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Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica, v. 27, n. 1, p.

93 - 99, (2005)
www.sbfisica.org.br

Sobre a teoria quântica da radiação∗


(Zum Quantum Theorie der Strahlung)

A. Einstein
Publicado em Physikalische Zeitschrift 18, 121 (1917)

A similaridade formal entre a curva de distribuição pressuposto básico da teoria quântica; nesta dedução
cromática da radiação de corpo negro e a distribuição de teve papel importante a relação entre a distribuição
velocidades de Maxwell é impressionante demais para de Maxwell e a distribuição cromática da radiação de
ter permanecido escondida por muito tempo. De fato, corpo negro. Esta dedução é interessante não ape-
quando em seu importante artigo teórico Wien deduziu nas porque é simples, mas especialmente porque parece
sua lei do deslocamento que ela elucida fenômenos até então inexplicáveis de
emissão e absorção de radiação pela matéria. A partir
ν
ρ = ν 3 f ( ), (1) de poucas suposições acerca da emissão e absorção de
T
radiação pelas moléculas, as quais são intimamente rela-
ele, conduzido por esta similaridade, foi além e deter- cionadas com a teoria quântica, mostrei que moléculas
minou uma fórmula mais geral para a radiação. É bem que são distribuı́das em estados de equilı́brio térmico
sabido que ele obteve a fórmula compatı́veis com a teoria quântica, encontram-se em
hν equilı́brio dinâmico com a radiação de Planck. Assim,
ρ = αν 3 e− kT , (2) deduzi a fórmula de Planck (4) de uma maneira impres-
a qual hoje ainda é reconhecida como correta no limi- sionantemente simples e geral. Isso foi conseqüência da
te de altos valores de ν/T (lei da radiação de Wien). condição que a distribuição das moléculas entre seus
Hoje nós sabemos que não há consideração baseada estados de energia interna, o que é exigido pela teoria
na mecânica e na eletrodinâmica clássicas que possa quântica, deve ser estabelecida tão somente pela absor-
fornecer uma fórmula para a radiação que seja uti- ção e emissão da radiação.
lizável, mas que na verdade a teoria clássica necessari-
amente conduz à fórmula de Rayleigh Se as hipóteses introduzidas sobre a interação entre
radiação e matéria forem corretas, elas devem fornecer
kα 2 mais do que a correta distribuição das energias inter-
ρ=ν T. (3)
h nas das moléculas. De fato, na absorção e emissão de
Quando então Planck em sua investigação funda- radiação, transfere-se momento para as moléculas; isto
mental criou sua fórmula de radiação implica que através da mera interação de radiação com
moléculas, estas adquirem uma certa distribuição de ve-
1
ρ = αν 3 ,
hν (4) locidades. Claramente, esta distribuição deve ser igual
e −1 kT
àquela adquirida pelas moléculas através de suas in-
pressupondo elementos discretos de energia, e da qual terações mútuas, isto é, ela deve ser igual à distribuição
em rápida seqüência se desenvolveu a teoria quântica, de Maxwell. Deve-se exigir que a energia cinética média
aquela idéia de Wien que havia conduzido à Eq. (2) (por grau de liberdade) adquirida por uma molécula no
naturalmente caiu de novo no esquecimento. campo de radiação de Planck a uma temperatura T ,
Eis que recentemente1 eu elaborei uma dedução seja igual a kT /2; isto deve ser verdadeiro indepen-
para a fórmula da radiação de Planck[1], que se rela- dentemente da natureza das moléculas consideradas e
ciona às reflexões originais de Wien e se apoia no independentemente das freqüências por elas emitidas ou
∗ A presente versão resultou dos seguintes procedimentos: (i) C.A. dos Santos (Instituto de Fı́sica, Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil) traduziu a versão inglesa que apareceu em The Old Quantum Theory, editada por D. Ter Haar
(Pergamon, Nova York, 1967), p. 167-183. Existe outra versão em The World of the Atom, editada por H.A. Boorse (Basic Books,
Nova York, 1966), v. 2, p. 888-901. (ii) R. Axt (Departamento de Fı́sica, Estatı́stica e Matemática, Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuı́, RS, Brasil) e C.A. dos Santos compararam a versão traduzida com o original em alemão e fizeram
as correções necessárias para garantir a fidelidade ao texto original
1 No presente trabalho são repetidas as considerações dadas naquele artigo.

Copyright by the Sociedade Brasileira de Fı́sica. Printed in Brazil.


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absorvidas. No presente trabalho, desejamos mostrar Os últimos progressos importantes da teoria


que essa exigência abrangente é de fato plenamente quântica estão relacionados com a determinação teórica
atendida; através disso nossas simples hipóteses sobre dos possı́veis estados quânticos Zn e seus pesos es-
processos elementares de emissão e absorção ganham tatı́sticos pn . Para o que é mais importante na presente
novo suporte. investigação, não é necessária uma determinação mais
Para obter o resultado mencionado acima devemos, detalhada dos estados quânticos.
contudo, completar as hipóteses sobre as quais nosso
trabalho anterior foi baseado, visto que as hipóteses an- 2. Hipóteses sobre troca de energia
teriores foram concebidas somente com a troca de ener-
através da radiação
gia. Surge a questão: a molécula recebe um impulso
quando ela absorve ou emite uma energia ε? Con- Sejam, no sentido da teoria quântica, Zn e Zm dois es-
sideremos alguns exemplos de emissão, do ponto de tados quânticos possı́veis da molécula de um gás, com
vista da eletrodinâmica clássica. Se um corpo emite energias εn e εm satisfazendo a desigualdade εm > εn .
a energia ε, ele recebe o recuo (momento) ε/c se toda Suponhamos que a molécula esteja em condições de
a radiação é emitida na mesma direção. Se, no en- passar do estado Zn para o estado Zm mediante a
tanto, a emissão resultar de um processo espacialmente absorção da energia radiante εm − εn ; suponhamos
simétrico, por exemplo ondas esféricas, não haverá re- também possı́vel uma transição do estado Zm para o
cuo nenhum. Esta alternativa também desempenha um estado Zn mediante emissão dessa mesma energia de
papel na teoria quântica da radiação. Quando du- radiação. Na radiação assim absorvida ou emitida pela
rante uma transição de um estado quântico teorica- molécula, seja ν a freqüência caracterı́stica para a com-
mente possı́vel para outro, uma molécula recolhe a ener- binação de ı́ndices (m, n) em questão.
gia ε a forma de radiação, ou se ela emite essa energia Sobre as leis que determinam esta transição, intro-
na forma de radiação, então um tal processo elemen- duzimos algumas hipóteses resultantes da transferência
tar pode ser imaginado como sendo parcial ou comple- das conhecidas relações de um ressonador de Planck2
tamente direcionado no espaço, ou também como um baseadas na teoria clássica, para as ainda desconheci-
processo simétrico (não-direcional). Então, o que se das relações baseadas na teoria quântica.
constata é que só atingiremos uma teoria consistente se Emissão espontânea. É bem sabido que um resso-
assumirmos que os processos elementares são completa- nador de Planck emite energia conforme a previsão de
mente direcionais; nisso consiste o principal resultado Hertz, independentemente se ele é excitado ou não por
das considerações que se seguem. um campo externo. Neste sentido, consideremos a pos-
sibilidade de que, sem estı́mulo externo, uma molécula
apresente uma transição do estado Zm para o estado
1. Hipóteses básicas da teoria quântica. Zn , em razão do que emite energia radiante εm − εn ,
Distribuição canônica de estados com freqüência ν. Seja dW, a probabilidade de que esta
transição ocorra no intervalo de tempo dt,
De acordo com a teoria quântica, uma molécula de de-
terminado tipo, independentemente da sua orientação e
movimento translacional, pode assumir apenas um con- dW = Anm dt (A)
junto discreto de estados Z1 , Z2 , ... Zn ,... cujas ener- na qual Anm é uma constante caracterı́stica da com-
gias (internas) são ε1 , ε2 , ... εn ,.... Se moléculas deste binação de ı́ndices considerados.
tipo formam um gás com temperatura T , a quantidade A lei estatı́stica considerada aqui corresponde à
relativa Wn desses estados Zn é dada pela fórmula da lei de uma reação radioativa, pressupondo-se que no
distribuição canônica da mecânica estatı́stica: processo elementar de uma tal reação apenas raios-
γ sejam emitidos. Não é necessário assumir que este
εn
Wn = pn e− kT . (5) processo deva ser instantâneo; é apenas necessário que
o tempo em que ele ocorre seja desprezı́vel comparado
Nesta equação k = R/N é a conhecida constante de com o tempo durante o qual a molécula permanece no
Boltzmann, e pn é um número caracterı́stico do n-ésimo estado Z1 , Z2 , ..., Zn .
estado quântico da molécula, independente de T , que Processos de radiação induzida. Se um ressonador
pode ser denominado o “peso” estatı́stico desse estado. de Planck encontra-se em um campo de radiação, a
A fórmula (5) pode ser deduzida a partir do princı́pio energia deste ressonador pode ser mudada pela trans-
de Boltzmann ou através de técnicas puramente ter- ferência de energia do campo eletromagnético para o
modinâmicas. A Eq. (5) é a expressão da mais ampla ressonador; esta energia pode ser positiva ou negativa,
generalização da lei da distribuição de velocidades de dependendo das fases do ressonador e do campo os-
Maxwell. cilante. De acordo com isso, introduzimos a seguinte
2 Einstein usa a expressão ”Planckschen Resonator”. Literalmente seria “Ressonador de Planck”. Embora a expressão não seja usada

na literatura brasileira, a manteremos por questões de fidelidade ao original (N.T.).


Sobre a teoria quântica da radiação 95

hipótese quântica. Sob a influência de uma densidade De resto, devemos fazer uma consideração similar para
de radiação ρ, de freqüência ν, uma molécula pode pas- as leis estatı́sticas (B) e (B’) para os processos induzi-
sar do estado Zn para o estado Zm , no que ela absorve a dos, porque caso contrário as constantes dependeriam
energia radiativa εm − εn de acordo com a lei de proba- da direção, o que podemos evitar mediante a suposição
bilidade de que a molécula seja isotrópica ou pseudo-isotrópica
(através de uma média temporal).
dW = Bnm ρdt. (B)

De modo análogo, que seja possı́vel a transição 3. Dedução da lei de radiação de Planck
Zm → Zn sob a influência da radiação em que a energia
radiativa εm − εn será liberada de acordo com a lei de Agora perguntamos por aquela densidade de radiação
probabilidade ρ a qual deve estar presente de modo que a troca de
energia entre radiação e moléculas, conforme as leis es-
n
dW = Bm ρdt. (B 0 ) tatı́sticas (A), (B) e (B’), não perturbe a distribuição
de estados das moléculas prevista pela Eq. (5). Para
na qual Bnm e Bm n
são constantes. Denominaremos esses isto é necessário e suficiente que por unidade de tempo,
dois processos de “mudança de estado induzida por ra- em média, o número de processos do tipo (B) seja igual
diação”. ao número de processos (A) e (B’) combinados. Essa
Pergunta-se então: qual é o momento transferido condição, em virtude de (5), (A), (B) e (B’), fornece
para a molécula nessas mudanças de estado em questão? para os processos elementares correspondendo à com-
Iniciemos pelos processos de emissão induzida. Se um binação de ı́ndices (m, n), a equação
feixe de radiação com uma direção bem definida realiza εn εm
trabalho em um ressonador de Planck, então será ex- pn e− kT Bnm ρ = pm e− kT (Bm
n
ρ + Anm ).
traı́da do feixe a correspondente energia. De acordo
Se, além disso, ρ crescer infinitamente com T , o que
com a lei de conservação do momento, esta energia
iremos admitir, então, a relação
transferida corresponde também a uma transferência
de momento do feixe para o ressonador. Este último
pn Bnm = pm Bm
n
(6)
é então submetido à ação de uma força na direção do
feixe. Se a energia transferida é negativa, a ação da deve manter-se entre as constantes Bnm e Bm
n
.
força sobre o ressonador também se dará na direção Obteremos então, da nossa equação, a seguinte
oposta. No caso da hipótese quântica, isto significa evi- condição para o equilı́brio dinâmico:
dentemente o seguinte. Se através da irradiação por um
feixe de luz ocorrer a transição Zn → Zm , então será Anm /Bm
n
ρ= εm −εn . (7)
transferido para a molécula o momento (εm − εn )/c, e kT −1
na direção de propagação do feixe. Na transição in- Isto nada mais é do que a dependência com a tempe-
duzida Zm → Zn o momento transferido tem o mesmo ratura da densidade de radiação da lei de Planck. Da lei
módulo mas está na direção oposta. Para o caso em do deslocamento de Wien (1) segue-se imediatamente
que a molécula é simultaneamente submetida a diver- que
sos feixes de radiação, nós pressupomos que a energia
total εm − εn de um processo elementar é absorvida Anm
de, ou eventualmente adicionada a um desses feixes, de n
= αν 3 , (8)
Bm
modo que também neste caso, o momento (εm − εn )/c
e
é transferido para a molécula.
No caso de um ressonador de Planck, quando a
εm − εn = hν, (9)
energia é emitida através de um processo de emissão
espontânea, não há transferência de momento para o onde α e h são constantes universais. Para obter o
ressonador, visto que de acordo com a teoria clássica a valor numérico da constante α, dever-se-ia ter uma teo-
emissão se dá sob a forma de ondas esféricas. No en- ria exata dos processos eletrodinâmicos e mecânicos;
tanto, já foi notado que só podemos obter uma teoria mas fica-se restrito por ora à situação limite de alta
quântica consistente na medida em que estabelecemos temperatura de Rayleigh, para a qual a teoria clássica
que o processo de emissão espontânea também é di- é válida.
recional. Neste caso, em cada processo elementar de A Eq. (9) retrata, obviamente, a segunda principal
emissão espontânea (Zm → Zn ) momento com módulo hipótese da teoria de Bohr para os espectros, a res-
(εm − εn )/c é transferido para a molécula. Sendo peito da qual, seguindo a generalização de Sommerfeld
esta última isotrópica, devemos assumir que todas as e Epstein, já se pode afirmar que pertence àquela parte
direções de emissão são igualmente prováveis. Se a da nossa ciência confirmadamente consistente. Ela
molécula não é isotrópica, chegaremos à mesma con- também contém implicitamente a lei da eqüivalência
clusão se a variação temporal da direção for aleatória. fotoquı́mica, como eu demonstrei.
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4. Método para calcular o movimento de v 2 , o qual é atribuı́do à molécula de um gás à tempera-


moléculas no campo de radiação tura T , de acordo com a teoria cinética dos gases. Do
contrário, a presença das nossas moléculas perturbaria
Vamos voltar agora à investigação dos movimentos exe- o equilı́brio térmico entre a radiação de corpo negro e
cutados pelas nossas moléculas sob a influência da ra- um dado gás à mesma temperatura. Então, devemos
diação. Para isso usaremos um método que é bem co- ter
nhecido da teoria do movimento Browniano, e que já foi
por mim utilizado por diversas vezes para fazer cálculos 1 1
M v 2 = kT. (11)
no estudo de movimentos em campos de radiação. Para 2 2
simplificar o cálculo, esta investigação somente é re- A Eq. (10) torna-se
alizada para o caso em que movimentos só ocorrem
em uma direção, a direção X do sistema de coorde- ∆2
= 2RkT. (12)
nadas. Além disso, nos contentaremos em calcular o τ
valor médio da energia cinética do movimento progres- A investigação deve agora proceder assim. Para
sivo, renunciando assim, à comprovação de que estas uma dada radiação [ρ(ν)] podemos calcular ∆2 e R,
velocidades v distribuem-se conforme a lei de Maxwell. com nossas hipóteses acerca da interação entre radiação
Seja a massa M da molécula suficientemente grande e moléculas. Inserindo esses resultados em (12), esta
para podermos desprezar altas potências de v/c em equação será satisfeita se ρ, como uma função de ν e T ,
comparação com potências menores; então, podemos for dada pela equação de Planck (4).
aplicar a mecânica ordinária à molécula. Além disso,
sem qualquer perda real de generalidade, podemos efe-
tuar nossos cálculos como se os estados com ı́ndices m
5. Cálculo de R
e n fossem os únicos possı́veis para a molécula. Seja uma molécula do tipo considerado, movendo-se
O momento M v da molécula varia de duas maneiras uniformemente com velocidade v ao longo do eixo X
no curto intervalo de tempo. Embora a radiação seja a do sistema de coordenadas K. Desejamos saber o mo-
mesma em todas as direções, em conseqüência do seu mento médio por unidade de tempo transferido para a
movimento, a molécula sentirá a ação de uma força na molécula, por meio da radiação. Para podermos cal-
direção oposta, devida à radiação. Seja Rv esta força, cular isso devemos avaliar a radiação a partir de um
onde R é uma constante a ser determinada mais tarde. sistema de referência K’, o qual está em repouso rela-
Esta força levaria a molécula ao repouso, se a irregulari- tivo à molécula, porque nossas hipóteses sobre emissão
dade da ação da radiação não tivesse como conseqüência e absorção foram formuladas apenas para moléculas
que durante o tempo τ um momento ∆ com direção e em repouso. A transformação para o sistema K’
módulo variáveis fosse transferido para a molécula; esta tem sido freqüentemente apresentada na literatura, e
influência não-sistemática, contraposta à antes men- de modo especialmente preciso na tese berlinense de
cionada, manterá um certo movimento da molécula. Ao Mosengeil[2]. Contudo, a tı́tulo de completeza repetirei
final do curto intervalo τ em consideração, o momento aqui as considerações simples.
da molécula terá o valor Relativamente a K, a radiação é isotrópica, isto é,
para a radiação por unidade de volume, na faixa de
M v − Rvτ + ∆. freqüência dν e propagando-se em uma direção dentro
Como a distribuição de velocidade deve permanecer de um ângulo sólido infinitesimal dk, temos:
a mesma ao longo do tempo, esta quantidade deve ser
dk
em média igual a Mv ; portanto, o valor quadrático ρdν
, (13)
médio de ambas as grandezas, tomadas em um longo 4π
intervalo de tempo, ou sobre um grande número de na qual ρ depende apenas da freqüência ν, mas não
moléculas, devem ser iguais entre si: da direção. Esta dada radiação corresponde, relati-
vamente ao sistema K’, a uma outra dada radiação,
(M v − Rvτ + ∆)2 = (M v)2 . a qual é igualmente caracterizada por uma faixa de
freqüência dν’ e um certo ângulo sólido dk ’. A den-
Como tomamos particularmente em consideração sidade volumétrica desta dada radiação é
a influência sistemática de v sobre o momento da
molécula, teremos de desprezar a média ∆v. Ex-
pandindo o lado esquerdo da equação, obtemos dk 0
ρ0 (ν 0 , φ0 )dν 0 . (130 )

∆2 = 2F M v 2 τ. (10)
Através disto, ρ’ está definido. Ela depende da
A média v2 para nossas moléculas, que é causada direção a qual é definida na forma usual pelo ângulo
pela radiação de temperatura T , através da sua in- φ’ com o eixo X 0 e o ângulo ψ’ entre a projeção do
teração com as moléculas, deve ser igual ao valor médio plano Y 0 Z 0 com o eixo Y 0 . Esses ângulos correspondem
Sobre a teoria quântica da radiação 97

aos ângulos φ e ψ, os quais de modo similar fixam a médio transferido para a molécula por unidade de
direção de dk com respeito a K. tempo. Contudo, antes de fazer isso, devemos dizer algo
Antes de tudo, é claro que a mesma lei de trans- mais para justificar o caminho escolhido. Podemos ob-
formação válida entre (13) e (13’) também deve ser jetar que as Eqs. (14), (15) e (16) são baseadas na teoria
válida entre os quadrados das amplitudes, A2 e A’2 , de do campo eletromagnético de Maxwell, a qual é incom-
uma onda plana de direção de propagação apropriada. patı́vel com a teoria quântica. Contudo, esta objeção
Portanto, na aproximação que queremos, temos atinge a forma e não a essência da questão. Qual-
quer que seja a forma da teoria dos processos eletro-
ρ0 (ν 0 , φ0 )dν 0 dk 0 ν magnéticos, certamente o princı́pio de Doppler e a lei
= 1 − 2 cos φ, (14)
ρ(ν)dνdk c da aberração permanecerão válidos, e também as Eqs.
ou (15) e (16). Além disso, a validade da relação de energia
(14) certamente se estende além da teoria ondulatória;
pela teoria da relatividade, esta lei de transformação
dν dk ν
ρ0 (ν 0 , φ0 ) = ρ(ν) (1−2 cos φ). (140 ) também vale, por exemplo, para a densidade de ener-
dν 0 dk 0 c gia de um corpo tendo uma massa de repouso infinite-
A teoria da relatividade adicionalmente fornece as simal e se movendo com a (quase-) velocidade da luz.
seguintes fórmulas, válidas na aproximação desejada Podemos então reivindicar a validade da Eq. (19) para
aqui, qualquer teoria da radiação.
³ ´ De acordo com (B), a radiação por segundo corres-
ν
ν 0 = ν 1 − cos φ , (15) pondente ao ângulo espacial dk ’,
c
ν ν dk 0
cos φ0 = cos φ − + cos2 φ, (16) Bnm ρ0 (ν 0 , φ0 )
,
c c 4π
induzirá processos elementares do tipo Zn →Zm , desde
ψ 0 = ψ. (17) que a molécula volte ao estado Zn imediatamente após
cada um desses processos elementares. Na realidade,
De (15), com correspondente aproximação, segue contudo, o tempo de permanência por segundo no es-
³ ν ´ tado Zn é, de acordo com (5), igual a
ν = ν 0 1 + cos φ0 .
c 1
Portanto, igualmente na desejada aproximação, pn e−εn /kT ,
S
ν 0 na qual, para abreviar usamos
ρ(ν) = ρ(ν 0 + ν cos φ0 ),
c
ou S = pn e−εn /kT + pm e−εm /kT . (20)

∂ρ(ν 0 ) ν 0 De fato, o número desses processos por segundo é


ρ(ν) = ρ(ν 0 ) + ν cos φ0 . (18)
dν c 1 dk 0
Portanto, temos, devido a (15), (16) e (17) pn e−εn /kT Bnm ρ0 (ν 0 , φ0 ) .
S 4π
dν ν Em cada um de tal processo elementar, o momento
0
= 1 + cos φ0 ,
dν c εm − εn
cos φ0
c
dk senφdφdψ d(cos φ) ν0 é transferido para o átomo na direção positiva do eixo
= = = 1 − 2 cos φ0 . X ’. Por caminho análogo, encontramos, usando (B’)3 ,
dk 0 senφ0 dφ0 dψ 0 d(cos φ0 ) c
que o correspondente número de processos elementares
Usando essas duas relações e (18), (14’) transforma- induzidos, do tipo Zm →Zn , por segundo é
se em
1 dk 0
pm e−εm /kT Bm
n 0 0
ρ (ν , φ0 ) ,
S 4π
ρ(ν 0 , φ0 ) = e em cada um de tais processos elementares o momento
· ¸
ν ∂ρ(ν) ³ ν ´
ρ(ν) + ν 0 cos φ0 1 − 3 cos φ0 . (19) εm − εn
c dν c − cos φ0
c
Com o auxı́lio de (19) e nossa hipótese acerca é transferido para a molécula. Levando em conta (6) e
da emissão espontânea e os processos induzidos da (9), o momento total por unidade de tempo transferido
molécula, podemos facilmente calcular o momento para a molécula, através de processos induzidos é então,
3 No texto original, encontra-se (B), provavelmente um erro de composição (N.T.).
98 Einstein

Z
hν 0 dk 0 ∆2 = lλ2 . (22a)
pn Bnm (e−εn /kT − e−εm /kT ) ρ0 (ν 0 , φ0 ) cos φ0 ,
cS 4π De acordo com nossas hipóteses, em cada processo
elementar, induzido ou espontâneo, o momento
na qual a integração é feita sobre todos os elementos
de ângulos sólidos. Resolvendo esta última, resulta por hν
λ= cos φ
intermédio de (19), o valor c
é pois transferido para a molécula. Aqui φ representa o
µ ¶ ângulo entre o eixo X e uma direção escolhida aleato-
hν 1 ∂ρ riamente. Daı́ resulta,
− 2 ρ− ν pn Bnm (e−εn /kT − e−εm /kT )ν
c S 3 ∂ν µ ¶2
1 hν
λ2 = . (23)
E ali é a freqüência novamente designada por ν (em 3 c
vez de ν’). Como assumimos que todos os processos ele-
Esta expressão representa o momento médio total mentares que ocorrem devem ser entendidos como even-
transferido por unidade de tempo para uma molécula tos independentes entre si, podemos aplicar (22a).
movendo-se com a velocidade v. Pois está claro que os Neste caso, l é o número de todos os processos ele-
processos elementares de emissão espontânea, os quais mentares ocorrendo durante o tempo τ . Este é o dobro
ocorrem sem a ação da radiação, não têm uma direção do número de processos induzidos Zn →Zm no tempo
preferencial, quando vistos do sistema K’, portanto τ . Então,
eles em média não podem transferir momento para a 2
molécula. Obtemos daı́, como resultado final da nossa l = pn Bnm e−εn /kT ρτ (24)
S
consideração: De (23), (24) e (22), resulta
µ ¶ µ ¶2
hν 1 ∂ρ ∆2 2 hν
R= ρ− ν pn Bnm e−εn /kT = pn Bnm e−εn /kT ρ. (25)
c2 S 3 ∂ν τ 3S c
(1 − e−hν/kT ). (21)
7. Resultados
6. Cálculo de ∆2 Para mostrar agora que os momentos transferidos pela
radiação para as moléculas, conforme nossas hipóteses
Muito mais simples é calcular a influência da irregu- básicas, jamais perturbam o equilı́brio termodinâmico,
laridade dos processos elementares sobre o comporta- necessitamos apenas inserir em (25) e (21), os valores
mento mecânico da molécula. Pois, no grau da aproxi- calculados para ∆2 /τ e R, após o que, devido à (4), é
mação que aceitamos desde o inicio, podemos basear substituı́da em (21) a quantidade
este cálculo numa molécula em repouso. µ ¶
Seja algum evento que cause transferência de um 1 ∂ρ
ρ− ν (1 − e−hν/kT )
momento λ para uma molécula, na direção X. Que este 3 ∂ν
momento tenha sinais diferentes e intensidades dife- por ρhν/3kT . Mostra-se então de imediato que nossa
rentes em diferentes casos. Contudo, deve valer para equação fundamental (12) é identicamente satisfeita.
λ uma lei estatı́stica tal em que o valor médio de λ se As considerações ora finalizadas fornecem um forte
anula. Sejam então λ1 , λ2 ,... os valores desses momen- suporte para as hipóteses apresentadas na Seção 2, acer-
tos, os quais transferem, na direção X, diversas ações ca da interação entre matéria e radiação através de
independentes entre si sobre a molécula, tal que, ao processos de emissão e absorção, ou seja, através de
todo, o momento ∆ transferido seja dado por processos radiativos espontâneos e induzidos. Eu fui
X conduzido a essas hipóteses através da minha tentativa
∆= λv . de postular, do modo mais simples possı́vel, um com-
portamento quântico das moléculas, o qual seria aná-
Então, quando para os individuais λv 4 os valores
logo ao comportamento de um ressonador de Planck
médios, λ̄v , desaparecem, vem:
X na teoria clássica. Resultou ao natural, da hipótese
∆2 = λ2v . (22) quântica geral para a matéria, a segunda regra de Bohr
(Eq. 9), bem como a fórmula de radiação de Planck.
Se os valores médios λ2v dos momentos individuais Mais importante, parece-me contudo, o resultado
são iguais entre si (= λ2 ), e se l é o número total relativo ao momento transferido para a molécula em
de eventos de transferência de momento, então vale a processos radiativos espontâneos ou induzidos. Se uma
relação das nossas considerações acerca desta transferência de
4 No original, aparece λv, ao invés de λv (N.T.).
Sobre a teoria quântica da radiação 99

momento fosse mudada, isto teria como conseqüência a dulatória, e de outro lado no fato de que ela delega ao
violação da Eq. (12); parece dificilmente possı́vel per- “acaso” o tempo e a direção dos processos elementares;
manecer de acordo com esta relação exigida pela teoria mesmo assim, eu tenho completa confiança na validade
do calor, de outro modo que não seja com base nas nos- do caminho utilizado aqui.
sas suposições. Podemos então contemplar o seguinte Mais uma observação geral pode ser feita aqui.
como certamente provado. Quase todas as teorias de radiação de corpo negro são
Se ao interagir com uma molécula, um raio de luz baseadas na consideração da interação entre radiação
provocar absorção ou emissão de uma quantidade de e moléculas. Contudo, geralmente nos contentamos
energia hν (processo de radiação induzido), o momento com a análise de troca de energia sem levar em conta
hν/c é sempre transferido para a molécula, e de tal troca de momento. Nos sentimos facilmente justifica-
modo que o momento tem a direção de propagação do dos nesse aspecto porque a pequena intensidade dos
raio se há absorção de energia, e a direção oposta se há momentos transferidos pela radiação implica de que
emissão de energia. Se a molécula é sujeita à ação de esses momentos são praticamente desprezı́veis em com-
raios de luz em diferentes direções, somente um deles paração a outros processos causadores de mudança do
participará em um processo induzido elementar; apenas movimento. No entanto, para a discussão teórica es-
este raio define então a direção do momento transferido sas pequenas ações devem ser em tudo consideradas
para a molécula. tão importantes como a óbvia ação da troca de energia
Se a molécula sofre uma perda de energia hν sem através da radiação, pois energia e momento são forte-
influência externa, emitindo esta energia na forma de mente conectados; podemos, portanto, considerar que a
radiação (emissão espontânea), este processo também teoria seja justificada somente quando for demonstrado
é direcional. Não existe emissão em ondas esféricas. que de acordo com ela os momentos transferidos pela
Durante o processo espontâneo, a molécula apresenta radiação para a matéria levem a movimentos tais como
um recuo igual hν/c, em uma direção, a qual no pre- aqueles requeridos pela teoria do calor.
sente estágio da teoria é unicamente determinada pelo
“acaso”. Referências
Essas propriedades dos processos elementares exigi-
das pela Eq. (12) tornam praticamente inevitável a [1] Verh. D. Deutschen physikal. Gesellschaft Verh. 13/14,
construção de uma teoria da radiação essencialmente S. 318 (1916).
quântica. A fragilidade da teoria reside, de um lado, [2] K. Von Mosengeil, Ann. d. Physik 22, 867 (1907).
ela não nos aproxima de uma conexão com a teoria on-

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