradigma escolar é o planeta porque a Te- aprendizado, gostar é mais impor-
rra tornou-se nosso endereço, para todos. tante do que criar hábitos de estudo,
O novo paradigma educativo funda-se na por exemplo. Hoje se dá mais impor-
condição planetária da existência humana. tância às metodologias da aprendi-
A planetaridade é uma nova categoria zagem, às linguagens e às línguas,
que fundamenta o paradigma Terra, isto é, do que aos conteúdos. A transversali-
a visão utópica da Terra como um organis- dade e a transdisciplinaridade do
mo vivo e em evolução, onde os seres hu- conhecimento é mais valorizada do
manos se organizan como uma única co- que os conteúdos longitudinais do
munidade, compatilhando a mesma mora- currículo clássico.
da com outros seres e coisas.
3. O que conhecer? Frente à dissemina-
ção e à generalização do conhecimen-
3. As perspectivas atuais da edu-
to é necesario que a escola e o profes-
ção estão marcadas hoje pela questão do
sor, a profesora, façam uma seleção
conhecimento. E não é por acaso. O con-
crítica, pois há muito lixo e propa-
hecimento tornou-se peça chave para en-
ganda engañosa sendo veiculados.
tender a própria sociedade atual. Fala-se
Não faltam, também na era da infor-
em sociedade do cohecimetno, às vezes com
mação, encantadores da palabra pa-
impropriedade. Mais doque a era do conhe-
ra tirar algum proveito, seja econô-
cimetno devemos dizer qie vivemos a era da
mico, seja religioso, seja ideológico.
informaço, pois percebemos com mais facili-
dade a disseminação da informaço e de da-
4. Por que conhecer? Conhecer é impor-
dos, muito mais do que de conhecimentos. O
tante porque a educação se funda no
acesse ao conhecimento é ainda muito pre-
conhecimento e o conhecimento na
cário, sobretudo em sociedades comgrande
atividade humana. Para innovar é
atraso educacional como a nossa.
preciso conhecer. A atividade huma-
Hoje as teorias do conhecimento na é intencional, não está separada
na educação estão centradas na aprendiza- de um projeto. Conhecer não é só
gem. Partindo do pensamento freireano, adaptar-se ao mundo. É condição de
podemos afirmar pelo menos sete teses sobrevivência do ser humano e da es-
sobre a construção do cohecimento. pécie, como diz Habermas.

1. O que é conhecer? É construir catego- 5. Conhecimento e intesse. Antes de con-


rías de pensamento, dizia Piaget. É hecer o sujeito se interessa por (Ha-
ler o mundo e transformá-lo, dizia bermas), é curioso (Freire), é espe-
Freire. Conhecer é tudo isso –cons- rançoso (Ernst Bloch). Daí a impor-
trução de categorías de pensamento, tância do trábalo de sedução do pro-
ler o mundo, transformar o mundo– fessor, da profesora, frente ao aluno,
mesmo porque não é possível cons- à aluna. Daí a necesidades da moti-
truir categorías de pensamento como vação, do encantamento. É preceiso
se elas existiessem a priori, indepen- mostrar que “aprender é gostoso,
dentemente do sujeito que, ao conhe- mas exige esforço”, como dizia Paulo
cer, reconstrói o que conhece. Freire no primeiro documento que
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encaminhou aos profesores quando 5. Aprende-se que é significativo pa-


assumiu a Secretaria de Educação do ra o projeto de vida da possoa. Aprende-se
Municipio de São Paulo. quando se tem um projeto de vida.

6. Todos podem conhecer. Ninguém sabe 6. É preciso tempo para aprender e


tudo, niguém ignora tudo. Todos nos para sedimentar informações. Não dá para
educamos em comunhão (Freire). injetar dados e informações na cabeça de
ninguém. Exige-se também disciplina e
7. Só é cohecimento válido o conheci- dedicação.
mento compartilhado. (Método Pau-
lo Freire). 7. “Quem encina aprende ao encinar
e quem aprende encina ao aprender” (Pau-
Nós educadores sentimos falta ainda lo Freire, Pedagogía da autonomia, 1997,
de outras teses, teses que nos ajudem a en- p. 25).
tender o ato de aprender, para entender-
nos melhor o ato de encinar. Para nós edu- O conhecimento tem hoje um peso
cadores não basta saber como se constrói o diferente do que tinha na era da industria.
conhecimento. Nós precisamos dominar Vivemos numa época de desconforto, de
outros saberes da nossa difícil tarefa de desasossego. A modernidade nos fez mui-
encinar. Precisamos saber o que é e, sobre- tas promesas que não froram cumpridas,
tudo, como aprender. As teses a seguir fo- nos diz Boaventura Santos em seu livro
ram tiradas de múltiplas vivências, seja Pela mão de Alice. O trábalo desmateriali-
da minha prática, seja de teóricos que es- zou-se. Saber fazer hoje tornou-se, por is-
tudei, mas sobretudo da convivência de 23 so, mais cognitivo do que instrumental.
anos com Paulo Freire. Aprendi dele mitas Não basta aprender, pois o conhecimento é
lições. Tivemos oportunidade, com fre- polivalente. Importa muito mais aprender
qüência, de trocar idéias sobre isso. Paulo, a aprender e aprender a viver juntos, a
como educador, estava preocupado cons- participar em projetos comuns. Aprender
tantemente com o ato de aprender, de es- tornou-se sobretudo fazer uma grande via-
cuchar, de encinar. Reuno aquí pelo menos gem ao interior do ser, com autonomia, sa-
sete teses sobre esse tema. ber cuidar de si, dos outros, das coisas, es-
ses três “grandes mestres” de que nos fala
1. Aprendemos a vida toda. Não há Rousseau no primeiro livro do seu Emílio.
tempo próprio para aprender. Mais importante do que saber é nunca per-
der a capacidade de aprender.
2. Aprender não é acumular conheci-
mentos. Aprendemos histórica não para acu-
mular conhecimentos, datas, informações, 4. O que mais preocupava Paulo
mas para saber como os seres humanos fize- Freire nos últimos anos era avanço de uma
ram a histórica para fazermos história. globalização capitalista neoliberal. Por que
ele atacava tanto o pensamento e a prác-
3. O importante é aprender a pensar. tica neoliberal? Por que o neoliberlismo é
(a realidade, não pensamentos), aprender visceralmente contrário ao núcleo central
a aprender. do pensamento de Paulo Freire que é a
utopia. Enquanto o pensamento freireano
4. É o sujeito que aprende a través da é utópico o pensamento neoliberal abomina
sua experiência. Não é um coletivo que o sonho. Para Paulo Freire o futuro é pos-
aprende. sibilidade. Para neoliberalismo o futuro é
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fatalidade. O neoliberalismo apresenta-se nossa atenção para a necessidade de ob-


como única resposta à realidade atual, des- servarmos o processo de construção da
qualificando qualquer outra proposta. Des- subjetividade democrática, mostrando,
qualifica principalmente o Estado, os Sin- ao contrário, que a desigualdade não é na-
dicatos e os Partidos Políticos. Denuncia a tural. É preciso aguçar nossa capacidade
política fazendo política. Paulo Freire ata- de estranhamento. Precisamos ter cuidado
cava a ética do mercado sustentada pelo com a anestesia da ideologia neoliberal:
neoliberalismo, porque ela se baseia na ló- ela é fatalista, vive de um discurso fatalis-
gica do controle e afirmava uma ética in- ta. Mas não há nenhuma realidade señora
tegral do ser humano. No seu livro Peda- dela mesma. O neoliberalismo age como se
gogia da autonomia (p. 15) ele destacaba: a globalização foie uma realidade defini-
“Daí a crítica permanentemente presente tiva e não uma categoría histórica.
em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo
de sua ideologia fatalista e a sua recusa in- A concepção de mundo e a sua teoria
flexível ao sonho e è utopia. Daí a minha sócio-plítico-educativa nos ajudam não
raiva, legítima raiva, que envolve a meu apenas a entender melhor como funciona o
discurso quando me refiro ás injustiças a modelo neoliberal, mas nos ajudam a cons-
que são submetidos os esfarrapados do truir a resposta necesaria ao neoliberlismo.
mundo. Daí o meu nenhum interesse de, Ele defende uma nova modernidade cuja
não importa que ordem, asumir um ar de racionalidade debe estar “molhada de afeti-
observador imparcial, objetivo, seguro, dos vidade”. Contra o iluminismo pedagógico e
fatos e dos acontecimentos. Em tempo al- cultural que acentua apenas a aquisição de
gum pude ser um observador “acinzentada- conteúdos curriculares, ele realça a impor-
mente” imparcial, o que porém, jamais me tância da dimensão cultural nos processo
afastou de uma pisição rigoriosamente éti- de transformadora – transformar as condi-
ca” O anti-academicismo de Freire é conhe- ções de pressão-ela debe enraizar-se na
cido. E assim termina o mesmo livro cultura dos povos. A pós-modernidade se
(p.165): Nem a arrogância é sinal de com- caracteriza pelo simulacro e pelo consumo
petência nem a competência é causa da imediato. Ora, a educação é um processo a
arrogância. Não nego a competência, por longo prazo e precisa combater o imediatis-
outro lado, de certos arrogantes, mas la- mo, o consumismo, se quiser contribuir pa-
mento neles a ausencia da simplicidade ra a construção de uma pós-modernidade
que não diminuindo em nada seu saber, os progresista. A educação, para ser libertado-
faria gente melhor. Gente mais gente. ra, precisa construir entre educadores e
educando uma verdadeira conciência histó-
A educação não pode orientar-se pelo rica. E isso demanda tempo.
paradigma da empresa que dá ênfase ape-
nas à eficiencia. Este paradigma ignora o Certos críticos conservadores
ser humano. Para este paradigma, o ser afirman que ele não tem uma teoria do
humano funciona apenas como puro agen- conhecimento porque não estuda as rela-
te econômico, un “fator humano”. O ato ções entre o sujeito do conhecimento e o
pedagógico é democrático por natureza, o objeto. Ele se interesaría apenas pelo pro-
ato empresarial orienta-se pela “lógica duto. Isso não é verdade: antes de mais
do controle”. O neoliberalismo consegue nada, o seu pensamento funda-se numa
naturalizar a desigualdade. “É assim explícita teoria antropológica do conheci-
mesmo”, “Não há outra coisa a fazer”, ou- mento. Outros o acusam de autoritarismo
ve-se dizer. Por isso, Paulo Freire chama afirmando que o seu método supõe a
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transformação da realidade e nem todos Paulo Freire deixou um grande lega-


desejam transformá-la. Por tanto, seria do que hoje atravessa, cruza e rompe fron-
um método não científico (porque não teiras. Nessa travesía de milênio seu pensa-
aplicable universalmente). Seu método mento resurge e se renova em innumeras
seria autoritario na medida em que ele experiências de educação popular, de educa-
obriga a todos a participarem na transfor- ção continuada e informal, em escolas públi-
mação. É claro que essa crítica ignora que cas e privadas, em políticas públicas, em di-
Paulo Freire não aceita a ideéia de uma versas áreas do conhecimento, em diferen-
teoria pura –para ele uma iluão– mas nu- tes profissões, confrontando-se com diferen-
ma teoria crítica enraizada numa filosofia tes práticas e teorias. É um pensamento vi-
social e política. Ele rejeita a idéia da neu- vo e em evolução. Por isso não se trata de fa-
tralidade científica –como recusa o acade- zer uma leitura exegética do ele escreveu.
micismo– e argumenta que os conservado- Trata-se de dar continuidade e de reinven-
res, sobre a capa da neutralidade política tar, na prática, as grandes intuições e moti-
de uma teoria pura esconden a sua idelo- vações político-pedagógicas que orientaram
gia conservadora. seu pensar militante.

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