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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

RUAN DE ASSUNÇÃO MENDES

O NEFANDO NA HISTÓRIA DO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE A POPULAÇÃO


LGBT E SEU LUGAR NO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO

Tubarão
2017
RUAN DE ASSUNÇÃO MENDES

O NEFANDO NA HISTÓRIA DO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE A POPULAÇÃO


LGBT E SEU LUGAR NO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Licenciatura em
História da Universidade do Sul de Santa
Catarina como requisito parcial à
obtenção do título de Licenciado em
História.

Orientador: Prof. Claudio Damaceno Paz, Ms.

Tubarão
2017
RUAN DE ASSUNÇÃO MENDES

O NEFANDO NA HISTÓRIA DO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE A POPULAÇÃO


LGBT E SEU LUGAR NO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Licenciatura em
História da Universidade do Sul de Santa
Catarina como requisito parcial à
obtenção do título de Licenciado em
História.

Tubarão 5 de Julho de 2017.

______________________________________________________
Professor e orientador Claudio Damaceno Paz, Ms.
Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________
Prof. Tânia Mara Cruz, Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina

______________________________________________________
Prof. Elvis Dieni Bardini, Ms.
Universidade do Sul de Santa Catarina
AGRADECIMENTOS

Aos deuses por terem me agraciado com inteligência e discernimento,


como também com a coragem e paixão de sempre querer saber mais.
Aos meus amigos, colegas e parentes, muitos para nomear, que me
inspiraram e ouviram.
A esta universidade, ao curso de Licenciatura em História, ao nosso
dedicado coordenador Alexandre de Medeiros Motta, ao meu orientador Claudio
Damaceno Paz que acolheu minhas ideias e as lapidou lindamente, aos docentes
que fizeram parte dessa jornada.
Aos meus pais por terem me educado a amado, a minha mãe em especial
pelo amor e aceitação incondicionais.
E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o
meu muito obrigado.
Eis aquilo em que creio: que eu sou eu. Que minha alma é uma floresta
sombria. Que o eu que conheço é apenas uma pequena clareira nessa floresta. Que
deuses, estranhos deuses vão da floresta para a clareira do eu conhecido e depois
se afastam. Que devo ter a coragem de deixá-los ir e vir. Que não deixarei jamais a
humanidade me dominar, mas sempre tentarei reconhecer os deuses que estão em
mim e a eles me submeter, assim como àqueles que estão em outros homens e
outras mulheres. - D.H. Lawrence.
Sumário
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................. 14
2 INVISIBILIDADE E SILENCIAMENTO: HOMOSSEXUAIS E
HOMOSSEXUALIDADES NA HISTÓRIA DO BRASIL ................................................. 17
2.1 HOMOSSEXUAIS NA CASAGRANDE E NA SENZALA .......................................... 17
2.2 A INQUISIÇÃO NO BRASIL COLONIAL E A CAÇA ÀS BICHAS .......................... 22
2.3 HOMOSSEXUAIS NA CENA URBANA BRASILEIRA NO IMPÉRIO E INÍCIO DA
REPÚBLICA ............................................................................................................................ 26
2.4 A ESTIGMATIZAÇÃO/CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE NO
BRASIL .................................................................................................................................... 30
2.5 A CARNAVALIZAÇÃO DAS CONDUTAS HOMOAFETIVAS COMO
ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA DOS HOMOSSEXUAIS NUMA SOCIEDADE
HETERONORMATIVA .......................................................................................................... 33
3 ROMPER O SILÊNCIO, TORNAR-SE VISÍVEL E SAIR DO ARMÁRIO: RISCO
CALCULADO OU ATO SUICIDA? .................................................................................... 37
3.1 REVOLUÇÃO DOS COSTUMES, CONTRACULTURA E MOVIMENTO GAY
ENTRE AS DÉCADAS DE 1950 A 1980 ............................................................................... 37
3.2 LGBT SOB A PROTEÇÃO DO ARCO-ÍRIS: DA CARNAVALIZAÇÃO À
POLITIZAÇÃO COMO MEIO DE LUTA.............................................................................. 40
3.3 ORIENTAÇÃO SEXUAL, IDENTIDADE DE GÊNERO,
HETERONORMATIVIDADE E POPULAÇÃO LGBT ........................................................ 42
3.4 VISIBILIDADE E VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA: TRAGÉDIA ANUNCIADA ......... 44
4 LGBT E O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO: DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS ÀS PRÁTICAS EDUCATIVAS ....................................................................... 47
4.1 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM RELAÇÃO À
POPULAÇÃO LGBT ............................................................................................................... 47
4.2 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (2014-2024) E A QUESTÃO DA
“IDEOLOGIA DE GÊNERO” ................................................................................................. 50
4.3 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, DIVERSIDADE SEXUAL NO
LIVRO DIDÁTICO E A POLÊMICA SOBRE O DENOMINADO “KIT-GAY” ................. 53
4.4 PERSPECTIVAS DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA PARA A POPULAÇÃO LGBT NA
CONTRAMÃO DA “PEDAGOGIA DO INSULTO”: A LGBTFOBIA NA ESCOLA
BRASILEIRA. .......................................................................................................................... 57
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 66
12

RESUMO

Embora muitos indivíduos que compõem a comunidade LGBT alcancem destaque


por suas atuações em diferentes áreas do conhecimento humano, das artes às
ciências, quando lembrados, em sua maioria, quase sempre são estereotipados e
estigmatizados ao longo da história das sociedades humanas e, particularmente, no
Brasil. Na contramão desta tendência, apresenta-se este estudo monográfico com o
intuito de demostrar que a sociedade humana é plural e a convivência entre as
diferenças produz muitos benefícios para todos. Nesse sentido, pretende-se
empreender uma investigação de caráter historiográfico sobre o trato recebido por
esta parcela da população ao longo da história do Brasil, bem como analisar as
políticas públicas brasileiras no que se refere a inclusão e avaliar se o estudante
LGBT está contemplado no discurso e prática do denominado respeito a diversidade
na igualdade.

Palavras-chave: LGBT. Estigmatização. Diversidade. Educação.


13

ABSTRACT

Although many individuals who are part of the LGBT community stand out for their
performances in different areas of human knowledge, from the arts to the sciences,
when this minority group is remembered, most of them are almost always
stereotyped and stigmatized throughout the history of human societies, and
particularly in the Brazil. Contrary to this trend, this monographic study is presented
with the intention of demonstrating that human society is plural and the coexistence
between differences produces many benefits for everyone. In this sense, it's intended
to undertake a historiographical investigation about the treatment received by this
part of the population throughout the history of Brazil, as well as to analyze the
Brazilian public policies regarding the inclusion and to evaluate if the LGBT student is
contemplated in the discourse and practices of the so-called respect for diversity in
equality.

Keywords: LGBT. Stigmatization. Diversity. Education.


14

1 INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da história das sociedades humanas foi marcado pela


extensa pluralidade de relações e formas de perceber o mundo, algumas delas
tornaram-se hegemônicas, se sobrepondo ou submetendo outras – de acordo com a
história única de cada civilização. Os indivíduos que hoje constituem o que costuma
ser denominada comunidade LGBT apesar de representarem parte significativa das
sociedades humanas, quase sempre são ocultados e silenciados na escrita da
História, principalmente quando inseridos num contexto com forte pensamento
judaico-cristão.
Embora muitos destes indivíduos alcancem destaque por suas atuações
em diferentes áreas do conhecimento humano, das artes às ciências, quando
lembrados, em sua maioria, quase sempre são estereotipados e estigmatizados. Na
contramão desta tendência, apresenta-se este estudo monográfico com o intuito de
demostrar que a sociedade humana é plural e a convivência entre as diferenças
produz muitos benefícios para todos.
Nessa perspectiva, apresenta-se o tema deste estudo monográfico: O
NEFANDO NA HISTÓRIA DO BRASIL: UM ESTUDO SOBRE A POPULAÇÃO
LGBT E SEU LUGAR NO SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO. E, para
corroborar com a natureza do tema, foi proposta a seguinte questão-problema: A
trajetória de exclusão e perseguição vivenciada pela comunidade LGBT ao longo da
História do Brasil influenciou o discurso atual sobre a inclusão desses indivíduos no
sistema educacional brasileiro?
Em parte das sociedades humanas e, particularmente, na brasileira a
intolerância para com as minorias sociais têm assumido proporções trágicas, haja
vista a quase total eliminação física e cultural dos indígenas, a marginalização de
grande parcela da população afrodescendente, a reação misógina em relação às
iniciativas de empoderamento das mulheres, o desprezo em relação aos pobres,
manifestado na recusada das políticas públicas que visam a inclusão social, dentre
outras (PINSKY, 1993 e TREVISAN, 2002).
O conceito de minoria utilizado nesse trabalho corrobora com Baylão
(2001), onde o autor define o termo não como minorias numéricas dentro da
população de uma nação, sempre atentando-se ao fato de que algumas das
15

minorias citadas nessa monografia contam com grandes números populacionais


dentro de suas comunidades. O conceito de minoria aqui norteia-se na distribuição
desigual de poder e nas relações de poder e violência, tanto econômica, material ou
simbólica estabelecidas entre grupos sociais distintos contextualizados numa
unidade política.
Em relação à minoria LGBT, a situação é ainda mais aviltante, pois trata-
se pessoas que além de trazerem estigmas de grupos citados anteriormente,
apresentam uma sexualidade distinta do modelo tradicional, que acaba gerando
sentimentos violentos de repulsa e exclusão por parcela da população (LOURO,
2000).
Muito mais do que atritos físicos, verbais e psicológicos, a LGBTfobia
enraizada no imaginário social, promove uma espécie sutil de violência: a
invisibilidade, estranhamente promovida por instituições às quais se atribuem a
função de acolhimento dos seres humanos e a promoção da humanização como o
sistema educacional (LIONÇO & DINIZ, 2009).
Paradoxalmente, identidades que poderiam enriquecer as discussões e
estudos em favor da igualdade como respeito à diferença, que poderiam ser
utilizadas como instrumentos para a construção de uma sociedade mais harmoniosa
e inclusiva, assumem, muitas vezes, o discurso do dominante ao reforçar
estereótipos e a discriminação, provocando divisões entre os seus iguais, ou mesmo
as que atuam, mas são desconhecidas até mesmo entre os seus.
Tendo em vista os diversos relatos que chegaram até o tempo atual e os
estudos historiográficos sobre o assunto no Brasil, pode-se perceber que,
independentemente do avanço dos séculos, os indivíduos com sexualidades e
identidades de gênero não-hegemônicas sofreram e sofrem uma constante
estigmatização, oriunda de crenças tanto religiosas quanto científicas e sociais em
parte da história das civilizações humanas. Essa discriminação vem empurrando
esse grupo minoritário para a margem da vida social, onde suas reivindicações e
direitos permanecem, até os dias atuais, silenciados (VAINFAS, 1997; TREVISAN,
2002).
Com intuito de nortear esse estudo, o seguinte objetivo geral foi
estabelecido: Compreender os processos que promoveram a invisibilidade da
comunidade LGBT ao longo da história do Brasil, perpassando pelas políticas
16

públicas educacionais, com vistas à promoção da inclusão e ao respeito a igualdade


na diversidade.
. A fim de alcançar o objetivo geral supracitado, foram propostos os
seguintes objetivos específicos: a) caracterizar a trajetória dos indivíduos que
apresentavam sexualidades e identidades de gênero não-hegemônicas ao longo da
história brasileira, tendo, como protagonista do estudo, o indivíduo homossexual
masculino; b) identificar o contexto histórico brasileiro caracterizado por
discriminações, exclusões e suas implicações para a história LGBT no Brasil; c)
elucidar sobre o desenvolvimento da comunidade LGBT em terras brasileiras; d)
Analisar as políticas públicas educacionais brasileiras atuais no que refere à inclusão
dos estudantes LGBT com vistas a promoção da igualdade na diversidade.
O presente estudo historiográfico decorre de uma pesquisa bibliográfica
de nível descritivo, com recorrência ao método dedutivo, pautando-se em fontes
bibliográficas ligadas a história de sexualidades não-hegemônicas. Os autores
Ronaldo Vainfas e João Silvério Trevisan serviram como grandes fontes sobre a
história das práticas homossexuais no Brasil e também como norte para definir quais
outros estudiosos seriam usados no estudo, já em relação às questões pertinentes a
educação, a linha de estudo de Guacira Lopes Louro, a Teoria Queer, serviu como
ponto de referência.
A etapa do desenvolvimento do presente estudo monográfico está
estruturada em três capítulos. O primeiro ocupa-se com o início da história da
comunidade dos LGBT no Brasil, começando com o Período Colonial, partindo para
o Império e a República. O segundo trata de temas como a importância dos eventos
da contracultura, a carnavalização e politização como meio de lutas LGBT,
relacionando conceitos como orientação sexual, identidade de gênero e
heteronormatividade e elucida sobre a visibilidade e violências sofridas pelo grupo
minoritário. O terceiro e último capítulo do desenvolvimento caracteriza a situação
das políticas públicas educacionais, a legislação educacional com vistas a inclusão e
a diversidade, com ênfase nas que se referem à comunidade LGBT no Brasil e seus
desdobramentos no que tange à visibilidade ou à invisibilidade, integração ou
exclusão, dar o direito à fala ou silenciar.
17

2 INVISIBILIDADE E SILENCIAMENTO: HOMOSSEXUAIS E


HOMOSSEXUALIDADES NA HISTÓRIA DO BRASIL

Este capítulo tem como intuito elucidar sobre a trajetória da população


LGBT nos primeiros séculos da História brasileira, traçando uma linha que
estabelece conexão entre diferentes períodos, desde os tempos coloniais, até o
começo da Primeira República: a perseguição contra os que foram flagrados,
acusados ou confessaram participar do que, dependendo da época, era chamado de
sodomia, nefando ou homossexualismo.
É necessário esclarecer que na maioria dos períodos históricos aqui
estudados não se encontram termos claros que definam as orientações sexuais de
cada indivíduo como nos tempos atuais.

2.1 HOMOSSEXUAIS NA CASAGRANDE E NA SENZALA

Considera-se relevante discutir sobre a situação na qual a população


LGBT se encontrava na Casagrande e na Senzala, ambas as instituições presentes
no período colonial brasileiro. Nesse sentido, faz-se necessário contextualizar o
status vivido pelo Mundo Velho na época do advento do Mundo Novo, como também
trazer à luz alguns aspectos sociais e culturais da vida no Brasil Colônia, a fim de
proporcionar uma compreensão mais profunda sobre a vivência, as rupturas e as
continuidades desta minoria em nosso país.
Devido à crise que assolava o mundo europeu em meados do século XIV,
as grandes civilizações da costa atlântica (estas, na época, Holanda, Espanha,
Portugal, Inglaterra e França) apresentaram a necessidade de expandir seus
territórios e riquezas (e, por consequência, o capitalismo europeu). A população
europeia passava por péssimas condições de vida, os metais preciosos eram
escassos, porém necessários como objeto de troca, o interesse de propagar a fé
católica num contexto de expansão islâmica e do protestantismo, a sedução das
especiarias em virtude dos contatos com o Oriente, além do aumento de poder e
influência proporcionada pela exploração e colonização de novos territórios – tudo
isso impulsionava o europeu a sair do conforto de seu mundo e encontrar as
18

américas, um continente que prometia as mais diversas riquezas e a oportunidade


de uma nova vida (PESAVENTO, 1992; PINSKY, 1993).
O imaginário que povoava as mentes europeias à época da chegada
deles – principalmente portugueses e espanhóis – nas Américas era repleto do
extraordinário: bestas, tribos de seres humanoides, abominações, contos de
heroísmo, honra e riquezas. Logo, não é difícil chegar a uma conclusão sobre o
quão grande eram as expectativas em cima do Mundo Novo, que embora não fosse
tão novo e intocado quanto o esperado, estava cheio de oportunidades e novos
começos (PESAVENTO, 1992; PINSKY, 1993).
Diferente da expectativa de se deparar com o extraordinário, o primeiro
contato com diversas tribos, no começo das negociações e acordos, se deu de
maneira amistosa. Entretanto, como afirma Caldeira et al (1997), essas relações não
eram oriundas somente da curiosidade de conhecer o outro, mas sim com intuito de
assegurar a posse das terras e causar intrigas entre tribos inimigas. A exemplo
disso, no Brasil, se pode apontar acordos entre colonizadores com os tupis em
detrimento as tribos inimigas, chamadas de tapuias.
Segundo Pinsky (1993) e Pesavento (1992), há relatos de que os
colonizadores consideravam o povo ameríndio calmo e inocente, sem vergonha de
sua nudez. As culturas encontradas em terras americanas eram deveras estranhas
àquela trazida pelos europeus: seu deus único não era conhecido, uma grande
quantidade de idiomas diferentes entre si eram falados. Nesse contexto, seria
estranho considerar que as relações sexuais e amorosas obedecessem a estrita
regra cristã, já que as formas de organização da vida social mostravam cosmovisões
inteiramente novas.
Os números de tribos e pessoas havia diminuído consideravelmente
devido a repressão e destruição de suas culturas, a conversão forçada ao
cristianismo, aos modos da cruz e da espada, das doenças trazidas do continente
europeu que eram novas em terras americanas – um massacre tanto cultural quanto
físico se instalou no Mundo Novo (PINSKY, 1993).
Devido aos pontos supracitados, a solução foi passar o trabalho para
negros africanos escravizados, trazidos nos navios negreiros até o Mundo Novo,
onde, diferentemente dos indígenas, segundo Santos (2008), não eram vistos como
um povo passível de catequização e salvação, mas sim apóstatas transformados em
objetos valiosos para a produção dentro do escravismo.
19

Ressalta-se que a população escravizada de origem africana não era


homogênea, pois se constituía de diversos povos diferentes com questões
socioculturais distintas entre si. Tal como o indígena das Américas, tinham religiões,
costumes, relações sexuais e amorosas, bem como cosmovisões que diferiam
daquelas encontradas na Europa.
As relações interpessoais no Brasil Colônia, em especial aquelas que não
se encaixam no modelo do que se considera como heterossexual nos dias atuais,
tema deste estudo monográfico, se desenvolveram num contexto que proporcionava
o encontro entre visões diferentes de mundo. Embora uma prevaleça, a europeia
cristã, em detrimento das outras, cada uma, como ficará evidenciado a seguir,
contribuiu para a formação da mentalidade da sociedade na época.
Muito longe de ser uma questão somente pertinente à América, é preciso
salientar que em terras europeias as relações sexuais e afetivas entre pessoas do
mesmo gênero também foram alvo de preocupação, tanto da população, quanto das
religiões, havendo até mesmo legislações com objetivo de punição, como o Tribunal
do Santo Ofício, cujo propósito era julgar tais casos, dentre outros, considerados
graves pela austera religião católica (VAINFAS, 1997).
A preocupação popular, documentada por Vainfas (1997), exemplificando
com base em fatos ocorridos na cidade de Valência, Espanha, entre os séculos XVI
e XVII, dirigia-se muito mais às condutas que eram consideradas como desviantes
do que pelo ato sexual em si, embora houvesse conexão entre os dois aspectos. As
denúncias faziam referência às pessoas do mesmo gênero (o autor em questão
salienta esse tipo de comportamento entre homens) que tinham uma amizade muito
íntima, que “festejavam” demais, andavam de mãos dadas ou trocavam afagos.
Sobretudo, adotar trejeitos e vestimentas do gênero oposto atraía estranhamento e
denúncias.

[...] na crônica popular as mulheres eram logo tratadas por "machos" se


agissem como homens, invertendo a conduta que lhes era socialmente
exigida. [...] com os homens: mais do que o estilo da cópula, infamava-os o
efeminar-se ou o andar publicamente ao lado de efeminados, dando
mostras de que os queriam "como a mulheres". (VAINFAS, 1997, p. 158)

Vainfas (1997) relata que o impacto persecutório não foi desigual na


Europa apenas geograficamente. Enquanto a nobreza gozava de certa liberdade
sexual, a perseguição contra pessoas do mesmo gênero, que se relacionavam entre
20

si, fortalecia-se entre as camadas mais populares, com ênfase em artesãos,


deserdados e trabalhadores. Entre nobres “confundia-se, a moda clássica, com as
relações de amizade e com os vínculos entre mestres e discípulos do Renascimento
e, nesse sentido, era até objeto de glorificação” (VAINFAS, 1997).
Na época das famigeradas Casagrande e Senzala, o Brasil ainda era uma
colônia estrangeira. Enquanto seus senhores moravam na Casagrande, a população
negra africana e seus descendentes escravizados levavam suas vidas nas senzalas,
trabalhando nos engenhos e grandes plantações das fazendas para quem os
haviam comprado como objeto de trabalho na produção escravista.
Trevisan (2002) conta que a prática da sodomia ou o pecado nefando,
alguns termos usados na época para designar relações sexuais e afetivas entre
homens ou entre mulheres, podia ser observada em todas as camadas sociais.
Governador ou artesão, pajem ou protegido, senhor ou escravo, cristão ou gentio,
homem ou mulher, clérigo ou soldado. Haja vista o contexto hierárquico social no
qual encontramos a época colonial, não é incorreto afirmar que as relações sexuais
e afetivas obedeciam ao mesmo modelo desigual, certamente até quando se discute
sobre relações entre pessoas do mesmo gênero. "Afetivos ou secos [...] assim se
comportavam [...] dependendo da posição [...] na sociedade. Nada os distinguia [...]
cada qual no seu devido lugar, [...] branco ou mulato, exceto a prática da sodomia
[...]" Vainfas (1997, p. 182).
Os relatos históricos deixados por esse período atestam essa diferença
de trato de acordo com a posição social em que os indivíduos estavam inseridos.
Contudo, uma delas, vinda do século XVIII, mostra com bastante clareza essa
questão. Um senhor paraense de engenho, Francisco Serrão de Castro, como traz
Trevisan (2002), foi acusado de abusar sexualmente, de maneira violenta, de
diversos de seus escravos, todos africanos, independentemente se fossem solteiros
ou casados, a ponto de parte deles teriam ido ao óbito.
É possível afirmar que a condição de escravizado modificava todos os
aspectos da vida humana. O escravizado não era somente um objeto que trabalhava
para o crescimento econômico (e, consequentemente, social) de seu senhor: toda
sua existência estava pautada na servidão. Ser escravizado implicava, como nos
mostram Vainfas (1997) e Trevisan (2002), na impossibilidade, por medo e pelo
contexto social forçado ao indivíduo escravizado, de dizer não às vontades do
21

senhor de engenho, de seus filhos e protegidos, mesmo que essas vontades fossem
de caráter violento e tivessem cunho sexual abusivo.
Casos como o de Luiz Delgado, segundo Vainfas (1997) também pintam
os relatos históricos: diferentemente da violência usada pelo senhor paraense de
engenho supracitado, Delgado tratava com carinho e ternura seus companheiros
nefandos. Diversas vezes fora visto nas ruas com seus amantes (um, pelo menos,
era um de seus criados), ostentando-os aos olhos públicos, o que, naquela época,
talvez fosse uma provocação maior que o ato sexual em si. Sobre este fato, Vainfas
relata (1997, p. 175):

Delgado [...] fazia mais do que cometer a sodomia, ao passear abraçado


com seus rapazes, penteá-los na janela à vista de todos, etc.: desafiava a
tradicional hostilidade popular contra a inversão dos papéis sexuais. Não
poderia um homem [...] rico e casado, ostentar sua clara preferência por
indivíduos do mesmo sexo sem despertar antigos preconceitos morais [...]
também feria a rigidez dos "valores estamentais" ao dispensar tratamento
tão generoso [...] a simples criados. Houve, assim, quem acusasse [...]
menos por seus possíveis atos nefandos do que por andar "ombro a ombro"
com seu protegido amante [...]

O nefando, sem sombra de dúvidas, também se fazia presente no mundo


das mulheres coloniais. Existem diversos relatos sobre as relações afetivas e
sexuais entre mulheres de variadas idades, posições sociais, até mesmo entre
freiras. Segundo Trevisan (2002), pode-se citar Felipa de Souza, famosa baiana, em
1590, que tinha um pedreiro como marido, manifestava interesse por mulheres
solteiras ou casadas. Com intuito de conquistar “ela mandava recados com
presentes [...] oferecer dinheiro, disputando-as com seus maridos; afirmava ter
"usado do dito pecado (nefando)" num convento [...] de ter tido caso, entre "muitas
mulheres e moças altas e baixas" [...]" (TREVISAN, 2002, p. 141)
Pela misoginia tão enraizada no contexto cultural colonial, o nefando
feminino não era centro das atenções da Inquisição, fato pelo qual devemos à
obscuridade quanto aos relatos históricos sobre o assunto. Um dos juristas mais
famosos do século XVI julgava desnecessário saber aos detalhes as relações de
sodomia feminina. Ainda segundo o mesmo juiz, como nessas relações não havia
nem o falo, tampouco o homem, então não poderiam ser consideradas uma
verdadeira forma de sodomia. Logo, em 1646, a Inquisição portuguesa se dispensou
do cargo de julgar o que consideravam como torpezas e molícies femininas
(VAINFAS 1997).
22

Pelos exemplos utilizados até o momento, é possível afirmar que a


sexualidade colonial, em semelhança à nossa, não era homogênea. Ao mesmo
passo que a tensão entre as diferentes sexualidades se organizasse de modos
diferentes, tendo em mente o contexto da época (marcado pelo escravismo, a
misoginia e crenças religiosas correspondentes à época), desde o começo da
história brasileira as relações sexuais e afetivas não pertenceram somente ao campo
do que chamamos de heterossexualidade. Embora fossem objeto de extrema
repreensão, punição e demonização, o Brasil não escapou do pecado nefando da
sodomia.

2.2 A INQUISIÇÃO NO BRASIL COLONIAL E A CAÇA ÀS “BICHAS”

Como exposto anteriormente, o Brasil colonial esteve marcado pela ação


da Inquisição que procurava julgar e definir as penas direcionadas a indivíduos que
portavam comportamentos dissidentes daqueles estabelecidos como regra numa
sociedade permeada, principalmente, pela religiosidade cristã. Sodomitas, cristãos-
novos, gentios, feiticeiras – esses e outros tipos de pessoas estavam sob a visão
inquisidora, nem sempre tão atenta, por interesses próprios, da Igreja. Nesta parte
deste estudo monográfico, direciona-se o foco de maneira mais profunda para a
própria Inquisição e sua relação com aqueles que praticavam o pecado nefando.
O Tribunal da Inquisição funcionava a partir de um Regimento Interno da
Igreja Católica que organizava suas funções. Pode-se afirmar que os crimes
investigados pela Inquisição, incluindo no Brasil colonial, eram de duas naturezas:
contra a fé e contra a moral. No primeiro tipo, podemos citar a prática de religiões e
religiosidades como o judaísmo, protestantismo, deísmo, maometismo, mas também
o libertinismo, as blasfêmias, etc.. No segundo tipo, eram enquadrados os
denominados crimes contra a moral, tais como sodomia, bigamia e feitiçaria, dentre
outros itens inclusos nessa lista, conforme NOVINSKY (1989).
Tendo em mente que palavras e expressões perdem e ganham
significados novos de acordo com o período histórico no qual são empregadas,
segundo Solé (1977, apud TREVISAN 2002), a expressão sodomia já fazia parte do
vocabulário cristão na Antiguidade e na Idade Média, significando, entre casais
heterossexuais, relações sexuais orais e/ou anais fora ou dentro do casamento,
como também quaisquer relações entre indivíduos do mesmo gênero.
23

Tão abomináveis tais práticas pareciam aos olhos da Inquisição que no


tocante da sodomia (e da penetração anal em si) outras alcunhas eram atribuídas
concomitantemente, tal como pecado nefando ou apenas o nefando (TREVISAN,
1997). Vainfas ainda nos conta que:

[...] o primeiro e único sínodo colonial considerou "tão péssimo e horrendo o


crime de sodomia", tão contrário à ordem da natureza, que era "indigno de
ser nomeado" [...] assim se julgava o chamado "vício nefando", pecado que
parecia "feio ao mesmo demônio". (2002, p. 151)

Em 1493, juntamente com a segunda armada de Colombo, chega o


prelado da ordem de São Domingos, frei Bernardo Buil. Ao presenciar os modos
vividos pela população (libertinos e de costumes livres), incluindo o comportamento
do clero, o frei exigiu de imediato o estabelecimento do Santo Ofício, tamanho o
escândalo que presenciou.
Assim, passaram a existir três Tribunais da Inquisição espalhados pelo
que hoje conhecemos como América Latina. Os tribunais foram estabelecidos no
Peru, em 1570, no México em 1571, e em 1610 em Cartagena, atualmente
conhecida como Colômbia. Quem ficava com o cargo de vigilância eram os
comissários (que gozavam de certos privilégios, tais como não pagar impostos e não
sofrer julgamentos civis), agiam como juízes destinados a observar e vigiar o
comportamento da população, contando com ajuda de uma rede de espiões, os
“familiares”. Todos os três tribunais funcionaram durante todo o período colonial,
cada um contando com diversos funcionários e dois inquisidores (NOVINSKY, 1989).
Diferentemente do que se acreditou por muito tempo, ainda conforme
NOVINSKY (1989) e embora tenha iniciado suas atividades mais tarde devido ao
desenvolvimento tardio das riquezas do Brasil, a Inquisição agiu na colônia brasileira
a ponto de interferir profundamente na vida colonial por mais de dois séculos,
atingindo as regiões mais distantes da colônia.
Questões como o trabalho árduo, poucas recompensas imediatas,
doenças, hostilidade indígena e etc. foram algumas das razões que não
estimulavam a vinda dos portugueses, contudo, ainda existia a necessidade de
povoamento: diversos estrangeiros, incluindo holandeses, franceses e ingleses
circundavam livremente pelo território, haja vista a relativa tolerância ainda exercida
pela política imigratória. Os primeiros a explorar o país economicamente foram
24

cristãos-novos mercadores, grupo que logo mais atrairia a atenção do processo


inquisitorial (NOVINSKY, 1989).
NOVINSKY (1989) levanta que é possível observar uma intensificação
das atividades inquisitoriais na colônia em 1580 por razões políticas, a mando de
Felipe II quando englobou Portugal em seus domínios e a produção açucareira
cresceu enriquecendo os colonos. Enriquecimento este que chegava aos ouvidos
dos inquisidores, além das diversas denúncias sobre infrações religiosas. Não tardou
para agentes da inquisição serem enviados às terras brasileiras: visitadores,
comissários e “familiares” com intuito de investigar e prender. Entretanto, tão-
somente em 1591: “[...] o arquiduque da Áustria, governador e inquisidor em
Portugal, nomeou um visitador, Heitor Furtado de Mendonça, para ir a São Tomé,
Cabo Verde e Brasil, inquirir in loco os habitantes e iniciar os processos
inquisitoriais" (NOVINSKY, 1989, p. 76).
A fim de elucidar a influência do Santo Ofício, pode-se elencar a chegada
dele no estado da Bahia. Segundo Mott (2010), com o intuito de afirmar o poderio
político e religioso da instituição que representava, a primeira ação tomada pelo
Visitador foi convocar as autoridades civis e eclesiásticas para que pudessem pagar
respeito e obediência ao Santo Ofício. O Bispo da Bahia em pessoa, Dom Antônio
Barreiros, foi incumbido da tarefa de ler em público a Provisão da Visita, beijando-a e
colocando-a sobre sua cabeça em sinal de obediência. No mesmo ano de 1591, em
29 de julho, o primeiro Auto-de-Fé foi celebrado no país, levando centenas de fiéis a
cidade de Salvador, onde a procissão tomaria lugar em suas principais ruas. Dentro
da Sé Primacial, aconteceu uma missa que durou três ou mais horas em que foram
lidos os dois Editais da Fé: "onde se declarava que Sua Majestade perdoava o
sequestro dos bens daqueles faltosos que tomassem a iniciativa de se confessar
dentro dos próximos 30 dias, o chamado ‘'tempo da graça’’" (MOTT, 2010, p. 22).
Como também foi lida a Bula de São Pio V, onde com excomunhão se ameaçava
qualquer indivíduo que atrapalhasse o trabalho do Santo Ofício, falasse mal de seus
ministros, além de requerer uma lista com todos os livros que a população tinha em
posse nas suas casas.
Ao final da missa, a sociedade baiana, desde vereadores, o Governador,
o Bispo e os demais representantes da população, se curvara diante da autoridade
máxima da Santa Inquisição e da Bula Papal, “prometendo obediência e empenho
25

na perseguição de todos os desvios contrários à pureza da Santa Religião Católica”


(MOTT, 2010, p. 22).
Como o supracitado, uma das preocupações da Inquisição, tanto na
Europa quanto em terras americanas, eram os desvios de caráter moral. Sendo um
deles a sodomia ou o pecado nefando. Existem diversos relatos que mostram a
perseguição a pessoas do mesmo gênero que mantinham relações afetivas e/ou
sexuais entre si – estando presente tanto nos níveis mais altos da hierarquia social
colonial, quanto nos mais baixos.
Segundo Mott (2010), era costume que a população confessasse seus
pecados por vontade própria, haja vista que as punições inquisitoriais eram mais
brandas quando confessadas pelo indivíduo no lugar de esperar uma possível
denúncia vinda de outrem. Tal era o clima de medo que se pode citar o Padre
Frutuoso Álvares, que confessou ter praticado a sodomia com mais ou menos
quarenta rapazes antes mesmo dessa prática começar a ser investigada em terras
brasileiras.
Outro exemplo interessante do clima de horror instaurado na época foi o
caso do mulato baiano Fernão Luiz, em 1590, como documenta Trevisan (2002).
Segundo os relatos do referido historiador, Fernão Luiz teria cometido o pecado
nefando com outro rapaz e, com medo de ser descoberto, matara tanto ele quanto o
pai e mãe do moço com uma galinha envenenada que teria ofertado para a família.
Segundo Vainfas (1997) pode-se falar de uma sociologia da sodomia
colonial, já que os números e detalhes deixados pela época apresentam dados
relativos, por exemplo, a cor e posição social. Entre os séculos XVI e XVIII, contando
os casos investigados nas visitações inquisitoriais na Bahia, Pernambuco e Pará,
165 homens foram acusados de praticar a sodomia. É possível afirmar que as
camadas mais baixas na hierarquia social foram as mais perseguidas pelo Santo
Ofício, sendo que cerca de 43% dos nefandos coloniais compunham-se de negros
escravizados, trabalhadores dependentes e criados – índios em aldeamentos
jesuíticos, vagabundos, marinheiros, soldados e etc. também atingem grandes
números.
Ainda segundo o mesmo autor, dos 22% de homens livres dotados de
algum tipo de ofício e/ou ensino superior, 15% eram artesãos e trabalhadores livres.
Embora a sodomia fosse considerada muito difundida entre os clérigos, apenas 3%
das acusações e confissões recaíam nesse grupo. Não porque existia uma
26

verdadeira aversão à prática, mas sim porque “carente de clérigos, a Igreja Colonial
procurou, ao que tudo indica, resguardar seus quadros contra a Justiça inquisitorial,
ao menos quanto ao ‘’pecado nefando’’, pois do contrário talvez ficasse sem
ministros” (VAINFAS, 1997, p. 170).
Outros 22% dos casos de sodomia se remetiam aos grandes mercadores,
autoridades, mineradores, lavradores, donos de fazenda e engenhos, como também
seus filhos e parentes próximos, ainda de acordo com VAINFAS (1997).
Caminhando de encontro ao contexto no qual índios, negros e mestiços
se encontravam no mundo colonial brasileiro, é possível observar que o número de
denúncias se compunha mais altamente entre casos de brancos com negros, com
índios e mestiços (que se torna importante ressaltar novamente a falta de escolha
que essas pessoas tinham em cima de situações como essa) do que nesses três
grupos entre si. Novamente, não porque existiam menos casos, mas sim pelo olhar
inquisitorial e populacional desinteressado para com esses grupos (VAINFAS, 1997).

2.3 HOMOSSEXUAIS NA CENA URBANA BRASILEIRA NO IMPÉRIO E INÍCIO


DA REPÚBLICA

No contexto do Brasil Império e começo da República, diferentemente do


que se pode concluir, o declínio do poder da Igreja Católica e a ascensão do
pensamento científico não significou uma quebra do paradigma de opressão e
perseguição vivenciados pelo o que hoje chamamos de minoria LGBT.
O lugar destinado às ameaças eclesiásticas de danação eterna e do
julgamento religioso é tomado por uma ciência, filha de sua época, liderada por uma
medicina higienista, por profissionais médicos-legistas e psiquiatras, todos muito
preocupados com o bem-estar social e com as regras estabelecidas sobre o
conceito do normal, proporcionando a existência de um novo tipo de controle sobre
essas pessoas. Intenta-se construir, em seguida, um contexto para elucidar sobre a
estigmatização e criminalização dessas práticas no Brasil Imperial e início da
República.
Se nas páginas anteriores da história do ocidente e do Brasil o imaginário
e as normas sociais construíam-se quase puramente de acordo com as regras do
cristianismo, sob os olhos perscrutadores do Santo Ofício, nesse novo período são
repaginadas de acordo com a ciência vigente, nunca existindo uma verdadeira
27

ruptura dos arcaicos pensamentos. Agora, o controle do comportamento da


população regrava-se de acordo com uma suposta neutralidade científica, baseada
fortemente na ideologia higienista (TREVISAN, 2002).
Como afirma Trevisan (2002), a família brasileira continuava pautada na
figura do homem, embora o antigo modelo patriarcal já não atendesse as
necessidades de uma sociedade que enfrentava problemas de mortalidade infantil,
péssimas condições higiênicas e que procurava se atualizar, "Daí a necessidade de
modernizar esse lar, preenchendo-o com prescrições científicas e cuidados mais
eficazes, do ponto de vista da saúde e educação" (TREVISAN, 2002, p. 171).
Uma noção de patriotismo muito pragmática surgiu em meados do século
XIX, onde o Estado ao juntar forças com o especialista em higiene invadiu o interior
antes sacro da família brasileira, passando a norteá-la de acordo com as
necessidades governamentais: através do intuito de criar rebentos de corpos
saudáveis para a pátria, numa sociedade minada pela ideologia da supremacia
branca burguesa, rígidas normas sociais foram estabelecidas em cima do
comportamento e da sexualidade brasileira, conforme TREVISAN (2002).
Num contexto onde tanto a promiscuidade quanto o celibato não eram
vistos com bons olhos, o casamento ideal, entre o homem e a mulher, plenos em
seus papeis sociais pré-estabelecidos nos conceitos intransigentes de masculinidade
e feminilidade, foi reforçado. A ideia das relações sexuais entre o casal também
sofreu modificações, agora era enxergado como uma obrigação cívica do
matrimônio, não demonizado como nos tempos coloniais (TREVISAN, 2002).

[...] se o Estado Liberal visava primordialmente a aparelhar para os novos


tempos a família da classe dominante, nem por isso o restante da
população ficava alheio a intromissões. À medida que o Estado reforçava
sua influência sobre o corpo social, as classes menos favorecidas iam
sendo paulatinamente higienizadas, mediante campanhas de moralização e
higiene coletiva, além da assistência filantrópica, que serviam para manter o
pacto social e, com ele, a unidade normatizadora da família - que constituía
o núcleo básico do Estado burguês emergente no Brasil. (TREVISAN, 2002,
p. 171-172)

Haja vista o esclarecido acima, segundo Trevisan (2002), não é estranho


chegar à conclusão de que tudo o que não se encaixava nesse modelo era visto
como anormal, como um perigo ao bem-estar biológico e social da pátria. Se tanto o
indivíduo libertino quanto o celibatário, segundo a opinião médica da época, corriam
perigos tanto físicos quanto psicológicos oriundos de suas ditas práticas, negar a
28

“vocação natural” (em outras palavras, relacionar-se com indivíduos do mesmo


gênero) do homem e da mulher apresentava-se como um delito mais grave ainda –
principalmente no contexto do movimento de institucionalização da
heterossexualidade nos séculos XIX e XX que Louro (2000) discorre sobre.
Pretes & Vianna (2007), contam que em meados do século XIX o
psiquiatra Benedict A. Morel desenvolveu a teoria da degenerescência onde
sustentava que falhas psíquicas e biológicas (inclusive de caráter sexual) podem ser
transmitidas hereditariamente e pôr em risco toda a espécie humana, pensamento
este que deu terreno a preocupação científica quanto aos comportamentos
considerados homossexuais.

O corpo e o sexo, ao adentrarem no campo de projeção da ciência, foram


esmiuçados e traçaram-se linhas de suas regularidades, normalidades. A
heterossexualidade, ao tornar-se norma, converteu-se o gabarito de
inteligibilidade deste sistema de regularidades, e o que não se conformasse
às suas linhas de regularidade, o que não fosse filtrado, era
consequentemente irregular [...] (PRETES & VIANNA, 2007, p. 370-371)

A medicalização do olhar sobre as sexualidades não-heterossexuais não


foi capaz de encontrar qualquer diferença fisiológica entre quem agia de acordo com
a norma e quem caía na rede dos “degenerados sexuais”, embora não por falta de
tentativa e palpites mirabolantes. Desde a anatomia desses indivíduos, até mesmo o
modo com que se relacionavam foi perquirido, havendo até mesmo quem analisasse
seriamente cartas de amor e indagasse, alguns até afirmando, sobre a capacidade
afetiva entre esses indivíduos (TREVISAN, 2002).
Green (2000) afirma que a sugestão dos profissionais dedicados a
estudar o “crescimento” das práticas homossexuais era uma maior ação do Estado
no controle dessa sexualidade perversa, respaldados pela tradição positivista que
acreditava numa "’’ciência’’ aplicada como mola propulsora do progresso social e
mantenedora da ordem social" (GREEN, 2000, p. 192).
No século XIX, Foucault afirma que o homossexual torna-se uma
personagem, contendo “um passado, uma história, uma infância, um caráter, uma
forma de vida; também é morfologia, com uma anatomia indiscreta e, talvez, uma
fisiologia misteriosa" (1999, p. 42). Desta forma, observa-se o surgimento da ideia de
que o homossexual era de quase uma espécie própria.
29

Não é estranho que o comportamento homossexual fosse visto com maus


olhos até mesmo na vida política. Há relatos de políticos homossexuais nos tempos
imperiais que foram alvos de comentários. Trevisan (2002) relata sobre certo político
atingido por essas conversas que era famoso por aparecer com seus amantes em
público – amantes estes que auxiliava generosamente em questões financeiras,
empregatícias e até mesmo matrimoniais.

[...] Viveiros de Castro aludia às grandes qualidades morais e políticas


desse homem, que chegara a ser nomeado governador do Estado, mas,
graças à fama de pederasta, tivera seu nome vetado numa lista tríplice para
senador, na qual competia com "duas nulidades" [...] (TREVISAN, 2002, p.
178)

Tal qual o comportamento homossexual masculino, as mulheres também


não escapavam da estigmatização. Enquanto homens eram chamados de uranistas,
elas recebiam alcunhas como tríbades, sáficas, lesbianistas, fanchonas e viragos
(PRETES & VIANNA, 2007).
Tal comportamento, segundo a opinião da época, as classificava como
loucas, congênitas ou viciadas. Esse vício tinha fama de ter originado da educação
moderna, das aberrações sexuais exigidas por seus companheiros, da vida em
internatos e até mesmo a literatura moderna foi apontada como possível causa.
Pessoas famosas da época, como as atrizes Suzana C. e Blanche foram vítimas de
comentários e análises sobre seus envolvimentos íntimos e sexuais (TREVISAN,
2002).
Como se percebe ser homossexual em terras brasileiras (ou, pode-se
concluir, qualquer outra sexualidade que não se encaixasse no modelo
hegemônico), embora não mais tão vigiados pelas vistas da Igreja Católica dos
tempos coloniais, ainda não era de modo algum fácil e livre de estigmas. O fim do
Brasil Império e o começo da República foram marcados, na história LGBT, por uma
nova onda de perseguição que ganhou novas roupagens – essas iluminadas pela
luz da ciência, como ficará mais evidente no subtítulo seguinte.
30

2.4 A ESTIGMATIZAÇÃO/CRIMINALIZAÇÃO DA HOMOSSEXUALIDADE NO


BRASIL

A partir de agora volta-se a atenção mais atentamente para a


estigmatização e criminalização dos comportamentos afetivo-sexuais dissidentes
daquele heteronormativo estabelecido como padrão. Aqui, discorre-se mais
longamente sobre o papel das ciências na história da formação do pensamento
sobre as homossexualidades durante os séculos XIX e XX.
De acordo com Pretes & Vianna (2007), no continente europeu os
resquícios do pensamento iluminista, os movimentos sociais e as revoluções
ajudaram a dar à luz a um discurso científico que não apoiava a punição pela lei das
relações entre pessoas dos mesmos gêneros. A descriminalização das práticas
homossexuais teve seu processo iniciado com o fim do Santo Ofício e com a
aplicação do Código Criminal de 1830, o qual retirava a sodomia como delito em
nossa legislação – seguindo o exemplo francês. Contudo, é de extrema importância
ter em mente que esse processo não significou uma quebra na posição
preconceituosa contra a homossexualidade, tampouco que qualquer prática
divergente da heterossexual passasse a ter proteção contra investidas violentas do
Estado em nosso país.

[...] a descriminalização não ocorreu em função de um abrandamento moral,


pelo contrário, o que houve foi uma mudança de mecanismos de poder: o
corpo foi retirado do campo de projeção da teologia moral e adentrou o
campo da ciência. (PRETES & VIANNA, 2007, p. 350)

Conforme Pretes & Vianna (2007), como também Trevisan (2002), o


termo homossexual (ou homossexualismo) surgiu primeiramente em 1869, através
de um panfleto publicado por Karl Maria Kertbeny, um médico austro-húngaro.
Contudo, o termo não foi adotado amplamente pela comunidade científica, muitos
preferiam termos como missexualidade e intersexualidade por definirem formas de
sexualidade mais “confusas”, onde se misturam os “sexos”. Foi apenas em 1905 que
o termo ganhou notoriedade quando publicado novamente por Magnus Hirschfeld e
Havelock Ellis. O surgimento de uma palavra definidora mais científica teve sua
importância na questão de viabilizar as diversas abordagens que surgiriam com o
passar das décadas, como também auxiliar no afastamento do campo moral. “A
31

instauração do homossexualismo enquanto categoria científica pretendia a obtenção


de enfoques mais rigorosos e menos subjetivos” (TREVISAN, 2002, p. 178).
Tão diferentes eram esses indivíduos aos olhos da população que se
considerava normal que, segundo Trevisan (2002), os médicos higienistas atingiam,
em suas pesquisas, níveis exagerados de obsessão. Pode-se citar o Dr. Pires de
Almeida que chegou a elencar as partes prediletas do corpo masculino dos
uranistas: segundo ele, uma coxa bem torneada era o maior alvo das paixões. Não
somente a atração física era dissecada, mas também a afetiva. Por meio de cartas
trocadas entre uranistas apaixonados, a ciência se propôs a analisar a capacidade
afetiva entre esses casais. Como afirmam Pretes & Vianna (2007), embora tenha
saído de uma visão pecado-delito, essas relações afetivas e sexuais passaram a ser
pensadas como desvios biológicos da sexualidade – logo, passíveis a tais estudos.
"A ciência desenvolveu, em torno das relações sexuais entre pessoas do mesmo
sexo, a imagem da patologia, que suplantaria a imagem de ilicitude moral desta
expressão sexual." (PRETES & VIANNA, 2007, p. 350).
Como dito acima, o homossexual, que era visto como portador de uma
patologia de degeneração sexual, passou a ser definido como um indivíduo anormal
a ser identificado e posteriormente normalizado: segundo alguns juristas, até mesmo
em casos onde o homossexual fosse julgado por crimes perante a sociedade, o Juiz
teria o dever de analisar seu quadro de degeneração sexual, a fim de julgar melhor
seu destino – a cadeia, onde se acreditava que não resolveria seu “problema”, ou o
hospício, lugar onde receberia os tratamentos para seu desvio: eletricidade,
hidroterapia, hipnose e de quaisquer outros meios que o profissional psiquiatra
julgasse necessários (PRETES & VIANNA, 2007).
A fim de evitar tais comportamentos, ações preventivas com fins
educacionais foram estabelecidas "[...] impondo uma educação cientificamente
programada, através da qual os meninos deviam se esmerar em exercícios físicos,
para evitar a afeminação, e aprender a amar o trabalho, para evitar uma perigosa
indolência moral." (TREVISAN, 2002, p. 174).
Estimular o contato com colegas do gênero oposto, afastar os
companheiros já conhecidos por esses gostos, dependendo da gravidade da
situação desde métodos preventivos como já citados, até mesmo persuasivos e
dissuasivos entravam em cena. Chamar atenção do uranista quanto às formas
femininas, obrigá-lo a ter relações sexuais com mulheres vestidas em trajes
32

masculinos, dormir com mulheres nuas. No caso das tríbades, semelhantes recursos
estavam à disposição: desde ameaças raivosas cheias de asco, até mesmo
exortações repletas de ternura. Numerosas sessões de hipnose a fim de fazer com
que o invertido sexual sentisse nojo e horror por sua anormalidade era um método
comumente usado (TREVISAN, 2002).
Existiam casos que eram considerados sem volta, já que nenhuma das
técnicas de cura parecia resolvê-los. Sobre isso, Green (2000, p. 191) afirma que
essas pessoas “atravessavam o período de internação relativamente sem mudanças
e continuavam a expressar seus desejos homossexuais durante o confinamento,
para serem enfim liberados, declarados “incuráveis”.
Leonídio Ribeiro, um criminalista brasileiro, foi um dos maiores nomes na
pesquisa em relação aos homossexuais, chegou a analisar os casos de 195
homossexuais detidos em 1932 pela polícia carioca. Seu discurso baseava-se
fortemente na teoria que sugeria origens endócrinas do homossexualismo – um
distúrbio seria sua causa. Essa teoria sustentava que esse desvio sexual só poderia
ser corrigido logo na infância (ou, mais tardar, na puberdade) por meio de
intervenções cirúrgicas, onde transplantes, de acordo com o gênero do cidadão, de
ovários ou testículos deveriam ser feitos a fim de masculinizá-lo ou feminizá-lo
(PRETES & VIANNA, 2007).

Caberia à família uma vigilância constante sobre as crianças, para que o


mais cedo possível pudessem ser detectados os sinais morfológicos que
apontassem para falhas endócrinas. Tais sinais seriam a ginecomastia,
gestos ou atitudes que não correspondessem às expectativas referentes ao
sexo da criança (PRETES & VIANNA, 2007, p. 360-361)

Na visão da sociedade da época, enquanto consciente de seu lugar e


limites, o pederasta poderia ser tolerado. Contudo, a opinião popular quanto a casos
de demonstração de afeto em público não era positiva. Tais situações poderiam ser
consideradas atentados ao pudor e obscenidade, passíveis de serem coibidos
energeticamente pela polícia. O bairro de Sant’Ana, segundo opiniões, relatos e
denúncias do Dr. Pires de Almeida, era um local onde soldados, marinheiros e
variados tipos de vagabundos se encontravam para pôr em ação esse tipo de
imoralidade e vício asqueroso (PRETES & VIANNA, 2007; TREVISAN, 2002).
Casos considerados “escandalosos”, seja no meio do seio familiar ou para
toda a sociedade em si, não passavam impunes. Há a história do professor de 25
33

anos, Napoleão B., relatada por Green (2000), que foi conduzido pela polícia ao
Sanatório Pinel, de São Paulo, em 1935. Após fundar uma escola particular com
ajuda de sua irmã, Napoleão buscou auxílio de outro profissional, João Cândido F.,
de 28 anos, com quem tempo depois viria a dividir um quarto alugado. A família,
desconfiada que Napoleão estivesse envolvido com práticas homossexuais, decidiu
interná-lo contra sua vontade. Relatos nos dizem que, embora tenha entrado com
perfeita saúde mental, o tempo de confinamento causou um estado de leve
depressão, principalmente após perder para a família uma ação que pedia sua alta
do estabelecimento. Conta-se que o diretor do sanatório, Dr. Antônio Carlos
Pacheco e Silva, testemunhou em prol da família. O “paciente” recebeu alta apenas
quando mostrou que havia se arrependido de seus “erros” e que se regeneraria para
uma vida “normal”. Vê-se aqui um esforço conjunto da família com “A polícia, a
justiça e a medicina trabalhavam em uníssono para conter e controlar esse ‘’desvio’’”
(GREEN, 2000, p. 191)
Nessa pequena parte pudemos ver um pouco mais a fundo o movimento
de estigmatização das sexualidades consideradas anormais, tanto pela ciência
quanto pela religião e, consequentemente, pela população brasileira. A ciência,
tentando esclarecer o dilema daquela expressão sexual e afetiva tão estranha,
embora tão antiga, acabou contribuindo durante décadas para o aumento da
marginalização social da minoria LGBT, transformando-os quase que em uma
espécie diferente do ser humano.

2.5 A CARNAVALIZAÇÃO DAS CONDUTAS HOMOAFETIVAS COMO


ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA DOS HOMOSSEXUAIS NUMA
SOCIEDADE HETERONORMATIVA

Ao observar o universo onde vivem todos os indivíduos que compõem a


sigla LGBT, podemos ver que seu modo de vida é essencialmente transgressor – é
possível afirmar que suas vidas em si são um objeto de forte transgressão na
sociedade brasileira. Brincar com gênero, com sexualidade e afetividade, bagunçar
as regras enraizadas e sacramentadas da heteronormatividade é certamente um
grito oriundo do desejo de viver dessas pessoas – consciente ou inconscientemente.
34

Nessa parte deste estudo monográfico voltaremos nossos olhares para


essa transgressão em forma de carnavalização promovida pelos corpos LGBT no
campo das normas sociais.
Muito embora dependa da subjetividade de cada indivíduo, desde há
muito na história brasileira, até mesmo mundial, ousar ter desejos sobre pessoas do
mesmo gênero, mesmo que não exclusivamente, nunca significou apenas isso,
principalmente quando nos referíamos a uma cultura LGBT - ou gay, como ainda é
mais comumente referida.
Há relatos em diversos períodos históricos sustentados por vários
autores, como Vainfas (1997), Green (2000) e Trevisan (2002), sobre ações
transgressoras e, pode-se usar o termo, carnavalizadoras da conduta homoafetiva
diante da ideia do normal imposta pela sociedade – principalmente quando tocamos
em questões sexuais, por óbvios motivos, mas também na linha limítrofe entre os
gêneros e os papeis impostos a eles.
Vivemos numa sociedade onde a heteronormatividade dita as regras de
convivência, parâmetro para a construção do que a sociedade considera normal e
aceitável, impondo maneiras que direcionam nossas amizades, nossos afetos,
relações sexuais, o modo com o qual nos vestimos e nos portamos nos espaços de
convívio social. Sobre esse conceito definidor das relações de cunho afetivo e
sexual foi estabelecido que:

Por heteronormatividade, entende-se a reprodução de práticas e códigos


heterossexuais, sustentada pelo casamento monogâmico, amor romântico,
fidelidade conjugal, constituição de família (esquema pai-mãe-filho(a)(s)).
Na esteira das implicações da aludida palavra, tem-se o heterossexismo
compulsório, sendo que, por esse último termo, entende-se o imperativo
inquestionado e inquestionável por parte de todos os membros da
sociedade com o intuito de reforçar ou dar legitimidade às práticas
heterossexuais (FOSTER, 2001, p. 19 APUD MIRANDA, 2010, p. 83-84).

Como dito anteriormente, em tempos coloniais, tanto em terras brasileiras


quanto em europeias, ultrapassar as barreiras impostas sobre os gêneros, como
também da feminilidade e da masculinidade foi, pode-se afirmar, objeto de mais
escândalo que as próprias relações sexuais em si entre pessoas do mesmo gênero.
No pensamento cristão (não somente nele, mas no científico também), reinante nas
mentes ocidentais, o homem e a mulher tem um papel definido perante a sociedade
– ultrapassá-lo já foi motivo (e ainda o é nos dias atuais) de chacota e castigos.
35

Embora nada disso os impedisse de, entre os seus, adotarem apelidos que não
condiziam com seus gêneros. Sodomitas na Europa adotavam, já na época do
Santo Ofício, alcunhas como “Lisboeta”, “Bugia da Alemanha”, “Turca” e etc. Em
terras brasileiras, entre os séculos XIX e XX, podemos ver apelidos como “Princesa
Salomé”, “Foedora”, “Cora Pearl” e etc. (TREVISAN, 2002; VAINFAS, 1997).
Embora em tempos atuais a discussão sobre Francisco Manicongo talvez
se enveredasse por outros caminhos em razão dos estudos sobre a
transgeneridade, na Bahia do século XVI, foi um homem escravizado de origem
africana, conhecido por usar trajes femininos, à semelhança de costume aceito em
terras congolesas. Francisco Manicongo fora duas vezes denunciado por praticar o
pecado nefando, além de se recusar a usar trajes masculinos dados por seu senhor.
Muito semelhante a um caso em terras europeias: Antônio, um negro de Benim,
andava por Lisboa protegido pela noite, em vestes femininas, atendendo pelo nome
de "negra Vitória" (VAINFAS, 1997).
No Brasil dos anos 1930, vestir-se do gênero oposto publicamente fora de
ocasiões que se julgava aceitável tal prática foi motivo de prisão, como soube na
pele um funcionário de escritório em São Paulo, quando tentou sair na rua vestido
de mulher. Embora esse costume fosse normal no carnaval do Rio de Janeiro, coisa
que esse indivíduo gostava de fazer nessa época, pois não sofria repreensão da
polícia, conforme Greem (2000).
A inversão do uso das indumentárias destinadas a cada gênero ganhou
importante papel em meados dos anos 1940, depois de um árduo período onde os
homossexuais começaram a invadir e expandir suas influências em festas
carnavalescas. Surgiram os bailes de travestis, onde performances públicas
brincavam com as representações dos gêneros. Apenas nos anos 1950 que esses
eventos voltados ao público homossexual tornaram-se mais fortes em visibilidade,
tamanho e número, "eram os principais locais onde a regra era o desregramento,
onde se podiam transgredir normas de masculinidade e feminilidade sem
preocupação com a hostilidade social ou punições" (GREEN, 2000, p. 332).
Com o passar das décadas, a importância da criação de eventos e
invasão de outros se mostrou crucial, embora cortante para os dois lados. Enquanto
aumentava a visibilidade e aceitação desses grupos perante a sociedade, também
trouxe confusão quanto à imagem do que é ser homossexual: muitos passaram a
36

pensar esses homens somente como travestis e imitadores do mundo feminino e


sua beleza (GREEN, 2000).
A época do carnaval em si, torna-se, para o brasileiro, segundo Green
(2000), palco para viver sob outros modos (além de mais livremente) a experiência
humana do gênero, da sexualidade, dos papéis a eles impostos. Contudo, para os
homossexuais, pode-se dizer tanto mulheres quanto homens, é um período onde
existe a possibilidade de transformar as ruas em mais públicas: sem o receio da
repreensão social, é possível transgredir as regras heteronormativas, o que estava
antes oculto tem espaço para revelar-se, é o lugar onde o indivíduo pode viver sua
feminilidade ou masculinidade do jeito que lhe for conveniente.

O carnaval representa para eles um palco maior do que as festas íntimas


entre amigos do mesmo time. Vestidos de mulher, alguns homens
proclamam para a sociedade brasileira que são mais femininos e delicados
do que as próprias mulheres. (GREEN, 2000, p. 335)

Para uma grande parcela da população LGBT, tanto nos dias atuais
quanto nos séculos passados, transgredir a heteronormatividade é mais do que uma
ação que visa a diversão, mas deixar claro a mensagem de que existem outros
modos de vivenciar o mundo, significa ter o espaço para tentar viver de um modo
que não sufoque a sexualidade e a expressão de cada um perante sua
subjetividade. Os bailes com performances e o carnaval, dois exemplos usados
nesse subtítulo, não são apenas o baile e o carnaval, pois por detrás deles existe
uma vontade não somente de sobreviver a um mundo intolerante, mas viver nele.
37

3 ROMPER O SILÊNCIO, TORNAR-SE VISÍVEL E SAIR DO “ARMÁRIO”:


RISCO CALCULADO OU ATO SUICIDA?

Neste capítulo procura-se desenhar a linha onde, na História, o


movimento LGBT começou a se definir e fazer parte do mundo político, além das
consequências que essa exposição trouxe tanto para o movimento, quanto aos
indivíduos que se integram nele.
Questões como a Contracultura, o movimento gay entre as décadas de
1950 a 1980, a carnavalização nas Paradas do Orgulho LGBT como forma de luta
política na reivindicação de direitos e conscientização sobre esse grupo minoritário
serão abordadas.

3.1 REVOLUÇÃO DOS COSTUMES, CONTRACULTURA E MOVIMENTO GAY


ENTRE AS DÉCADAS DE 1950 A 1980

As décadas de 1950 à 1980 foram um período de extrema mudança em


termos globais, transgredindo conceitos relativos a sociedade e cultura como um
todo: desde o levante de questões pertinentes ao papel da mulher e do homem no
meio social, do consumismo, das ideias religiosas, da sexualidade, até o golpe de
Estado que ocorreu no Brasil em 1964, que duraria mais de duas décadas,
modificando a nação dos pés à cabeça. Não seria estranho afirmar que mudanças
também ocorreram nos movimentos sociais, culminando no surgimento e
fortalecimento de muitos, como o caso do movimento gay no mundo e no Brasil.
Embora seja possível observar uma abertura para a homossexualidade,
como, por exemplo, a apresentação do primeiro trabalho acadêmico sobre esse
assunto na Universidade de São Paulo, a década de 1950, para todos aqueles que
não caíam nas graças da heterossexualidade, ainda foi uma época de perseguição e
estigmatização. Mesmo que não houvesse leis que criminalizassem a
homossexualidade, existem provas de operações policiais contra essa minoria onde
leis para coibir atentado ao pudor, perturbação da ordem pública, ofensa moral e
vadiagem eram usadas como justificativas para perseguições aos que apresentavam
conduta desviante. Nessas operações, era comum extorsão de bens e dinheiro, e as
vítimas preferenciais eram as travestis (LEAL, 2013).
38

Segundo Leal (2013), os anos 1960, principalmente seu final, foram


marcados pelo movimento de Contracultura, caracterizado pela cultura hippie e um
evento chamado Woodstock, em Nova York, que reuniu milhares de pessoas, além
de shows de diversos artistas ligados ao folk, o blues e o rock ‘n’ roll. Pode-se
afirmar que a maioria dessas pessoas estavam conectadas pelo descontentamento
oriundo das rígidas regras e tradições sociais. Tal acontecimento constitui
desdobramento da Beat Generation, que surgiu em meados da década de 1950 "[...]
composta pelos beatniks, intelectuais jovens, geralmente artistas e escritores,
questionavam o anticomunismo, o macarthismo, a falta de um pensamento crítico e
o consumismo [...]" (LEAL, 2013, p. 49).
Segundo Pereira (1984), a imprensa norte-americana inventou o termo
"contracultura" nos anos 1960 com intuito de delimitar o conjunto das novas
manifestações culturais que estavam florescendo tanto em terras europeias quanto
em terras americanas - até mesmo em latinas. Segundo o autor, é um termo
adequado a esses movimentos de caráter marginal e que independem de
reconhecimento oficial, pois se caracterizam por ações e pensamentos que se
opõem a cultura vigente ocidental.
Dois movimentos de peso que, embora tenham origens mais antigas,
marcaram os anos 1960 foram o Black Power, onde a população negra
conscientizava-se como grupo político e o movimento Feminista, trazendo à tona
questões como atributos e papéis de gênero, educação, a polarização entre o
mundo masculino e o feminino como um todo (LEAL, 2013).
Em terras estadunidenses, em 1969, ocorreu um evento chamado de A
Revolta de Stonewall, que se transformou em um catalizador e impulsionador dos
movimentos LGBT, repercutindo até mesmo em terras brasileiras. Após o velório da
cantora Judy Garland, cerca de 400 pessoas reuniram-se num bar para beber -
estabelecimento este muito frequentado por lésbicas, travestis e gays. Contudo,
naquele dia, o bar foi alvo da intimidação policial. Diferente do que se esperava, um
grupo de travestis não reagiu pacificamente: os policiais foram recebidos com
pontapés e socos, além de ataques com pedras, garrafas e moedas. A adesão foi
geral, durando cerca de quatro dias. Tal acontecimento teve grande cobertura da
imprensa norte-americana, até mesmo a internacional (COTTA, 2009; LEAL, 2013).
39

[...] embora realizado em grande parte por latinos, pobres e travestis que
reagiram à ferocidade da polícia, acabou se constituindo em um marco na
causa gay, tendo sido considerado como o início efetivo do movimento de
defesa dos homossexuais nos Estados Unidos e no mundo. (LEAL, 2013, p.
52)

Segundo Cotta (2009), juntamente às mudanças oriundas da


contracultura, e do episódio de Stonewall, em meados dos anos 1970 e começo dos
1980, o Brasil passava pelo enfraquecimento do Regime Militar, fatos que
impulsionaram a formação do movimento LGBT em nossas terras, como também
pelo desocultamento de vozes antes silenciadas.
Câmara (2002 APUD COTTA, 2009) destaca dois momentos desse
movimento: o primeiro foi o jornal Lampião da Esquina, publicado em 1978, e, no
ano seguinte, a formação do Grupo Somos de Afirmação Homossexual/SP. Essas
movimentações procuravam proporcionar o encontro de iguais, como também
afirmar a homossexualidade, não como patologia, mas uma sexualidade diferente.

No Brasil, o surgimento da contracultura em uma sociedade em pleno


período de abertura política foi tido como momento crítico para a
visibilidade política dos LGBT, visto que conceitos e práticas diferentes,
dos até então estereotipados, agora "estavam na moda". É nessa
realidade onde o tema liberdade de coloca que os LGBT encontram
oportunidades de expressão. (JESUS, 2010, p. 58)

O surgimento da questão da HIV/Aids, nos anos 1980, levou os olhos da


população e do Governo para o comportamento homossexual. Agora, já que a
classe média branca e heterossexual temia ser infectada pelo vírus, a esfera política
passou a ver homossexuais como cidadãos que precisavam de atenção e
estratégias específicas. Contudo, não porque houve uma aceitação dessas
sexualidades tão pouco entendidas, mas porque havia a necessidade de controlar a
epidemia.
Muitas revistas semanais, principalmente Veja e Isto É, auxiliaram nessa
mudança de perspectiva, além de construir uma imagem em cima do vírus: de que
era homossexual. O discurso da época, pautado na medicina e na ignorância sobre
o HIV/Aids, beirava ao evento apocalíptico, onde a heterossexualidade passou a ser
vista como salvação. Nesse contexto, o movimento gay agora não tinha apenas a
preocupação de afirmar-se numa sociedade heteronormativa, mas também
combater a ilusão de que o vírus não era exclusivo às sexualidades não-
heterossexuais (COTTA, 2009).
40

É tão-somente na década de 1980 que a população que caía na caixinha


da homossexualidade (até então chamada de homossexualismo) segundo o
entendimento religioso, político, público e medicinal da época ganham uma grande
batalha. "Em 1985, o homossexualismo perde no Brasil o caráter de desvio e
transtorno sexual e, em 1993, a Organização Mundial da Saúde adota o termo
homossexualidade no lugar de homossexualismo [...]” (SERPA, 2008, p. 362).
Contudo, é somente perto da virada do século, em 1999, que entra em vigor a
resolução nº 001/00 do Conselho Federal de Psicologia onde se afirma que a
homossexualidade não deve ser vista como doença, perversão ou distúrbio (SERPA,
2008).
Como é possível observar, as décadas de 1950 até 1980 foram de
extrema importância para a luta LGBT no mundo e no Brasil, marcando um
verdadeiro começo desses movimentos, embora ainda arriscando dar seus primeiros
passos por caminhos construídos por uma sociedade heteronormativa e enfrentando
os leões da estigmatização e da falta de informação que levaram o mundo a crer por
muito tempo (ecoando até mesmo nos dias atuais) que o HIV era homossexual.

3.2 LGBT SOB A PROTEÇÃO DO ARCO-ÍRIS: DA CARNAVALIZAÇÃO À


POLITIZAÇÃO COMO MEIO DE LUTA

Nesse subtítulo direcionaremos nossos olhares para as Paradas do


Orgulho LGBT no Brasil, fazendo uma breve análise de seu modo de funcionamento
e luta - a luta pelos direitos por trás de uma carnavalização politizada. São eventos
organizados pelo movimento social LGBT que visam aumentar a visibilidade de
todos os tipos de pessoas que compõem a sigla - Lésbicas, Gays, Bissexuais e
Transgêneros.
As Paradas do Orgulho LGBT acontecem em todo território brasileiro. Em
2008, a título de exemplo, ocorreram, atravessando todas as Unidades da
Federação, mais de 195, do dia 8 de fevereiro até 31 de dezembro. São eventos de
grandes proporções, principalmente em grandes cidades: a Parada de São Paulo,
em 28 de maio, contou com 3,4 milhões de pessoas (JESUS, 2010).
A dispersão temporal e seu número considerável demonstram a grande
adaptação e absorvimento delas pela cultura brasileira - cultura esta que sempre
possibilitou, através de eventos como o Carnaval, espaços para a expressão de
41

comportamentos e sexualidades que não pertenciam à estrita heteronormatividade


(GREEN, 2000; JESUS, 2010).
Jesus (2010) discursa elucidando sobre o caráter carnavalesco e, ao
mesmo tempo, politizado das Paradas do Orgulho LGBT, traçando dois extremos: o
próprio Carnaval e as Paradas Militares. Segundo ela, enquanto ambas são
teatralizações e, embora em contextos diferentes da palavra, festas, exprimem
vontades diferentes. O Carnaval simboliza o caos e a desordem - este, mesmo
possibilitando expor e fazer graça dos estereótipos sociais, ainda assim não tem
cunho de reivindicação social. Na outra ponta, observamos as Paradas Militares (ou
até mesmo festas religiosas) que são eventos controlados por instituições que visam
à ordem.
Diferentemente desses extremos onde se encontram o Carnaval e as
Paradas Militares, segundo Jesus (2010), as Paradas do Orgulho LGBT
desenvolveram-se como um híbrido desses dois tipos. Embora adotem quase todo o
aparato carnavalesco estético, ainda sim são organizadas para transmitir uma
mensagem, haja vista a existência de temas anuais que tratam de reivindicações de
direitos. O lado carnavalesco também serve como meio de destacar a diversidade
dentro da comunidade LGBT, assinalando as diferenças internas.

Elas de definem como passeatas reivindicatórias por direitos iguais,


questionando a ordem vigente, na medida em que esta exclui as pessoas
com sexualidades não-hegemônicas. Entretanto, reforçam a ordem, visto
que buscam nela se integrar, mas dessa forma colocando-se como
exceções que confirmam a regra do conflito entre grupos sociais. (JESUS,
2010, p. 63)

Conde (2004), diz que, inicialmente, o movimento de militância


homossexual aconselhava seus integrantes a assumir sua sexualidade individual.
Contudo, com o passar dos anos, essa estratégia se desenvolveu na direção da
construção de um coletivo homossexual. Segundo a autora, a ação mais bem-
sucedida para a concretização desse objetivo são as Paradas do Orgulho LGBT.
"Como resultado dessas ações, a homossexualidade passou a ser abertamente
tratada nos meios de comunicação, nas escolas, nos almoços familiares [...]"
(CONDE, 2004, p. 155), até mesmo ressoando em propostas políticas eleitorais
como meio de associar a imagem dos políticos à defesa da democracia sexual.
42

Fazendo um apanhado de algumas Paradas do Orgulho LGBT de São


Paulo, Silva (2006), aponta a contribuições e conquistas, como também a temática
orientadora de cada uma. O evento de 2005 contou com o tema Parceria Civil Já!
Direitos iguais: nem mais, nem menos. Tinha como intuito celebrar a democracia e
lembrar ao país que existem grupos que ainda não usufruem todos os seus direitos.
"[...] essa temática coincidiu com os 20 anos da morte de Tancredo Neves e com os
20 anos de retorno à democracia, de reconquista do voto popular." (SILVA, 2006, p.
312).
Portanto, tendo em vista o supracitado, as Paradas de Orgulho LGBT que
ocorrem em todo o território brasileiro mostram-se de vital importância para o
movimento LGBT como um todo, desde um instrumento para a construção coletiva
da identidade desse grupo minoritário, a criação de políticas públicas destinadas a
esse grupo, como também um veículo para fazer-se conhecidos dentro das casas
brasileiras, construindo, com o tempo, uma imagem mais positiva, diferente daquela
pintada como pecado e perversão nos séculos anteriores.

3.3 ORIENTAÇÃO SEXUAL, IDENTIDADE DE GÊNERO,


HETERONORMATIVIDADE E POPULAÇÃO LGBT

Orientação sexual, identidade de gênero e heteronormatividade permeiam


os mais diversos trabalhos científicos e os debates pertinentes a população LGBT.
São expressões que nos auxiliam a definir as diferenças dentro de uma sociedade
heteronormativa, que faz vistas grossas a diversidade. Nesse momento deste estudo
monográfico trataremos dessas questões e sua relação direta com a vida de
pessoas LGBT.
Segundo Santos (2010), o conceito de gênero é fruto do movimento
feminista contemporâneo, embora as relações entre os gêneros sejam tão antigas
quanto a existência humana. A novidade quanto ao emprego do termo é a visão dele
como uma construção social, diferente das antigas concepções que estavam
atreladas a um discurso fortemente biológico para justificar as diferentes posições
hierárquicas entre homens e mulheres dentro da sociedade.

[...] o conceito de gênero remete a todas as formas de construção social,


cultural e lingüística implicadas com processos que diferenciam mulheres de
homens, incluindo aqueles processos que produzem seus corpos,
43

distinguindo-os e nomeando-os como corpos dotados de sexo, gênero e


sexualidade. (MEYER, 2004, p. 15)

Logo, quando se fala sobre identidade de gênero, refere-se ao modo


como um indivíduo se identifica dentro do conceito de gênero supracitado e sua
posição identitária em relação a ele – se é de aceitação ou transcendência. Parte da
população LGBT são as pessoas transgênero, sobre isso Modesto afirma “[...]
acontece a transgeneridade quando a identidade de gênero, que as pessoas sentem
ter, discorda do que aparenta sua conformação biológica, como meninos ou
meninas, realizada no momento de seu nascimento” (2013, p. 50). A autora também
afirma a diferença entre orientação sexual e identidade de gênero, elucidando que
uma não depende da outra, já que existem homens trans que se identificam como
homossexuais, por exemplo.
Já o conceito de orientação sexual pode variar de acordo com a área e
autor que se propõe a estudá-lo. Contudo, é possível afirmar que esse conceito é
comumente interpretado como o sentido do desejo sexual de um indivíduo. Esse
desejo pode se direcionar às pessoas do gênero oposto, do mesmo gênero ou de
ambos os gêneros, respectivamente, heterossexual, homossexual e bissexual
(CARDOSO, 2008).
Como esclarecido anteriormente, por heteronormatividade entendemos o
caráter compulsório das regras, modos de viver e ver a realidade de acordo com a
heterossexualidade, em detrimento a todas as outras sexualidades não-homogêneas
– estas que compõem as primeiras três sílabas do LGBT, lésbicas, gays e
bissexuais. Segundo Petry e Meyer (2011), o discurso médico, datando do século
XIX, vem formalizando a heteronormatividade, e sobre isso, afirmam: “o sexo e o
gênero são materializados nos corpos por normas regulatórias [...] em um processo
que visa disciplinar formas de masculinidades e de feminilidades possíveis e
diferentes entre si" (2011, p. 196).
As regras impostas pela heteronormativadade apresentam-se como um
grande empecilho na vida de maior parte da população LGBT, já que suas relações
afetivas, sexuais e suas identidades são vistas como condutas desviantes daquelas
estabelecidas pelos heterossexuais como aceitáveis dentro da sociedade. Como
também é através dessas mesmas regras arbitrárias que é construída a imagem da
população LGBT dentro das mentes dos cidadãos.
44

As coisas se complicam ainda mais para aqueles e aquelas que se


percebem com interesses ou desejos distintos da norma heterossexual. A
esses restam poucas alternativas: o silêncio, a dissimulação ou a
segregação. A produção da heterossexualidade é acompanhada pela
rejeição da homossexualidade. Uma rejeição que se expressa, muitas
vezes, por declarada homofobia. (LOURO, 2000, p. 127)

A importância da existência de conceitos e estudos e a sua discussão


relativos a identidade de gênero, orientação sexual e a própria heteronormatividade
para indivíduos LGBT é vital, já que, através desses estudos é possível montar
estratégias que visam esclarecer o modo de vida e a própria existência de pessoas
que não se encaixam no modo de vida heteronormativo.

3.4 VISIBILIDADE E VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA: TRAGÉDIA ANUNCIADA

Neste subtítulo direciona-se a atenção para uma das consequências


diretas e mais comuns da visibilidade para a população LGBT: a violência, tanto
física quanto psicológica. Nas últimas décadas, com o advento de uma mídia que
consegue ser quase onipresente, não é difícil se deparar, ao ligar a televisão, o rádio
ou os jornais, com noticiários anunciando algum tipo de violência, ou até mesmo
morte, onde a vítima é alguém da população LGBT.
Diferente do que se pode pensar, a violência contra a minoria LGBT não
diminuiu drasticamente desde os tempos coloniais – o que poderá ser observado é
que ela se adaptou com o passar dos séculos, tomando diversas outras formas, que
não somente aquela das torturas eclesiásticas ou da violência em nome da ciência e
dos bons costumes observada nas derradeiras décadas do Brasil Império e começo
da República: na sociedade atual ela se faz presente no dia-a-dia, nas instituições
privadas, nas públicas e até mesmo nas escolas.
O Relatório de Violência Homofóbica no Brasil: ano 2013 (2016), define
homofobia como preconceito e discriminação contra pessoas com orientações
sexuais não-homogêneas e identidades de gênero diferentes daquelas atribuídas no
nascimento, embora reconheça a existência de conceitos como lesbofobia
(preconceito contra lésbicas), bifobia (contra bissexuais) e transfobia (contra a
comunidade trans) e suas respectivas importâncias para os grupos dentro da
comunidade LGBT.
Segundo o Relatório (2016), os tipos de homofobia são a institucional,
onde instituições discriminam pessoas por fazerem parte do grupo LGBT, e os
45

crimes de ódio, violências direcionadas a indivíduos em função das suas identidades


sexuais e de gênero - violências essas que se agravam de acordo com a etnia,
religião, gênero ou situação socioeconômica das vítimas.
Os atos violentos acontecem em diferentes espaços, tanto públicos
quanto privados. Embora grande parte deles, segundo as pesquisas de Góis (2007),
aconteça na rua, materializados em agressões tanto físicas quanto verbais. Podem
ser sutis, como olhares nada amistosos, ou até mesmo xingamentos e atrito físico.
Nas escolas, Louro (2000) diz que a violência contra a população LGBT é
consentida e ensinada. Segundo a autora, mostra-se através do desprezo e
afastamento do indivíduo que é vítima desse preconceito. "Como se a
homossexualidade fosse ‘contagiosa’, cria-se uma grande resistência em demonstrar
simpatia para com sujeitos homossexuais: a aproximação pode ser interpretada
como uma adesão a tal prática ou identidade." (LOURO, 2000, p. 19-20).
No Brasil, contra gays, lésbicas, bissexuais e travestis registram-se
elevados índices de mortandade, apesar do trabalho efetuado pelo movimento
LGBT, organizado com intuito de diminuir esses números.
Embora existam campanhas de alertas e de cobrança dos poderes
públicos para a criação de políticas de proteção e denúncia de crimes de cunho
LGBTfóbico, em 2002, 126 pessoas perderam a vida por causa do preconceito e da
falta de conhecimento: 90 gays, 32 travestis e 4 lésbicas. Do ano de 1963 até 2002,
registram-se o assustador número de 2.218 vítimas (MOTT, 2003).
Um pouco mais de 10 anos após o trabalho efetuado por Mott sobre a
violência LGBTfóbica no Brasil, os números continuam elevados. Em 2016 pode-se
observar um aumento nos números em comparação com 2015, quando 318 pessoas
foram mortas, segundo informações trazidas por diversos sites de notícias como
Agência Brasil, 343 pessoas foram vítimas fatais desse crime de ódio. 144 vítimas
eram transgêneros.
A Agência Brasil veicula depoimento do antropólogo Luiz Mott, ativista
LGBT, onde afirma que em 36 anos de monitoramento nunca havia visto um número
tão grande de casos. Um dos motivos, para o antropólogo, do aumento de casos,
seriam a reação da camada conservadora da sociedade em relação a maior
visibilidade que pessoas LGBT tem hoje em dia por assumir suas orientações
sexuais e identidades de gênero, como também a coleta mais sistematizada das
informações (BRITO, 2016).
46

É possível observar, portanto, que a violência contra a comunidade LGBT


não sofreu diminuição drástica com o passar dos anos, mesmo com o trabalho do
movimento LGBT em prol da conscientização. Os números continuam alarmantes e,
em alguns anos, apenas aumentam. Visibilidade, quando tocamos em minorias,
mostra-se como uma lâmina que corta para ambos os lados, já que também atrai a
atenção de pessoas intolerantes.
47

4 LGBT E O SISTEMA EDUCACIONAL BRASILEIRO: DAS POLÍTICAS


PÚBLICAS ÀS PRÁTICAS EDUCATIVAS

O quarto capítulo desse estudo monográfico tem como intuito promover a


discussão sobre aspectos políticos e educacionais que permeiam a vida da
população LGBT em terras brasileiras. Questões como a legislação, políticas
públicas, planos nacionais de educação, sistemas de ensino e a LGBTfobia dentro
da escola brasileira nortearão o desenvolvimento do conteúdo.

4.1 A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E POLÍTICAS PÚBLICAS EM RELAÇÃO À


POPULAÇÃO LGBT

A fim de assegurar os direitos e a proteção para a comunidade LGBT no


Brasil, se fazem necessárias a criação de leis e políticas públicas que atendam esse
público e suas reivindicações que há muito tempo vem sendo silenciadas e tornadas
invisíveis.
Aborda-se, nesse sentido, essas questões ao fazer referência ao fato de
que, através dos anos, como as políticas públicas e leis foram criadas e dirigidas no
Brasil frente a problemática que é fazer parte desse grupo minoritário. Faz-se
necessário esclarecer que o intuito, porém, não é discursar detalhadamente sobre
políticas públicas e legislações referentes à população LGBT, mas desenhar um
esboço do que vem sendo feito nos últimos anos.
Pode-se afirmar que por políticas públicas compreende-se os processos
pelos quais os propósitos governamentais são traduzidos em ações e programas
que visam efetuar mudanças no mundo (MELLO ET AL, 2012). Embora sejam
instrumentos valiosos na superação de preconceitos, também podem ser veículos
para a manutenção de desigualdades, já que podem ser desenvolvidas com intuito
de atender necessidades "universais", sem pensar em específicos grupos sociais
(SOUZA, 2015).
Existe a necessidade de algumas iniciativas fundamentais quando
falamos do desenvolvimento e funcionamento das políticas públicas. Souza lista
cinco delas:
48

1) um marco jurídico que ampare a formulação da política pública,


explicitando a necessidade de proteção dos direitos de um grupo/segmento
populacional específico ou de atenção prioritária a uma área da vida social,
como educação, saúde e previdência social, por exemplo; 2) um
programa/plano que traga princípios, diretrizes, objetivos, metas e eixos
estratégicos claros, capazes de orientar a formulação, implementação, o
monitoramento e a avaliação das ações; 3) um órgão responsável pela
mediação da elaboração e execução das políticas, pautadas na
intersetorialidade e transversalidade das ações; 4) um conselho composto
por representantes da sociedade civil e do governo, responsável pelo
controle social do programa/plano que materializa as políticas públicas
propostas; e 5) dotação orçamentária que assegure a realização das
ações propostas no programa/plano. (2015, p. 6).

Segundo a autora, as iniciativas de políticas públicas referentes à


população LGBT contam com duas dessas iniciativas fundamentais: um orgão
responsável, este seria a Coordenação Geral de Promoção dos Direitos de Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - LGBT, que é vinculada à SEDH e o
Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Não existindo, dessa forma,
marco jurídico, já que o Plano Nacional LGBT não conta com um substrato legal,
além da dotação orçamentária para essas ações ser insuficiente.
Embora o governo se veja constantemente pressionado pelo movimento
LGBT e pelo poder judiciário, que acolhe as demandas dos ativistas, uma das
grandes dificuldades do real funcionamento das políticas públicas em prol da
comunidade LGBT está no meio da própria política brasileira. Existem diversas
frentes conservadoras e religiosas, principalmente protestantes e católicas, que são
contrárias a agenda LGBT, exercendo pressão e alta influência nas decisões
políticas, inclusive na esfera legislativa (SOUZA, 2015).
Mello et al (2012) argumenta que foi apenas no ano de 2001, após a
criação do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), que o
movimento LGBT, tardiamente, se compararmos com outros movimentos sociais
como o do negro e o feminista, no Brasil tiveram início as ações que priorizavam a
reivindicação de políticas públicas voltadas para a cidadania e direitos humanos,
expandindo horizontes que não fossem apenas aqueles do combate a epidemia de
HIV/Aids oriundos da década de 1980. O autor complementa que:

[...] teve como um de seus resultados mais significativos a inclusão, em


2002, entre as 518 ações previstas na segunda versão do "Programa
Nacional de Direitos Humanos" (PNDH-2), de cinco que tratam "orientação
sexual" como uma dimensão da "garantia do direito à liberdade, opinião e
49

expressão" e de dez relativas à "garantia do direito à igualdade" de "Gays,


Lésbicas, Travestis, Transexuais e Bissexuais (GLTTB)" (2012, p. 295).

Embora no prefácio da PNDH-2 o então Presidente Fernando Henrique


Cardoso afirme que os direitos homossexuais tenham passado a integrar a pauta de
políticas públicas do Governo Federal, as ações encarregadas das demandas do
movimento social não foram assumidas por nenhum órgão governamental (SOUZA,
2015).
O período de 2002 à 2006 foi marcado pelos frequentes diálogos entre o
Governo Federal e o movimento LGBT, influenciado pela próxima relação entre a
ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e
Transexuais) e o PT (Partido dos Trabalhadores), haja vista que os partidos de
esquerda tem mostrado maior receptividade ao assunto (RODRIGUES & IRINEU,
2013).
Mello et al (2012, p. 295-296) e Souza (2015, p. 8) afirmam que durante
os anos 2000 é possível observar:

[...] quatro marcos principais no âmbito das ações do Poder Executivo


voltadas para a população LGBT: criação do "Brasil Sem Homofobia (BSH) -
Programa de Combate à Violência e à Discriminação contra GLBT e de
Promoção da Cidadania Homossexual", em 2004; realização, em 2008, da I
Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e
Transexuais, com o tema "Direitos humanos e e políticas públicas: o
caminho para garantir a cidadania de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis
e Transexuais (GLBT)"; lançamento do "Plano Nacional de Promoção da
Cidadania e Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais" (PNDCDH-LGBT), em 2009, e publicação do decreto que cria
o "Programa Nacional de Direitos Humanos 3" (PNDH-3), em 2009.

Alguns desses marcos começaram a mostrar frutos, como uma das ações
do BSH, em 2005, de implantar mais de 30 Centros de Referência em Direitos
Humanos e Cidadania Homossexual (CRDHCH) em todas as capitais estaduais,
além de algumas cidades principais do país. O intuito dos centros era prestar
assistência jurídica, social e psicológica à comunidade LGBT.
Entretanto, duras críticas foram direcionadas ao BSH, já que os Centros
de Referência logo começaram a fechar por falta de prioridade da parte do governo
(MELLO ET AL, 2012). Assim como o BSH, o Plano Nacional LGBT também não
surtiu muito efeito. Após uma apresentação solene em Brasília, o documento saiu de
50

circulação. Não chegou sequer a ser instituído como decreto ou portaria pelo
governo, inexistindo formalmente (SOUZA, 2015).
Outro exemplo de vital importância para compreender como são tratadas
as reivindicações da comunidade LGBT é o caso do PLC 122/2006, muito conhecido
como "lei anti-homofobia". O projeto visava inibir atos discriminatórios por meio da
Lei nº 7.716 (que lida com casos de racismo, cor, etnia, religião e procedência
nacional) que se dirigissem contra orientação sexual, gênero, sexo, identidade de
gênero, idosos e pessoas com deficiência. O projeto sofreu diversas mudanças e
forte resistência oriunda da Bancada Evangélica - fato que ajudou em seu posterior
arquivamento, acontecimento revoltante para as partes que defendem a causa
LGBT e movimentos sociais.
A inclusão da criminalização das práticas LGBTfóbicas no projeto de lei
foi tão escandalosa que os outros grupos citados que também seriam inclusos, como
idosos e deficientes, dificilmente eram mencionados nos argumentos contrários ao
PLC (SENGER, 2014).
Como evidenciado nessa parte deste estudo monográfico, por mais que
existam debates, conferências diversas e projetos que visam atender as urgentes
necessidades da comunidade LGBT, o Brasil mostra-se um país extremamente
conservador ainda. Desde o começo dos anos 2000 os ganhos da população LGBT
são parcos, esse grupo minoritário ainda não goza de seus direitos básicos, embora
fique de certa forma cristalina a percepção de que esse grupo tem sido ouvido (até
certo ponto), porém suas necessidades ainda não são atendidas.

4.2 PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (2014-2024) E A QUESTÃO DA


“IDEOLOGIA DE GÊNERO”

Volta-se a atenção as questões inerentes ao Plano Nacional de Educação


(2014-2024) e a polêmica da “ideologia de gênero” que tomou conta de diversas
discussões em nível nacional. O PNE (2014-2024) reconhece a importância da
abordagem de temas que digam respeito a orientação sexual, gênero e identidade
de gênero dentro do meio escolar como instrumento para a erradicação do
preconceito e discriminação. Contudo, é possível observar diversas confusões e
situações polêmicas na adequação dos sistemas de ensino, tanto municipal quanto
estadual, as diretrizes do PNE, haja vista o caráter conservador presente no país.
51

Uma educação que seja voltada todos os indivíduos e atenda as suas


peculiaridades é considerada um direito humano fundamental. Organizações
internacionais e de grande importância mundial, com a ONU, vem, desde 1948,
afirmando o direito à instrução como básico a todos os seres humanos,
independente de qualquer distinção entre grupos sociais dentro da sociedade – em
2013 a organização chegou a publicar recomendações aos Estados referentes às
obrigações com a comunidade LGBT, incluindo, dentre elas, a proteção contra
discriminações LGBTfóbicas. Convenções como a realizada sobre Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, em 1979, e a Convenção
Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, de
1994, como também a Organização dos Estados Americanos (OEA) tem
estabelecido resoluções que afirmam a importância dos direitos humanos referentes
a orientação sexual e identidade de gênero (REIS & EGGERT, 2017).
Os referidos autores complementam:

Nesse sentido, a questão da orientação sexual e da identidade de gênero


também ingressa no campo dos direitos humanos e, por conseguinte, no
campo da educação. Isso se encontra refletido em legislações federais
brasileiras recentes. O Estatuto da Juventude tem uma seção específica
sobre o Direito à Diversidade e à Igualdade, que determina que o jovem não
será discriminado inclusive por motivo de sexo e orientação sexual
[...].(2017, p. 12)

Reis & Eggert (2017) ainda afirmam que existem outros planos e leis,
alguns já citados nesse estudo monográfico, que lidam com os direitos humanos
LGBT e questões de gênero, por exemplo a Lei Maria da Penha, o Plano Nacional
de Políticas para as Mulheres e o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e dos
Direitos Humanos de LGBT. Os referidos Planos foram desenvolvidos a partir de
Conferências específicas que passaram democraticamente por etapas municipais,
estaduais e nacionais, como também aconteceu no setor educacional, a Coneb
(2008, Conferência Nacional da Educação Básica) e Conae (2010 e 2014,
Conferências Nacionais de Educação). Ambos os documentos finais da Coneb e
Conae registram destaque para uma educação com qualidade social e que lide com
temas como gênero e orientação sexual – logo, a versão inicial do PNE (2014-2024),
fazia referência a objetivos que tinham como finalidade alcançar igualdade entre
gêneros e ao respeito à diversidade sexual existente no meio escolar.
52

Contudo, muito embora esclarecido acima, segundo Azevedo et al (2015),


as discussões em torno da PNE (2014-2024) e dos Planos Municipais e Estaduais
de Educação ganharam outro cunho extremamente descontextualizado: a "ideologia
de gênero", termo pejorativo que faz referência aos estudos de gênero. O termo foi
utilizado por camadas que defendem o tradicionalismo e o fundamentalismo em
relação aos papéis de gênero e as orientações sexuais. Alguns autores contrários ao
uso do termo gênero afirmam que essa área de estudo não é válida e que põem em
risco os valores tradicionais das famílias, como também concorda Miguel (2015).
Sobre isso, Eggbert & Reis (2017, p. 18) referem:

[...] percebe-se [...] uma aliança composta por evangélicos e católicos [...]
bem como organizações conservadores/reacionárias que defendem o que
chamam de família e costumes tradicionais, unidos em divulgar e
disseminar informações distorcidas para impedir que se alcance a equidade
entre os gêneros e o respeito à diversidade sexual [...]

Segundo Eggbert & Reis (2017), o PNE sofreu algumas mudanças de


acordo com as calorosas discussões sobre o fenômeno da "ideologia de gênero".
Em 2013, o Plenário do Senado aprovou a retirada da redação um inciso que fazia
referência à promoção da igualdade de gênero e orientação sexual, como também,
em todo texto, suprimiu a flexão de gênero. Quando voltou a Câmara dos
Deputados, novas audiências e debates aconteceram: em 25 de junho de 2014,
novamente o documento ganhou flexão de gênero, mas não especificou as formas
de discriminação.
Quando faz referência essa discussão em nível municipal, Azevedo et al
(2015) traz um estudo de caso sobre uma cidade chamada Mossoró, localizada no
estado de Rio Grande do Norte, onde a inclusão da "ideologia de gênero" no Plano
Municipal de Educação foi proibida numa sessão extraordinária na Câmara
Municipal. Mesmo sem debates e discussões a respeito do assunto, os vereadores
repudiaram as discussões sobre gênero e sexualidade dentro do meio escolar. A
autora ressalta que a votação ocorreu antes da criação do PME no município.
Mesmo após uma movimentação que partia também dos profissionais da educação
do município e outros movimentos sociais presentes na cidade, o Prefeito não
concedeu o veto a decisão dos vereadores.
Sobre a importância da PME, ressalta Azevedo et al:
53

"Os PMEs devem atender as metas propostas no PNE de acordo com as


especificidades de cada município, sem deixar de cumprir seus princípios de
respeito aos direitos humanos e a valorização da diversidade, pontos
fundamentais para a educação básica, pois esta deve formar cidadãs e
cidadãos aptos a conviver e respeitar as diferenças da sociedade." (2015, p.
2):

Tão grande foi o pânico moral em relação à "ideologia de gênero" e a


influência dos grupos conservadores na sociedade que, quando se fala em níveis
estaduais, segundo o levantamento feito pela iniciativa chamada "De Olho Nos
Planos”, 12 estados brasileiros, como Acre, Bahia, Pernambuco e Ceará, por
exemplo, não fazem referência à igualdade de gênero nos seus documentos já
sancionados (DE OLHO NOS PLANOS, 2016).
Miguel (2015) argumenta que ao vetar do vocabulário no meio escolar
termos como "orientação sexual" e "gênero", vastos setores de conhecimento social
e psicológico são impedidos de chegar ao ensino. Evita-se, dessa maneira,
questionar nossa naturalizada percepção dos papéis atribuídos aos gêneros, como
também impede o combate a violência de gênero, as discriminações e crimes de
ódio LGBTfóbicos, tanto dentro, quanto fora da escola.
O referido autor complementa que: "A defesa da instituição familiar, a
“base da sociedade”, é um objetivo que parece compensar tais problemas – que
ficam completamente invisibilizados" (2005, p. 607).
A partir do exposto é possível observar as percepções errôneas quanto o
estudo de gênero e da sexualidade humana que ainda povoam as mentes brasileiras
e em como a polêmica da famigerada “ideologia de gênero” afetou o
desenvolvimento da educação no Brasil, a pátria educadora. No jogo político
brasileiro parece ser mais importante a conservação de valores morais arcaicos que
o combate ao preconceito, a violência e a discriminação que fazem parte do dia a
dia das mulheres e da comunidade LGBT.

4.3 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, DIVERSIDADE SEXUAL NO


LIVRO DIDÁTICO E A POLÊMICA SOBRE O DENOMINADO “KIT-GAY”

Três temas serão abordados na discussão dessa parte do quarto capítulo:


os Parâmetros Curriculares Nacionais que são de extrema importância para a
organização e desenvolvimento da educação em todo o território nacional e que
também podem se transformar em veículos vitais para a abordagem de temas
54

importantes para a comunidade LGBT no Brasil. Juntamente, a representação da


diversidade sexual nos livros didáticos também se revela um aliado fundamental, já
que é um instrumento de uso diário por docentes e discentes dentro do meio escolar.
E a polêmica do programa que ganhou a alcunha de “kit-gay” no território nacional.
No final do ano de 1994, uma equipe da Secretaria de Educação
Fundamental do MEC convocou um número próximo de 60 estudiosos da educação
brasileira, juntamente com representantes internacionais da Argentina, Colômbia,
Espanha e Chile para discutir a instituição de um currículo nacional no país. No final
de 1995 a primeira versão dos PCN estava concluída, contudo, somente em 1996
passou por um exame de cerca 400 professores e especialistas em educação: a
versão concluída foi composta por 10 volumes. Dentre eles, aquele que trata dos
Temas Transversais: Orientação Sexual, Ética, Saúde e Meio Ambiente, Pluralidade
Cultural e Trabalho e Consumo (BRAGA, 2012).
Segundo Jofili & Lira (2010) e Braga (2012), já que o tema Orientação
Sexual é tratado nos Parâmetros Curriculares Nacionais como Transversal, os PCN
reconhecem esse tema como pertinente as diversas áreas do saber, não
pertencendo a tão-somente uma área dentro da educação brasileira. O conceito de
orientação sexual trazido nos PCN, contudo, não se refere as orientações sexuais,
mas sim a uma educação sexual dentro das escolas. O documento enumera
algumas características fundamentais para que o profissional alcance os objetivos
na abordagem da orientação sexual em sala de aula: flexibilidade, sistematização,
amplitude, clareza, prática reflexiva, prática dialógica, transversalidade, atitudes de
acolhimento às expressões dos educandos, disponibilidade e abertura para o
trabalho, disponibilidade para ouvir e responder e preparo dos educadores. A
respeito de sua importância, Nunes & Chagas (2016, p. 121) ressaltam que:

Os PCNs estão para auxiliar os agentes do processo educativo em


questões didáticas por área de conhecimento e no ciclo de aprendizagem
visando à coerência dos pressupostos teóricos, os objetivos e os conteúdos
imprescindíveis mediante as orientações didáticas e os critérios de
avaliação da escola [...] além de articularem a proposta de conteúdos com
métodos didáticos, ressalta a importância de a educação ser plena, livre de
preconceitos e de discriminações [...]

Cabem, por outro lado, sérias críticas ao modo com que o tema
orientação sexual é tratado nos PCN. A autora argumenta que no documento não
existe a abertura de novas formas de conhecimento sobre a sexualidade e seu
55

complexo processo de formação da identidade, além de tratar a sexualidade de


forma higienista, preocupando-se sobre seus perigos e como evitá-los, como
também de adotar uma visão heteronormativa (BRAGA, 2012). Complementa a
autora:

Há a necessidade de se teorizar outros aspectos fundamentais que não se


acham priorizados no discurso, como a presença da sexualidade infantil e a
formação do caráter homossexual dos gêneros, pois há a intenção de
inocular a heteronormatividade quando o texto sugere a existência de uma
pré-identidade, negligenciando o fato de que as identidades sexuais são
constructos sociais - indissociáveis das dinâmicas do saber-poder e que não
se vive os sentimentos de uma forma linear, racionalizada e normatizada.
(BRAGA, 2012, p. 3693)

Conforme Lionço & Diniz (2009), os livros didáticos são veículos


pedagógicos essenciais para materializar a inserção de certos conteúdos na
formação dos discentes. Vivemos numa sociedade plural e de vasta diversidade
sexual - tema que, por se fazer presente na realidade social, é de crucial importância
na formação educacional do país. Segundo as autoras, não é um tema a ser
abordado somente devido a concepções teóricas produzidas pelas ciências a
respeito do ser humano e da sexualidade, mas sim porque, ao silenciá-lo, a
educação esquece que também surte efeito nas vidas íntimas e sociais dos alunos,
causando prejuízos sociais e violação de direitos.
A presença desse tema em livros didáticos abriria portas para discussões
necessárias em prol não somente da comunidade LGBT, mas também dos alunos
que fazem parte dela e que ainda estão inseridos no contexto escolar.

[...] os livros devem desempenhar duplo papel: um pedagógico, garantindo a


veiculação de conceitos e informações corretas [...] e outro social,
contribuindo para a formação da cidadania, incentivando a autonomia de
estudantes e valorizando a liberdade de expressão e pensamento e o
respeito mútuo. (LIONÇO & DINIZ, 2009, p. 146)

Na pesquisa feita por Lionço & Diniz (2009), o autor argumenta que,
embora algumas diretrizes conduzam a exclusão de estereótipos e preconceitos
contra deficientes, mulheres, negros e minorias sexuais nos livros didáticos, o
sistema de avaliação não tem tido êxito na superação do silêncio em relação as
múltiplas expressões da diversidade sexual. Segundo o autor, não bastaria tão-
somente eliminar os estereótipos, mas sim galgar em direção ao reconhecimento
56

dessas diversidades sexuais. A heteronormatividade presente e reforçada nos livros


didáticos alimenta o impedimento da criação de um retrato que seja realmente fiel a
pluralidade sexual da vida real.
Segundo a pesquisa executada por Nunes & Chagas (2016) em volta da
abordagem dos temas gênero e diversidade sexual nos livros didáticos de
sociologia, os autores discursam que, embora por um lado a maioria dos livros
tragam questões e discussões referentes a esses temas de uma forma ou outra,
aqueles que não fazem referência direta trazem os temas como secundários, muitas
vezes podendo passar por despercebidos por docentes e discentes.
Nunes & Chagas ao assinalam que, embora nos últimos anos perceba-se
uma disposição mais favorável a diversidade sexual e discussões sobre gênero nos
livros didáticos, é preciso que essas mesmas discussões dentro do material
destinado ao professor e ao discente sejam menos tímidas.
O último ponto do desse subtítulo trata sobre a polêmica que rodeou o
famoso "kit-gay", medida criada para combater a discriminação contra a diversidade
sexual nas escolas brasileiras. A ação faz parte do programa intitulado "Brasil sem
Homofobia" lançado em 2004 pelo presidente Lula. O projeto inclui o "Escola sem
Homofobia", criado pelo SECAD (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade) do Ministério da Educação. O referido programa tinha como intuito
fornecer ao docente conhecimentos e instrumentos para lidar com a diversidade
sexual e a discriminação direcionada a ela no meio escolar. Era destinado a alunos
da 6ª ao 9ª ano do Ensino Fundamental e aos alunos do Ensino Médio, consistindo
em uma embalagem com cartilhas, cartazes, folders e cinco vídeos que retratam o
despertar da eroticidade, incluindo a vertente "homoerótica" (BRANDÃO &
SANTANA, 2011).
Oliveira Júnior (2013) afirma que após a proposta ser lançada, o projeto
atraiu a atenção dos setores conservadores da sociedade brasileira que se
mostraram contrários a sua implementação. Políticos iam à mídia com intuito de
angariar o apoio civil necessário para impedir a distribuição do material. "Viu-se uma
explosão discursiva na mídia impressa e televisiva que argumentava que o Governo
Federal poderia incentivar práticas homoafetivas, ou “homossexualismo"" (2013, p.
88). Tal crença era reforçada por pessoas em redes sociais, religiosos, legisladores
e até mesmo quem não assistiu aos vídeos.
57

Em 25 de maio de 2011 o projeto que visava a distribuição desse


material didático foi vetado pela Presidente Dilma diante da pressão exercida pelos
grupos conservadores e pela falta de informação geral na sociedade civil.
(BRANDÃO & SANTANA, 2011).
Após elucidar todos os pontos supracitados, chega-se a conclusão de que
muito embora seja possível observar alguns passos da área educacional brasileira
em prol ao combate da discriminação de gênero e de orientação sexual, os ganhos
ainda são tímidos. Além disso, vê-se que grupos conservadores revelam-se serem
os principais empecilhos no desenvolvimento de uma educação e cidadania que seja
realmente acolhedora para todos os grupos minoritários brasileiros. O que vemos no
Brasil é um constante cerceamento dos direitos da comunidade LGBT, até mesmo
na educação.

4.4 PERSPECTIVAS DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA PARA A POPULAÇÃO LGBT


NA CONTRAMÃO DA “PEDAGOGIA DO INSULTO”: A LGBTFOBIA NA
ESCOLA BRASILEIRA.

Tendo em vista todos os pontos escolhidos para traçar uma trajetória da


comunidade LGBT no Brasil desde os tempos coloniais, chegamos num de seus
pontos mais cruciais: a inclusão e LGBTfobia presentes no meio escolar atual.
Faz-se necessário relembrar que no meio escolar os conflitos e atritos em
decorrência da diversidade estão, quase sempre, presentes. Muito embora sejam
necessários para o processo de humanização que ocorre dentro da escola, não
devemos confundi-los com práticas discriminatórias. Portanto, nesse subtítulo,
voltaremos nossa atenção para a problemática da discriminação por orientação
sexual e de identidade de gênero e as perspectivas de uma educação inclusiva para
a população LGBT.
A escola, além da sua atribuição de promover a construção do
conhecimento, também exerce um grande papel no desenvolvimento dos seres
humanos: ela orienta quanto a adequação e inadequação das condutas, separa e
institui, informa nossos lugares dentro do meio social, delimita os espaços. Através
de uma complexa rede de símbolos e códigos, estabelece quem e o que deve ser
modelo.
58

Contudo, a escola não cria do nada essa rede de construções: cada


sociedade, através de sua história, elencou o que seria a ordem das coisas. Tais
concepções são aprendidas e interiorizadas na mente dos grupos sociais através de
práticas e instituições - como o meio escolar (LOURO, 1997).
Diferentemente do que muitos podem concluir, e haja vista que desde
cedo aprendemos piadas e gozações sobre alguém que não se encaixa nos padrões
de sexualidade e gênero, a escola é um dos lugares onde grande parte das
vivências LGBTfóbicas se fazem presentes – desde atos violentos, tanto físicos
quanto verbais, como também um tipo de discriminação que pode ser considerada
por muitos algo mais sutil: a invisibilidade de ser posto à margem do convívio social,
o silenciamento de nunca ter sua voz, suas necessidades acolhidas.
O simples fato de fazer parte da comunidade LGBT e estar no meio
escolar pode acarretar inúmeras situações de estigma. Nesse sentido, pode-se
elencar algumas delas: mudança de tratamento vinda dos profissionais da
educação, interferências nas expectativas quanto ao aproveitamento escolar,
diminuição do bem-estar subjetivo, intimidação, insegurança, segregação e
isolamento, desinteresse escolar, abandono e evasão (LIONÇO & DINIZ, 2009;
LOURO, 2000).
Segundo Louro (2000), o meio escolar se caracteriza por ser um dos mais
difíceis para alguém assumir uma sexualidade não-hegemônica, haja vista que a
presença da heteronormatividade, que permeia o modo com que nos
relacionamentos com o mundo, admite apenas um tipo de sexualidade: aquela que
tem como alvo o gênero oposto. Ao ignorar a homossexualidade (e todas as outras
que não sejam heterossexuais), a escola tira dos adolescentes e adultos a
oportunidade de assumirem sem sentir culpa ou vergonha seus desejos, impedindo
que o conhecimento prevaleça em detrimento ao desconhecimento e ignorância.
Contudo, ainda segundo a autora, essas mesmas sexualidades que são
constantemente silenciadas e invisibilizadas são de extrema importância para a
construção da identidade heterossexual.
A referida autora assevera:

[...] as instituições e os indivíduos precisam desse "outro". Precisam da


identidade "subjugada" para se afirmar e para se definir, pois sua afirmação
se dá na medida em que a contrariam e a rejeitam. Assim, podemos
compreender por que as identidades sexuais "alternativas", mesmo quando
excluídas ou negadas, permanecem ativas (e necessárias): elas se
59

constituem numa referência para a identidade heterossexual; diante delas e


em contraposição a elas a identidade hegemônica se declara e se sustenta.
(2000, p. 21)

Lionço & Diniz (2009) elucidam um ponto importante: ser um profissional


da educação e ao mesmo tempo fazer parte de alguma sexualidade não-
hegemônica. Segundo sua pesquisa, ser professor não diminui, ainda sim acarreta
em estigmatizações. Um de seus entrevistados relata sobre o modo diferente com o
qual pais e diretores costumam tratá-lo devido sua sexualidade, havendo até mesmo
cochichos. Conforme o autor: “Uma professora que, entre outras tantas
características, é lésbica, correrá o risco de ser vista, antes de tudo (ou somente)
como “professora lésbica” – e, quem sabe, por isso, menos professora” (2009, p.
204).
Um dos grupos mais vulneráveis, como argumenta Junqueira (2009), são
as pessoas transgênero. Desde fora do meio escolar já enfrentam estigmatizações,
abandonos e expulsões de suas próprias famílias, amigos, vizinhos, conhecidos,
desconhecidos e até mesmo instituições. Já fragilizados, esses indivíduos ainda
precisam enfrentar a discriminação sistemática por parte dos profissionais da escola
e do alunado - não são poucos ou esporádicos os obstáculos para essas pessoas
quando falamos em conseguir uma educação, até mesmo de se matricular, participar
de atividades pedagógicas e usarem os banheiros.
Lionço & Diniz (2009) traz o termo "sinergia de vulnerabilidades" para se
referir ao quadro de exclusão, segregação e guetização que são constantemente
expostas as pessoas trans. Segundo ele, esse quadro as arrasta para uma "rede de
exclusão" que se fortalece perante a ausência de ações e políticas públicas que
atendam suas necessidades e direitos básicos como o próprio estudo, a
profissionalização, saúde, segurança e habitação.
Por parte dos profissionais da educação, até mesmo dos estudantes, é
possível enxergar um "alheamento", como trazem Lionço & Diniz (2009). Mais do
que ignorar o sofrimento da comunidade LGBT dentro do espaço escolar por falta de
conhecimento, vemos uma completa vedação socialmente sancionada da simpatia e
solidariedade para com esse grupo minoritário. Esse "não-ver" anestesia as
sensibilidades perante situações de injustiça, acarreta no aumento das cenas
corriqueiras de assédio moral, causando, em silêncio, uma imobilidade da vítima
60

diante de seu lugar como pária social, muitas vezes surgindo, dentro dela, um
sentimento de vergonha e culpa da agressão sofrida.
É comum que os profissionais da educação não saibam como reagir
diante de agressões LGBTfóbicas entre discentes.

Na França, pesquisas com jovens vítimas de injúria de natureza


abertamente homofóbica revelaram que, em todos os casos, foi uma
constante a indiferença ou a passividade dos adultos circunvizinhos. Isso
foi, com certa frequência, experimentado pelas vítimas como mais
traumatizante do que o próprio traumatismo em si (LIONÇO & DINIZ, 2009,
p. 28).

É nessa prática e reforço da "pedagogia do insulto", onde brincadeiras,


ridicularizações e piadas são feitas e é em cima das pessoas que fazem parte da
comunidade LGBT que a escola brasileira se faz heterossexista e trabalha com
intuito de ajustiçar, normatizar e dominar os corpos que não se encaixam nos
padrões heteronormativos. Nesse sentido, quaisquer discussões sobre gênero e
sexualidade são silenciadas até mesmo quando se fala na formação dos
educadores, haja vista a ausência delas nos currículos de licenciatura (SAMPAIO,
2016).
Diante desse contexto de discriminação por orientação sexual e
identidade de gênero onde a escola brasileira está inserida, é mais do que
necessário a ação por parte do governo para a erradicação dessas práticas
perniciosas. Contudo, como visto em diversas partes anteriores deste estudo
monográfico, os programas e ações em prol da comunidade LGBT em nosso país
andam extremamente devagar quando postas em comparação com a violência
vivida pelo grupo.
Segundo Cardoso (2016), um dos grupos que formam a população LGBT
conquistaram, recentemente, direitos básicos em espaços educacionais. A conquista
ocorreu com base na resolução número 12 do Conselho Nacional de Combate à
Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais
que orienta espaços de educação públicos e privados a garantir acesso e
reconhecimento desses estudantes. O texto prevê o direito ao nome social escolhido
pelo discente, o acesso aos banheiros e vestiários que estejam de acordo com sua
identidade de gênero.
61

Diante do supracitado, observam-se pequenas conquistas da comunidade


LGBT nas reivindicações de direitos que são básicos - como a resolução do
reconhecimento de pessoas trans e de sua identidade de gênero em espaços
escolares. Contudo, para esse grupo minoritário, o meio escolar ainda se caracteriza
como um espaço de estigmatização e silenciamento. É mais do que necessário que
políticas públicas e programas educacionais sejam desenvolvidos com intuito de
combater a discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero - algo
que não iria beneficiar somente as vítimas diretas dessas violências, mas funcionaria
como um veículo de transformação social, haja vista que a educação tem esse
poder. Acolher a pessoa LGBT dentro da sala de aula, com suas peculiaridades, não
é um luxo, mas um reconhecimento da humanidade desses indivíduos.
62

5 CONCLUSÃO

Após ter empreendido um estudo sobre a presença da comunidade


LGBT, tendo como protagonista o indivíduo homossexual masculino, em diferentes
momentos da história do Brasil e seu lugar no atual sistema educacional brasileiro,
identifica-se o trato e a visão construídas em cima do que sociedade considera como
diferente.
Desde o período colonial da história do Brasil, as relações sociais eram
direcionadas pelas duras regras do cristianismo, sob a ótica da Igreja Católica e sua
visão ascética, em relação aos corpos, a sexualidade, o gênero, passou-se por
períodos onde a ciência passou a ocupar o que antes era território absoluto cristão,
substituindo a visão moralista pelo discurso higienista igualmente marginalizador das
condutas, principalmente relacionadas a sexualidade, consideradas desviantes. Na
contemporaneidade, foi possível observar a manutenção da estigmatização sofrida
por indivíduos com sexualidades e identidades de gênero fora do padrão
heteronormativo.
Em tempos coloniais, a Igreja perscrutava as vidas dos fiéis (e daqueles
que não eram fiéis também) em busca do nefando, o pecado que não pode ser dito.
Tal era o terror em relação aos castigos destinados aos que ousavam praticar a
sodomia que seus praticantes não apenas confessavam seus pecados, mas
também, muitas vezes, apontavam outras pessoas - amigos, familiares, conhecidos
e escravos. A camada social mais atingida pelo duro olhar do cristianismo era a mais
pobre, embora seja fato de que a sodomia se fazia presente em todas as camadas e
posições sociais.
A proibição de tais práticas desenhava-se de maneira complexa e
diferenciada de acordo com as posições sociais dos indivíduos, embora atingisse
todas as camadas sociais: enquanto para um nobre com grande influência poderia
ser observada como alguma espécie de apadrinhamento, resgatando um pouco da
luz das relações entre homens maduros e jovens da antiguidade clássica, para um
escravo de um senhor de engenho significava vergonha e a possibilidade de duras
penas.
Séculos depois, foi a vez da medicina, da justiça e das forças policiais
voltarem seus olhares e regras ao que chamavam comumente de homossexualismo.
Esses indivíduos foram estudados como cobaias, suas características físicas em
63

busca de sinais que indicassem alguma anomalia que justificasse a conduta


desviante – empurrando esses indivíduos, muitas vezes, a uma forçada identificação
de uma espécie humana diferente, bem como as maneiras como estabeleciam suas
relações íntimas e românticas.
Manicômios com internações forçadas, prisões, novas formas de
educação escolar e familiar, tratamentos cirúrgicos, psicológicos e psiquiátricos
como prolongada e forçada exposição ao corpo do sexo oposto foram usados em
prol da descoberta de uma cura para o que não se constitui uma doença.
Contudo, tal contexto não foi caracterizado sem a movimentação desses
indivíduos socialmente marginalizados. Pudemos observar o desenvolvimento de
uma comunidade que construiu uma identidade LGBT e começou a se organizar
politicamente com vistas a reivindicação de seus direitos básicos, principalmente
após grandes movimentações culturais, sociais e políticas como foi a contracultura, a
revolta de Stonewall e o fortalecimento de outros movimentos sociais que trataram
de questionar os alicerces da cultura ocidental, como os estritos papéis de gênero,
questões raciais e o consumismo.
O Brasil, por exemplo, no que tange a visibilidade das pessoas LGBT,
desenvolveu ao seu modo as Paradas do Orgulho LGBT, onde finalmente assuntos
pertinentes a diversidade das sexualidades não-hegemônicas e seu modo de viver
começaram a penetrar o sacro interior das famílias, bem como relações
homoafetivas começaram a fazer parte do enredo de um dos mais importantes
produtos da cultura de massas que é a telenovela.
No entanto, a exposição que serve como veículo de esclarecimento pode
reforçar o preconceito pela estereotipação dessas condutas não muito
compreendidas. A visibilidade LGBT provocou a reação conservadora e a insistência
em manter estas pessoas na invisibilidade. Ataques de congressistas de bancadas
tradicionalistas atacaram as propostas de criação de legislações e políticas públicas
que incluíam a camada LGBT brasileira, impedindo que essas pessoas tenham
acesso a direitos básicos.
Nesse sentido, a polêmica de não pertencer a identidades de gênero e
orientações sexuais normativas entraram na família brasileira, adentraram em
espaços de educação pública e privada com a abertura gradual e lenta do imaginário
em volta desse grupo. Contudo, tal visibilidade não acarretou somente na conquista
dos parcos direitos, mas também no aumento da violência - tanto física, verbal,
64

política e institucional - que se mostrou como resposta direta da camada


conservadora a essa visibilidade. 2016, segundo pesquisas que compararam a
violência contra LGBT através das décadas, foi um dos anos mais violentos para
esses indivíduos.
Diversos casos provocaram ferozes debates e polêmicas em todo o
território brasileiro, como o “kit-gay” e, mais recentemente, a “ideologia de gênero” –
ambos termos errôneos criados com intuito de estabelecer uma imagem negativa
em cima do assunto. O “kit-gay” continha materiais que auxiliaram os profissionais
da educação no desenvolvimento de aulas que abordassem o tema da diversidade
sexual, contudo foi barrado por pressão de camadas políticas conservadores.
O termo “ideologia de gênero” foi criado para minar a inclusão das
questões de gênero e sexualidades estabelecidas no Plano Nacional de Educação
(2014-2022) – polêmica que acarretou na exclusão desses temas em diversos
Sistemas Estaduais e Municipais de educação, haja vista que novamente o
conservadorismo crescente no Brasil enxergou a abordagem dessas questões como
um perigo para os valores tradicionais e a própria família brasileira.
Na história brasileira, conclui-se que orientações sexuais e identidades de
gênero são tratadas como tabu até nos dias atuais. Embora seja possível observar
uma abertura em relação a esses temas, é necessário que essa caminhada para o
reconhecimento da diversidade que colore a vida seja agilizada – tendo em mente a
rápida ascensão da violência e de pensamentos extremamente conservadores no
imaginário social e político.
A criação de políticas públicas eficazes e leis que garantam direito e
proteção a comunidade LGBT ainda, mesmo após décadas de gritos e lutas, anda a
passos mui lentos. A cada ganho, é possível observar fortes regressos e muita
resistência de enxergar a comunidade LGBT como cidadãos participantes da vida
social, cultural e política brasileira.
A escola, onde somos humanizados e aprendemos grande parte da vida
em sociedade, ainda se caracteriza como um espaço que, de certa maneira, exclui
os indivíduos LGBT na medida em que não os acolhe como iguais na diferença, mas
o tempo todo busca enquadrá-los no padrão heteronormativo ou os condena a
invisibilidade – onde muitos recorrem à evasão escolar como meio de autoproteção
diante dos estigmas que os perseguem em todos os tempos e espaços da vida.
65

Este autor defende que a educação e o próprio meio escolar é um direito


básico de todos os seres humanos – incluindo aqueles que se relacionam, amam e
vivem a experiência humana de maneira não-normativa. É dever do sistema
educacional brasileiro incluir todos os indivíduos, humanizá-los, tratá-los com
respeito e educá-los. Observa-se que a escola e seus profissionais, como também,
incluindo nessa lista, a sistema de educação superior, precisa repensar seus
métodos e prioridades, além de fazer maior esforço para romper com valores e
crenças que se mostram retrógradas nos tempos atuais. Apenas dessa maneira será
possível criar uma pátria realmente educadora, caso queira se transformar num
instrumento de positiva mudança social, não tão-somente de reforço e reprodução
de discriminação e exclusão.
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