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III Conferencia
Moacir Gadotti
prioridade do social sobre o económico. Para seus problemas cotidianos junto com os ou-
que este novo mundo seja possível, é neces- tros e não individualemente.
sário que a toda a humanidade entenda e
aceite a educação transformadora como pré- Uma outro contribuição de Freire à
condição. Esta educação tem como pressu- história das idéias pedagóficas é a sua con-
postos o princípio de que ninguén encina na- cepção de currículo. Não se pode enten-
da a ninguém e que todos aprendem em co- der a pedagogia de Freire sem entender os
munhão, a partir da leitura coletiva do conceitos de transdisciplinaridade, trans-
mundo”. Não se pode entender o pensamen- curricularidades e interculturalidade. A in-
to pedagógico de Paulo Freire descolado de ter e a transdisciplinaridade freireanas
um projeto social e político. Por isso, não se não são apenas um método pedagógico ou
pode “ser freireano” apenas cultivando suas uma atitude do profesor. Elas se consti-
idéias. Isso exige, sobretudo, comprometer- tuem numa verdadeira exigência da pró-
se com a construção de um “outro mundo pria natureza do ato pedagógico. Paulo
possível”. Como dizia ele, na Pedagogia da Freire, na prática, sabia trabalhar com vá-
autonomia (1997, p.86): “mundo não é um rias disciplinas ao mesmo tempo: a etno-
convite para transfórmalo. grafía, a teoria literaria, a filosofía, a polí-
tica, a economia, a sociologia, etc. Trabal-
Paulo Freire colocou o oprimido no hava mais com teorias do que com discipli-
palco da história, pelo seu engajamento nas ou currículos que dizia deveriam ser
político e pela sua teoria como contra-na- ultrapassados. Para o ato pedagógico con-
rrativa ao discurso dos poderosos e privile- correm muitas ciencias. Paulo Freire tra-
giados. Ela valorizava, além do saber cien- balhava ao mesmo também com várias
tífico elaborado, também o saber primeiro, perspectivas teóricas: a do militante polí-
o saber cotidiano. Sustentava que o aluno tico, do filósofo da libertação, do cientista,
não registra em separado as significações do intelectual, do revolucionario, etc.
instrutivas das significações educativas e
cotidianas. Ao incorporar conhecimento, Para mostrar a contribuição de Pau-
ele incorpora outras significações, tais co- lo Freire à pedagogia crítica gostaria de
mo como conhecer, como se produz e como destacar alguns aspectos de sua teoria do
a sociedade utiliza o conhecimento... enfim, conhecimiento e do seu conhecido “método”.
o saber cotidiano do seu grupo social.
criar vínculos e não decorar conteú- redação. Sua primeira redação era definiti-
dos. Paulo Freire antecipou-se pelo va, mesmo que “inacabada”, dizia ele. Ela
menos 50 anos com o seu “Circulo de era a expressão daquele momento; não era
Cultura”, criando uma metodología apenas científica, mas era também poética,
prática que oferece as bases para a literária. Paulo Freire reúne nos seus escri-
construção desses pilares e rompen- tos o estilo literário, a linguagem científica
do com a noção clássica de “aula”. e a linguagem poética. Não foi assim que
foram escritos os grandes textos filosóficos?
4. A Educação como prática da liberda-
de (libertação). Ate aquí creio que o
construtivismo de Piaget também 2. A obra de Paulo Freire tem sido re-
iria. Mas o construtivismo crítico de conhecida mundialmente não apenas como
Paulo Freire foi além, afirmando a uma resposta a problemas brasileiros do
politicidade do conhecimento. É o passado ou do presente, mas como uma
momento da problematização, da contribuição original e destacada da Amé-
existência pessoal e da sociedade, do rica Latina ao pensamento pedagógico uni-
futuro (utopia). Educação não é só versal. Não se pode dizer que seu pensa-
ciência: é arte e práxis, ação-refle- mento responda apenas à questão da edu-
xão, conscientização e projeto. Como cação de adultos ou à problemáitica do
projeto a educação precisa reinstalar chamado “Terceiro Mundo”. Creio que vali-
a esperança. Nada mais atual do que dade universal da teoria e da práxis de
esse pensamento, numa época em Paulo Freire está ligada sobretudo a qua-
que muitos educadores vivem ali- tro intuições originais:
mentados mais pelo desencanto do
que de esperança. 1. Ênfase nas condições gnosiológicas
da prática educativa. Toda obra de
Não é fácil entender o pensamento de Paulo Freire está permeada pela
Pulo Freire. Ele não pode ser lido como idéia de que educar é conhecer, é ler
qualquer outra litertura pedagógica, pois o mundo para poder transformá-lo.
ele não queria escrever textos tecnicamen- Ele detacou, desde o início, a impor-
te pedagógicos. Os textos de Paulo são tam- tância das metodologias, o que é
bém textos literários e devem ser lidos muito atual. Foi acusado de não dar
também como textos literários. Paulo fora valor aos conteúdos e, por isso, de
professor de português na juventude e con- ser espontaneista e não-directivo.
tinuou durante toda a vida a apresentar Na verdade ele não foi nada disso:
seus textos de forma literária. Paulo Freire seu pensamento estava fortemente
deu o manuscrito de seu último livro Peda- orientado por um projeto político-pe-
gogía da autonomía para Ângela Antunes, dagógico cujo conteúdo era a liberta-
directora pedagógica do Instituto Paulo ção. As críticas de espontaneísmo de
Freire, em São Paulo, para uma revisão e não-directividade não procedem.
introdução de títulos e intertítulos ao seu
texto origina, antes de ser enviado para a 2. Defesa da educação como ato dia-
publicação. Ângela, professora de portu- lógico e, ao mesmo tempo, riguroso,
guêz, fez sugest-es também de estilo. Por intuitivo, imaginativo, afectivo. Pau-
mais que ela argumentasse com Paulo lo destaca a necessidade de uma ra-
Freire em favor de algumas dudan-as lite- zão dialógica comunicativa. A teoria
rárias, na disscusão final do texto, ele, em do conhecimento de Paulo Freire re-
vários momentos, manteve sua primeira conhece que o ato de conhecer e de
56 Revista Educación 26(2), 2002