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Quinta-feira, 6 de abril de 2017

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Esta coluna faz parte da série "A herança legal das ditaduras: nossas
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cicatrizes jurídicas”. caso Adriana ...
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Eis que, naquela manhã de novembro, quando os jornais chegaram às
bancas, estava lá nas manchetes: A cultura do estupro na lei
penal
“Profundas alterações na Ordem Político-Social do país." 6 de abril de 2017

“Pela nova ordem de coisas o período governamental será de 6 anos”. Existe algum membro do
Ministério Público com...
“Todos os ministros apresentaram pedido de demissão”. 6 de abril de 2017

Nem houve tanto espanto: o país vinha em situação de instabilidade política


Trabalho Escravo | Justificando
já havia um tempo. “Democracia frágil, não conseguimos estabelecer direito Entrevista Le...
essa coisa de votar pra presidente”, diziam alguns. “Mas a economia 6 de abril de 2017

também não vai bem, estamos vivendo uma recessão brava, precisamos de
uma mão forte, alguém que saiba lidar com quem produz riqueza nesse
país”, ponderavam outros. LIVROS JUSTIFICANDO

O Presidente tinha chegado ao cargo por vias, digamos, pouco ortodoxas, e já


estava no poder há alguns anos. Mas, não obstante alguns setores sociais
questionassem sua legitimidade no cargo, uma parcela expressiva da
população apoiava sua permanência. Estes aliados não se incomodavam em
ser identificados com tendências fascistas e, aliás, ostentavam até mesmo
um certo orgulho disto, pois afirmavam lutar contra a ameaça comunista no
Brasil, que sempre fora, afinal de contas, o grande mal da Humanidade. E
como não apoiar um governo empenhado em empreender uma certa
“modernização conservadora”, retomar o crescimento econômico e fomentar
o sentimento nacionalista?

Mas dessa vez parecia ser mais preocupante: o Presidente da República havia
fechado o Congresso.

E não era só isso: entendeu que seria o momento de outorgar um novo texto
constitucional, à revelia de qualquer recomendação democrática de que se
respeitasse o Poder Constituinte. “Mas todo Poder emana do povo,
presidente! E em seu nome deve ser exercido!”

“Bobagem”, respondeu a Nossa Excelência da vez. Ele dizia saber muito bem
o que o povo queria, pra que essa firula de “poder constituinte” e processos
democráticos? O Brasil estava em crise, não dava tempo de pensar muito
nesses luxos não.

E assim, lá estava o jornal de grande circulação com o preâmbulo d'A nova


Constituição a estampar o centro da página, traduzindo o que seria a
“vontade da nação” captada pela Autoridade Máxima do país:
Brasil em fúria
ATENDENDO às legitimas aspirações do povo brasileiro à paz política e
R$ 49,90
social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem,
resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que, uma
notória propaganda demagógica procura desnaturar em luta de classes, e da
extremação de conflitos ideológicos, tendentes, pelo seu desenvolvimento
natural, resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta
iminência da guerra civil;

ATENDENDO ao estado de apreensão criado no País pela infiltração comunista,


que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios, de
caráter radical e permanente;

ATENDENDO a que, sob as instituições anteriores, não dispunha, o Estado de


meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem-estar
do povo;
A Busca da Verdade no
Sem o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, Processo Penal
umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a R$ 74,90

nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das


nossas instituições civis e políticas;

Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua


independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as
condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à sua prosperidade,
decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o Pais.

Tchau, Querida Democracia


R$ 42,00
Discurso de ódio e sistema
penal
R$ 42,00

Era esse o contexto sociopolítico brasileiro do ano de 1937, quando Getúlio


Vargas, no poder desde o golpe de 1930, dá outro golpe de Estado para
instaurar o que chamou de “Estado Novo”: fechou Congresso Nacional,
cassou opositores (inclusive vários dentre aqueles de tendência fascista que
até então o apoiavam), e impôs a Constituição que ficaria conhecida como “A
Polaca” (não é de hoje o hábito de dar apelidos “engraçadinhos” às nossas
pequenas tragédias políticas: o termo “Polaca" costumava ser empregado
pejorativamente desde o final do século XIX às mulheres vindas da Polônia,
frequentemente judias, exploradas na prostituição em terras brasileiras, e
acabou batizando essa Constituição de 1937, inspirada na Constituição
Polonesa de 1921, de orientação fascista – acho que deu pra pegar o espírito
da piada, né?).

O trecho acima transcrito é o preâmbulo dessa Constituição, que em seu


artigo 73 coroava o Presidente da República, textualmente, autoridade
suprema do país, dando-lhe poderes para emitir leis sem votação do
Congresso Nacional (que estava fechado, afinal de contas), por meio de
decretos-lei:

Art. 73 – o Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a


atividade dos órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna
e externa, promove e orienta a política legislativa nacional, e, superintende a
administração do país.

Luís XIV da França, inocente Rei- Sol, decerto se revirou em algum lugar do
Além ao se dar conta que o Estado não era ele coisa nenhuma[1]: Getulio
Vargas, como todo bom ditador, jogava nas onze, governando, coordenando,
executando, e, claro, legislando por meio dos Decretos-Leis, cuja
competência privativa da Presidência da República havia sido-lhe atribuída
por ele mesmo no artigo 74 da Constituição de 1937.

Como já conversamos em outras colunas, regimes autoritários não são muito


afeitos a liberdades individuais. E nossa Constituição de 1937 não fugiu à
regra: jogou lá no finalzinho, no artigo 122, umas migalhas de direitos
fundamentais, com pérolas ditatoriais, tais como a exclusão o direito à vida,
e, em nome dos “bons costumes”, a imposição de limitações quase
anedóticas à liberdade religiosa[2]:

Art 122 – A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no


País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos
seguintes:

1º) todos são iguais perante a lei;

(…)

4º) todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e


livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens,
observadas as disposições do direito comum, as exigências da ordem pública e
dos bons costumes;

A ausência do bem jurídico "vida" do rol dos direitos fundamentais se


justificava pela previsão constitucional da pena de morte, uns poucos
dispositivos depois (item 13 do art. 122), prevista para dez condutas, tais
como "a insurreição armada contra os Poderes do Estado, assim considerada
ainda que as armas se encontrem em depósito”, ou "tentar subverter por
meios violentos a ordem política e social, com o fim de apoderar-se do
Estado para o estabelecimento da ditadura de uma classe social”, e ainda
para "o homicídio cometido por motivo fútil ou com extremos de
perversidade.”

No item 15 do artigo 122, estava lá a censura prévia, que limitava por lei a
imprensa, o teatro e o cinema "com o fim de garantir a paz, a ordem e a
segurança pública”, bem como tomava "medidas para impedir as
manifestações contrárias à moralidade pública e aos bons costumes”.

Com a entrada do Brasil no conflito da 2ª Guerra Mundial, Getúlio Vargas


decretou estado de guerra e suspendeu expressamente, por meio do Decreto
10.358/1942, os poucos direitos fundamentais que restavam, tais como a
inviolabilidade de domicílio, a exigibilidade de mandado judicial para
prender cidadãos, e, claro, o direito a habeas corpus.

Foi neste cenário de ilegalidade e de total privação das liberdades civis que o
Código Penal de 1942, inspirado no Código Penal da Itália fascista de 1930,
foi produzido e posto em vigor, e assim permanece até hoje, ressalvadas
alterações pontuais e uma grande reforma na sua Parte Geral no ano de 1984
(vale lembrar, no final da ditadura militar).

Não foi a única ocasião em que a alteração constitucional trouxe a reboque


uma nova lei penal: com a Constituição do Império (1824), veio o Código
Criminal do Império (1830). Quando a República é proclamada pelo Decreto
nº 1[3] em 15 de novembro de 1889 (hábito antigo esse nosso, de governar
por decreto), os novos donos do poder providenciam a Constituição da
República em 1891 e um novo Código Criminal em 1890[4].

E nem poderia ser diferente: se a Constituição é o documento que estabelece


as regras pelas quais se constitui politicamente um país, o Código Penal é a
lei que regula a intervenção máxima do Estado na vida do indivíduo,
estabelecendo a limitação máxima da liberdade de ir e vir. Somente a prática
das condutas previstas nas leis penais (sendo o Código Penal a mais
importante destas) é que autorizam o Estado a exercer seu monopólio da
violência legal, restringindo a liberdade do cidadão.

Desta forma, não é demais dizer que o Código Penal (e a legislação penal
como um todo) é um retrato bastante fiel do desenho do poder político de um
país: é nesta norma que encontramos os parâmetros do que se levará em
consideração para calcular por quanto tempo o Estado poderá encarcerar
uma pessoa (sua personalidade? seus antecedentes?). Ou que se colocam
termos como “pena suficiente para reprovação do crime”: será que todo
mundo reprova as mesmas condutas, e tem o mesmo entendimento sobre o
que é suficiente para demonstrar esse sentimento (se é que lei penal é o
melhor espaço para demonstrações sentimentais)?

Um Código Penal também mostra o que o seu autor – ou seja, quem quer que
tenha poderes para expedir normas – elegeu como os valores mais preciosos
, a ponto de encarcerar quem atente contra eles. Tendo isso em mente, que
mensagem nos passa o nosso Código Penal, que elenca quatro condutas como
crimes contra a liberdade individual, e outras vinte e sete condutas como
crimes contra o patrimônio? Ou, ainda, que embora já não ostente a vetusta
denominação “Crimes contra os costumes” para se referir aos crimes sexuais
(alteração ocorrida somente em 2009), mantém até hoje um capítulo com
“Crimes contra a Organização do Trabalho” (que podem implicar sérias
restrições ao direito de greve, por exemplo)?

Mas para além das condutas tipificadas, ou da Reforma da Parte Geral em


1984, quero propor uma reflexão sobre o quanto o Código Penal de 1942 pode
dizer sobre a nossa identidade política: o Código foi considerado
recepcionado pela Constituição Federal de 1988, pois se entendeu que seu
conteúdo normativo estaria harmônico com o texto constitucional
democrático (muito embora tenha sido necessária muita ginástica
hermenêutica desde então: não é demais lembrar, por exemplo, que a
expressão “mulher honesta”, então prevista como elementar de vários tipos
penais de crimes sexuais, somente foi considerada inconstitucional e retirada
do Código em 2005, entre outras inadequações).

Minha provocação é a seguinte: por que superamos (ou ignoramos) os


questionamentos sobre a forma como se produziu a norma que outorga o
maior grau de poder ao Estado, que é o de aplicar a norma penal? Por que
não nos choca que uma norma reguladora de uma séria limitação de direito
fundamental de todos os brasileiros não seja uma lei votada por
representantes eleitos, mas sim o decreto de um ditador?

Parece-me necessário refletir o porquê de não causar choque, e de sequer


pensamos o significado de que quem nos proibiu a prática de
aproximadamente duzentas condutas o fez sem qualquer amparo
democrático.

Na próxima coluna desta série, falaremos sobre o Código de Processo Penal


de 1941. Até lá!

Maíra Zapater é graduada em Direito pela PUC-SP e Ciências Sociais pela FFLCH-
USP. É especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Escola Superior do
Ministério Público de São Paulo e doutoranda em Direitos Humanos pela FADUSP.
Professora e pesquisadora, é autora do blog deunatv.

[1] Atribui-se a Luis XIV a frase “O Estado sou eu” (“L'etát c’est moi”), que
simboliza o Absolutismo monárquico europeu dos séculos XVII e XVIII.

[2] E diretamente endereçadas aos seguidores das religiões de matriz


afrobrasileira, que eram então criminalizadas – o que dá assunto pra outro
artigo!

[3] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D0001.htm

[4] A ditadura militar também teve sua Constituição em 1967 e uma


tentativa de Código Penal, mas falaremos disso algumas colunas adiante,
ainda nesta série, não perca!

Sexta-feira, 3 de junho de 2016


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∠ Presidencialismo-sucuri ou Na República dos delatores, a

parlamentarismo-lama? verdade é o que menos interessa ∠

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