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Biolegitimidade e “Gerontologia Lésbica”

Por Jainara Gomes de Oliveira1

Ao analisar o emergente campo da “gerontologia LGBT”, Henning (2014)


sublinha o “panorama heteronormativo sobre o envelhecimento e a velhice” que paira
sobre as aproximações da “gerontologia mainstream” com os estudos sexológicos
contemporâneos. Trata-se de um panorama que, como analisa o autor, afeta o processo
de envelhecimento de pessoas que dissidam da normatividade do gênero e da sexualidade.
Assim, uma vez que apaga os desdobramentos políticos que caracterizam as lutas por
políticas públicas voltadas para os “idosos LGBT”, esse panorama também assinala a
criação da “velhice LGBT”. No entanto, ao fazer emergir os “idosos e a velhice LGBT”,
essa literatura acaba por essencializar e substancializar as categorias identitárias que
analisa. Insuficientemente problematizadas, essas categorias identitárias produzem, nesse
sentido, sujeitos generalizáveis (HENNING, 2016).
A partir da apresentação de um mapeamento sintético da literatura anglófona
sobre a “gerontologia LGBT”, Henning (2016) procura sublinhar a “ênfase diferencialista
e identitária”, ou, ainda, o “imperativo identitário” na literatura existente. Sendo assim,
aponta a existência da “gerontologia gay”, “gerontologia gay e lésbica”, “gerontologia
GLB”, “gerontologia LGBT”, “gerontologia GLBTI”, e, por fim, a “gerontologia queer”.
Henning, contudo, analisa particularmente a “gerontologia LGBT” que data do final da
década de 1960, e, discorre sobre os “quatro momentos” que a constitui, os quais estão
além do escopo deste texto.
Nesta comunicação, seguindo Henning (2014) em alguns aspectos, pretendo
apresentar e contextualizar a emergência da “gerontologia lésbica”. Reviso, para tanto, a
literatura existente sobre o envelhecimento lésbico (GABBAY, WAHLER, 2002;
BARKER, 2004; AVERETT, YOON, JENKINS, 2012; entre outros), majoritariamente
produzida em alguns países de língua inglesa. A maior parte desta literatura data do início
década de 1980, e, portanto, tem quase quatro décadas de idade. Isso suscita uma
limitação crítica para a análise aqui proposta: por um lado, verifica-se mudanças sociais
significativas a respeito da (homo)sexualidade, principalmente devido ao surgimento dos

1
Doutoranda em Antropologia Social do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da
Universidade Federal de Santa Catarina [PPGAS/UFSC], sob a orientação da Profa. Dra. Sônia Maluf.
Bolsista do CNPq e pesquisadora do Núcleo de Antropologia do Contemporâneo (TRANSES) da UFSC.
movimentos de liberação homossexual e feministas; por outro, tem-se uma coorte
diferente que vivencia os efeitos dessas mudanças sociais. Assim, pela primeira vez na
história, como analisado por alguns autores, uma geração de mulheres autoidentificadas
como “lésbicas” se aposentará.
Nesse sentido, intenciono realizar uma aproximação analítica com o conceito de
biolegitimidade de Maluf (2015, p. 321), o qual diz respeito a “um dispositivo de
produção de direitos, de reconhecimento e de acesso a serviços e atendimento por parte
do Estado, e também como meio de reivindicação e de conquista de direitos”. Trata-se,
portanto, de situar o processo de constituição da “gerontologia lésbica” em um contexto
mais amplo de políticas públicas e ações do Estado. Assim sendo, a partir de uma
etnografia realizada em João Pessoa, Paraíba, também apresento as narrativas2 de
mulheres envelhecentes (entre 45 e 60 anos de idade) que se relacionam afetiva e
sexualmente com outras mulheres.
Essas narrativas assinalam, com efeito, 1) o caráter heteronormativo das políticas
públicas, particularmente daquelas voltadas às mulheres; 2) a invisibilidade da
particularidade “lésbica” no âmbito das políticas públicas LGBT 3) a quase inexistência
da articulação política de mulheres “lésbicas” diante das ações do Estado. Mas tais
narrativas assinalam também o aspecto essencialista da categoria “lésbica” e a
generalização de suas demandas. Ressalto, contudo, que esses resultados preliminares não
podem ser desvinculados dos cursos da vida dessas mulheres, pois cursos de vida e
processos de mudanças sociais se constituem mutuamente. Há, portanto, uma profunda
interação entre os tempos históricos e as experiências geracionais.

Referências
AVERETT, Paige; YOON, Intae; JENKINS, Carol L. Older Lesbian Sexuality: Identity,
Sexual Behavior, and the Impact of Aging. Journal of Sex Research, 49:5, p. 495-507,
2012.
BARKER, J. Lesbian aging: an agenda for social research. In: HERDT, G.; DE VRIES,
B. (Ed.). Gay and lesbian aging: research and future directions. New York: Springer,
2004. p. 29-72.
GABBAY, Sarah G; WAHLER, James J. Lesbian Aging: Review of a Growing
Literature. Journal of Gay & Lesbian Social Services, Vol. 14(3), 2002, p. 1-21.

2
Na esteira de Maluf (1999), procuro discutir tanto a dimensão subjetiva e pessoal quanto a dimensão da
experiência e de seus sentidos sociais da narrativa.
HENNING, Carlos Eduardo. Gerontologia LGBT: velhice, gênero, sexualidade e a
constituição dos “idosos LGBT”. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 23, n.
47, 2017, p. 283-323.
HENNING, Carlos Eduardo. Paizões, tiozões, tias e cacuras: envelhecimento, meia
idade, velhice e homoerotismo masculino na cidade de São Paulo. 2014. Tese (Doutorado
em Antropologia Social) –Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2014.
MALUF, Weidner Sônia. Antropologia, narrativas e a busca de sentido. Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, ano 5, n. 12, 1999, p. 69-82.
MALUF, Weidner Sônia. Biolegitimacy, rights and social policies: New biopolitical
regimes in mental healthcare in Brazil. Vibrant, v.12, n.1, pp. 321-350, 2015.

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