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Jon Elster – Ulisses Liberto

Capítulo II – Constituições como Restrições (p. 119 -222)

2.1 Introdução

Assim como os indivíduos podem se restringir1, também podem os Estados. As


Constituições políticas, nesse sentido, são dispositivos de pré-compromisso ou auto-restrição,
criados pelos políticos para se proteger de suas próprias tendências previsíveis a tomar decisões
pouco sábias.

Diferença entre Constituições como restrições essenciais sobre o comportamento e


Constituições como restrições incidentais: na primeira, as disposições existentes foram
estabelecidas com o propósito de restringir a liberdade de ação dos indivíduos que votaram
nelas e de indivíduos em posição semelhante no futuro, são restrições definidas em termos dos
benefícios esperados; no segundo, não existe essa intenção mas os efeitos são os mesmos, já
que as disposições constitucionais existentes tendem a surtir efeitos salutares de restrição em
um subconjunto de atores políticos, independentemente de por que e por quem as restrições
foram instituídas inicialmente, são restrições definidas pelos benefícios que de fato fornecem
ao agente.

Evitar “cair da armadilha” de uma explicação funcionalista. Por exemplo, o sistema de


eleições periódicas não pode ser visto como um método para o eleitorado se auto-restringir e
se proteger contra a própria impulsividade porque nenhum eleitorado jamais fez nada parecido,
os motivos decisivos são muito mais dos políticos do que dos eleitores. Também não se pode
fazer falsas analogias entre o pré-comprimisso individual e o institucional. “Alguns dispositivos
acessíveis para a autorestrição individual não o estão para o caso coletivo, e vice-versa. Algumas
razões pelas quais os indivíduos poderiam querer se pré comprometer não apresentam formas
análogas no caso constitucional, e vice-versa” (p. 122).

Elster faz uma tabela que ajuda a entender os próximos subcapítulos, envolvendo os motivos
para o pré-compromisso institucional e os dispositivos de pré-compromisso institucional:

1
Lembrar do capítulo 1 do livro onde Elster aborda as auto restrições e lembra de Ulisses se amarrando
contra as sereias.
Sobre os motivos para o pré-compromisso, o Elster trata deles no capítulo 1 só, mas
cabe lembrar para entender melhor o capítulo 2. Motivos para a auto-restrição2:

1) Paixão: definição aristotélica: “As emoções são as causas que alteram os seres
humanos e induzem mudanças em seus juízos”. Ou seja, são sentimentos capazes de alterar o
raciocínio das pessoas a respeito de suas ações, e incluem emoções típicas como raiva, medo,
amor, vergonha, etc. e também embriaguez, desejo sexual, desejo de drogas, entre outros.

- Efeitos da paixão: distorcer o raciocínio sobre as consequências, esmagar as outras


considerações, fazer a pessoa agir mesmo sabendo que não é uma boa ideia, alterar o peso das
consequências.

2) Inconsistência temporal: ocorre quando a melhor política planejada atualmente para


algum período futuro não é a melhor política quando o período chega. Há a inversão de
preferências não por fatores externos e imprevisíveis, mas pela mera passagem do tempo.

- 2 tipos: inconsistência temporal causada por desconto hiperbólico e causada por


interação estratégica.

2.1) Desconto Hiperbólico: alguns dizem que o desconto ocorre exponencialmente,


outros, que ocorre hiperbolicamente.

- Funcionamento do desconto: o bem-estar derivado hoje da minha ação é tanto, mas


vai decrescendo com o passar do tempo, tendo eu uma quantidade baixa de bem-estar em
médio ou em longo prazo por decorrência da ação que tomei no momento anterior.

- No geral, não há compensação do bem-estar, ou seja, no panorama geral, a pessoa


acaba se prejudicando e tendo menos do que teria caso tivesse se auto-restringido.

- Pessoas, em geral, têm preferência pelo presente em relação ao futuro, pois querem
sua satisfação e sentem-se tentadas a obtê-la num prazo imediato.

- Exs: de desconto hiperbólico: procrastinação, não conseguir poupar dinheiro, não


conseguir ir para a cama dormir cedo.

2.2) Interação estratégica: está ligada à questão de uma pessoa realizar ameaças e
promessas a outra, caso esse em que as consequências futuras estão dentro do controle da
pessoa que os proferiu; e de proferir avisos e encorajamentos, sendo que a cadeia de
consequências, nesse caso, não está dentro do controle da pessoa.

- Forma de induzir uma ação em alguém (restrição incidental).

- Essa outra pessoa se auto-restringe como reação à interação, evitando o desconto


hiperbólico (consequências futuras serem piores que a restrição).

- Estrategicamente, uma pessoa pode evitar receber essas informações, para induzir a
própria ignorância (cortando comunicação).

- “Amessa”: ameaça + promessa.

2
Essas anotações do cap. 1 não são minhas, peguei dos cadernos do primeiro ano.
- Ameaças e promessas devem gozar de credibilidade para serem consideradas pela
outra pessoa, que, mesmo assim, pode ignorar as consequências e ir contra o que o primeiro
disse.

- Relacionado às relações de poder (Bachrach e Baratz).

2.2 Falsas analogias com o pré-compromisso individual

Para Elster, transferir conceitos usados para estudar indivíduos3 para o comportamento
de coletividades, como se fossem indivíduos em escala ampliada, pode ser enganoso. Primeiro
porque constituições podem restringir os outros em vez de serem atos de auto-restrição e
segundo porque elas podem nem mesmo ter o poder de restringir.

Constituições podem restringir os outros - se um conjunto de indivíduos pode aumentar


seus poderes limitando sua própria liberdade, eles também podem reduzir o poder alheio
expandindo sua própria liberdade. No contexto desse subcapítulo, Elster apresenta 3
possibilidades : I) A maioria pode restringir a minoria (a decisão da maioria de uma assembleia
não se torna a vontade geral); II) minorias podem restringir maiorias futuras (assembleias eleitas
por voto limitado podem antecipar futuras ampliações de sufrágio e proteger seus interesses);
III) minorias podem restringir maiorias (mesmo com sufrágio universal, maiorias podem agir
estrategicamente para restringir minorias, temendo mudanças de opiniões futuras entre os
eleitores).

Constituições podem não restringir de forma alguma – Constituições também não são
atos de auto-restrição em sentido rígido; as constituições são projetadas para tornar difícil mas
não impossível a mudança de suas disposições em comparação com a legislação ordinária. Faz
sentido, uma vez que Constituições muito rígidas não sobreviveriam à uma mudança na forma
de pensamento da população.

Apesar das falsas analogias entre casos individuais e coletivos, a ideia de pré-
compromisso constitucional (auto-restrição) não é sem sentido: i) em um sentido literal e
absoluto, quando assembleias constituintes (que esperam ser maioria na legislatura ordinária
seguinte) decidem unanimemente ceder parte de seus poderes a outras instituições
governamentais; ii) em um sentido amplo, quando assembleias restringem gerações futuras ao
esperar que os futuros agentes políticos teriam as mesmas razões para se auto-restringir
[questionável].

2.3 A natureza e a estrutura das Constituições

Tabela 2.1: Imposição de custos para superar a paixão e o interesse e a inconsistência


temporal estratégica.

Constituições podem ser escritas e não-escritas (apesar da última ser rara atualmente,
tendo como maior exemplo a Grã-Bretanha). As Constituições escritas são feitas ao passo que
as não-escritas são desenvolvidas.

No mesmo sentido a violação da Constituição escrita resulta em sanções legais enquanto


a da não escrita resulta em sanções políticas – apesar de amplamente precisa essa afirmação

3
O Capítulo I inteiro do livro, que não cai na prova, trata de indivíduos, por isso a importância de frisar
bem isso.
não é universalmente válida; Elster menciona as convenções constitucionais, que às vezes são
criadas a partir de precedentes (ou um único precedente) ou a partir de legislação ordinária que
assume um status quase constitucional, ainda que essas convenções contrarime o disposto na
Constituição em um primeiro momento.

Elster se volta para as constituições escritas. Em termos substantivos, uma constituição


escrita regulamenta os aspectos mais fundamentais da vida política. Em termos procedimentais,
é mais difícil mudar uma constituição que promulgar uma legislação ordinária (imposição de
custos). Em termos legais, a constituição tem procedência sobre a legislação ordinária em caso
de conflito.

A ideia de constitucionalismo, enquanto propensão geral ao cumprimento da


Constituição e controle da constitucionalidade, não pode ser reduzida à mera presença de uma
Constituição com esses aspectos, citando o autor casos em que a Constituição foi alterada para
atender a outros interesses. Para ele, esses casos não violam a Constituição, mas o
constitucionalismo. O constitucionalismo assegura que a mudança constitucional será lenta, em
comparação com a via rápida da política parlamentar normal.

Obstáculos às emendas constitucionais – via de regra, é mais difícil emendar a


Constituição que promulgar leis ordinárias. Os maiores obstáculos às ECs são: I) a petrificação
absoluta das leis; II) a adoção de uma maioria qualificada no Parlamento; III) a exigência de um
quórum maior do que para uma legislação ordinária; IV) os atrasos; V) a ratificação do Estado
(em sistemas federais); VI) a ratificação por referendo. Ainda, muitas constituições também
determinam que a Constituição não possa ser emendada durante estado de emergência, apesar
de existirem previsões de suspensão nesses casos, que podem proteger somente alguns direitos.
Para Elster, os dispositivos mais importantes para o pré-compromisso institucional são as
maiorias qualificadas e os atrasos.

2.4 Restrições à elaboração da Constituição

(o professor tomio nos materiais das aulas pula essa parte então vou resumir muito
sucintamente pra não perder tempo, ok?)

O processo formal de elaboração de uma Constituição é um fenômeno relativamente


recente. Questiona-se se o processo de elaboração pode ser visto como atos de restrição de
outros ou como atos de auto-restrição, ou seja, se as Assembleias Consituintes são elas mesmas
sujeitas a restrições. As Assembleias Constituintes possuem duas supra-autoridades ou
supracriadores: as que convocam e as que selecionam (os seus membros). A convocação deve
se dar por autoridade pré-existente (apesar de existirem casos raros de Assembleias mais ou
menos auto criadas) e a seleção de seus delegados também existe antes da Assembleia. Uma
vez instalada, no entanto, a Assembleia Constituinte passa a ter poder até superior ao dessas
supra-autoridades. Os mandatos dos membros da assembleia também seriam em tese dotados
de restrições, que às vezes eram ignoradas. No mesmo sentido, as regras de deliberação eram
estabelecidas por um poder externo. Por último, existe a possibilidade da Constituição ser
ratificada, visando conferir uma sublegitimidade à Constituição em contraste com a
supralegitimidade derivada das autoridades que convocaram a Assembleia. A importância da
Constituição deveria permitir um segundo exame. No entanto, podem os próprios constituintes
não acatar a autoridade de seus criadores ou se autoproclamar as autoridades finais e
soberanas.
2.5 Dois níveis de pré-compromisso individual

Tabela 2.1: superar a paizão e o interesse através da criação de atrasos e da exigência


de maiorias qualificadas.

A imposição de atrasos e as maiorias qualificadas estão no núcleo dos pré-compromissos


constitucionais. Elas podem também ser utilizadas no processo político ordinário: um
argumento padrão em defesa do bicameralismo é que, ao atrasar o processo legislativo,
permite-se que a paixão esfrie e que a razão (ou interesse) retome o controle. Da mesma forma,
a necessidade de se ter uma maioria qualificada no Legislativo para revogar um veto executivo
pode refletir interesses semelhantes aos que fundamentam a exigência de maiorias qualificadas
para a aprovação de emendas.

Elster ressalta que essas avaliações do poder legislativo só funcionam quando estão elas
próprias embutidas em restrições. Ou seja, se essa imposição de atrasos ou maioria qualificada
puder ser facilmente derrubada, elas tornam-se meramente fictícias.

O pré-compromisso constitucional opera, portanto, em dois níveis. Primeiro a


constituição pode projetar a máquina de governo ordinária de forma a contrabalancear a paixão,
superar a inconsistência temporal e promover eficiência. Segundo, em um nível mais elevado, a
máquina de emendas da própria constituição pode ser projetada parar ser lenta e complicada.
Essas restrições de alto nível têm dois efeitos. Por um lado, agem diretamente sobre os
problemas da paixão, da inconsistência temporal e da eficiência. Por outro, garantem e
estabilizam os mecanismos de primeiro nível que, por sua vez, agem sobre os mesmos
problemas.

2.6 A auto-restrição na política ateniense

(idem 2.4)

Tabela 2.1: superar a paixão e o interesse através da eliminação de opções e da criação


de atrasos.

O sistema político ateniense nos séculos V e IV a.C. não era constitucional, no sentido
de não atender aos critérios e procedimentos enumerados no 2.3. Contudo, ao longo desse
período encontramos procedimentos estabelecidos cujo efeito – e, possivelmente, propósito –
era colocar obstáculos contramajoritários às paixões da maioria.

Elster não sabe dizer (diante da falta de documentação) se eram dispositivos


institucionais de pré-compromisso ou só restrições incidentais sobre a formulação de políticas,
mas esses procedimentos eram relativamente imunes à paixão, com o fim de oferecer uma
proteção eficaz contra o comportamento impulsivo. No calor do momento, seria apenas possível
violar as regras, mas não alterá-las e no séc. IV a.C havia também uma garantia formal contra
mudanças precipitadas.

O autor frisa que os atenienses se preocupavam em neutralizar as paixões majoritárias


e o interesse político, contando duas histórias de emoção em massa com consequências
negativas, para depois apresentar os dispositivos atenienses que poderiam evitar essas
irrupções de emoções em massa.
São eles: a anapsephisis (reconsiderar uma decisão anterior; para Elster, esse dispositivo
protege a democracia de si mesma, mas pode também ser interpretada por outros como
fraqueza além de poder minar sua eficiência na interação com inimigos externos); a separação
de poderes (inicialmente, a Assembleia podia arrogar-se todos os poderes, mas foi delegando a
criação de leis e jurados a terceiros, maiores de 30 anos e sorteados, o que pretendia reduzir o
perigo da aprovação de leis precipitadas na Assembleia e pretendia utilizar-se desses terceiros
como uma espécie de freio conservador); os dispositivos de atraso (uso de procedimentos de
dois estágios para acalmar os ânimos); os procedimentos de responsabilização (procedimentos
como o graphé paranomon que punia os proponentes de decretos não aceitos se a proposta
violasse alguma lei existente, tivesse falhas de procedimento ou fosse danoso ao interesse do
povo – possuía mais uma função ostensiva).

Esses dispositivos por sua vez poderiam eles mesmos criar problemas, podendo atingir
a eficácia ao lidar com questões urgentes ou utilizadas com fins privados. Apesar disso, Elster
considera que o sistema ateniense de freios e contrapesos era, no geral, muito bem-sucedido,
aliando a participação democrática com um grau razoável de eficiência e proteção contra
paixões majoritárias.

2.7 O interesse e a paixão na Filadélfia e em Paris

Tabela 2.1: superar a paixão e o interesse através da criação de atrasos, da exigência de


maiorias qualificadas e da separação de poderes.

Constituintes na Filadélfia preocupados com os perigos do governo da maioria enquanto


os franceses que ainda se preocupavam em sair de uma monarquia e adentrar em um regime
parlamentar sem restrições. Ideia de Madison de que a maioria unida por um interesse ou paixão
comum coloca os direitos da minoria em perigo. Outro perigo seria o risco de que emergisse
uma elite legislativa com interesses próprios. Nesse sentido, os dispositivos de compensação
discutidos tanto na assembleia americana quanto a francesa foram o bicameralismo e o veto
executivo. Elster resume esses dois dispositivos como soluções aos dois problemas
apresentados pela seguinte tabela, que explica logo depois:

O problema das maiorias O problema dos legisladores


passionais com interesses próprios
O bicameralismo é a solução A Câmara alta diminuirá a Uma Assembleia dividida tem
velocidade do processo e menor probabilidade de se
também resistirá à maioria tornar uma aristocracia
passional por meio da
riqueza ou da sabedoria
O veto executivo é a solução O veto pode servir de freio O poder executivo resistirá a
adicional a impulsos qualquer pretensão exagera
perigosos do legislativo

Elster esclarece alguns pontos antes de adentrar na matéria da tabela. Primeiro frisa que
as duas sociedades em questão (americana e francesa) não eram democracias diretas. Segundo,
correspondente a essa quádrupla classificação de motivos, esclarece que no ponto de vista das
constituintes do séc. XVIII, a Constituição tinha de ser construída com duas metas em mente:
eliminar ao máximo as forças destrutivas e irracionais da paixão e planejar instituições que
incentivariam os agentes políticos a agir de forma que também promovessem o bem público.
Terceiro, distingue paixão e interesse, dizendo que o primeiro tem vida curta e o segundo tem
visão curta.

Bicameralismo enquanto solução para o problema das maiorias passionais: proposição


que possui vários aspectos. Em um deles, o Bicameralismo permite um processo mais lento e
trabalhoso, dando aos ânimos esquentados tempo para se acalmarem. Trata-se de um
argumento que não se baseia em virtudes especiais possuídas pelos senadores, apenas apela
para as virtudes da lentidão, valendo então para todos os outros dispositivos de atraso ou
“esfriamento”. Já outra preposição justifica o bicameralismo através de uma diferença
qualitativa entre os senadores, que seriam mais prudentes e conservadores e por isso agiriam
como um freio da Câmara Baixa, mais impetuosa.

Bicameralismo enquanto solução para o problema dos legisladores com interesses


próprios: parte da ideia de que uma assembleia homogênea tem maior probabilidade de formar
uma frente única contra o Executivo do que uma assembleia dividida internamente. Elster
explica que na época, houve o temor de que a Câmara Alta pudesse se tornar uma aristocracia,
mas esse argumento pode ser invertido para dizer que é precisamente a fim de impedir
formação do legislativo como uma aristocracia que é preciso aceitar uma aristocracia dentro do
Legislativo. Embora um tempo mais longo no cargo para o Senado possa transformar seus
membros em uma aristocracia, a permanência mais longa é também necessária para ser um
freio apropriado à Câmara Baixa.

O veto executivo enquanto solução para o problema das maiorias passionais: duas
maneiras principais de se manter uma forma de veto executivo mesmo que um veto absoluto
seja rejeitado. Por um lado, pode-se permitir que a assembleia anule o veto, mas com a exigência
de uma maioria qualificada (EUA). Por outro, pode-se permitir que a assembleia anule com
maioria simples, mas com a exigência de que a decisão seja postergada até uma legislatura
superior. Na constituinte francesa, se procurava justificar a questão do veto executivo, primeiro
por entender que seria um dispositivo de atraso e esfriamento dos ânimos e segundo pela
justificativa a seguir.

O veto executivo enquanto solução para o problema dos legisladores com interesses
próprios: ideia do Legislativo procurando defender a liberdade e por isso concedendo
prerrogativas ao Executivo. As Câmaras queriam defender o povo contra elas mesmas; queriam
impedir toda opressão e limitar a liberdade de acorrentar todos os opressores. Para estabelecer
esses controles, devem-se solucionar dois problemas que são inerentes a qualquer sistema de
freios e contrapesos. Primeiro há a questão de “quem deve guardar os guardiões”, ou seja, esses
freios devem ser eles mesmos mantidos sob freios (como a possibilidade de derrubar o veto).
Segundo, há a questão de quem deve indicar os guardiões e, se necessário, removê-los de seus
cargos, no sentido de que não pode o responsável pelo veto ser indicado pelo próprio legislativo;
dos freios devem ser genuinamente independentes das instituições contra as quais agirão.

Elster conclui apontando que os constituintes norte-americanos e franceses também se


pré-comprometeram eles mesmos contra as tentações da paixão e do interesse.

2.8 Inconsistência temporal, descontos e atrasos

Tabela 2.1: Criação de atrasos para i) superar a paixão e o interesse; ii) superar o
desconto hiperbólico.
Os atrasos têm sido introduzidos para conter a paixão, não para compensar o desconto
hiperbólico. Mas, embora essa ideia não possa servir de exemplo de pré-compromisso
intencional, sugere que alguns procedimentos de atraso podem servir de restrições incidentais
que impedem uma conduta de inconsistência temporal (desconto hiperbólico).

Pré-compromisso com os direitos: Constitucionalizar os direitos à educação e à saúde,


talvez até petrifica-los como direitos não emendáveis. Se esses direitos não são fornecidos, o
motivo pode ser que o governo é propenso ao desconto hiperbólico, ou seja, reconhece
plenamente o valor dos investimentos em educação e saúde, mas decide adiá-los. Quando a
data chega, a prioridade é mais uma vez dada a projetos de benefícios imediatos. A
constitucionalização desses direitos pode contornar esse problema.

Pré-compromisso com um orçamento equilibrado: caso dos EUA que demanda não
apenas por um orçamento equilibrado, mas por uma emenda sobre orçamento equilibrado na
Constituição. Sem a constitucionalização dessa meta, o Congresso não será capaz de resistir aos
muitos grupos de interesses que fazem lobby para esta ou aquela atividade. Além disso, permite
superar o desconto hiperbólico, que faz pensar que equilibrar o orçamento é uma boa ideia, mas
no futuro (e depois adia esse futuro).

Implementação retardada: atrasos aumentam a incerteza, criando um “véu de


ignorância” e reduzindo a importância do interesse. Em outras palavras, o próprio constituinte,
apesar de procurar obedecer ao interesse comum, possui ele mesmo interesses imediatos e está
sujeito ao desconto hiperbólico. Elster propõe a implementação retardada de decisões
(constituição entraria em vigor depois de uma ou duas décadas), ou incluir na Constituição um
atraso entre a eleição de um novo governo e sua posse. Assim, tanto o constituinte quanto o
eleitor, ao tomarem decisões não imediatas mas com implementação no futuro, estariam
cobertos de ignorância em relação à sua situação no futuro e portanto estariam menos sujeitos
a interesses imediatos. No entanto, o próprio autor reconhece que essa ideia é utópica e
provavelmente indesejável, uma vez que constituições surgem em tempos de crise nos quais a
espera é um luxo inviável.

2.9 Onipotência, comportamento estratégico e separação dos poderes

Tabela 2.1: separação de poderes para i) superar o desconto hiperbólico; ii) superar a
inconsistência temporal estratégica; iii) assegurar a eficiência.

Ideia de que o poder, para ser eficaz, precisa ser dividido e de que a onipotência, longe
de ser uma benção, pode ser uma maldição.

O paradoxo da onipotência: um ser onipotente é uma contradição de termos. “Se uma


entidade tem o poder de fazer qualquer lei ou de cometer qualquer ato a qualquer momento,
poderia limitar seu próprio poder de agir e fazer leis? Se pode, então não pode, e se não pode,
então pode.”.

Credibilidade: a onipotência afeta diretamente a credibilidade das promessas realizadas,


sendo que os compromissos podem ser críveis quando o poder é dividido através da separação
de poderes. Elster menciona que alguns regimes autoritários podem, no entanto, se
comprometer de forma crível, como é o caso e alguns regimes mais ou menos autoritários na
Ásia que ganharam credibilidade por meio de Conselhos Deliberativos, que criaram uma espécie
de constituição implícita. Mas a ideia é a mesma: para ser eficaz, o poder precisa ser dividido.
Bancos centrais independentes: caminho para superar a inconsistência temporal e
aumentar a eficiência. Um banco central independente é um dispositivo de pré-compromisso
para superar a inconsistência temporal causada pela interação estratégica.

2.10 Eficiência

Tabela 2.1: assegurar a eficiência através da exigência de maiorias qualificadas.

Ao contrário dos motivos para o pré-compromisso constitucional abordados do 2.7 ao


2.9, a eficiência, que é provavelmente o motivo mais importante para a auto-restrição
constitucional, não possui paralelo no caso individual. Essa seria a ideia de utilizar disposições
constitucionais para eliminar ou reduzir certas formas de desperdício ou ineficiência que
prevaleceriam se toda a legislação tomasse a forma de leis ordinárias que pudessem ser
alteradas por maioria simples. Elster se propõe a distinguir entre três variedades de ineficiência
que podem ser remediadas assim: a diminuição do horizonte temporal, o parasitismo e a
inconsistência agregada. Nesses três casos, a solução principal é a exigência de maioria
qualificada para emendar a constituição.

Estendendo o horizonte temporal: importância da estabilidade institucional, sendo a


estabilidade um meio geral de promover muitos fins importantes. O efeito de estabilização da
exigência de maiorias qualificadas para emendar a constituição é talvez o aspecto mais
importante do pré-compromisso constitucional. Ele fornece uma justificativa para o
procedimento aparentemente arbitrário de permitir que uma pequena maioria na assembleia
constituinte aprove um documento que só pode ser alterado por uma maioria substancialmente
maior, já que a minoria prefere viver sob um regime que é preferido pela maioria e protegido
por uma exigência de maioria qualificada do que a viver sob um regime que a própria minoria
prefere, mas sob o qual não tem a mesma proteção. É a estabilidade das leis que as redime aos
olhos dos que prefeririam um conjunto diferente de leis.

Reduzindo os custos de transação: maiorias qualificadas são também úteis na redução


dos custos de transação, uma vez que a votação por maioria simples tende a encorajar o
parasitismo.

Eliminando ciclos: teorema de Arrow, votações de maioria simples podem implicar em


maiorias cíclicas. A exigência de uma maioria de 64% ou mais assegura que as preferências
sociais nunca serão cíclicas. Existe o perigo, por outro lado, de muitas propostas não
conseguirem a maioria necessária e ficarem incompletas.

2.11 Obstáculos e objeções

Assim como na auto-restrição individual, o pré-compromisso constitucional, quando


desejável, pode não ser possível ou eficaz; quando possível e eficaz, pode não ser desejável.

Os pré-compromissos podem não ser possíveis: nessa primeira questão, a distinção


entre restrições essenciais e restrições incidentais é relevante. Existem casos em que uma
política poderia se beneficiar de restrições, mas dificilmente colocaria essas restrições sob si
mesma, de forma que, ao menos que essas restrições sejam colocadas de alguma outra maneira,
a auto-restrição normativamente desejável pode não ocorrer de fato. Existem três problemas
que podem ser superados no planejamento de constituições – as standing paixões duradouras,
as paixões impulsivas e o interesse.

Paixões duradouras – disposições emocionais amplamente compartilhadas e profundamente


enraizadas em uma população, como animosidades nacionais, éticas e religiosas ou sólidos
compromissos com a igualdade e a hierarquia. São paixões que tendem a produzir a opressão
das minorias e causar graves conflitos sociais, de forma que seria útil protege-los na constituição.
No entanto, são as disposições menos prováveis de serem adotadas, tanto porque a cultura e a
tradição agem contra elas quanto porque o próprio constituinte não é imune a esses
preconceitos que movem a maior parte da população. Uma exceção pode surgir se a maioria
perceber que incorrerá em custos para si mesma se agir conforme seus preconceitos, mas é de
natureza das paixões a capacidade de induzir pessoas a agirem contra seu interesse próprio e,
em casos de história de opressão, o grupo dominante pode ter medo de relaxar o controle sobre
os dominados.

Paixões impulsivas - paixões impulsivas são desencadeadas por acontecimentos súbitos e


ameaçadores, como uma crise econômica ou uma guerra. O autor já discorreu acerca da ideia
de que as constituições deveriam proteger os cidadãos de sucumbirem a tais impulsos (2.1),
mas, com certa frequência, as próprias constituições são escritas em tempos de turbulência e
revolta, em que paixões tendem a fervilhar. A ameaça à elaboração de constituições criada pelas
paixões impulsivas é mais comum e difundida que o problema das paixões duradouras,
justamente porque as condições sob as quais a necessidade de elaboração de uma constituição
surge tendem a atrapalhar a tarefa de fazer a constituição.

Interesses – os interesses dos constituintes podem obstruir o caminho do pré-compromisso a


fim de restringir os interesses dos agentes políticos futuros. Exemplo de uma assembleia
constituinte que também serve de legislatura ordinária pode não ter interesse em criar freios
aos interesses do legislativo.

Os pré-compromissos podem não ser desejáveis: mesmo quando possível e eficiente, o pré-
compromisso constitucional pode não ser desejável. Dois problemas principais – um criado pelo
potencial conflito entre o pré-compromisso e a eficiência e o outro pelo potencial de um conflito
entre o pré-compromisso e a democracia. O primeiro problema diz respeito às auto-restrições
constitucionais fortes que podem ser incompatíveis com a flexibilidade de ação exigida em uma
crise (uma guerra, por exemplo). Nesse caso seria possível apelar para disposições de
emergência, mas apesar destas estabilizarem a constituição, podem também colocá-las em risco
ao ampliar os problemas que deveriam solucionar. Além disso, certas emergências não têm
nenhum sentido constitucional enquanto emergências, mas ainda sim são importantes o
suficiente para que uma previsão rígida tenha um impacto desastroso, como questões de
política monetária. O segundo problema surge quando os agentes que exercem as funções de
pré-compromisso estão isolados do controle democrático; quando decisões tomadas por um
tribunal constitucional ou um banco central são eficientes nos sentidos técnicos do termo, mas
são radicalmente inapropriadas em relação às preferências de uma ampla maioria de cidadãos.

Escotilhas de fuga: (tomio não foca nesse ponto nas aulas) Elster volta para a questão dos bancos
centrais. Se a separação dos poderes cria um risco de os presidentes dos bancos centrais serem
rígidos, dogmáticos ou democraticamente irresponsáveis, ela pode ter de ser aumentada por
meio de freios e contrapesos, por exemplo, permitindo uma maioria qualificada do legislativo
dispor sobre o presidente.
2.12 Ulisses liberto

Elster reforça a ideia de que as sociedades não são indivíduos em escala ampliada.
Sociedades não são unitárias, sendo compostas por vários indivíduos, nenhum dos quais, nem
nenhum de seus subconjuntos estando “no comando”. Nenhum grupo tem a pretensão inerente
de representar o interesse geral; a sociedade não tem ego nem id. Além disso, há a questão de
afirmar que as constituições são “auto-restrições” quando se tem uma maioria impondo sua
visão constitucional sobre uma minoria – muitos atos aparentes de auto-restrição acabam sendo
na verdade motivados por razões partidárias.

Quanto a esse problema da minoria, Elster afirma que uma minoria na assembleia
constituinte pode não ter a força para conseguir que a proteção de seus interesses seja escrita
na constituição. Existe a possibilidade da negociação, da troca de favores, mas para isso é
necessário que a maioria aceite negociar e que a minoria esteja devidamente representada na
assembleia.

Existe também o problema em se falar de auto-restrições no que diz respeito a gerações


futuras. Essa questão é menos séria quando o pré-compromisso toma a forma de dispositivos
de atraso e estabilização; é mais preocupante quando a constituição impõe direitos e deveres
substanciais combinados com exigências de uma rigorosa maioria qualificada para emendas.
Nesse último caso, não se pode falar em auto-restrição porque é difícil prever como pensarão
as gerações posteriores.

Muito do trabalho sobre o pré-compromisso constitucional supõe uma dicotomia entre


constituintes e políticos, como se esses fossem diferentes não apenas em suas tarefas, mas
também em suas motivações, sendo que o constituinte estaria isento de vícios (paixões e
interesses). Para Elster, isso é hipocrisia. Muito da política constitucional é semelhante à política
rotineira no que diz respeito aos motivos, sendo que o próprio interesse partidário se manifesta
fortemente. Os motivos dos constituintes influem na probabilidade que terão de se pré-
comprometerem – é especialmente no caso de os constituintes serem imparciais e saberem que
lhes podem faltar imparcialidade em ocasiões futuras que terão um incentivo para se pré-
comprometerem.

Por último, Elster menciona que uma constituição é similar ao superego, consistindo em
regras rígidas e inflexíveis que podem impedir o comportamento sensato mais adequado em
ocasiões específicas. O autor lembra dos diversos pontos desse capítulo que demonstram que
os problemas criados por uma regra privada podem ser piores do que aqueles que a regra
deveria solucionar e como a própria constituição poderia armar escotilhas de fuga para lidar
com esses problemas de segunda ordem (como a questão da emergência), mas essas cláusulas
de válvula de escape podem interferir no impacto da constituição sobre os problemas de
primeira ordem. Termina afirmando que se os constituintes tentarem impedir a constituição de
se tornar um pacto suicida, ela pode perder sua eficácia como um dispositivo de prevenção do
suicídio.

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