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Departamento de História
Rio de janeiro
2010
AGRADECIMENTOS
Academicamente agradeço ao meu orientador Renato Lemos, sem o qual este projeto
não seria possível. Ainda pelo suporte acadêmico, e pessoal, agradeço a minha amiga
Mariana Cabra Amorim, que muito me ensinou em nossa trajetória universitária.
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................... 1
CAPÍTULO I
IMPRENSA E POLÍTICA............................................................................................. 8
CAPÍTULO II
O POPULISMO BRASILEIRO.................................................................................... 14
FORMAÇÃO DO ESTADO POPULISTA.................................................................. 14
CRISE DO POPULISMO............................................................................................. 22
CAPÍTULO III
AS MENSAGENS......................................................................................................... 28
CONCLUSÃO............................................................................................................... 41
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................... 43
3
INTRODUÇÃO
Este estudo busca analisar como o jornal Última Hora (UH) atua no cenário
político em dois episódios: a criação do Comando Geral dos Trabalhadores e a Revolta
dos Sargentos de 1963. Este periódico era diretamente vinculado a ideologia populista
getulista e tinha participação ativa no cenário político nacional. A escolha dos eventos
se justifica pelos significados a eles atribuídos em função da crise do populismo,
durante o governo Goulart (1961-1964).
No Capítulo III, por fim, analiso cada episódio recortado separadamente, fazendo,
primeiramente, uma breve introdução do evento. Então, para analisar como as notícias eram
interpretadas pela mídia escrita, selecionei três periódicos: o Jornal do Brasil, O Semanário,
analisados no Capítulo I, e o Tribuna da Imprensa, opositor de Jango e representante
1
DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe.
Petrópolis: Vozes, 1981, p. 27.
4
dos setores de direita e conservadores, detalhados no Capítulo II. Enfim, analiso as
mensagens do Última Hora nos dias seguintes aos episódios selecionados. Desta forma
busco entender como, nessas situações de crise, o UH agiu politicamente em defesa dos
interesses do presidente.
Este, desde seu princípio, foi marcado pelo monopólio familiar dos meios de
comunicação, o que limitou o direcionamento ideológico de um jornal, por exemplo, à
defesa dos interesses e valores de um pequeno, e bem específico, grupo de pessoas. A
baixa circulação dos jornais no Brasil, associada ao pequeno número de leitores, teve
como conseqüência, no campo da grande imprensa, um jornalismo orientado
prioritariamente para a elite e permeável à influência externa. Percebe-se, também em
função desta baixa circulação, a dificuldade de um jornal alcançar autonomia financeira,
fazendo-se necessário financiamento de terceiros para a saúde econômica de um
periódico. Em conseqüência desta dependência, a grande imprensa assumiu um
compromisso com interesses de seus financiadores, as elites. Este conjunto de fatores
fez do campo jornalístico brasileiro pouco diversificado politicamente e com um perfil
conservador.2
2
AZEVEDO, F. A. “Mídia e democracia no Brasil”. In: Opinião pública. Campinas: vol. 12, n. 1,
Abril/Maio, 2006, p. 88-113.
3
BARBOSA, Marialva. “Imprensa e poder no Brasil pós-1930”. In: Em Questão. Porto Alegre: vol. 12,
n. 2, p. 215-234, jun./dez. 2006.
5
Falar (,...,) da imprensa durante os primeiros quinze anos em que
Getúlio Vargas esteve à frente do governo é se referir às complexas relações
de poder que se estabelecem, à questão do Estado, entendido de maneira
ampliada, tal como concebeu Gramsci e, finalmente, compreender a
formação de um pensamento que se construía como dominante e que será
fundamental para a formulação dos ideais estadonovistas. Havia a
preocupação em incluir um novo personagem: o público agora visto como
massa. Havia, ainda, a construção de um ideal de nação, no qual prevalecia a
idéia de direcionamento político e intelectual dos que ocupavam posição
dominante face ao restante da população.4
Foi neste período, por exemplo, que se construiu o mito Vargas, moldando a
imagem do presidente como “pai dos pobres”, “líder das massas urbanas” e “defensor
dos grupos menos favorecidos”. O Estado Novo, no entanto, foi marcado por
contradições no campo midiático. Embora órgãos de imprensa tenham se desenvolvido
e aumentado seu alcance, em 1939 com a criação dos Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), os jornais tiveram sua liberdade de expressão cerceada pela ação da
censura.5
4
BARBOSA, Marialva. Op. cit, p. 222.
5
Ibid, pp. 219-222.
6
construindo o jornalismo como a única atividade capaz de decifrar o mundo
para o leitor.6
Foi dentro deste contexto que, em 1951, nasceu o jornal Última Hora, cuja
história se funde com a de seu fundador, Samuel Wainer. Paulista, filho de imigrantes,
Wainer teve uma origem humilde. Dedicou-se ao jornalismo trabalhando nos Diários
Associados de Assis Chateaubriand. Já possuía alguns artigos de respaldo quando sua
carreira jornalística se destaca ao conseguir uma entrevista com Getúlio Vargas em
1949. Vargas mantinha um mutismo público no cenário nacional desde 1947 e
anunciou, através de uma entrevista concedida a Wainer, que voltaria à política como
“líder de massas, e não de partidos”.8
6
BARBOSA, Marialva. Op. cit, p. 223.
7
Ibid, p. 224.
8
WAINER, Samuel. Minha razão de viver. Rio de Janeiro: Record, 1988, p. 22.
7
imprensa brasileira e dar início a um tipo de imprensa popular independente.9 Seu
propósito mais imediato, no entanto, foi quebrar o silêncio do resto da imprensa em
relação a Vargas, no que foi bem sucedido.
9
WAINER, Samuel. Op. cit., p. 123-30.
8
Criado para ser a voz de Getúlio, o UH continuou a sê-lo após a sua morte. Vargas
ainda existia no imaginário popular, o que garantia o prestígio do jornal frente a uma
massa trabalhista nacionalista. Esta força fez do jornal uma importante instituição
política.
Podemos perceber, entre a posse de Jango e Golpe Militar de 1964, uma mudança
do discurso ideológico do periódico. A linha política populista ficava cada vez mais
obsoleta em meio a uma tendência de radicalização política, analisada no capítulo 2. Em
suas memórias Wainer afirma que, mesmo discordando de atitudes de Jango que
considerava extremadas, apoiava o presidente:
O Última Hora radicalizou conforme Jango o fez. Manteve seu apoio às propostas
de Reformas de Base, às restrições ao capital estrangeiro e no episódio da Revolta dos
Marinheiros de 1964, quando toda a imprensa se voltou contra presidente. No entanto, o
jornal teve um papel particular e fundamental neste cenário político, pois era o órgão
10
WAINER, Samuel. Op. cit., p. 249.
9
responsável pela defesa dos interesses presidenciais na mídia impressa. Como esta
defesa ocorreu é o que esta pesquisa analisa.
10
CAPÍTULO I
IMPRENSA E POLÍTICA
11
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. São Paulo: Martins Fontes, 1983, p. 1.
12
GRAMSCI, Antonio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1984, pp. 22-23.
11
A imprensa passou a realizar seu papel de disseminadora e formadora de opinião
de forma mais rápida, direta e impactante sobre o público quando comparado às
agremiações políticas, tornando-se um instrumento ou parte substancial destas. Um
órgão de imprensa difere de um “partido orgânico”, neste aspecto de formador de
opinião, pois não necessita da iniciativa do receptor da informação. Um partido precisa
que seu público esteja pré-disposto a ouvi-lo e a buscar suas opiniões. A imprensa, no
entanto, se adapta a seu público alvo veiculando e editando a informação para o leitor.
Este papel político que a imprensa adquire é fundamental para a dominação da
sociedade por um grupo, ou determinados grupos. Este tipo de dominação no campo das
idéias é conceituado por Gramsci como hegemonia.13 Este conceito trata de uma
dominação na esfera ideológica necessária para que o restante da sociedade aceite, ou
até exija, as diretrizes propostas. Isto é necessário para que um grupo possa ter certo
controle da sociedade com o mínimo de violência.
Segundo Gramsci este domínio ocorre no nível das superestruturas, que ele
divide, para fins de análise, em “sociedade civil” e “sociedade política”. A “sociedade
política”, ou “o Estado”, consiste nas instituições públicas, que detém o monopólio legal
da violência e exercem a “dominação direta”, como as Forças Armadas por exemplo. A
sociedade civil compreende organismos “privados” e voluntários (partidos,
organizações sociais, meios de comunicação, escolas, igrejas), que elaboram e difundem
ideologias e valores simbólicos que visariam à direção da sociedade.14
Portanto, para um grupo estabelecer as diretrizes de uma determinada sociedade
não basta este buscar o controlar apenas o Estado, mas também os canais ideológicos da
sociedade civil. Esta capacidade de unificar grupos sociais em torno de um ideal
benéfico para o grupo dominante é a hegemonia que Gramsci conceitua e a busca por
esta hegemonia que faz da imprensa um ator politicamente importante.
Seguindo esta linha analítica, Marcio Santos Nascimento, em sua dissertação de
mestrado, pesquisou como o Jornal do Brasil agiu politicamente nos meses que
antecederam o Golpe de 1964.15 Seu objetivo é demonstrar como este periódico
colaborou para a aceitação do Golpe civil-militar pela opinião pública e para isto
13
GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
14
SEMERARO, Giovanni. Gramsci e a sociedade civil. Petrópolis: Vozes, 1999.
15
NASCIMENTO, Marcio S. A participação do Jornal do Brasil no processo de desestabilização e
deposição do presidente João Goulart. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Programa de Pós-
Graduação em História Social, UFRJ, 2010.
12
analisou os editoriais e as notícias da primeira página do jornal desde outubro de 1963
até primeiro de abril de 1964. Em relação à escolha de suas fontes, o autor escreveu:
16
NASCIMENTO, Marcio S. Op. cit., p. 4.
17
Ibid., p. 44.
18
Ibid., pp. 56-57.
13
Nascimento dividiu sua análise das mensagens por temas: “Alinhamento do Brasil
com os EUA”, “Temor ao comunismo”, “República sindicalista”, “Tendências
continuístas e autoritárias de João Goulart”, “Descrença no Governo”, “Proximidade do
caos”, “Chamamento à ordem” e “Apoio a uma ação militar”. Através destes, ele
identificou os assuntos mais relevantes, do ponto de vista político, e que mais se
repetiram dentro do período recortado. Em certos episódios apresentou, também,
reportagens do Última Hora para comparar discursos conflitantes.19
Utilizando as reflexões de Gramsci, Nascimento faz uma análise do Jornal do
Brasil como um partido e conclui que este periódico ajudou a criar um clima de
insegurança tamanho que o Golpe de 1964 é visto com legitimidade, dentro do seu
círculo de influência. Segundo ele, para defender seus ideais e aliados burgueses, o
periódico ataca o presidente, colocando-o como um líder antidemocrático ou uma
marionete dos comunistas. Finalmente, o jornal incentivou atitudes extremas e
antidemocráticas para conter o clima instável e a “ameaça da esquerda”.20
Rafael do Nascimento Souza Brasil também realizou uma reflexão acerca da
trajetória política de um jornal, O Semanário.21 Ele teve como objetivo demonstrar a
participação política de diferentes setores, militares e civis, que visavam um
desenvolvimento autônomo do país. Utilizando os conceitos de Gramsci, ele identificou
o periódico como produtor e veículo de propostas de organização do Estado brasileiro,
tendo como base um ideal nacionalista. Em função deste ideal, grupos distintos da
sociedade, nas décadas de 1950 e 1960, contribuíram para a produção do periódico.
19
NASCIMENTO, Marcio S. Op. cit., pp. 54-91.
20
Ibid. pp. 92-99.
21
SOUZA BRASIL, Rafael do Nascimento. Um jornal que vale por um partido – O Semanário.
Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em História Social, UFRJ, 2010.
22
Ibid., p. 10
14
Souza Brasil tem como recorte temporal o período entre o início do governo de
Juscelino Kubitschek (1956-1961) e o golpe civil-militar de 1964. Ele tem foco em dois
temas presentes nas discussões políticas do período: o desenvolvimento econômico
industrial do Brasil e as lutas políticas empreendidas em torno da aprovação das
propostas de Reformas de Base, durante o governo João Goulart.
Primeiramente, ele analisa as discussões travadas nas páginas do jornal,
identificando a formulação e veiculação de projetos nacionalistas para a sociedade.
Apresenta e discute, ainda, o surgimento do periódico e as articulações sociais que se
realizavam em torno deste.23 Depois, ele aponta elementos que dão sentido ao
nacionalismo em cada segmento politicamente ativo, já que esta ideologia era apoiada
por grupos heterogêneos.24 Em seu último capítulo, Souza Brasil busca:
23
SOUZA BRASIL, Rafael do Nascimento. Op. cit., p. 12-85
24
Ibid., pp. 86-117
25
Ibid., p. 11
15
analiso o Última Hora como um partido populista, que buscava influenciar de forma
mais eficiente a opinião pública.
O conceito de opinião pública utilizado neste trabalho entende-a como um juízo
de valor de um grupo ou grupos. Tal juízo, no entanto, não tem embasamento científico
ou argumentos sustentáveis a nível acadêmico, podendo ser identificado como senso
comum. Este conceito pressupõe uma sociedade livre e articulada, com centros onde se
formam opiniões não individuais interessadas em controlar a política do Governo.26
Portanto, esta pesquisa busca analisar como o populismo brasileiro se porta na
crise de regime do início da década de 1960. Para isto será utilizado o Última Hora,
interpretado como órgão diretamente associado ao presidente João Goulart. Para esta
análise faço um recorte em dois episódios críticos: a Revolta dos Sargentos de 1963 e a
criação do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1962. A escolha destes
recortes se justifica por serem episódios de ruptura em instituições básicas do regime
vigente.
26
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco (org.). Dicionário de Política.
Brasília: UnB, 1995, 2º vol., 11ª edição, pp 842-845.
16
CAPÍTULO II
O POPULISMO BRASILEIRO
27
BOBBIO, Norberto (Org). Op. cit. p. 1081.
17
uma indústria nacional veio dos setores agrários e parte da demanda industrial vinha dos
setores agro-exportadores. Vale, ainda, lembrar que laços familiares ou comerciais,
muitas vezes, uniam estes dois setores. No entanto, os novos interesses ganham
identidade política e respaldo social, principalmente após a crise de 1929, permitindo a
Revolução de 1930.28
Durante o governo de Getúlio Vargas forjou-se o chamado “Estado de
compromisso”29 que se institucionalizou na constituição de 1934. Nele, Vargas colocou-
se como intermediador dos interesses dos vários grupos que atuavam na esfera política.
Esse surgiu da incapacidade dos grupos sociais de assumirem o controle do Estado em
benefício próprio, gerando um equilíbrio instável. Esta instabilidade social perdurou até
o Estado Novo em 1937, o qual, de forma autoritária, conseguiu incentivar o
desenvolvimento industrial frente à nova demanda nacional. Este teve um aumento
significativo devido ao menor interesse internacional na economia brasileira, frente às
crises econômicas e à Segunda Guerra Mundial. A industrialização neste momento teve
um caráter de “substituição de importações”.30
O Estado Novo conseguiu reestruturar os mecanismos políticos do Brasil. Os
interesses agrários, historicamente prioritários no Brasil, perderam sua posição
privilegiada para o setor industrial que cada vez mais se afirma politicamente. Neste
período o Executivo deu prioridade às demandas da Confederação Nacional da Indústria
e da Confederação Nacional do Comércio.31
Vargas estimulou, ainda, um processo “nacional” de formulação de diretrizes
políticas em uma tentativa de subordinar lideranças regionais e introduzir reformas
administrativas, através da modernização do aparelho estatal. Criou o, Departamento
Administrativo do Serviço Público (DASP), que tirava a burocracia estatal do controle
de oligarquias, transferindo a prática do patronato para o Governo central.32 Esta postura
do Estado Novo no processo de industrialização incentivou classes médias e militares a
participarem do aparelho administrativo do Estado.
28
DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe.
Petrópolis: Vozes, 1981, pp. 21-22.
29
LOPES, Juarez Brandão. Desenvolvimento e mudança social: formação da sociedade urbano-
industrial no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, MEC, 1976.
30
TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de
Janeiro: Zahar, 1975. pp. 67-69.
31
DREIFUSS. Op. cit. pp. 22 -27.
32
SOUZA, Maria do Carmo Campelo de. Estado e Partidos Políticos no Brasil 1930 a 1964. São Paulo:
Ed. Alfa-Omega,1976. pp. 96-98.
18
O Estado Novo interferiu, também, na regulamentação da “força de trabalho” e de
suas representações, o que facilitou a expansão capitalista em diversos aspectos.
Primeiramente estas medidas garantiram a “paz social”, pois, ao assegurar direitos
trabalhistas as massas trabalhadoras ficaram relativamente satisfeitas, e devido à forma
combinada de paternalismo e repressão com que estas foram implementadas o Estado
passou a exercer influência sobre as reivindicações sindicais. Em outro plano, estas
regulamentações permitiam maior precisão nos planos econômicos governamentais. O
salário mínimo, por exemplo, foi uma medida que nivelou o custo da mão-de-obra
garantindo, apenas, a subsistência. Esta medida facilitou a expansão capitalista por
garantir trabalhadores a baixos custos e aumentou o controle do Governo em relação à
receita do país.33
Em meados dos anos 40, no entanto, a “paz social” adquirida no governo Vargas
passou a ser cada vez mais ameaçada. A influência do governo central sobre as massas
trabalhadoras não estava sendo suficiente para conter as crescentes agitações em torno
dos baixos salários e novos sindicatos independentes estavam surgindo. Percebeu-se,
ainda, no Brasil, uma onda antifascista que aumentou com a aliança com os Estados
Unidos na Segunda Guerra Mundial e o Estado Novo passou a ser cada vez mais
atacado pela opinião pública. As elites burguesas estavam incertas em relação ao novo
cenário internacional do Pós-Guerra e temerosas quanto ao ressurgimento da esquerda
de forma organizada no quadro político brasileiro.34
Alguns apontamentos devem ser feitos em relação ao que Dreifuss chama de
“burguesia nacional”. Ele divide este grupo em dois: burguesia nacionalista e burguesia
entreguista. A primeira é considerada aliada de intelectuais nacionalistas e setores
médios e trabalhistas, tendo como projeto um desenvolvimento da indústria nacional de
forma mais independente, ainda que indiretamente aliada ao capital estrangeiro. A
segunda tem como projeto de desenvolvimento o alinhamento direto com os Estados
Unidos e é ligada diretamente ao capital multinacional, buscando a facilidade de entrada
deste no mercado nacional. Suas diferenças são conjunturais e não estruturais, ou seja,
elas têm projetos diferentes, mas os mesmos objetivos fundamentais, pois seguem a
lógica capitalista.35
33
DREIFUSS, René Armand. Op. cit., pp. 22-27.
34
Ibid.
35
Ibid. pp. 25-26.
19
Em 1945, os empresários adotaram demandas populares como slogans políticos,
visando diminuir as agitações sociais e desacreditar Vargas perante as classes
trabalhadoras. Este, percebendo a insustentabilidade do sistema vigente tentou deslocar
sua base sócio-política construindo um sistema político trabalhista de centro-esquerda
através de um discurso nacionalista. Dreifuss escreve sobre este período:
36
DREIFUSS, René Armand. Op. cit., p. 27.
20
EUA. Estabeleceu a Escola Superior de Guerra – ESG, que cooptou militares anti-
Vargas.
As medidas do governo Dutra, porém, não conseguiram o consentimento das
classes subordinadas. O governo tentou controlar o surgimento de organizações
autônomas entre as classes trabalhadoras criando o Serviço Social da Indústria – SESI.
A tentativa de controle paternalista das massas, no entanto, foi dificultada pela crescente
organização das mesmas. O Partido Comunista do Brasil (PCB) demonstrou mais
organização que o PTB e em 1947, nas eleições estaduais, foi o quarto partido com mais
votos no Brasil, ficando em terceiro no estado de São Paulo, na frente de UDN. 37 No
mesmo ano o partido foi posto na ilegalidade, quatrocentos sindicatos sofreram
intervenção em suas atividades por suspeita de ligação com o PCB e houve expurgos no
funcionalismo público.38
Em 1950 houve eleições e Vargas se candidata pelo PTB. A UDN concorre
novamente com o Brigadeiro Eduardo Gomes e o PSD apresentou um candidato à parte,
Cristiano Machado.
. Vargas, em sua campanha pelo país, assumiu seus principais compromissos com
uma industrialização nacionalista e com os trabalhadores urbanos. Para evitar
confrontos com os grupos que foram favorecidos no governo Dutra, deixou claro que
aceitaria os investimentos estrangeiros.39
Vargas venceu as eleições com grande maioria de votos. O bloco populista
contava com apoio de grupos diversos em todo o território nacional: classes
trabalhadoras urbanas, elite agrária e burguesia nacionalista. Contava, ainda, com os
grupos simpáticos a um desenvolvimento nacionalista, tendo como apoiadores uma
parcela das classes médias, militares e intelectuais.
Como resultado desta tendência apaziguadora dos conflitos sociais e desta rede de
alianças heterogênea, Vargas montou um ministério com cautela. O PTB ganhou
somente a cadeira do Ministério do Trabalho e o PSD, a maioria das restantes, o que
significava diretrizes conservadoras para reduzir os temores das elites em torno da
possível instalação de uma república “sindicalista”, ou seja, de que Vargas utilizasse sua
influência com sindicatos para pressionar toda a sociedade a seguir suas diretrizes
37
BOURNE, Richard. Getúlio Vargas of Brazil 1883-1954. London: Charles Knight & Co. Ltd., 1974,
p. 148.
38
DREIFUSS, René Armand. Op. cit. p. 29-30.
39
Ibid., p. 30.
21
políticas.40 Vargas, nesta segunda administração, se deparou com um cenário político-
social bem diferente, no qual o Congresso havia adquirido mais importância, sendo um
espaço de negociação e alianças entre diversos interesses.
Dreifuss dividiu esta segunda administração de Vargas em três fases:
40
DREIFUSS, René Armand. Op. cit. p. 31.
41
Ibid.,. p. 33.
22
O sistema pretendido por Vargas almejou um Estado autossuficiente para apoiar
uma industrialização nacional e limitar os investimentos estrangeiros no país. Ele
buscou, também, assegurar a implementação de um bloco industrial trabalhista com
vínculos com o Estado e a acomodação de interesses agrários. Grupos empresariais
viram com preocupação este projeto, pois diminuiria sua participação nas decisões
administrativas e contrariava os interesses multinacionais, que voltavam a focar, de
forma agressiva, no Brasil, após sua retração durante a Segunda Guerra Mundial.42
Com o suicídio de Vargas tem início o mandato presidencial de João Café Filho,
vice-presidente eleito pelo Partido Social Progressista (PSP), partido populista que tinha
grande influência junto à classe trabalhadora de São Paulo. Neste período a política
econômica do país mudou radicalmente. Corporações internacionais ganharam
incentivos para se estabelecer no Brasil. Para ilustrar estes incentivos cito a Instrução
113, da Superintendência da Moeda e do Crédito – SUMOC, que, excluindo firmas
brasileiras, isentava as corporações multinacionais da “cobertura cambial” necessária à
importação de maquinário permitindo que importassem equipamento por um preço 45%
abaixo das taxas.43 Café Filho foi apoiado por uma aliança informal de centro-direita
composta, principalmente, por políticos da UDN e do PSP.
Nas eleições seguintes a aliança PSD/PTB – coligação herdeira do “getulismo” –
venceu tendo Juscelino Kubitschek e João Goulart, ou Jango, como candidatos. Jango
baseou sua campanha em aspectos estatizantes, nacionalistas e reformistas presentes no
segundo governo Vargas. Kubitschek, no entanto, apresentou um discurso voltado para
aceleração do desenvolvimento com o Plano de Metas.
O governo de Juscelino investiu em políticas desenvolvimentistas que incentivam
a entrada de investimentos estrangeiros. Esperava-se que a entrada de empresas
multinacionais no mercado interno estimulasse o desenvolvimento industrial brasileiro,
ainda muito primitivo.44
Inicialmente o Plano de Metas contava com o apoio do Congresso, porém este foi
se posicionando de forma conservadora frente à política de modernização do
Executivo.45 Visando superar a ineficiência da burocracia estatal frente às necessidades
do Plano de Metas, são criados os Grupos Executivos.
42
BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1973, pp. 363-65.
43
Ibid., pp. 365-72.
44
Ibid., p. 34.
45
Apud. DREIFUSS, René Armand. Op. cit., p. 35.
23
Eles formavam uma “administração paralela” coexistindo com
o Executivo tradicional e duplicando ou substituindo burocracias
velhas e inúteis. Essa administração paralela, composta de diretores de
empresas privadas e empresários com qualificações profissionais, os
chamados técnicos, e por oficiais militares, permitia que os interesses
multinacionais e associados ignorassem os canais tradicionais de
formulação de diretrizes políticas e os centros de tomada de decisão,
contornando assim as estruturas de representação do regime
populista.46
24
de vigilância em relação a movimentos de esquerda na América. O governo brasileiro
foi pressionado, tanto pelas elites nacionais quanto por setores multinacionais, para
alinhar-se de forma mais concreta ao bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos.
Juscelino Kubitschek , no fim de sua administração, percebe o esgotamento de seu
modelo de desenvolvimento e adota uma política de “adiamento de problemas”50,
deixando para o governo sucessor os problemas que estavam se acumulando na
sociedade.
CRISE DO POPULISMO
50
Apud. DREIFUSS, René Armand. Op. cit., p. 36.
51
Ibid., pp. 125-126.
52
Ibid., p. 126.
25
Jânio monta um Executivo que favorece os interesses multinacionais e associados,
colocando no governo os grupos que formavam a administração paralela do governo
Kubitschek. Importantes grupos econômicos multinacionais e associados, influentes
associações de classes empresariais, membros da CONSULTEC e o núcleo da ESG
foram incluídos em postos da administração pública, alto comando da hierarquia militar
e em seu ministério.53 Em relação à CONSULTEC, esta consistia no mais influente dos
chamados escritórios técnicos. Estes surgiram da consciência empresarial da
necessidade de planejamento especializado para seu desenvolvimento. Eles realizavam
estudos de viabilidade e davam consultoria legal à empresas. Seus serviços serviam de
referência para empresas estrangeiras que buscavam entrar no mercado brasileiro.54
Após os primeiros meses de governo fica clara a impossibilidade de um
crescimento distributivo esperado pelas camadas populares. A economia estava
enfraquecida. O plano de Kubitschek de promover um crescimento “acelerado” esgotou
os recursos do Estado e sua política de “adiamento de problemas” deixou para Jânio
uma inflação cada vez mais incontrolável, dificuldades na balança de pagamentos,
exaustão do mercado de consumo de bens duráveis e estagnação da economia agrária.55
Quadros não consegue manter a uma base de apoio forte nas camadas de esquerda
e gradualmente os setores de direita, incluindo a UDN, se afastam do presidente.
Enquanto no plano interno desenvolveu uma política considerada conservadora e
alinhada aos interesses multinacionais e associados, em relação à política externa Jânio
seguiu uma linha independente. Ele assumiu uma posição contrária a dos Estados
Unidos em relação a Cuba e aproxima-se de países socialistas do Leste europeu.
Posicionou-se, ainda, contra o colonialismo e a favor da autodeterminação dos povos.
Estas atitudes se opõem aos interesses do capital multinacional e associado. Jânio
começa a sofrer pressões de ambos os lados, da direita e de uma esquerda trabalhista
cada vez mais organizada, e não consegue aprovação para seus projetos.
26
Quadros, porém, não recebeu apoio da sociedade para retornar ao cargo e iniciou-se
uma crise política no país em torno da sucessão presidencial.56
Em caso de vacância do cargo de presidente, segundo a Constituição, o vice-
presidente deveria assumir, e na impossibilidade deste, o presidente da Câmara dos
Deputados. Devido à ausência de João Goulart, assume interinamente Pascoal Ranieri
Mazzilli no dia 25 de agosto de 1961.
Apesar da posse de Jango estar prevista na Constituição, setores da sociedade se
opuseram à sua posse, juntamente com os três ministros militares. Estes alegavam que
ela significaria séria ameaça à ordem e às instituições, com base nas posições políticas,
consideradas esquerdistas, defendidas por Goulart. Neste cenário ocorreu uma forte
mobilização pró e contra a posse de Goulart, polarizando a sociedade brasileira.
Em resistência ao veto militar Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul,
e o general José Machado Lopes, comandante do III Exército, sediado no estado,
iniciaram uma campanha nacional pela posse de Goulart. Formou-se a Cadeia da
Legalidade, rede de mais emissoras de rádio incentivando a população a se mobilizar
em defesa da legalidade. No Congresso Nacional, ainda, parlamentares rejeitaram o
pedido de impedimento de Jango e propuseram a adoção de um regime parlamentarista
como uma solução conciliatória.57
A sociedade se polarizou entre defensores da legalidade e os partidários do veto,
chegando a haver reais possibilidades de confronto militar. Este impasse durou vários
dias.
56
DE PAULA, Christiane Jalles. O segundo Mandato e a crise sucessória. Rio de Janeiro: CPDOC.
Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/VicePresidenteJanio/O_segundo_mandato_e_a_crise_
sucessoria. (Acessado em 17/06/2010)
57
Ibid.
27
Valder Sarmanho, cunhado de Getúlio Vargas. Na capital uruguaia,
Goulart decidiu aceitar a fórmula parlamentarista, mesmo contando
com o apoio de importantes setores que rejeitavam essa solução
conciliatória.
58
DE PAULA, Christiane Jalles. Op. cit.
59
FERREIRA, Marieta de Moraes. As reformas de base. CPDOC. Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/As_reformas_de_base.
(Acessado em 17/06/2010)
28
do PSD, considerado um partido moderado, passam a se alinhar à UDN para barrar
reformas as propostas por Goulart.
60
PANDOLFI, Dulce. O cenário político partidário do periodo. CPDOC. Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/O_cenario_politico_partidari
o_do_periodo. (Acessado em 17/06/2010)
29
30
CAPÍTULO 3
AS MENSAGENS
Este capítulo se destina à análise das mensagens do Última Hora nos episódios da
criação do Comando Geral dos Trabalhadores e da Revoltas dos Sargentos de 1963. A
partir deste recorte, tenho como objetivos analisar o papel partidário que este exerceu no
cenário de crise de regime que vivia a sociedade brasileira no início dos anos 1960.
Fonte: IPEA
31
As classes trabalhadoras exigiam medidas que seguissem o discurso nacional-
reformista, defendido por Jango durante toda sua carreira política. O clima de tensão
que se instaura faz com que o bloco oligárquico-industrial se afaste cada vez mais de
João Goulart, deixando-o dependente dos trabalhadores mobilizados, pois eram a única
“massa de manobra” política restante ao governo.61
As entidades independentes indicavam uma crise de regime porque significavam
que o aparato jurídico-político de controle dos sindicatos estava deixando de funcionar,
abalando esse importante mecanismo de dominação classista. Goulart teve relações
contraditórias com essas entidades, especialmente o CGT, que, se, por um lado, o
pressionava, por outro lhe dava apoio político.
A crescente independência destas contrariava, ainda, os interesses do capital
multinacional e associado e criava um clima de insegurança nos setores médios da
sociedade. A convergência de classes do compromisso populista já não era possível.
Um episódio que marca este processo de independência do movimento sindical e,
conseqüentemente, de crise de regime é a criação do Comando Geral dos Trabalhadores.
Este era uma organização intersindical de trabalhadores que não era reconhecida pelo
Ministério do Trabalho.62 Criado, em 1962, com o objetivo de orientar e dirigir o
movimento sindical brasileiro:
61
DREIFUSS, René Armand. Op. cit. pp. 132-36.
62
KORNIS, Mônica e FLAKSMAN, Dora. “Comando Geral dos Trabalhadores (CGT)”. In: ALVEZ DE
ABREU, A. Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2001, p.
842.
32
impulsionar o movimento trabalhista, o Comando Geral de Greve63
transformou-se no Comando Geral dos Trabalhadores.64
O GOVERNO CONSPIRA
Não darei um golpe de cima para baixo, não usarei o exército –
diz o Sr. João Goulart. Minha força é do povo. Não posso evitar o
movimento de baixo para cima. É o golpe da República Sindicalista.65
63
O Comando Geral da Greve (CGG), que deu origem ao CGT, foi criado em 1962. No mês de junho se
iniciou as negociações para a formação de um novo ministério, em função da renúncia do primeiro-
ministro Tancredo Neves. Neste episódio criou-se o CGG que decretou uma greve geral de 24 horas, no
dia 5 de julho, como forma de pressionar o governo a uma escolha favorável ao movimento sindical.
64
KORNIS, Mônica e FLAKSMAN, Dora. Op. cit., p. 843.
65
Tribuna da Imprensa. Edição 8287, 18/08/62, p. 4.
66
Jornal do Brasil. Edição 193 (Ano LXXII), 19/08/62, p. 11 (1° cad.).
33
ENCONTRO DE TRABALHADORES DEMOCRÁTICOS CULPA
GOVERNO PELA INFILTRAÇÃO COMUNISTA
Na inauguração do Encontro, seu presidente, Sr. Antonio
Pereira Magaldi, que é também presidente da Confederação Nacional
dos Trabalhadores no Comércio, ressaltou a união de todos os
trabalhadores democráticos do país na firme disposição de reagirem
contra a crescente infiltração comunista.67
67
Jornal do Brasil. Edição 193 (Ano LXXII), 19/08/62, p. 11 (1° cad.).
68
O Semanário. Edição 295, 23/08/62, p. 1.
69
Última Hora. Edição 929, 17/08/62, p. 9.
34
populismo no Brasil, ambos buscavam manter o mútuo apoio. O CGT apoiou a
antecipação do plebiscito e a aplicação das Reformas de Base, propostas por Goulart.
COMANDO GERAL.
Além da proposta para que seja iniciada, em todo território
nacional, a luta pela revisão imediata dos atuais níveis de salário-
mínimo, a delegação carioca ao IV Encontro Sindical Nacional
apresentará uma outra sugestão, visando a criação do Comando Geral
dos Trabalhadores, organismo destinado a coordenar as lutas de
caráter mais geral do movimento sindical brasileiro. O referido
comando, conforme o pensamento dos líderes sindicais cariocas, seria
composto de dois representantes de cada Confederação, ou Federação
não confederada. No caso de qualquer Confederação escusar-se a
participar do novo organismo, caberia aos seus filiados, federações ou
sindicatos, indicar o representante do setor profissional. A nova
organização surgiria como resultado do importante papel
desempenhado pelo Comando Geral da Greve em 5 de julho,
estabelecido improvisadamente, para fazer face à necessidade de
arregimentar trabalhadores de todas as categorias profissionais para a
luta contra os golpistas e em defesa da legalidade e das liberdades
sindicais e democráticas que se encontravam ameaçadas. O novo
organismo, se aprovado no IV Encontro que se instala, hoje, em São
Paulo, terá funções mais amplas, devendo funcionar como órgão
coordenador da luta pela execução do programa a ser aprovado no
referido conclave.70
70
Última Hora. Edição 929, 17/08/62, p. 9.
35
qualquer momento deflagre uma parada geral no País, em defesa dos
direitos e reivindicações dos operários, foram as principais resoluções
do “IV Encontro Sindical Nacional” que se encerrou na noite de
ontem com a presença de 3.500 delegados classistas, representando
associações e federações. Estiveram presentes ao encerramento, entre
outras autoridades o ministro do Trabalho, professor Hermes Lima,
representando o presidente da república, o jornalista João Pinheiro
Neto, subsecretário do Trabalho e o Sr. Dante Pellacani, presidente da
CNTI
MANIFESTO – Salientando que “não haverá solução favorável
ao povo, pela forma como procedem as cúpulas partidárias, e o
governo, com conciliações que atendem aos trusts, monopólios e seus
agentes, inimigos da nossa pátria”, os trabalhadores lançaram um
manifesto, aprovado por unanimidade no encontro e do qual se
destacam, além da revisão do salário-mínimo, os seguintes pontos:
1- Defesa das liberdades democráticas e sindicais;
2- Direito de voto aos soldados e analfabetos;
3- Democratização da lei eleitoral e legalização de todos
os partidos;
4- Contra a Lei de Segurança Nacional;
5- Pela ampla liberdade de imprensa;
6- Repudiar o substituto Jefferson de Aguiar e imediata
aprovação do projeto, originário da Câmara federal,
sobre o direito de greve;
7- Medidas reais contra os trusts e monopólio;
8- Reforma agrária radical;
9- Salário família
10- Aumento geral dos salários
11- Veto à tentativa de congelamento dos salários e
vencimentos de civis e militares;
12- Aplicação integral de todas as conquistas das leis
sociais e trabalhistas e da Lei de Organização de
Previdência Social;
13- Lutas pela revisão de jornada de trabalho da mulher,
de 8 para 6 horas;
36
REFORMAS DE BASE
Os debates ocorridos nas sessões do IV Encontro
levaram os líderes sindicais a concluir que o fenômeno
altista é uma conseqüência natural do que
denominaram “estrutura econômica arcaica e viciada
em que vivemos”. Partindo desse princípio,
consideraram que “para se conseguir a estabilização e
posterior barateamento do custo de vida, são
necessárias as reformas de base, pelas quais vem
lutando os trabalhadores, sem que até agora tivessem
sido atendidos pelos que detém o poder”.71
A Revolta dos Sargentos foi uma rebelião promovida por cabos, sargentos e
suboficiais da Marinha e Aeronáutica, em Brasília, no dia 12 de setembro de 1963. Este
episódio foi marcante por representar um ataque à hierarquia militar, significando,
então, que a polarização da sociedade já corrompia a disciplina dentro das próprias
Forças Armadas.
Esta questão militar não era inédita no Brasil. O movimento tenentista, que teve
início nos anos 20, por exemplo, já demonstrava uma cisão ideológica nas Forças.
71
Última Hora. Edição 929, 20/08/62, p.2.
37
Com a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, as Forças Armadas se
dividiram radicalmente, quase entrando em combate, contra e a favor da posse de
Goulart. Esta divisão permaneceu durante todo o governo de Jango.
A Revolta dos Sargentos ocorre em função da decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF) de reafirmar a inelegibilidade de sargentos para órgãos do Poder
Legislativo. Esta limitação constava na Constituição de 1946.
Em 1962, nas eleições de outubro, sargentos dos estados da Guanabara, São Paulo
e Rio Grande do Sul, se candidataram para a Câmara Federal, assembléias legislativas e
para câmaras municipais. No estado da Guanabara, o sargento do Exército Antônio
Garcia Filho, apesar do impedimento constitucional, elegeu-se deputado federal e tomou
posse em 1º de fevereiro de 1963. No entanto, os candidatos do Rio Grande do Sul,
Aimoré Zoch Cavalheiro, e de São Paulo, Edgar Nogueira Borges, foram impedidos de
assumir seus cargos de deputado estadual e vereador, respectivamente.
No Rio de Janeiro, no dia 12 de maio de 1963, aproximadamente mil graduados se
reuniram para discutir este episódio e o subtenente Gelci Rodrigues Correia acusou a
ordem reinante de beneficiar apenas uma pequena parcela da sociedade. Declarou que
sua categoria não defenderia um regime excludente e exigiu do governo as reformas de
base. Em resposta a esta declaração, o ministro da Guerra, general Amauri Kruel
ordenou a prisão de Gelci por 30 dias.
72
LAMARÃO, Sérgio. A Revolta dos Marinheiros. CPDOC. [online] Disponível em:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/AConjunturaRadicalizacao/A_revolta_dos_marinheiro
s. (Acessado em 20/06/2010)
38
No dia 11 de setembro o STF reafirmou a inelegibilidade dos sargentos,
suboficiais e cabos, levando cerca de seiscentos graduados da Aeronáutica e Marinha a
tomarem o Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), a Estação Central da
Rádio Patrulha, o Ministério da Marinha, a Rádio Nacional e o Departamento de
Telefones Urbanos e Interurbanos, na capital do país, controlando a comunicação de
Brasília. Sob o comando do sargento da Aeronáutica Antônio de Prestes Paula, oficiais
militares foram presos juntamente com o ministro do STF, Vitor Nunes Leal. A revolta
durou cerca de doze horas e aumentou a tensão política nacional.
Este episódio marcou o período por ilustrar que nem as Forças Armadas estavam
imunes à radicalização existente no Brasil. A crise de regime torna-se cada vez mais
clara.
Os jornais tiveram as mais variadas interpretações. Dos periódicos aqui
analisados, o Última Hora foi o único a publicar a notícia ainda no dia 12 de setembro.
73
Última Hora. Edição 4148, 12/09/63, p. 1.
39
Esta pequena nota publicada pelo UH foi apenas informativa, tendo em vista que
os eventos ainda eram muito recentes. Nas edições do dia 13, no entanto, o episódio de
Brasília era a principal notícia. O Tribuna da Imprensa condenou a rebelião, embora
tenha identificado como maior culpado o presidente, acusando-o de praticar
constantemente a violência e a inconstitucionalidade, dando como exemplo a
antecipação do plebiscito, que foi interpretada como inconstitucional pelo periódico. O
jornal exigiu a punição dos sargentos e pediu que se buscassemos “verdadeiros
culpados”, que estimulavam este tipo de indisciplina e violência.
74
Tribuna da Imprensa. Edição 3148, 13/09/63, p. 1.
40
uma legal, sem eficiência e resultado administrativo democrático, e
outra ilegal, visivelmente subversiva, montada nesse apêndice ilegal
do governo, chamado Comando Geral dos Trabalhadores.75
O JB, assim como o Tribuna da Imprensa, aponta Jango como conivente com a
revolta por não tomar nenhuma atitude drástica. Ambos os periódicos fazem discursos
alarmantes em relação à administração de Goulart.
O Semanário, porém, reconheceu a legitimidade da revolta dos sargentos e
defendeu a anistia para eles, acusados de quebrar a hierarquia militar. Comparou o caso
ao episódio de 1961, quando os militares que conspiraram contra a posse de Goulart
foram anistiados imediatamente. Como se nota, por ser um periódico de diretrizes
nacionalistas, a interpretação do periódico sobre a revolta relaciona esta questão à
manutenção da ordem vigente, a qual, segundo O Semanário, atacava os interesses
nacionais em favor do domínio estrangeiro.
75
Jornal do Brasil. Edição 214 (ano LXXIII), 13/09/63, p. 6 (1° cad.).
76
A associação a gorilas passou a ser realizada por grupos de esquerda para satirizar setores
conservadores e militares de direita. O termo “gorila” sintetizava brutalidade e estupidez, e foi apropriado
pela esquerda brasileira para atacar a repressão e práticas consideradas golpistas. Para uma analise mais
específica em torno das origens e usos da figura caricatural do gorila no Brasil, ver MOTTA, Rodrigo P.
S. A figura caricatural do gorila nos discursos da esquerda. Uberlândia: ArtCultura, v. 9, n. 15, p.
195-212, jul.-dez. 2007.
77
O Semanário. Edição 351, 25/09/63 p. 1.
41
O Última Hora, por fim, tem a preocupação de destacar a posição presidencial em
defesa da ordem e da hierarquia militar. O Brasil, em 1963, estava em um momento
crítico da crise política e Goulart busca tranqüilizar a população. Publicou na primeira
página da edição de 13/09/1963:
A EXPLOSÃO
78
Última Hora. Edição 4149, 13/09/63, p. 1.
42
para o retorno ao clima normal das democracias organizadas. É inútil
esconder os fatos. Há um vulcão sobre o país com uma agravante: sua
erupção agora atingiu a base mesma da segurança nacional, as Forças
Armadas.
Nas publicações, destes quatro periódicos, em relação a este episódio, pode-se destacar
que todos interpretam a revolta sob um olhar estrutural. Enquanto o Tribuna da imprensa e o JB
denunciaram o presidente como principal culpado pelo “caos instaurado”, o Semanário e o UH
apontaram os projetos presidenciais como a solução para a crise, que, segundo eles, teria como
causa os impedimentos às reformas necessárias, causados por conservadores e elitistas. O
Última Hora tinha como objetivo, ainda, transmitir a voz de João Goulart e sua postura em
relação ao ocorrido, que seria de defensor da ordem e contra radicalismos.
79
Última Hora. Edição 4149, 13/09/63, p. 1.
43
CONCLUSÃO
A partir das mensagens analisadas, pode-se concluir que o Última Hora, durante o
governo João Goulart, atuou como a “voz” populista na mídia impressa. Através destas,
dois interesses se mostraram em todas as edições: defesa incondicional dos interesses
presidenciais e defesa de interesses populares, trabalhistas e nacionalistas.
44
O UH, sempre defensor e um símbolo populista na mídia, defendeu e preservou a
imagem de Goulart, mas teve a liberdade de discursar de forma mais agressiva e radical
de forma conveniente aos interesses presidenciais. A respeito do UH, enfim, Antonio
Hohlfeldt, resumidamente, define:
80
HOHLFELDT, Antonio. O projeto político-ideológico de Última Hora. Salvador: INTERCOM,
2002, p.6.
45
BIBLIOGRAFIA
Fontes:
Jornal do Brasil
O Semanário
Tribuna da Imprensa
Última Hora
Obras Gerais:
BOURNE, Richard. Getúlio Vargas of Brazil 1883-1954. London: Charles Knight &
Co. Ltd., 1974.
46
DREIFUSS, René Armand. 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e
Golpe de Classe. Petrópolis: Vozes, 1981.
47
PEROSA, Lilian Maria F. de Lima. Última Hora: uma revolução na imprensa
brasileira. 2003.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1983.
SOUZA, Maria do Carmo Campelo de. Estado e Partidos Políticos no Brasil 1930 a
1964. São Paulo: Ed. Alfa-Omega,1976.
STEWART, Angus. “As raízes sociais do populismo”. In: TABAK, Fanny (Org.)
Ideologias: Populismo. Rio de Janeiro: Eldorado, 1973.
TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1982.
48
WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978.
49