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(P-063)

OS MICROTÉCNICOS

Autor
CLARK DARLTON

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Os pepinos eram microtécnicos —
e Gucky ficou encantado...

Apesar das hábeis manobras realizadas no espaço galático, o


trabalho pelo poder e pelo reconhecimento da Humanidade no seio do
Universo, realizado por Perry Rhodan, forçosamente teria de ficar
incompleto, pois os recursos de que a Humanidade podia dispor na
época eram insuficientes face aos padrões cósmicos.
Cinqüenta e seis anos passaram-se desde a pretensa destruição da
Terra, que teria ocorrido no ano de 1.984.
Uma nova geração de homens surgiu.
E, da mesma forma que em outros tempos a Terceira Potência
evoluiu até transformar-se no governo terrano, esse governo já se
ampliou, formando o Império Solar. Marte, Vênus e as luas de Júpiter e
Saturno foram colonizados. Os mundos do sistema solar que não se
prestam à colonização são utilizados como bases terranas ou jazidas
inesgotáveis de substâncias minerais.
No sistema solar, não foram descobertas outras inteligências.
Dessa forma os terranos são os soberanos incontestes de um pequeno
reino planetário, cujo centro é formado pelo planeta Terra.
Esse reino planetário, que alcançou grau elevado de evolução
tecnológica e civilizatória, evidentemente possui uma poderosa frota
espacial, que devia estar em condições de enfrentar qualquer
atacante...
A luta contra o invisível está por momentos suspensa...
Rhodan descobriu que o robô regente havia traído o acordo...
Drog, o saltador, está em Swoofon — planeta dos microtécnicos — a
fim de que Markas construa um goniômetro de compensação, que capte
as freqüências do compensador estrutural...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Administrador do Império Solar.
Reginald Bell — Amigo inseparável de Perry.
Jost Kulman — Mutante; micrótico.
Gucky — Rato-castor; mutante de três poderes.
Waff — Engenheiro swoon.
Markas — Cientista; também swoon.
Drog — Saltador que trabalha para Árcon.
1

Gucky estava furioso.


O fato de ter sido enganado por Muzel, um pseudo cão bassê, que na verdade era um
espião robotizado do regente de Árcon, revoltava-o até os últimos recônditos de sua alma
de rato-castor.
— O culpado foi você — repetiu Bell pela décima vez, reprimindo a custo o riso
zombeteiro, o que não lhe adiantava muito, já que Gucky, telepata, sabia ler seus
pensamentos mais recônditos. — Eu o preveni muitas vezes. Ninguém pode confiar num
bassê.
— Será que um bassê não é um cachorro? — perguntou Gucky em tom zangado, já
que tinha uma afeição toda especial por esses quadrúpedes do planeta Terra. — São as
criaturas mais fiéis, adoráveis e encantadoras que...
— Com exceção de Muzel! — interveio Bell.
Nunca deveria ter dito isso, pois além do mais o rato-castor era um telecineta, sem
falar no dom da teleportação que a natureza lhe conferira.
Antes que percebesse qualquer coisa, Bell perdeu o apoio dos pés e levantou-se do
soalho metálico da Drusus. Aparentemente subtraído aos efeitos da gravidade, planou em
direção à porta fechada do camarote. Uma mão invisível abriu-a, e Bell viu-se no
corredor. Agitou desesperada-mente os braços e as pernas, mas uma triste experiência já
lhe ensinara que isso não adiantava nada. As energias telecinéticas de Gucky prendiam-no
inexoravelmente.
— Eu lhe mostro uma coisa! — gritou o rato-castor em tom furioso. — Seu
hipócrita! Fica fingindo que está com pena de mim, enquanto por dentro quase estoura de
alegria pelo que me aconteceu. Sua bolota de gordura de cabelos ruivos!
Para dizer a verdade, esta última observação era um tanto exagerada. Era bem
verdade que Bell, amigo e representante de Rhodan, era baixo e robusto, mas dificilmente
poderia ser chamado de gordo ou disforme. Era bem verdade que sua cabeça estava
coberta de cabelos ruivos cortados à escovinha.
— Eu conto a Rhodan! — berrou Bell, mas Gucky limitou-se a rir.
— Conte se puder, seu gorducho!
Uma pessoa que não conhecesse as duas criaturas provavelmente sofreria um
colapso caso se encontrasse com a estranha dupla. Bell voava, leve que nem uma pena, e
deslocava-se, desviando-se habilmente de todos os obstáculos que surgiam à sua frente.
Embaixo dele o rato-castor, que não media mais de um metro, caminhava a passos
bamboleantes, com as orelhas de pé. Os lábios se retraíram um pouco, deixando à mostra
o dente roedor, que refletia as luzes embutidas nas paredes. A larga cauda de castor
ajudava Gucky a manter o equilíbrio e ajudar as pernas curtas, não muito seguras.
Felizmente não se encontraram com ninguém.
O rato-castor assustou-se quando, no corredor, viu alguém que parou ao ver o
homem voador. Colocou-o no chão de modo pouco suave. Por pouco Bell não cai, mas o
homem aproximou-se e segurou-o pelo braço.
— Por quê? — limitou-se a perguntar.
Bell teve oportunidade de desabafar.
Lançou um olhar zombeteiro para Gucky, que já não sorria, mas parecia um tanto
embaraçado, e principiou:
— Este bichinho nojento achou que estava na hora de dar uma demonstração de
força. Entrei em seu camarote sem pensar em nada e, quando dei conta de mim, estava no
teto e...
— É verdade? — perguntou o homem, fitando o rato-castor com seus olhos frios e
cinzentos. — Ou será que está mentindo?
Gucky acenou vigorosamente com a cabeça.
— É claro que está mentindo, chefe. Você, que é telepata, deveria saber. Ele me
ofendeu e não me deixava em paz.
Perry Rhodan passou os olhos de um para outro.
— Então, Bell? Tem mais alguma coisa a dizer?
— A gente nem pode brincar com este sujeito — disse Bell em tom zangado,
ajeitando o uniforme. — Este perna mole nunca admitiu a menor brincadeira.
— Seu monte de gordura! — retrucou Gucky em tom agudo.
Rhodan levantou a mão.
— Se vocês não pararem de brigar, eu os deixarei em casa — disse. — Não preciso
de colaboradores que vivem brigando.
Uma expressão que parecia um misto de tensão e curiosidade surgiu no rosto de Bell
e nos olhos de Gucky.
— Algo está para acontecer? — perguntou Bell. Fez um esforço e colocou a mão no
ombro do rato-castor. — Nós não brigamos, não é verdade, Gucky?
— É claro que não — chilreou Gucky com um olhar de inocência, cruzando as patas
dianteiras sobre o peito; parecia a inocência personificada. — Só brincamos um pouco...
— Está bem — disse Rhodan. — Então vocês estavam brincando; excelente. Quer
dizer que as divergências chegaram ao fim?
— Sem dúvida — afirmou Bell. — Você não disse que tinha uma coisa importante
para comunicar?
— Disse mesmo? — perguntou Rhodan em tom de espanto. — O que será?
Bell soltou um suspiro.
— Está bem; desisto. Vamos embora, Gucky. Ainda não precisa de nós.
— Um momento! — disse Rhodan. — Antes que resolvam continuar com a
brincadeira, gostaria de comunicar-lhes que, dentro de meia hora, Jost Kulman
prosseguirá em sua exposição. Ainda não teve tempo de oferecer um relato completo do
que aconteceu em Swoofon.
— Daqui a meia hora? — perguntou Bell em tom animado. — Não deixarei de
comparecer. Onde será?
— No meu camarote. Resolvi ser mais cauteloso. Quem sabe se o regente não
introduziu mais alguns espiões a bordo?
Rhodan afastou-se com um ligeiro cumprimento. Bell e Gucky seguiram-no com os
olhos, até que desaparecesse atrás da primeira curva do corredor.
— Hum — fez o rato-castor e lançou um olhar pensativo para o teto.
Bell levou um susto.
— Vamos fazer as pazes — disse, acariciando a nuca de Gucky. — Não tive a
intenção de magoá-lo.
O dente roedor de Gucky voltou a aparecer, o que numa situação como esta era um
bom sinal.
— Está bem, gorducho. Vamos fazer as pazes. É bem verdade que você me priva do
prazer de levá-lo a um dos hangares e mostrar-lhe como se voa. Paciência; fica para outra
oportunidade.
— Vamos depressa! — disse Bell e enlaçou o corpo do rato-castor. — Já imaginou a
cara de Rhodan, quando descobrir que chegamos antes dele?
Gucky sorriu. Concentrou-se sobre o pequeno salto e desmaterializou-se juntamente
com Bell.
Houve um tremeluzir no ar, e os dois desapareceram, para reaparecerem no mesmo
instante em outro lugar da gigantesca nave esférica.
Quando Rhodan entrou, já estavam sentados em seu sofá e o fitavam com os olhos
mais inocentes deste mundo.

***

Jost Kulman pertencia ao destacamento especial de Rhodan, cujos membros eram


conhecidos pela designação de agentes cósmicos. Esses agentes, que na maioria eram
mutantes dotados de faculdades especiais, viviam nos mundos mais importantes do
Império Arcônida e mantinham contato permanente pelo hiper-rádio com a central situada
na Terra. Dessa forma, Rhodan era informado sobre qualquer acontecimento importante
que se verificasse na Galáxia.
Kulman era micrótico. Sabia modificar conscientemente a focalização dos globos
oculares, o que lhe permitia enxergar objetos que para outras pessoas só se tornariam
perceptíveis por meio do microscópio. Graças a essa faculdade havia sido destacado para
trabalhar em Swoofon.
É que em Swoofon viviam os swoons, que eram os melhores microtécnicos do
Universo.
Sentado numa poltrona, Kulman enfrentou o olhar de Rhodan com um embaraço
indisfarçável.
— Sei que tem toda razão de acusar-me — disse em tom constrito. — Afinal, fui eu
quem trouxe Muzel para bordo da Drusus. Por pouco esse cachorro robotizado não revela
ao regente a posição da Terra.
— O fato é que não revelou — disse Rhodan, dando a entender que para ele o caso
Muzel estava liquidado. — Você não teve culpa. Isso poderia ter acontecido a qualquer
pessoa. Até mesmo o Exército de Mutantes se deixou enganar pela imitação de um bassê.
Até Gucky!
O rato-castor estremeceu. Lançou um ligeiro olhar para Bell, que estava sentado a
seu lado, esboçou um sorriso embaraçado e ficou quieto.
Ao que parecia, Jost Kulman não havia percebido o interlúdio.
— Expedi a mensagem pois a situação o exigia — disse, dando início à exposição
que era aguardada com grande ansiedade.
— Vieram buscar-me, conforme o combinado. Infelizmente esta exposição
detalhada sofreu certo atraso porque Muzel...
Depois de um silêncio de embaraço prosseguiu:
— Os swoons receberam ordem de construir um goniômetro de compensação para
naves espaciais, cujas características fundamentais já são conhecidas.
Rhodan inclinou-se para a frente e fitou o agente. O sorriso desapareceu de seu
rosto, como se alguém o tivesse apagado.
— O que vem a ser isso?
Kulman respondeu em tom embaraçado.
— Fui eu que batizei o aparelho, e o nome que lhe dei dá uma idéia de sua
finalidade. Os mercadores expediram a ordem de construção e forneceram os respectivos
planos. O goniômetro de compensação tornará impossível a realização de qualquer
hipersalto secreto. Como vê, os fatos por mim observados são muito importantes...
— Se são! — confirmou Rhodan, que não parecia muito satisfeito. — Descobriu
outros detalhes?
Kulman resolveu apresentar um relato minucioso.
— Conforme já é do seu conhecimento, o compensador foi criado pelos saltadores.
Com o aparelho evita-se a localização de uma nave que entre em transição e volte a
materializar-se. Assim os rastreadores estruturais praticamente se tornaram inúteis. Mas,
quando o goniômetro de compensação for produzido em série, não haverá mais segredos.
Qualquer nave poderá ser localizada por meio da goniometria, quer utilize um
compensador, quer deixe de utilizá-lo. Com isso, dentro em breve, a posição da Terra
deixaria de ser um segredo.
— Isto é mau! — disse Bell, olhando para Crest, cuja figura magra se mantinha
imóvel na poltrona. — Ainda chegará o dia em que olharão para dentro das nossas
panelas.
— Prossiga, Kulman — disse Rhodan. — Até que ponto chegaram os preparativos
para a construção do aparelho?
— Felizmente ainda não foi iniciado. Os planos chegaram há pouco tempo. Ainda
estão sendo examinados, mas a construção das respectivas fábricas já foi iniciada. Ao que
parece, o goniômetro será desde logo fabricado em série.
— Temos de evitar isso, custe o que custar — disse Rhodan em tom enérgico. —
Tem alguma idéia sobre o funcionamento desse goniômetro?
— Sim senhor, tenho uma ligeira idéia. O goniômetro de compensação capta as
freqüências do compensador estrutural, mesmo que o abalo da estrutura espaço-temporal
não possa ser detectado. Quer dizer que esse goniômetro localiza o compensador, assim
que seja ligado. Transmite ondas específicas, que podem ser captadas no espaço de cinco
dimensões. Foi só o que consegui descobrir.
— Acho que basta — respondeu Rhodan. — Conhece a posição aproximada da
futura fábrica?
— Conheço. Não fizeram muito mistério em torno disso, embora o computador-
regente me tivesse reconhecido como agente, conforme prova a história de Muzel. Do
contrário não teria colocado um espião no meu encalço.
— É verdade — admitiu Rhodan. — Muzel provou outra coisa. Não acha, Crest?
O arcônida, ao qual Rhodan devia muita coisa, confirmou com um gesto.
— É verdade, Perry. Refere-se à sinceridade do regente. O incidente com Muzel
provou que o computador de Árcon nem pensa em agir honestamente conosco. Foi
programado de maneira a sempre fazer o possível para alcançar a primazia sobre
qualquer ser orgânico, até que os arcônidas recuperem um grau de agilidade mental que
lhes permita assumir o controle do Império. A aliança com o homem só pode visar a esta
finalidade específica, e nunca terá em vista uma verdadeira sociedade.
“Ao que parece, os invisíveis que lançam seus ataques do nada e despovoam
planetas inteiros são inimigos que o regente não pode enfrentar exclusivamente com as
próprias forças. Por isso, fez uma aliança conosco, a fim de vencer o misterioso inimigo.
Entretanto não conseguimos; os seres invisíveis podem espreitar-nos em qualquer lugar e
a qualquer momento. Apesar disso, porém, o regente já nos traiu, procurando descobrir a
posição da Terra. Assim provou que tem a intenção de, uma vez destruído o inimigo
invisível, romper a aliança com a Terra e subjugar nosso planeta.”
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— O senhor está exprimindo exatamente o que eu penso, Crest. Acontece que o
regente está enganado. Em Swoofon teremos oportunidade de matar dois coelhos de uma
cajadada. Destruiremos os planos de construção do goniômetro de compensação e
mostraremos ao regente que desmascaramos suas tramas. Se não modificar seu
procedimento, cancelaremos o acordo. Nesse caso, terá de descobrir um meio de livrar-se
dos invisíveis que ameaçam despovoar seu Império.
Crest sacudiu ligeiramente a cabeça.
— Na minha opinião não devemos destruir os planos, Perry. Não poderemos evitar a
construção do aparelho; se não for produzido hoje, em Swoofon, poderá sê-lo amanhã,
em outro lugar. Ninguém consegue evitar o desenvolvimento da tecnologia. O senhor
conhece a velha lei: Primeiro surge a arma de ataque, depois a de defesa. Após isso surge
outra invenção que torna inútil esta última. O goniômetro deve ser construído! Apenas,
devemos criar alguma coisa que o torne inútil assim que entre em uso. Para isso
precisamos apenas dos planos de construção do aparelho. Se Kulman pudesse dizer-nos
onde encontrá-los...
Rhodan voltou a sorrir. Parecia muito confiante.
— Obrigado, Crest. O senhor acaba de traçar as linhas gerais do plano que teremos
de executar. Kulman, prossiga na exposição. Conte como são as coisas em Swoofon, o
que se anda fazendo por lá, como vivem seus habitantes e qual é sua atitude face ao
Império. Qualquer detalhe pode ser importante, por mais insignificante que pareça.
“O compensador estrutural”, pensou Rhodan enquanto Kulman principiava a falar,
“é a arma de defesa mais importante que possuímos. Se for posto fora de ação, nossa
situação se tornará crítica. Nosso ponto forte consiste justamente no fato de ninguém
saber onde fica a Terra. Na imensidão do Universo, nosso planeta não passa de uma
partícula de pó. E essa partícula de pó não será encontrada.”
Depois voltou a dedicar sua atenção à exposição de Kulman.
— ...os habitantes são conhecidos como os swoons. Vivem exclusivamente no
segundo planeta do sol Swaft, a novecentos e noventa e dois anos-luz da Terra. O sistema
tem três planetas, mas só o segundo deles é habitado. É um mundo de oxigênio, a
superfície é desértica, não existe qualquer vegetação digna de nota, a gravitação
corresponde a um quarto da terrana. A percentagem de oxigênio da atmosfera de Swoofon
é bastante reduzida; mal e mal é suficiente para que um ser humano possa viver nesse
planeta sem usar uma máscara de respiração.
— Por que os swoons são considerados os técnicos mais competentes do Universo?
— perguntou Bell.
— São mecânicos de precisão! — disse Kulman em tom enfático. — Seus olhos são
semelhantes aos meus: enxergam coisas que qualquer outro ser só conseguiria ver através
de um microscópio. Além disso, suas mãos são extremamente hábeis. Sabem moldar um
objeto do tamanho de um grão de areia sem necessitarem de qualquer instrumento ótico.
Aliás, não são grandes; medem no máximo trinta centímetros.
— O que tem trinta centímetros? — perguntou Bell. — As mãos deles?
— Os próprios swoons — explicou Kulman em tom condescendente. Lembrou-se
de que até então mal tivera tempo para falar a este respeito. — Os habitantes do planeta
Swoofon são muito pequenos. Têm trinta centímetros de altura, são muito “finos” e
podem ser tudo, menos humanóides. Até parecem pepinos com dois pequenos pés. Na
parte superior do corpo têm quatro braços, nos quais se encontram as mãos extremamente
hábeis.
Bell sacudiu a cabeça.
— Não é possível! Não venha me dizer que existem pepinos que fabricam relógios!
— Eles fabricam muito mais que isso! — disse Kulman num tom que revelava certa
reverência. — Quando conhecer os swoons, o senhor saberá admirá-los.
— Nunca gostei muito de pepino — disse Bell.
Lançou um olhar para Gucky. Ao que parecia, esperava receber o apoio do rato-
castor, mas teve uma amarga decepção.
— Acredito que os swoons poderão ser meus amigos — disse Gucky com a maior
tranqüilidade. — Os preconceitos que Bell costuma manter não são meu fraco.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Você tem razão, mas não acredito que Bell estivesse falando sério. Do contrário
não poderia levá-lo para Swoofon.
— Quer dizer que vamos...?
Rhodan fitou Bell.
— Vamos, sim; e hoje mesmo.
— Viva! — gritou Gucky e levantou-se para caminhar em direção à porta. — Vou
cuidar da minha aparência. Vamos pousar no planeta em caráter oficial?
— Acredito que sim, Gucky. Por que está tão interessado em cuidar da aparência?
— Afinal, teremos férias na terra dos pepinos; é uma oportunidade toda especial, e
não quero fazer feio.
Desapareceu sem abrir a porta. Bell fitou o lugar em que Gucky se encontrara há
poucos segundos.
— São seus instintos que estão levando a melhor — disse em tom de oráculo. —
Tomara que não confunda esses técnicos pepinos com cenouras. As conseqüências seriam
desastrosas.
Kulman olhou-o como quem não entende nada, mas Bell achou que não seria
necessário explicar ao agente que Gucky tinha uma predileção toda especial pelas
cenouras frescas.
Rhodan continuou sentado.
— Kulman, acho que seria conveniente que você nos fornecesse mais alguns
detalhes. Estou interessado em saber, por exemplo, onde fica a Embaixada de Árcon,
quais são os contingentes de tropas de que pode dispor o administrador, qual é o sistema
administrativo, etc.
Kulman prosseguiu na exposição.
Dali a dez minutos, Bell levantou-se cautelosamente e saiu do camarote.
Não estava interessado naquilo. Havia outras coisas que lhe despertavam um
interesse muito maior. Por exemplo, o Primeiro-Tenente Sikermann, que se encontrava na
sala de comando. O imediato do couraçado espacial Drusus tornara-se seu amigo, fato
que talvez tivesse sua origem numa certa afinidade de gênios.
Baldur Sikermann, um homem baixo, robusto e de cabelos escuros, estava sentado
na poltrona do piloto, tendo à sua frente os controles da Drusus, uma nave esférica de mil
e quinhentos metros de diâmetro. Como imediato, na ausência de Bell e Rhodan, cabia-
lhe comandar a tripulação de dois mil homens, sem a qual a nave não poderia
desenvolver integralmente o seu potencial.
— Olá, Sikermann — disse Bell ao entrar na sala de comando e perceber que tudo
estava em perfeita ordem. — Está aborrecido?
Nas telas via-se uma profusão de estrelas desconhecidas. Encontravam-se num setor
inexplorado de sua galáxia, a Via Láctea.
Sikermann virou-se lentamente e fitou Bell como se nunca o tivesse visto.
— Até agora não tive tempo de aborrecer-me — disse com a voz tranqüila.
Bell lançou um ligeiro olhar para o Capitão Rodes Aurin, um homem grisalho que
desempenhava as funções de oficial de armamentos da Drusus, mas este parecia estar tão
ocupado com seus catálogos que nem ouvira a observação que acabara de ser feita.
— Seu tédio logo será espantado, Sikermann — profetizou. — Dentro de poucas
horas, acontecerá alguma coisa. Já engraxou o motor estelar?
Sikermann encolheu-se.
— O senhor usa cada expressão! — constatou, e voltou a dedicar sua atenção aos
controles, para ligar as telas de localização.
— Estou falando sério: acho que a coisa vai começar — disse Bell.
— O que vai começar?
— O espetáculo com os swoons, os homens-pepino; não sei se o senhor
compreende. Os mecânicos de precisão.
— Não compreendo uma palavra do que está dizendo.
— Ora, não seja tão obtuso. Neste momento, Kulman está apresentando sua
exposição. Dirigir-nos-emos a Swoofon para fazer uma visita aos habitantes do planeta.
Estão construindo um goniômetro de compensação capaz de localizar qualquer hiper-
salto, mesmo que o compensador estrutural esteja ligado.
— Caramba! — disse Sikermann.
Bell sorriu.
— Não se preocupe; saberemos estragar a festa deles. É bem verdade que os
homens-pepino são gente muito distinta; não lhes devemos fazer nada.
— O que vêm a ser os tais homens-pepino?
Bell explicou e acrescentou:
— Realmente estou curioso para vê-los. Pelo que diz Kulman, são realmente
encantadores, à sua maneira. Dizem que seus olhos lhes permitem remover uma verruga
numa pulga.
— As verrugas? — perguntou Sikermann em tom de espanto. — Será que todo
mundo ficou louco?
— Quem? As verrugas? — perguntou Bell.
Sikermann não respondeu. Parecia desejar esquecer a presença de Bell. Passou a
fitar as telas, nas quais não se via nada.
— Verrugas! Pepinos! — disse para si mesmo, sacudindo a cabeça. — Rosita Peres
poderá cuidar deles.
Rosita Peres era a cosmopsicóloga da Drusus.
Bell riu e foi caminhando em direção à porta que dava para a sala de rádio.
Comprimiu um botão e abriu-a. David Stern, que estava de plantão, virou-se quando
ouviu Bell entrar.
— Tudo em ordem — anunciou. — Não há localizações nem mensagens.
Bell agradeceu em tom indiferente e encostou-se ao armário de instrumentos.
— Procure descansar um pouco. Dentro em breve terá muito que fazer.
David Stern era tenente e um dos oficiais de rádio mais competentes da Drusus.
Vinha de Israel, era de estatura mediana, tinha cabelos escuros e demonstrava a agilidade
de um gato-selvagem.
— Alguma missão? — perguntou em tom discreto.
— E que missão! Será a guerra dos pepinos.
— Hem! — admirou-se David Stern, respirando com dificuldade. — O que foi que
o senhor disse?
— Disse que será a guerra dos pepinos. É bom que saiba que os habitantes de
Swoofon são pepinos. Vamos tirar-lhes alguma coisa.
— Ah, sim — disse Stern, sem entender uma única palavra do que o outro dizia. —
Vamos tirar-lhes alguma coisa... Onde e quando?
— Não acredita nos pepinos? — perguntou Bell com um leve tom de ameaça na
voz. — O agente Kulman nunca mentiu. Não se atreveria a tanto.
— Acontece que foi ele quem trouxe Muzel para bordo — ponderou Stern.
Bell pôs-se a rir.
— Ah, sim; Muzel! Isso me dá uma idéia. Até logo mais, Stern; tenho que liquidar
um assunto. A bordo desta nave existe uma criatura que brincava durante horas a fio com
esse cão robotizado, enquanto eu fiquei em disponibilidade.
— Será Gucky? — perguntou Stern quando Bell já se afastava apressadamente. —
O pequeno rato-castor...
— Sim, é este mesmo. Quero fazer um pouco de gozação com ele.
E foi assim que Bell ainda teve de tomar, a contragosto, uma aula de vôo. Os oficiais
e tripulantes que se encontravam presentes divertiram-se a valer quando o viram planar
no grande hangar, junto ao teto alto. Deu alguns saltos, fez vários loopings, xingava a
valer e pedia socorro. Por vezes ria ou se lamentava. Os espectadores ficaram
tremendamente admirados.
Desta vez Gucky, que conduzia Bell por meio de suas energias telecinéticas,
mostrou-se implacável.
Não fez por menos: Bell teve que voar durante uma hora.

***

Recorrendo aos compensadores estruturais, ainda eficazes, a Drusus deu dois saltos
em direção ao sistema de Swaft. Depois os compensadores foram desligados. As duas
transições que se seguiram foram realizadas sem o menor disfarce. Qualquer rastreador
estrutural dos arcônidas seria rapaz de localizar os dois saltos, mas não proporcionaria
qualquer esclarecimento sobre o ponto de partida da nave.
O sol Swaft era aproximadamente do mesmo tamanho e irradiava calor idêntico ao
do sol terrano. No entanto, ninguém sabia explicar por que no planeta Swoofon não se
havia desenvolvido praticamente nenhuma vegetação. Havia água, rochas e terra em boa
quantidade. Além disso, existia areia de sobra. Mas quase não se via nenhuma planta.
Aproximadamente metade dos swoons vivia nas cidadezinhas existentes na
superfície de Swoofon, enquanto a outra metade preferira abrigar-se sob a superfície.
Kulman conseguira descobrir que existiam swoons que se haviam aliado aos saltadores, e
estavam dispostos a construir o goniômetro de compensação para os mesmos. Eram
principalmente os swoons que viviam no subsolo.
O pouso de uma nave não constituía nenhuma sensação nova para os swoons,
embora para eles estas deveriam ser enormes e possantes. Geralmente eram os saltadores
ou mercadores galácticos que visitavam Swoofon, trocavam suas mercadorias e traziam
artigos de uso muito apreciados. Não chegavam a ser considerados amigos, mas eram
negociantes bem-vindos.
Dessa forma, Swoofon pertencia ao Império Arcônida, e era nesse fato que se
baseava o plano de Rhodan.
No momento em que Swoofon surgiu nas telas da Drusus, e esta penetrava no
sistema, desenvolvendo a velocidade da luz, Rhodan distribuiu os papéis.
— Tenente Rous, pegue a K-13 e voe à Terra com o compensador ligado. Vá buscar
a Titan e a General Pounder com a tripulação completa. Seria arriscado demais expedir
uma mensagem de rádio. Assim que as duas naves chegarem, faremos uma visita
empolgante a Swoofon, isso por ordem do regente de Árcon.
— Hum — fez Crest em tom cético. — Será que isso não é muito arriscado?
— De forma alguma. Estou agindo oficialmente nos termos do acordo que fiz com
Árcon. Não haverá motivo para suspeitas. Comunicarei ao regente, se este o desejar, que
Swoofon está prestes a ser invadido pelos invisíveis. Não temos necessidade de dizer-lhe
como descobrimos isso. Sabemos, e basta! Estamos tomando as providências que estão
ao nosso alcance. Quem poderá impedir-nos de agir assim?
Ninguém respondeu. Mas Atlan, que se mantinha num ponto mais afastado, falou:
— Acho que não seria recomendável causarmos qualquer prejuízo aos swoons —
disse em tom objetivo. — Como antigo psicólogo de colonização do Império afirmo que
não devemos usar violência e...
— Não tenho a intenção de prejudicar os swoons — interrompeu-o Rhodan em tom
amável. — Apenas faremos um blefe com eles. A verdadeira finalidade da ação consistirá
em encobrir a atuação dos agentes. O que pretendemos fazer é o seguinte: Kulman irá,
juntamente com os mutantes apropriados, para junto dos swoons que deverão construir o
goniômetro. Esse fato passará despercebido em meio à confusão geral causada por nossa
aparição no planeta.
— Talvez seja o procedimento mais recomendável — disse Atlan, o imortal.
O Tenente Marcel Rous adiantou-se.
— Quando devo decolar?
Rhodan lançou um olhar sobre o calendário de bordo.
— Dez de novembro de 2.040, treze horas, tempo terrano. Se tudo correr
normalmente, poderá estar de volta dentro de duas horas, em companhia dos dois
couraçados espaciais. Decole imediatamente e leve apenas metade da tripulação.
Entendido?
— Entendido — disse Rous e saiu da sala de comando.
Rhodan lançou-lhe um olhar pensativo e fez um sinal para John Marshall, chefe do
Exército de Mutantes.
— Compareça daqui a dez minutos ao meu camarote, para podermos discutir os
detalhes de sua tarefa. Obrigado.
Dirigindo-se a Bell, disse:
— Dê uma olhada na rouparia. O uniforme que usei para desempenhar o papel de
inspetor arcônida ainda deve estar por lá. Talvez possa ser-nos útil.
— Logo saberemos — disse Bell e retirou-se.
Baldur Sikermann, que estava sentado na poltrona do piloto, sem tirar os olhos dos
controles, disse:
— Não me diga que pretende pousar no planeta com a Drusus.
— Pretendo pousar com as três naves — disse Rhodan em tom resoluto. — Os
pequeninos swoons ficarão impressionados ao verem simultaneamente três esferas
espaciais de um quilômetro e meio de diâmetro. Quanto maior a excitação, melhor para
nós. Mais alguma pergunta?
***

Exatamente às quinze horas, tempo terrano, as naves Titan e General Pounder


materializaram-se a pequena distância da Drusus. Rhodan sabia perfeitamente que iria
praticar um ato absurdo e até ridículo. Só poderiam achar que era louco ou covarde, se
utilizasse as três naves desse tipo para ocupar um planeta como Swoofon.
Acontece que Rhodan não se importava com o que os saltadores ou os arcônidas
pensassem dele. Sabia perfeitamente o que estava fazendo.
Prosseguiu em direção a Swoofon à velocidade da luz e transmitiu ininterruptamente
a seguinte mensagem:

Atenção! Dirijo-me à população do planeta Swoofon.


O sistema de Swaft será bloqueado por ordem do Império.
Nenhuma nave poderá sair de Swoofon sem licença
especial. A partir deste momento, vigora uma proibição
terminante de pousar ou decolar para todas as naves que se
encontrem no sistema. A população deverá manter a calma.

Rhodan preferiu não citar seu nome. O regente de Árcon logo seria comunicado, e
ficaria sem saber quais seriam as verdadeiras intenções de seu sócio do planeta Terra.
E era bom que fosse assim.
Um sorriso contrariado surgiu no rosto de Rhodan, quando Sikermann começou a
desacelerar a Drusus, para que a mesma não penetrasse em velocidade muito elevada na
atmosfera do planeta. A Titan e a General Pounder seguiram o exemplo.
De pé, ao lado de Rhodan, Kulman observava a manobra. Conhecia os swoons e
sabia como orientar-se no planeta.
— A capital é Swatran — disse, fitando a tela que refletia todos os detalhes da
superfície do planeta. — A maior parte da cidade fica na superfície, especialmente o
espaçoporto. Já os centros de produção ficam muito abaixo do nível do solo. O acesso aos
mesmos só é possível através de minúsculos portões. Receio que nenhum de nós consiga
entrar lá.
— Aguardemos — disse Rhodan com a voz fria. — O senhor verá.
Kulman apontou para o ponto pouco nítido, situado uns duzentos quilômetros a leste
da capital.
— Foi aqui que eu fiquei. Em Swatran ninguém me conhece.
— Devem ter ouvido falar de sua atuação — comentou Rhodan. — Acho que não
precisará de uma apresentação formal. Naturalmente ficarão curiosos para saber como é
que o senhor veio parar em minha nave, e por que volta em nossa companhia. Mas
acredito que dificilmente encontraremos inimigos entre os swoons, pois eles não têm
muita simpatia pelos saltadores.
— Aguardemos — respondeu Kulman em tom seco.
Rhodan calou-se.
O espaçoporto havia sido construído pelos saltadores, que mantinham um
intercâmbio comercial bastante intenso com os mecânicos de precisão da Galáxia. Os
edifícios destinados a abrigar a colônia de saltadores radicada no planeta e o
administrador de Árcon eram relativamente baixos, mas para os swoons deviam ser
verdadeiros arranha-céus. Durante sua permanência no planeta, Kulman ocupara um
grande armazém dos swoons. Na verdade, não passava de um simples barraco. Sentira-se
que nem Gulliver entre os anões.
O tamanho minúsculo das casas causava uma impressão errônea quanto à distância.
Examinando a superfície a olho nu, Rhodan calculou que a nave se encontrava a uns
cem quilômetros de Swatran, mas o altímetro revelou que a distância não era superior a
dez quilômetros.
As gigantescas naves pousaram. Quase no mesmo instante, uns cem girinos, que
eram naves esféricas de sessenta metros de diâmetro, saíram das escotilhas de carga da
Drusus, da Titan e da General Pounder. Estes veículos espaciais cuidariam do bloqueio do
planeta. Feito isso, Rhodan suspirou aliviado e dirigiu-se à sala de rádio.
— Alguma notícia? — perguntou, dirigindo-se a David Stern.
— Apenas algumas indagações confusas que ninguém entende. Os saltadores
protestaram; afirmam que não existe nada contra eles.
— É o que sempre dizem — afirmou Rhodan. — Acontece que nunca estão com a
consciência tranqüila. Aposto que a esta hora já estão quebrando a cabeça para saber
quais dos seus crimes conseguimos descobrir. Se foram os próprios saltadores que
tramaram essa história do goniômetro de compensação, a esta hora já estarão suando de
medo.
Bell seguira Rhodan sem que este o percebesse.
— Acontece que não estão inteirados que nós sabemos — disse.
— A incerteza não é um estado muito agradável — ponderou Rhodan e voltou a
dirigir-se a Stern: — Quero entrar em contato com o administrador de Swoofon. É
possível?
— Tentarei — prometeu Stern e pôs-se a trabalhar. — Não sei qual será a demora.
— Chame-me assim que tiver estabelecido a comunicação — disse Rhodan e
dirigiu-se à porta. — Enquanto isso conversarei com o enviado oficial do Império.
Bell seguiu-o com os olhos e voltou à sala de comando.
Parou na porta. O tremendo silêncio deixou-o fascinado.
Os que se encontravam na sala de comando fitavam as enormes telas de visão
global, nas quais se viam as áreas adjacentes à nave pousada, como se esta não tivesse
paredes.
Bell também observava.
O campo de pouso não estava vazio. Entre as grandes naves dos saltadores
enxameavam pequenos seres, que caminhavam a passos graves. Na verdade, pareciam
pepinos maduros. Sua altura não ultrapassava trinta centímetros. Tinham pernas curtas,
quatro braços, um rosto que quase chegava a ser ridículo, nariz achatado e uma boca
pequeníssima. Não tinham pescoço. E os olhos salientes não contribuíam para tornar os
swoons mais bonitos.
Kulman havia contado a Bell que essas estranhas criaturas faziam questão de serem
tratadas com o maior respeito e cortesia. Quem não lhes desse esse tratamento teria
problemas. E Rhodan não estava interessado em criar problemas.
— Por todos os planetas! — exclamou Bell e acompanhou a marcha dos homens-
pepino, cuja cor amarela o deixou estupefato.
Usavam um tipo de roupa, mas esta não encobria os contornos do corpo, que
permaneciam nítidos.
— Realmente parecem pepinos. Sabem falar?
Kulman, que se encontrava a seu lado, fez um gesto afirmativo.
— Falam em voz aguda e estridente. Seu ouvido é extremamente sensível. Se
alguém grita perto deles, contorcem-se de dor. O tradutor eletrônico permite uma
comunicação perfeita com eles. Ainda bem que temos uma quantidade suficiente desses
aparelhos.
— Estou captando seus pensamentos — disse Gucky, em cujos olhos se exprimia o
espanto. — São pacatos e muito curiosos, mas não querem confessar essas qualidades.
Resolveram mostrar-se enérgicos e protestar contra a ocupação de Swoofon. Se não me
engano, aquilo ali é uma espécie de delegação do Governo.
— Excelente! — disse uma voz vinda da porta.
Todos viraram-se abruptamente e assustaram-se ao reconhecerem o uniforme
colorido de inspetor arcônida. Mas logo viram que era Rhodan que o envergara e estava
pronto para desempenhar seu papel.
— Você parece um papagaio — disse Bell em tom de inveja. — Tenho a impressão
de que sou um simples pardal.
— Você não passa disso — exclamou Gucky com um sorriso de deboche.
Bell não lhe deu atenção.
— Pretende sair da nave para conferenciar com os swoons? Quem irá com você?
Rhodan olhou em torno.
— É preferível que por enquanto Kulman não saia da nave. Não é necessário que
saibam que veio conosco, ao menos agora. Você irá comigo, Bell. Gucky também irá,
para que possamos conhecer os pensamentos dos swoons. Sikermann e Crest cuidarão da
sala de rádio e farão cumprir nossas ordens. Os girinos deterão qualquer nave que tente
sair de Swoofon. Outros girinos pousarão nos demais espaçoportos existentes no planeta
e confiscarão todas as naves dos saltadores. O intercâmbio comercial será suspenso
imediatamente. São ordens de Árcon!
Ao proferir a última frase, exibiu um sorriso frio. Bell riu. Crest e Atlan pareciam
preocupados. Sikermann dava a impressão de estar zangado e resoluto. Por estranho que
pudesse parecer, Gucky não fez e não disse nada.
Naquele momento as três naves, que haviam pousado longe uma da outra, estavam
totalmente cercadas pelos swoons. O quadro, que se oferecia aos terranos, quase chegava
a ser medonho. A superfície plana do espaçoporto enxameava de minúsculas criaturas,
movendo-se com tamanha dignidade e compenetração que até parecia que eram os
verdadeiros donos do Universo. Podia ser que não possuíssem nada, mas ao menos
tinham a consciência tranqüila. E uma calma inabalável.
— Vamos andando — disse Rhodan.
Bell e Gucky seguiram-no.
Não levaram armas. Em compensação muniram-se de um tradutor eletrônico, sem o
qual toda e qualquer comunicação se tornaria impossível. Bell carregou-o, com a
compenetração de um camareiro do rei, enquanto Gucky fitava com a necessária
veneração a calça colorida de seu chefe Perry Rhodan, que caminhava à sua frente.
Ninguém saberia dizer que recordações lhe passavam pela mente naquele instante.
Não era a primeira vez que Rhodan usava uma calça desse tipo...
A escotilha abriu-se. A rampa inclinada saiu automaticamente, e Rhodan e seus
companheiros desceram-na calmamente, em direção aos swoons que os esperavam.
— Não estão com medo de nós — cochichou Gucky. — Apenas estão curiosos.
— A curiosidade é a força motriz do Universo — retrucou Rhodan em voz baixa.
Dezenas de milhares de swoons se haviam reunido a fim de cumprimentar os seres
que acreditavam serem arcônidas. Mesmo Rhodan, cuja capacidade telepática era menos
potente que a de Gucky, conseguiu ler os pensamentos dos que se encontravam mais
próximos, embora não fosse fácil distinguir os impulsos confusos. Na verdade, só
percebeu curiosidade, misturada com certa dose de alegria e satisfação.
Era surpreendente, talvez mesmo estranho.
Rhodan resolveu solucionar o enigma.
Prosseguiu, até encontrar-se no meio dos swoons. Abaixou-se, ficando de cócoras.
Bell seguiu seu exemplo, o que não foi tão fácil assim, pois pesava alguns quilos a mais
que Rhodan. Gucky não teve a menor dificuldade, já que sua altura não era superior a um
metro.
Um dos swoons começou a falar aos pios. Tratava-se de um indivíduo que era
tratado com uma veneração toda especial pelos demais. Abriram alas quando se adiantou,
e formaram um semicírculo à sua volta, a fim de protegê-lo.
— Bem-vindos em Swoofon — disse o swoon em tom agudo, fazendo um princípio
de mesura. — Sentimo-nos felizes em hospedá-los. Vêm por ordem do regente?
Era a primeira pergunta.
Rhodan fez um gesto afirmativo e, falando para dentro do tradutor eletrônico, que
reproduzira perfeitamente as palavras dos swoons, disse:
— O regente envia seus respeitosos cumprimentos aos digníssimos swoons. O
Império sente-se feliz em saber que os habitantes deste planeta se contam entre seus
melhores amigos.
Os swoons engoliram a bajulação com a naturalidade que lhes era peculiar em
ocasiões como esta. O rosto de Rhodan irradiava satisfação.
— Se colocamos nossos valiosos serviços ao dispor da comunidade, apenas estamos
cumprindo nosso dever — respondeu a pequena criatura num tom de orgulhosa
autoconfiança. — Talvez se o Império quiser confiar-nos alguma tarefa, esta será
cumprida com a dedicação de sempre.
— A missão que nos trouxe para cá não é nada agradável — disse Rhodan. —
Estamos à procura de um inimigo do Império. Pelo que estamos informados, ele fugiu
para Swoofon. Além disso, este mundo encontra-se na iminência de uma invasão contra a
qual não existe qualquer defesa, a não ser que consigamos criar uma nova arma. Desejo
falar com o chefe de governo de Swoofon.
— Aqui existem muitos chefes de governo — foi a resposta surpreendente dada pela
pequena criatura. — Infelizmente nossas tribos e nações ainda não conseguiram chegar a
um acordo e escolher a pessoa que tenha suficiente dignidade para falar em nome de
todas. As tentativas de unificação...
Era a velha história. Os swoons ainda não conheciam a navegação espacial vista
como um instrumento de expansão galáctica. Viviam para o trabalho, faziam seus
negócios com os saltadores e outras raças do Império, ganhavam muito dinheiro e não
demonstravam o menor interesse pela política espacial.
— Por isso temos que pedir-lhe que se contente em conferenciar com os
representantes de Swatran. Falamos em nome de dez milhões de swoons.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Pois bem; ouça minhas instruções. Todas as naves estacionadas no planeta estão
confiscadas. Não deverão decolar sem permissão dada por nós. Além disso, quero falar
com o administrador de Árcon. Parece que ele reside em Swatran, não?
— Até hoje residia — disse o pequeno swoon. — Infelizmente desapareceu no
momento em que o senhor surgiu inesperadamente. Pretendíamos perguntar-lhe o que
devíamos fazer, pois não sabíamos como explicar o aparecimento de uma frota dos
arcônidas. Mas não o encontramos na sede da administração. Desapareceu.
A novidade era muito interessante! O que estaria temendo o administrador de Árcon
para fugir daquela maneira? Teria feito negócios escusos com os saltadores a fim de
aumentar sua fortuna pessoal? Estaria receoso de ser descoberto por Rhodan?
Bell sentara de vez. Alguns swoons caminhavam entre suas pernas, fitando-o com
uma expressão curiosa, mas sem demonstrar qualquer medo. Se quisesse podia varrê-los
com um simples movimento da mão. Mas quando via seus rostinhos graciosos chegava a
sentir uma espécie de ternura. Fitava com certa admiração os dedos finos, presos
diretamente aos quatro braços. Aqueles seres realmente pareciam pepinos maduros aos
quais tivesse sido insuflada vida. Bell teve a sensação de viver uma lenda, na qual
desempenhava o papel do gigante bondoso.
Com Gucky as coisas não foram diferentes. Também estava sentado no chão e
“apalpava” o conteúdo da mente dos swoons. Despertava uma atenção toda especial, e
uma elevada dose de simpatia dos swoons. Pelo que Gucky pôde constatar, acreditavam
que fosse uma espécie de animal doméstico dos pretensos arcônidas. Não se zangou com
isso, pois para Gucky os animais não eram menos respeitáveis e simpáticos que as
criaturas humanas.
— Se é assim, falarei com os saltadores — disse Rhodan. — Mandarei alguns
soldados procurá-los e prendê-los.
Rhodan teve a impressão de descobrir certa alegria no rosto do swoon que se
encontrava à sua frente. E os pensamentos do pequeno ser confirmaram a suposição. Não
gostava dos saltadores. E havia outras criaturas de que também não gostava...
...Eram os outros swoons. Os swoons que colaboravam com os saltadores.
— Providencie para que todos os swoons sejam retirados do campo de pouso, a fim
de que nossa operação militar não seja perturbada — disse Rhodan. — Dou-lhes meia
hora.
— Estamos prontos para servi-lo com o máximo prazer — asseverou o swoon. —
Sem dúvida terá a bondade de avisar-nos o quanto antes sobre os resultados da operação.
Se pudermos ajudar...
— Oportunamente avisaremos — prometeu Rhodan e levantou-se. Bell e Gucky
seguiram seu exemplo, embora se percebesse que preferiam continuar sentados por mais
algum tempo. Talvez ainda teriam uma oportunidade de conversar com os homens-
pepino.
Rhodan desligou o tradutor eletrônico.
— Espere aqui juntamente com Gucky — disse, dirigindo-se a Bell. — Vou à
Drusus para trazer Marshall com quatro dos seus mutantes. Não deixem que ninguém os
distraia. Voltarei logo.
Afastou-se sem esperar resposta. Antes de chegar à rampa, comprimiu um botão do
rádio de pulso.
David Stern respondeu.
— Sim.
— Estabeleça contato com Árcon pelo hipercomunicador. Você conhece o código do
robô regente. Peça-lhe que envie a frota de Talamon a título de reforço. Entendido?
— Devo pedir a Árcon que envie Talamon?
Rhodan fez que sim.
— Se alguém se mostrar surpreso, diga que são ordens minhas. Sei o que estou
fazendo. Entendido?
— Sim senhor. Entendido.
Rhodan não estava muito convencido de que Stern realmente tivesse entendido, mas
sabia que podia confiar nele.
Gucky e Bell voltaram a sentar e iniciaram conversa com os poucos swoons que
permaneciam no campo de pouso.
Os outros caminharam tranquilamente de volta à cidade. Até parecia que estavam
num piquenique.
Gucky fitou-os cheio de espanto e com certa dose de ceticismo.
Embora tivesse alguma simpatia pelos “pepinos pensantes”, estes também o
amedrontavam um pouco.

***

Na sala de comando Crest, Atlan e Sikermann esperavam por Rhodan.


Pareciam bastante contrariados, especialmente Crest.
— Acho que forçou as coisas demais, Perry — disse a título de cumprimento. — A
esta hora o regente já sabe o que está acontecendo aqui.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Nada disso, Crest. Sua atenção foi desviada daquilo que realmente importa. O
robô regente nunca saberá quais foram realmente nossas intenções ao virmos para cá.
Enquanto procura encontrá-las, descobriremos os planos do goniômetro de compensação,
e ainda saberemos se o regente fala sério quando alude à sua amizade conosco.
— Tomara que tenha razão — disse Crest em tom de dúvida.
Atlan manteve-se em silêncio. Embora fosse um arcônida, tal qual Crest, parecia
mais robusto. Nos olhos do imortal notava-se o conhecido brilho avermelhado da raça
albina.
Não hoje, mas um belo dia...
— Conseguiremos — disse Rhodan em tom confiante e transmitiu algumas
instruções lacônicas pelo intercomunicador.
Dali a alguns minutos, o chefe do Exército de Mutantes apareceu com quatro de
seus homens. Dirigindo-se a Marshall, Perry disse:
— Venham comigo. Prenderemos os saltadores. Não acredito que haja resistência.
— Se houver, o azar é deles — observou Sikermann, lançando um olhar furioso para
os controles de armamentos. — Ainda temos alguns girinos a bordo.
— Se necessário, solicitarei sua presença — prometeu Rhodan e saiu da sala de
comando juntamente com os mutantes. — Manteremos contato pelo rádio.
O campo de pouso estava vazio. Só vez por outra, via-se um ou outro swoon que
tropeçava em tom majestático, sem demonstrar a menor pressa de chegar ao destino.
Ainda estavam curiosos para saber o motivo de tamanho espalhafato.
Bell e Gucky levantaram-se assim que Rhodan chegou com o grupo de cinco
homens. Dois ou três swoons afastaram-se em gestos compenetrados. Pelos seus
movimentos tinha-se a impressão de que mal conseguiam carregar seus pequenos corpos.
— Não precisamos de qualquer veículo nem de trajes especiais — disse Rhodan ao
notar o olhar pensativo de Bell. — Basta darmos um salto para percorrermos dez metros e
pousarmos suavemente. Pelo que diz Kulman, é muito divertido passear em Swoofon.
— Que passeio! — disse Bell, olhando para os edifícios baixos, nos quais, segundo
supunha, se encontravam os saltadores. — Tenho uma sensação esquisita...
— No estômago? — perguntou Gucky em tom zombeteiro. — Deve ser fome.
— Tolice! Não estou com fome...
— Ah! — exclamou Gucky em tom de triunfo, sorrindo para Rhodan. — Quer dizer
que está com medo. Só pode ser fome ou medo. Afirma que não está com fome. Logo...
— Vamos embora — disse Rhodan, interrompendo-o. — Não temos tempo para
fazer piadas sem graça. Marshall, mantenha a arma preparada para disparar. Não acredito
que os saltadores esbocem qualquer reação. Ao menos, não será a reação que Bell receia.
Os três couraçados espaciais formavam um triângulo eqüilátero. Dentro do
triângulo, e também fora dele, havia algumas naves cilíndricas dos saltadores. Nem
pensavam em desobedecer às ordens que Rhodan mandara transmitir pelo rádio;
mantinham-se calmas, em atitude de expectativa. Os swoons haviam desaparecido de vez,
dando a entender que não tinham nada a ver com a operação de vasculhamento que se
anunciava.
O teleportador Ras Tschubai, um gigantesco africano de rosto bonachão, mantinha-
se perto do hipno André Noir. Wuriu Sengu, o espia japonês, caminhava ao lado do
localizador Fellmer Lloyd. John Marshall ia na retaguarda. Rhodan, Gucky e Bell
caminhavam à frente do grupo, em direção à periferia do campo de pouso, onde se
encontravam os edifícios da administração, que encobriam a cidade propriamente dita.
Não se via ninguém. Vez por outra uma sombra se movia atrás das janelas fechadas,
mas nada aconteceu. Fellmer Lloyd, que não lia propriamente os pensamentos, mas os
analisava, disse:
— Entre os saltadores reina uma atmosfera de incerteza e tensão. Não sabem o que
significa nossa visita. Nem pensam em resistir. Têm um respeito tremendo pelo regente.
Até parece que alguém já lhes deu uma lição.
— Isso é muito bom para nós — disse Rhodan em tom de satisfação. — Assim as
coisas serão mais fáceis. A lembrança os tornará cautelosos e dóceis.
— Terei muito prazer em ajudá-los a recordarem-se, se necessário — disse Gucky.
Já se encontravam próximos ao maior dos edifícios, cuja altura era espantosamente
reduzida. Bastava subir dois ou três degraus para atingir a entrada principal, que estava
bem aberta.
Rhodan olhou em torno.
— Tschubai, Noir, Sengu, Lloyd e Gucky, vocês esperarão aqui. Marshall, Bell e eu
iremos sozinhos. Se precisar de auxílio, Marshall enviará uma mensagem telepática.
Quando isso acontecer, vocês virão imediatamente.
Prosseguiu sem aguardar resposta. Bell e Marshall, os únicos que traziam uma arma,
seguiram-no.
O corredor largo e profusamente iluminado estava vazio. De ambos os lados havia
portas. Marshall não teve a menor dificuldade em descobrir a porta que procuravam.
— Os saltadores estão atrás desta — cochichou. — Não sabem onde estamos. Neste
momento, estão pensando nas desculpas que podem apresentar. Andam com a
consciência bastante pesada, talvez até por causa desse assunto do goniômetro.
— Não demoraremos em saber — respondeu Rhodan em voz baixa. — Vamos
fazer-lhes uma visita informal. Bell, abra-a.
Num gesto instintivo, Bell pôs a mão no lugar do cinto em que costumava ficar o
radiador. Mas levantou o ombro num gesto de resignação e adiantou-se. Girou
calmamente o botão embutido na porta e escancarou-a.
Quando entrou, Rhodan e Marshall seguiram-no de perto.
— Bom dia, cavalheiros — disse em arcônida. — Permitem que lhes façamos uma
visita?
Seis ou sete homens fitaram os intrusos com os olhos arregalados. Todos eles
usavam barba mais ou menos aparada, trajavam à paisana e traziam no cinto os
conhecidos radiadores portáteis. Estavam sentados em torno de uma mesa redonda mas,
ao verem-se surpreendidos dessa maneira, levantaram-se de um salto.
— O que é isso? — perguntou um deles. — Como conseguiram encontrar-nos tão
depressa? Quanto ao mais, seguimos estritamente as ordens que recebemos. Nossas naves
estão paradas lá fora...
— E daí? — disse Rhodan, deixando que Marshall lhe desse cobertura. — Alguém
afirmou o contrário? Será que é a voz da consciência pouco tranqüila que está falando por
você?
Um dos gigantes ruivos levantou-se lentamente e caminhou na direção de Rhodan.
Parou à frente dele e mediu o pretenso inspetor com um olhar orgulhoso.
— Somos súditos do Império e não fazemos nada que não seja permitido. Não o
conheço e nunca o vi, mas se não resolver usar outro tom, talvez venhamos a conhecer-
nos muito bem.
— Para mim seria um prazer — disse Rhodan em tom amável, mas com um timbre
duro na voz. — Permite que pergunte o que estão fazendo em Swoofon?
O ruivo emitiu um suspiro de desprezo.
— O que poderíamos fazer? Estamos negociando. Os swoons fabricam coisas
excelentes, que alcançam bom preço em todos os cantos da Galáxia. Será que é crime
comprar os produtos dos swoons e revendê-los em outro lugar?
— Alguém afirmou que é? — perguntou Rhodan em tom de espanto.
O saltador parecia confuso.
— É claro que não, mas... Subitamente estacou, fitou Rhodan e prosseguiu:
— Vamos mostrar as cartas. O que deseja de nós? Qual é o motivo de todo o
alarma? Quem está procurando?
— Ah! — disse Rhodan com um aceno da cabeça. — É assim que se fala. Acho que
deste jeito conseguiremos entender-nos logo. Já ouviu falar num certo Berenak?
— Nunca!
A resposta não surpreendeu Rhodan. Também este nunca ouvira o nome. Este lhe
surgira naquele instante.
— Quer dizer que não conhece Berenak? Este indivíduo vem de um planeta situado
nas proximidades de Árcon. É descendente dos arcônidas e dos saltadores, mas não se
liga a ninguém. É um mestre na arte do embuste e um criminoso. E é a pessoa que
estamos procurando.
— O que foi que ele fez?
— Seria muito demorado contarmos todas as patifarias que andou cometendo.
Sabemos que está em Swoofon. O regente pediu-nos que o prendêssemos. Qualquer dos
senhores pode ser Berenak. Não será fácil identificá-lo. É este o motivo das medidas que
estamos tomando.
— Eu não sou Berenak! — exclamou o ruivo. — Sou o patriarca Gol, um honesto
mercador.
— É possível — respondeu Rhodan — mas resta provar sua afirmativa. Por isso não
tenho outra alternativa senão pedir-lhe que por enquanto não saia daqui e siga minhas
instruções. O senhor não poderá deixar de reconhecer que não terá a menor chance contra
três couraçados espaciais do Império. Será que fui bastante claro?
— É claro que sim — disse Gol em tom amargurado e voltou a sentar. Ao que
parecia, não estava com vontade de prosseguir naquela discussão inútil.
Marshall estava sondando os pensamentos dos presentes. Não encontrou a menor
indicação sobre a construção do goniômetro de compensação. Transmitiu a senha
combinada a Rhodan.
— Não os trancafiarei — disse Rhodan, enquanto caminhava para a porta. — Mas
peço-lhes que se considerem presos. Ninguém poderá sair deste edifício. Qualquer pessoa
que se opuser às ordens de Árcon, terá de arcar com as conseqüências. E, conforme as
circunstâncias, essas conseqüências poderão ser bastante desagradáveis, Será que me fiz
entendido, cavalheiros?
Não esboçaram o menor movimento enquanto Rhodan, Marshall e Bell se retiravam.
Havia uma expressão de cólera em seus olhos, mas por enquanto não tinham a menor
intenção de desobedecer às ordens de Árcon.
Assim que saíram ao corredor, Bell suspirou aliviado.
— Não me senti muito bem enquanto estava lá dentro. Afinal, não sei ler
pensamentos. Não compreendo por que deixam que se faça qualquer coisa com eles.
Antigamente...
— Os tempos estão mudados — explicou Rhodan. — Antigamente a ligação entre
os saltadores e Árcon não era tão estreita como hoje. Não se atreverão a entrar em
conflito com o robô regente. Ainda acontece que realmente não têm a menor idéia do que
viemos fazer aqui. Têm a consciência relativamente tranqüila. Evidente que andaram
tapeando vergonhosamente os swoons, mas com isso nós não temos nada a ver.
Revistaram o edifício, encontraram mais uns cinqüenta comandantes saltadores e
comunicaram-lhes que não poderiam sair de Swoofon. Mas não acharam o menor
vestígio dos saltadores que projetavam a construção do goniômetro.
Parecia bruxaria.
Quando Rhodan e seus companheiros saíram do edifício, os quatro mutantes
pareciam aliviados. Gucky estava sentado no chão, deixando que os raios de sol
atingissem sua barriga. Até parecia um turista que fazia questão de se deixar queimar pelo
sol.
Antes que Rhodan pudesse dizer qualquer coisa, ouviu-se um silvo agudo, que logo
se transformou num rumorejar surdo. Por alguns segundos uma sombra passou pelo
amplo campo de pouso. Finalmente a gigantesca esfera espacial pousou bem no centro do
triângulo formado pelas naves de Rhodan.
Talamon acabara de chegar.
Com os recursos de que dispunha, Rhodan poderia conquistar metade da Via Láctea,
quanto mais o inofensivo planeta de Swoofon. Era um absurdo que forçosamente deixaria
o regente perplexo.
Da Drusus, David Stern colocou Perry em comunicação com Talamon.
— Olá, Talamon! O senhor veio depressa.
— O regente mandou que me apressasse. Onde é que a coisa está pegando fogo?
— Desta vez é em Swoofon, Talamon.
— Será que por causa disso precisou chamar uma frota inteira? Não dispõe de três
couraçados invencíveis? O que é que está temendo, Rhodan? Não venha me dizer que são
os swoons!
Rhodan continuava a sorrir, mas Talamon não podia vê-lo.
— Às vezes uma cautela excessiva não é medo, velho companheiro de lutas. De
qualquer maneira, quero transmitir-lhe as instruções que deverá seguir. O sistema de
Swaft será fechado hermeticamente. Nenhuma nave poderá entrar ou sair. Isso é muito
importante. Swoofon deve ser isolado, a fim de que disponha do tempo necessário e
sossego para examinar um por um os saltadores que estão aqui. Nem mesmo um rato
deve escapar. Acho que fui suficientemente claro, não fui, Talamon?
— É claro que foi. Será que poderia saber...?
— Estamos procurando alguém — disse Rhodan em tom lacônico, dando a entender
que não desejava dizer mais que isso. Talamon conhecia-o bastante bem para não insistir.
— Está bem, Rhodan. Você é o chefe. Oportunamente poderemos conversar sobre a
necessidade de certas medidas, desde que não tenha qualquer objeção. Na minha opinião
sua cautela foi exagerada.
Rhodan esperou mais um pouco, mas o minúsculo alto-falante permaneceu em
silêncio.
— Ninguém consegue cumprir ordens sem formular perguntas supérfluas —
constatou. — Não fico zangado por Talamon ter agido dessa forma. Mas, dentro de pouco
tempo, o robô regente de Árcon participará do seminário de perguntas. Quando isso
acontecer, as coisas começarão a ficar críticas.
— Deixe este montão de lata por minha conta — sugeriu Gucky.
Rhodan lançou um olhar pensativo para a nave de Talamon; não respondeu à
sugestão que Gucky acabara de formular.
Começava a admirar-se por ter o regente — o maior computador positrônico da
Galáxia — enviado a frota por ele solicitada. Será que continuaria a cumprir o que
haviam combinado? Estaria sendo sincero? Rhodan tinha suas dúvidas.
— Vamos andando — disse depois de algum tempo. — Precisamos iniciar nosso
trabalho. Quanto a você, Gucky, desta vez poderá dar vazão à sua ânsia de agir. Você,
Kulman e Sengu procurarão, e terão de encontrar as instalações subterrâneas em que
deverá ser fabricado o goniômetro de compensação.
— Com muito prazer — disse Gucky com a indiferença de quem acaba de receber
ordem para comprar cinco pãezinhos na padaria da esquina.
2

Swatran ficava quase exatamente no equador. O dia de Swoofon durava cerca de


dezoito horas terranas. Portanto, o sol brilhava durante nove horas, enquanto durante as
nove horas restantes reinava uma escuridão completa.
Era meia-noite.
Gucky, Wuriu Sengu e Jost Kulman estavam de pé na praça principal da capital e
tomaram cuidado para não tropeçarem nos automóveis estacionados. Não foi muito
difícil, pois os homens-pepino fabricavam veículos que mediam até um metro de
comprimento. Acontece que os haviam estacionado sem luzes, em plena praça, no lugar
exato em que Gucky e os dois homens deveriam iniciar suas investigações.
— Aqui é muito quieto — disse o japonês com a voz insegura. — Será que os
swoons não têm vida noturna?
— Não — disse Kulman. — Os swoons gostam de dormir.
— Os que vivem no subsolo também? — perguntou Gucky.
— Também — confirmou Kulman, o agente que passara uma boa temporada em
Swoofon, por ordem do Império Solar. — Apreciam um estilo de vida simples e
tranqüilo.
— Fazem bem — disse Gucky em tom de admiração. — Estão satisfeitos com
aquilo que conseguiram, sentem-se bem, têm seu orgulho e sua ambição, mas não
exageram. Quase chego a ter inveja deles.
— De certa forma a gente poderia invejá-los — concordou Kulman, olhando em
torno. Até mesmo seus olhos possantes mal conseguiram romper a escuridão. — Estão
vendo alguma coisa?
Wuriu Sengu deu de ombros.
— Sou capaz de penetrar com minha visão em qualquer estrutura molecular e ver o
que está atrás dela, mas no escuro minha vista também falha. Vejo os swoons deitados em
suas camas, mas a visão é pouco nítida. O que vamos fazer?
Gucky segurou os dois homens pelos braços.
— Para que servem os amigos? Vamos começar pela face diurna. Terei muito prazer
em levar duas meias porções como vocês.
Acontece que as meias porções eram homens adultos, que tinham ao menos o dobro
do peso do rato-castor. Mas este conseguia carregar até dez vezes seu peso quando se
tornasse necessário levar alguém num salto de teleportação.
Houve um ligeiro tremeluzir, que não foi visto por ninguém. Logo após isso, a praça
principal estava vazia, com exceção dos automóveis estacionados.
Materializaram-se a milhares de quilômetros dali, no mesmo continente, um pouco
ao norte do equador. Kulman já lhes havia contado que a vida se concentrava
principalmente nas zonas contíguas à linha equatorial, visto que as outras zonas eram
muito frias.
Viram-se no centro de uma grande planície, limitada ao norte pelas montanhas e ao
sul pelo oceano. Ao leste e ao oeste avistava-se um grupo de colinas onduladas, que
parecia não ter fim.
Não se via o menor sinal de cidade ou povoação.
— É uma região abandonada — disse Gucky, contemplando o céu azul, cuja cor
quase chegava ao violeta. — O que estamos fazendo aqui?
— O lugar não é tão solitário — respondeu Kulman, apontando para o solo
pedregoso. — Por aqui os swoons vivem embaixo da terra. Não sei qual é a profundidade
em que ficam suas cidades subterrâneas, mas acho que não demoraremos em descobrir.
Se todas as fábricas são subterrâneas, aquela que se destina à fabricação do goniômetro
também deve ser.
Wuriu Sengu concentrou-se e recorreu às suas faculdades. Subitamente seus olhos
adquiriram uma estranha rigidez, enquanto fitavam o solo. Depois de algum tempo um
certo espanto desenhou-se em seu rosto. Começou a falar. Kulman e Gucky ouviram-no,
muito ansiosos.
— Há uma cidade, sob nossos pés. Fica a uns cinqüenta metros de profundidade e
foi construída num só nível. Mais embaixo da rocha natural há outra cidade, situada vinte
metros abaixo da primeira. Não; não é uma cidade, mas uma gigantesca fábrica. São
gigantescos pavilhões cheios de máquinas nas quais trabalham milhares de swoons. Meu
Deus, como são pequenos!
— Quem? — perguntou Gucky. — Os swoons?
— Não, os aparelhos que estão fabricando. Mal se consegue vê-los a olho nu.
— Eles sabem construir transmissores que podem ser guardados no buraco de uma
agulha — disse Kulman. — Vi verdadeiras maravilhas. Se fosse contar...
— Um momento! — disse Sengu, que não permitia que sua atenção se dispersasse.
— As instalações que ficam embaixo de nós são gigantescas. Não consigo vê-las de uma
só vez. Se continuarmos a usar este método, a busca demorará alguns meses. Será que
Rhodan pode esperar tanto?
— É claro que não — disse Gucky, fitando a rocha com uma expressão de inveja.
Tal qual Kulman, via a rocha e nada mais. Tudo que ficava abaixo da mesma era invisível
aos seus olhos.
Wuriu Sengu, o espia japonês, continuou:
— Têm estradas de ferro que ligam os diversos bairros da cidade e transportam as
mercadorias. Para onde, Kulman?
— Para as cidades situadas na superfície — informou o agente. — E para os
espaçoportos. É lá que são negociadas; em Swoofon praticamente não se produzem
alimentos. Ainda não consegui descobrir como viviam os swoons antes que fossem
descobertos pelos saltadores. Até hoje ninguém me disse.
— Acredito — disse o japonês — que as ruas sejam bastante largas. E os edifícios
também. Acho que deveríamos fazer uma visita à cidade. Parece que não teremos
dificuldade em deslocar-nos.
— Acontece que as entradas para as cidades subterrâneas são muito estreitas —
disse Kulman. — Já tentei.
— Vamos teleportar — disse Gucky com um súbito interesse. — Não haverá o
menor problema. Apenas, preciso conhecer a distância, pois do contrário poderemos
materializar-nos em plena rocha.
Mantiveram-se em silêncio, enquanto o rato-castor captava por via telepática os
impulsos mentais dos seres que viviam embaixo da superfície, a fim de estabelecer a
localização exata. Enquanto isso Sengu procurou um lugar em que pudessem aparecer
sem enfrentar maiores riscos. O melhor local que encontrou foi uma praça central, na
qual infelizmente o tráfego de veículos era muito intenso.
— Eles já sabem o que aconteceu — disse Gucky depois de algum tempo. — O
funcionamento de seu sistema de comunicação é excelente. Mas os fatos em nada
alteraram seu estilo de vida. Fazem de conta que não aconteceu nada.
— Daqui a pouco vão arregalar os olhos — anunciou Sengu, enquanto segurava o
braço do rato-castor. — Vamos, Kulman; o que está esperando? Gucky já pode saltar.
E Gucky saltou.

***

O vulto do saltador Drog deslocava-se cautelosamente pelo túnel de dois metros de


altura que ligava os dois laboratórios. Pisou sem o menor cuidado sobre os minúsculos
trilhos. Os grupos de reparos dos swoons teriam bastante trabalho.
O túnel estava bem iluminado, e o funcionamento do sistema de condicionamento
de ar era impecável. A brisa fresca não permitia que ninguém se sentisse sufocado no
subsolo.
Drog praguejava baixinho. Tinha de mover-se com a máxima cautela, pois do
contrário a gravitação reduzida faria com que fosse atirado para cima. Bastava que suas
pernas desenvolvessem um pouco de energia a mais, para que sua cabeça batesse no teto.
Isso já lhe havia acontecido uma vez, por isso costumava andar com a maior cautela.
Tinha uma tarefa a cumprir, e ele a cumpriria. Afinal, não permaneceria para sempre
neste planeta maluco, habitado por estranhas criaturas de tamanho reduzido, conhecidas
como os swoons, os melhores microtécnicos do cosmos.
O túnel descreveu uma curva e começou a subir levemente. O centro de projetos,
lugar em que deveria encontrar-se com Markas, não estava muito longe. Ainda hoje
chegariam a uma decisão sobre se o projeto logo seria levado avante ou não.
“Que diabo! Tenho de percorrer o trajeto a pé, porque os comboios são pequenos e
frágeis demais para transportar-me”, pensou.
Na superfície não havia maiores problemas, pois a gravitação reduzida favorecia a
locomoção. Mas ali embaixo as coisas eram diferentes.
Drog voltou a praguejar. A barba bem cuidada revelava que era um saltador, ao
passo que o jaleco branco o identificava como médico ou cientista. Acontece que os
únicos médicos eram os aras; logo, Drog era um técnico dos saltadores. Em seus olhos
não se notava a costumeira impetuosidade dos mercadores galácticos. Além disso, os
traços de astúcia e especulação estavam quase totalmente ausentes. Nos olhos de Drog
brilhava apenas “um pouquinho de futuro”, como diria Bell.
Aos pés de Drog, os trilhos voltaram a correr na vertical, e o túnel tornou-se mais
largo. Havia vários desvios, conforme costuma acontecer junto às estações. O teto tornou-
se mais elevado e as luzes mais numerosas. Drog conseguiu enxergar melhor.
Não demoraria a chegar ao destino.
Parou por alguns segundos para presenciar os trabalhos de carga de um trem que se
encontrava junto a uma rampa. A locomotiva, que não tinha mais de um metro de
comprimento e menos de cinqüenta centímetros de altura, puxava uns vinte vagões.
Na cabine viam-se dois swoons, que não se perturbaram com a presença do saltador.
Faziam o trem avançar a intervalos regulares, e paravam até que a fita condutora
enchesse mais um vagão. Drog não pôde ver o que estava sendo transportado. Por certo
seriam produtos da fábrica mais próxima. Talvez minúsculos aparelhos de televisão. Drog
sabia que as telas desses aparelhos não eram maiores que a unha de um dedo humano,
isto sem falar nas câmaras, que poderiam ser montadas perfeitamente na pedra de um
anel.
Prosseguiu até chegar a uma área livre, cercada por edifícios baixos. Para os swoons
eram construções respeitáveis. Mas Drog teve a impressão de tratar-se de simples
barracos.
Num dos edifícios haviam arrancado várias paredes e os tetos de alguns pavimentos,
para dar lugar a Drog. Ali o saltador podia andar livremente, sem recear a toda hora que
sua cabeça pudesse bater em algo.
Entrou na sala e com um suspiro de alívio sentou-se numa banqueta, que
originariamente fora uma cama de casal dos swoons. A pequena mesa havia sido
fabricada sob encomenda.
Markas já se encontrava presente. Embaixo do solo, a cor amarela de sua pele
parecia pálida e doentia, muito embora à luz do sol a cor dos swoons não fosse muito
diferente dessa.
A pequena criatura estava sentada sobre a mesa e estudava alguns papéis que eram
maiores que ele. Parecia haver alguns pontos obscuros, que gostaria de ver esclarecidos.
Drog levantou-se, foi a uma prateleira embutida na parede e pegou uma caixinha.
Tratava-se do costumeiro tradutor eletrônico, indispensável a qualquer tipo de
comunicação entre os swoons e os saltadores.
Colocou-o sobre a mesa e voltou a sentar.
— Então, Markas, examinou os desenhos? O que acha?
— Antes de formar um juízo definitivo, gostaria de fazer uma pergunta, saltador. O
aparelho se destina a finalidades bélicas?
Drog sacudiu a cabeça; parecia indignado.
— De forma alguma, Markas! Apenas servirá para localizar nossas frotas mercantes.
Já lhe expliquei que...
— O senhor me disse que isto representava um progresso na navegação espacial —
confirmou o pequeno swoon sem abalar-se. — É claro que não posso formar um juízo
sobre a veracidade de suas informações. Não me resta outra alternativa senão confiar na
sua afirmativa. Conforme sabe, qualquer material de guerra só pode ser fabricado com
licença expressa do regente. Não pretendo violar esta regra.
Por dentro Drog fervia de raiva, mas nem pensou em demonstrá-la. Os swoons eram
criaturas difíceis, que se melindravam por qualquer coisa. Quem quisesse conquistar sua
benevolência, teria de derramar-lhes bajulações. Não havia outra alternativa.
— Em toda a Galáxia não existe ninguém que seja capaz de construir este aparelho a
não ser vocês, Markas. Certas peças são tão pequenas que qualquer outra criatura só
poderia manipulá-las com um microscópio. Vocês não precisam de um microscópio para
enxergá-las. Só vocês podem ajudar-nos. Saberemos recompensá-los condignamente.
— Não é só disso que se trata — asseverou o swoon em tom enérgico e com um
orgulho indisfarçável. — O senhor ainda não respondeu à minha pergunta relativa ao
robô regente.
— É claro que o regente não tem nenhuma objeção à construção deste aparelho, que
passará a ser produzido em série, caso se consagre na prática. Não sei o que poderia ter
contra isso?!
— Hum — fez Markas e dirigiu seus olhos salientes sobre o saltador. — Será que o
senhor pode explicar por que o regente mandou isolar o sistema de Swaft e confiscou
todas as naves dos saltadores estacionadas em Swoofon?
Drog empalideceu. A ponta da barba começou a tremer.
— O quê? — exclamou. — O que foi que o senhor disse? Então Árcon... Não é
possível!
— Pois veja com seus próprios olhos — disse Markas e saltou da mesa. Desceu
devagar a apoiou-se sobre os seis membros. Saltitou em direção à parede, onde se via um
pequeno quadro de comando. Uma tela, que começava a meio metro do solo, cobria uma
área de cerca de um metro quadrado. — Temos uma ligação direta para Swatran, a
capital.
A tela começou a iluminar-se. Drog teve de abaixar-se para enxergar melhor.
— Aqui o senhor vê parte do espaçoporto — falou Markas.
As imagens projetadas sobre a lâmina convexa adquiriram contornos nítidos,
oferecendo uma visão bastante real dos objetos. Só se via parte das gigantescas esferas
espaciais dos arcônidas. Alguns dos robôs de combate haviam sido desembarcados e
montavam guarda, com as armas energéticas levantadas, prontas para disparar. Fora
disso, o campo de pouso parecia deserto.
As câmeras giraram, abrangendo outro setor do espaçoporto.
— Como vê — prosseguiu Markas em tom indiferente — as peças de artilharia dos
couraçados espaciais estão apontadas para as naves dos saltadores, que por isso mesmo
não têm a menor possibilidade de evadir-se. Árcon ordenou que nenhuma nave poderá
decolar. Além disso, o inspetor Rhodan anunciou...
— Como é mesmo o nome do inspetor? — exclamou Drog, estreitando os olhos. —
Rhodan?
— Isso mesmo. O senhor o conhece?
— O nome não me parece estranho — disse Drog, revirando desesperadamente a
memória. — Gostaria de saber onde já o ouvi.
Refletiu por alguns segundos e sacudiu a cabeça.
— Se não estou enganado, o nome Rhodan está ligado a certos acontecimentos que
provocaram muita agitação. Mas isso já faz muito tempo. Bem, ainda hei de me lembrar
— levantou os olhos. — Os arcônidas deram qualquer informação sobre o motivo das
medidas por eles adotadas?
O pequeno swoon atravessou a sala e pôs-se a lidar com os controles de um pequeno
transmissor. Executou um estranho movimento com os quatro membros superiores, como
se quisesse dizer: Por que dirige esta pergunta a mim?
— Pensei que o senhor soubesse — disse. — É bem possível que Árcon não
concorde inteiramente com o aparelho que nos foi encomendado.
— Por que não haveria de concordar?
— Pois com ele, os inimigos de Árcon seriam... — começou o saltador num
momento de irreflexão, mas logo reconheceu seu erro. — O que quero dizer é que...
— Obrigado — disse o swoon com uma ligeira satisfação na voz. — O senhor acaba
de trair-se. Sei perfeitamente que no íntimo seu povo nos despreza, e só nos trata de igual
para igual porque precisa dos nossos préstimos. Os swoons são os melhores
micromecânicos do...
— Não há ninguém que não saiba apreciar este fato, e ninguém preza os swoons
tanto quanto nós — disse Drog em tom patético, mas sem muita convicção. — Os mal
entendidos surgem em qualquer tipo de relacionamento, e um bom amigo sempre deve
procurar esclarecê-los.
— É o que estou fazendo — respondeu Markas, girando os olhos, gesto que
equivalia a um aceno de cabeça.
Voltou a manipular os controles. Depois de algum tempo, uma pequena tela
iluminou-se, e nela surgiu o rosto de outro swoon. O tradutor eletrônico de Drog ainda
estava em funcionamento, motivo por que pôde acompanhar a palestra.
— Há alguma novidade, Habrog?
O swoon que aparecia na tela fez um gesto afirmativo.
— Há, sim, Markas. Árcon está à procura de um criminoso e tem motivo para supor
que ele se encontra em Swoofon. Dizem que é um saltador.
— Hum — fez Markas e lançou um olhar para Drog. — O que foi que esse saltador
fez?
— Sobre isso não temos nenhuma informação — respondeu Habrog. — Os decanos
de Swatran falaram com o inspetor de Árcon, mas a única coisa que conseguiram saber
foi que estão à procura de um criminoso. Deram-se por satisfeitos com isso. Não temos
nada a ver com o caso.
— Ainda bem — disse Markas, encerrando a palestra e desligando o aparelho.
Lentamente virou o rosto em direção a Drog: — Não é impossível que se trate desse
goniômetro, saltador. Enquanto não tiver certeza a este respeito...
— Acontece que já pagamos uma entrada, Markas — falou Drog, esticando as
palavras. — O senhor não pode romper o contrato! Além disso, garanto-lhe que não
temos nada a ver com o criminoso procurado.
Markas hesitou um pouco. De repente disse:
— Está bem; acredito no que está dizendo. Tomarei todas as providências para que o
primeiro modelo seja construído e experimentado o quanto antes. Acho que concordarão
em colocar uma das suas naves à nossa disposição, para a realização da experiência.
Basta montarmos o novo goniômetro na mesma, sairmos para o espaço e mandar saltar
outra nave com o compensador ligado. É isto que o senhor quer?
— Exatamente — respondeu Drog em tom alegre e levantou-se. Já estava com as
costas doloridas. — Posso voltar à superfície e comunicar aos meus chefes que o senhor
manifestou sua concordância definitiva?
— Perfeitamente — disse o swoon em tom compenetrado. — Pode fazer isso.
Ao chegar à porta, Drog perguntou:
— Já tem alguma idéia sobre o lugar em que será fabricado o aparelho? Não seria
conveniente concentrar a produção numa única instalação?
— Isso já foi previsto nos nossos planos, saltador.
O rosto de Drog iluminou-se.
— Suponho que seja aqui.
— Não, será duas horas de vôo ao norte. Depois de estudarmos os planos que o
senhor nos entregou, julgamos conveniente instalar a fábrica num local isolado. Todas as
peças serão fabricadas lá. De resto, tudo que for necessário poderá ser trazido de outro
lugar. Temos uma linha ferroviária subterrânea.
Drog parecia um tanto decepcionado, mas nem pensou em dar vazão à sua
contrariedade.
— Muito bem. Nesse caso eu me instalarei por lá. Conforme já é do seu
conhecimento, fui nomeado chefe de construção do projeto.
— Quem foi que o nomeou? — perguntou Markas em tom indiferente.
Não obteve resposta, pois apenas viu as costas largas de Drog desaparecerem pela
porta, que ocupava dois pavimentos do edifício.
Dali a dois segundos, as sereias de alarma soaram em seu setor.
3

Assim que se materializaram, uma força irresistível comprimiu-os contra o solo.


Gucky teve mais sorte, pois ainda conseguiu manter-se de pé no corredor baixo.
Sengu e Kulman, porém, tiveram que abaixar-se e foram parar em posição agachada.
— Tivemos azar — disse Kulman, esfregando a nuca. — Viemos parar num canal
de transporte. Sinto os trilhos.
— Raramente erro nos cálculos — disse Gucky em tom indiferente. — Mas desta
vez aconteceu.
— É o que estamos vendo — disse o japonês em tom distraído, esforçando-se para
orientar-se. Fitou a parede abaulada do túnel, que foi atravessada por seus olhos. — Esta
área é muito interessante!
— Gostaria de saber o que existe de interessante por aqui?! — indagou Gucky
admirado. — Estamos embaixo da terra, e é só.
— Este túnel não é o único — objetou Sengu, sem diminuir a concentração. Sentado
e encostado à parede, fitava a rocha em frente. — Deve haver uma rede completa de
túneis deste tipo, que liga as cidades e as fábricas. Se não tivesse estado na superfície,
chegaria à conclusão de que os swoons vivem exclusivamente no subsolo.
— É o que acontece com algumas de suas nações — observou Kulman, que afinal
devia estar informado sobre isso. — São especialmente aquelas que vivem nas áreas mais
afastadas do equador. Além disso, as fábricas costumam ser construídas sob a superfície.
Muitas vezes tive a impressão de que os swoons procediam assim para eliminar qualquer
possibilidade de espionagem.
— É um motivo bem plausível — disse Sengu, passando a concentrar-se em outro
setor daquele reino subterrâneo. — Dificilmente alguém poderia molestá-los por aqui.
Até nós tivemos dificuldade em chegar ao lugar em que nos encontramos.
Os olhos de Gucky já se haviam acostumado à escuridão, que não chegava a ser
completa porque ao longe havia uma luz no teto. Parecia que essa iluminação era
considerada suficiente para esse trecho dos trilhos. Provavelmente nem se contava com a
possibilidade de que pessoas não autorizadas pudessem andar pelos túneis.
De repente, Gucky teve a impressão de estar ouvindo um ruído.
Aguçou o ouvido na direção da lâmpada, que ficava pelo menos a uns trezentos
metros. Naquela direção, o túnel descrevia uma curva. Na verdade, ouviu um ligeiro
sussurro e teve a impressão de que os trilhos tremiam sob seus pés.
— Um trem está chegando! — disse Sengu de repente, lançando os olhos pelo túnel.
— Está a uns dois quilômetros, mas desenvolve uma velocidade bastante elevada. Vamos
embora, Gucky. Temos de saltar.
— Para onde? — perguntou Gucky com a voz tranqüila. — O trem chegará até aqui
antes que eu termine meus cálculos. E não vou arriscar-me a saltar para um cano de
esgoto ou para um alto-forno. Tivemos sorte em parar neste túnel.
— Mas o trem...
— Ele não nos fará nada — prometeu o rato-castor. — Os swoons são indivíduos
pequenos e suas locomotivas não devem ser muito grandes. Se necessário, deterei o trem
com a mão esquerda. Mas isso não é necessário. Afinal, para que serve minha capacidade
telecinética? Sengu, avise-me quando estiver na hora.
— Está na hora — disse Sengu, que viu a luz do teto apagar-se. — O trem
aproxima-se numa velocidade considerável. A máquina de tração é grande; tem mais de
um metro de comprimento. Será que você consegue detê-la?
Gucky já havia segurado objetos muito maiores. Certa vez, fizera um caça espacial
de propulsão atômica descrever acrobacias no ar, contra a vontade do piloto.
“Esse Sengu sabe muito bem que consigo deter uma locomotiva de brinquedo...”,
pensou o rato-castor.

***

Rulf-On, que há dez anos percorria regularmente o trecho entre as fábricas da área
norte e a cidade de Gorla, abaixou devagar a chave, para que o trem desenvolvesse a
velocidade máxima. Tinha diante de si mais de duzentos quilômetros. Evidentemente que
as unidades de medida dos swoons eram outras, diferentes das dos terranos ou dos
arcônidas, mas a extensão do trecho, devidamente convertida, corresponderia a essa
distância.
Havia mais uma curva, e depois dela haveria uma reta que chegava quase até o
ponto de destino.
Rulf-On lançou um olhar sobre o velocímetro e estacou.
— Caramba, o que estaria havendo de errado? A esta hora, a velocidade deveria ser
muito maior. Entretanto cai rápida e assustadoramente. Uma pane no interior desse túnel
estreito seria um acontecimento nada agradável! — comentou admirado.
Rulf-On puxou a alavanca do acelerador para trás e voltou a empurrá-la para a
potência máxima. Nesse instante, a energia deveria fluir dentro da máquina e o trem daria
um verdadeiro salto para a frente.
Mas nada disso aconteceu!
Pelo contrário. O trem parou e começou a andar para trás. Não ia com muita
velocidade e parecia mover-se a contragosto.
Foi por puro acaso que naquele instante Rulf-On olhou para a frente. Teve a
impressão de, na luz forte da locomotiva, perceber uma sombra gigantesca deitada nos
trilhos. Não, não era apenas uma sombra, mas várias. Talvez três.
Pelo tamanho só poderiam ser dos saltadores ou mercadores galácticos. O que é que
estes poderiam procurar aqui embaixo? E como vieram parar neste lugar? O túnel levava
diretamente para Gorla. Será que os saltadores — se é que realmente eram seres desta
raça — rastejaram até aqui? Por quê? Muitos deles podiam andar à vontade pelas fábricas
subterrâneas. Por que estariam dando tamanha volta?
É claro que Rulf-On não encontrou resposta a estas perguntas, ainda mais que se
defrontava com outro problema, que evidentemente havia de interessá-lo muito mais: por
que de repente o trem passou a andar em marcha à ré?
Infelizmente não conseguiu resolver nem mesmo este problema, pois, dali a poucos
minutos, chocou-se com um trem de carga que se deslocava na direção em que ele
seguira antes. Felizmente o cargueiro mal começara a sair do lugar. De qualquer maneira,
o choque foi tão violento que Rulf-On perdeu os sentidos e só os recuperou bem mais
tarde, no hospital.
Perguntaram-lhe por que andara em marcha à ré.
Mas a mesma pergunta, ele já havia formulado em vão a si mesmo.

***
— Não sei se a melhor solução foi esta — disse Sengu.
— O que poderíamos fazer? — perguntou Gucky, um tanto sentido. — Vocês
deveriam ficar satisfeitos por não terem sido atropelados por este veículo dos “pepinos”.
Afinal, a única coisa que eu poderia fazer era mandá-lo de volta.
— Deste jeito nunca chegaremos ao ponto que queremos — interveio Kulman. —
Precisamos conversar com os cientistas dos swoons, para descobrir alguma coisa sobre o
aparelho que pretendem fabricar. Podemos apresentar-nos como delegados do Império.
— Será que não somos? — indagou Gucky, que parecia estar indignado. — Estamos
agindo por conta de Rhodan, um dos representantes do Império de Árcon.
— Está bem; vamos agir — disse Sengu. — A estação da qual partiu este comboio
fica a três quilômetros daqui. Vamos rastejar para lá?
— Agradeço — disse Kulman sem fazer um movimento. Olhou para Gucky.
O rato-castor suspirou.
— Procurarei estabelecer a localização exata do ponto de destino; depois saltaremos.
Não gosto de passeios prolongados, ainda mais nas circunstâncias em que nos
encontramos.
Dali a cinco minutos, materializaram-se em meio a uma imensa área de oficinas,
iluminada por fortes lâmpadas. Em todos os lugares viam-se edifícios, cujos telhados
chegavam a tocar a rocha. Considerando o tamanho reduzido dos swoons, concluía-se
que estas instalações subterrâneas representavam um projeto gigantesco. Havia
verdadeiras estradas, onde veículos dos mais diversos tipos corriam velozmente de um
lado para outro. As fitas transportadoras traziam os swoons aos locais de trabalho e
levavam-nos para casa. Os numerosos entroncamentos mostravam que havia um tráfego
intenso entre a estação, as cidades e as fábricas vizinhas. Tudo aquilo parecia um
brinquedo superdimensionado, construído bem embaixo da superfície.
— Nunca estive aqui embaixo — disse Kulman. — Não quiseram mostrar-me o
caminho para suas fábricas.
— Isso é perfeitamente compreensível — disse Sengu. — Têm medo de que uns
gigantes como nós pisemos em suas instalações. Afinal, temos aproximadamente seis
vezes o tamanho deles, o que já é alguma coisa.
— Tenho apenas três vezes o tamanho deles — disse Gucky. Ao que parecia, sentia-
se um tanto contrariado. — Tomara que não se espantem quando me virem. Por enquanto
só devem conhecer os arcônidas e os saltadores.
Suas presenças já haviam sido notadas.
Seria de supor que o aparecimento repentino daqueles três seres deveria provocar
uma tremenda agitação, ainda mais que não havia qualquer ligação direta com a
superfície.
Entretanto os swoons mantiveram uma atitude relativamente calma.
Alguns deles saltaram das fitas transportadoras e desapareceram nos edifícios mais
próximos. Outros aproximaram-se e, muito curiosos, pararam a uma distância adequada,
olhando-os como se nunca tivessem visto um ser humano. Nos seus rostos não se lia o
pânico, mas apenas a sede do conhecimento. Via-se que gostariam de saber o que aqueles
seres que, segundo acreditavam, eram saltadores, vieram fazer por ali.
Um swoon um pouco maior — deveria ter seus trinta e cinco centímetros —
adiantou-se e sinalizou com os quatro braços. Kulman pegou o tradutor eletrônico e
abaixou-se. Levantou cuidadosamente o swoon, que parecia ocupar posição de destaque,
pois seus semelhantes demonstravam certo respeito para com ele.
Assim que o swoon estava bem acomodado no braço de Kulman, este começou a
falar:
— Quero oferecer-lhe meus respeitosos cumprimentos. Peço perdão se os
assustamos. Um motivo muito importante obrigou-nos a entrar aqui sem prévio aviso.
— Por onde entraram? — indagou o swoon. — O elevador está parado há várias
horas, por falta de energia. Não podem ter vindo...
— Descobrimos outro caminho — disse Kulman, esquivando-se a uma resposta
direta. — Quem procura um criminoso não pode desprezar nenhuma possibilidade.
Suponho que já esteja informado sobre a ação que o Império vem desenvolvendo neste
planeta.
— Apenas ligeiramente — disse o swoon, demonstrando tristeza. — Só sei que
algumas naves pousaram no planeta e bloquearam-no. Não conheço os motivos.
— Estamos à procura de um homem — explicou Kulman. — Este sujeito só pode
encontrar-se em Swoofon. Ele é o motivo das medidas por nós adotadas. Assim que o
encontrarmos, tudo poderá seguir seu curso normal. Será que poderia apresentar-nos a um
dos principais técnicos ou cientistas da cidade? Precisamos de algumas informações que
o senhor talvez não possa nem queira dar.
— Sou engenheiro de rádio; não ocupo nenhum posto dirigente. Talvez fosse
preferível levá-los primeiro ao prefeito. Ele poderá providenciar o resto.
— E os elevadores de carga? — lembrou Kulman.
O swoon parecia sorrir.
— As comunicações na cidade continuam a funcionar. O defeito atingiu apenas os
elevadores que nos ligam à superfície. Peço-lhes que se dirijam para aqueles portões.
Kulman e Sengu caminharam à frente. Na retaguarda, ia Gucky. Seguia
tranquilamente pela rua de um metro de largura, tendo sempre o cuidado de não entrar em
contato direto com nenhum dos swoons que o fitavam com olhos curiosos.
Gucky penetrou nos pensamentos dos swoons, mas não descobriu nada de novo.
Eram inofensivos. Apenas estavam espantados e mostravam-se curiosos para saber o que
aqueles enormes estranhos vieram fazer em seu reino subterrâneo. Lá na superfície as
coisas eram diferentes. Mas esperavam que ao menos aqui embaixo esses gigantes
fossem deixá-los em paz.
— Os elevadores ficam ali — disse o swoon que se encontrava nos braços de
Kulman, apontando em direção a uma parede. — Daqui a poucos minutos estaremos na
cidade.
Esta previsão se concretizou. Na cabine do elevador, cabia uma pessoa de cada vez.
Gucky seguiu por último, juntamente com o swoon. O rato-castor leu os pensamentos de
seu pequeno acompanhante e teve o desprazer de descobrir que acreditavam que fosse
uma espécie de cão de fila. O swoon não concebia a idéia de que poderia tratar-se de um
ser inteligente.
Gucky ficou muito aborrecido. Resolveu que oportunamente preencheria de forma
bastante enfática esta lacuna cultural dos swoons.
Ao contrário do que acontecia na extensa área da fábrica, na cidade o tráfego era
bastante intenso. As ruas relativamente estreitas estavam cheias de carros e pedestres. O
swoon que acompanhava o grupo não teve outra alternativa senão alarmar a polícia, que
bloqueou as ruas que conduziam à residência do prefeito. Os pedestres recolheram-se às
casas. Os veículos estacionados retiraram-se às pressas.
— O caminho já está livre — disse o swoon, voltando ao braço de Kulman. Parecia
que gostava do lugar. — O prefeito já foi avisado. Caso estejam interessados em saber
meu nome, sou Waff, da equipe de engenharia.
— É muito longe, Waff? — perguntou Kulman.
— Levaremos apenas alguns minutos para chegar à casa do prefeito. Tomem
cuidado para não danificar nada. Procurem caminhar no meio da rua. O prefeito está à
espera de vocês no jardim.
— No jardim? — perguntou Sengu. — Aqui embaixo existem jardins?
— Não se esqueça — disse Kulman em tom indiferente — de que o tradutor
eletrônico reproduz apenas o sentido literal das palavras. Os swoons não conhecem um
prefeito no sentido que nós atribuímos ao termo. E a palavra jardim talvez não seja a
designação adequada para uma simples reprodução artificial do mundo existente na
superfície. Provavelmente encontraremos apenas rochas nuas e um areal. De qualquer
maneira, será uma recordação da natureza de Swoofon; e é tudo que se poderá desejar.
Esta previsão confirmou-se.
Atravessaram um “portão” de cerca de cinqüenta centímetros de largura e um metro
de altura, e chegaram ao jardim do prefeito. Depararam-se com um céu azul estranho e
verificaram que apenas se tratava de uma imitação fiel. Até o sol estava presente. Um
pequeno regato descrevia curvas em meio a uma área arenosa entremeada de rochas
“íngremes”. Aquela área livre era cercada pelos muros das casas vizinhas.
O prefeito, um swoon pequeno e franzino, já os esperava. Sentado num minúsculo
banco, fitava-os com os olhos curiosos.
A palestra que se seguiu foi conduzida principalmente por Kulman. Afinal, era ele
quem possuía mais experiência com os habitantes de Swoofon.
Sengu acomodou-se numa rocha, que para o prefeito deveria ser uma espécie de
elevação com visão panorâmica, enquanto Gucky se manteve bem quieto junto ao regato,
sem tirar os olhos do swoon. Sua mente trabalhava intensamente. Sentiu-se dominado por
uma simpatia inexplicável pelos graciosos swoons. Se dependesse dele, teria levado para
a Drusus dois ou três desses seres.
Naquele momento, nada indicava que os swoons se interessassem em sair de sua
cidade. Sentiam-se bem sob a superfície. Ali realizavam um trabalho que lhes
proporcionava um certo conforto, uma relativa opulência e, principalmente, o respeito das
outras inteligências do Império.
Kulman também estava sentado numa pedra e conversava com o prefeito. Procurou
explicar ao mesmo que estavam à procura de um homem impossível de ser descrito,
porque mudava constantemente de aspecto. Às vezes se parecia com um arcônida ou um
ara. Era um mestre exímio na arte de mascarar-se e modificava seu aspecto exterior à
vontade. Seu objetivo, asseverou Kulman com o rosto mais sério deste mundo, consistia
em dominar a Galáxia.
— Evidentemente terei muito prazer em ajudar, mas não sei o que este homem
estaria fazendo em Swoofon. De qualquer maneira, acho que os senhores não demorarão
em concluir sua tarefa neste planeta, pois aqui existem muito poucos humanóides. Não
levarão muito tempo para examiná-los.
— Somos da mesma opinião — disse Kulman e fez de conta que se sentia aliviado.
— Acontece que em Swoofon um fugitivo teria ótimas oportunidades para esconder-se
nas cidades subterrâneas. Seria muito difícil visitar todas elas. Já tivemos de enfrentar um
problema para chegar até aqui.
— Como conseguiram? — perguntou o swoon.
— Tivemos sorte — disse Kulman. — Peço-lhe que me diga como posso saber onde
existem saltadores nestas cidades e fábricas subterrâneas.
O swoon entrou no assunto.
— Por aqui vive um único saltador. Trata-se de um técnico chamado Drog. Já está
aqui há muitos anos e por isso dificilmente poderia ser a pessoa que estão procurando.
Não é verdade?
— Não há dúvida. Mas não queremos excluir nenhum saltador. Onde podemos
encontrar o tal do Drog? Talvez ele possa fornecer-nos alguma indicação.
— Geralmente encontra-se nas fábricas. Quem poderá ajudá-los neste ponto é Waff,
que conhece Markas.
— Quem é Markas?
— É um dos nossos cientistas mais competentes na área da microeletrônica. Lida
diretamente com Drog e com os outros saltadores que negociam conosco. Acho que não
posso fazer mais nada pelos senhores. Por favor, acompanhem Waff. Aliás... — hesitou
um pouco. Um brilho estranho surgiu em seus olhos. — É estranho... Outros saltadores
devem ter penetrado na cidade. Um dos nossos comboios sofreu um acidente bastante
estranho. Foi detido por algum processo de teledireção e enviado de volta à estação.
Quase houve um desastre. O maquinista diz ter visto dois ou três saltadores no túnel.
Lançou um olhar atento para Kulman, mas este soube dominar-se muito bem.
— Hum... Talvez estejamos na pista correta — disse. — Perguntaremos a Markas se
conhece algum amigo do tal do Drog. Queira aceitar nossos respeitos, senhor prefeito.
Ficaríamos satisfeitos se graças a seu auxílio conseguíssemos...
A despedida prolongou-se por dez minutos, durante os quais foram trocadas
fórmulas de cortesia. Finalmente conseguiram retirar-se. O caminho de volta ao elevador
transformou-se numa verdadeira sensação para os habitantes da cidade, mas devido ao
apoio eficiente da polícia os três visitantes e Waff não demoraram em chegar ao destino.
Desceram pelo elevador.
Na praça, da qual partiam as estradas que davam para as fábricas, Waff disse:
— Quero pedir-lhes que esperem aqui. Se me acompanharem, a confusão será
tremenda. Procurarei Markas e o trarei para cá.
Gucky leu nos pensamentos do engenheiro e descobriu que estava dizendo a
verdade. Fez um sinal quase imperceptível para Kulman.
— Esperaremos — disse Kulman e sentou-se numa pilha de chapas de plástico.
Seguiu Waff com os olhos e disse: — Não sei o que estamos fazendo por aqui.
Procuramos uma pessoa que não existe.
Gucky deitou no chão de concreto.
— Não. Buscamos alguma coisa que existe — retificou com a voz aguda e exaltada.
— Estamos catando o swoon e o saltador que lidam com o goniômetro de compensação.
Você descobriu a pista, Kulman. Procure não perdê-la.
— Todos os indícios apontam para esta cidade, Gucky — respondeu Kulman,
falando devagar. — Quando estive no planeta, falei com alguns técnicos que trabalhavam
na superfície. Afirmaram-me que o “homem” que dá as ordens reside aqui e vai muitas
vezes a Gorla. Talvez seja o tal do Drog, talvez seja outro. Os mesmos técnicos me
disseram também que um conjunto de cavernas completamente novo, ao qual não têm
acesso, deverá abrigar as novas instalações. Não tenho a menor idéia sobre o andamento
dos trabalhos.
— Não será difícil descobrir, Kulman. Sou telepata e os pensamentos de um saltador
ou de um swoon não são nenhum segredo para mim.
O rato-castor olhou na direção do edifício em cujo interior Waff havia desaparecido.
— Estão chegando.
Sengu e Kulman viram Waff surgir na porta em companhia de um swoon franzino;
para as condições reinantes no planeta a porta era muito alta. Um homem vinha atrás
deles. Devia ser Drog.
Gucky manteve-se imóvel, à espreita. Já estava captando os impulsos mentais dos
indivíduos que se aproximavam. Fez um sinal quase imperceptível para Kulman.
— Ouvi dizer que os senhores estão atrás de um criminoso — disse Drog, assim que
se viu à frente do grupo. — Meu nome é Drog. Já me encontro em Swoofon há dez anos,
por conta de meu clã. Não tenho nada a ver com a pessoa que estão procurando.
— Ninguém afirmou que tivesse — respondeu Kulman. — Não suspeitamos do
senhor. Acontece que fomos incumbidos de fazer uma investigação geral. Caso as
indicações que o senhor acaba de fornecer correspondam ao resultado das pesquisas a
serem realizadas, o senhor evidentemente estará acima de quaisquer suspeitas.
Kulman fez de conta que a palestra estava concluída. Mas o saltador sentiu-se tão
aliviado que viu naquilo uma agradável quebra da monotonia. Sorriu.
— Já querem retirar-se? Contem o que há de novo no Império.
Kulman teve a impressão de que Drog queria evitar a todo custo que o swoon que
atendia pelo nome de Markas pudesse dizer alguma coisa.
— Por que Árcon mandou isolar e ocupar um mundo pacífico como este?
— Sinto muito, mas não posso informar os motivos. Por favor, volte para seu
trabalho. O senhor devia estar ocupado, não é?
Gucky não se movia. Em seus fiéis olhos surgiu um lampejo de satisfação.
— Não estava fazendo nada de importante — disse Drog com uma risada. Até
parecia que a idéia de que pudesse estar ocupado o divertia. — Uma pausa não faz mal a
ninguém.
Markas abriu caminho junto a Drog e dirigiu as atenções para sua pessoa. Falou alto
em sua língua, e o tradutor eletrônico transmitiu sua mensagem em voz clara:
— Meu nome é Markas. Sou o cientista que dirige este setor. Tenho algumas
perguntas, e ficar-lhes-ei muito grato se quiserem responder. Trata-se de...
Gucky interrompeu-o com a voz estridente:
— Não viemos para responder às suas perguntas, swoon — Kulman e Sengu
lançaram um olhar perplexo para o pequeno rato-castor.
Por que resolvera intervir na palestra? Por que o swoon não deveria formular
perguntas? Mas quando notaram o olhar de Gucky, que parecia pedir que não se
intrometessem, resolveram ficar calados.
— Estamos à procura de um criminoso e não temos nada a ver com os seus
problemas — prosseguiu o rato-castor. — Poderia ter a gentileza de mostrar o caminho
que conduz aos elevadores?
Markas mostrava-se visivelmente decepcionado; já Drog estava contente, e mal
conseguiu disfarçar sua satisfação. Estava radiante, e lançou um olhar de triunfo para
Markas. Seus olhos pareciam dizer: Viu como esses encarregados do Império são pessoas
muito arrogantes?
— Como queira — soou a voz no tradutor eletrônico.
Além de decepcionado, Markas sentia-se muito ofendido. Os estranhos não
demonstravam o necessário respeito por sua pessoa e, por isso mesmo, não havia motivo
para perder tempo com eles.
— Queiram seguir-me — falou em tom indiferente.
Drog deu de ombros.
— Talvez tenham sorte e encontrem o criminoso, seja ele quem for. Peço licença
para retirar-me.
— Pois não — disse Kulman, que já começava a desconfiar do motivo que levara
Gucky a intervir na palestra de forma tão afrontosa.
O rato-castor certamente conseguira descobrir uma coisa importante e não queria
que se falasse a este respeito na presença do saltador.
— Fique à vontade — completou. Drog afastou-se, abaixou-se um pouco e
desapareceu pela porta do edifício que ficava à sua frente. Podia ficar tranqüilo. Os
enviados de Árcon eram arrogantes a ponto de não se interessarem pelo que um pequeno
swoon tinha a dizer. Markas acabara de levar um fora. E, pelo que ele, Drog, conhecia
dos swoons, poderia afirmar que o cientista não faria outra tentativa de falar sobre o
goniômetro de compensação.
Markas, que caminhava à frente do grupo, disse aos seus acompanhantes:
— Não sei quando os elevadores que levam à superfície voltarão a funcionar. Até lá
poderão considerar-se hóspedes da cidade. Waff cuidará dos senhores — ao que parecia,
não tinha a menor vontade de perder seu precioso tempo com aqueles desconhecidos. —
Acho que não temos mais nada a falar.
— Pois o senhor está muito enganado — disse Kulman. — Tenho certeza de que
este nosso companheiro — apontou para Gucky — gostaria de fazer-lhe algumas
perguntas. Não é verdade, Gucky?
O rato-castor fez um gesto afirmativo e olhou em torno.
— Onde poderíamos conversar bem à vontade, Markas? — abaixou-se e levantou o
swoon. — Desculpe minha grosseria, mas a presença do saltador obrigou-me a cometê-la.
Explicarei tudo.
— Quem é você? — perguntou Markas. — Não é nenhum humanóide.
— Não sou mesmo. Até um cego vê isso — disse Gucky e apontou para a estação
ferroviária, na qual desembocavam inúmeros túneis. — Poderia ser lá?
Andando bem abaixados, penetraram alguns metros do túnel. Kulman disse:
— O que pretende fazer, Gucky? Não venha me dizer que quer ir a Gorla a pé.
— Tenho o aspecto de quem gosta de caminhar? — perguntou o rato-castor em tom
irônico. — Não perderemos tempo; logo estaremos ao ar livre. Markas é o homem, bem,
o swoon, que procuramos. É o cientista responsável pelo projeto do goniômetro de
compensação. Acredito que contará tudo que sabe a este respeito.
Waff e Markas fitaram-se com um ar de perplexidade, pois o tradutor eletrônico
reproduzira fielmente o sentido das palavras de Gucky. Depois de algum tempo Markas
gaguejou:
— Como foi que o senhor... como foi que você soube?
— Sou telepata — disse Gucky. — Vamos ver como devemos fazer para saltar à
superfície.
Ao contrário da teleportação para as profundezas desconhecidas, o salto para a
superfície foi uma brincadeira. Por isso, demorou menos de dois minutos até que os dois
homens, os dois swoons e Gucky se vissem em pleno deserto, sob os raios do sol que já
se aproximava da linha do horizonte. Logo após a rematerialização procuraram orientar-
se.
Nesse instante, o rádio de pulso de Sengu emitiu um zumbido. O fato de que o som
cresceu e diminuiu três vezes significava que a mensagem era da maior importância.
4

O cargueiro interestelar Ramo VII era comandado por Alban, um arcônida do clã
dos Ozol. Fazia vários decênios que Alban conduzia sua nave cilíndrica pelas rotas mais
ou menos conhecidas, realizando a troca de mercadorias por ordem de Árcon. Desta vez
levara sua carga ao sistema de Swaft, onde deveria trocar a mesma por importantes peças
microeletrônicas.
Era a primeira vez que Alban estava em Swoofon. Mas o estranho planeta, com os
habitantes ainda mais estranhos, já lhe era conhecido através dos catálogos arcônidas e
dos relatos dos saltadores. Não poderia deixar de confessar que se sentia curioso para ver
pessoalmente os swoons.
Tanto maior foi sua surpresa quando, no momento em que efetuava a transição que o
levaria do hiperespaço ao espaço normal, foi detido por uma nave esférica.
Evidentemente conhecia o tipo, pois os girinos eram modelos arcônidas.
De início, Alban nem pensou em obedecer à ordem que na sua opinião constituía um
absurdo total. Afinal, seu cargueiro era uma nave do Império. Ninguém tinha o direito de
detê-la. Mas quando viu um pálido feixe energético passar rente à proa de sua nave,
decidiu outra coisa. Ligou os campos gravitacionais e desacelerou o suficiente para que o
girino pudesse encostar. Imediatamente um comando subiu a bordo da Ramo VII e pediu
que o levassem ao comandante.
Alban aguardou os piratas, que foi como chamou aquelas pessoas, na sala de
comando. Não se esquecera de colocar um radiador no cinto do uniforme. Isso reforçava
sua autoconfiança.
No primeiro instante, sentiu-se perplexo ao reconhecer dois saltadores e um
arcônida, que foram conduzidos à sala de comando pelos tripulantes de sua nave. Já não
compreendia mais nada.
— Qual é a finalidade de sua viagem ao sistema de Swaft? — perguntou o arcônida
em tom áspero. — Qual é seu porto de matrícula?
Alban teve de esforçar-se para não perder o autodomínio.
— Sou Alban, comandante da Ramo VII. Meu porto de matrícula é Árcon II. O que
lhe deu na cabeça para deter-me? Quem é o senhor?
— Quem faz perguntas somos nós, Alban. Limite-se a responder. Infelizmente não
podemos permitir que pouse em Swoofon. Ninguém poderá perturbar a ação que estamos
desenvolvendo nesse planeta. Swoofon está completamente bloqueado e é considerado
área interditada.
— Posso saber o motivo?
— Infelizmente não, Alban. Apenas cumprimos um pedido do enviado do regente.
Nossa frota recebeu ordens para deslocar-se para este local. Também viemos de Árcon.
Alban sacudiu a cabeça.
— Não compreendo. Também venho diretamente de Árcon, onde recebi ordens para
trocar certos produtos por outros fabricados pelos swoons. O negócio foi fechado há
muito tempo. E agora vêm os senhores e me dizem que não posso pousar! Há algo de
errado nisso.
Os dois saltadores e o arcônida há tempo tinham a mesma impressão, mas
evidentemente não iriam transmiti-la ao seu interlocutor. As ordens do regente não
admitiam qualquer tipo de oposição.
— Não podemos decidir sobre isso, Alban. Apenas lhe pedimos que retorne. Se
preferir, pode esperar fora do sistema.
— Não tenho tempo para isso! — disse Alban, sacudindo a cabeça num gesto
obstinado. — Voltarei a Árcon e solicitarei uma entrevista com o regente. Talvez ele me
informe por que motivo uma ordem tão importante como a que me foi dada é anulada de
uma hora para outra. Posso pedir-lhes que se retirem de minha nave?
Aguardou pacientemente que os três homens saíssem de bordo. Depois mudou de
rota e efetuou uma transição, em direção a Árcon.
A raiva de que se sentia possuído era tamanha que esqueceu todas as etiquetas.
Teria algumas perguntas a fazer ao gigantesco computador positrônico, que era o
regente do Império. E não teria papas na língua.

***

Os conceitos do tempo e do espaço, ligados ao da distância, já pertenciam ao


passado. Cinco horas após ter sido detido perto de Swoofon, o arcônida já se encontrava
na sala de recepção do regente de Árcon.
Uma hora depois, o receptor de hiper-comunicação da Drusus emitiu um sinal c uma
voz mecânica disse que desejava falar com Rhodan. O operador de rádio que estava de
plantão recorreu ao intercomunica-dor, a fim de transferir a ligação para a sala de
comando, e avisou o imediato, uma vez que Sikermann achava-se de folga. Rhodan
também não se encontrava na sala de comando: estava dormindo. A curta noite de
Swoofon estava chegando ao fim; o novo dia já ia raiando ao leste.
No momento em que ouviu o sinal do telecomunicador, Rhodan teve um
pressentimento de que teria de tomar uma grande decisão. Já aguardara por este
momento, mas sentia-se grato ao destino por lhe ter concedido uma noite de descanso.
— Aqui fala Rhodan. O que houve, Major van Aafen?
— A sala de rádio anuncia uma mensagem de hipercomunicação. Vem de Árcon.
Quer que a ligação seja transferida para seu camarote?
— Irei até aí, major. Faça o favor de avisar Bell e Crest. Peça-lhes que compareçam
à sala de rádio. Diga-lhes que devem apressar-se.
Vestiu ligeiro o uniforme, e saiu para o corredor mergulhado numa penumbra. O
elevador antigravitacional mais próximo levou-o ao corredor circular. Dali a vinte
segundos, entrou na sala de rádio.
Teve de dar mais cinqüenta passos para colocar-se à frente da tela de
hipercomunicação, na qual se destacava, firme e nítida, a imagem do regente, uma
gigantesca esfera metálica que descansava sobre uma superfície plana. Seria inútil
formular conjecturas sobre as dimensões prováveis daquela figura.
— Pode fazer a ligação — disse Rhodan, dirigindo-se ao operador de rádio.
— Está feita.
Rhodan recuou um passo para que a câmera pudesse focalizá-lo. Sabia que o regente
podia vê-lo, tal qual ele o via.
— Deseja falar comigo, regente?
— Você me enganou. Solicitou o apoio de uma frota de guerra para assaltar um
sistema solar inofensivo. Eu supunha que se tratasse de uma ação dirigida contra nosso
inimigo invisível, que nos tem atingido, vindo de outro plano temporal. Mas, em vez
disso, você está perturbando nosso comércio com um mundo pacífico. Não compreendo
por que solicitou o envio de uma frota de guerra, pois apenas a sua já bastava para
solucionar problemas até mais difíceis. Acredito que queira envolver-me numa coisa pela
qual não quer assumir a responsabilidade exclusiva.
— Fizemos um acordo, regente — respondeu Rhodan em tom frio e respirou
aliviado quando viu Crest e Bell entrarem na sala de rádio.
Preferia que houvesse testemunhas enquanto falava com o computador-regente.
— Segundo esse tratado, posso dispor incondicionalmente de seu poderio, desde que
precise dele e lhe faça uma solicitação nesse sentido. Muito bem; você atendeu ao meu
pedido e enviou Talamon. E agora vem me dizer que eu violei o acordo. Como posso
entender uma coisa dessas?
— Você entende perfeitamente, terrano. Nosso acordo referia-se apenas à luta contra
os invisíveis. Não o autorizava a interferir nos assuntos internos de Árcon. E é o que está
fazendo.
Uma desconfiança começou a surgir na mente de Rhodan. Por que o regente estava
tão interessado em que Swoofon fosse deixado em paz? Será que sabia do projeto do
goniômetro de compensação, que lhe permitiria descobrir a posição da Terra? Será que o
aparelho estava sendo construído por ordem do regente?
— Nosso acordo não se restringiu à luta contra os invisíveis, regente. Teve em vista
uma colaboração em todos os setores. Se for violado sob qualquer aspecto, ficará sem
efeito.
— Minha opinião é diferente, Rhodan. Devemos cumprir o acordo, tendo sempre
em vista o que diz respeito aos invisíveis. Por isso, peço-lhe que se retire de Swoofon e
não interfira nas nossas rotas vitais de comércio. Darei ordem a Talamon para que retorne
imediatamente a Árcon. Os invisíveis poderão voltar a atacar a qualquer momento. E
quando isso acontecer devemos estar preparados, Rhodan.
“Você sabe perfeitamente que o perigo que ameaça a Via Láctea é extremamente
grave. Um plano temporal diferente está penetrando no nosso. Em muitos pontos, já
existe uma interseção entre as duas dimensões. Os invisíveis existem em outra dimensão
temporal, vivem segundo seus padrões, que são muito mais lentos que os nossos. Se não
conseguirmos expulsá-los, deixaremos de existir. Será que você já se esqueceu disso,
terrano? Seu mundo também está ameaçado; pouco importa onde fique.”
— Sei perfeitamente, regente — respondeu Rhodan, lançando um olhar
tranqüilizador para Crest e Bell. — Estamos criando uma arma contra os seres da outra
dimensão temporal. Conseguiremos penetrar em seu reino e estabelecer contato com eles.
Não pense que ficamos inativos. A atuação que desenvolvemos em Swoofon é necessária.
Do contrário não me teria lançado na mesma. Então; qual é sua decisão?
— Você já a conhece. Talamon voltará para Árcon, e você abandonará o sistema de
Swaft.
Rhodan acenou lentamente com a cabeça.
— Está bem; mas antes tenho de resolver um assunto particular. Depois de
solucioná-lo, Swoofon será liberado e todas as naves. Voltarei a entrar em contato com
você, regente. De qualquer maneira, nossos aparelhos levam à conclusão de que dentro
em breve haverá outro ataque dos invisíveis. Espero que seja o último.
— Um assunto particular?
— Isso mesmo: Você entendeu o que eu disse — respondeu Rhodan e fez um sinal
ao operador de rádio.
A imagem do regente desapareceu da tela, pois o contato foi interrompido de
repente. Bell suspirou e disse:
— Você não acha que está sendo muito duro com ele?
— Com o regente? — perguntou Rhodan em tom de espanto. — Desde quando você
tem compaixão com um computador? Ainda me lembro do tempo em que...
— Sim. Isso foi naquele tempo. Mas tive a impressão de que hoje o robô se mostrou
muito acessível. De qualquer maneira, já teve de conformar-se com uma grande perda de
prestígio.
— Bell tem razão — interveio Crest. — Se um belo dia o regente perdesse a
paciência e renunciasse do acordo que celebrou conosco, seríamos prejudicados.
Rhodan soltou uma estrondosa gargalhada.
— Ora, Crest! Você só pode estar brincando. Afinal, foi o regente que manifestou o
desejo de celebrar o acordo. Não terá pressa em renunciá-lo, enquanto existir o perigo
invisível vindo de outra dimensão temporal. Pelo menos já sei que não está sendo muito
sincero conosco. Quer descobrir a posição da Terra e para isso recorre a tudo quanto é
truque. Acredito que o maior truque que está usando seja Swoofon. Bem, vamos fazer-lhe
a vontade. Vou deixá-lo fabricar o goniômetro de compensação.
— Não pretende destruir os planos, Perry? — perguntou Bell assim que se
recuperou da surpresa.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Não. Um belo dia seriam elaborados outros planos. Ninguém consegue deter a
evolução; já falamos a este respeito. Pelo menos já sei que o regente sabe da existência
desse goniômetro. Teremos de ser mais espertos que o regente, os saltadores e os swoons
reunidos. Venha comigo, Crest. Quero fazer-lhe algumas perguntas. Bell, procure entrar
em contato com Gucky. Diga-lhe que deve voltar imediatamente com Sengu e Kulman,
mesmo que não tenha conseguido nada de positivo.
— Sim senhor! — Bell fez uma continência exagerada e dirigiu-se ao operador de
rádio. Rhodan e Crest dirigiram-se à sala de comando.
Dali a dez minutos, Gucky materializou-se no interior da Drusus, juntamente com
dois swoons, e logo voltou a desaparecer sem qualquer explicação, para buscar Kulman e
Sengu. Depois disse em tom de triunfo:
— O Tenente Gucky acaba de retornar de sua missão juntamente com os mutantes
Sengu e Kulman. Trouxe dois desertores do inimigo: o engenheiro Waff e Markas, chefe
da equipe científica que trabalha com o projeto do goniômetro de compensação.
Agachou-se sobre as patas traseiras e fitou Rhodan, Bell, Crest e os oficiais da
Drusus. Encontrava-se entre os dois swoons que pareciam “pepinos maduros”; um sorriso
cobria seus rostos esquisitos. Parecia realmente que haviam brotado no chão metálico da
sala de comando e apenas esperavam que alguém os colhesse.
Gucky assustou-se quando os homens soltaram uma estrondosa gargalhada, que não
foi maliciosa, antes cordial e amistosa.
Era claro que a gargalhada de Bell foi a mais forte e a mais demorada.
Markas ofereceu o relato, e o quadro foi se completando.
Como sempre, Crest mantinha-se em silêncio num dos cantos da sala. A seu lado
estava Atlan, cujos olhos, que pareciam olhar para além do tempo, simbolizavam
reflexão. Gucky acomodou-se no sofá e ficou com os olhos semicerrados. Waff, o
pequeno swoon, estava sentado em seu braço e contemplou as pessoas ali reunidas com
uma expressão de interesse.
Rhodan, Bell, Marshall e Kulman estavam sentados em torno de uma mesa sobre a
qual estava sentado Markas, que respondia com a maior solicitude a todas as perguntas
que lhe eram dirigidas, falando para dentro do tradutor eletrônico. Não compreendia tudo
que acontecia em torno dele, nem desconfiava das circunstâncias que causavam tamanha
dor de cabeça a Rhodan. Limitou-se a dizer o que sabia.
— ...de forma que resolvemos utilizar um setor até então abandonado do enorme
recinto, para que oportunamente pudesse ser iniciada a fabricação em série do novo
goniômetro. Os trabalhos de construção da fábrica estão em pleno andamento. Assim que
o modelo experimental tenha sido testado, a produção poderá ter início.
— Em que região fica a fábrica? — Rhodan empurrou um mapa para o swoon. —
Aqui fica Swatran, a maior cidade do planeta. O senhor consegue orientar-se?
O swoon olhou para o mapa; hesitou um pouco.
— Praticamente não conheço a superfície, porque tenho vivido principalmente no
subsolo, onde nasci. Mas acho que poderei orientar-me com base nas ferrovias
subterrâneas registradas no mapa. Pelo que diz, Kulman obteve as respectivas
informações durante sua permanência no planeta — passou o minúsculo braço com os
dedos supersensíveis pelo mapa. — Isto deve ser a cidade de Gorla. Esta é a linha que a
liga à minha cidade. É mais ou menos aqui — seu braço escorregou para o norte — que
fica o lugar em que está sendo instalada a fábrica de goniômetros.
— Onde estão os planos de fabricação do aparelho? — perguntou Rhodan.
— Estão trancados num cofre, no meu escritório. Drog e eu somos as únicas pessoas
que têm a chave. Aliás, são duas chaves. Ele tem uma e eu tenho outra. O cofre só pode
ser aberto com as duas chaves.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Já conheço a história; um não confia no outro — ficou refletindo por algum
tempo. — O senhor acredita que poderia ceder-me os planos por algum tempo?
O swoon hesitou. Não sabia exatamente qual era o papel que estava sendo
desempenhado por Rhodan e seus amigos. Estariam realmente agindo por conta do
Império? Se fosse assim, por que não se apresentavam abertamente?
Gucky, que continuava no sofá, disse:
— Conte tudo, Rhodan. Markas só poderá ser nosso amigo se confiarmos nele.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Está bem, Markas. Eu lhe contarei a verdade. O goniômetro de compensação terá
por fim descobrir a posição de meu mundo. Árcon quer localizar meu planeta e destruí-lo.
Quem está mais interessado nisso são os saltadores. Celebrei um acordo com Árcon, mas
o regente não fez muita questão de cumpri-lo, embora um terrível perigo ameace toda a
vida da Via Láctea. Estou interessado em ver os planos de fabricação do goniômetro para
informar-me sobre algumas das suas características. Mais que isso: tentarei construir um
aparelho capaz de neutralizar o novo goniômetro. Quero que as raças inteligentes do
Universo conservem ao menos um restinho de vida privada. Tudo depende do senhor,
Markas. O senhor é o único que poderá ajudar-nos. Não podemos obrigá-lo a isso.
— Estou disposto a ajudar, pois os senhores são muito diferentes dos saltadores que,
embora precisem de nossos serviços, não sentem outra coisa senão desprezo por nós. Se
Árcon estiver interessado no goniômetro para travar uma guerra, prefiro destruir os
planos.
— Isso seria um erro — disse Rhodan. — Não há nenhum inconveniente em que o
novo goniômetro seja fabricado, desde que tenhamos alguma certeza de que
conseguiremos criar um meio de defesa. Para isso precisamos dos planos, que logo
depois serão recolocados no mesmo lugar.
— Como farei para trazê-los? — perguntou Markas, que a essa hora já estava
totalmente convencido.
Rhodan sorriu.
— Meu amigo Gucky irá com o senhor. Como já deve ter percebido, as distâncias
não representam nada para ele, já que é um teleportador.
— E Drog? O que posso fazer para que me dê sua chave?
— Nosso mutante André Noir irá com os senhores. Drog fará qualquer coisa que o
senhor deseje. Acredita em mim?
O swoon fez um gesto afirmativo. Estava com o rosto muito sério.
— O senhor tem amigos poderosos. Pode fazer muitas coisas de que os outros
humanóides não são capazes. Seu mundo deve ser um lugar fantástico e certamente
dispõe de um poder extraordinário.
Rhodan inclinou-se para a frente.
— Quer vê-lo?
Markas adiantou-se um pouco e fitou o terrano.
— Sim, estou interessado em conhecer seu mundo. É muito extenso? Será que
poderíamos viver lá? Será que se formos nunca mais poderemos voltar para Swoofon?
— É um risco que o senhor terá de assumir, Markas. Mas garanto-lhe que no planeta
Terra o senhor terá uma vida boa e segura. Cuidarei disso. Quem sabe se o quarto planeta
do sistema solar não poderá vir a ser seu mundo? As condições reinantes ali são
semelhantes às de Swoofon. Ainda falaremos a este respeito. Por enquanto devemos
cuidar dos planos do goniômetro. Quando deseja ir buscá-los juntamente com Gucky e
Noir?
— Agora — disse o swoon em tom decidido.
— Pois partam imediatamente — decidiu Rhodan.

***

Drog voltou a desligar o rádio.


Ainda levou alguns minutos fitando a tela apagada, na qual há pouco vira o rosto
enérgico de um poderoso saltador. As instruções eram inequívocas. Devia apressar-se.
Não poderia perder um segundo que fosse. Ao que parecia, Perry Rhodan, o terra-no,
estava desconfiando de alguma coisa. Provavelmente a história do criminoso foragido era
apenas um pretexto para revistar Swoofon em busca dos planos do novo goniômetro.
Todavia, isso não passava de suposição.
No entanto, o surgimento da frota de guerra de Árcon parecia ser uma prova de que
o regente concordava com os atos de Rhodan. De outro lado, Talamon já se retirara com
seu couraçado espacial. Só Rhodan ficara para trás, com as três naves gigantescas e a
frota de pequenas naves auxiliares.
Drog sacudiu os ombros.
Pouco importava o que o tal do Rhodan estivesse tramando; se quisesse obter os
planos do novo goniômetro, sofreria uma amarga decepção. E quanto a Markas, que
desaparecera de repente...
Drog não gostava dos swoons, mas não podia deixar reconhecer que eram os
melhores técnicos da Via Láctea. Ninguém seria capaz de fabricar as peças minúsculas do
aparelho com tamanha rapidez e precisão. Precisavam dos swoons, quer gostassem deles,
quer não.
Claro que Drog conhecia a futura fábrica e sabia qual era sua posição. Utilizaria a
única linha férrea para chegar lá e levaria os preciosos planos. Markas ficaria com cara de
bobo se voltasse e não o encontrasse mais. De qualquer maneira, não poderia abrir o
cofre.
Mas ele, Drog, podia. Possuía uma duplicata da chave de Markas.
Satisfeito por ter encontrado uma solução que seria do agrado de seus chefes, Drog
realizou uma ligeira ronda de inspeção e entrou no escritório de Markas, onde passou a
lidar com o cofre, que não era muito maior que uma caixa postal, mas fora feito de aço
arcônida indestrutível.
A porta abriu-se, deixando à mostra o interior do cofre. Os planos estavam
guardados numa pasta marrom.
Drog pegou a pasta, voltou a fechar o cofre e foi à estação, onde pediu ao
coordenador do tráfego que preparasse o quanto antes um transporte para a nova fábrica
de goniômetros.
Dali a uma hora, estava confortavelmente deitado em dois vagões acoplados. A
pasta marrom serviu-lhe de travesseiro. Sorriu satisfeito ao contemplar o teto de rocha do
túnel, que parecia deslizar para trás a uma velocidade cada vez maior.
Se necessário, cumpriria a tarefa sem o auxílio de Markas. Tomaria todas as
providências para que o primeiro goniômetro pudesse ser testado ainda naquela semana.
5

Os elevadores de carga já estavam funcionando, motivo por que Gucky, Noir e


Markas puderam voltar à cidade subterrânea pela via usual.
Os três indivíduos ofereceriam uma visão estranha e assustadora para os habitantes
daquele mundo. Noir, o terrano, era o maior do grupo; usava o uniforme do Império Solar
e estava armado com um radiador portátil. A ele seguiu-se Gucky, o rato-castor, que não
usava qualquer roupa e tinha um metro de altura. E ainda havia Markas, uma pequena
criatura com o aspecto de pepino. Embora o aspecto exterior dos três indivíduos fosse
muito diferente, eles se igualavam em inteligência e senso de responsabilidade. Eram
seres de origem totalmente diversa, não tinham nenhum parentesco, mas pareciam
pertencer ao mesmo grupo. Não estavam ligados por um planeta, nem por um sistema
solar, mas eram todos habitantes da Via Láctea, que achava-se ameaçada por um perigo
terrível.
O elevador foi descendo. Oferecia lugar para os três, motivo por que chegaram
juntos aos arrabaldes de Gorla. Prosseguiram imediatamente e, dentro de poucos minutos,
encontravam-se na estação ferroviária com a qual Gucky já estava familiarizado.
Alguns swoons lançaram-lhes olhares curiosos, mas Markas mandou que
prosseguissem com seu trabalho, dizendo-lhes algumas palavras tranqüilizadoras. Mesmo
aqui embaixo os saltadores não eram nenhuma novidade. Apenas Gucky provocou
alguma sensação, que em outra oportunidade certamente teria alegrado bastante o rato-
castor.
Mas, a essa hora, as atenções dos curiosos swoons começaram a incomodá-lo.
Dirigindo-se a Markas, disse:
— Precisamos descobrir o quanto antes o tal do Drog. Noir lhe aplicará seu
tratamento. É um hipno, e saberá impor sua vontade ao saltador.
Markas saltitou pela estrada que dava para a fábrica, esforçando-se para acompanhar
Noir e Gucky que, por sua vez, “arrastavam-se”, a fim de deixá-lo satisfeito.
— Daqui a pouco estaremos lá. E no meu escritório descobriremos onde está Drog.
Noir não teve qualquer dificuldade em entrar no edifício de escritórios
especialmente adaptado. Sentou na mesma banqueta que Drog costumava usar. Gucky
olhou em torno. Seus olhos caíram no cofre embutido.
— É lá que estão os planos? — perguntou.
Markas disse que sim.
— Só precisamos de Drog. Pensei que estivesse aqui. Um momento.
Dirigiu-se à parede e manipulou os controles da instalação de rádio, que o ligavam a
todos os pontos da fábrica e ao mundo exterior. Depois de poucos segundos, conseguiu
estabelecer contato com a central.
— Queira informar onde se encontra o saltador Drog.
— Há duas horas o saltador saiu do setor NH/K/075, depois de ter ordenado a
formação de um comboio destinado a NH/K/078. Viajou nesse comboio. Quer que
procuremos entrar em contato com ele?
Markas parecia indeciso; viu o olhar de Gucky.
— Obrigado; não é necessário.
Interrompeu a ligação e olhou para trás.
— E agora? — perguntou em tom de perplexidade. — O que poderia ter levado
Drog a antecipar para hoje sua viagem à fábrica de goniômetros? O que pretende fazer
lá?
— Estou mais interessado em saber como poderemos pôr as mãos nos planos —
disse Noir. — Para abrir o cofre, precisamos da chave dele.
— Nesse caso teremos de procurar Drog — murmurou Markas em tom de
desânimo.
— Por quê? — perguntou Gucky. — Preste atenção, Markas. Como é o fecho do
cofre: eletrônico ou mecânico?
— O cofre tem uma fechadura eletrônica e uma fechadura mecânica — disse o
swoon. — Será impossível abri-lo sem a chave, se é a isso que está aludindo. Aqui se faz
muita questão de que ninguém possa roubar os planos.
— Isso é perfeitamente compreensível — disse Gucky enquanto contemplava o
cofre com os olhos reluzentes. — Acho que poderia ser um excelente abridor de cofres.
Quer dizer que existe uma fechadura eletrônica? Acho que conseguirei, desde que
consiga descobrir os contatos do relê. Assim que a corrente passar pelo mecanismo, o
cofre se abrirá. O trinco mecânico será mais fácil de remover.
— Como? — perguntou Markas em tom de espanto.
Noir explicou:
— Já ouviu falar em telecinese, Markas? — disse. — Trata-se de fluxos de energias
transmitidos pelo cérebro de um mutante e que são capazes de mover porções de matéria
situadas em outro lugar. Gucky é um telecineta.
O swoon fitou o rato-castor com uma veneração cada vez mais intensa.
— É telepata, teleportador e, além de tudo, ainda telecineta? Gucky é mesmo uma
criatura muito poderosa!
O rato-castor sentiu-se satisfeito com a admiração que lhe foi tributada, mas logo
voltou a dedicar-se àquilo que importava.
— Posso pedir silêncio absoluto? Tentarei abri-lo. Não deverá demorar mais que
alguns minutos...
Noir e Markas recuaram alguns passos, deixando Gucky só à frente do cofre. O rato-
castor concentrou-se e suas ondas cerebrais foram penetrando cautelosamente na
confusão de comandos eletrônicos que vedavam o acesso aos obstáculos mecânicos, e
que teriam de ser removidos.
Assim que escutou o primeiro estalido, o corpo de Gucky descontraiu-se, mas não
fez nenhuma pausa. O único ruído que se ouvia era a respiração de Noir. Markas
mantinha-se rígido e imóvel, como se realmente fosse um pepino incapaz de sair do lugar.
Ouviu-se outro estalido. Gucky disse:
— Agora...
A porta abriu-se.
Markas soltou um pio de alegria e admiração. Saltitou através da sala
superdimensionada e colocou-se ao lado de Gucky. Ambos olharam para dentro do cofre.
— Então? — perguntou Noir, que também se aproximara. — Onde estão os planos?
São de formato reduzido?
Markas adiantou-se mais um passo. Quase chegou a entrar no cofre. Ao virar-se,
disse:
— Estavam aqui, mas desapareceram. Drog e eu somos as únicas pessoas que
possuem a chave, e o cofre só pode ser aberto com ambas as chaves. Não compreendo.
— Pois eu compreendo — disse Gucky com a voz zangada. — Drog possuía uma
duplicata de sua chave, Markas. Ele o enganou. Ou melhor, enganou a todos nós. E
agora?
O swoon controlou-se com uma rapidez extraordinária. Lançou mais um olhar para
o cofre vazio e sugeriu:
— Se Drog furtou os planos, teremos de procurá-lo. Sabemos onde está. O que
estamos esperando?
Gucky olhou para Noir.
— Até parece que Markas pode ensinar-nos alguma coisa! — exclamou. — Tem
toda a razão. O que estamos esperando?
Preferiram não utilizar um dos trens que trafegavam constantemente de um lugar
para outro. Um salto de teleportação levou-os de volta à superfície, onde voltaram a
orientar-se. Noir havia trazido o mapa, no qual Markas registrou cuidadosamente o ponto
em que ficavam as instalações subterrâneas da fábrica de goniômetros. Depois Gucky não
teve a menor dificuldade em atingir o local por meio de dois saltos de teleportação, um
deles horizontal, pela superfície, e outro vertical, que os levou às profundezas.
Materializaram-se num pavilhão quase vazio, cujo teto e soalho consistiam em rocha
nua. Parecia muito alto para as condições reinantes em Swoofon, mas logo se lembraram
que ali seriam construídos os aparelhos que um dia deveriam ser instalados nas imensas
naves dos saltadores Além disso, era de esperar que, assim que fosse iniciada a produção,
os saltadores mantivessem constantemente observadores no local.

***

Drog nem desconfiou do desastre que se aproximava, embora sentisse que alguma
coisa não estava em ordem. Era bem verdade que seu nervosismo se tornara bem menor
depois que conseguira apoderar-se dos preciosos planos. Sabia que eram os únicos
exemplares, com exceção dos originais. E estes estavam muito bem guardados num
pequeno planeta dos mercadores galácticos.
Já se convencera de que esse bloqueio ordenado por Rhodan, por conta de Árcon,
constituía um fato muito mais importante do que parecera de início. Ninguém isolaria
todo um sistema para procurar um único homem. Além disso, o desaparecimento de
Markas começava a preocupá-lo.
Saiu do vagão, deu um berro para espantar alguns swoons e seguiu pela estrada
ainda em construção que levava aos pavilhões da fábrica. Um dia seu escritório ficaria
ali. Poderia perfeitamente instalar-se desde já, da melhor forma possível.
Os swoons, que vinham ao seu encontro, desviavam-se apressadamente assim que o
viam. Não parecia que o saltador, que para eles era um verdadeiro gigante, tivesse a
intenção de dispensar-lhes qualquer consideração. Já haviam sofrido experiências
dolorosas com aquela raça.
Drog não deu a menor atenção aos swoons. Ainda teria tempo de exprimir-lhes seu
respeito, quando precisasse deles, e desde que fizessem questão disso. De qualquer
maneira seria uma mentira.
À sua esquerda havia uma parede metálica, atrás da qual ficava um pavilhão da
fábrica.
Deixando-se guiar por um impulso repentino, Drog saiu do caminho que vinha
seguindo e, passando por um portão muito baixo, penetrou no pavilhão. Teve de abaixar-
se para não bater com a cabeça.
— Oportunamente mandarei modificar isso — disse em tom furioso e estacou de
repente. Por pouco não deixa cair a pasta que trazia embaixo do braço.
À sua frente — ou melhor, embaixo dele — estava Markas!
Drog reconheceu-o imediatamente, embora não fosse fácil distinguir os swoons.
Infelizmente não havia a menor possibilidade de comunicação, pois não dispunha de um
tradutor.
— Saia do meu caminho, verme nojento! — berrou Drog.
Apavorado, Markas tapou as orelhinhas. Confiava no rato-castor, que se mantinha
escondido nos fundos do pavilhão, juntamente com Noir. Embora não entendesse uma
palavra daquilo que o gigante acabara de gritar, imaginava o significado. Mas parou
obstinadamente. Numa das mãos — a rigor a extremidade dos braços com os dedos
finíssimos não poderia merecer este nome — exibiu a chave do cofre ao saltador.
Drog compreendeu imediatamente.
— Ah, é por causa dos planos? O azar é seu, meu caro; estão comigo. Aliás, o que é
que você tem com os mesmos? Onde andou por tanto tempo?
Lembrou-se de que o swoon não poderia compreendê-lo e aborreceu-se por estar
perdendo tanto tempo.
“Por que o anão não cuidou logo da construção do primeiro modelo do goniômetro,
conforme haviam combinado?”, pensou e apontou para a saída.
— Venha comigo. Preciso falar com você.
O swoon não poderia deixar de entender o gesto, mas não saiu do lugar. Drog
estendeu a mão para pegar Markas, mas estacou em meio ao movimento.
Alguma coisa invisível exercia uma pressão súbita sobre seu cérebro, comprimia sua
consciência e começou a eliminar sua vontade. Sentiu uma dor suave. O pavilhão
começou a girar diante de seus olhos, mas não perdeu os sentidos. Percebeu
perfeitamente o que lhe aconteceu nos minutos seguintes, mas não teve condições de
resistir.
Dos fundos do pavilhão vieram duas criaturas; uma delas tinha o tamanho dele,
enquanto a outra tinha apenas a metade desse tamanho. Já conhecia esse bicho esquisito.
Gucky manifestou seu desagrado.
— Acha que sou um bicho — disse, dirigindo-se a André Noir e sacudindo a cabeça.
— Pensei que este mercador fosse mais inteligente. Ainda não conhece Gucky!
Noir não se deixou distrair. Suas vibrações cerebrais estenderam-se a plena potência
em direção à consciência do saltador e eclipsaram-na. Sem que o outro soubesse, assumiu
seu espírito e seu sistema nervoso, e com isso também seu corpo. Tratava-se de um tipo
de hipnose, muito mais eficiente e duradoura que os outros procedimentos desse tipo. Os
comandos eram transmitidos por via telepática e o destinatário os executava sem a menor
vacilação.
— Dê-me a pasta com os planos — ordenou Noir.
Gucky já lhe havia dito o que continha a pasta.
Drog obedeceu.
— Venha conosco!
Nos minutos seguintes, encontraram-se com vários swoons, principalmente na rua,
mas nenhum deles estranhou a presença do saltador que caminhava ao lado de Markas,
chefe da equipe científica, além de um estranho ser peludo e de outro sujeito. Todos
conheciam Drog, que agia de forma completamente diversa das outras vezes em que era
dono de sua vontade.
Markas parou à frente de uma porta.
— Aqui ficam os escritórios da administração. Um deles foi instalado especialmente
para Drog. Acho que é o lugar mais adequado. Quanto tempo teremos de esperar?
— Acho que não demorará muito — respondeu Gucky. — Saberei encontrar
sozinho e depressa o caminho para a nave. Rhodan poderá examinar os planos e copiá-
los. Dentro de meia hora, estarei de volta. Até lá terão de cuidar de Drog; ainda é cedo
para soltá-lo.
— Não há nenhum problema — disse Noir, que não desgrudava do saltador.
Quando puderam fechar a porta e se viram sós, suspiraram aliviados. Os olhares
indagadores e curiosos dos inofensivos e bondosos swoons que andavam pela rua tinham
se tornado quase insuportáveis. Embora não vissem nada de estranho no comportamento
de Drog, a presença do grupo dava o que pensar. E Noir não poderia erradicar a memória
de todos, como fizera com Drog.
— Pode começar, Noir — disse Gucky e fez um sinal para que Markas se
aproximasse. — Veja só, baixinho, como este saltador vai contar tudo que desejamos
saber.
Noir conduziu Drog a um canto, depois de ter entregue a pasta a Gucky. O rato-
castor examinou-a, a fim de verificar se os planos realmente estavam na mesma. Markas
confirmou a autenticidade dos projetos.
Assim que Noir iniciou seu “tratamento”, os olhos de Drog adquiriram uma
estranha rigidez e pareciam dirigir-se para longe. Manteve-se imóvel, como se estivesse
paralisado.
— Quem mandou construir o goniômetro de compensação? — perguntou Noir.
A resposta foi imediata:
— O regente de Árcon.
— Quem o inventou?
— Um dos nossos cientistas; não conheço o nome.
Não havia a menor dúvida de que estava dizendo a verdade.
— Qual será o montante da produção?
— O goniômetro de compensação deverá ser montado em todas as naves do
Império, a fim de que nenhum salto possa ser efetuado sem a devida localização. O
objetivo principal consiste em encontrar a Terra, planeta natal de Rhodan.
— É por isso que a fabricação será secreta?
— É principalmente por isso. Ainda acontece que o aparelho terá peças muito
pequenas e extremamente sensíveis, que só poderiam ser construídas pelos swoons. Mais
tarde, a fábrica será transferida para um dos planetas pertencentes aos saltadores.
Noir lançou um ligeiro olhar para Markas e perguntou:
— Com a concordância dos swoons?
— Levaremos um grupo dos mesmos.
— Tudo isso será feito por ordem do regente?
Drog respondeu sem a menor hesitação:
— Não; esta idéia é minha. O clã ao qual pertenço adquirirá o monopólio de
fabricação. Oportunamente os planos serão destruídos.
— E o inventor? Os planos originais?
Drog sorriu como quem se deleita num belo sonho.
— Tomamos nossas providências para que a vida do inventor não seja muito longa.
Assim que o novo goniômetro tenha sido testado, o inventor, cujo nome não conheço,
morrerá. Os planos também serão colocados em nossas mãos e destruídos. Ninguém
poderá agir contra nós, pois nesse caso não haverá nenhum goniômetro de compensação.
Noir lançou um olhar para Gucky. O rato-castor soltou um suspiro.
— É um verdadeiro complô — constatou. — E um complô que atingiria até o
Império de Árcon. Estragaremos a festa deles, conforme costuma dizer Bell. Bem, o que
sei já basta. Esperem aqui até que eu volte. Não demorarei.
Noir e Markas confirmaram com um gesto. O swoon já se acostumara com o gesto
afirmativo dos humanos. Aprendia com uma rapidez extraordinária.
O rato-castor desmaterializou-se e saltou para a superfície. Depois concentrou-se na
sala de comando da Drusus e para sua surpresa foi parar justamente no colo de Bell, que
estava sentado no sofá, ao lado de Sikermann.
— Pare de gritar! — pediu Gucky ao amigo, que estava muito assustado, e
escorregou para o chão, segurando firmemente a pasta. — Onde posso encontrar o chefe?
Rhodan já ouvira Gucky. O rato-castor foi atingido por um impulso mental, antes
que Bell tivesse tempo para responder.
— Não se preocupe, gorducho — disse Gucky em tom tranqüilizador e caminhou
em direção à porta. — Rhodan já me espera.
Logo desapareceu.
Bell fitou a porta fechada e enxugou o suor que lhe corria pela testa.
— Ainda terei um ataque — disse em tom sombrio.

***

Na sala de combate da Drusus, Hubert Gorlat, um homem ruivo que ocupava o


posto de capitão do serviço de segurança, pôs-se a trabalhar. Rhodan e Gucky
mantiveram-se afastados e viram os planos serem abertos e copiados cuidadosamente. A
fim de não perturbar o trabalho de Gorlat, Gucky relatou a seu chefe por via telepática
aquilo que soubera de Drog.
Dali a uns cinco minutos, Rhodan perguntou em voz alta:
— Se eu o entendi corretamente, o tal do Drog pretende seqüestrar um grupo de
swoons altamente especializados a fim de fixá-los num mundo desconhecido, onde
passariam a fabricar o goniômetro de compensação exclusivamente para ele.
— Sim; foi isso que Drog declarou depois de ter recebido o “tratamento” de Noir.
— Nesse caso, apenas disse a verdade — Rhodan fez uma pausa e acrescentou: —
Quando você for levar os planos e trouxer Noir, traga também o pequeno swoon. Se não
me engano seu nome é Markas.
— Pois não, chefe. Você prometeu que o levaria à Terra juntamente com Waff.
De repente Rhodan sorriu e lançou um olhar quase afetuoso para Gucky.
— Você gosta dos swoons, não gosta?
Gucky ficou radiante.
— Gosto muito deles, Rhodan. Além de pequenos e alegres, são muito inteligentes e
graciosos. Ficaria muito feliz se não me separasse de Waff e Markas. Acho que terão
muito prazer em ir conosco.
— Vou submeter-lhes uma proposta muito interessante, Gucky. Não se esforce em
vão; por enquanto não descobrirá nada. Traga Noir e Markas. Depois sua curiosidade será
satisfeita.
Olhou para Gorlat, que desligou a copiadora e dobrava os planos.
— Pronto, capitão? Quero examinar esses projetos juntamente com Crest e Atlan.
Tive uma boa idéia.
Pegou os planos das mãos de Gorlat e dobrou-os cuidadosamente para que
pudessem ser guardados. Entregou a pasta marrom a Gucky. Deu uma palmadinha no
ombro do rato-castor.
— Ande depressa, Gucky. Espero-o no camarote de Crest. Não se esqueça de trazer
Markas.
Um sorriso matreiro surgiu no rosto de Gucky, que exibiu o solitário dente roedor.
— Seria mais fácil eu esquecer minha cauda — asseverou. Depois concentrou-se e
saltou.
A última coisa que Rhodan viu de Gucky foi o rabo coberto de pêlos marrons. Sabia
que não o deixaria para trás, da mesma forma que não deixaria um pequeno swoon que
atendia pelo nome de Markas.

***

Dali a pouco, Drog dirigia-se ao edifício da administração, segurando a preciosa


pasta. Refletia sobre o que andara fazendo nas últimas duas horas.
Enquanto isso uma conferência decisiva realizava-se no interior da Drusus. Crest
desempenhava o papel de anfitrião.
Estava sentado na cabeceira da mesa semicircular e, imóvel, ouvia as palavras de
Atlan, o imortal, cujas mãos seguravam as cópias dos planos. Além de Rhodan, Bell e
Gucky, ainda participavam da reunião Gunter Forster, engenheiro-chefe, e o Dr. Ali el
Jagat, chefe da equipe matemática.
— O princípio do goniômetro é fácil de compreender, desde que se conheçam os
princípios gerais que regem o funcionamento do compensador estrutural, pois o aparelho
foi criado com base no mesmo. E também será fácil criar o aparelho seguinte: o
equipamento de absorção. Este engolirá os impulsos do compensador, para que o
goniômetro não possa localizar nada. Com isso perderá todo valor.
Rhodan lançou um olhar sério para Atlan. Sabia que poderia confiar integralmente
em seu novo aliado, mas era perfeitamente possível que o imortal superestimasse sua
capacidade...
— Atlan, você tem certeza absoluta de que será possível construir o equipamento de
absorção?
Atlan acenou com a cabeça e apontou para Jagat e Forster.
— Pergunte aos especialistas, Rhodan. Eles confirmarão o que acabo de dizer. É
bem verdade que não devemos esquecer que o goniômetro será construído em Swoofon,
motivo por que terá peças microscópicas. E o aparelho de absorção deverá também ter
peças do mesmo tamanho. Esta é a única lacuna vaga de minha linha de raciocínio.
Rhodan sorriu.
— Obrigado, Atlan. Ainda falaremos sobre isto. Pelo que entendi, o fato de que
dentro de três ou quatro meses as naves de reconhecimento dos saltadores estarão
equipadas com o novo goniômetro não representará qualquer risco para nós, pois até lá
conseguiremos, com o auxílio dos swoons, construir o aparelho de absorção. Não é isso?
— Teoricamente sim...
— Está bem — Rhodan lançou um olhar para Gucky, que segurava os dois swoons
no colo e parecia ter esquecido o resto do mundo. — Quero pedir a Markas que responda
a algumas perguntas. Sente-o na mesa, Gucky.
Markas andou de um lado para outro, um tanto inseguro, antes de encontrar a
posição correta face ao tradutor eletrônico. Waff observava-o atentamente. Continuava
sentado no colo de Gucky.
— Faça o favor de perguntar — pediu o swoon. — Farei o possível para deixá-lo
satisfeito.
Rhodan inclinou-se para a frente e fitou os olhos claros do swoon. Leu nos mesmos
uma simpatia sincera e sentiu uma onda de ternura pelos pequenos seres. Estas criaturas
pequenas e esquisitas, um tanto ridículas por possuírem o formato de um pepino,
possuíam um caráter tão bondoso e decente que raramente seria encontrado entre os
humanos. Provavelmente a amizade desses seres seria perdida para sempre, se não
tivessem tido o cuidado de reconhecer neles grandes inteligências e dar-lhes o tratamento
merecido. Rhodan começou a compreender a atitude de Gucky.
— Markas, o senhor manifestou o desejo de conhecer meu mundo. Poderei cumprir
esse desejo, mas antes disso quero fazer-lhe uma proposta, e peço-lhe que reflita sobre a
mesma. Se recusar, ninguém ficará zangado com o senhor; apenas lhe peço que não tome
uma decisão apressada.
— Qual é a proposta?
— Gostaria que o senhor e Waff, juntamente com uns dez ou vinte mil swoons,
abandonassem o planeta e viessem comigo à Terra. Temos necessidade urgente de
microtécnicos competentes como os senhores. Ofereço-lhes uma área e instalações que
reúnam as condições desejadas pelos senhores. Ganharão o mesmo salário dos nossos
especialistas mais competentes, além de certos prêmios. Serão obrigados a trabalhar por
cinco anos. Quem quiser voltar a Swoofon depois desse prazo, será levado a seu planeta
sem qualquer despesa. Apenas faço uma condição: para os swoons a viagem ao planeta
Terra será um vôo “cego”. Isto é: não ficarão sabendo a posição galáctica de meu mundo.
Todos ouviram ansiosos as palavras de Rhodan. Crest acenou lentamente com a
cabeça, como se esperasse algo semelhante. Atlan pôs-se a sorrir, e em seus olhos lia-se
um elogio pela sabedoria de Rhodan. Gucky acariciava o pequeno Waff, que trazia no
colo, e exibiu um sorriso que quase chegava a ser provocador. Bell notou o sorriso, mas
não esboçou qualquer reação.
Markas respondeu:
— No que me diz respeito, posso aceitar sua proposta. Tenho certeza de que Waff
também estará disposto a ir conosco. Deseja especialistas de alguma área especial
radicados em nosso planeta?
— Sim, se for possível. Gostaria de ter alguns representantes de cada área de
conhecimento, a fim de que a colônia de swoons da Terra possa produzir tudo que se
fabrica em seu planeta natal. Compreende o que quero dizer?
— Perfeitamente — respondeu Markas. — De quanto tempo poderei dispor para
escolher as pessoas que irão conosco?
Rhodan ergueu as sobrancelhas.
— Terá pouco tempo, pois pretendo decolar quanto antes. Não quero que o regente;
pense que intenciono instalar-me aqui. Além disso, a construção do aparelho de absorção
terá de ser iniciada com urgência. Traga alguns cientistas que sejam capazes disso.
Markas lançou um olhar para Waff.
— Permita que Waff vá comigo; assim não demoraremos muito.
— Leve Waff — disse Rhodan. — Mas existe mais um detalhe a ser observado.
Ninguém deverá saber que um swoon que seja saiu do planeta. Quando perguntar a um
dos seus amigos se quer acompanhar-nos à Terra, deverá ter cem por cento de certeza de
que a resposta será afirmativa. Compreende o que quero dizer?
— Naturalmente. Mas tudo isso não é tão difícil como o senhor poderia acreditar.
Ao leste de Gorla existe um centro experimental de tecnologia aplicada. Trata-se de uma
espécie de universidade prática, na qual são treinados os futuros especialistas. O corpo
docente é formado por cientistas de primeira linha. Nas fábricas-escola estão todas as
ferramentas especiais que existem e já existiram em Swoofon. Se conseguirmos transferir
para a Terra tudo que se encontra nessa universidade, juntamente com os professores e
alunos, não haverá nada que não possamos construir, desde os mini-transmissores de
televisão até os hiperpropulsores em formato reduzido.
Rhodan confirmou com um gesto. Seus olhos se iluminaram.
— Obrigado, Markas. Acho que isso seria uma solução. Será que conseguirá
convencer todos os habitantes do centro experimental a aceitar nossa proposta? O que
acontecerá se não estiverem de acordo?
Markas sorriu.
— Ninguém recusará. Deixe tudo por minha conta. Quando deverei partir?
Rhodan lançou um olhar para Gucky.
— Você acompanhará Markas e Waff, baixote. Quem você quer que o ajude quando
chegar a hora? Anne Sloane?
Anne Sloane era telecineta. Gucky, que já compreendera o que Rhodan pretendia
fazer, sacudiu a cabeça.
— Não quero ninguém, Rhodan. Nem a telecinese, nem a teleportação poderão, por
si só, resolver o problema. Sou o único mutante que reúne ambas as faculdades. Sabe do
que quero dizer?
Rhodan acenou lentamente com a cabeça. O rato-castor prosseguiu:
— Quando chegar a hora, farei a coisa sozinho — levantou-se, com Waff no braço.
Com a mão livre segurou cautelosamente Markas. — Avisarei quando estiver na hora.
Passem bem.
Dali a um instante, o ar tremeluzente era o único vestígio que restava dos swoons
que se encontravam naquele lugar.
Bell fitou o espaço vazio.
— Não compreendi nada — confessou a contragosto. — O que está havendo? Que
negócio é este de combinar a teleportação e a telecinese?
Rhodan deu um sorriso para Crest e Atlan e respondeu:
— Pois bem, meu caro Bell, se você soubesse ler pensamentos, sua vida seria muito
mais fácil, não é? Mas não quero torturá-lo. Preste atenção; vou explicar...
Bell prestou atenção.
6

Os comandantes dos quarenta girinos ficaram bastante espantados quando


receberam, dali a duas horas a seguinte mensagem da Drusus:

Chamando os comandantes de todas as naves K.


Todas as unidades, com exceção da K-33, voltarão à Terra
por suas próprias forças. Realizem vários saltos, sob a
proteção dos compensadores. Tomem o máximo de cuidado.
A unidade K-33 deverá apresentar-se imediatamente a mim.
Fim. Rhodan.

Houve algumas consultas, mas Stern, que neste meio tempo voltara a assumir o
serviço de rádio, removeu todas as dúvidas.
Era isso mesmo. O bloqueio de Swoofon havia sido suspenso, e os girinos não
deveriam voltar para bordo da Drusus. Os que pertenciam à Titan e à General Pounder
receberam ordem para voltar às suas unidades, a fim de abandonarem imediatamente o
sistema.
Parecia uma retirada bem organizada. E realmente era uma retirada, se bem que um
estrategista talvez dissesse que se tratava de um lance do jogo. Mas ninguém deveria
saber disso.
O comandante da nave girino K-33 era Mikel Tompetch, um americano corpulento,
de cabelos louros. Dez minutos depois de ter recebido a mensagem, entrou
cuidadosamente com sua nave na escotilha aberta da Drusus e pousou no hangar. Os
recintos em que estavam estacionadas as naves auxiliares estendiam-se que nem um anel
em torno da gigantesca esfera que era a Drusus. Podia abrigar um total de quarenta
girinos, cada um dos quais tinha sessenta metros de diâmetro.
O Tenente Tompetch desceu a rampa e não demonstrou maior interesse pela
tripulação, que também saiu da K-33. Ao que parecia, não havia outra missão à vista. Os
homens retornariam aos lugares que ocupavam na Drusus, onde havia uma necessidade
premente deles, face à ausência das tripulações das outras naves K.
Enquanto se dirigia ao elevador antigravitacional, encontrou-se com Reginald Bell.
Dirigiu-se a ele e perguntou em tom exaltado:
— Será que o senhor poderia informar o que significa tudo isso? Será que alguém
pensa que eu não seria capaz de voar sozinho à Terra, já que os outros girinos podem
realizar este vôo, enquanto nós...
— Calma! — disse Bell, e um sorriso largo cobria seu rosto. Apontava para a K-33.
— Isto é um calhambeque que já está precisando de uma revisão geral, certo?
O espanto de Tompetch não durou mais que um segundo.
— Calhambeque? O que quer dizer com isso? Não é mais velha que as outras. É
bem verdade que aquela colisão com o asteróide não fez bem à K-33, mas as peças
danificadas foram todas substituídas. De qualquer maneira, não teríamos o menor
problema em voar à Terra.
— Não é disso que se trata, tenente — disse Bell em tom enérgico. — Devo
comunicar-lhe que o senhor nunca mais pilotará a K-33. Se ainda houver algum pertence
pessoal a bordo da unidade, vá tirá-lo imediatamente. A mesma ordem aplica-se aos
tripulantes.
A cara de Tompetch exprimia espanto e perplexidade.
— Nunca mais pilotarei a K-33? Por quê?
— O chefe explicará, tenente. Providencie para que tudo seja retirado da K-33.
Oportunamente avise ao chefe que a ordem foi cumprida. Aliás, destaquei alguns técnicos
que o ajudarão a retirar alguns instrumentos de maior valor. Até logo mais, tenente.
Tompetch seguiu-o com os olhos com uma expressão de perplexidade, cocou a
cabeça loura e soltou um suspiro. Dirigiu-se ao hangar e ligou o intercomunicador, para
chamar de volta os tripulantes de sua unidade.
Depois pôs-se a trabalhar, a fim de cumprir as ordens de Bell, embora não
compreendesse a finalidade das mesmas.
Dali a duas horas, encontrava-se à frente de Rhodan para comunicar que as ordens
foram cumpridas, e que a K-33 praticamente estava reduzida a um envoltório vazio com
um hiperpropulsor. Esperava receber uma explicação, mas teve uma decepção cruel.
Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça e disse:
— Ótimo, Tenente Tompetch. Apresente-se a Sikermann, que o destacará para outro
serviço. Afinal a K-33 está boa para sei jogada fora, não acha? E é o que pretendemos
fazer.
Tompetch retirou-se. Ao chegar à porta que dava para o corredor, olhou para trás,
mas apenas viu o rosto sorridente de Reginald Bell.
No momento isso não lhe esclarecia nada!
Assim que a porta se fechou, Bell disse:
— O sujeito está se desmanchando de curiosidade, Perry. Para dizer a verdade,
tenho pena dele.
— Você deveria ter pena de si mesmo — disse Rhodan com um ligeiro sorriso. —
Você tem muito trabalho pela frente. Leve os homens de que precisa e comece a esvaziar
e preparar todos os hangares. Quero decolar dentro de cinco horas.
Bell dirigiu-se lentamente à porta.
— Se é que até lá Gucky conseguirá terminar seu trabalho!? — ponderou.
— Gucky estará pronto! — disse Rhodan em tom enfático, colocando o dedo no
pequeno rádio de pulso.
Bell teve de reconhecer que sua situação não era muito diferente da de Tompetch.
Resignou-se e deixou Rhodan a sós.

***

Enquanto existir vida haverá acidentes e catástrofes. Esta é uma lei implacável da
natureza. Em Swoofon, também havia catástrofes, mas as mesmas eram relativamente
raras e geralmente não assumiam maiores proporções.
De qualquer maneira, Gucky deveria agir com muita cautela. Estudou o mapa e
comentou:
— Existe apenas uma única linha férrea que liga a Universidade Técnica com a
superfície e com as outras cidades. Isto é uma circunstância bastante favorável!
Waff, que estava sentado sobre a mesa, olhando por cima de seu braço, fez um gesto
afirmativo.
Gucky continuou:
— Por ela trafega só um comboio por dia, não é? Excelente. Este comboio partiu há
uma hora. Logo, não é de esperar que saia outro antes de amanhã. Onde está Markas?
— Está fazendo uma conferência para os micróticos — disse Waff. — Nenhum
deles quer ficar.
— Já há muitos que não querem ir conosco?
— São apenas uns mil. O que faremos com eles?
Gucky deu de ombros.
— O que poderíamos fazer? Eles se esquecerão da alocução de Markas. Noir
cuidará disso. Depois eu os levarei a Gorla, onde poderão quebrar a cabeça para descobrir
como foram parar lá. É bem verdade que não poderei fazer o trabalho sozinho.
Preciso chamar alguém que me ajude. Espere aqui mesmo. Não demorarei em
voltar.
Waff caminhou para o lado e saltou para o chão. Depois viu Gucky concentrar-se e
desaparecer. Já se acostumara a ver o estranho fenômeno, motivo por que não se
assustou.
Dirigiu-se à janela. Dali se tinha uma boa visão sobre o conjunto de edifícios situado
apenas vinte metros abaixo da superfície. O céu era substituído pela rocha lisa,
interrompida a espaços regulares por lâmpadas embutidas. Aquele mundo subterrâneo era
luminoso, quase tão luminoso como aquele mundo que ficava sob o verdadeiro céu. Além
disso, era um pouco mais quente.
Waff assustou-se quando Gucky reapareceu. Trouxe consigo André Noir e Ras
Tschubai, um terrano negro e robusto, que possuía o dom da teleportação.
Naquele instante, chegou Markas. Caminhou muito empertigado pela porta, que não
tinha mais de cinqüenta centímetros de altura, e penetrou no recinto, que para Noir e
Tschubai era uma sala de tamanho médio. De qualquer maneira, podiam mover-se ali sem
baterem com a cabeça no teto.
— Todos os micróticos concordaram em sair de Swoofon a fim de servirem a Perry
Rhodan — anunciou em tom de triunfo e fitou os dois terranos.
Gucky apresentou Ras Tschubai, com quem Markas ainda não havia travado
conhecimento.
— Está na hora de interrompermos as comunicações com o mundo exterior — disse.
— Antes de tudo devemos cuidar da estrada de ferro. Mas as estações de rádio também
deverão entrar em pane. Quantas estações existem aqui, Markas?
— Apenas uma. Waff sabe onde fica — Markas nem procurou disfarçar a
impaciência. — Preciso cuidar dos estudantes e professores. Aqueles que resolveram
ficar se reunirão com suas bagagens na estação ferroviária.
— Excelente! — exclamou Gucky em tom alegre. — Noir e Ras cuidarão deles.
Foi o que aconteceu.
Noir erradicou dos swoons toda lembrança do que tinham visto e ouvido, enquanto
Ras, depois de realizar um ligeiro salto para orientar-se, levou-os para Gorla, carregando-
os aos grupos. Para facilitar as coisas largou-os na superfície, perto dos elevadores. Nem
um único dos swoons saberia explicar como viera parar em Gorla. Além disso, o detalhe
não despertava maior interesse, pois havia outros problemas.
Enquanto isso, Gucky caminhou a passos decididos para dentro do túnel da estrada
de ferro e teleportou-se para um lugar que ficava a menos de cinco quilômetros da
universidade. Com sua capacidade telecinética, não teve a menor dificuldade em deslocar
algumas das rochas de apoio, fazendo-as cair com um terrível estrondo e soterrando os
trilhos. Por enquanto nenhum trem passaria por aqui.
Saltou de volta e juntamente com Waff tomou as necessárias providências para que a
estação de rádio não pudesse ser utilizada. Isso foi bastante fácil: bastava desligar o reator
que fornecia a energia, enfiando uma placa isolante entre os elementos de carga. Para
recuperar o reator a ponto de que este pudesse voltar a fornecer energia, seria necessário
desmontá-lo. Isso demoraria pelo menos dez horas. E até lá...
As raras baterias atômicas existentes na área foram levadas à superfície por Gucky,
que as depositou numa depressão entre as rochas. Seguiram-se algumas peças vitais do
transmissor. Satisfeito com seu trabalho, regressou à sala, onde Tschubai e Noir,
juntamente com Waff e Markas, já o esperavam.
— Tudo liquidado — disse Markas. — Os swoons que ainda estão aqui querem ir à
Terra. Como será feito o transporte? Os elevadores só podem transportar dez swoons de
cada vez, pois foram construídos apenas para atender a casos de emergência...
— Não se preocupe, Markas. Ras Tschubai e eu... bem, como direi?... sim,
criaremos um canal de teleportação que ligue este lugar à Drusus, que pousará
diretamente em cima do local em que nos encontramos. Graças ao dom que possuímos,
não haverá a menor dificuldade em teleportarmos os swoons. Utilizarei esse canal para
levar também as instalações da universidade à nave. Como vê, Markas, o problema está
praticamente resolvido. Assim que estiver pronto, poderei avisar Rhodan.
Markas confirmou com um gesto.
— Vamos esperar, Gucky.
O rato-castor preferiu não saltar para a superfície. Manipulou o pequeno rádio que
trazia pendurado ao braço esquerdo e esperou que Rhodan respondesse. Fez um ligeiro
relato da situação e pediu instruções.
A voz de Rhodan soou muito fraca no pequeno alto falante.
— Daqui a cinco minutos, a Drusus pousará bem em cima da universidade. Tome
todas as providências para que até então tudo esteja preparado. Voltarei a chamar.
Gucky fitou o aparelho de rádio quando o desligou.
— Markas, diga a todos os swoons para comparecerem dentro de vinte e cinco
minutos com seus pertences na grande praça que fica em frente do auditório. Ras
Tschubai e eu começaremos a esvaziar os laboratórios e levaremos os instrumentos e
aparelhos à superfície. Não podemos esquecer nada. Vamos ao trabalho. Noir, fique com
Markas e Waff, para ajudá-los. Daqui a meia hora, encontrar-nos-emos no auditório.
Afinal de contas, uma das finalidades do mesmo consiste justamente em fazer as
despedidas dos estudantes que deixam a universidade. É o que acontecerá desta vez.
Naquele instante, desapareceu juntamente com Ras Tschubai.

***

Cinco minutos depois do momento em que Gucky proferiu aquelas palavras, certo
número de oficiais e tripulantes da Drusus tiveram oportunidade de presenciar um
misterioso espetáculo.
A gigantesca espaçonave decolou em silêncio do campo de pouso de Swatran, isso
após Rhodan ter suspenso oficialmente o bloqueio, para o que emitiu uma mensagem de
rádio. Os saltadores que haviam sido “internados” foram libertados, retornando aos locais
de trabalho ou às naves a que pertenciam. A vida voltou ao normal em Swoofon...
Com exceção de alguns detalhes.
As comunicações radiofônicas com a universidade, por exemplo, foram
interrompidas. Era a única instituição daquele planeta dividido em várias nações que não
conhecia diferenças de raça ou nacionalidade. Era lá que vivia a elite dos swoons. Ou
melhor, vivera lá até trinta minutos atrás, já que tudo correra conforme os planos.
É que nesse meio tempo teve início o magnífico espetáculo.
Na verdade, para os tripulantes da Drusus o espetáculo não tinha nada de misterioso;
quando muito seria espantoso. Gucky e Ras teleportaram com banquetas de trabalho,
aparelhos e máquinas complicadas, geradores de todos os tamanhos, armários com
ferramentas especiais e fardos de mercadorias. Tudo isso foi empilhado junto às paredes
do hangar, de onde seria retirado oportunamente.
Mikel Tompetch, que estava de pé junto à K-33, já totalmente vazia, achava-se
boquiaberto. Subitamente Gucky surgiu com um baú metálico de três metros de
comprimento e um metro de largura, transportando-o para junto dos demais objetos que
já estavam empilhados por ali. Ras Tschubai veio depois com um grande gerador, que
continuava preso ao suporte. Gucky voltou a surgir, desta vez com um grande bloco
residencial, que tinha uma parede transparente. No interior do bloco Tompetch viu uma
completa instalação de cozinha.
O mundo dos swoons começou a reunir-se nos hangares da Drusus. Tompetch, que
não havia sido esclarecido sobre isso, compreendeu tais fatos, mas no que dizia respeito à
K-33 ainda se encontrava no escuro. De forma alguma compreendeu o que deveria fazer
com a K-33, quase totalmente vazia.
Subitamente sentiu que a gravidade usual de 1 G diminuía. Via de regra os campos
antigravitacionais da Drusus eram regulados de maneira tal que proporcionavam a
gravidade terrana. Fosse qual fosse o lugar em que se encontrava a nave — no espaço
livre ou em mundos estranhos — no interior dela não se sentia qualquer modificação da
força gravitacional.
E agora a gravidade se alterava sem prévio aviso.
Alguns cadetes, que se encontravam na área fronteiriça do hangar vizinho, quiseram
fazer seus gracejos por causa da gravitação de 0,25 G. Atiravam-se para o alto e
executavam saltos malucos; com a gravitação normal certamente teriam fraturado alguns
ossos.
Em outras condições, Mikel Tompetch se teria divertido com o espetáculo, mas
agora não via motivo para isso. Pelo menos enquanto ele mesmo tateava na incerteza.
Mas este estado não duraria muito.
De repente Ras e Gucky materializaram-se pouco acima do solo do hangar, com um
verdadeiro “feixe de swoons”.
Gucky utilizou a telecinese para fazê-los descer em câmara lenta. Os pequenos seres
espalharam-se com uma rapidez espantosa. Embora fosse a primeira vez que se
encontravam na Drusus, pareciam saber exatamente o que tinham a fazer e onde ficavam
seus alojamentos.
Era claro que tanto Tompetch como os outros tripulantes haviam sido informados
sobre a vinda dos swoons, motivo por que não se mostraram surpresos. Os cadetes
encerraram o “espetáculo desportivo” e foram cuidar dos swoons. Mas subitamente uma
verdadeira torrente dos “pepinos” amarelos precipitou-se para o interior da Drusus, e os
tripulantes tiveram de correr para conduzi-los aos respectivos lugares, pois do contrário o
hangar “transbordaria”.
— É a invasão dos pepinos! — disse uma voz junto à porta que dava para o corredor
interno.
Tompetch levantou os olhos. Constatou que aquelas palavras haviam sido proferidas
por Reginald Bell. O lugar-tenente de Rhodan encontrava-se em lugar elevado, em
atitude firme e orgulhosa. Sacudia-se de tanto rir. Ninguém lhe levaria a mal, pois quem
apenas olhasse ligeiramente chegaria à conclusão de que a Drusus estava recebendo uma
“carga de pepinos”.
Subitamente outra pessoa surgiu ao lado de Bell.
Era Perry Rhodan.
— Se fosse você, não ria assim — disse em tom sério. — Acho que você está se
divertindo com o aspecto dos swoons...
— Não é tanto isso, Perry. Mas quando vêm aos montes e caem ao chão que nem
folhas o espetáculo se torna muito esquisito.
— De qualquer modo, sua alegria poderá provocar um incidente. É bem verdade que
tenho de confessar que também eu preciso esforçar-me para continuar sério. Acontece
que os swoons são nossos amigos. Sem eles não poderemos fazer em dez anos um
progresso de um século no terreno da microtecnologia. Não se esqueça disso quando tiver
vontade de zombar deles.
Depois de ligeira pausa acrescentou:
— Aliás, os swoons também sentem vontade de rir quando vêem você. Apenas sua
sensibilidade inata impede-os de procederem assim, isto é, de não darem vazão aos seus
sentimentos.
Acenou ligeiramente com a cabeça e desapareceu.
Bell seguiu-o com os olhos. Parecia perplexo. Quando viu o olhar curioso de
Tompetch, preferiu retirar-se também.

***

Dali a quatro horas, a operação chegou ao fim.


Vinte mil swoons encontravam-se a bordo da Drusus, juntamente com as
ferramentas especiais e as melhores máquinas, a fim de procurarem um novo lar no
sistema solar. A gigantesca caverna que ficava sob a superfície do planeta Swoofon estava
completamente vazia. A universidade deixara de existir. Rhodan tinha certeza de que
dentro de cinco anos os swoons construiriam outra. Mas também tinha certeza de que um
acontecimento iminente causaria um atraso de algumas semanas, ou mesmo meses, no
início da construção do novo goniômetro.
Este acontecimento tinha uma ligação estreita com o estado de incerteza em que se
encontrava Mikel Tompetch.
Neste meio tempo, essa incerteza já fora removida por Rhodan, que informou o
tenente sobre as linhas gerais da operação projetada.
A Drusus decolou e, depois de emitir uma mensagem sem sentido, subiu à
estratosfera de Swoofon. Entrou em órbita depois de atingir a altitude de trezentos
quilômetros.
Gucky, que já se encontrava a bordo da K-33, aguardava o momento de entrar em
ação. Desta vez estava só. Se falhasse, a responsabilidade seria exclusivamente sua. Mas
não adiantava preocupar-se. O plano combinado com Rhodan havia de dar certo.
Na parte do hangar em que estava estacionada a K-33, não havia nenhum swoon. As
portas, que ligavam esse setor com aqueles em que estavam abrigados esses seres, foram
fechadas. Não havia necessidade de que testemunhassem o acontecimento que se
aproximava.
Com o corpo um tanto rígido, Gucky estava sentado junto aos controles do girino.
Os instrumentos haviam sido quase todos retirados, já que os técnicos tinham
desmontado tudo que tivesse alguma importância. Só o propulsor continuava intacto, e
por isso a nave poderia ser colocada numa rota prefixada, mesmo que os instrumentos de
navegação estivessem ausentes. Só se poderia recorrer à pilotagem visual; em hipótese
alguma seria possível exceder a velocidade da luz.
E nem Gucky pretendia fazer isso.
Olhando pelo dispositivo visual telescópico, viu a grande escotilha da Drusus abrir-
se, deixando livre o caminho que levava ao espaço. O grande momento havia chegado.
Ouviu-se um ligeiro estalo junto ao seu pulso.
— Então, baixinho? — disse a voz de Bell, que comandava a ação na sala de
comando da Drusus. — Está pronto?
— Já estou pronto há muito tempo, gorducho. Por mim podemos começar.
Depois de uma ligeira pausa a voz voltou a ser ouvida:
— Decolagem dentro de dez segundos. Siga a rota combinada. Mantenha a
aceleração constante de 1 G. Faltam cinco segundos...
No momento em que Bell disse “um segundo... já”, Gucky empurrou o acelerador
para a frente. O girino levantou-se do solo do hangar, passou entre os campos magnéticos
e saiu pela escotilha, precipitando-se espaço afora.
Gucky olhou para a tela.
A Drusus recuava rapidamente, mas depois de algum tempo descreveu uma curva
elegante, como se quisesse alcançar o girino. Ao mesmo tempo, na sala de rádio, David
Stern expediu a seguinte mensagem, que foi captada por todas as estações dos saltadores
existentes em Swoofon:

Atenção! Criminoso foragido conseguiu fugir numa


nave auxiliar de formato esférico! Advertimos todos para
que não lhe prestem qualquer auxílio! A nave auxiliar está
armada! Perry Rhodan.

Esta mensagem preencheu duas finalidades distintas. Em primeiro lugar, os


habitantes de Swoofon haveriam de supor que a ação de Árcon, comandada por Rhodan,
fora bem sucedida. Este truque servia para distrair suas atenções. Além disso,
encontrariam uma explicação para a catástrofe que se verificaria dali a pouco, sem refletir
desnecessariamente sobre o motivo dos acontecimentos ou a finalidade de quem
praticava o ato. Evidente que nem poderiam ver qualquer motivo ou finalidade naquilo.
E, por fim, o desaparecimento de vinte mil swoons seria camuflado.
Gucky sorriu ao captar a mensagem em seu pequenino rádio. Modificou
ligeiramente a rota da nave que estava dirigindo, fez com que penetrasse nas camadas
mais densas da atmosfera e reduziu a velocidade. A K-33 foi pouco atingida pela
gravitação de Swoofon.
— Atenção! — disse a voz de Bell, vinda do rádio. — Falta metade do contorno do
planeta para chegarmos ao destino.
A Drusus mantinha-se menos de cinqüenta quilômetros atrás de Gucky. As
mensagens foram transmitidas com uma potência tão reduzida que só Gucky poderia
captá-las. Não havia o menor perigo de que qualquer pessoa que não possuísse o tipo
especial de receptor pudesse acompanhar a palestra.
— Descreva o objetivo; não tenho nenhum mapa.
— Não se preocupe, baixinho; cuidaremos disso.
Mais alguns minutos passaram-se.
Gucky aproximava-se de Swoofon, na nave aparentemente descontrolada. O veículo
espacial ia perdendo altura; parecia incapaz de voltar a subir. Alguns disparos energéticos
da Drusus, que passaram rente ao girino, deram prova de que não havia a menor intenção
de permitir que o criminoso escapasse.
Bell transmitiu os últimos dados em tom indiferente:
— No horizonte estão surgindo algumas montanhas, Gucky. Antes delas existe uma
planície com algumas rochas pontudas esparsas. A do meio é a maior; à direita existem
duas montanhas alongadas. Já viu?
— A rocha central está bem à minha frente — confirmou o rato-castor. — Qual é o
lugar? Só disponho de 18 segundos.
— Antes da rocha há um vale arredondado. É fácil reconhecê-lo. Parece um lago
seco... — Dirija a K-33 para lá. Agora!
— Reconheci o lugar.
Gucky fitou a tela. Aproximou-se vertiginosamente do vale redondo. O girino estava
seguindo um rumo de colisão. Aumentou a velocidade e desceu quase verticalmente
sobre o vale, que nem um meteoro.
Ainda se encontrava a vinte quilômetros de altura.
A Drusus mantinha-se lá em cima, e nem se deu ao trabalho de seguir a nave que
caía. Qualquer pessoa que observasse o espetáculo chegaria à conclusão de que os
controles da pequena nave haviam sido bloqueados por meio de um dispositivo de
teledireção, motivo por que teria de cair irremediavelmente.
Faltavam dez quilômetros!
Gucky começou a “transpirar”, mas prosseguiu obstinadamente. Já tirara as mãos
dos controles. A rota era exata e não havia necessidade de corrigi-la. O que estaria
esperando? Se continuasse ali, fatalmente cairia ao chão juntamente com o girino e se
desmancharia nos seus componentes atômicos.
A ponta da rocha encontrava-se na mesma altura da nave. Lá embaixo o vale se
abria, como se quisesse acolher a nave que caía. E era exatamente o que iria acontecer.
Gucky concentrou-se em Bell, que se encontrava na sala de comando da Drusus,
fechou os olhos, sentiu um calafrio e saltou.
Não poderia ter esperado nem mais um segundo.
O girino penetrou no solo rochoso como se fosse um meteoro, abriu um buraco de
vinte ou trinta metros e detonou. Surgiu um gigantesco buraco na superfície de Swoofon.
Com uma lentidão apavorante formou-se uma muralha, empurrada pelo volume da nave;
até parecia que a rocha se transformara numa massa viscosa.
Dali a mais alguns segundos, houve a erupção, que atirou as rochas incandescentes e
as pedras liquefeitas a vários quilômetros de altura. O cogumelo atômico começou a subir
ao céu e espalhou-se ameaçadoramente.
Bell, que não tirara os olhos do espetáculo horrendo, não deu a menor atenção a
Gucky, que se materializou em seu colo e também acompanhava os acontecimentos.
Rhodan encontrava-se perto dali; cerrara os lábios. Havia uma indagação que lhe
passava pela mente: teria agido corretamente, como uma criatura responsável? Sob o
ponto de vista do planeta Terra, a resposta só poderia ser afirmativa. E sob o ponto de
vista do Império?
Livrou-se das reflexões. A longo prazo, a ação desenvolvida em Swoofon reverteria
em benefício comum da Terra e de Árcon. Sob uma perspectiva mais ampla, a missão
representava um passo à frente. Para todos, não só para a Terra.
Crest estava ao lado de Rhodan. Também parecia pensativo, mas o bloqueio de sua
mente impedia que qualquer pessoa lesse seus pensamentos. Como já acontecera tantas
vezes, estes continuariam a ser um segredo.
Com Atlan, as coisas foram diferentes. O imortal estava sentado numa poltrona e
contemplava o cogumelo com um sorriso frio. Ele, que já vivera tanto, sabia
perfeitamente que os grandes objetivos não podem ser atingidos exclusivamente por meio
de atos que à primeira vista parecem ser elogiáveis. Sabia que muitas vezes o justo deve
recorrer ao mal a fim de alcançar a vitória do bem. E a essa hora já estava convencido de
que Rhodan pretendia o bem, e não só o bem da Terra!...
Lá embaixo, a lava incandescente borbulhava no interior da cratera. Seu diâmetro
quase chegava a um quilômetro, e a profundidade devia ser de cerca de cinqüenta metros.
Qualquer swoon ou saltador teria certeza de que a universidade situada naquele lugar,
embaixo da superfície, deixara de existir. A reação nuclear do hiper-propulsor destruíra
tudo, já que a nave detonara com o acelerador ligado.
Vinte mil swoons, que representavam a elite das várias nações dessa raça, haviam
perecido na catástrofe, pela qual era responsável um criminoso desconhecido.
Era só esta a conclusão a que poderiam chegar.
Rhodan parecia despertar de um sonho. Dirigiu-se à sala de rádio. Seus movimentos
quase chegavam a ser pesados. As mensagens captadas convenceram-no de que suas
suposições foram corretas. Dali a dois minutos, fez um sinal para Stern.
— Desligue, Stern. Já podemos partir. Ligue a recepção do hipercomunicador.
Voltou à sala de comando.
Crest aproximou-se e colocou a mão sobre seu ombro.
— Isto foi necessário, Perry. Não se esqueça de que ninguém saiu ferido. E nem um
único swoon morreu.
— Acontece que lá embaixo acreditam que vinte mil pereceram. Qual é a diferença?
A população do planeta tem certeza de que sua elite morreu. Para eles os vinte mil
indivíduos estão mortos.
— A diferença — disse Crest, falando pausadamente e em tom enfático — está nos
hangares, onde os swoons já começaram a montar as máquinas, sob a direção de Markas.
Rhodan fitou Crest. De repente, um sorriso se espalhou por seu rosto. As rugas de
sua testa se desfizeram.
— Enganamos não apenas os saltadores que se encontram em Swoofon. Até
conseguimos tapear o robô regente que nos armou uma cilada. Enquanto estiver
convencido de que dispõe de um goniômetro que lhe permitirá descobrir a posição da
Terra, nos deixará em paz. E precisamos de paz, pois a hora da decisão se aproxima.
Acho que sabe o que quero dizer, Crest.
— Sei; são os invisíveis vindos de outra dimensão temporal. Saberemos lidar com
eles, Perry Rhodan. Mesmo que pareçam ser atemporais e eternos, em suas dimensões
são tão mortais como os seres visíveis o são em nossa dimensão. Nunca devemos
esquecer este detalhe.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Esta circunstância serve de base aos nossos planos, Crest.
Sikermann transmitiu suas instruções.
O planeta Swoofon foi recuando e diminuiu rapidamente, quando a Drusus acelerou,
aproximando-se do ponto de transição. A Terra não estava longe, pois o que contava não
era a distância, mas o tempo.
Gucky tirou os olhos da tela e saiu do colo de Bell.
Bell fitou-o com uma expressão de perplexidade.
— Como é? — perguntou em tom de espanto. — Você vive me jogando para o alto,
mas adora saltar para meu colo.
— Porque você é gordo e parece um colchão — disse o rato-castor em tom generoso
e dirigiu-se à porta. — Se alguém me procurar, estarei...
— Já sei — disse Bell em tom de desprezo. — Você estará com os pepinos. Divirta-
se.
Ao que parecia sentiu-se ofendido porque deixara de desempenhar o papel principal
na vida de Gucky. Este voltou-se na porta.
— Bell, sou seu amigo e por isso quero preveni-lo. Pedi a Markas que construísse
um vibrador. O mesmo tem um receptor de impulsos e não é maior que um grão de areia.
Um dia você o engolirá com um pedaço de carne. E toda vez que você tiver um
pensamento menos agradável em relação aos swoons, apertarei um botãozinho. Nem
queira saber como serão “as dores de cabeça” que sentirá.
Bell empalideceu, mas conseguiu controlar-se.
— E eu — anunciou em tom tranqüilo — tomarei um purgante, e com isso sua
tecnologia sofisticada...
— Você está aprendendo belas palavras — disse Gucky, sacudindo a cabeça e
fechando a porta do lado de fora.
Ouviram-no murmurar baixinho, enquanto se afastava apressadamente sobre os pés
chatos. As palavras que Bell deixara de pronunciar, mas que conseguira captar por via
telepática, deviam tê-lo abalado profundamente.

***
**
*

A posição galáctica da Terra continua


desconhecida. E, mais uma vez, o computador de
Árcon foi ludibriado!
Em A Prisão do Tempo, título do próximo
volume, mais uma empresa arriscada será tentada...

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