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Isabel definitivamente era o tipo de mulher que dava em Ramon a vontade de estapeá-la até os dentes dela caí-
rem. Não, ela não era maldosa, mas conseguia ser irritante. Ela era uma repórter investigativa insatisfeita com o
que conseguiu até hoje com sua carreira. Ao invés de fazê-la se contentar, essa situação parecia forçar a sua cabeça
a tecer as mais insanas teorias da conspiração sobre ligações ilícitas entre vários empresários milionários, astros da
mídia e o governo. Ela já era suficientemente doida para ser trancafiada perpetuamente num quarto acolchoado
apenas por ter a ideia de invadir a mansão dos Bragança e Martins. Ramon, seguindo o raciocínio, seria mais doido
ainda por aceitar a ideia. Claro, a moça era persistente, e sabia ser persuasiva mesmo sem fazer uso do belo corpo
moreno. Ramon odiava esse tipinho. Mas Isabel era diferente. Ela parecia ter resposta para tudo, e era difícil con-
trapor seus argumentos. Por fim, ele acabou aceitando a ideia de infiltra-la na casa à noite nem que fosse apenas
para evitar que a moça levasse um tiro e fosse desovada num beco qualquer de uma favela qualquer. Ou talvez
coisa pior.
Ramon expirou pesado enquanto dirigia. Nem ao menos se esforçando para esconder seu descontentamento ou
preocupação. Tudo bem que a menina parecia ser do tipo inteligente, daquelas que não fazem besteira a toa, mas,
bom… Ela era uma mulher, oras! E quando elas põem algo na cabeça, nem mesmo o próprio Tupã poderia mover
essa ideia de lá! Pelo menos era nisso que ele pensava, tentando se confortar. A repórter tinha lá seus talentos. Mas
no tipo de negócio em que Ramon se mete, meros mortais simplesmente não têm chance. E essa lábia toda não
valeria de nada na frente das coisas que ele enfrenta. Ah, se ela pelo menos soubesse…
‚É por aqui que você falou que fica a falha da segurança?‛ Perguntou a morena ajeitando uma mecha tingida
em um castanho claro, sem se importar com a zanga na face de Ramon. Ela se referia a algo que ele deixou escapar
numa das conversas anteriores com a jovem. Ela o via como sua ‘fonte’, afinal. Ramon mencionou que uma parte
dos muros do terreno da mansão estava em reformas. Parece que seus patrões resolveram colocar novas câmeras
de segurança, ou aumentar a voltagem da cerca elétrica. Definitivamente, gente rica não sabia com o que gastar
dinheiro, ele concluiu para si.
‚Sim, é. Mas você fica aqui. Os cães devem estar soltos a essa hora da noite.‛ Talvez Isa nem tivesse ouvido di-
reito. Ela já estava do lado de fora do carro parado, mas ainda ligado e com os faróis acesos. A repórter parecia não
se incomodar com a chuva trovejante, apertando-se dentro do batido sobretudo de couro cáqui. Seus olhos conti-
nuavam fitos no muro. Foi então que a mão firme de Ramon puxou seu braço tentando lhe chamar a atenção. ‚Vo-
cê. Fica. Aqui. Entendeu?‛ Isa assentiu.
Escalar um muro desses nem seria tão difícil assim para Ramon. O treinamento da polícia e as décadas de mus-
culação serviram para alguma coisa afinal. Mas a chuva dificultava um pouco. Com um pouco de esforço, e muito
cuidado para acabar não escorregando lá em cima, ele conseguiu subir, olhar o chão. Ele não ouviu os latidos. Óti-
mo. Parece que alguém se esqueceu dos cães de guarda justo hoje. Ele então pulou para dentro do gramado, e nada
ainda. Tudo que ele tinha que fazer seria se certificar de que alguma atividade sinistra estava acontecendo na man-
são. Depois de ser desligado da força policial por ‚excesso de honestidade‛, Ramon não teve muita escolha senão a
profissão de segurança de granfinos ou leão de chácara. Pelo menos os Bragança e Martins pagavam bem. Ele pra-
ticamente só topou trazer a garota porque se os palpites dela estivessem certos, isso era algo muito sério. Muito
além do que a polícia costuma cuidar.
Os pensamentos de Ramon foram interrompidos com outro som seco de queda, o farfalhar de um tecido mo-
lhado. Ele se virou para notar Isabel atrás dele. O ex-policial de físico de ator de cinema de ação já puxava o ar para
uma bronca de horas quando Isabel o interrompeu. ‚Achei que tivessem cães. Não ouvi nada, então a barra estava
limpa. Resolvi te seguir.‛ Ramon odiava quando ela fazia isso. Ele tentou persuadi-la a voltar, mas seria impossível
escalar o muro de volta. O lado de dentro do terreno era mais baixo que o de fora, o que tornava o muro virtual-
mente mais alto daquele lado. Não tinha jeito. O negócio era aturar a garota esperta por mais tempo.
Foi só então que ele olhou para frente, e viu. Melhor, não viu. As luzes da casa estavam todas apagadas. O que
era estranho para o estilo dos patrões, que preferiam a casa acesa feito uma árvore de natal brega mesmo sem nin-
guém nela. Uma queda de energia, talvez, por causa da chuva. Mas isso teria acionado os geradores reserva. Ele foi
se aproximando com cuidado. Nem mesmo uma onça o teria ouvido ali. Então as luzes da casa piscaram rapida-
mente umas três vezes por um rápido momento, de uma direção para outra. Então ele entendeu. A energia elétrica
não havia sido interrompida. Estava sendo desviada. Ele então olhou para longe da mansão, na direção de uma
pequena casa não muito longe. Era onde os patrões guardavam os barcos, carros, jet skys e seja lá mais que outro
tipo de parafernalha em que esses playboys quisessem torrar seu dinheiro. A luz da ‚garagem‛ tremeluzia, mas
num tom muito mais forte que qualquer lâmpada moderna poderia gerar. Ramon torceu pra ser o filho dos patrões
que resolveu dar uma maldita festa do nada.
Correu pela mente de Ramon a ideia de fazer Isabel ficar por ali mesmo. Mas ele percebeu sozinho que não adi-
antaria. Uma festa sem o conhecimento dos seus zelosos pais colocaria o adolescente Julio parecer um pouco mais
rebelde que o mimado filho único dos seus milionários e superprotetores pais. Pelo menos daria pra tirar uns tro-
cados na coluna social ou com algum tabloide de fofocas. Seria melhor do que nada.
Ao se aproximar mais, Ramon reconheceu primeiramente o som de um atabaque. E a voz do pequeno Julio can-
tando alguma coisa. Parecia um ritmo tribal. O barulho da chuva atrapalhava distinguir as palavras, mas parecia
alguma desgraça de língua enrolada. Talvez alguma coisa que ele tivesse aprendido nesses cursos loucos que os
pais dele o enfiavam. Mas a sua mente de Heréu deu um estalo, por fim. Era tupi. E não eram palavras que traziam
boas lembranças para Ramon. Sem pensar mais, ele girou rapidamente, jogou Isa contra a parede, e espremeu o
pescoço dela com o cotovelo. Aterrorizada e engasgada, a jovem arregalou os olhos para ver o olhar de Ramon. Ele
não permitia brincadeiras. Não mais. ‚Você não sai daqui. Aconteça o que acontecer. O que quer que você veja.
Você me ouviu, garota?‛. Ela apenas assentiu. Ele então soltou o seu pescoço, mas agarrou seus dois braços, como
se não quisesse que ela fugisse dali. ‚Me ouviu? Sem brincadeiras, sem pegadinhas. Eu juro que se você sair daí eu
mesmo atiro em você, ouviu?‛.
Isabel não estava entendendo mais nada, mas viu quando Ramon puxou uma arma de sua calça. Ele provavel-
mente falava sério sobre atirar nela, então. Ele entrou na garagem por um basculante que alguém deve ter esqueci-
do aberto.
Lá dentro, a situação era pior do que o filho de Tupã imaginava. Havia um feitiço de invocação escrito no chão a
giz. Nos seus cantos, folhas de plantas sagradas, e no centro, os corpos inertes dos cães de guarda da casa. Suas
gargantas cortadas derramavam sangue que borravam o giz e quase regavam as plantas. Tudo conforme mandam
as instruções do ritual de invocação de luisons. Trabalho de pelo menos um mestre do Círculo Menor. A coisa es-
tava preta. E ia ficar pior. O uivo demoníaco estremeceu as paredes de madeira do lugar junto com o vento sibilan-
te da chuva lá fora. Foi então que a luz vermelha pareceu parir três lobos de tamanho impossível. Suas barrigas
eram recolhidas pela fome, bem como suas costelas aparentes. Músculos poderosos saltavam do pelo negro, en-
quanto o brilho de rubi daqueles olhos só davam menos medo do que as presas e garras que pareciam feitas de
ferro. No meio de tudo aquilo, estava Julio. Ramon se cansou de assistir. Ele pulou para dentro da cena, assustando
os luisons e Julio.
‚Parados! Pra longe do garoto, vira-latas!‛ Gritou o Heréu de Tupã apontando a pistola para o grupo. Realmen-
te, uma vez policial, sempre policial. ‚Fica calmo, Julio. J{ vou te tirar daqui.‛
Um dos lobos tomou a frente, ele pareceu rir um pouco com um som fino e então falou numa rouca voz. Como
a de quem não bebe nada h{ semanas. ‚Vamos ver o filhote de Deus tentar, irmãos.‛ Um dos lobos saltou por de-
trás, uma bocarra monstruosa aberta, mas isso não intimidou Ramon. Um tiro fácil bem no céu da boca do mons-
tro. A cria de Titã caiu com um latido fino. O outro parecia ser mais esperto, e aproveitou o primeiro tiro para ata-
car Ramon pelo lado. Ele só o viu quando já era tarde demais. O bafo de carniça da criatura estava sobre ele, que
jazia deitado, longe da sua pistola. A pata do luison apertava-lhe o peito, dificultando a respiração.
‚Heh,‛ riu de novo o lobo. ‚Vejo que trouxe uma oferenda, filho de Tupã. Fico tão comovido que começarei
quebrando o pescoço antes de comer o coração da filha de Guaraci.‛ Disse o lobo imenso após farejar o ar.
‚Do que você ‘t{ falando?‛ Então ele entendeu. ‚Porra, a Isa!‛ O surto de adrenalina da realização era tudo o
que Ramon precisava, ele agarrou a pata imensa sobre seu peito, e com força descomunal a torceu. Deu certo, o
luison saíra de cima dele. Mas o que restou já havia saído da garagem, destruindo a parede por trás de Isabel, que
caiu desacordada no chão. O luison saboreava o cheiro dela enquanto Ramon percebia que não teria tempo de bus-
car sua pistola. Foi então que um clarão de luz pareceu empurrar o lobo demoníaco para trás. Ramon também ficou
cego por alguns segundos, mas quando voltou a si, havia um pássaro vermelho sobre o corpo de Isabel. Ao seu
lado, um estranho e esguio lobo de pelo alaranjado e patas pretas.
‚Saudações, Ramon. Como você tem passado?‛ Perguntou-lhe educadamente o pássaro.
‚Isso l{ é pergunta que se faça, ‘puru? Porra, tem luison brotando de tudo quanto é lado nessa bagaça! Pelo me-
nos diz que o totó aí faz alguma coisa além de sentar no próprio rabo!‛
O lobo olhou para Uirapuru, e então se virou para Ramon e disse: ‚Se estivermos incomodando, podemos vol-
tar outra hora. Mas direi a Guaraci que você não nos deixou entregar os Legados de sua filha…‛ O lobo então fin-
giu se virar para ir embora. Ele sabia que seria impedido.
‚Ah, qual’é, Guar{? Desculpa aí. Mas diz aí. Que tu tem de bom aí pra Isa?‛
O lobo guará pareceu não se importar com a pergunta de Ramon. Ele apenas se virou para o corpo adormecido
e lambeu-lhe o rosto. Quando abriu os olhos, Isa olhava para a profundidade dos olhos resplandecentes do animal.
Era como olhar para um mar sem fim de sabedoria. ‚Isabel, filha do poderoso Guaraci. Atente ao que te direi, He-
réia do Sol. Tens ao teu lado o valioso aliado que é Ramon, mas para ser-lhe de ajuda, precisarás de teus Legados, e
dos dons que teu sangue lhe concede. A pedido de teu pai, eu a honro com uma das penas de seu majestoso cocar,
com a qual repelirás toda treva. E o arco do magnânimo jacarandá, cujas flechas têm sede pelo mal. Agora levanta-
te. Teu pai te criou para ser uma guerreira. Guerreie em nome dos gloriosos Nhanderú.‛
Isabel se levantou com uma sensação esquisita. Ainda sem saber o que fazia direito, ela pegou o arco que o lobo
lhe dera e apontou a flecha para o luison que sacudia sua cabeça, para repelir a luz de Uirapuru. Ramon tentou
adverti-la que aquilo não adiantaria, pois luisons são quase blindados por fora, mas a flecha simplesmente atraves-
sou o luison de um lado ao outro, e caiu. O susto de Ramon era óbvio, mas então ele se lembrou. ‚O Julio!‛
Isabel correu atrás dele, para impedi-lo. Era como se todo um mistério se resolvesse em sua mente. Tudo aquilo
que não fazia sentido antes era óbvio para o rio que corria na mente da repórter. ‚Ramon, espera!‛. Mas era tarde.
Julio era uma distorção do que sempre fora. Escamas lhe cobriam a pele, garras brotavam de seus dedos, e mais
impressionante ainda, uma cauda saía de entre as suas pernas. Foi com ela que ele levantou Ramon do chão pelo
pescoço, e o enforcava.
‚Tira burro. É claro que se o garoto estava aqui sozinho, ele não era a vítima. Foi esse safado quem invocou os
luisons em primeiro lugar. Alguém tem que fazer esses garotos parar de mexer com esses jogos…‛ Disse Isabel
para si mesma. Retirando a pena vermelha do bolso de seu sobretudo, uma luz imensa encheu os olhos amarelos
do que antes era Julio. Foi o bastante para soltar Ramon, que caiu e se manteve ajoelhado.
‚Então o moleque gosta de brincar com bichinhos? Saca só, garoto,‛ ofereceu Ramon, retirando uma faca feita
de osso, entalhada com motivos tribais pretos e vermelhos. ‚O meu é maior. BOIÚNA!‛ E fincou sua ponta no
chão. Em resposta ao chamado, uma gigantesca anaconda se ergueu do chão, engolindo Julio por inteiro, e então
voltando a se enterrar, destruindo o que restou da garagem no caminho.
‚E aí, est{ inteiro?‛ Perguntou Isabel, se oferecendo para levantar seu companheiro de luta.
‚Não. Acabo de perder meu emprego.‛
‚Não foi tão ruim assim. Ainda podemos dizer que o Julio fez isso tudo… Brincando com gasolina na garagem
dos pais.‛ A ideia era absurda, mas dado o estilo de vida extravagante dos Bragança e Martins, era prov{vel de
funcionar. Ramon pelo menos ficou pensando. ‚O que ajuda, mas você est{ certo. Seu emprego foi pelos ares. Mas
você ainda pode continuar me servindo como fonte. O que acha?‛
Agora sim seria uma ótima hora para socar o queixo de Isabel. Mas, pela primeira vez, Ramon gostou de ouvir a
inteligência da moça. Por fim, ele a cumprimentou à maneira Nhanderú.
‚Anauê.‛
‚Anauê.‛ Respondeu Isabel. A palavra simplesmente saiu. De alguma forma, a resposta simplesmente veio até
ela. Ela contabilizava tudo aquilo. Uma história que de tão incrível ninguém acreditaria, mesmo que houvesse pro-
vas. Uma roupa cara totalmente estragada por um ataque de lobo gigante. Um chato brutamontes reclamão que
agora era seu melhor aliado. Uma escova de salão totalmente arruinada. Um adolescente almofadinha adorador do
demônio devorado por uma serpente imensa. E uma unha quebrada. Até que o dia não foi tão ruim assim.
ANAUÊ!
O Que é “Anauê”? puristas ou que, por conhecerem mais a respeito, po-
dem vir a considerar esta amálgama uma ofensa a
qualquer um dos dois lados.
Anauê (saudação e grito de guerra tupi. Literalmen-
Embora a intenção original deste projeto tenha sido
te, quer dizer ‚você é meu irmão‛) é um suplemento
criar um panteão brasileiro apenas, foi encontrada uma
não oficial feito por fãs para o RPG Scion, publicado
impossibilidade de tratarmos deste país isoladamente
pela editora White Wolf.
quando o assunto é a cultura pré-colombiana da Amé-
Neste pequeno livro, você encontrará informações
rica Latina. Assim, vários ícones das culturas de países
sobre o panteão tupi-guarani, os Nhanderú. Seu históri-
vizinhos, em que a cultura indígena seja talvez ainda
co, seus principais deuses e lendas, além de uma suges-
mais intensa, também foram incluídos neste suplemen-
tão de cenário para território não só brasileiro bem co-
to, como sendo oriundos de um mesmo radical original.
mo de países vizinhos que compartilham desta mesma
O que, dada a ‚licença do milagre‛ de Scion, talvez não
cultura ancestral.
seja tão absurdo assim, já que provavelmente muitos
Deuses americanos não ligariam muito para tais crité-
O Que NÃO É “Anauê”? rios como a divisão política de países que só seriam
fundados pelos europeus vários milênios depois.
Este suplemento de maneira alguma visa conter re-
Conteúdo
gras já mencionadas no material originalmente publi-
cado pela White Wolf. Ou seja, os livros oficiais deste
RPG continuam sendo necessários. Em caso de contra-
Este livro contém várias informações que podem ser
dição entre as fontes oficiais e não-oficiais, recomenda-
úteis para Narradores e jogadores que queiram ambien-
mos fortemente que o Narrador siga aquilo que achar
tar suas aventuras ou as histórias de fundo de seus
melhor para a sua aventura, mas dando a devida prefe-
personagens mais relacionadas ao Brasil ou às nações
rência para os materiais da editora oficial.
sul-americanas onde a cultura tupi-guarani possui uma
Também não visa ser um registro preciso, histórico e
força mais intensa.
verídico das mitologias e/ou culturas dos povos indíge-
O Capítulo 1: Memórias aborda a História do Brasil
nas sul americanos. Todas as informações aqui citadas
do ponto de vista da cosmologia de Scion, relacionando
são oriundas de diversas fontes diferentes, e foram as-
a influência dos Nhanderú e de panteões próximos nos
similadas da maneira considerada melhor pelo ponto
períodos históricos mais importantes do país.
de vista RPGístico apenas. Qualquer informação aqui
O Capítulo 2: Os Nhanderú, detalha o panteão pro-
exposta de maneira alguma deve ser interpretada como
priamente dito, falando de seus deuses, características,
fato verídico ou sequer da opinião pessoal dos nossos
filosofia geral, Legados e sobre a sua Esfera exclusiva.
escritores. Apenas é uma forma de interagir com a cos-
O Capítulo 3: Terra de Vera Cruz, fala sobre a inte-
mologia de Scion através de um novo ponto de vista
ração dos Nhanderú com seu próprio território natal
apenas sugerido.
atual, outros panteões, e suas relações.
Entre outras licenças poéticas tomadas para adaptar
Por fim, o Capítulo 4: Moaruã, com o próprio nome
todo o vasto conteúdo mítico e religioso desta diversifi-
já diz, fala sobre o principal adversário dos Heréus dos
cada cultura, adotamos o próprio termo ‚tupi-guarani‛
Nhanderú e seus servos. As forças subordinadas a Mo-
unindo essas duas culturas, não tão semelhantes assim.
aruã: o Titã da Ambição.
Este e outros fatos podem desagradar jogadores mais
Capítulo 1: Memórias
“Esta terra, Senhor, (…) de ponta a ponta, é toda praia
parma, muito chã e muito formosa.”
Pero Vaz de Caminha, em sua carta
As Guerras Titânicas
Particularmente em regiões de maior dificuldade, o
sobre o descobrimento do Brasil
culto dos Curúpis começou a prosperar. Esses povos
passaram a venerar um dos antigos monstros titânicos,
O Reinício Nhanderú
o próprio panteão Nhanderú foi anexado graças a um
acordo de forças a um ramo menor dos Atzlánti, do
qual só se desvencilharia muito tempo depois. Em se-
A priori, mesmo após a fuga dos Titãs, os Nhanderú
gundo lugar, Tupã, sempre orgulhoso, quis mostrar o
ainda continuaram muito tempo aliados e submissos
valor do seu povo como sendo digno de viver os desa-
aos Atzlánti. Aos poucos, porém, ficou evidente no
fios que lhes eram impostos mesmo sem a ajuda de seus
decorrer da nova guerra que novos poderes eram ne-
Deuses. Assim, mesmo os Iapo Gú acabaram se esque-
cessários, e que os Atzlánti se preocupavam mais com
cendo quase completamente dos seus Deuses.
os países da América Latina Ocidental, deixando prati-
O período de colonização trouxe muito da cultura
camente toda a parte atlântica do continente desguar-
europeia e africana para as regiões de exploração de
necida. Cansados de verem o sofrimento sem resposta
todo o continente americano. A europeia veio por in-
por parte de seus descendentes, o Nhanderú enfim
termédio dos colonizadores, afoitos em civilizarem o
resolveram entrar tardiamente no conflito contra os
continente selvagem e usufruir de suas aparentemente
Titãs.
infindáveis riquezas. A africana, porém, veio princi-
Por mais que isto significasse o rompimento com o
palmente por intermédio dos escravos, trazidos a uma
acordo com os Atzlánti, estes, pouco parecem ter feito
terra estranha para suprir a mão de obra que os nativos
caso, e muito se alegram em ter novos aliados. Os ou-
não conseguiam. Crê-se que este tenha sido o primeiro
tros panteões também parecem compartilhar da mesma
contato da cultura dos seguidores dos Nhanderú (e
opinião. Porém, a entrada dos Nhanderú e seus Heréus
Atzlánti, por consequência) com os seguidores dos Loa
neste novo conflito ainda é considerada excessivamente
e talvez dos panteões europeus, muito embora o pró-
tardia. E nem todos os desta opinião são meros mortais
prio distanciamento das culturas humanas com os pro-
naturais do Mundo. Não são raros os especialistas dos
pósitos de seus respectivos panteões torne esta afirma-
vários panteões que consideram os Nhanderú como
ção um tanto quanto incerta.
inexperientes e que podem acabar arriscando todo o
As aparições e interferências dos Nhanderú na His-
progresso conquistado até agora por causa disso.
tória humana durante todo este período talvez teria
Fato, com o notório recente desenvolvimento da cul-
sido até muito menor do que as já escassas atividades
tura e economia sul americana pelo Mundo, o poder
humanas dos outros panteões. Ainda assim, alguns
dos Nhanderú aumentou correspondentemente. Isto, é
Heréus conseguiram marcar seus nomes na história de
claro, provocou as mais diversas reações nos outros
maneira bastante efetiva. É o caso do quase lendário
panteões. O que será discutido mais a diante.
líder cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, mais co-
nhecido pela alcunha de Lampião. Um dos maiores
Capítulo 2: Os Nhanderú
Virtudes: Expressão, Lealdade, Resistência, Vingança
(Ou Kwara’sy, Coaraci) rada normalmente por aqueles que buscam inspiração,
tranquilidade e admiram sua beleza. Jaci também é
O mais antigo de todos os Nhanderú, Guaraci foi dona de um amor imensurável por toda e qualquer
quem criou o dom da Vida e o ensinou a seu filho Tupã, forma de vida, incapaz de causar a morte a qualquer
que o usou para criar os mortais. Ele é o Deus do Sol, o ser, por mais perverso que seja. Normalmente é ela
altivo e imperioso marido de Jaci, Deusa Lua. Ele ob- quem tempera a fúria de seu filho Tupã com um pouco
serva a todos de cima, com ar preponderante de realeza de sensatez. Foi ela quem impediu que os filhos mons-
e inquestionável superioridade. De sua morada na abó- truosos de Kerana fossem mortos pelos outros Nhande-
bada celeste, ele observa a tudo, e só intervém quando rú, permitindo que existissem, mas com poderes bem
algo realmente chama a sua atenção. De resto, ele espe- menores do que o que normalmente teriam.
ra que alguém da estatura adequada cuide do proble- Dona de uma beleza invejável em qualquer forma
ma. Todo esse distanciamento, porém, esconde um que adote, Jaci sempre se mostra distante e fria de tudo
amor ardente pelas belas criações humanas. e de todos. Para a frustração de muitos homens ao seu
Atualmente, Guaraci tem adotado os mais diversos redor. O que não a impede de exercer funções de ex-
disfarces, para atuar no máximo de campos possíveis tremo zelo e compaixão, como uma enfermeira no setor
da fascinante existência humana. Porém, onde quer que de emergências de um hospital, a zelosa porém severa
vá, ele sempre impõe sua irresistível aura de temor e supervisora de um colégio infantil ou até mesmo uma
respeito, por vezes, admiração. Ele é o jogador de fute- investidora em empresas que analisa tudo friamente.
bol astro do seu time; o presidente da empresa que Ela se dedica principalmente a lembrar os outros Deu-
ninguém consegue olhar nos olhos; o artista excêntrico ses (não só os Nhanderú) que a violência nem sempre é
cujas exigências beiram o absurdo, mas que ainda assim a resposta. Ela quase sempre acaba figurando nas histó-
são atendidas por um séquito de admiradores servis; o rias como uma Deusa simpática às súplicas de uma mãe
experiente médico residente que sempre tem a resposta por um filho.
para o diagnóstico impossível. Ele é o líder, inquestio- Os Heréus de Jaci acabam quase sempre sendo as
nável por poder ou admiração, sempre certo de sua principais ferramentas para levar este sentimento de
inata superioridade. Mas uma coisa é certa sobre seus amor, piedade e simpatia pelos mais sofridos. Eles pro-
personagens: A que quer que ele se dedique, ele o faz tegem os fracos e levam os oprimidos para onde pos-
com excelência. sam ter paz. Talvez seja este o seu maior problema: o de
E Guaraci não espera menos de seus Heréus. Exigen- quererem curar um Mundo que está sendo ferido por
te em seus feitos e intolerante quanto a falhas que tal- uma guerra eterna.
vez possam parecer insignificantes de início, seus filhos Poderes Associados: Manipulação Épica, Carisma Épi-
são educados a ferro e fogo em moldes de quase perfei- co, Água, Lua, Magia, Pe’Anama, Profecia
ção. Ele normalmente se mostra distante e severo para Habilidades: Atenção, Briga, Empatia, Integridade,
com seus Heréus, mas possui um amor que não ousa Ocultismo, Medicina
revelar a ninguém, pois entende que esse tipo de de- Rivais: Kerana; Tsuki-Yomi, Frigg, Arthemis, Ísis
monstração denota fraqueza. Seus Heréus quase sem-
pre manifestam esse mesmo ar de superioridade, que-
rendo ou não. São líderes naturais, o que pode levar a
alguns atritos com aqueles que possam não gostar de
Kerana
Originalmente uma humana, Kerana era filha do
tanto ego numa pessoa só.
poderoso chefe guerreiro Marangatú, filho direto de
Poderes Associados: Força Épica, Aparência Épica,
Rupave e Sypave. Kerana era uma jovem de imensa
Carisma Épico, Céu, Fogo, Pe’Anama, Sol
beleza, tanta, que isto atraiu a atenção do espírito ma-
Habilidades: Atléticos, Briga, Comando, Mira, Armas
ligno Tau, que a perseguiu e a violentou. Deste infeliz
Brancas, Ciência
acontecimento, nasceram sete monstros, cujo poder
Rivais: Apolo, Atum-Re, Baldur, Amaterasu, Quetzacó-
desimpedido poderia destruir o Mundo inteiro. Eles
atl
provavelmente teriam sido mortos pelos Nhanderú em
algum momento não fosse pela intervenção de Jaci, que mesmo até o Peru, chamada Peabiru (‚Caminho das
diminuiu seus poderes. Mortificada pelo sofrimento da Montanhas do Sol‛). Quando os sacerdotes cristãos
jovem, Jaci então permitiu que ela ascendesse ao nível chegaram à América, logo o identificaram com o Após-
de divindade menor dentre os Nhanderú, onde ela fi- tolo S. Tomé, pela sua natureza de ação e pela seme-
gura até os dias de hoje. lhança fonética.
O poder de Kerana em si não é grande ou temível. Sumé é sempre curioso e não resiste à possibilidade
Mas sim o poder de seus subordinados. Afinal de con- de aprender novas coisas, e tem vários amigos em ou-
tas, todos os seres monstruosos temidos até mesmo tros panteões, com quem adora trocar informações. Ele
pelos mais poderosos Nhanderú a chamam de ‚mãe‛. é hospitaleiro e viajante, quase nunca passando muito
O que provoca a desconfiança de muitos dos Nhande- tempo num só lugar (por vezes deixando algum Heréu
rú. Se ela realmente está do lado da Única Tribo ou se no caminho). Assim, ele é o palhaço de circo itinerante,
defenderá seus filhos caso se rebelem contra os Deuses o aventureiro de esportes radicais, o hacker que quer
ainda é uma pergunta sem resposta. toda a informação apenas para si ou o missionário via-
Atualmente, Kerana tem ocupado cargos que a per- jante, que leva conforto e iluminação aonde quer que
mitam gerar grandes poderes. Se ficarão ou não em seu vá.
poder é secundário, contanto que eles possam ser usa- Ele acredita no poder do conhecimento sobre qual-
dos para o bem da Única Tribo. Assim, ela tem sido quer outro tipo de poder, e assim quer que seus Heréus
uma física nuclear, uma jornalista política, instrutora de sejam mestres mais do saber do que da guerra. Ainda
artes marciais, ou uma professora fanática e exigente de assim, ele sabe que numa guerra, isto nem sempre é
pós-graduação. Qualquer que seja seu papel, ela é sem- possível.
pre quem cria quem tem o poder, e nunca a dona do Poderes Associados: Inteligência Épica, Raciocínio Épi-
poder propriamente dito. Dona de caprichos e requin- co, Fogo, Justiça, Mistério, Pe’Anama, Psicopompo
tes que a tornam um quebra-cabeças indecifrável, Kera- Habilidades: Acadêmicos, Comando, Ofícios, Ocultis-
na está longe de ser uma conquistadora amorosa, mas mo, Medicina, Ciência
todos os homens que ela deixa para trás são eternamen- Rivais: Anhangá; Toth, Hephaestus, Odin, Quetzácoatl,
te desolados pela sua lembrança. Amaterasu
Seus filhos Heréus são vistos como ferramentas para
os planos extremamente intricados e secretos de sua
mãe. Alguns ainda herdam o talento estratégico e ardi-
loso dela, mas a grande maioria é de agentes entre os
Tupã
objetivos divinos dela e do panteão (nesta ordem) e os (Ou Tupave, Tenondete,
empecilhos impostos pela condição existencial humana.
Por não ser de origem totalmente divina, Kerana é Nhanderú etê)
quem mais entende do Mundo mortal, afinal de contas. O soberano senhor dos raios dos Nhanderú é filho
Poderes Associados: Aparência Épica, Manipulação de Jaci e Guaraci. Foi ele quem deu forma às florestas,
Épica, Fertilidade, Pe’Anama, Saúde, Terra montanhas e rios. Ele criou a humanidade e lhes muniu
Habilidades: Empatia, Ciência, Ocultismo, Política, dos espíritos do Bem e do Mal, para que progredissem
Presença, Medicina cientes de ambos. Também foi ele que lançou do céu a
Rivais: Jaci; Loki, Sobek, Tlazoltéotl, Izanami estrela flamejante que extinguiu os Pamba’e Djagua da
Terra. Temido como autoridade e venerado ou invejado
Novos Legados
Relíquias Muiraquitã
“Eu andarei vestido e armado, com as armas de São Jorge. Relíquia (2 Esferas)
Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem, Os muiraquitãs são pequenos amuletos usados co-
tendo mãos não me peguem, mo pingentes normalmente no formato de pessoas ou
tendo olhos não me enxerguem animais como sapos, tartarugas, peixes, etc.; feitos de
e nem pensamentos eles possam ter para me fazerem mal.” pedra como a jade, madeira ou até mesmo argila. Eles
Oração a S. Jorge foram criados originalmente pela tribo de guerreiras
amazonas Icamiaba (literalmente, ‚aquelas que não têm
marido‛), que os davam como presentes aos homens
O Arco de Itaquê que eram bravos e dignos o suficiente para servirem de
seus consortes reprodutivos. Logo, ele se tornou um
Relíquia (3 Melhoramentos de Item, 1 Poder
símbolo de virilidade e bravura. A magia dos muiraqui-
Único de 1 Ponto)
tãs permite ao usuário acessar as Esferas Guerra e Saú-
Itaquê foi um corajoso Heréu de Guaraci, chefe da
de.
tribo tocantim, guerreiro e líder muito honrado. Cego
após uma ferrenha batalha contra os tapuias, seu teste
para escolher seu sucessor foi que este teria que vergar
o seu arco. Apenas o heroico jovem Ubirajara, então
A Pedra de Sumé
integrante da tribo araguaia, consegue fazê-lo. O arco Relíquia (2 Esferas, 1 Poder Único de 2 Pontos)
de Itaquê é basicamente um dai-kyu, com dano, alcance Esta Relíquia teria sido deixada pelo próprio Deus
e precisão melhorados em: +1L, 50 m e +1, respectiva- Sumé em sua passagem pelo Brasil enterrada, segundo
mente. Apenas alguém com a permissão do Heréu pro- alguns mitos, em algum lugar da Baía de Guanabara,
prietário do arco pode usá-lo, além dele próprio. ou nas matas amazônicas, onde várias tribos indígenas
ainda contam lendas sobre os guardiões de sua locali-
zação secreta. Nela, estariam gravados vários segredos
de magia, cura e ciência que nenhum mortal ainda esta-
ria pronto para conhecer. A posse e estudo contínuo de
sua intrincada linguagem permite ao Heréu acrescentar Caapora
sucessos iguais à sua Lenda em qualquer rolagem de Seguidor /Criatura (Porco do Mato)
Inteligência que ele fizer e acesso à Esfera Psicopompo e Um imortal menor dedicado à confusão daqueles
Mistério. que se aventuram em suas matas, os caaporas são os
principais agentes de Anhangá dentro dos territórios
Iara
nome dos Nhanderú.
Boiúna é um indivíduo único de sua espécie, e por
isso é considerado um recurso extremamente valioso Guia
aos Nhanderú. Portanto, tê-la como Criatura é uma A Iara original era uma índia de inigualável beleza,
honra concedida apenas aos Heréus que tenham pro- mas que nunca que mostrou atraída por nenhum de
vado seu valor e responsabilidade e sejam no mínimo seus pretendentes. Certo dia, enquanto admirava seu
de nível Semi-Deus. reflexo num rio, ela foi surpreendida por um bando de
Ao receber Boiúna como Criatura, o Heréu também malfeitores que a violentaram e jogaram seu corpo de-
recebe uma pequena adaga com adornos amazônicos. sacordado na água. Graças à intervenção de Kerana, ela
Ao cravar esta faca no chão, gastar um ponto de Lenda ressuscitou como uma figura bastante semelhante à
e chamar por Boiúna em alta voz, a criatura responde sereia europeia: mantendo sua forma humana original
ao chamado, brotando diretamente a partir de onde o da cintura para cima, mas tendo as pernas substituídas
punhal é cravado no solo. pelo ventre de um peixe. Depois deste fato, Iara passou
Mecanicamente, Boiúna é idêntico a um lindwurm a espreitar nas margens das águas, atraindo os homens
(Scion: Hero), além de ter o poder especial de seus o- com seu canto irresistível, e os devorando assim que
lhos de fogo (Alcance 100 m, Precisão 13, Dano 16A, VD mergulhavam.
Esquiva -, Velocidade 4. Requer o gasto de 1 Ponto de Hoje, há várias iaras espalhadas por todo o mundo.
Lenda) e ter Lenda 3. Capazes de caminhar entre os humanos disfarçadas
como mulheres lindíssimas, elas continuam a espalhar a
sina da Iara original… De certo modo. Elas não devo-
ram mais a carne humana no mundo civilizado (embora
ainda sejam capazes de fazê-lo, elas não preferem cha-
mar esse tipo de atenção indevida), mas abastecem sua
própria Lenda levando o infortúnio a qualquer um que
se apaixone por elas. Icamiaba
Toda iara também parece sofrer do mesmo distanci- Seguidora /Guia
amento emocional que sua progenitora original, porém. A tribo Icamiaba se diferencia de todas as outras en-
O que não parece impedir que milhares de homens (e contradas no continente americano pela sua principal
mulheres) ainda caiam em suas ciladas amorosas. Elas característica: ela é totalmente formada por mulheres
podem variar bastante em aparência também, mas ape- guerreiras. Com um fervor talvez ainda maior que as
nas uma característica se mantém constante em todas as suas equivalentes amazonas gregas, as icamiabas repu-
iaras: os encantadores olhos verdes e a belíssima voz. diam a presença dos homens, e os veem apenas como
Caso queiram, elas podem tomar sua forma original, o instrumentos reprodutivos… Para gerarem novas ama-
que distorce seus rostos criando uma bocarra com den- zonas. Crê-se que o próprio Pedro Álvares Cabral teria
tes afiados (+2L para ataques de mordida) e transforma se encontrado com uma dessas guerreiras, e, inspirado
suas pernas numa cauda de peixe (permitindo plena pelo encontro, chamou a região em que o fato ocorrera
movimentação e negação de penalidades para ações e de Amazonas.
movimentos realizados debaixo da água). As icamiabas são índias hábeis em táticas de guerri-
Sempre que causar qualquer forma de sofrimento lha em terreno florestal, o que inclui o uso de arco e
emocional a alguém atraído por ela, a iara pode fazer flecha, camuflagem, borduna (uma clava indígena) e
uma rolagem de (Aparência + Empatia + Lenda) e reti- posicionamento grupal estratégico. Recentemente ape-
rar pontos de F. Vontade desta pessoa iguais à quanti- nas umas poucas parecem ter encontrado sucesso em
dade de sucessos de sua rolagem. A iara então ganha meios modernos de combate, o que incluiria estudo
Lenda na proporção de 1 ponto de Lenda para cada 2 formal de artes marciais e talvez uso de armas de fogo.
pontos de F. Vontade perdidos pelo alvo. Embora sejam mais famosas pelo seu talento bélico, as
Qualquer iara também é capaz de recuperar Lenda icamiabas também eram versadas em artes místicas e
consumindo carne humana, na proporção de 1 ponto de criação de algumas relíquias de menor poder, como é o
Lenda para cada 2 níveis de dano Letal que ela infligir caso dos muiraquitãs.
com um ataque de mordida sobre um humano ou He- Mecanicamente, uma icamiaba usa o padrão de a-
réu. Cadáveres não rendem este benefício. mazona mencionado em Scion: Hero. A única diferença
Apenas algumas iaras se aliaram até hoje aos Nhan- é uma predominância de aparência indígena na maioria
derú, porém. Por não serem crias de Titãs propriamente das integrantes da tribo (as atuais icamiabas por vezes
ditas, elas ainda conservam o livre arbítrio. Mas algu- podem ter sangue ‚jurua‛, não indígena). Considera-se
mas podem recorrer a seus antigos hábitos selvagens impossível ter uma icamiaba como Seguidora de um
em regiões mais ermas ou por se renderem aos seus Heréu, já que elas notoriamente preferirão trabalhar ao
instintos predatórios, o que permite que a influência lado de mulheres, mas é bem possível que uma delas
titânica corra livremente por elas. Neste caso, elas po- aceite ser Guia de um Heréu, se este mostrar a devida
derão até mesmo ser caçadas como se fossem crias de reverência e inferioridade diante dela.
Titã por qualquer Bando. No caso de escolherem vive-
rem em paz, uma iara pode seguir seu caminho como
bem entender. Apenas algumas se dedicam voluntari- Matim-Tapirê
amente à causa dos Nhanderú servindo de Seguidoras Seguidor
ou Guias a seus Heréus. Esta espécie de criatura mítica parece ter mudado de
As iaras podem se reproduzir normalmente com forma ao longo dos séculos. Originalmente um pássaro
humanos ou Heréus. Apenas suas filhas se tornam ou- encantado, ele passou a ser identificado como uma fi-
tras iaras, porém. gura humana, um índio que pregava peça em seus se-
Toda iara tem Carisma, Manipulação e Aparência no melhantes. Por fim, adotou a forma de um menino ne-
mínimo em 4, além de possuírem as seguintes Virtudes: gro de uma só perna sempre acompanhado de um ca-
Ambição 4, Maldade 3, Ferocidade 2, Fanatismo 1 (iara chimbo e um gorro vermelho. Seu nome também foi
‚selvagem‛); Expressão 3, Lealdade 2, Resistência 1, alterado pela contínua latinização e algumas corrupções
Vingança 2 (iara leal aos Nhanderú). Toda iara também regionais | forma de ‚saci pererê‛. Mas por mais que
possui apenas um ponto de Lenda inicialmente. tenha mudado, uma coisa se mantém constante: sua
irresistível natureza de trazer a confusão e o caos à vida
das pessoas.
Na verdade, os matins podem tomar a forma huma-
na que bem quiserem, mas esta aparência é sua para
sempre. Raramente suas artimanhas trazem danos sé- que a maioria pode pensar, as mulas sem cabeça não
rios aos humanos, porém, mas costumam ser bem irri- são ferozes, e são bastante obedientes a seus donos He-
tantes. Todo matim sempre carrega um objeto que é o réus.
catalisador de seu poder. Sem ele, ele fica fraco e perde- Mulas sem cabeça possuem as mesmas característi-
rá um ponto de Lenda a cada hora sem ele. Caso ele cas que um cavalo, conforme mencionado em Scion:
perca todos os seus pontos de Lenda por causa disso, Hero, além de poderem possuir Dádivas da Esfera Fo-
ele morre, se desfazendo em cinzas em alguns instantes. go, o poder único detalhado abaixo e Lenda 2.
Se alguém conseguir capturar este objeto dele (que po- Ao gastar 1 ponto de Lenda, uma mula sem cabeça
de ser qualquer coisa, desde um relógio de pulso a um pode despertar seu rosto de mulher, que grita em hor-
par de sapatos), esta pessoa faz do matim seu servo, e ror assim que percebe sua nova condição. Todos na
ele fará de tudo para reaver seu objeto de poder. área audível deste grito devem então fazer uma rola-
Alguns dos matins, porém, se aliaram ou foram gem de F. Vontade + Integridade com dificuldade 6
submetidos ao comando dos Nhanderú. Esses, podem para não fugirem como puderem. Três sucessos ou
servir de Seguidores a Heréus. Ainda assim, eles detes- mais permitem que eles fiquem na cena, paralisados até
tam a ideia de serem servos, e farão tudo o que for pos- superarem o medo (gastando 1 F. Vontade assim que
sível para contrariar esta impressão. Assim, nunca é puderem agir). Seres com Lenda 3 ou mais podem gas-
sábio dar ordens arrogantemente a um matim, mas, tar 1 F. Vontade e automaticamente superar este efeito.
fazê-los se sentirem como importantes e indispensáveis Ao ganhar uma mula sem cabeça como Criatura, o
seres de inigualável poder é uma oferta que quase ne- Heréu também recebe um crucifixo dourado do tama-
nhum deles poderia recusar. nho de um pingente, que ele deve segurar e gastar 1
Todo matim tem acesso às Esferas Caos e Saúde, ponto de Lenda para chamar esta criatura, que emerge
sendo excelentes curandeiros e conhecedores das ervas de dentro de alguma sombra próxima.
medicinais e seus segredos.
Uirapuru
Mula Sem Cabeça Guia
Criatura /Relíquia (1 Poder Único de 1 ponto) Uirapuru era um jovem índio acometido pelos pro-
O termo em si é bem claro quanto à aparência desta blemas do amor. Ele havia se apaixonado irremedia-
criatura, mas um pouco impreciso. A mula sem cabeça velmente pela esposa de seu cacique, e, atribulado pela
possui o corpo de uma égua, na verdade, embora man- sua situação, orou a Tupã para que fosse transformado
tenha a característica de não ter cabeça, e sim uma fo- num pássaro que cantaria eternamente, na esperança de
gueira em seu lugar. Porém, em seu pescoço, logo abai- que sua amada o reconhecesse. O que nunca aconteceu.
xo da fogueira, fica o rosto de uma mulher, que parece Mesmo assim, Uirapuru continua a servir os Nhanderú
estar dormindo. como conselheiro imortal de seus Heréus. Como um
Até hoje os especialistas míticos discutem sobre sua Guia com vasta experiência e fascínio pela vida humana
capacidade de orientação, já que o rosto humano tam- contemporânea, ele não se limita não só a ter um vasto
bém não parece contribuir ativamente para isto. conhecimento sobre a cultura Nhanderú, mas também é
A origem dessas criaturas ainda é incerta, mas a ver- propenso a ser um especialista na arte do amor.
tente mais possível é que seja uma maldição que recaia Uirapuru possui os mesmos atributos da Ave (Pe-
esporadicamente sobre mulheres de pouco recato e quena) de Scion: Hero, além de ser capaz de falar, e
propensas a relacionamentos ilícitos, transformando-as possuir Carisma 3, Manipulação 2, Inteligência 3 e O-
nesses assustadores animais. Porém, ao contrário do cultismo 4 além das informações de seu padrão.
Cosmologia
Ybymará Eýma, ser apenas uma morada dos Deuses. Sim, é lá que as
grandes ocas dos grandes chefes Deuses Nhanderú
estão, mas não é algo destinado apenas a comportar
o Mundo Superior Nhanderú suas essências divinas. Ybymará Eýma também é um
lugar para onde vão as almas daqueles apreciados por
Ybymará Eýma (a Terra Sem Males) se difere dos esses mesmos Deuses. Deste modo, sendo ao mesmo
outros Mundos Superiores de outros panteões por não
tempo um Mundo Superior funcionalmente bem pare- cem à mesma tribo, e instintivamente, passam a se co-
cido com o Paraíso cristão. municar no idioma Tupi assim que a adentram.
Em sua aparência, Ybymará Eýma é uma grande flo- Em sua sociedade, conceitos como propriedade e di-
resta tropical. Com vegetação densa e verdejante e o nheiro simplesmente inexistem. Eles simplesmente não
clima quente e úmido. Os espíritos da floresta vagam têm utilidade lá. Tudo é de todos e compartilhar suas
livremente por lá, podendo ser ouvidos e sentidos como várias riquezas é algo tão natural para seus habitantes
barulhos dos animais silvestres. Esses espíritos animais quanto as roupas são para o homem moderno. As árvo-
são idênticos aos seus equivalentes aqui na Terra, po- res dão frutos que alimentariam o Mundo inteiro cente-
rém com sua aparência muito mais intensa. Isso quer nas de vezes, e os caçadores e pescadores sempre retor-
dizer que as araras possuem cores ainda mais vívidas e nam com abundância. De certo modo, a ideia de res-
intensas, o rugido da onça é ainda mais penetrante e a tringir algo como ‚de alguém‛ ou de trocar mercadori-
sombra das asas do condor em voo é muito mais impo- as seria risível para alguém que já vive lá há algum
nente, por exemplo. Todo espírito animal habitante de tempo. A Terra Sem Males simplesmente atende a todo
Ybymará Eýma é capaz de se comunicar com qualquer desejo de seus habitantes, sem deixar nada lhes faltar.
visitante humano, mesmo que este não tenha Lenda, Seja física ou psicologicamente.
mas seu nível intelectual está limitado ao equivalente De certa forma, é bem correto pensar que a Terra
de sua espécie. Sem Males é um reflexo do que o Mundo deveria ser.
Espíritos de humanos falecidos ainda podem habitar Pelo menos na visão Nhanderú. Em grande parte, o
Ybymará Eýma, compartilhando tudo que têm, numa objetivo mais cobiçado por todos os Deuses do panteão
‚Terra‛ utópica onde conceitos como propriedade pri- é criar uma sociedade idêntica no Mundo. O que já foi
vada, unidade monetária e posse são totalmente aliení- tentado e falhou diversas vezes.
genas. Porém, desde a fuga dos Titãs, a Terra Sem Ma-
les tem tido cada vez menos habitantes. São raríssimos
os casos de vítimas de ataques furtivos de ousadas e Pontos de Contato
furtivas crias de Titãs que assaltam a grande aldeia. Ao Antes da colonização da América, praticamente toda
passo que poucos hoje são capazes de encontrar o ca- tribo sul americana tinha um ponto de contato exclusi-
minho para lá. Em parte, por causa da confusão no vo para Ybymará Eýma. Isso permitia a qualquer indi-
Submundo causada pela fuga dos Titãs, mas também víduo que conhecesse os rituais certos não só contatar,
porque poucos ainda são atraídos pelos ideais Nhande- mas também caminhar por entre o Mundo Superior por
rú, e assim, não são chamados pelo panteão a habitar um determinado tempo. Porém, graças aos contínuos
com eles. Desses poucos, ainda há o risco dessa alma se extrativismo, urbanização e morte dos pajés, grande
perder no caminho para Ybymará Eýma, se tornando parte desses locais foi destruída. É possível ainda en-
errante pelo Mundo como um fantasma ou sendo devo- contrar os portais para o Mundo Superior, mas todos
rada por alguma cria de Titã espiritual. estão ocultos sob florestas virgens, ou guardados por
Nem todo ex-mortal que hoje habita Ybymará Eýma tribos hostis (com bons motivos) a estrangeiros.
é necessariamente um Heréu dos Nhanderú, ou sequer Esses portais, exceto que ativados pelo ritual ade-
um humano que devotou sua fé a esses Deuses. Vidas quando, só podem ser ativados na presença de um ser
dedicadas a atos de altruísmo, partilha e solidariedade, com Lenda. Caso contrário, ele poderia se passar tran-
ou até mesmo demonstrações isoladas mas relevantes quilamente apenas como uma estranha topiaria indíge-
desses valores em proporções intensas já são o suficien- na, galhos e ramos moldados na forma de um arco ar-
te para se tornar digno de um lugar na Terra Sem Ma- quitetônico. No caso raríssimo de um desses portais
les. O curioso, porém, é que, dada a infeliz dificuldade estar abandonado, é até provável que um Heréu se veja
de novos habitantes, grande parte dos ex-mortais que lá acidentalmente caminhando em Ybymará Eymá, após
habitam se tratam em sua esmagadora maioria de pajés, se perder na mata. Sua inconsciente passagem por bai-
caciques e guerreiros indígenas ainda do tempo da xo do arco o teria ativado, sem que ele sequer notasse.
colonização americana. De várias tribos diferentes, em- Excetuando-se tais portais, não há outro meio de
bora todos falem a mesma língua e possam compreen- transporte direto ao Mundo Superior Nhanderú. Con-
der e ser compreendidos por qualquer pessoa. As rarís- tudo, rituais antigos, dos tempos de Rupave e Sypave,
simas almas que conseguem pertencer à grande tribo podem permitir a comunicação com os espíritos natu-
após a morte também adotam as vestimentas, pinturas rais que ainda estão lá, ou com os habitantes do Mundo
corporais e demais costumes típicos de Ybymará Eýma. Superior.
Na Terra Sem Males, todos se lembram de que perten-
O único problema é encontrar alguém que os conhe-
ça. Apenas os pajés antigos conheciam esses rituais, e Teju Jaguá
todo o seu intrincado preparo. O primogênito dos sete monstros lendários, Teju Ja-
guá possui o corpo imenso de um lagarto, com a cabeça
Mais Elementos Brasileiros mente, é a que for melhor para o grupo. Aquela que
Narrador ou jogador acharem melhor naquele momen-
Um volume capaz de conter todos os elementos fol- to, para a determinada finalidade
clóricos do imaginário popular brasileiro certamente