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Perfil da

LITERATURA
AMERICANA
¦
EDIÇÃO REVISADA
SUMÁRIO
LITERATURA
AMERICANA
EDIÇÃO REVISADA
Período Inicial Publicado pelo Departamento de Estado
dos Estados Unidos da América
e Colonial Americano até 1776 3
CORPO EDITORIAL
Origens Democráticas
e Escritores Revolucionários, Escrito por: Kathryn VanSpanckeren
1776-1820 14 Editor Executivo: George Clack
Editor-Chefe: Paul Malamud
Editor Colaborador: Kathleen Hug
Período Romântico, 1820-1860: Diretor de Arte / Designer:
Ensaístas e Poetas 26 Thaddeus A. Miksinski, Jr.
Editor de Imagens: Joann Stern
Traduzido por: Márcia Biato
Período Romântico, Revisado por: Vera Galante
1820-1860: Ficção 36 Editor Gráfico da Tradução:
Elizabeth de Souza

Ascensão do Realismo:
Capa: © 1994 Christopher Little
1860-1914 47

O Modernismo e SOBRE A AUTORA
a Experimentação: 1914-1945 60 Kathryn VanSpanckeren
é professora de inglês na
Universidade de
Poesia Americana, Tampa, fez palestras sobre literatura
de 1945-1990: A Antitradição 79 americana em vários países e foi
diretora do programa de Literatura
Americana no Instituto de Verão
A Prosa Americana, da Fulbright para estudantes
internacionais. Seus trabalhos
de 1945-1990:
publicados incluem poesia e
Realismo e Experimentação 97 conhecimento. Ela graduou-se
pela Universidade da Califórnia,
Poesia Americana Contemporânea 121 em Berkeley, e fez doutorado na
Harvard University.

Literatura Americana Contemporânea 136


Glossário 157
Índice 163
Os seguintes textos não podem ser reproduzidos sem a permissão do detentor dos direitos autorais:
“In a Station of the Metro” [Numa Estação do Metrô] (pág. 63), de Ezra Pound. De Personae, de Ezra Pound.
Copyright © 1926 de Ezra Pound. Traduzido e reproduzido com a permissão de New Directions Publishing Cor-
poration.
“Stopping by Woods on a Snowy Evening” [Parando no Bosque numa Noite de Neve] (pág. 65) de Robert Frost.
De The Poetry of Robert Frost [A Poesia de Robert Frost], editado por Edward Connery Lathem. Copyright 1923, ©
1969 de Henry Holt and Co., Inc., © 1951 de Robert Frost. Reproduzido e traduzido com a permissão de Henry
Holt and Co., Inc.
“Disillusionment of Ten O’Clock” [Desilusão das Dez Horas] (pág. 66) de Wallace Stevens. De Selected Poems
[Poemas Selecionados] de Wallace Stevens. Copyright 1923 e prorrogado em 1951 por Wallace Stevens. Repro-
duzido com a permissão de Alfred A. Knopf, Inc.
“The Red Wheelbarrow” [O Carrinho de Mão Vermelho] (pág. 66) e “The Young Housewife” [A Jovem Dona
de Casa] (pág 66) de William Carlos Williams.. Collected Poems, 1909-1939. Vol. I. [Coletânea de Poemas, 1909-
1939. Vol.1] Copyright 1938 New Directions Publishing Corp. Reproduzido com a permissão de New Directions.
“The Negro Speaks of Rivers” [O Negro Fala de Rios] (pág. 69) de Langston Hughes. De Selected Poems
[Coletânea de Poemas], de Langston Hughes. Copyright 1926 de Alfred A. Knopf, Inc.e renovado em 1954 por
Langston Hughes. Reproduzido com a permissão do editor.
“The Death of the Ball Turret Gunner” [Morte do Artilheiro da Torre de Tiro] (pág. 80) de Randall Jarrell em Randall
Jarrell: Selected Poems [Randall Jarrell: Poemas Selecionados]; © 1945 de Randall Jarrell, © 1990 de Mary Von
Schrader Jarrell, publicado por Farrar Straus & Giroux. Permissão concedida por Rhoda Weyr Agency, Nova York.
“The Wild Iris” [A Íris Selvagem] (pág. 125) de The Wild Iris por Louise Glück. Copyright © 1993 por Louise Glück.
Reproduzido com a permissão de HarperCollins Publishers Inc.
“Chickamauga” (pág. 126) de Chickamauga por Charles Wright. Copyright © 1995 por Charles Wright. Repro-
duzido com a permissão de Farrar, Straus and Giroux, LLC.
“To The Engraver of my Skin” [Para o Gravador de minha Pele] (pág. 129) de Source por Mark Doty. Copyright
© 2001 por Mark Doty. Reproduzido com a permissão de HarperCollins Publishers Inc.
“Mule Heart” [Coração de Mula] (pág. 130) de The Lives of The Heart [As Vidas do Coração] por Jane Hirshfield.
Copyright © 1997 por Jane Hirshfield. Reproduzido com a permissão de HarperCollins Publishers Inc.
“The Black Snake” [A Cobra Negra] (pág. 131) copyright © 1979 por Mary Oliver. Usado com permissão de
Molly Malone Cook Literary Agency.
“The Dead” [O Morto] (pág. 132) de Questions About Angels [Perguntas sobre Anjos] por Billy Collins, © 1991.
Reproduzido com a permissão de University of Pittsburgh Press.
“The Want Bone” [O Osso do Desejo] (pág. 133) de The Want Bone [O Osso do Desejo] por Robert Pinsky.
Copyright © 1991 por Robert Pinsky. Reproduzido com a permissão de HarperCollins Publishers Inc.
Yusef Komunyakaa, “Facing It” [Encarando-o] (pág. 134) de Dien Cai Dau in Pleasure Dome: New and Collec-
ted Poems [Dien Cai Dau na Cúpula do Prazer: Coletânea e Novos Poemas], © 2001 por Yusef Komunyakaa e
Reproduzido com a permissão de Wesleyan University Press.

Algumas das ilustrações que aparecem neste volume também são protegidas por copyright, conforme indicado
na própria ilustração. Estas não podem ser reproduzidas sem a permissão do detentor do direito autoral.

As opiniões expressadas nesta publicação não refletem necessariamente as opiniões e políticas do governo dos
EUA.

4
CAPÍTULO
tras regiões, contavam-se histórias de um deus
ou cultura superior. Não há, porém, lon­gos ci­clos
religiosos padronizados em tor­no de uma divin­

1
dade suprema. Os equi­va­lentes mais pró­xi­­mos
das narra­tivas espiri­tuais do Ve­lho Mun­do seriam
relatos das ini­cia­ções e viagens dos xamãs. Fora
isso, há histó­rias sobre he­róis cul­tu­rais, como o
Ma­na­bozho, da tribo Ojibwa, ou o Coyote, da tribo
PERÍODO INICIAL E Navajo. A esses tra­paceiros são dados dife­rentes
COLONIAL ATÉ 1776 graus de res­peito. Numa lenda, po­dem agir como
he­róis, enquan­to que nou­tra, poderão parecer

A
literatura americana se inicia com a trans­ ego­ís­tas ou tolos. Em­bo­ra autoridades do pas­sado,
missão oral dos mitos, lendas, histórias como o suíço Carl Jung, tenham desapro­vado
e letras (sem­pre canções) das cul­­tu­ras histó­rias sobre trapa­ceiros, tachando-as de expres­
indígenas. Não havia literatura escri­ta nas mais de sões do lado inferior e amoral da psi­que, ou­tros
500 diferentes línguas indí­ge­nas e culturas tribais estudiosos con­tempo­râ­neos — al­guns, índios ame­
da América do Norte antes da chegada dos pri­ ricanos — ressaltam que Ulisses e Prometeu, heróis
mei­ros euro­peus. Como resultado, a lite­­ra­­­tura oral re­ve­ren­ciados pelos gre­gos, eram, em essência,
dos ameri­canos nativos é bem diversificada. As trapaceiros também.
nar­ra­ti­vas de culturas caça­doras quase nômades, Exemplos de quase todo gênero oral podem
co­­mo os Navajo, diferem das histórias con­ta­das ser encontrados na literatura indígena ameri­cana:
por tribos agrícolas, como os Acoma, que viviam letras de canções, cânticos, mitos, con­tos de fada,
em pueblos (aldeias). Histórias dos ha­bi­tantes anedotas, encan­tamentos, enigmas, provérbios, épi­
dos lagos do Norte, como os Oji­bwa, muitas vezes cos e lendas. São muitos os regis­tros de migrações
diferem radi­calmente das con­ta­­das por tribos do e de ancestrais, bem como cantos de visões e de
deserto, como os Hopi. cura e lendas sobre trapaceiros. Algumas histórias
As tribos mantinham sua própria reli­gião — ado­ da criação são particularmente popu­lares. Numa
ravam deuses, animais, plan­tas ou pes­soas sagra­ das mais co­nhe­cidas, con­tada em várias tribos
das. Os sistemas de governo incluíam democracias, com variações, uma tarta­ruga sus­ten­ta o mundo.
conselhos de anciãos e até teocra­cias. Essas varia­ Numa versão Cheyenne da lenda, o criador Maheo
ções tribais aparecem tam­bém na litera­tura oral. tem quatro chan­ces para modelar o mun­do a partir
Mesmo assim, é possível fazer algumas ge­ne­ de um universo aquoso. Ele manda quatro aves
ralizações. As histórias indígenas, por exem­­plo, aquáticas mergulharem para tentar trazer terra do
brilham com reverências à natu­reza como mãe fundo. O ganso da neve, o mergulhão-do-norte e o
espiri­tual e física. A natureza está viva e dotada pato selva­gem voam até bem al­to e depois mergu­
de forças espiri­tuais; os princi­pais per­so­na­gens lham, sem conseguir alcançar o fundo; o pequeno
podem ser animais ou plan­tas ou fre­qüen­temente galei­rão, contudo, que não pode voar, conse­gue
totens associados a tri­bos, a gru­pos ou indivíduos. trazer um pouco de lama em seu bico. Ape­nas uma
Na literatura ame­ricana mais re­cente, o que mais se criatura, a humilde Vovó Tarta­ruga, possui as formas
apro­xima do sen­tido sagrado indígena é a “Over- necessárias para sus­tentar o mundo de lama que
Soul” [Sobre-Alma] transcendental de Ralph Waldo Maheo forma so­­bre seu casco — por isso o no­me
Emer­son, que permeia toda vida. indígena pa­ra a América, ‘Ilha da Tartaruga’.
As tribos mexicanas reverenciavam o divino As canções ou poesias, como as nar­rativas, vão
Quetzalcoatl, deus dos toltecas e astecas e, nou­ do sagrado ao leve e humo­rístico: há cantigas de

5
ninar, cantos de guerra, canções de amor e canções e Mon­treal.
especiais para jogos infan­tis, jogos de azar, várias Porém, os primeiros explora­dores da Amé­ri­ca
tarefas, cerimônias de magia ou de dança. Em geral, não foram ingleses, espanhóis ou france­ses. O pri­
são canções repe­titivas. Curtas can­ções-poema meiro registro europeu de explo­­ração da Amé­rica
rece­bidas em sonhos podem às vezes trans­mitir as está numa língua es­can­­­di­nava. Vinland Saga [A Saga
ima­gens claras e o clima sutil associados ao haicai de Vinland] conta como Leif Eriksson e um bando
japonês ou à poesia imagística influen­ciada pelo de nórdicos errantes se fixaram breve­men­te na costa
Oriente. Uma canção Chippewa diz: nor­des­te da América — talvez na No­va Escócia, no
Canadá — na primeira déca­da do século 11, quase
Pensei que fosse um mergulhão 400 anos antes da próxima desco­berta européia
Mas era o remo registrada do Novo Mundo.
do meu amor O primeiro contato conhecido continuado en­tre a
batendo na água. América e o resto do mundo começou, porém, com
a famosa viagem do explora­dor italiano, Cristóvão
Canções de visões, bem curtas, são outra for­­ma Colombo, financiada pe­los reis espanhóis, Fernão e
caracte­rística. Apa­recendo em sonhos ou visões, Isabela. “Epístola”, o diá­rio de Colombo, publicado
às vezes sem aviso, podem ser can­ções de cura, em 1493, conta o drama da viagem — o terror dos
caça ou de amor. Muitas vezes são pessoais, como homens, que temiam mons­tros mari­nhos ou cair da
neste canto Modoc: borda do mundo; o quase mo­tim; como Colombo
alterou os diá­rios de bordo para que os homens
Eu não soubessem quão lon­ge tinham viajado além
o canto de qualquer outro; e a pri­mei­ra visão da terra, ao
eu caminho aqui. chegarem à América.
Bartolomé de las Casas é a mais rica fonte de
A tradição oral indígena e sua relação com a informação sobre os primeiros contatos en­tre ín­
literatura americana como um todo é um dos temas dios americanos e euro­peus. Como jo­vem padre,
mais ricos e menos explorados nos estudos ameri­ ele ajudou a conquis­tar Cuba, trans­creveu o diário
canos. A contribuição dos índios à América é maior de Colombo e, já no fim de sua vida, produziu a
do que se su­põe. As cen­te­nas de palavras indígenas extensa e vivaz History of the Indians [História dos
in­corpo­ra­das ao in­glês incluem ‘canoe’ [ca­noa], Ín­dios], que critica a escravização dos índios pelos
‘to­bac­­co’ [taba­co], ‘potato’ [batata], ‘moc­casin’ espa­nhóis.
[mocassim], ‘moose’ [alce], ‘persimmon’ [caqui], As tentativas inglesas iniciais de colo­nização fo­
‘racoon’ [guaxinim], ‘tomahawk’ [macha­dinha] e ram desastrosas. A pri­meira colônia foi fun­da­da em
“totem”. A literatura americana indígena con­tem­ 1585, em Roanoke, no litoral da Carolina do Norte;
porânea, discutida no capí­tulo 8, também contém os colonos desapareceram e até hoje contam-se
obras de gran­de beleza. lendas sobre índios Croa­­tans de olhos azuis, naquela
região. Durou mais a se­gun­da colônia: Jamestown,
A LITERATURA DE EXPLORAÇÃO fundada em 1607. Re­­sis­­tiu à fome, à bruta­lidade e

S
e a história tivesse seguido outro rumo, os ao mau gover­no. A litera­tura da época, entretanto,
Estados Unidos poderiam facilmente ter sido pinta a Amé­rica com cores vibran­tes, como a terra
parte dos gran­des im­­pé­rios da Espanha ou das ri­quezas e opor­tunidades. Rela­tos das coloniza­
França. Seus ha­bi­tantes pode­riam falar espanhol ções tornaram-se mundial­mente conhe­cidos.
e formar uma nação com o México ou fran­cês e A explo­ração do Roanoke foi cuidadosamente
unir-se aos fran­cófonos cana­denses de Quebec regis­trada por Thomas Hariot em A Brief and True­
­
6
Report of the New-Found Land of Virginia [Um O PERÍODO COLONIAL
Breve e Verdadeiro Relatório sobre a Terra Re­cém- NA NOVA INGLATERRA

T
Descoberta da Virgínia] (1588). O livro de Hariot alvez não tenha havido na história mun-
logo foi tradu­zido para o latim, francês e alemão; o dial outro grupo de colonos tão intelec-
texto e as ilustra­ções, trans­for­mados em gravuras, tualizados quanto os Puritanos. Entre 1630
foram reproduzidos por mais de 200 anos. e 1690, havia tan­tos colonos diplomados em
O principal relato da colônia de James­town, os universidades no nordes­te dos Estados Unidos,
escritos do Capitão John Smith, um de seus líde­res, na re­gião da Nova Inglaterra, quan­­to no país mãe
é o opos­to do trabalho preciso e cien­tí­fico de Hariot. — fato notável, considerando-se que a maio­­ria das
Smith, romântico incor­rigível, pa­re­­ce ter floreado pessoas educadas da épo­ca eram aristo­cratas
suas aven­turas. A ele deve­mos a famosa es­tória da pouco dispos­tos a arris­car suas vidas em con­
jovem índia Poca­hon­tas. Fato ou ficção, ela está dições primitivas. Os Puri­tanos au­to­­di­datas, que
arrai­­gada no imagi­nário histórico americano. A len­ venceram por seus próprios méritos, consti­tuíam
da conta como Pocahontas, filha predi­leta do Chefe notável exce­ção. Eles que­riam a edu­cação para
Powhatan, salvou a vida do Capi­tão Smith enquanto com­preender e executar a von­tade de Deus no
prisio­neiro do chefe. Mais tarde, quando os ingle­ pro­cesso de colonização da Nova Inglaterra.
ses persua­diram Powhatan a en­tre­gar Pocahontas A definição puritana de boa leitura era aquela
como refém, sua suavidade, inteligência e bele­za que transmitia a plena consciência da im­por­tân­­
impres­­sio­naram os ingleses. Em 1614, ca­sou-se com cia de se adorar a Deus e os perigos espi­ri­­tu­ais
John Rolfe, cavalheiro inglês, o que deu início a um enfrentados pela alma na Terra. O esti­lo pu­ritano
período de paz de oito a­nos en­tre colonos e índios, variava muito — da poesia metafísica e complexa
assegurando a sobre­vi­vên­cia da nova colônia. até diários casei­ros e relatos his­tó­ricos religiosos
No século 17, piratas, aventureiros e explo­­ tremen­da­mente pedantes. Mas a despeito do
radores abriram caminho para uma nova onda de es­ti­­lo ou gêne­ro, certos te­mas eram cons­tantes.
colonos permanentes, que traziam suas famílias, A vida era vista como pro­­va; o fracasso levava
implementos agrí­colas e ferramentas de artesãos. à conde­nação eterna e ao fogo do inferno e o
A litera­tura inicial da ex­plo­ração, formada por sucesso, recom­pen­sado com o êx­tase celestial.
diários, cartas, relatos de viagens, diários de O mundo era a arena de com­bate cons­tante entre
bordo e relatórios aos financiadores dos colonos as forças de Deus e as hostes de Satanás, inimigo
— governantes euro­peus ou, no ca­so da Inglaterra terrível com vá­rios disfarces. Muitos Puri­ta­nos
e da Holanda mercantilistas, insti­tuições societá­ aguardavam ansio­sa­mente a chegada do “milênio”,
rias — foi, aos poucos, subs­tituída por relatos dos quando Jesus voltaria à Terra, aca­ba­ria com a
próprios colonos. Como a Ingla­terra acabou por miséria humana e inauguraria 1000 anos de paz e
apoderar-se das colônias da América do Norte, prosperidade.
a literatura mais conhecida e documen­tada é a Os estudiosos vêm, há muito, mos­tran­­do a
inglesa. Como a literatura das minorias ameri­ ligação entre o puri­tanismo e o ca­pi­­ta­­lis­mo: am­bos
canas ainda flo­res­ce no século 20 e a sociedade funda­men­tam-se na am­bição, no tra­ba­lho árduo e
americana tor­na-se cada vez mais multicultural, na busca inces­sante do sucesso. Embora, individual­
os estu­dio­sos estão redescobrindo a importância mente, os Puri­tanos não pu­dessem saber, em termos
de sua herança cultural mista. Em­bora a literatura teológicos, se estavam ‘salvos’ e por­tanto entre os
americana passe agora a concen­trar-se nos relatos eleitos ao pa­ra­­íso, eles ten­diam a sentir que o suces­
ingleses, é impor­tante reco­nhecer seus primórdios so ter­reno era sinal de eleição. Riqueza e status não
ricamente cosmopolitas. eram al­me­jados por si sós, mas como reafir­mação
de saúde espiritual e pro­mes­sa de vida eterna.

7
Pintura, cortesia da Smithsonian Institution

The First Thanksgiving” [O Primeiro Dia de Ação de Graças], quadro de J.L.G. Ferris, retrata os primeiros colonos
americanos e os americanos nativos celebrando uma colheita abundante.

Além disso, o conceito de consciência admi­ ‘da aliança’ (cove­nant­ed) — que ju­ra­vam lealdade
nis­trativa estimulava o sucesso. Os Puritanos ao gru­po e não ao Rei. Consi­de­­rados trai­dores do
in­­ter­pretavam todas as coisas e eventos como reino e hereges con­de­nados ao inferno, eram muito
símbolos de um significado espiri­tual mais pro­ persegui­dos. Sua separação os le­vou final­mente ao
fundo e sentiam que, ao promover seu pró­prio Novo Mundo.
lu­cro e o bem-estar de sua co­mu­nidade, esta­vam
também levando avante os planos de Deus. Não William Bradford (1590 - 1657)
distinguiam as esferas secular e reli­­giosa: toda a Logo após a chegada dos Separatistas, William
vida era expres­são da vontade divi­na — cren­­ça que Bradford foi eleito governador de Plymouth, na
renasce no Trans­cen­den­ta­lismo. Colônia de Massachusetts Bay. Era extremamente
Ao registrar os eventos comuns para revelar seu piedoso, autodi­data, tendo apren­dido muitas línguas,
significado espiritual, os Purita­nos muitas vezes até o hebraico, para poder “ver com os pró­prios olhos
citavam a Bíblia, capí­tulo e versículo. A história os antigos orá­culos de Deus em sua be­le­za original.”
era um panorama religioso simbólico que levava Seu papel na mi­gra­­ção para a Holanda e na viagem
ao triunfo Puritano no Novo Mun­do e ao Reino dos do May­flower para Plymouth e seu trabalho como
Céus na Terra. gover­nador o tor­na­vam perfeito para ser o primeiro
Os primeiros Puritanos da Nova Inglaterra exem­ histo­riador de sua colônia. Sua his­tó­ria, Of Plymouth
plificavam a serie­dade do Cristianismo Re­for­mado. Plantation [Sobre a Colônia de Plymouth] (1651)
Conhe­cidos como ‘Peregrinos’, eram um pe­que­no descreve com clareza e fas­cínio os primórdios da
grupo de fiéis que mi­grou da Ingla­terra para a colônia. Sua des­cri­­ção da primeira visão da América
Holanda — famosa desde aque­la é­­po­­ca pela tole­ faz juz à fama:
rân­cia religiosa — em 1608, época de perseguições. Tendo atravessado o vasto oceano e um mar de difi­
Como a maioria dos Pu­ri­ta­nos, inter­pre­tavam a culdades... agora não tinham amigos para aco­lhê-los
Bíblia literal­men­te. Liam e agiam com base na Se­ nem hospedarias para dis­trair ou descan­sar seus
gun­da E­pís­tola aos Coríntios — “Saia do meio deles e corpos castigados pelo tempo; nem casas e muito
fique se­­­pa­­­­rado, disse o Senhor.” Desilu­didos quanto menos cidades para onde ir, para bus­car auxílio...
a purificar a Igreja da Inglaterra de den­tro para fora, bárbaros selva­gens... esta­vam mais dis­pos­tos a
os ‘Separatistas’ formaram igre­jas clan­des­­­tinas —
8
cobri-los de fechadas. Co­mo era inver­no e aqueles Up in America [A Décima Musa Recém-Surgida na
que conhe­cem o inverno desse país sa­­bem que são América] (1650) revela a influência de Edmund
rigo­ro­sos e violentos, sujei­tos a tem­­pes­­ta­des cruéis Spenser, Philip Sidney e outros poetas ingle­ses.
e ferozes... to­dos os enfrenta­vam com a face crestada Recorria com fre­qüên­­cia a conceitos elaborados
pelas intem­­péries e o país inteiro, cheio de florestas e ou a me­tá­foras dilatadas. “To My Dear and Loving
mata­gais, se mos­trava com um ar selvagem e bravio. Husband” [Para Meu Querido e Amoroso Ma­ri­­do]

B
(1678) usa imagens orientais, o tema do amor e a
radford também registrou o primeiro técnica da comparação, muito popular na Europa
documento de autogoverno colonial no da época. No final, a autora reveste seu poema de
Novo Mundo inglês, o Mayflower Compact um sentido piedoso:
[Acordo de Mayflower], elaborado enquan­to os
peregrinos ainda estavam à bordo do navio. O Se algum dia dois foram um, então certa­mente nós.
acordo era precursor da Declaração de Inde­pen­­ Se algum dia um homem foi amado pela esposa,
dência que viria um século e meio depois. en­tão você;
Os Puritanos reprovavam as diversões secu­lares Se alguma mulher já foi feliz com um homem,
como dança e jogo de cartas, que associa­vam Comparem-se comigo, ó mulheres, se puderem.
ao estilo de vida ímpio e imo­ral dos aristo­cratas. Prezo seu amor mais do que minas inteiras de ouro
Escrever ou ler livros “le­ves” caia na mesma cate­ Ou todas as riquezas que o Oriente possui.
goria. As mentes puri­tanas dedi­ca­vam suas ener­ Meu amor é tanto, que rios não podem saciá-lo,
gias a gêneros pie­dosos e a­lheios à ficção: poesia, Nada além do seu amor pode dar recom­pensa.
sermões, textos teo­ló­gicos e relatos históricos. Seu amor é tal, que nada posso para retribuí-lo,
Seus diários e medita­ções íntimas regis­tram a rique­ Rogo aos céus que lhe paguem em dobro.
za da vida interior dessas pessoas introspectivas e Então, enquanto vivermos, perseveremos no amor
intensas. Para, quando já não vivermos, vivermos sempre.

Anne Bradstreet (c. 1612 - 1672) Edward Taylor (c. 1644 - 1729)
O primeiro livro de poesias publicado por um Como Anne Bradstreet, e, de fato, como qua­se
americano foi também o primeiro livro ame­ri­cano todos os primeiros escritores da Nova Ingla­ter­ra, o
publicado por uma mu­lher — Anne Brad­­­street. Não intenso e brilhante poeta e ministro Edward Taylor
é surpresa que tenha sido im­presso na Ingla­terra, nasceu na Ingla­terra. Filho de um pequeno proprie­
dada a falta de prensas tipo­grá­­ficas nos primórdios tário rural — agricul­tor independente, dono de suas
das colô­nias ameri­ca­nas. Nasci­da e educada na terras — Taylor foi um professor que pre­feriu vir para
Ingla­terra, Anne Bradstreet era filha do adminis­ a Nova In­gla­­terra em 1688 a fazer o juramento de leal­
trador da propri­edade de um conde. Emi­grou dade à Igreja da Ingla­terra. Ele estudou no Har­vard
com sua família aos 18 anos. Seu marido tornou-se College e, como a maioria dos clérigos trei­­na­dos em
gover­­na­­dor da Colônia de Massachusetts Bay, que Harvard, conhecia grego, latim e he­brai­co. Altruísta
for­ma­ria mais tarde a gran­de cidade de Bos­ton. e piedoso, Taylor agiu como missionário juntos aos
Ela pre­feria seus longos poemas religio­sos, sobre colonos quando acei­tou a posição vitalícia de pastor
temas con­ven­cio­nais, como as esta­ções, em­bora em West­field, Mas­sachusetts, cidade de fronteira 160
os leito­res de hoje apreciem mais seus poemas quilô­metros adentro de florestas fechadas. Taylor era
curtos e espi­ri­tuosos sobre a vida coti­di­ana e suas o mais culto da região e usou sua educa­ção para
poe­sias caloro­sas e amorosas dedicadas ao marido servir como pastor, médico e líder cívico da cidade.
e aos fi­lhos. Ela se inspirava na poesia metafí­sica Modesto, piedoso e trabalhador, Taylor nunca
ingle­­­­sa e seu livro The Tenth Muse Lately Sprung pu­­blicou suas poesias, que foram descobertas por

9
volta de 1930. Ele certamente cre­ditaria a desco­berta meta­física da América pro­tes­­tan­te ain­da não foi
à pro­­vi­­dên­cia divina; os leitores de ho­je devem ser exaurida.)

C
gratos pela exis­tên­cia de seus poe­­mas — os melhores omo quase toda a literatura colonial, os pri-
exempla­res da poesia do século 17 na América do ­meiros poemas da Nova Inglaterra imitam
Norte. a forma e técnica do país mãe, em­­bora a
Taylor escreveu várias obras poéticas: ele­gias paixão religiosa e citações freqüentes de passa­
fune­rárias, poemas líricos, um “deba­te” medieval gens bíblicas, além do novo cenário, dêem a eles
e o Metrical History of Christianity [His­tó­ria Mé­trica identidade especial. Os autores isolados do Novo
da Cristan­dade] de 500 páginas (uma história de Mundo viveram antes do ad­ven­to dos transportes
mártires). Sua melhor obra, na opinião dos crí­ rápidos e da comunicação ele­trônica. Como resul­
ticos modernos, é a série de curtas meditações tado, os escritores co­lo­ni­ais imitavam estilos já fora
prepara­tórias. de mo­da na Inglaterra. Portanto, Edward Taylor, o
me­lhor poeta de sua é­po­ca, escreveu poesia me­
Michael Wogglesworth (1631 - 1705) ta­física quando já havia caído em de­suso na Ingla­
Como Taylor, Michael Wogglesworth nasceu terra. Às vezes, como no ca­so de Taylor, riqueza e
na Inglaterra, era ministro puri­tano edu­cado em ori­gi­na­li­dade nasciam do iso­la­mento da colônia.
Harvard que praticava a medi­cina. Foi o terceiro Os escritores coloniais muitas vezes pare­ciam
poeta de renome na Nova Ingla­ter­ra colonial. Dá ignorar gran­des au­tores ingleses como Ben Jonson.
continuidade aos te­mas pu­ri­tanos em sua obra mais Al­­guns rejeitavam poetas ingleses que pertenciam a
conhecida, The Day of Doom [O Dia do Juízo Final] outras seitas, a­fas­­tando-se assim dos melhores mo­­
(1662). Uma longa narra­tiva que muitas vezes decai de­los líricos e dramá­ticos pro­duzidos pela língua
para o burlesco, esta popularização ater­radora da inglesa. A­lém disso, muitos colonos per­mane­ciam
dou­trina calvinista era o poema mais popular do ignorantes devido à fal­ta de livros.
período colonial. O primeiro bestseller ameri­cano O grande modelo de escrita, fé e conduta era a
é um retrato apa­vorante da conde­nação ao inferno, Bíblia, numa tradu­ção inglesa autorizada já há mui­
em métrica de balada. to desatualizada quan­do foi finalmen­te divulgada.
É péssima poesia — mas todos adoravam. Mes­­­ A idade da Bí­blia, mai­or que a da Igreja Roma­na,
clava o fascínio de uma história de terror com a dava a ela autoridade aos olhos Puri­tanos.
au­to­ridade de Calvino. Por mais de dois sé­­culos, Os Puritanos da Nova Inglaterra ape­­­ga­vam-se às
as pessoas decoraram esse longo e pa­vo­­roso histórias dos ju­deus no Velho Testamen­to, crendo
monumento ao terror religioso; as cri­an­ças o re­ que eles, como os judeus, eram per­­se­guidos por
citavam com orgu­lho e os mais ve­lhos o cita­vam sua fé, eram os únicos a conhecerem o Deus
em conver­sas diárias. Não é gran­­de a dis­tância dos verda­deiro e eram os eleitos para fundar a Nova
sofri­men­tos atrozes des­­se po­e­ma à chocante ferida Jerusalém — o paraíso na Terra. Os Puritanos esta­
auto-in­fligida por Arthur Dimmes­dale, o pastor vam cien­tes dos paralelos entre os antigos judeus
pu­ritano cul­pado, de Nathaniel Hawthorne, em do Velho Testamento e eles pró­prios. Moisés li­de­rou
The Scarlet Letter [A Carta Escarlate] (1850), ou os israelitas em fuga da es­­cra­vidão do Egito, abriu
o aleijado Captain Ahab, de Herman Melville, um o Mar Ver­melho com a ajuda miraculosa de Deus
Fausto da Nova Ingla­terra cuja busca pelo conhe­ para que pudessem fu­gir e rece­beu a lei divina na
ci­mento proi­bido afun­da o barco da huma­nidade for­ma dos Dez Manda­mentos. Como Moi­sés, os
ame­ri­cana em Moby-Dick (1851). (Moby-Dick era lí­de­res Puritanos criam es­tar sal­van­do seu povo
o romance pre­dileto do romancista americano do da corrupção espiritual na Inglaterra, atra­ves­sando
século 20 William Faulkner, cuja obra pro­funda miraculo­sa­mente um oce­ano bravio com a ajuda
e perturbadora sugere que a vi­são obs­­cura e de Deus e crian­do no­vas leis e formas de go­ver­no

10
com base nos desejos de Deus. aris­tocratas e dispendiosas, como usar
Os mundos coloniais tendem peruca e carruagem.
a ser arcaicos e a Nova Inglaterra
cer­tamente não foi exce­ção. Seus Mary Rowlandson
Puri­tanos eram arcai­cos por opção, (c. 1635 - 1678)
con­vicção e circunstância. A primeira escritora de prosa
digna de nota foi Mary Rowland­son,
Samuel Sewall (1652 - 1730) esposa de um pastor que rela­ta clara
De leitura mais fácil que a poe­sia e comoventemente as onze sema­nas
profun­damente religiosa, rica em que passou em poder dos índios,
referências bíbli­cas, são os rela­tos num massacre, em 1676. O livro,
históricos e seculares que des­­cre­­ sem dú­vi­da, ali­men­tou a chama do
vem fatos verdadeiros com deta­lhes sentimento anti-indígena, como o
vibrantes. O Journal (1790) do Go­ver­ fez The Redeemed Captive [O Cativo
nador Winthrop é a me­lhor fon­te de Resga­ta­­do] (1707), de John Williams,
infor­mação sobre o início da colônia que des­creve seus dois anos como
de Massa­chusetts Bay e a teo­­­ria polí­ pri­sio­neiro dos fran­ceses e índios
tica dos Puritanos. após um massacre. Os textos pro­
O Diary [Diário] de Samuel Se­wall, du­­­zidos por mu­lhe­res são em geral
que registra os anos 1674 a 1729, é vivaz relatos domésticos, que não exigem
e ca­ti­vante. Sewall se­­gue o pa­drão dos educa­ção especial. Pode se dizer que
primeiros es­cri­­­­tores da No­va In­gla­ a literatura fe­minina se bene­ficie do
terra, como Bradford e Taylor. Nasceu realismo familiar e da perspi­cácia do
na Ingla­ter­ra e veio para a colô­nia ain­ bom senso; é cer­to que obras co­mo
da jo­­vem. Viveu em Boston, for­mou-se Journal [Diá­rio], de Sarah Kem­ble
em Harvard e seguiu a car­reira le­­gal, Knight (pu­bli­cado postu­ma­mente em
admi­nis­trativa e religiosa. 1825) de gran­de viva­ci­dade, descre­
Sewall nasceu tarde o bastante vendo uma auda­cio­sa viagem solo de
para ver a mudança do estilo de ida e volta de Boston a No­va York em
vi­da reli­gio­so rígido seguido pe­los 1704, são ex­ceção à comple­xi­dade
Puritanos para o período yan­kee Cotton Mather barroca que marcou muitos escri­tos
mais mundano de riqueza mer­ Puri­tanos.
can­tilista na Nova Inglaterra; seu
Diary, muitas vezes com­parado ao Cotton Mather (1663 - 1728)
do contem­porâneo in­glês Samuel Nenhum exame da literatura colo­
Pepys, inadver­tidamente regis­tra essa nial da Nova Inglaterra estaria com­
transição. pleto sem menção a Cotton Mather,
Como o diário de Pepys, o de Sewall mestre dos intelectuais. Ter­cei­ro na
faz registro minucioso de sua vida coti­ dinastia Mather de quatro gerações
diana e reflete sua preo­cu­pação em em Massachusetts Bay, escreveu mui­
viver bem e piedo­sa­mente. Ele men­ to sobre a Nova In­gla­­terra, em mais
ciona com­pras de doces para a moça de 500 livros e panfletos. Magnalia
que ele cor­te­ja­va e suas discussões Gravura © The Bettmann Christi Americana (História Ecle­siás­
Archive
sobre se de­ve­­ria ou não adotar maneiras Gravura © The Bettmann Archive tica da Nova Inglaterra), de 1702, sua

11
obra mais am­bi­ciosa, descreve exaus­­tivamente a sua expe­riência vivida entre as tribos. Cada capítulo
colonização da Nova Inglaterra por meio de uma é dedicado a um tema — por exemplo, comida e
série de biografias. O enorme li­vro apre­senta a refeições. As palavras e fra­ses in­dí­­­genas sobre esse
missão divina dos Purita­nos, na terra des­co­nhe­cida te­ma são mes­cla­das a co­men­tários, ane­dotas e um
de estabelecer o Reino dos Céus; sua estrutura é poema final. O primeiro capí­tu­lo ter­mina assim:
uma série de narra­tivas sobre a vi­­da de “Santos”
americanos re­pre­­senta­tivos. Seu zelo o re­di­me em Se os filhos da natureza, selva­gens ou não,
parte por sua pre­ten­são: “Des­­crevo as maravilhas São benevolentes e amáveis,
da reli­gião cristã, fu­gin­do das pri­vações da Europa Como fica mal para os filhos de Deus
para as praias da América.” Carecerem de humanidade.

N
Roger Williams (c. 1603 - 1683) o capítulo das palavras sobre di­vertimen­­
Na passagem do século 17 para o século 18, tos, ele comenta que: “é u­­ma verdade
o dog­matismo religioso enfraqueceu-se gradual­ estranha que um ho­mem possa geral­mente
mente, apesar de esforços puri­ta­nos espo­rádicos encontrar mais distra­ção gratuita e agradável entre
e agres­sivos pa­ra conter a onda de tole­rância. O esses bár­baros do que entre os milhares que se
pas­tor Roger Williams sofreu por suas opiniões so­ consi­de­ram cristãos.”
bre religião. Inglês, fi­lho de um alfaia­te, foi banido A vida de Williams é parti­cu­lar­­men­­te inspiradora.
de Massachusetts, durante o ter­rí­vel inverno de Em visita à In­glaterra, durante a Guer­ra Civil san­­grenta
1635 na Nova In­gla­­terra. Avisa­do secre­ta­mente pelo lá ocor­rida, usou sua ex­­pe­riên­cia de sobrevivência na
Governador de Massachusetts, John Winthrop, só ge­lada Nova Inglaterra para organizar a dis­tribuição
so­bre­vi­veu vivendo com os ín­dios; em 1636, criou de lenha para os po­bres de Londres durante o inver­
em Rhode Island uma nova colônia que acolhia no, depois que os su­pri­­mentos de car­vão foram cor­
pessoas de outras reli­giões. tados. Ele es­cre­­­­veu ardo­ro­sas defesas da tolerância
Formado pela Cambridge University (In­glater­ religiosa, não apenas entre seitas cris­tãs, mas até em
ra), manteve a simpatia pelos trabalha­dores e por re­la­ção a não-cristãos. “É a vontade e o man­da­men­to
pontos de vista di­ver­gentes. Suas i­déias eram muito de Deus que... se­ja permi­tido a todos os homens,
avançadas pa­ra a época. Foi um dos pri­­meiros em todas as nações, possuir uma consciência pagã,
críticos ao imperia­lismo, in­sis­tindo que as terras judaica, turca ou anti-cris­tã...”, escreveu ele em The
ame­rica­nas pertenciam aos índios e que, por­tanto, Bloody Tenent of Persecu­tion for Cause of Conscience
os reis europeus não tinham direito de conceder [A Dou­­trina Sanguiná­ria da Perse­­guição por Causa
terras. Williams tam­bém acreditava na separa­ção de Cons­ciência] (1644). A experiên­cia intercultural
entre es­ta­do e igreja — prin­cí­pio funda­men­­­tal que de viver entre ín­dios humanos e cor­­te­ses cer­ta­­men­te
vigora até hoje na América. Afir­ma­va que tri­bu­nais ex­plica boa par­­te de sua sabe­doria.
não deve­riam ter o po­der de punir pes­soas por Na colônia, a influência foi nos dois sentidos. Por
mo­tivos religiosos — po­sição que en­fra­­quecia as exemplo, John Eliot traduziu a Bí­blia para Narra­
rigorosas teo­cra­cias da Nova In­gla­­terra. Acreditava gansett. Alguns índios se converte­ram ao cristianis­
em igual­da­de e demo­cracia e foi amigo dos índios mo. Até ho­je, a i­gre­­ja nativa americana é uma mis­tura
por toda a sua vi­da. Seus inúmeros livros in­­cluem: A de cristianismo e crenças in­dí­genas tradicio­nais.
Key Into the Languages of Amer­ica [Uma Cha­ve pa­ra O espírito de tolerância e liberda­­de reli­giosa,
as Línguas da América] (1643), um dos primei­ros que foi aos poucos se fortalecendo nas colônias
livros com frases em línguas indí­genas. O livro repre­ america­nas, surgiu primei­ra­mente em Rhode Island
senta um estudo etno­grá­­fico em­brio­­nário, fazendo e Pensilvânia, terra dos Quakers. Estes, benevolen­
ousadas des­­crições da vida indí­gena, a par­tir de tes e tole­­rantes, ou “Amigos”, como e­ram conhe­

12
cidos, acreditavam que a cons­ciência [Deso­bediência Civil] de 1849.
individual era sagra­da e a origem
da ordem social e da mo­ra­lidade. Jonathan Edwards
A crença fundamental dos Quakers ( 1703 - 1758)
no amor universal e na frater­nidade, A antítese de John Woolman, Jona­
os fez firme­mente demo­cráticos e than Ed­wards, nasceu 17 anos antes
vigorosamente opostos à autoridade do Quaker no­tá­­vel. Wool­man recebeu
reli­gio­sa dogmática. Expulsos da pouca ins­tru­ção formal; Edwards era
rígi­da Massachusetts, que te­mia sua muito ins­truí­do. Wool­man seguiu sua
influência, eles criaram em 1681, sob luz interior; Edwards dedicou-se à lei
a liderança de William Penn, a muito e à autori­­­­da­de. Ambos escre­viam
bem sucedida colônia da Pensilvânia. mui­to bem, mas reve­laram polos
opos­t os da experiên­c ia reli­g iosa
John Woolman (1720 - 1772) colonial.
O trabalho Quaker mais conhe­ci­do Edwards foi moldado por seu
é o extenso Journal [Diário] (1774), exa­cerbado senso do dever e um
de John Woolman, que do­cu­menta ambiente puri­tano severo, que cons­
sua vida interior com ta­manha pureza piraram para fazê-lo defender o cal­vi­
e doçura de cora­ção, que recebe nis­mo rigoroso e sombrio das forças
até hoje elogios de muitos escritores liberais que brota­vam à sua volta. É
americanos e in­gle­­­ses. Este homem co­nhe­cido por seu sermão pode­roso
notável dei­xou para trás seu conforto na e assus­ta­dor “Sinners in the Hands of
cidade e passou uma temporada com an Angry God” [Peca­­dores nas Mãos
os ín­dios porque pensava que poderia de Um Deus Irado] (1741):
aprender com eles e com­parti­lhar suas
idéias. Ele apenas descreve seu de­se­jo [I] Se Deus o soltasse, você imediata­
de “sen­­tir e com­­preen­der suas vidas e mente afun­­da­ria, desceria em pecado
o Espí­rito em que vivem.” Seu espírito e mergulharia no abis­mo sem fim... O
a­man­te da justiça na­­tu­­­ralmente se vol­ta Deus que o mantém acima do abismo
para a crítica social: “Per­ce­­bi que mui­ do inferno, como alguém se­gu­raria
tos brancos vendem rum aos ín­dios, o Jonathan Edwards uma ara­nha ou outro inseto repug­nante
que, creio, é um grande Mal.”

W
acima do fogo, o abomina e sente-se
oolman foi um dos primei­ terri­velmente pro­vo­cado... ele o vê
ros es­cri­­tores an­ti­es­cra­ como algo que merece ser lança­do no
vagistas e pu­bli­­cou dois pre­ci­­pício sem fundo.
en­sai­os, “Some Considerations on the
Keeping of Negroes” [Considerações Os sermões de Edwards tinham
Sobre o Tra­ta­mento de Negros], em enorme im­p ac­t o, levando con­
1754 e 1762. Hu­­ma­nitário ar­do­ro­so, gregações inteiras ao pranto his­
se­guiu o caminho da “o­be­­­­­diência térico. A longo prazo, porém, seu
pas­­si­va” às auto­rida­des e às leis que rigor gro­tes­co afas­tou o povo do
considerava in­jus­tas, se ante­ci­­pando calvinismo por ele de­fen­dido com
assim ao fa­mo­so ensaio de Henry valentia. Seus ser­mões dogmáticos
David Thoreau, “Ci­vil Dis­obedience” Gravura © The Bettmann Archive e medie­vais não se a­de­quavam à ex­

13
pe­ri­ên­­cia prós­­pera e re­la­­ti­vamente pa­cí­fica dos escravos e todo tipo de comércio entre meus servos,
colonos do século 18. Após Edwards, as novas de modo que vivo uma espécie de in­de­­pendência em
cor­ren­tes libe­rais de tolerân­cia se fortale­ceram. relação a todos, a não ser a Pro­vi­dência...

A LITERATURA NAS COLÔNIAS William Byrd representa o espírito da elite


DO SUL E DO CENTRO colonial sulista. Herdeiro de 1.040 hectares, que

A
literatura pré-revolucionária do Sul era aris­ ex­pan­diu para 7.160, era mercador, comer­cian­te
tocrática e secular, refletindo os sistemas e fazendeiro. Sua biblioteca de 3.600 li­­­vros era
sociais e econômicos predomi­nan­­tes nas a maior do Sul. A in­te­li­gên­­­cia argu­ta foi aprimo­
plan­ta­ções do Sul. Os primeiros imi­grantes ingle­ses rada por seu pai, que o mandou pa­ra excelen­tes
foram atraídos para as colônias do Sul pe­­la oportu­ escolas na Inglaterra e na Ho­lan­­da. Visitou a corte
nidade econômica e não pela liber­dade de culto. francesa, foi mem­­bro da So­cie­dade Real e amigo
Embora muitos sulistas fossem agricul­tores de al­guns dos prin­ci­pais es­cri­tores ingleses da
pobres ou artesãos, vivendo pouco melhor que épo­ca, como William Wycherley e William Con­
es­cra­vos, a elite instruída inspi­rava-se no ideal gre­ve. Seus diá­rios de Lon­dres são o oposto dos
clássico do Velho Mundo, de aristo­cra­cia agrá­ relatos pu­ri­tanos da Nova Inglaterra: com janta­res
ria cuja existência se devia à escra­vidão. Es­ta sofisti­cados, fes­tas reluzentes e promis­cuidade,
instituição liberava os brancos ricos do trabalho sem muita introspecção.
manual, dava-lhes lazer e permitia o so­­nho de uma Byrd é mais conhecido por sua obra vivaz His­tory
vida aris­to­crática em pleno interior ameri­cano. A of the Dividing Line [História da Linha de Fronteira],
ên­fa­se puri­tana no tra­ba­­­lho duro, edu­ca­ção e dili­ diário de uma viagem de algumas semanas em 1729,
gên­cia era ra­­­ra — ao invés disso, ou­vi­­mos falar de de 960 quilômetros no interior do país para fazer
pra­ze­­res como cavalgar e caçar. A igreja era fo­­­co um levantamento topo­grá­fico da linha que dividia
da vida social elegante e não foro para exame da as colônias da Virgí­nia e Ca­ro­lina do Norte. As
consciência. rápidas impressões da­quela vastidão, dos índios,
William Byrd (1674 - 1744) dos brancos semi-sel­vagens, das feras e de toda
A cultura do Sul naturalmente girava em tor­ espécie de dificul­dades enfrentadas por este cava­
no do ideal do cavalheiro. Como um homem da lheiro civilizado fazem deste um livro singularmente
Renascença, igual­mente capaz de admi­nistrar uma americano e muito sulista. Ele ridiculariza os primei­
fazenda e ler grego clássico, ele de­tinha o po­der ros co­lo­nos da Virgínia, “cerca de cem homens, a
de um senhor feudal. maioria deles réprobos de boas famílias,” e zomba
William Byrd, numa famosa carta de 1726 a um que, em Jamestown, “como verdadeiros ingle­ses,
amigo inglês, Charles Boyle, Conde de Orrery, construíram uma igreja que só custou cinqüenta
descreve a graciosa vida em sua fazenda cha­­mada libras e uma taverna que custou quinhentas.” Os
Westover: escritos de Byrd constituem exce­lentes exemplos do
grande interesse que os sulistas tinham pelo mundo
Além da vantagem do ar puro, temos abun­dância material: a terra, os índios, as plantas, os animais e
de todo tipo de provisão, sem qualquer despesa os colonos.
(quero dizer, nós que temos plantações). Tenho uma
Robert Beverly (1673 - 1722)

R
grande família, mi­nhas portas estão aber­tas a todos
e, no en­tan­to, não tenho con­tas a pa­gar e uma meia obert Beverly, outro rico dono de terras e
coroa poderá permanecer into­cada no meu bolso autor de The History and Present State of
por muitas luas. Vir­gi­nia [A História e o Estado Atual da
Como um patriarca, tenho meus reba­nhos, meus Virgínia] (1705, 1722), registra a his­tó­ria da colônia

14
da Virgínia num estilo vigoroso e humano. Como the African [A Interessante Narrativa da Vida de
Byrd, admirava os índios e comentou as estra­ Olaudah Equiano, ou Gus­ta­vus Vassa o Africano]
nhas superstições que os eu­ro­peus tinham so­bre (1789). Nesse livro — um dos primeiros exemplos
a Virgínia — por exemplo, a crença de que “a do gênero de nar­rativa escravista — Equiano faz um
terra transforma em negros todos os que lá vão”. relato de sua terra natal e dos horrores e crueldade
Assinalou a grande hospi­ta­lidade dos sulistas, de sua captura e escravização nas Antilhas. Equi­
característica mantida até hoje. ano, que se converteu ao cristianismo, lamenta de
A sátira humorística — obra literária em que modo comovente o tratamento “não-cris­tão” que
vícios ou loucuras humanas são atacados com recebeu nas mãos dos cristãos — senti­men­to que
ironia, escárnio ou chiste — apa­rece com fre­qüên­­ muitos afro-americanos expres­sa­riam nos séculos
cia no sul colonial. Um gru­po de colonos irri­tados seguintes.
com o General James Oglethorpe, fun­d ador
filantrópico da Colônia da Georgia, satiri­zou-o Jupiter Hammon (c. 1720 - 1800)
num panfleto intitulado A True and Historical O poeta negro americano Jupiter Hammon, es­
Narrative of the Colony of Georgia [A Ver­dadeira e cravo em Long Island, Nova York, é lembrado pelos
Histórica Narrativa da Colônia da Georgia] (1741). seus poemas religiosos e também por seu Address
Eles fingiam louvá-lo por man­tê-los tão pobres e to the Negroes of the State of New York [Discurso
sobrecar­regados de tra­ba­lho, que eles tiveram de aos Negros do Estado de Nova York] (1787), em
desenvolver a “valiosa virtude da humildade” e re­ que defendia a libertação de fi­lhos de escravos,
jeitar “as ansiedades de qualquer outra ambição.” ao invés de condená-los à escravi­dão hereditária.
O poema satírico e desordeiro intitulado The Seu poema “An Even­ing Thought” [Um Pensamento
Sotweed Factor satiriza a colônia de Maryland, onde na Noite] foi o pri­meiro poema publicado por um
o autor, o inglês Ebenezer Cook, tentou, sem êxito, homem ne­gro na América. 
ser um negociante de tabaco. Cook expôs com
humor as maneiras rudes dos colo­nos e os acusou
de trapaceá-lo. O poema termi­na com uma maldição
exagerada: “Que a ira di­vi­na possa transformar essa
região em terras improdutivas/ Em que não haja
homem fiel nem mulher virtuosa.”
Em geral, o sul colonial pode ser associado à
tradição literária realista, informativa, mun­da­na e
leve. Imitadores das modas literá­rias in­glesas, os
sulistas alcan­çaram grandes altu­ras, em termos de
ima­gi­nação em observações precisas e espirituo­
sas das condições do Novo Mundo.

Olaudah Equiano (Gustavus Vassa)


(c. 1745 - c.1797)
Durante o período colonial, impor­tantes escri­
tores negros emergiram, como Olaudah Equi­ano
e Jupiter Hammon. Equiano, um Ibo da Nigéria
(África Ocidental), foi o primeiro ne­gro a escrever
uma autobiografia, The Interest­ing Nar­ra­tive of
the Life of Olaudah Equiano, or Gustavus Vassa

15
CAPÍTULO
James Fenimore Cooper, Ralph Waldo Emerson,
Henry David Thoreau, Herman Melville, Natha­niel
Hawthorne, Edgar Allan Poe, Walt Whitman e Emily

2
Dickinson. A independência literária dos Esta­dos
Unidos foi um pouco retar­dada em função da pro­
longada identificação com a Inglaterra, da imitação
excessiva dos mo­delos literários ingleses ou clássicos
e de di­fi­cul­dades econô­micas e políticas que prejudi­
ORÍGENS DEMOCRÁTICAS caram a publicação das obras.
E ESCRITORES Os escritores revolucionários, apesar de seu
REVOLUCIONÁRIOS, 1776-1820 patriotismo genuíno, eram, por necessidade, cons­
cientes e nunca pu­de­­ram encontrar raízes em suas

A
renhida Revolução Americana contra a Grã- sensi­bili­dades americanas. Os escrito­res coloniais
Bretanha (1775 - 1783) foi a primeira guerra da ge­ra­ção revolucionária haviam nascido ingleses,
moderna de libertação contra uma potência chegado à maturidade como cidadãos ingleses e
colonial. O triunfo da inde­pen­dên­cia americana cultivado há­bi­tos de pensa­mento e conduta ingle­
parecia, para muitos da épo­ca, um sinal divino ses. Seus pais e avós e­ram ingleses (ou europeus),
de que a Amé­rica e seu povo se destinavam à as­sim como seus amigos. Além disso, a consciência
gran­de­za. A vitória militar alimentou esperanças americana das modas lite­rárias era sempre defasada
nacionalistas de uma no­va grande literatura. Com em relação à inglesa, o que intensificava a imitação
exceção dos notáveis textos políticos, porém, pelos americanos. Cinqüenta anos depois de te­rem
poucas obras de valor apareceram durante ou alcançado a fama na Inglaterra, escrito­res neoclássi­
logo após a Revolução. cos co­mo Joseph Addison, Richard Steele, Jonathan
Os livros americanos eram alvo de críti­ca rigorosa Swift, Alexander Pope, Oliver Goldsmith e Samuel
na Inglaterra. Os america­nos esta­vam dolorosamente Johnson ainda eram entusiastica­mente imitados na
cientes de sua ex­ces­si­va depen­dência em relação aos América.
modelos lite­rários ingle­ses. A busca de uma literatura Por outro lado, os empolgantes desafios re­
pró­pria tornou-se obsessão nacional. Segundo o sul­­­tantes da necessidade de construir uma no­
editor de uma revista americana, por volta de 1816, “A va nação levaram muitas pessoas talentosas e
de­pen­dência é um estado de de­gra­dação repleto de ins­truí­das a se encaminharem para a política, o
ignomínia e ser de­pendente de mentes es­tran­geiras di­reito e a diplomacia. Esse caminho tra­zia hon­ra,
para aquilo que pode­mos produzir nós mesmos é glória e segurança financeira. Já a litera­tu­ra não
o mesmo que acres­centar o crime da indolência à pagava bem. Os primeiros escri­tores ame­ri­canos,
fra­que­za da estupidez.” agora separados da Ingla­terra, não dispunham,
As revoluções culturais, diferentemente das efetivamente, de edito­res mo­der­­nos, público ou
revoluções militares, não podem ser impostas, mas proteção legal adequada. A as­sis­tência editorial,
têm de brotar do solo da experiência com­par­ti­lhada. a distribuição e a divul­gação eram rudimentares.
Revo­lu­ções traduzem expressões do coração das Até 1825, a maioria dos autores americanos
pes­soas; desenvolvem-se gradual­men­te a partir de tinha de pagar aos edi­to­res para ter suas obras
novas sensibilidades e da ri­­que­za de expe­riências. pu­bli­ca­das. É claro que apenas os que dis­pu­­nham
Seria preciso esperar cinqüenta anos de história de tempo e posses, como Wa­shing­ton Irving e o
acumulada para a Amé­rica ganhar sua indepen­ gru­­po Knicker­bocker de Nova York, ou os poetas
dência cultural e produzir a pri­meira geração de de Connec­ticut, co­nhe­cidos como Hartford Wits,
grandes escri­tores ameri­ca­nos: Washington Irving, podiam se dar ao luxo de es­crever. A exceção

16
foi Ben­jamin Fran­­­klin que, embora casos de pirataria. Matthew Carey,
de família po­bre, era ti­pó­grafo de importante editor ame­ricano, contratou
profissão, podendo por is­so publicar um agente em Lon­dres — espécie de
suas pró­prias obras. espião li­te­­rá­rio — para que lhe man­
Charles Brockden Brown foi mais dasse páginas ainda por encadernar,
típico. Autor de vários roman­ces ou até mesmo provas gráficas, em
‘góticos’ interessantes, Brown foi o na­vi­os velozes que pudessem chegar
primeiro autor ameri­cano a tentar à América dentro de um mês. Já na
ganhar a vida com a li­te­­ra­tura. Mas América, os empregados de Ca­rey
morreu moço e pobre. saíam ao encontro desses navios no
A falta de público era outro pro­ porto, e imprimiam rapi­da­men­te os
blema. O reduzido público culto da livros pirateados, re­cor­rendo a tipó­
América queria autores euro­peus grafos que dividiam o livro em seções
bem conhecidos, em parte devido e trabalhavam em turnos 24 horas por
ao exagerado respeito que as anti­gas dia. Um livro inglês assim pirateado
co­lô­nias tinham por seus ex-gover­ podia ga­nhar nova tira­gem em um dia,
nantes. Essa preferência por obras e ser colocado à ven­da em livrarias
inglesas tinha sua razão de ser, dada a americanas qua­se ao mesmo tem­po
inferioridade da pro­dução americana. que na Ingla­terra.
Mas só fez piorar a situação, ao pri­var Como edições importadas au­to­
os autores ame­­ri­canos de pú­blico. rizadas eram mais caras e não po­diam
Apenas o jornalismo oferecia remu­ competir com as piratea­das, a falta de
neração finan­cei­ra, mas o público proteção ao direito auto­ral prejudica­
de massa que­ria obras leves, ensaios va não só au­tores ame­ricanos, mas
curtos so­bre temas atuais ou versos também autores es­tran­geiros, como
fáceis — nada de trabalhos longos ou Sir Wal­ter Scott e Charles Dickens. Só
ex­pe­rimentais. que os auto­res estrangeiros já ti­nham
A ausência de legislação adequa­da pelo me­nos sido pagos por seus edito­
sobre direitos autorais talvez tenha res originais e eram bem conhe­ci­dos.
sido o principal motivo da estagna­ Americanos, como James Fe­ni­­more
ção literária. Os edito­­res a­me­ricanos Noah Webster Cooper, não só deixavam de receber
que pirateavam obras de sucesso na pagamento con­dizente, co­mo ainda
Inglaterra na­turalmen­te não estavam passavam pelo despra­zer de ver suas
dis­postos a pagar a um autor ameri­ obras pira­teadas nas suas bar­bas. O
cano por material desconhecido. A pri­meiro suces­so de Cooper, The Spy
cópia não autori­za­da de livros es­ [O Espião] (1821), foi pirateado por
trangeiros foi ini­cial­mente enca­rada quatro diferentes editoras no de­cor­rer
como um be­ne­fício para as colônias e do pri­meiro mês de seu lançamento.
uma fonte de lucro para tipó­grafos co­ Ironicamente, a lei de direitos auto­
mo Fran­­­klin, que reim­primia grandes rais de 1790, que permitia a pirataria,
clás­sicos e obras européias, no intui­ tinha intenções nacionalistas. Escrita
to de educar o público ame­ricano. por Noah Webster, o gran­­­­­de lexicó­
Seu exemplo foi seguido por ti­pó­­ grafo que mais tarde compilou um
grafos em toda a América. São no­tó­rios Gravura © The Bettmann Archive di­cio­nário americano, a lei protegia

17
apenas o tra­ba­lho de autores americanos; sentia­ o impacto que o Iluminismo pode exercer sobre um
-se que os autores ingleses deveriam cuidar de si indi­víduo talentoso. Autodidata, mas muito versado
pró­prios. nas obras de John Locke, Lord Shaftes­bury, Joseph
Apesar de ruim, ne­nhum dos editores da é­po­ca Addison e outros autores do Iluminismo, Franklin
estava dis­pos­to a al­te­rar a lei, já que lhes propiciava aprendeu com eles a aplicar a razão à sua própria
lu­cros. A pirataria fez morrer de fo­me a pri­mei­­ra vida e romper com a tra­dição — so­­bre­tudo a antiqua­
gera­ção de escritores revolu­cio­nários a­mericanos; da tradição puritana — quan­­do ameaçou sufocar seus
não é de surpreender que a geração seguinte tenha ideais.
produzido ainda me­nos obras de valor. O ápice da Enquanto jovem, Franklin aprendeu sozinho vá­
pirataria, 1815, corres­ponde ao ponto mais baixo na rias línguas, leu muito e praticou a arte de es­­cre­­ver
li­te­ra­tura ame­ricana. Mas a oferta a­bun­­dante e barata para o público. Quando se transferiu de Boston para
de livros estrangeiros e clás­sicos pira­teados durante Filadélfia, na Pen­silvânia, já ti­nha o tipo de educação
os primeiros cin­qüenta anos da nação, te­ve o mérito geralmente associado às elites. Tinha também a
de educar os ame­rica­nos, inclusi­ve os primeiros capacidade dos pu­ritanos para o trabalho, cuida­
grandes es­cri­tores, que começa­ram a surgir por volta do­so e com cons­tan­te autocrítica, além do desejo
de 1825. de aper­feiçoar-se cada vez mais. Essas qualidades
o impul­sionaram progressivamente na direção da
O ILUMINISMO AMERICANO riqueza, da respeitabilidade e do prestígio. Não era

O
Iluminismo americano do século 18 foi um egoísta e procurou ajudar outras pes­soas comuns a
movimento marcado pela ênfase dada à progredirem na vida, compar­tilhando sua sabedoria
razão, em lugar da tradição; à pes­­quisa cien­ e dando início a um gênero caracteristicamente
tífica, em lugar do dogma religioso inquestionável; e americano — o livro de auto-ajuda.
ao governo representativo, em lugar da monarquia. Poor Richard’s Almanack [O Almanaque do
Os pensadores e escritores ilu­mi­nistas dedicavam-se Pobre Ricardo], iniciado em 1732 e publi­cado
aos ideais de justi­ça, liberdade e igualdade, prer­ro­­ durante muitos anos, tornou Franklin próspero
gativas ineren­tes ao homem. e conhecido em todas as colô­nias. Nes­se anuá­
rio de estímulos úteis, conse­lhos e informações
Benjamin Franklin (1706 - 1790) factuais, personagens divertidos, como o Velho
Benjamin Franklin, a quem o filósofo escocês Abraão e o Pobre Ricardo, exortam o leitor com
David Hume chamou de “o primeiro grande ho­­­mem adágios enérgicos e memoráveis. Em The Way to
das letras” na América, encarnava o i­de­­al iluminista Wealth [O Caminho para a Riqueza], que apa­receu
da racionalidade humanista. Prático, mas idealista, pela primeira vez no almanaque, o Velho Abraão,
trabalhador e muito bem sucedido, Franklin regis­ “velho íntegro, sim­ples, com cachos bran­cos,”
trou seus primeiros anos na famosa Autobiography cita inúmeras vezes Pobre Ricardo. “Para o sábio,
[Autobio­grafia]. Escritor, tipógrafo, editor, cientista, meia palavra bas­ta”, diz ele. “Deus ajuda os que se
fi­lan­tropo e diplomata, foi a figura privada mais fa­mosa ajudam.” “Quem cedo dorme e cedo se levanta,
e respeitada de sua época. Foi o primei­ro grande ho­ torna-se saudável, rico e sábio.” O Pobre Ricar­do é
mem a vencer sozinho na Amé­rica: um de­mo­crata psi­cólogo (“O trabalho paga as dívidas, en­quan­to o
pobre nascido numa era aris­to­cra­ta, que seu próprio desespero só as faz aumentar”) e sem­pre aconselha
exemplo ajudou a liberalizar. o tra­balho esforçado (“A dili­gên­cia é a mãe da boa
Franklin pertencia a uma segunda geração de sorte”). Não seja pregui­çoso, ele aconselha, pois
imigrantes. Seu pai, puritano, fabricante de velas, “Um hoje vale dois ama­nhã.” Às vezes, ele cria
imigrou da Inglaterra para Boston, em Massachusetts, ane­dotas para ilustrar suas verdades: “Um pouco
em 1683. A vida de Franklin ilus­­tra de muitos modos de negli­gên­cia pode criar um grande pro­blema...

18
Benjamin Franklin

Gravura, cortesia da Biblioteca do Congresso


19
Por falta de um cravo perdeu-se a ferradura; por ra de proa na convenção de 1787, que redigiu a
falta de uma ferra­du­ra perdeu-se o cavalo; por Constituição dos Estados Uni­dos. Em seus últimos
falta do cavalo perdeu-se o cava­leiro, alcançado anos, presidiu uma as­so­­ciação aboli­cionista. Um
e abatido pelo inimigo, tudo por falta de cuidado de seus últimos em­preendimentos foi promover a
com um cravo de ferra­dura.” Frank­lin era um gênio educação pú­blica universal.
ao condensar um pensamento moral: “O gastos
com um vício sus­tentariam duas cri­anças.” “Um Hector St. John de Crèvecoeur (1735 - 1813)
pequeno va­za­mento afun­da um navio.” “Os tolos Outro Iluminista é Hector St. John de Crève­
dão ban­quetes, os sá­bios os comem.” coeur, cujas Letters from an American Farmer
Autobiography de Franklin é, em parte, outro [Cartas de Um Agricultor America­no] (1782)
livro de auto-ajuda. Escrita para orientar seu filho, de­ram aos europeus uma idéia brilhan­te das opor­
cobre apenas seus primeiros anos. A par­te mais tu­nidades de paz, riqueza e orgulho na Amé­rica.
famosa descreve seu sistema cien­tífico de auto­ Nem ame­ri­cano nem agricultor, mas aris­tocrata
-aperfeiçoamento. Franklin rela­ciona 13 virtudes: francês que antes da Revo­lução foi dono de terras
sobriedade, silêncio, ordem, deter­mi­nação, frugali­ fora da cida­de de Nova York, Crè­ve­­coeur exaltou
dade, trabalho, sinceri­dade, justiça, moderação, as­ entu­sias­­ti­ca­­mente o espírito em­pre­endedor, a tole­
seio, tranqüilidade, cas­tidade e humildade. Ele fala rân­­cia e a crescente pros­pe­ridade das colônias em
de ca­da uma, através de aforismos. Por exemplo, a 12 cartas que pintam a América como um paraí­so
máxima re­­la­­tiva à sobriedade é: “Coma, sem ficar agrário. Sua visão inspiraria Thomas Jefferson,
em­bo­tado. Beba, sem ficar alto.” Cientista pragmá­ Ralph Waldo E­mer­son e vários outros autores, até
tico, Franklin testou a idéia da per­feição, usan­do a hoje.
si mesmo como objeto de expe­ri­mentação. Crèvecoeur foi o primeiro euro­peu a desen­
Para cultivar bons hábitos, Franklin criou uma volver uma visão pon­derada da América e do
agenda de registro em que trabalhava uma virtude no­­vo cará­ter americano. O pri­mei­ro a explorar
a cada semana, marcando cada lapso com um a ima­gem do “caldei­rão de raças” [melting pot]
ponto preto. Sua te­o­ria pre­fi­­gura o beha­viorismo para a América, o autor, num famoso trecho, faz a
psicológico e seu método sis­­te­mático de anotação seguinte per­gunta:
antecipa a alteração comportamental moderna. O
projeto de auto-a­per­feiçoa­mento mistura a crença Quem é afinal o americano, esse novo ho­mem? É
iluminista na perfeição ao hábito purita­no do europeu ou descendente de europeu. Daí, aque­la
auto-exame. estranha mistura de sangue que não é en­con­trada

P
ercebeu desde cedo que a melhor maneira em nenhum outro país. Eu poderia lhes apon­­tar uma
de promover suas idéias seria pô-las no família cujo avô era inglês, a esposa, holandesa, o
papel. Então, deliberadamente, apri­morou filho, casado com uma fran­cesa e cujos quatro filhos
seu estilo de pro­sa, não como um fim em si, mas hoje são casados com mu­lhe­res de quatro di­fe­rentes
co­­mo uma ferramenta. “Es­creva com os letra­dos. nacionalidades... Aqui, indiví­duos de todas as nações
Pro­­­­nuncie com o povo”, sugeria ele. Cien­tis­ta, se­ se fundem em u­ma nova raça de ho­mens, cujo tra­
guiu o conselho da So­cie­dade Real (de Ciên­cias) balho e descen­den­tes irão um dia mudar o mundo.
de 1667 para adotar um estilo natural, pre­ciso,
trans­pa­rente; expressões posi­tivas, sen­­ti­dos claros, PANFLETO POLÍTICO:
trazendo todas as coisas o mais perto pos­sível da Thomas Paine (1737 - 1809)
simplicidade mate­mática.” A paixão da literatura revolucio­nária é encontra­
Mesmo próspero e famoso, Franklin nunca
perdeu sua sensibilidade democrática e foi figu­

20
da em panfletos, a forma mais popular lógica, mas as modificações feitas por
de literatura po­lí­tica na época. Mais sua comissão a tor­na­ram mais simples
de 2.000 pan­­fletos foram publicados ain­da. The Federa­list Papers [Tex­tos
duran­te a Revo­lu­ção. Os panfletos fa­ Federalistas], escri­tos para apoi­ar a
ziam vibrar os patriotas e amea­çavam Cons­tituição, tam­bém são ar­gu­mentos
os legalistas (loyalists); preenchiam o lú­cidos e lógicos, adequados ao debate
pa­pel do drama, pois eram quase sem­ numa na­ção democrática.
pre lidos em voz alta para emo­cionar
as platéias. Sol­­dados ame­­ri­canos os NEOCLASSICISMO: ÉPICO,
liam em voz alta em seus acampamen­ PARÓDIA DE ÉPICO E SÁTIRA
tos, legalistas ingleses os lançavam em Infelizmente, a escrita “literá­ria”
grandes fogueiras. não era tão simples e direta quan­­­­to a

O
panfleto Common Sense [Bom política. Ao tentar escre­ver poesia, a
Senso], de Thomas Paine, ven­ maioria dos au­to­res cultos tropeçava
deu mais de 100.000 exempla­ no abismo do neoclassicismo elegan­
res nos primeiros três meses. Ain­da te. O épi­co, em par­ti­cular, exercia uma
hoje, inflama os espí­ritos. “A causa da atra­ção fatal. Os patriotas literários
A­mé­­rica é, em gran­de parte, a cau­­sa ame­­rica­nos tinham certeza de que
da hu­­ma­nidade”, es­cre­veu ele, ex­­ a gran­de Revolução Americana na­
pres­­sando a idéia da excepcionalidade tu­­ral­mente encontraria expres­são
americana, ain­da for­­te nos Estados no gê­nero épico — um longo poe­ma
Unidos — o sentido fundamental de nar­­rativo e dramático, es­crito em
que, como a Amé­rica é um experi­ lin­guagem elevada, que cele­bra­va os
mento demo­crático teo­ri­camente feitos de um herói len­dário.
aberto a to­­dos os imi­­­­gran­tes, seu Muitos tentaram, mas nenhum con­
destino prefigura o destino de toda a seguiu. Timothy Dwight (1752 - 1817),
humanidade. integrante do grupo deno­minado
Os textos políticos numa demo­ Hartford Wits, é um bom exemplo.
cracia precisavam ser claros, para Dwight, que aca­bou se tor­­­nando
empolgarem os leito­res. E, para ter Presidente da Uni­­ver­si­dade de Yale,
eleitores informados, muitos dos baseou seu épico, The Conquest of
fun­dadores da nação promoveram a Thomas Paine Canaan [A Con­quista de Ca­naã] (1785),
educação universal. Um indício da vi­ na his­tória bí­blica da luta de Josué
gorosa, ainda que simples, vi­da literária para chegar à ter­ra prometida. Dwight
foi a proliferação de jor­nais. Durante colocou o Ge­ne­ral Washington, co­man­­
a Revolução, liam-se mais jornais na dan­te do exército americano e primeiro
América do que em qualquer outra Pre­si­den­te dos Estados Unidos, como
parte do mun­do. A imigração tam­bém Josué em sua alego­ria e to­mou em­
determi­nava um estilo literário simples. prestada a forma do dístico usado por
A cla­reza era vital para o re­cém-che­ Alexander Pope para traduzir Home­ro.
ga­do que poderia ter no inglês sua O épico de Dwight era tão massante
se­gun­da língua. A versão original da quanto am­bi­cioso. Os críticos ingleses
Decla­ração de Independência, es­cri­ arrasaram o poe­ma. Até os amigos de
Retrato, cortesia da Biblioteca do
ta por Thomas Jefferson, era clara e Congresso Dwight, como John Trum­bull (1750-

21
1831), não se entusiasmaram. Tan­tos raios e trovões resco em Dom Quixote; descreve as desventuras
troavam nas cenas de batalha melodramáticas, que do Capitão Farrago e seu servo Teague O’Re­gan,
Trumbull propôs que o é­pi­co viesse acompanhado estúpido, brutal, ainda assim agradavel­mente
de pára-raios. humano.

N
ão é de surpreender que a poesia satírica
tenha se saído melhor que a poesia séria. POETA DA REVOLUÇÃO AMERICANA:
A pa­ró­dia de épico estimulou os poe­tas Philip Freneau (1752 - 1832)
americanos a usarem suas vozes naturais e não Poeta, Philip Freneau, absorveu os novos es­
os atraiu para o atoleiro de sentimentos patrióticos tí­mulos do Romantismo europeu e escapou da
pretensiosos e previ­síveis e de outros epítetos imi­­tação e universalidade vaga dos Hartford Wits.
poéticos convencionais copiados do poe­ta grego A chave para seu sucesso, como tam­bém de seu
Homero e do poeta romano Virgílio por intermédio fracasso, estava no seu espírito apai­xo­na­damente
dos poetas ingleses. democrático combinado a seu tem­pera­men­to
Em paródias de épicos, como a bem-humorada inflexível.
M’Fingal (1776 - 1782) de John Trum­bull, emoções Os Hartford Wits, indubitavel­mente patrio­tas,
estilizadas e clichês conven­cio­nais são munição refletiam o conservadorismo cultural das classes
para a boa sátira e a própria oratória bombástica da instruídas. Freneau colocou-se em opo­sição a
Revolução era ridicu­larizada. Basenado-se no texto essa herança das velhas atitudes conser­vadoras,
Hu­dibras, do po­e­ta inglês Samuel Butler, a paródia criticando os “escritos de uma facção aristocrática,
zomba de M’Fingal, um Tory [político conser­vador]. especulativa de Hartford a favor da monarquia e da
É muitas vezes consiso, co­mo quando descreve os concessão de títulos nobiliárquicos.” Embora tenha
condenados que enfrentam a forca: recebido edu­cação primorosa e conhecesse os clás­
sicos tão bem quanto qualquer dos Hartford Wits,
Nenhum homem jamais sentiu o aperto do laço Fre­neau abraçou as causas liberais e demo­cráticas.
Com boa opinião sobre a lei. De família huguenote (protestantes fran­ce­ses
radicais), Freneau foi da milícia durante a Guerra
M’Fingal teve mais de 30 edições, foi reimpresso Revolucio­nária. Em 1780, foi cap­tu­ra­do e preso em
por mais de 50 anos e apreciado tan­to na Inglaterra dois navios ingleses; qua­se mor­reu antes de sua
quanto na Amé­rica. A sátira agra­dava ao público família conseguir libertá-lo. Seu poema “The British
revolucioná­rio em parte porque continha comentá­ Prison Ship” [O Na­vio-Pri­são Britânico] é uma amarga
rios e críticas sociais; temas po­líticos e problemas condenação da crueldade dos ingleses, que queriam
sociais eram o grande assunto da época. A primeira “man­char o mundo com san­gue.” Essa e outras
comédia america­na a ser encenada, The Contrast obras re­­vo­­lu­cionárias, incluindo “Eutaw Springs”
[O Contraste] (produzida em 1787), de Royall Tyler [A Fonte de Eutaw], “Ame­rican Liberty” [Liberdade
(1757-1826), contrasta de forma humorística o Coro­ Ame­ri­cana], “A Political Litany” [Li­ta­nia Política],
nel Manly, oficial americano, e Dimple, imitador das “A Midnight Consultation” [Consulta à Meia-Noi­te],
modas in­glesas. É claro que Dimple é ridi­cu­larizado. e “George the Third’s Soliloquy” [O Solilóquio de
A peça introduz a pri­mei­ra perso­nagem yankee, George III], o tor­naram famoso como o “Poeta da
Jonathan. Re­­vo­lução Americana”.
Outra obra satírica, o romance Modern Chi­valry Freneau editou uma série de pe­ri­ódicos durante
[Cavalheirismo Moderno], publicado em capítulos sua vida, sem­pre cônscio da grande causa da
por Hugh Henry Brackenridge, de 1792 e 1815, zom­ demo­cracia. Quando, em 1791, Thomas Jefferson o
ba de forma memorável dos excessos da época. ajudou a fundar o National Gazette, jornal militante
Brackenridge (1748-1816), imigrante escocês criado e anti-federalista, Freneau tornou-se o primeiro
na fronteira america­na, baseou seu romance pica­
22
O
editor poderoso de jor­na­l defensor de 100 mi­­­lhões de cópias. Versões
de grandes causas na América e atua­li­zadas do dicionário Webster
o predecessor literá­rio de William ainda estão em uso até hoje. Ame­­rican
Cullen Bryant, William Lloyd Garrison Geography [Geografia Ameri­cana],
e H.L. Mencken. de Jedidiah Morse, ou­tra impor­tan­
Como poeta e editor, Freneau ade­riu Iluminismo tíssima obra de re­ferência, pro­movia
a seus ideais de­mo­cráticos. Seus poe­ o conheci­mento do grande território
mas popu­lares, publica­dos em jornais,
americano do ameri­cano, ainda em franca expansão.
celebravam te­mas bem america­nos. sé­cu­lo XVIII foi Algu­mas das o­bras mais interes­santes
“The Virtue of Tobacco” [As Vir­tudes um movimento do perío­do, embora sem cunho li­te­
do Tabaco] fala dessa plan­ta nativa, marcado pela rário, são os diários de desbra­vadores e
esteio da eco­nomia su­lis­ta, ao passo exploradores, co­mo Meri­wether Lewis
ênfase na razão
que “The Jug of Rum” [A Gar­rafa de (1774-1809) e Zebulon Pike (1779-1813),
Rum] elogia a bebida das Antilhas, em lugar da que re­latam suas expedições no Terri­
item básico no comér­cio da Amé­rica e tradição, na tó­rio da Louisiana, vasta por­ção do
um dos prin­cipais produtos de ex­por­ pesquisa científica, con­tinente americano comprada por
tação do Novo Mundo. Per­so­na­gens em lugar do Thomas Jefferson de Napoleão em
ame­ricanos comuns viviam em obras 1803.
como “The Pilot of Hatte­ras” [O Pi­loto
dogma religioso
de Hatteras] e poemas so­bre médicos incontestável, FICCIONISTAS

O
charlatões e evangelistas bombásti­cos. e no governo s primeiros escritores impor­
Freneau escrevia num estilo natural e representativo, tantes de fic­ção amplamente
coloquial, adequado a u­ma democracia em lugar da reco­nhe­cidos hoje, Charles
au­tên­tica, mas podia atingir o ápice do Brockden Brown, Washington Irving
liris­mo neo­clás­sico em obras freqüen­
monarquia. Os e James Fe­ni­more Cooper, usa­vam
temente incluídas em antologias como pensadores e persona­gens ame­ricanas, pers­­pectivas
“The Wild Honey Suckle” [A Madressilva escritores do históri­cas, temas envolvendo mu­dança
Sil­vestre] (1786), que evoca um ar­busto Ilu­mi­nismo e nostalgia. Escreveram em muitos gê­
nativo de perfu­me adoci­cado. Só com ne­ros de prosa, ini­ciaram no­­vas for­­mas
eram dedicados
a “Re­nas­­­­cença Americana” (1820), a e encontraram meios de ga­nhar a vida
po­e­sia ameri­cana conseguiu superar o aos ideais de com a literatura. Com eles, a litera­tura
que Fre­neau havia alcançado 40 anos justiça, liberdade ameri­cana co­me­çou a ser lida e apre­
antes. e igualdade, ciada nos Estados Uni­dos e o exterior.
Os primeiros anos lan­ça­ram bases considerando-os
para outros feitos literários subse­­­ Charles Brockden Brown (1771
qüen­tes. O nacio­na­lismo inspi­rou a
prerro­gativas - 1810)
publicação de trabalhos em mui­tos inerentes Já citado como o primeiro escri­
campos, levando à valorização das ao homem. tor americano profissional, Charles
coisas americanas. Noah Webs­ter Brockden Brown inspirou-se nos
(1758-1843) criou o Ame­rican Dictionary escritores ingleses Radcliffe e English
[Di­cio­nário Ame­ri­cano] e também William Godwin. (Radcliffe é conhe­
u­ma impor­tante cartilha de leitura e cida por seus romances ‘góticos’
ortografia para as esco­las. Seu Spelling aterrorizantes; Godwin, ro­mancista
Book [Li­vro de Or­tografia] vendeu mais e reformador social, foi pai de Mary

23
Shelley, autora de Frankenstein, casada com o e re­ceber o paga­men­to devido.
poeta inglês Percy Bysshe Shelley.) Sketch Book of Geoffrye Crayon [Caderno
Movido pela miséria, Brown rapida­mente es­­cre­­veu de Esboços de Geoffrye Crayon] (pseudônimo
quatro romances assustadores em dois anos: Wieland de Irving) contém suas duas histórias mais co­
(1798), Arthur Mervyn (1799), Ormond (1799) e Edgar nhecidas, “Rip Van Winkle” e “The Legend of Sleepy
Huntley (1799). Nessas obras, desenvolveu o gênero Hollow”[A Lenda do Va­le Sonolento]. O termo
‘gótico ame­ri­cano’. O romance gótico, mui­to popular “esboço” (sketch) a­pli­­ca-se perfei­ta­mente ao estilo
na época, caracterizava-se por cená­rios exó­ticos e delicado, ele­gan­te, ainda que aparentemente es­
fan­tás­ti­cos, pro­fundidade psi­cológica pertur­ba­dora pontâneo de Irving, enquanto “crayon” sugere seu
e muito suspense. Os acessórios inclu­íam castelos talen­to para colorir ou criar matizes ricos e efeitos
ou mos­teiros abandonados, fantas­mas, segredos emo­cionais. No Sketch Book, Irving transforma
misteriosos, personagens amea­ça­dores e donzelas as Montanhas Catskills, que acompanham o Rio
solitárias que sobreviviam graças à inteli­gência e à for­ Hudson ao norte da cidade de Nova York, nu­­ma
ça espiritual. Os me­­­­lhores do gê­ne­ro oferecem muito região fabulosa e mágica.
suspense e toques de má­gi­­ca, além da exploração Os leitores americanos aceitaram a “história” dos
pro­­funda da alma humana submetida a con­di­ções Catskills inventada por Irving, apesar das his­tórias
extremas. Os crí­­ticos sugerem que a sen­sibi­lidade terem sido adaptações de lendas de origem alemã
gótica de Brown expressa profunda an­siedade em (fato por eles ignorado). Irving deu à América algo
relação às ins­tituições sociais ina­dequadas da nova de que ela precisava mui­to naqueles primeiros anos
nação. impetuosos e ma­terialistas: deu-lhe uma forma ima­
Brown recorria a cenários bem americanos. ginativa de se relacionar com a nova terra.
Homem de idéias, dramatizou teo­rias cien­tí­fic­ as, de­ Nenhum autor conseguiu humanizar a terra
senvolveu uma teoria pessoal de ficção e conquistou como ele, dando-lhe nome, rosto e um conjunto
alto pa­drão literário, apesar das sé­­rias dificuldades de lendas. Virou folclore a história de “Rip Van
financeiras. Embora imper­fei­ta, sua obra é som­ Winkle”, que dormiu por 20 anos e despertou
briamente pode­rosa. Cada vez mais, é visto como quando as co­lônias já estavam indepen­­dentes. Foi
predecessor de escritores românticos como Edgar adaptada ao teatro, in­cor­porada à tra­dição oral e
Allan Poe, Her­man Melville e Nathaniel Hawthorne. passou a ser aceita, por várias ge­ra­ções, co­­mo uma
Ex­pressa temo­res incons­cientes que o período ilu­ lenda genui­na­mente ame­ri­cana.
minista, apa­ren­temente otimista, procurou reprimir. Irving identificou e ajudou a pre­encher o sen­tido
de história da nova nação. Suas inú­meras obras po­
Washington Irving (1789 - 1859) dem ser vistas como bem inten­cionados esforços pa­
Caçula de 11 filhos de uma próspera família co­ ra cons­truir u­ma alma para a nova na­ção, recri­an­do a
merciante de Nova York, Washington Irving tornou­ história com vita­lidade e ima­­ginação. Escolheu co­mo
-se um tipo de embaixador cul­tu­ral e di­plo­mático temas os aspectos mais dramá­ticos da his­tória ameri­
na Europa, como Benjamin Fran­klin e Nathaniel cana: a des­coberta do Novo Mundo, o primeiro presi­
Hawthorne. Apesar de talento­so, talvez não se den­te e herói nacional e a ex­plo­­ração da fronteira
tivesse torna­do es­cri­tor em tempo integral, da­da oeste. Sua pri­meira obra foi a cintilante sátira History
a falta de re­tor­no finan­ceiro propor­cio­nado pela of New York (1809), con­tan­do a his­­tória da cidade
litera­tu­ra, não fosse uma série de inciden­tes for­tui­tos ain­da sob do­mínio dos holandeses e os­ten­­si­vamente
que o força­ram a escolher o cami­nho da li­te­­­ra­­tu­ra. escrita por Diedrich Knicker­bocker (daí o nome dado
Graças à ajuda de ami­gos, ele pôde publicar seu ao círculo de amigos de Irving e es­­cri­­tores de Nova
Sketch Book [Cader­no de Ilustra­ções] (1819-1820), York na época, a “Escola Knickerbocker”).
simultanea­mente na Ingla­terra e na América, ter
reconhe­cidos seus direi­tos autorais nos dois países James Fenimore Cooper
24
(1789 - 1851) terras invadidas por colonos bran­­cos
James Fenimore Cooper, como audaciosos.
Irving, evocava o passado dando-lhe Natty Bumppo, a conhecida per­
uma presença geográfica e um nome. sonagem de Cooper, encarna sua vi­­são
Em Cooper, contudo, encon­tramos o do explorador das fronteiras: um cava­
poderoso mito de uma era dourada e lheiro, um “aristocrata na­tu­­ral” à moda
a pungência de sua per­da. En­quan­to de Jefferson. No iní­cio de 1823, em
Irving e outros escri­tores americanos, The Pioneers [Os Pio­­neiros], Cooper
antes e depois de­­­le, vas­cu­lharam a começava a des­cobrir Bumppo. Natty
Europa em bus­ca de lendas, castelos é o primeiro desbravador fa­moso na
e grandes te­mas, Cooper captou a literatura americana, bem como o
essência do mito americano: uma predecessor de inúme­ros ‘caubóis’ e
terra a­tem­­poral, como o ermo. A his­ heróis do interior. É aquele individualis­
tó­ria americana era como que uma ta idealizado, de grande retidão, me­lhor
invasão do eterno; a história euro­péia do que a so­­ciedade que ele pro­tege.
na América era uma reencenação da Pobre e isolado, mas ainda assim puro,
queda no Jardim do Éden. O ciclo é a pedra de toque dos valores éti­cos,
da natu­reza só era vis­lum­brado no prefigurando Billy Budd de Her­man
mo­mento de sua des­truição: o ermo Melville, e Huck Finn de Mark Twain.
desaparecia di­an­te dos olhos dos ame­ Parcialmente baseado na vida
ricanos, desv­a­ne­cendo como se fosse real de Daniel Boone – quaker, co­
mira­gem. Esta é a trágica visão bá­si­ca mo Cooper – Natty Bumppo, exí­
da irô­ni­ca destruição das terras in­to­ mio le­nhador como Boone, foi um
cadas, o novo Éden que havia atraído ho­mem pacífico adotado por u­ma
os primeiros colonos. tri­­bo indígena. Tanto Boone quan­to o
As experiências pessoais per­ fictício Bumppo amavam a na­tu­reza
mi­tiram a Cooper poder descre­ver e a liberdade. Estavam sem­pre avan­
in­ten­samente as mudanças nas ter­ras çando em direção ao oeste pa­ra fugir
intocadas e tratar de ou­tros te­mas, dos colonos que eles mes­­mos haviam
como o mar e o con­flito entre pessoas guiado no ermo e tor­na­ram-se lendas
de diferentes cultu­ras. Fi­lho de família James Fenimore vivas. Natty é tam­bém virtuoso, probo
quaker, foi cri­a­do na propriedade de
Cooper e profun­da­mente espiritual, tal qual um
seu pai em Otsego La­ke (hoje Cooper­ ca­va­­leiro cristão dos romances medi­e­
s­town), no cen­tro do então remoto vais transposto às flo­res­tas vir­gens e o
Estado de Nova York. Em­bora a área solo rochoso da América.
desfru­tas­se de rela­tiva tranqüilidade O elo de ligação entre os cinco ro­
du­ran­­te sua infân­cia, já tinha sido mances conhecidos coletiva­men­te co­
pal­­co de um massacre de índios. O mo Leather-Stocking Tales [Contos das
jovem Feni­­more Cooper cresceu num ‘Perneiras de Cou­ro’] é a vida de Natty
am­bi­­ente qua­­se feudal. Seu pai, Juiz Bumppo. São a obra-prima de Cooper:
Cooper, era dono de terras e líder co­ um grande épico em prosa que tem o
mu­­nitário. Quando me­ni­no, em Otsego conti­nente norte-ameri­cano por pal­co,
La­­ke, co­nhe­ceu des­­­­bra­­va­do­res das Foto, cortesia da Biblioteca do as tribos indíge­nas por persona­gens e
Congresso
frontei­ras e índios. Mais tarde, viu suas gran­des guerras e a mi­gra­ção para o

25
Oeste como pano de fun­do social. Os cultura tem o mono­pólio da virtude ou
romances dão vida à fronteira oeste do refinamento.
entre 1740 e 1804. Cooper aceitava a condição ame­
Os romances de Cooper retra­tam ricana, enquanto Irving não. Este trata­
as sucessivas ondas de colo­nização va o cenário americano como faria um
de fronteira: as terras into­cadas inicial­ europeu — impor­tando e adap­tando da
mente habitadas por ín­dios; a chegada Europa as len­das, cultura e história.
dos primei­ros bran­cos como guias, Cooper levou o pro­cesso um passo
soldados, co­mer­ciantes e desbrava­ adiante. Criou cenários ameri­canos e
dores; a che­gada das famílias de novos e dis­tintos personagens e temas
colonos rudes e pobres; e por fim a ameri­canos. Foi o pri­mei­­ro a soar a
chegada da classe média, trazen­do nota trágica que permeia toda a fic­ção
os pri­mei­ros profissio­nais – o juiz, americana.
o mé­dico e o ban­queiro. Cada onda
des­lo­ca­va o gru­po anterior: os bran­cos MULHERES E MINORIAS

E
des­­lo­caram os índios, que recu­a­ram mbora o período colonial tenha
para o oeste; a classe mé­dia “civi­li­ testemunhado o despontar de
zada”, que construía es­co­las, igre­jas várias escrito­ras dignas de nota,
e prisões, deslocou os des­bra­vadores a era revolucio­nária não favoreceu o
individualistas de clas­se mais baixa trabalho das mu­lhe­res e das mi­­norias,
mais para oeste e que, por sua vez, apesar do sur­gimento de muitas es­
des­lo­ca­ram os ín­dios que os haviam colas, re­vis­tas, jornais e clubes literá­
prece­dido. Cooper evoca a onda rios. Mu­­­lhe­res da era colonial como
intermi­nável e ine­vitável de colonos e Anne Brad­street, Anne Hutchinson,
vê não só os bene­fícios mas também Ann Cotton e Sarah Kemble Knight,
as perdas. exerceram consi­derável influência
Os romances de Cooper revelam social e literária, apesar das condições
profunda tensão entre o indi­víduo primitivas e dos perigos. Das dezoito
solitário e a sociedade, a na­tu­reza e a mulheres que vieram para a América
cultura, a espi­ri­tualidade e a re­­li­gião em 1620, no navio Mayflower, apenas
formal. Em suas obras, o mundo natural quatro sobre­v iveram ao primeiro
e os índios são fun­damentalmente bons Phillis Wheatley ano. Quan­do cada pessoa ativa era
— co­mo tam­­bém o é a esfera mais civi­ importante e as con­dições sociais
li­zada associada a seus per­so­na­gens eram ainda fluidas, o talento inato
mais cultos. Os persona­gens intermedi­ podia encontrar expressão. Porém, à
ários são muitas vezes suspeitos, espe­ me­di­­da que as instituições culturais
cialmente co­lonos brancos po­bres e na nova repú­blica foram sendo for­
ga­nan­cio­sos incultos ou in­ca­pazes de malizadas, as mulhe­res e as minorias
apre­­­ciar a natureza ou a cultura. Assim foram progres­sivamente excluídas.
como Rudyard Ki­pling, E.M. Fors­ter,
Herman Mel­ville e outros ob­ser­­vadores Phillis Wheatley (C. 1753 - 1784)
sen­sí­veis aos matizes na inte­ração entre Dada a dureza dos primeiros anos
cultu­ras variadas, Cooper era um rela­ Gravura © The Bettmann na Amé­rica, é irônico que algumas
Archive
tivista cultural. En­tendia que ne­nhu­ma das melhores poe­sias do período

26
tenham sido escritas por uma mulher fantástica romances incluem a popularís­sima história de
e escrava. A primeira autora afro-ame­ricana de sedução, Charlotte Temple (1791). Ela abor­da te­
importância nos Estados Unidos, Phillis Wheatley mas feministas e aboli­cionistas e retrata os índios
nasceu na África e foi trazida pa­r a Boston, americanos com respeito.

O
Massachusetts, aos sete anos, on­de foi comprada utra romancista há muito esquecida é
por um alfaiate devoto e rico, John Wheatley, Hanna Foster (1758-1840), cujo ‘best-seller’
para servir de companhia para sua esposa. Os The Coquette [A Coquete] (1797) contava
Wheatleys reconheceram a no­tá­vel inteligência de sobre uma jovem dilacerada entre a vir­tu­de e a
Phillis e, com a ajuda de sua filha Mary, ensinaram­ tentação. Rejeitada pelo namorado, ho­mem frio
-na a ler e escrever. de igreja, ela é seduzida, aban­do­nada, tem um
Os temas poéticos de Phillis são religiosos e seu filho e morre sozinha.
estilo é neoclássico, como o de Philip Fre­neau. Entre Judith Sargent Murray (1751-1820) publi­cou
seus poemas mais famosos estão “To S.M., a Young suas obras com um pseudônimo masculino, para
African Painter, on Seeing His Works” [Para S.M., assegurar uma atenção mais séria a seus traba­
Jovem Pintor Africano, ao Ver Suas Obras], poema lhos. Mercy Otis Warren (1728-1814) era poeta,
de louvor e encoraja­men­to a outro negro de talento, historiadora, dramaturga, satirista e pa­triota. Fazia
e um cur­to po­e­ma mostrando sua forte sensibi­lidade reuniões pré-revolucionárias em sua casa, atacava
reli­giosa filtrada por sua experiência de con­ver­são os ingleses em suas vigorosas peças teatrais e
cristã. Esse poema perturba alguns críticos con­ escreveu a única história radical contemporânea
tem­porâneos — os brancos, porque o consi­deram da Revolução Americana.
convencional, e os negros, porque não expressa As cartas trocadas entre mulheres, como Mercy
um protesto contra a imoralidade da escravidão. No Otis Warren e Abigail Adams, e cartas de uma ma­
entanto, a obra é uma expressão sincera; confronta neira geral, constituem importantes documentos
o racismo branco e afirma a igualdade espiritual. De do período. Por exemplo, Abigail Adams escreveu
fato, Wheatley foi a pri­mei­ra a abordar tais questões para seu marido, John Adams (mais tarde, segundo
de forma confian­te em seus versos, como em “On Presidente dos Estados Unidos), em 1776, instando­
Being Brought from Africa to America” [Como Fui -o a garantir a inde­pendência das mulheres na
Comprada e Trazida da África para a América]: futura cons­tituição americana. 

‘A misericórdia me trouxe de minha terra pagã


Ensinou minha alma inculta a compreender
Que há um Deus, que há um Salvador também;
Antes eu não buscava nem conhecia a redenção.
Alguns olham nossa raça escura com desdém,
“Sua cor é uma tintura diabólica”.
Lembrem-se, cristãos, negros escuros como Caim,
Podem purificar-se e ingressar no coro angelical.

Outras Mulheres Escritoras


Várias escritoras da era revolucionária vêm
sendo redescobertas por doutos feministas.
Susa­nna Rowson (c. 1762-1824) foi das primei­ras
romancistas profissionais da Amé­rica. Seus sete

27
CAPÍTULO
O desenvolvimento do próprio ser torna-se
um dos principais temas. A autoconscientização,

3
um método primário. Se, de acordo com a teoria
ro­mântica, ser e natureza são um, então o auto­
conhecimento não é um beco sem saída e­go­ís­ta,
mas uma forma de conhecimento que abre as
portas do universo. Se seu ser está em sinto­nia
PERÍODO ROMÂNTICO com a humanidade, o indivíduo tem o dever moral
1820-1860 de reformar as desigualdades so­ciais e aliviar o
ENSAÍSTAS E POETAS sofrimento humano. O conceito “ser” (self) — que

O
evocava egoísmo para ge­ra­ções ante­riores — foi
movimento Romântico — que surgiu na redefinido. Surgiram novas palavras compostas,
Alemanha, mas rapidamente se espalhou com significados positivos: “auto-realização” (self-
para a Inglaterra, França e além — chegou à -realization), “au­to-expressão” (self-expression),
América em torno de 1820, cer­ca de 20 anos depois “auto­-confian­ça” (self-reliance).
de William Wordsworth e Samuel Taylor Coleridge Como o ser subje­tivo e único se tornou im­por­­
terem revolucionado a poesia inglesa com a obra tante, assim o fez a esfera da psicologia. Técni­cas e
Lyrical Ballads [Ba­ladas Líricas]. Na América, como efeitos artísticos excepcionais foram de­sen­­volvidos
na Europa, a nova visão eletrizou os círculos artísticos para evocar estados psico­lógicos ele­vados. O “subli­
e in­­te­lectuais. Mas havia uma diferença impor­tan­te: o me” — efeito da be­le­za em es­cala grandiosa (a vista
Romantismo na América coincidiu com a expansão do alto de uma monta­nha, por exemplo) — gerava
nacional e a descoberta de uma voz distintamente senti­mentos de admi­ração, reverência, vastidão e
americana. A consolidação da iden­­tidade nacional, um poder além da compreensão humana.
o idealismo emer­gente e a paixão vigorosa do Ro­ O Romantismo era afirmativo e apropriado para a
man­tismo nutriram as obras-primas da “Renascença maioria dos poetas e ensaístas criativos da América.
Americana”. As vastas montanhas da América, desertos e trópicos
As idéias românticas giravam em torno da ar­te encarnavam o sublime. O espírito Romântico pare­
como inspiração, da dimensão estética e espi­­ cia adequar-se parti­cularmente bem à democracia
ritual da natureza, das metáforas de cresci­men­to americana: enfa­tizava o individualismo, valorizava a
orgânico. A arte, mais que ciência, argu­men­tavam pes­­soa co­mum e buscava, na imaginação ins­pi­rada,
os Românticos, poderia melhor expres­s ar a seus valores estéticos e éticos. Certamen­te, o movi­
verdade universal. Os Român­ticos salien­tavam a men­to Romântico inspirou os trans­cen­­denta­listas da
importância da arte expressiva para o indivíduo e Nova Inglaterra — Ralph Wal­­do Emer­son, Henry David
a sociedade. Em seu ensaio, “The Poet” [O Poeta] Thoreau e seus colegas — pa­ra uma nova afirmação
(1844), Ralph Waldo Emer­son, talvez o escritor otimis­ta. Na No­va Inglaterra, o Romantismo encon­trou
mais influente da era Român­tica, afirma: solo fértil.

Pois todos os homens vivem pela verdade e pre­cisam TRANSCENDENTALISMO


expressar-se. No amor, na arte, na avareza, na política, O Movimento Transcendentalista foi uma rea­ção
no trabalho, nos jogos, estuda­mos co­mo exprimir ao racionalismo do século 18 e uma ma­ni­fes­tação da
nosso doloroso segredo. O homem é apenas sua tendência humanista geral do século 19. O movimen­
metade, a outra é sua ex­pres­são. to era baseado na crença fun­damental na unidade
entre Deus e o mundo. A alma de cada in­di­víduo era
con­siderada idêntica ao mundo — um micro­cosmo
do próprio mundo. A doutrina da au­to­confiança e do
28
in­dividualismo de­sen­volveu-se atra­vés Bronson Alcott e o poe­ta William Ellery
da crença na iden­tificação da alma Channing. O Clu­be Transcendental foi
individual com Deus. informal­men­te organizado em 1836
O Transcendentalismo estava inclu­indo, em diferen­tes momentos,
inti­mamente ligado à cidadezinha E­mer­­son, Thoreau, Fuller, Chan­ning,
de Concord, Nova Ingla­terra, 32 qui­­ Bronson, Alcott, Orestes Brown­son
lô­metros a oeste de Boston. Con­cord (pregador de gran­de in­f lu­ência),
foi o primeiro povoado de da Colônia Theodore Par­ker (aboli­cio­nista e pas­
de Massachusetts Bay. Cerca­da de tor) e ou­tros.
florestas, era e ainda é bem cal­ma e Os transcendentalistas publica­ram
suficientemente próxi­ma às pa­lestras, por quatro anos a revista tri­mes­­
livrarias e univer­sidades de Boston, tral The Dial editada inicial­m en­­
para ser inten­samente culta, mas te por Margaret Fuller e depois
longe o bastan­te para manter sua por Emerson. Esforços refor­mis­tas
tranqüilidade. A pri­meira batalha da os inspiravam, além da literatu­ra.
Re­vo­lução Ame­ricana aconteceu em Vários transcenden­t a­l istas fo­r am
Concord e o poe­ma em que Ralph abo­li­cionistas e al­guns par­ti­ci­param
Waldo Emer­son come­mora a batalha, de comunida­d es utó­p icas ex­p e­
“Concord Hymn” [Hino de Concord], rimentais, como Fruit­lands e Brook
tem u­ma das mais famosas estrofes da Farm (descrita em The Blithe­dale
literatura ame­ricana: Romance [O Ro­mance de Blithedale]
de Haw­thorne).
Junto à rude ponte que se arqueia sobre Contrariamente a muitos gru­pos
a corrente, europeus, os transcenden­talis­tas nunca
Sua bandeira desfraldada na brisa lançaram um manifesto. Insistiam nas
de abril, diferenças indivi­duais — nos pontos
Aqui, num dia, prontos para a luta, de vista únicos de cada indivíduo.
estiveram agricultores Os românticos trans­­­cendentalistas
Cujo tiro foi ouvido em todo o mundo. americanos le­varam o individualismo
radical ao extremo. Os autores ameri­
Concord foi a primeira colônia Ralph canos fre­qüen­temente se viam como
Waldo Emerson
rural de artistas, e o primeiro lugar a ex­plo­radores solitários à mar­­gem da
oferecer uma alternativa espiri­tual e sociedade e das con­ven­­ções. O he­rói
cultural ao materia­lismo ame­ricano. americano — co­mo o Capitão Ahab
Era um lugar para con­versas elevadas de Herman Melville, ou Huck Finn de
e vida simples (tan­to E­mer­son como Mark Twain, ou Arthur Gordon Pym de
Henry David Thoreau tinham hortas). Edgar Allan Poe — tipicamente enfren­
Emer­son, que se mudou para Concord tava riscos, ou até mes­mo a destruição
em 1834, e Thoreau são os escritores certa, na busca do autodes­co­bri­mento
mais associados à cidade; mas o metafísico. Para o escritor român­tico
lo­cal também atraiu o romancista ameri­ca­no, nada era axiomático.
Na­thaniel Hawthorne, a escritora fe­­ As conven­ções literá­rias e sociais,
mi­nista Margaret Fuller, o edu­ca­dor (e Foto, cortesia longe de ajudarem, e­ram perigo­sas.
National Portrait Gallery,
pai da romancista Louisa May Alcott) Smthsonian Institution Havia enorme pressão para atin­gir

29
auten­ti­cidade na forma literária, no conteú­do e na de outros. Abrigados por uma estação na natureza,
voz — tudo ao mesmo tempo. Fica cla­ro, através das cujas correntes de vida cor­rem à nossa volta e den­
muitas obras-primas produ­zidas nas três dé­cadas que tro de nós e nos convi­dam, pelos poderes que nos
antecederam a Guer­ra Civil Americana (1861-65), que conferem, a agir em harmonia com a natureza, por
os escritores americanos venceram o desafio. que deve­rí­amos tropeçar entre os ossos secos do
pas­sado..? O sol também brilha hoje. Há mais lã e
Ralph Waldo Emerson (1803 - 1882) li­nho nos campos. Há novas terras, novos ho­mens,
Ralph Waldo Emerson, figura mais impor­tante novos pensamentos. Deixe-nos exijir nossas pró­prias
de sua época, tinha um sentido reli­gioso de mis­ obras, nossas próprias leis e nossa pró­pria forma
são. Embora muitos o acusassem de subverter o de adoração.
cristianismo, explicava que, para ele, “pa­ra ser um
bom pastor, era preciso deixar a igreja”. O discurso Emerson adorava o ensaísta francês Mon­taigne,
proferido em 1838, em sua alma mater, a Harvard gênio aforístico do século 16, e certa vez disse a
Divinity School [Fa­culdade de Teologia], fez dele Bronson Alcott que adoraria escrever um livro como
per­sona non grata naquela universidade por 30 anos. o de Montaigne, “cheio de graça, poesia, negócios,
Nes­se pronunciamento, Emerson acusou a i­gre­ja de divindade, filosofia, anedotas, histórias picantes”.
agir “como se Deus estivesse morto” e de en­­fa­tizar Queixou-se que o estilo abs­trato de Alcott omitia “a
o dogma em detrimento do espí­rito. luz que brilha no cha­péu de um homem, na colher

A
filosofia de Emerson tem sido tachada de uma criança”.
de contraditória e é certo que ele cons­ A visão espiritual e a expressão aforística prá­tica
cientemente evitou erigir uma estrutura tornam Emerson fascinante; um dos trans­cen­
in­te­lectual lógica, porque tal sistema racional dentalistas de Concord disse com muita pro­­prie­
contrariaria sua crença romântica na intuição e dade que escutá-lo era como “subir aos céus num
na flexibilidade. Em seu ensaio intitulado “Self- balanço”. Uma boa parcela de seu discerni­mento
Reliance”[Autoconfiança], Emerson co­men­ta: espiritual advém de suas leituras sobre religiões
“Uma consistência tola representa o bi­cho-papão orientais, especialmente do hin­duísmo, confucio­
de mentes pequenas”. E, no entanto, ele é im­ nismo e sufismo islâmico. Seu poema “Brahma”,
pressionantemente consistente em seu apelo ao por exemplo, apoia-se em fontes hindus para
surgimento do individualismo ame­ri­cano inspirado afirmar uma ordem cósmica além da limitada per­
na natureza. A maioria de suas idéias principais — a cepção dos mortais:
necessidade de uma nova visão nacional, o uso da
experiência pessoal, a noção de uma Sobre-Alma Se o homicida vermelho pensa que matou
cósmica e a doutrina da compensação — estão Ou se o assassinado pensa que está morto,
sugeridas em sua primeira obra, Nature [Natureza] Eles não conhecem bem os caminhos sutis
(1836). O ensaio assim começa: Que sigo, percorro e retorno novamente.

Nossa era é retrospectiva. Constrói os sepulcros Longe ou esquecido para mim está próximo
dos pais. Escreve biografias, histórias, críticas. As Sombra e luz do sol são o mesmo;
gerações que nos antecederam contemplaram Deus Os deuses desaparecidos aparecem para mim;
e a natureza face a face; nós, por seus olhos. Por E um só para mim são a fama e a vergonha.
que não podemos tam­bém usufruir de u­ma relação Caem em erro os que me deixam fora;
original com o uni­verso? Por que não podemos nós Quando me alçam ao vôo, sou as asas;
ter uma poe­sia de discernimento e não de tradição, Sou o que duvida e a dúvida,
uma religião de re­ve­lação direta e não a história das E eu, o hino que o Brâmane canta

30
confor­mis­­ta, procurou viver sempre de
Os fortes deuses anseiam por minha acor­do com seus princípios rígidos.
permanência, Es­­sa tentativa foi tema de muitos de
E anseiam em vão os Sete Sagrados, seus escritos.
Mas Tu, modesto amante do bem! A obra-prima de Thoreau, Walden,
Encontre-me e vire as costas para o or, Life in the Woods [Wal­den, ou, Vida
céu. no Bosque] (1854), foi o resultado de
dois anos, dois meses e dois dias (de
Esse poema, publicado no pri­ 1845 a 1847) passados numa cabana
meiro número da revista Atlantic por ele mesmo construída, em Walden
Monthly (1857), confundiu os lei­to­res Pond, propriedade de Emerson. Em
não familiarizados com Bra­ma, deus Walden, Thoreau deliberada­mente
supremo dos hindus, al­ma eter­na e condensa esse tempo em um ano e o
infinita do universo. Emer­­son deu livro é cuidadosamente montado de
aos seus leitores o se­­guin­te conselho: forma que as estações são sutilmente
“Diga-lhes para dizer Jeová em vez de evocadas em or­dem. O livro também é
Brama.” organiza­do de modo que em primeiro
O crítico inglês Matthew Arnald disse lugar vêm as preocupações terrenas
que as obras mais impor­tan­tes do (na seção chamada “Economia”, ele
século 19, escritas em in­glês, eram as des­creve as despesas envolvidas na
poesias de Words­worth e os ensaios construção de uma cabana). No final,
de Emerson. Gran­­de escritor, tanto o livro progrediu até medita­ções sobre
em prosa co­mo em poesia, Emerson as estrelas.
influen­ciou uma longa série de poetas Em Walden, Thoreau, amante de
ame­ricanos, inclusive Walt Whit­man, livros de viagens e autor de vá­rios
Emily Dickinson, Edwin Arlington deles, dá-nos um livro anti-via­gem,
Robinson, Wallace Stevens, Hart Crane que paradoxalmente abre as fronteiras
e Robert Frost. Credi­ta-se também a interiores do autodes­co­brimento,
ele influ­ência sobre os filósofos John como nenhum livro ame­ricano fez
De­wey, Geor­ge San­tayana, Frie­drich até o momento. Ilu­soriamente mo­
Nietzsche e William James. Henry David Thoreau desto, como a pró­­pria vida ascética de
Thoreau, não é nada menos que um
Henry David Thoreau guia para se viver o ideal clássico de
(1817 - 1862) u­ma vida completa. Reunindo poe­sia
Henry David Thoreau, descenden­te e filo­so­fia, esse longo ensaio poé­tico
de franceses e escoceses, nasceu em de­safia o leitor a examinar sua vida e
Concord e lá sempre residiu. Nascido a vivê-la com autentici­da­de. A cons­
numa família pobre, como Emerson, trução da cabana, des­crita em riqueza
teve que trabalhar pa­­ra se sustentar, de detalhes, é uma metá­fora concreta
esquanto estudava em Har­vard. Por da cuidadosa edi­­­fi­cação da alma. Em
toda a vida, redu­ziu suas necessidades seu diário, no dia 30 de janeiro de
ao nível mais simples e conseguiu viver 1852, expli­ca sua prefe­rência por viver
com muito pouco dinheiro, mantendo enrai­zado num só lugar: “Receio viajar
portanto sua in­d e­p endência. Em Foto © The Bettmann Archive mui­­to ou a lugares famosos senão iria
essência, fez da vida sua carreira. Não-
31
dissipar completamente a mente.” Yeats, apaixonado nacionalista irlan­­­dês,
O método de recolhimento e a escrever The Lake Isle of Innisfree [A
con­centração de Thoreau lembra as Ilha Lacustre de Innis­free] enquanto o
técnicas orientais de meditação. A ensaio de Thoreau Civil Disobedience
semelhança não é acidental: co­mo [De­­so­be­­diência Civil], com sua te­o­ria
Emerson e Whitman, tam­bém foi de resistência pacífica, ba­seada na
influenciado pela filosofia hindu e necessidade moral do ho­mem justo
budista. Seu maior tesouro era sua de desobe­decer leis injustas, serviu
coleção de clássicos asiáticos, que de inspi­ração para o movi­mento de
ele compartilhava com Emer­son. inde­pen­dência india­na liderado por
Seu estilo eclético tem influ­ên­cia Mahatma Gandhi e a luta de Martin
dos clássicos gregos e roma­nos, é Luther King pelos direitos civis dos
cristalino, cheio de jogo de palavras negros no sé­culo 20.
e tão ricamente meta­fórico quanto o Thoreau é hoje o mais atraente
dos autores metafí­sicos ingleses do dos transcendentalistas, por sua cons­
final da Renascença. ciência ecológica, indepen­dên­cia e
Em Walden, Thoreau não ape­nas auto-suficiência, seu com­pro­misso
testa as teorias do Trans­cen­den­ta­lismo, ético com o aboli­cionis­mo e a teoria
ele reence­na a experi­ên­cia coletiva política da de­s o­b e­d i­ê ncia civil e
ame­ri­cana no século 19: viver nas da resistência pa­cífica. Suas idéias
fronteiras. Tho­reau acha­va que sua parecem atu­ais e novas. Seu estilo
contribuição con­sis­tiria em recuperar, poético incisi­vo e o hábito de fazer
na lin­gua­gem, o sentido da terra indo­ observa­ções cuida­dosas ainda hoje
ma­da. Seu diário contém a seguin­te são mui­to mo­dernos.
entrada, sem data, em 1851:
Walt Whitman (1819 - 1892)
A literatura inglesa dos dias dos me­ Nascido em Long Island, Nova
nestréis até os Lake Poets, in­clu­­in­do York, Walt Whitman era carpinteiro em
Chaucer, Spenser, Shakes­p eare e regime de tempo parcial e homem do
Milton, não tem caráter refrescante e, povo cuja obra brilhan­te e inovadora
neste sentido, sel­va­gem. É essencial­ expressou o espírito de­mocrático do
men­te domestica­da e civilizada, refle­ país. Whitman era praticamente um
tindo a Grécia e Roma. Suas vas­ti­­­dões
Walt Whitman
autodidata: aos 11 anos deixou a escola
são uma flo­res­ta, sua selva é frondosa, para traba­lhar, perdendo o tipo tradicio­
seus selva­gens, Robin Hood. Há em nal de educação que fazia da maio­ria
seus poetas muito amor prazeroso dos escritores americanos imitadores
pela na­tu­reza, mas não há muita natu­ respei­tosos dos ingleses. Seu Leaves
reza. Suas crônicas nos informam of Grass [Folhas de Rel­va] (1855), que
quan­do seus animais selvagens, mas ele reescreveu e revisou por toda a sua
não seus homens selvagens, foram vida, contém “Song of Myself” [Can­
extintos. Havia necessi­da­de de uma ção de Mim Mesmo], o poema mais
América. incrivel­men­­te original escrito por um
Foto, cortesia da
americano. Os elogios entusiasmados
Walden inspirou William Butler Biblioteca do Congresso que Emerson e alguns outros fizeram

32
a esse volume audacioso confir­maram a vocação na terra, tem provavelmente a natureza poética mais
poética de Whitman, embora o livro não tenha sido aguçada. Os Estados Unidos são essencialmente o
um sucesso de público. maior poema”. Quando Whit­man escreveu essas
Livro visionário que celebra toda a criação, Leaves palavras, audaciosa­men­te re­­ver­teu a opinião genera­
of Grass foi fortemente inspirado pelos escritos de lizada de que a Amé­rica era muito tosca e nova para
Emerson, especialmente seu ensaio “The Poet” [O ser poética. Ele inventou uma América atemporal de
Poeta] que antevia um poeta do tipo robusto, sincero ima­ginação livre, habitada por espíritos pioneiros de
e universal, misteriosa­men­te parecido com o próprio todas as nações. O romancista e poeta inglês D.H.
Whitman. A for­ma inovadora, sem rima e com verso Lawrence, chamou-o, muito apropriada­men­te, de
livre, sua celebração aberta da sexualidade, sua vi­bran­ poeta da “estrada aberta”.

A
te sensibilidade democrática e a afirma­ção român­tica grandeza de Whitman pode ser vista em mui­
extrema de que o ser do poeta era um só com a poesia, tos de seus poemas, inclusive em “Crossing
o universo e o leitor alteraram para sempre o curso da Brooklyn Ferry” [Atravessan­do na Barca do
poesia ame­ricana. Brooklyn], “Out of the Cradle Endlessly Rocking”
Leaves of Grass é tão vasto, pleno de energia [Fora do Berço que Balan­ça Continuamente]
e natural quanto o próprio continente ameri­cano; e “When Lilacs Last in the Dooryard Bloom’d”
era o épico que gerações de críticos ameri­canos [Quando os Lilases Perdu­ram do Jardim Florido],
aguardavam, embora não o tivessem reconhecido. uma tocante elegia sobre a morte de Abraão
O movimento perpassa “Song of Myself” como Lincoln. Outra impor­tan­te obra é seu longo ensaio
música inquieta: “Democratic Vistas” [Vistas Democrá­ticas] (1871),
escrito durante os anos de mate­rialismo desenfre­
Meus vínculos e lastros se vão... ado da “Era de Ouro” da industrialização. Nesse
Contorno serras, as palmas de minhas mãos en­saio, Whitman critica merecidamente a Améri­ca,
cobrem continentes por sua indústria e riqueza multivariadas e gigantes­
Caminho com minha visão. cas, que encobrem uma alma “seca e plana como
o Saara”. Ele pede o surgimento de um novo tipo
O poema se arqueia com uma miríade de visões e de literatura que sirva para reanimar a população
sons concretos. Os pássaros de Whit­man não são os americana (“Não é tanto o livro que precisa ser
“espíritos alados” da poesia convencional. Sua “garça uma coisa acabada, e sim o leitor do livro”). Mas,
de crista amarela vem para a beira do pântano à noite em última instância, a imortalidade de Whitman se
e se alimenta de pequenos caranguejos”. Whitman deve sobretudo a Song of Myself. Aqui ele coloca o
parece projetar-se em tudo que vê ou imagina. É um ser Român­tico no centro da consciência do poema:
homem das massas: “Viajando a cada porto atrás
de pechinchas e aventuras, / Apressando-se com Celebro a mim mesmo e canto o meu ser,
a multidão moderna, ansioso e incons­tante como E o que eu assumir você vai assumir,
qualquer outro”. Mas ele é também o indivíduo Pois cada átomo que a mim pertence
sofredor, “A mãe de antigamente, condenada como também pertence a você.
bruxa, queimada com lenha seca, suas crianças A voz de Whitman eletriza até lei­tores modernos
assitindo a tudo... Sou o escravo caçado, estremeço com sua procla­mação da unidade e força vital de toda
a cada mordida dos cachorros... Sou o bombeiro a criação. Foi extremamente ino­vador. Dele brotou
ferido, com o ester­no fraturado...” o poema co­mo autobiografia, o americano comum
Mais que qualquer outro escritor, Whit­man como bardo, o lei­tor como criador e a descoberta
inventou o mito da América democrática. “Os ainda con­tem­porânea da forma ‘experimental’ ou
americanos, de todas as nações, em qualquer época orgânica.

33
cres­­ci­mento de uma consciência ame­­
OS POETAS BRÂMANES ricana distin­ta. Bem­-inten­cio­na­dos, sua

E
m sua época, os brâmanes for­ma­­ção conservadora os cegou para
de Boston (como veio a ser as inovações au­da­ciosas de homens
conhecida a classe alta for­ como Thoreau, Whit­man (a quem re­
ma­da em Harvard) eram a fonte dos cusaram rece­ber so­cial­­men­te) e Edgar
árbitros literários mais respei­tados e Allan Poe (considerado pelo pró­prio
verdadeiramente cultos nos Estados Emerson um “rima­dor”). Eram os pi­
Unidos. Suas vidas se en­cai­xavam lares da chamada “tradição elegante”,
num agradável padrão de riqueza e contra a qual três gerações de realistas
lazer ditado pela forte éti­ca de traba­ america­nos tiveram que lutar. Em parte
lho e respeito pelo co­nhe­­cimento da de­vido à sua influência benig­na, mas
Nova Inglaterra. insípida, passaram-se qua­se 100 anos
Na era puritana anterior, os brâ­ até que o gê­nio ameri­ca­no dis­tinto de
manes de Boston teriam sido pre­ Whitman, Melville, Poe e Thoreau fosse
gadores. No século 19, torna­ram-se reconhecido nos Es­ta­dos Unidos.
professores, geralmente em Har­vard.
Mais velhos, por vezes ser­viam como Henry Wadsworth Longfellow
embai­xadores ou recebiam títulos (1807 - 1882)
ho­no­ríficos de ins­ti­tuições euro­péias. Os principais poetas brâ­ma­nes
A maioria deles viajou ou estudou na de Boston foram Henry Wads­­­worth
Euro­pa: esta­vam familiarizados com Longfellow, Oliver Wen­dell Holmes
as idéias e livros da Grã-Breta­nha, e James Russell Lo­well. Long­fellow,
Ale­manha e França, além da Itália e professor de lín­guas mo­dernas em
Espanha. Eli­tistas por formação, mas Har­vard, foi o mais famoso poeta
demo­cratas por simpatia, os poe­tas a­me­ricano de sua épo­ca. Foi res­pon­­
brâ­ma­nes leva­vam seu enfoque ele­ sá­vel pela vi­são nebulosa, len­dária e
gan­­te, eu­ropei­zado a todos os Es­ta­dos não-histó­rica do passado, que fun­dia
Unidos, em palestras nos 3.000 liceus as tra­di­ções americana e euro­péia.
(centros reservados para palestras pú­ Es­cre­­­­veu três longos po­e­mas nar­
Henry Wadsworth
blicas) e nas pá­ginas de duas revistas Longfellow ra­tivos que populari­zavam lendas
in­flu­entes de Boston, North Ame­ri­can nativas e usavam a métrica euro­péia
Review e Atlantic Monthly. — “Evan­geline” (1847), “The Song
Os textos dos poetas brâmanes of Hia­watha” [Canto de Hiawatha]
fun­diram as tradições americanas às (1855) e “The Court­ship of Miles Stan­
eu­­ro­péias e procuraram criar u­ma con­ dish” [O Noivado de Mi­les Stan­dish]
tinuidade de experiências do A­tlântico (1858).
com­par­tilhadas. Esses po­etas ­­ acadê­ Longfellow também escreveu
micos pro­curaram e­du­­car e elevar o livros de lín­guas modernas e um livro
nível da popu­la­ção pela introdução da de viagens, Outre-Mer [Além-Mar], re­
di­men­­são euro­péia na literatura ame­­­­­­ contando lendas estran­gei­ras, no for­
ricana. É irô­ni­co que seu efeito global mato do Sketch Book, de Wa­shington
fosse con­ser­vador. Insistindo em coi­ Irving. Embora conven­cio­na­lis­mo,
sas e for­­mas euro­péias, retardaram o Foto, cortesia de Brown Brothers sen­­ti­­menta­lismo e superficialidade

34
estra­guem os poemas longos, os versos líricos, ser ligei­ros (“The Deacon’s Masterpiece” [A Obra-Pri­
curtos e marcantes co­mo “The Jewish Cemetery at ma do Diá­co­no] ou “The Wonderful One-Hoss Shay”
New­port” [O Ce­mi­té­rio Judeu em Newport] (1854), [A Maravilhosa Caleche de um Cavalo]), filo­sóficos
My Lost Youth [Minha Juventude Perdi­da] (1855) (“The Chambered Nautilus” [O Náu­tilo Com­par­­ti­­
e The Tide Rises, The Tide Falls [A Ma­ré Sobe, A men­talizado]) ou fervorosa­men­­te patrió­ticos (“Old
Maré Baixa] (1880) continuam agradando. Ironsides” [O Velho Encouraçado]).
Holmes, nascido em Cambridge, subúrbio de
James Russell Lowell (1819 - 1891) Boston onde fica a Universidade de Harvard, era
James Russell Lowell, que lecionou línguas filho de um preeminente ministro local. Sua mãe
modernas em Harvard após a aposentadoria de era descendente da poeta Anne Bradstreet. Em sua
Longfellow, é o Matthew Ar­nold da literatura ame­ época e mais ainda poste­riormente, simbolizou
ricana. Começou como poeta, mas aos pou­cos perspicácia, in­te­ligência e charme, não como um
foi per­dendo sua habi­lidade poética e termi­nou descobridor ou desbra­vador, mas por ter sido intér­
como respeitado crí­tico e educador. Como edi­tor prete exemplar de tudo, da sociedade à linguagem,
do Atlan­tic e co-editor do North American Review, da medicina à natureza humana.
Lowell foi muito influente. A Fable for Critics
[Uma Fábula para Críticos] (1848) de Lowell é DOIS REFORMADORES

N
uma avaliação engraçada e oportuna dos autores os anos anteriores à Guerra Civil, a Nova
americanos, como neste co­men­tá­rio: “Aí vem o Inglaterra reluzia com energia intelectual.
Poe com seu corvo, como um Bar­­na­by Rudge/Três Algumas estrelas que hoje bri­lham mais que
quintos gênio e dois quin­tos de pura bobagem”. a famosa constelação de Brâmanes fo­ram obscure­
Influenciado pela esposa, tor­nou-se refor­ma­­dor cidas em vida pela pobreza ou por contingências
liberal, abolicionista e defensor do voto feminino e de de sexo ou raça. Leitores mo­dernos valorizam
leis pro­i­bindo o tra­­ba­lho in­fantil. Biglow Papers, First cada vez mais o trabalho do abolicionista John
Se­ries [Ensaios de Biglow, Primeira Série] (1847-48) Greenleaf Whittier e da feminista e reformadora
cria Hosea Biglow, po­eta de al­­deia sagaz mas inculto social Margaret Fuller.
que de­­fende a introdu­ção de refor­mas em sua po­e­sia
em di­a­leto. Ben­jamin Fran­klin e Fre­neau já haviam John Greenleaf Whittier (1807 - 1892)
usa­do aldeões inteli­gen­tes co­mo porta-vozes de co­ John Greenleaf Whittier, o poeta mais ativo da
mentários so­ciais. Lo­well es­creveu no mesmo estilo, época, teve criação muito semelhante à de Walt
ligan­do a tradi­ção co­lonial da ‘per­so­na­gem’ ao no­vo Whitman. Nasceu e foi criado numa modesta fazen­
re­a­lismo e re­­gionalis­mo ba­­se­ado no dia­leto, no­va tra­ da quacker em Massachusetts, teve pouca educação
di­ção que flores­ceu na dé­cada de 1850 e amadu­receu formal e trabalhou como jornalista. Muitas décadas
com Mark Twain. antes da causa ter-se tornado popular, já era ardoro­
so abo­licio­nista. Whittier é respeitado por po­e­mas
Oliver Wendell Holmes (1809 - 1894) anti-escravagistas como “Icha­­bod” e sua poesia é
Oliver Wendell Holmes, famoso médico e às vezes vis­ta como um dos primeiros exem­plos
professor de anatomia e fisiologia em Harvard, do realismo regionalista.
é o mais difícil dos três brâmanes mais famosos As imagens penetrantes de Whittier, sua constru­
de categorizar, pois seu trabalho é mar­cado por ção simples e seus dísticos tetramétricos, pare­cidos
uma versatilidade refrescante. Inclui coletâ­neas de com baladas, têm a textura simples e natural de
ensaios humorísticos (The Autocrat of the Break­ Robert Burns. Sua melhor obra, o longo poema
fast-Table [O Autocrata da Mesa de Ca­fé da Manhã] “Snow Bound” [Presos pe­la Neve], re­­cria vividamente
1858), romances (Elsie Venner, 1861), biografias seus fami­li­a­res e ami­gos já falecidos como os recor­da
(Ralph Waldo Emerson, 1885) e versos que podiam da infância, acon­che­ga­dos em volta da lareira acesa
35
du­ran­te uma violenta tempes­tades de analisa aten­tamente as inú­me­ras cau­
neve na Nova Inglaterra. Esse poe­ma sas sutis e as con­se­qüências nefastas
sim­ples, religioso e in­ten­samen­te da discrimi­nação se­xual e sugere
pes­soal, escrito depois do longo pesa­ medidas positivas a serem tomadas.
de­lo da Guerra Civil, é uma elegia aos Muitas de suas i­dé­ias são impressio­
mortos e um hi­no de consolo. Afirma nante­mente mo­dernas. Enfatiza a
a eter­ni­dade do es­pírito, o poder atem­ impor­tância da “auto-sufi­ciência”,
poral do amor na lembrança e a beleza que as mu­lheres care­cem porque
irredu­tível da natureza, a despeito “são ensi­na­­das a a­pren­der regras que
das vio­lentas tempestades polí­ticas vêm de fora e não deixá-las brotarem
exter­nas. de dentro.”
Fuller não é simplesmente uma
Margaret Fuller (1810 - 1850) feminista, mas uma ativista e refor­ma­
Margaret Fuller, ensaísta extraor­ dora dedicada à causa da liber­dade
dinária, nasceu e cresceu em Cam­ criativa e da dignidade de to­dos os
brid­ge, Massachusetts. De origem seres humanos:
modesta, foi educada em casa pelo
pai (mulheres não podiam estudar ...Sejamos sábios e não impeçamos
em Harvard). Foi criança pro­dígio a alma... Tenhamos uma energia
nos clás­sicos e na litera­tura mo­derna. criativa... Deixemos que ela tome a
Sua paixão mai­or era a lite­ratura forma que quiser e não a prenda­mos
ro­m ântica ale­m ã, es­p e­­cial­m ente pelo passado, a homens ou mulheres,
Goethe, que ela traduziu. negros ou brancos.
Primeira jornalista profissional de
renome na América, es­cre­veu críticas li­ Emily Dickinson
terárias influentes, além de reportagens (1830 - 1886)
sobre temas sociais como o tra­tamento Emily Dickinson é, num certo sen­
de mulheres prisio­neiras e de loucos. tido, um elo de ligação entre sua era e
Alguns des­­­ses ensaios foram publi­ a sensibilidade literária da vi­ra­da do
cados no livro : Papers on Literature século. Individualista ra­dical, nasceu
and Art [Textos sobre Literatura e e passou toda a sua vida em Am­herst,
Emily Dickinson pequena cidadezinha calvinis­ta de
Arte] (1846). Um ano antes, pu­blicou
seu livro mais significativo, Woman in Massachusetts. Nunca se casou e
the Nineteenth Century [A Mu­lher no le­­vou uma vi­da na­­da convencional,
Século 19]. O texto ha­via aparecido externamente tran­qüila, mas dotada
original­mente na re­vista transcen­den­ de grande in­ten­sidade interior. A­mava
ta­lista The Dial, que editou de 1840 a a natureza e inspi­rou-se pro­fun­da­
1842. mente em pássaros, animais, plantas
Woman in the Nineteenth Century, e a mudança das estações, no campo,
na Nova Inglaterra.

D
escrito por Fuller, é a primeira e a
mais americana análise do papel ickinson passou o final da
das mulheres na sociedade. Apli­ vida como re­clusa, por sua
can­do com freqüên­cia princípios psique extremamente sensível
Daguerreótipo, cortesia
democráticos e transcendentalis­tas, Harper & Bros. e possivelmente para arranjar tempo

36
para escrever (durante alguns períodos, es­crevia um É a Maioria
poema por dia). Sua rotina também incluía cuidar Nisso, como em Tudo, prevalece —
da casa de seu pai advo­ga­do, figura de destaque em Concorde — e você é são —
Amherst que se tor­nou parlamentar. Vacile — logo será tachado de perigoso
Dickinson não tinha lido muito, mas conhe­cia E levado em cadeias —
profundamente a Bíblia, as obras de William
Shakespeare e as obras da mitologia clás­si­ca. Sua perspicácia brilha no poema 288, que
Esses foram seus verdadeiros professores: pois foi ridiculariza a ambição e a vida pública:
certamente a figura literária mais soli­tária de sua
época. Essa mulher tímida, retraí­da, de uma cida­ Não sou Ninguém! Quem é você?
dezinha, cujas obras qua­se não foram publicadas Será você — Ninguém — Também?
e lidas, criou parte do que há de melhor na poesia Então há dois de nós?
americana do século 19, além de ter fascinado o Não diga! Eles vão anunciar — você
público des­de a dé­ca­da de 1950, quando sua poesia sabe!
foi redescoberta. Como é enfadonho — ser — Alguém!
O estilo lapidar e freqüentemente imagístico de Quão Público — como um Sapo —
Dickinson é ainda mais moderno e inovador que o Dizer o nome de alguém — durante todo
de Whitman. Ela nunca usa duas pala­vras, se uma é Junho —
suficiente e combina coisas con­cretas com idéias Para um brejo admirador!
abstratas num estilo con­densado, quase proverbial.
Suas melhores poe­sias não contêm excessos; muitas Os 1.775 poemas de Dickinson continuam intri­
ridicu­la­ri­zam o sentimentalismo corrente e algumas gando os críticos, que muitas vezes discor­dam
che­gam a ser heréticas. Por vezes, revela uma ater­ entre si a respeito. Alguns salien­tam seu la­do mís­
radora consciência existencial. Assim como Poe, ela tico, outros sua sensibilidade para com a natureza;
explora as partes escuras e escondidas da mente, alguns ressaltam seu apelo estra­nho, exótico. Um
dramatizando a morte e o túmulo. E, no entanto, crítico moderno, R.P. Blackmur, comenta que às
também celebrava objetos sim­ples — uma flor, uma vezes a poesia de Dickin­son nos passa a sensação
abelha. Sua poesia revela grande inteligência e mui­ de que “um gato se apro­xi­mou de nós falando
tas vezes evoca o angustiante paradoxo dos limites inglês”. Seus versos, lim­pos, claros, burilados,
da consci­ência humana presa no tempo. Tinha um estão entre os mais fasci­nantes e desafiadores da
excelente senso de humor e tratava de uma enorme literatura americana. 
variedade de temas com uma impressionante diver­
sidade de abordagens. Seus poemas geralmente são
conhecidos pelos números que lhes foram atribuídos
na edição padrão de Thomas H. Johnson, em 1955.
Apresentam um emprego extravagante de maiúsculas
e travessões.
Não-conformista, como Thoreau, ela por ve­zes
invertia o sentido de palavras e frases e u­sa­va os
paradoxos com grande impacto. Da poesia 435:

Muita Loucura é o sentido mais divino —


Para um Olho capaz de discernir —
Muito Senso — a mais pura Loucura —

37
CAPÍTULO bem arti­cu­lada e tradicional e compartilhavam
com os lei­tores atitudes que informavam sua ficção

4
rea­lista. Os romancistas ame­ricanos se defronta­vam
com uma his­tória de luta e revo­lução, geo­grafia
de vas­tos ermos e sociedade de­mo­­crática fluida e
pouco estra­ti­ficada. Os ro­man­­­ces ameri­canos mui­
tas vezes revelam revo­lucionária falta de tradição.
PERÍODO ROMÂNTICO Muitos ro­man­ces ingleses mostram um protagonista
1820-1860: FICÇÃO pobre ascendendo econômica e socialmente devido
a um bom casamento ou des­co­berta de um pas­­sa­do
aris­tocrático es­con­dido. Mas essa tra­ma oculta não

W
alt Whitman, Nathaniel Hawthorne, desafia a estru­tura social aris­to­crá­tica da Inglaterra.
Herman Melville, Edgar Allan Poe, Ao con­trário, vem con­fir­má-la. A ascen­são da perso­
Emily Dickinson e os transcen­den­ta­listas na­­gem satisfaz o desejo dos leitores, em sua maio­­ria,
representam a primeira grande geração literária de classe média.
surgida nos Estados Unidos. No Ro­mantismo, a Já o romancista americano tinha que depen­der
visão Romântica tendia a expres­sar-se na forma de seus próprios recursos. A América era em parte
que Hawthorne denomi­nou “Romance”, um tipo uma fronteira indefinida e em cons­tante movimento
elevado, emo­cional e sim­bólico de romance. Os povoada por imigrantes falan­do lín­guas estrangeiras
“Roman­ces” não e­ram histórias de amor, mas obras e seguindo costumes ru­­­des e estranhos. Por isso,
sérias que usavam técnicas especiais para co­mu­­ a per­so­nagem prin­cipal poderia en­con­trar-se só
nicar sig­ni­ficados complexos e sutis. entre uma tribo de canibais, como em Typee de
Em vez de definir cuidadosamente e em detalhe Melville, explo­rando vastidões intocadas, como em
perso­na­gens realistas, como fazia a mai­o­­ria dos Leather-Stocking Tales de Ja­mes Fe­nimore Cooper,
romancistas ingleses ou con­­ti­nen­tais, Hawthorne, pre­senciando vi­sões solitá­rias do túmulo, como
Melville e Poe molda­ram figu­ras heróicas grandio­ os solitários de Poe, ou encontrando o demônio
sas, impreg­nadas de signi­ficado mítico. Os prota­ caminhando na floresta, como Young Goodman
gonistas típicos do “Ro­mance” Americano eram Brown de Haw­thorne. Quase todos os grandes pro­ta­
atormen­tados e alie­na­dos. Arthur Dimmesdale, go­nistas ame­ricanos foram “solitários”. O indiví­duo
de Haw­thorne ou Hester Prynne em The Scarlet de­mocrático americano tinha, de certo mo­do, que
Letter [A Carta Es­carlate] ou Ahab de Melvi­lle, em inventar a si próprio.
Moby-Dick e as inúmeras per­so­na­gens iso­la­das e O romancista americano sério tinha que in­ven­
obce­ca­das dos contos de Poe são prota­go­nistas tar novos modelos também — daí a forma es­par­
soli­tá­rias que têm que en­fren­tar des­ti­nos desco­ ramada e idiossincrática de Moby-Dick de Melville
nhe­cidos e obs­curos e que, de modo miste­rioso, e a Narrative of Arthur Gordon Pym [Narrativa de
bro­tam de seus incons­cien­­­­tes mais pro­fun­dos. As Arthur Gordon Pym] de sonho e de­va­neio de
tramas simbólicas re­ve­lam as ações escon­didas de Poe. Ainda hoje, pou­cos romances americanos
um espírito angus­tiado. alcançam a perfeição formal. Ao invés de tomar
Uma razão para a exploração fic­tí­­cia dos re­côn­ empres­tado modelos literários já experimentados,
ditos da alma é a ausência de uma vida co­mu­nitária os americanos tendem a inventar novas técnicas
consolidada e tradicional na Amé­ri­ca. Os romancis­ criativas. Na América, não basta ser uma unidade
tas ingleses — Jane Austen, Char­les Dickens (o gran­ social tradicional e definível, pois o velho e o
de favorito), Anthony Trollope, George Eliot, William tradicio­nal são deixa­dos para trás; a força nova e
Tha­ckeray — viviam numa sociedade complexa, inova­dora é o centro das atenções.

38
por volta de 1650, no início da colo­
O ROMANCE nização Puritana, o roman­ce destaca

A
forma do “Roman­ce” é sombria a obsessão calvi­nista por mora­li­dade,
e ameaçadora, indicando co­mo repressão se­xual, cul­pa e con­fissão e
é difícil criar iden­ti­dade sem salvação espiritual.
uma sociedade estável. A mai­o­­ria dos Para a época, The Scarlet Letter era
heróis românticos mor­­re no fim: to­ um livro audacioso e até subversivo. O
dos os ma­ri­nhei­ros, com exceção de estilo suave de Haw­thorne, o contexto
Ishmael, mor­rem afoga­dos em Moby- histórico remoto e a am­bi­güidade
Dick e o mi­­­nistro Ar­thur Dimmes­­dale, ameni­zaram seus temas sombrios e
sen­sível, mas pe­­­ca­­dor, morre no fim satisfizeram o pú­blico, mas escri­to­
de The Scar­let Letter. A nota trá­­­gi­ca res sofisti­cados como Ralph Waldo
da própria di­visão na lite­ratura a­me­ Emerson e Herman Melville reconhe­
ricana tor­na-se domi­nan­te nos roman­ ceram o poder ‘infernal’ do livro. Abor­
ces, mes­­mo antes da Guerra Civil de dava questões geral­mente reprimidas
1860 ter manifestado a tra­gédia social na América do século 19 como, por
maior de uma socie­dade em guerra exemplo, o impacto da nova ex­pe­
contra si mesma. riência democrática e liberta­dora no
comportamento individual, parti­cu­lar­
Nathaniel Hawthorne mente na liber­dade se­xual e religiosa.
(1804 - 1864) O livro é maravilhosamente
Nathaniel Hawthorne, quinta ge­­­ra­ or­ganizado e muito bem escrito.
ção americana descendente de ingle­ Apropriadamente, usa a ale­go­ria,
ses, nasceu em Salem, Mas­­­sa­­­chu­setts, técnica praticada pelos primeiros
próspero porto ao norte de Bos­ton Pu­ritanos.
especializado no comér­cio com as A reputação de Hawthorne deve-se
Índias Orientais. Um antepassado seu tam­­bém a outros romances e con­­tos.
havia si­do juiz no século anterior nos Em The House of the Seven Ga­bles
julga­­men­tos de mu­lhe­­res acu­­­­­­sadas de (1851), ele vol­ta novamente à história
bru­xaria em Salem. Haw­thorne u­sou a da Nova Inglaterra. O des­moronamento
idéia de uma maldição so­bre a família Nathaniel Hawthorne da “casa” refe­re-se à uma família de
de um juiz iníquo no ro­man­ce The Salem, além da casa propria­mente
House of the Seven Ga­bles [A Casa das dita. O tema trata de uma maldição
Se­te Cu­me­eiras]. her­dada e seu fim pelo amor. Como
Muitas histórias de Haw­thorne se observou um crítico, Holgrave, o pro­ta­
passam na Nova Inglaterra Puri­tana go­nis­ta idealista, expressa a descrença
e seu mais importante roman­ce, The democrática do próprio Haw­thorne
Scarlet Letter [A Letra Es­car­late] (1850), em relação às velhas famí­lias aris­to­
transformou-se no retrato clássico da crá­ticas: “A verdade é que, uma vez em
América Puri­tana. Fala da paixão proibi­ cin­qüen­ta anos pelo menos, a família
da entre um jovem sensível e religioso, deveria ser incorporada à grande mas­
o Reverendo Arthur Dimmesdale, sa obscura da hu­manidade e esquecer
e Hester Prynne, moça da cidade seus an­cestrais.”
sen­sual e bonita. Pas­sada em Boston Foto, cortesia OWI

39
O
s dois últimos romances de Hawthorne não adas ou artificiais e os sofrimentos do indivíduo
foram bem sucedidos. Ambos usam cen­ isolado.
ários modernos, comprometendo a magia A ideologia da revolução também deve ter tido
do romance. The Bli­thedale Romance [O Romance seu papel na glorificação da liber­dade orgu­lhosa,
de Blithedale] (1852) é interes­san­te por retratar a ainda que alienada. A Revo­lução Americana, do
comuni­da­de socia­lista e utó­pica de Brook Farm ponto de vista psico-histó­rico, asseme­lha-se à
[Fazen­da Brook]. No li­­vro, Haw­thorne critica os rebelião do adolescente contra a figura paterna
reforma­do­res sociais arro­gantes e ávidos de po­der da Inglaterra e a comu­nidade mais am­pla do
com ins­tin­tos pro­­fundos não genuinamente de­mo­ império britânico. Os ame­ricanos ganha­ram sua
crá­ticos. The Marble Faun [O Fau­no de Már­more] independência e então se depararam com o dilema
(1860), em­bora em Roma, lida com temas pu­ri­ des­concertante de des­co­brir sua identidade sem
tanos de pecado, isola­mento, expia­ção e salva­ção. o referencial das ve­lhas autori­dades. Esse ce­ná­rio
Esses temas e cenários da Nova Ingla­terra repetiu-se tantas vezes nas regiões de fronteira,
colonial Puritana são marca registrada dos con­tos que, na ficção, o isolamento parece ser condição
mais conhecidos de Hawthorne: “The Mi­nis­­ter’s básica de vida dos ame­ri­canos. O puritanismo e
Black Veil” [O Véu Negro do Pregador], “Young suas ramificações pro­tes­tantes pode ter enfraque­
Goodman Brown” [O Jovem Good­man Brown] e cido ainda mais a família, ao pregar que a primeira
“My Kinsman, Major Molineux” [Meu Colega, Major res­ponsabi­lidade do indivíduo é salvar sua própria
Molineux]. Neste, um jo­­vem ingê­nuo do interior alma.
vem à cidade — trajeto comum na América do
século 19 em crescente urbani­za­ção — para pedir Herman Melville (1819 - 1891)
ajuda a um parente po­de­ro­so a quem não conhe­ Herman Melville, como Haw­thorne, descen­dia
cia. Robin tem mui­ta di­fi­culdade em encontrar o de família antiga e rica que, com a mor­te do pai,
major e acaba se unindo a uma estranha revolta caiu repentinamente na pobreza. Apesar da criação
notur­­na na qual um homem, que parece um cri­­mi­ sofisticada, das orgulhosas tradi­ções familiares e
noso em des­graça, é cô­mica e cruel­mente expulso do trabalho ár­duo, Melville se viu pobre e sem
da ci­­­da­de. Robin ri mais alto que os outros até edu­ca­ção universitária. Aos 19 a­nos, foi para o
des­­co­brir que esse “cri­mino­so” nada mais é que mar. Seu interesse pela vida dos marinheiros bro­
o ho­­­mem por ele pro­curado — um repre­sen­tante tou naturalmente de suas próprias ex­pe­ri­ências e
inglês recém-de­pos­to pela turba de revo­lucio­ná­­rios muitos de seus primei­ros roman­ces inspiraram-se
americanos. A história con­firma o elo de pecado e nestas viagens. Ne­les, vemos a experiência am­pla
sofrimento compar­ti­lha­do por toda a humanidade. e demo­crática de Melville e seu horror à tirania e
Tam­bém res­sal­­ta o tema do ho­mem que se faz à in­jus­tiça. Seu pri­meiro livro, Typee, baseou-se
sozinho: Robin tem que apren­der, como qual­quer no con­ví­vio com os Taipis, das Ilhas Marquesas,
ame­ricano democrático, a prosperar por seu traba­ no Pací­fico Sul, supostamente cani­bais, mas muito
lho árduo e não por favo­res especiais de paren­tes hospitaleiros. O livro elogia a tribo, sua vida na­­tu­ral
ricos. e harmoniosa e critica os mis­sio­nários cris­­tãos,
My Kinsman, Major Molineux ilustra um dos que Melville con­siderou menos civiliza­dos que os
elementos mais notáveis na ficção de Haw­thorne: povos que tinham vin­do converter.
a ausência de famílias operacionais em suas obras. Moby-Dick; or The Whale [Moby-Dick ou A
Embora Leather-Stocking Tales de Cooper tenha Baleia], obra-prima de Melville, é o relato épico
conseguido introduzir famílias nos ermos mais do baleeiro Pequod e seu Capitão Ahab, um
improváveis, as his­tórias e ro­man­ces de Haw­thorne “semideus per­­verso”, cuja caça ob­ses­siva à baleia
volta e meia mostram fa­­mí­lias divididas, amaldiço­ branca Moby-Dick levou o navio e sua tripulação à

40
des­truição. A obra, romance realista tendência reflexiva ou de auto-refe­
de aventura, con­tém uma série de rência. Em outras pa­la­vras, o ro­man­
reflexões so­bre a condição huma­ ce é muitas vezes sobre ele mesmo.
na. A caça à ba­leia, em todo o livro, Melville freqüen­temente comenta os
é a grande metáfora para a busca processos mentais co­mo a escrita, a
do conhe­cimento. Classificações e leitura e a com­pre­ensão. Um capítulo,
descrições realistas de ba­leias e da por exem­plo, é um estudo exaustivo
indústria baleeira povoam o livro, que o nar­ra­dor tenta classificar mas
mas têm co­no­tações simbólicas. No acaba por desis­tir, alegando que
capítulo 15, “The Right Whale’s Head” nada grande pode vir a ser con­cluído
[A Cabeça da Baleia Direita], o nar­­ (“Não permita Deus que eu um dia
rador diz que a Baleia Direita é es­tóica conclua alguma coisa. Todo este li­vro
e que a Baleia Cachalote é pla­tônica, não passa de um rascunho — nem
refe­rin­do-se a duas esco­las clássicas isso: o ras­cunho de um ras­cunho. Ó
de filosofia. Tem­po, Força, Dinhei­ro e Paciência”).
Embora o ro­mance de Melville seja A noção de Mel­ville sobre o texto
filosófico, também é trágico. A­pe­sar lite­rário como uma versão imper­feita
de seu heroísmo, Ahab é condenado ou um ras­cunho abandonado é bem
e talvez amaldiçoado no final. A con­tem­po­rânea.
natureza, ain­­­­­da que bela, per­ma­nece Ahab insiste em imaginar um
estranha e potencial­men­te fatal. Em mun­do heróico, atemporal, de ab­
Moby-Dick, Mel­ville desafia a idéia oti­ so­lutos, em que pode ser superi­or a
mista de E­mer­son de que os homens seus homens. Tolamente, exi­ge um
podem com­p re­e nder a natureza. texto acabado, uma res­pos­ta. Mas
Moby-Dick, a grande ba­leia branca, o romance mos­tra que, assim como
é um ser cósmico, i­nes­crutável, que não existem textos acabados, não há
do­mina todo o ro­mance à medida também respostas finais, a não ser,
que ob­ceca Ahab. Fa­tos so­bre ba­leias talvez, a morte.
e so­­bre a caça às baleias não podem Certas referências literárias res­so­
explicar Moby-Dick; ao con­trá­rio, os am em todo o romance. Ahab, que é o
próprios fatos tendem a se tor­nar sím­ herman Melville nome de um rei do Velho Testamento,
bolos e todo fa­to está obs­cu­ramente deseja um conhe­ci­men­to total, faustia­
relacionado a todos os demais, numa no, quase divi­no. Como o Édipo na
rede cósmica. Es­sa idéia de cor­res­ tragédia de Sófocles, que paga caro
pondência (como Melville a denomina pelo conhe­cimento indevido, Ahab
no capítulo Sphinx) não sig­nifica, fica cego antes de ser ferido na perna
porém, que os seres hu­ma­nos possam e final­­mente mor­to. Moby-Dick termi­
‘ler’ a ver­da­de na na­tu­reza, co­mo se na com a palavra “órfão”. Ishmael, o
ima­gina em Emerson. Por trás do narrador, é um viajante meio órfão.
acú­mulo de fatos de Mel­ville, há uma O nome Ishmael emana do livro do
visão mís­tica — mas não fica claro se Gênesis, no Velho Testamento — era
essa visão é má ou boa, humana ou filho de Abraão e Hagar (serva de
desu­mana. Retrato, cortesia Biblioteca
Sara, esposa de Abra­ão). Ish­mael e
O romance é moderno em sua do Harvard College Hagar foram lançados ao deserto por

41
Abraão. surge a vida, no final.
Existem outros exemplos. Raquel (uma das espo­ Moby-Dick tem sido chamado de ‘épico natural’
sas do patriarca Jacó) é o nome do barco que resgata — magnífica dramatização do espírito hu­ma­no ence­
Ishmael, no fim do livro. Por fim, a baleia metafísica nada na natureza primitiva — por causa do mito do
lembra a judeus e cristãos a his­­­tória bíblica de Jonas, caçador, do tema da iniciação, do simbolismo da ilha
lan­çado ao mar por seus colegas marinheiros, por ser paradisíaca, da abor­dagem positiva dos povos pré-tec­
considerado objeto de má-sorte. O texto bíblico diz nológicos e da busca do renascimento. Ao colocar a
que foi engolido por um ‘grande peixe’ e viveu algum huma­nidade sozinha na na­tureza, é essencial­men­te
tempo dentro do seu ventre, antes de ser devol­vido à americana. O escritor e político francês Alexis de
terra firme pela inter­venção de Deus. Ao tentar fugir Tocqueville havia predito, em sua obra Democracy
do sofrimento, só fez provocar sofrimento ain­da maior in America [Democracia na Amé­rica] de 1835, que
para si mesmo. esse tema iria surgir na Amé­ri­ca, como resultado de
O romance é também enriquecido por refe­ sua democracia:
rências históricas. O barco Pequod tem o nome
de uma tribo indígena extinta da Nova In­gla­terra; Os destinos da humanidade, o próprio homem alheio
o nome sugere, portanto, que o barco es­tá fadado ao seu país e à sua era, na presença da Natureza e de
à destruição. A caça de baleias era de fato uma Deus, com suas paixões, dúvi­das, raras inclinações
importante indústria, sobretudo na Nova Inglaterra: e miséria inconcebível, se­rão o principal, senão o
fornecia óleo, uma impor­tante fonte de energia, único, tema da poesia (americana).
especialmente para lâm­padas. Assim, a baleia
literalmente ‘ilumina’ o universo. A caça às baleias Tocqueville pondera que, numa democracia, a
era também ine­ren­­temente expan­sionista e ligada literatura versaria sobre “as profundezas ocultas
à idéia de um destino manifesto, por exigir que da natureza imaterial do homem”, em vez de
os ameri­canos navegassem por todo o mundo à meras aparências e distinções superfi­­ciais, como
pro­cura das baleias (na realidade, o estado do Ha­ classe e status. É certo que tanto Moby-Dick quanto
vaí tornou-se possessão americana porque era a Typee, assim como Adventures of Huckleberry
principal base de reabastecimento para os navios Finn e Walden, encai­xam-se nessa descrição.
baleeiros americanos). A tripulação do Pequod Representam celebra­ções da natureza e subver­
representa todas as raças e diversas religiões, o sões pastoris da civilização urbana estratificada
que sugere a idéia da América como um estado socialmente.
de espírito universal, além de um cal­­deirão de
culturas. Por fim, Ahab encarna a versão trágica do Edgar Allan Poe (1809 - 1849)
individualismo democrático americano. Ele afirma O sulista Edgar Allan Poe com­partilha da vi­
sua digni­dade como indi­víduo e ousa opor-se às são metafísica e sombria de Melville, que re­ú­ne
forças externas inexo­ráveis do universo. elementos de realismo, paró­dia e burlesco. Ele
O epílogo do romance abranda a trágica destrui­ aperfeiçoou o gê­nero do con­to e inventou a fic­
ção do barco. Por toda a obra, Melville enfatiza a ção policial. Muitas de suas histó­rias prefi­guram
importância da amizade e da comu­nidade multicul­ os gêneros de fic­ção científica, horror e fantasia,
tural. Depois do naufrágio, Ish­mael é salvo pelo hoje tão populares.
caixão entalhado por seu gran­de amigo, Queequeg, A curta e trágica vida de Poe foi atormentada
príncipe da Polinésia e he­rói­co arpoador tatuado. pela insegurança. Co­mo tantos outros grandes
As figuras primitivas e mitológicas entalhadas no escri­to­res americanos do século 19, Poe ficou órfão
caixão incorporam a história dos cosmos. Ishmael muito cedo. Seu es­tra­nho casamento, em 1835, com
é salvo da morte por um objeto de morte. Da morte, sua prima Virginia Clemm, de 14 anos incompletos,
foi inter­pretado como uma tentativa de encontrar a
42
vida familiar estável que tanto lhe fazia Nes­se poema lúgubre, o narrador
falta. assombrado e insone lê e lamenta

P
oe acreditava que a estranheza a morte de sua ‘falecida Lenore’
era um ingrediente essencial quan­do, à meia noite, recebe a visi­
da beleza e seus textos são ta de um corvo (pássaro que come
muitas vezes exó­ti­cos. Suas histórias carne morta, portanto, um símbolo
e poemas es­tão plenos de aris­tocratas da morte) que pousa em cima de
intros­pec­­­­tivos e predestinados (Poe, sua porta e repete agourentamen­te
co­mo vários sulistas, nutria ideal o famoso refrão do poema, ‘nun­ca
a­ris­to­crata). As persona­gens me­­lan­­ mais’ (nevermore). O poema ter­mina
cólicas pare­cem nunca tra­ba­lhar ou numa cena de morte-em-vida:
ter vida social; ao contrá­rio, en­ter­ram-
se em cas­telos escu­ros e de­­ca­dentes, E o Corvo, sem adejar, ainda
simboli­c a­m ente de­c o­r a­d os com está pousado, ainda pousado
tapetes e tapeçarias bi­zar­­ras que es­ No pálido busto de Palas,
condem o mundo re­al de sol, janelas, em cima da porta de meu quarto;
paredes e pisos. Cômodos secretos E seus olhos têm toda a aparência
re­ve­lam antigas bi­bliotecas, estra­nhas dos de um demônio que sonha,
obras de arte e objetos orien­tais ecléti­ E a luz da lâmpada sobre ele
cos. A­ris­­tocratas tocam instrumentos no chão espraia sua sombra;
mu­sicais ou lêem li­vros anti­gos, en­ E minha alma, daquela sombra
quan­to remoem suas tragédias, co­mo que paira sobre o chão
a morte de entes queri­dos. Te­mas de Será levantada — nunca mais!
mor­te-em-vida, es­pe­cial­men­te ser en­
ter­ra­do vivo ou voltar do túmulo como As histórias de Poe — como as
vampiro, apare­cem em várias o­bras, citadas cima — foram descritas como
como “The Pre­mature Burial” [O Enter­ histórias de horror. Contos como “The
ro Pre­­ma­­­turo], “Ligeia”, “The Cask of Gold Bug” [O Escarave­lho Dourado]
A­mon­tilla­do” [Barril de Amon­tilla­do] e “The Purloined Letter” [A Carta
e “The Fall of the House of Usher” [A Furtada] são mais nar­rativas de racio­
Que­da da Casa de Usher]. O rei­no cre­ cínio ou argu­men­­tação. As his­tórias
Emily Dickinson
puscular de Poe entre a vi­­da e a morte de horror pre­fi­guram o­bras de autores
e os cená­rios góticos ber­rantes não ame­ri­canos de fantasia de horror, co­
são meramente de­co­rativos. Refletem mo H.P. Lovecraft e Ste­phen King, já os
o interior ex­ces­sivamente civili­zado contos de raciocí­nio são precursores
mas inerte da psique perturbada de da ficção policial de Dashiell Hammett,
suas per­sonagens. São expres­sões Ray­mond Chandler, Ross Macdonald
simbóli­cas do subconsciente e, por­ e John D. MacDonald. Havia indícios
tanto, cerne de sua arte. também daquilo que viria a ser a ficção
A poesia de Poe, como a de científica. Todas essas histó­rias revelam
mui­tos sulistas, era muito musical e o fascínio de Poe pela mente humana e
de métrica rígi­da. Seu poema mais o per­tur­bador conhecimento científico
conhecido, tanto em vida como ho­ que estava secu­larizando radical­men­te
je, é “The Raven” [O Corvo] (1845). Foto © The Bettmann Arquive a cosmovisão do século 19.

43
Em todos os gêneros, Poe explora a psique. e os modos tradicionais. Na arte, essa confusão
Profundas introvisões psicológicas faíscam em de símbolos alimentou o gro­tesco, idéia que Poe
suas histórias. “Quem já não cometeu mais de explicitamente transformou em tema de sua clás­
cem vezes um ato vil ou estúpido, pela simples sica coleção de contos Tales of the Grotes­que and
razão de saber que não deveria fazê-lo”, lemos Arabesque [Contos do Grotesco e do Arabesco]
em “The Black Cat” [O Gato Preto]. Para explorar (1840).
os aspectos exóticos e estra­nhos dos processos
psicológicos, Poe mer­gu­lhou em relatos de lou­cura ESCRITORAS E REFORMADORAS

A
e extrema emo­ção. O estilo penosa­mente inten­ s mulheres americanas suportaram mui-
cional e as ex­pli­cações elaboradas nas histórias tas desigualdades no século 19: não po-
inten­sificam a sensação de hor­ror, por tor­narem diam votar, eram barradas nas es­colas pro­
os eventos vívidos e plausíveis. fissionalizantes e universidades, não podiam falar
Sua combinação de decadência e primiti­vismo em público nem participar de con­venções públicas
romântico atraía fortemente os europeus, particu­ e não podiam ter propriedades. Apesar de todos
larmente os poetas franceses Stéphane Mallarmé, esses obstáculos, uma forte re­de de mulheres sur­
Charles Baudelaire, Paul Valéry e Ar­thur Rimbaud. giu. Através de cartas, ami­­zades pessoais, reuniões
Mas Poe não é não-ameri­ca­no, apesar de seu des­ formais, jornais fe­mi­ninos e livros, as mulheres pro­
prezo aristo­crático pela democracia, preferência pelo moveram mu­danças sociais. Mulheres intelectuais
exótico e temas de desumanização. Ao con­trá­rio, é traçaram parale­los entre elas e os escravos. Cora­
quase um exem­plo literal da previsão de Tocqueville josamente, exi­­giram reformas fundamen­tais, como a
que a democracia americana produziria obras que abo­lição da escravidão e o voto femi­nino, a despeito
desvendariam as partes mais profun­das e ocul­tas da do ostracismo social e às vezes a ruína finan­cei­ra.
psique. Ansiedade profunda e insegu­rança psíquica Suas obras eram a vanguar­da da expres­são inte­
parecem ter ocorrido primeiro na América que lectual de uma tradição literária femi­nina maior e
na Europa, já que os europeus tinham ao menos que incluía o romance sentimental. Romances
uma estrutura social rígida e complexa que lhes sentimen­tais femininos, co­mo Uncle Tom’s Cabin [A
dava segurança psicológica. Na América, não havia Cabana do Pai To­más], de Harriet Beecher Stowe,
segurança compensató­ria; era cada homem por si. eram muito popu­lares. Despertavam as emoções e,
Poe des­creveu com precisão o outro lado do sonho não raro, dra­ma­tizavam questões so­­ciais polêmicas,
americano do ho­mem que se faz por si próprio e so­bre­tudo aquelas atinentes à família e ao papel e
mostrou o preço cobrado pelo materialismo e pelo responsabilidades das mulheres.
excesso de competição —solidão, alienação e ima­ A abolicionista Lydia Child (1802 - 1880), que
gens de morte-em-vida. muito influenciou Margaret Fuller, era uma das
A ‘decadência’ de Poe também reflete a des­va­ líderes dessa rede. Seu popular romance de 1824,
lorização dos símbolos ocorrida no século 19 — a Hobomok, mostra a necessidade de to­lerância
tendência de misturar promiscuamente objetos de racial e religiosa. Seu cenário — a ci­­dade Puritana
arte de várias eras e lugares, privan­do-os de sua de Salem, Massachusetts — antecipou Nathaniel
identidade e reduzindo-os a itens decorativos numa Hawthorne. Ativista, Child fundou uma escola
coleção. O caos de estilos resultante era particu­ particular para moças, fun­dou e editou o pri­mei­ro
larmente aparente nos Estados Unidos, que muitas jornal para crianças nos Estados Unidos e publi­
vezes carecia de estilos próprios tradicionais. cou em 1833 o pri­meiro tratado anti­escravagista,
Essa mescla re­flete a perda de sistemas coerentes An Appeal in Favor of that Class of Americans
de pensa­mento, já que a imigração, urbani­zação Called Africans [Apelo em Prol Daquela Classe de
e indus­trialização cortaram as raízes familiares Ame­ri­canos Chamados Africanos]. Esse trabalho

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au­da­cioso tornou-a muito conhecida e arruinou-a de escrever uma car­ta ao Presidente Theodore
fi­­nan­ceiramente. Sua History of the Condition of Roosevelt, em favor do voto feminino. Suas nume­
Women in Various Ages and Nations [His­tó­ria da rosas obras — ini­cialmente sob pseudônimo e mais
Condição das Mulheres em Várias Épocas e Nações] tarde com seu próprio nome — incluem três volumes
(1855) defende a igualdade das mulheres relatando da History of Woman Suffrage [História do Su­frágio
seus feitos históricos. da Mulher] (1881-1886), escritos em parceria, e uma
Angelina Grimké (1805-1879) e Sarah Grim­ké autobiografia franca e jocosa.

S
(1792-1873) eram de grande fa­mília de ricos senho­ ojourner Truth (c.1797-1883) é a epítome
res de escravos na ele­­gante Char­leston, na Caro­lina da perseverança e do carisma desse grupo
do Sul. Ambas se transferiram pa­ra o Norte, para extraordinário de mulheres. Nascida escrava
defender os direitos de ne­gros e mulheres. Co­mo em Nova York, cresceu falando ho­landês. Fugiu de
porta-vozes da Socie­da­de An­tiescra­va­gista de Nova seu cativeiro em 1827, instalando-se, com um casal
York, foram as primei­ras a falar em público, inclu­ de filhos, junto à acolhedora família Van Wagener,
sive para homens. Em cartas, en­saios e estudos, de origem ho­lan­desa, para quem traba­lhava como
traça­ram para­le­los entre racis­mo e dis­crimina­ção empre­gada. Eles a ajudaram a ganhar a batalha
se­xual. legal pela liberdade de seu filho e ela adotou o
Elizabeth Cady Stanton (1815-1902), abo­ nome da família. Resolveu tomar rumo próprio,
licionista e ativista de direitos femininos, viveu tra­b alhando com um pastor para converter
certo tempo em Boston, onde foi amiga de Lydia prosti­tutas ao cristianismo e viveu num lar comu­
Child. Com Lucretia Mott, orga­ni­zou a Conven­ção nitário progressista. Foi batizada ‘Sojourner Truth’
de Seneca Falls pelos Direitos da Mulher; redigiu [Viajante Verdade] pelas vozes e visões místicas
também Declaration of Sentiments [Declaração de que passou a ter. Para difundir a ver­dade desses
Sentimentos] da Convenção. Sua ‘Declaração de ensinamentos visionários, viajou só, por mais
Independência da Mulher’ começa com “homens de três décadas, proferindo pales­tras, cantando
e mulheres são criados iguais” e inclui uma reso­ músicas evangélicas e pre­gando o abolicionismo
lução para dar às mu­lheres direito ao voto. Com em muitos Estados. Encorajada por Elizabeth Cady
Susan B. Anthony, Elizabeth fez campanha em favor Stanton, de­fen­deu o su­frá­gio da mulher. Sua vida
do sufrágio para mulheres nas décadas de 1860 e é con­ta­da por Narra­tive of Sojourner Truth [Nar­
1870, formou a anti-escravagista Women’s Loyal rativa de ‘Viajante Verdade’] (1850), relato auto­
Na­tio­nal Lea­gue (Liga Nacional das Mulheres Leais) biográfico transcri­to e editado por Olive Gilbert.
e a National Woman Suffrage Association (Asso­cia­ Analfabeta toda sua vida, falava inglês com sotaque
ção Nacional Para o Sufrágio das Mulheres) e foi holandês. Conta-se que certa vez, acusada de ser
co-editora do semanário Revolution. Presidente da um homem, desnudou o peito numa convenção
Woman Suffrage Association por 21 anos, liderou sobre os direitos da mu­lher. Tornou-se lendária a
a luta pelos direitos da mulher. Discursou publica­ resposta por ela dada a um homem que afirmou
mente em vários estados, em parte para sustentar ser a mulher o sexo fraco:
a educação de seus sete filhos.
Depois da morte de seu marido, Stanton apro­ Já arei e plantei e ajuntei em feixes, e nenhum homem
fundou sua análise das desigualdades entre os me vencia! E não sou mulher? Podia trabalhar como
sexos. Seu livro The Woman’s Bible [Bí­blia da homem e comer como homem — quando podia — e
Mulher] (1895) discerne uma profunda tendência agüentar as chicotadas também! E não sou mulher?
antifeminina na tradição judaico-cristã. Discursou Tive treze filhos e vi quase todos serem vendidos
sobre temas como divórcio, direitos da mulher e como escra­vos e quando clamei com minha dor
religião até sua morte, aos 86 anos, pouco depois de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não

45
sou mulher? sendo açoitado — quando participava
de um culto religioso. Mais tarde, disse
Essa oradora humorística e irre­ que o ro­mance foi inspirado e “escrito
verente já foi comparada aos gran­des por Deus”. Sua motivação foi pai­xão re­
cantores de blues. Harriet Bee­cher ligiosa de reformar a vida, tor­nando-a
Stowe e muitos outros encon­tra­ram sa­ mais piedosa. O perío­do romântico in­
bedoria nessa mulher negra visionária troduzido uma era de sentimentos: As
capaz de exclamar, “Senhor, Senhor, virtudes da fa­mília e do amor de­ve­riam
posso amar até os brancos!” reinar su­premos. O romance de Stowe
a­ta­cava a escravidão precisamente por
Harriet Beecher Stowe violar valores domésticos.
(1811 - 1896) Uncle Tom, escravo e perso­nagem
O romance de Harriet Beecher central, é um verdadeiro már­­tir cristão
Stowe, Uncle Tom’s Cabin or Life que se esforça por converter seu
Among the Lowly [Cabana do Pai To­ bondoso dono, St. Clare, reza por
más ou Vida Entre os Humildes] foi sua alma quando este está morrendo
o livro americano mais popular do e é morto ao de­­fender mulheres
século 19. Publicado inicial­mente em escravas. A es­cravidão é retratada
capítulos, pela revista National Era como maléfica, não por razões po­
(1851-1852), tor­nou-se sucesso imedia­ líticas ou filo­só­ficas, mas sobretudo
to. Só na In­glaterra, foi publicado por porque divide famílias, destrói o amor
40 edi­tores e logo traduzido pa­ra 20 lín­ familiar e é ineren­temente an­ticristã.
guas, recebendo elogios de au­tores co­ As ce­nas mais como­ven­tes mostram
mo Georges Sand na França, Heinrich uma escrava an­gus­tiada, incapaz de
Heine na Ale­ma­nha, e I­van Turgenev ajudar seu filho que chora, e um pai
na Rús­sia. Seu apelo apaixonado pelo vendido e separado de sua fa­mília.
fim da escravidão nos Estados Unidos Esses eram crimes con­tra a santidade
inflamou o debate que em uma década do amor domés­tico.
con­duziria à Guerra Civil Americana Originalmente, o romance não
(1861-1865). tinha a intenção de atacar o Sul. De
São óbvias as razões do sucesso fato, Stowe havia visitado o Sul, gos­
de Uncle Tom’s Cabin. Ele re­fle­tia a Harriet tava dos sulistas e os retratou com
idéia de que a escravidão nos Es­tados
Beecher Stowe
benevolência. Sulistas se­nho­res de
Unidos, nação que apa­ren­temente escravos são bons e tra­tam Tom bem.
encarnava a demo­cra­cia e a igual­ St. Clare, pesso­al­mente, abomina a
dade de todos, era uma in­justiça de escravidão e tem a in­ten­ção de libertar
proporções colossais.

S
todos os seus es­cravos. Já o senhor
towe era uma representante cruel, Simon Le­gree, é do norte e o
perfeita dos velhos Puritanos vilão. Ironi­camente, o romance tinha
da Nova Inglaterra. Seu pai, a inten­ção de reconciliar norte e sul,
irmão e marido eram todos instru­ídos que estavam à beira da Guerra Civil
e conhecidos clérigos e refor­ma­dores uma década depois. No fim, porém,
protestantes. Stowe con­ce­beu a idéia foi usado por abolicionistas e ou­tros
Foto, cortesia
para o romance — numa visão de Culver Pictures, Inc. como polêmica contra o Sul.
um velho escravo, todo esfarrapado,
46
colonial.
Harriet Jacobs (1818 - 1896)
Nascida escrava na Carolina do Harriet Wilson (c. 1807 - 1870)
Norte, Harriet Jacobs aprendeu a ler Harriet Wilson foi a primeira afro­
e escrever com sua senhora. Com -americana a publicar um romance
a morte desta, foi vendida pa­ra um nos Estados Unidos — Our Nig: or,
senhor branco, que tentou forçá-la a Sketches from the Life of a Free Black,
ter relações sexuais. Ela lhe resistiu, in a two-storey white house, North.
encontrando outro aman­te branco showing that Sla­v ery’s Shadows
com quem teve dois filhos, que foram Fall Even There [Nosso Nego: ou
viver com sua avó. “Parece menos de­ Ilustrações da Vi­da de Uma Negra
gradante entre­gar-se a alguém do que Livre, Numa Ca­sa Branca de Dois
sujeitar-se à coação”, escreveu ela Andares, no Nor­te. mostrando que
com im­pres­sionante franqueza. Ela as Sombras da Escravidão Chegam
esca­pou de seu senhor e espalhou Até Mesmo Lá] (1859). O romance
o boato de que havia fugido para o dramatiza rea­lis­ticamente o casa­
Norte. mento de uma mu­lher branca com
Apavorada em ser pega e voltar um ho­mem ne­gro e também descreve
pa­­ra a escravidão e o castigo, pas­sou a vida difícil de uma serva negra nu­
quase sete anos escondida na cidade ma ca­­sa cristã próspera. Inicialmente
de seu senhor, no pequeno sótão considerada autobio­g rá­f ica, hoje
es­cu­ro da casa de sua avó. Era sus­ acredita-se que seja obra de ficção.
tentada pelas olhadelas que dava em Como Jacobs, Wilson não pu­blicou
seus amados filhos por orifícios que seu livro com seu próprio nome
abriu no teto. Final­mente, escapou (Our Nig era uma ironia), e sua obra
para o Norte e se fixou em Rochester, es­teve esquecida até recentemente.
Nova York, onde Frederick Douglass O mes­mo pode ser dito da obra da
publicava o jornal antiescravagista maioria das escritoras da época. O
North Star e perto de on­de (Seneca famoso estudioso afro-ame­ricano,
Falls) acabava de ser rea­lizada uma Henry Louis Gates, Jr. — no seu papel
con­ven­ção dos direitos da mulher. Frederick Douglass de levar adiante o projeto de ficção
Ja­cobs fez amizade com Amy Post, negra — reeditou Our Nig em 1983.
abo­li­cionista e feminista quacker,
que a encorajou a es­crever sua au­ Frederick Douglass (1817 - 1895)
to­­bio­grafia. In­cidents in the Life of a O mais famoso líder afro-ame­
Slave Girl [Incidentes na Vida de uma ricano anti­e scravagista e orador
Jovem Escrava], publi­cado em 1861 negro da época, Frederick Douglass
com o pseudônimo de “Lin­­da Brent”, nasceu escravo numa propriedade
foi editado por Lydia Child. Condena em Maryland. Sua sorte foi ser man­
aber­tamente a exploração sexual de dado, quando jo­vem, para Baltimore,
es­cravas ne­gras. Tanto o livro de Ja­ cidade relativamente liberal, onde
cobs, como o de Douglass, são parte aprendeu a ler e escre­ver. Fugindo
do gênero de narrativa de escravo, Foto-ambrotipo, cortesia para Massachussetts em 1838, aos
National Portrait Gallery,
iniciado por Olaudah Equiano na era Smithsonian Institution 21 anos, Douglass foi ajudado pelo

47
editor abolicionista William Lloyd Garrison e sensação de viver uma vida clandestina, invisível,
passou a palestrar em reuniões de sociedades ameaçada, não reconhe­cida pela maioria branca,
antiescravagistas. ainda aparece em obras de escritores americanos
Em 1845, publicou Narrative of the Life of negros do séc­ulo 20, tais como Richard Wright,
Frederick Douglass, An American Slave [Nar­rativa James Baldwin, Ralph Ellison e Toni Morrison.
da Vida de Frederick Douglass, Um Es­c ra­vo 
Americano] (segunda versão em 1855 e re­vista em
1892), a melhor e mais po­pular das “narrativas de
escravos”. Essas nar­rativas, ge­ralmente ditadas por
negros anal­fa­betos a abo­licionistas brancos e usa­
das como propaganda, eram bem conhecidas nos
dias que ante­ce­deram a Guerra Civil. A narrativa
de Dou­glass é intensa e bem escrita e nos nos dá
in­trovisões únicas da mentalidade da escra­vi­dão
e agonia que essa instituição cau­sava aos negros.
A “narrativa de escravo” foi o primeiro gênero
literário de prosa negra nos Estados Unidos.
Ajudou os negros na difícil tarefa de estabelecer
uma identidade afro-americana em meio a uma
América branca e continuou a exercer impor­tante
influência nas técnicas de ficção e nos temas adota­
dos pelos negros em todo o século 20. A busca de
uma identidade, o ódio contra a discriminação e a

48
CAPÍTULO
por grandes agri­cultores no Havaí, ferro­vias e outras
empresas americanas na costa oeste.

5
Em 1860, a maioria dos americanos vivia em
fazendas ou em pequenas vilas, mas em 1919 metade
da população se concen­trava em cerca de 12 gran­
des cidades. Surgi­ram pro­ble­mas de urbanização e
indus­trializa­ção: habi­tações pobres e superlotadas,
ASCENÇÃO DO REALISMO: con­di­ções insalu­bres, salários baixos (chamados de
1860-1914 “salário escra­vo”), condições difíceis de traba­lho e
limi­tes inadequados aos empre­sários. Os sindi­catos

A
Guerra Civil Americana (1861-1865) entre cres­ce­ram e as greves trouxe­ram as difi­cul­da­des dos
o Norte industrializado e o Sul agrícola e trabalha­dores à cons­ciência na­cio­nal. Os agricul­
escravagista foi um divisor de águas na tores também se viram lu­tando contra “inte­resses
história americana. O inocente otimismo da jovem financeiros” do Leste, os chama­dos ‘barões ladrões’,
nação democrática cedeu lugar, depois da guerra, como J.P. Morgan e John D. Rockefeller. Seus bancos
a um período de exaus­tão. O idea­lismo americano no leste contro­la­vam com mão de ferro hipo­tecas
sobreviveu, mas foi redirecio­nado. Antes da guer­ e cré­dito, tão vitais para a agricultura e o desenvol­
ra, os idealistas defendiam os direitos humanos, vimento do Oes­te, enquanto empre­sas ferro­viá­rias
especialmente a abolição da escravatura; depois co­bra­vam carís­simo para trans­por­tar produtos
da guerra, os americanos idealizavam mais e agrícolas até as cida­des. O agricul­tor aos poucos se
mais o progres­so e o homem que se faz por si tornou objeto de ridículo, sati­ri­zado como caipira
próprio. Essa foi a era do in­dus­trial milionário e (hick) ou jeca (rube). O ame­ri­­cano ideal do período
do especu­lador, quando a evolução darwiniana e pós-Guerra Civil passou a ser o mi­lio­nário. Em 1860,
a ‘sobre­vi­vência do mais adaptado’ pareciam san­ havia me­nos de 100 milio­nários; em 1875, já eram
cionar métodos pouco éticos do magnata indus­trial mais de 1000.
bem-sucedido. De 1860 a 1914, os Estados Unidos se trans­
Os negócios prosperaram depois da guerra. A formaram de uma pequena e jovem ex-colônia
produção bélica havia estimulado a indústria no agrí­cola para uma grande nação indus­trializa­da e
Norte, dando-lhe prestígio e influência polí­tica. moderna. Nação endividada em 1860, em 1914, era a
Também deu aos líderes industriais expe­ri­ência mais rica do mun­do, cuja população havia mais que
valiosa na administração de homens e máqui­nas. dobrado, pas­sando de 31 mi­­lhões em 1860, para 76
Os abundantes recursos naturais do solo america­ mi­lhões em 1900. Na I Guerra Mun­dial, os Estados
no — ferro, carvão, petróleo, ouro e prata — bene­ Unidos eram uma po­tên­cia mun­dial.
ficiaram os negócios. O novo sis­tema ferroviário Crescia a industrialização, assim como a alie­
intercontinental, inau­gura­do em 1869, e o telégrafo nação. Os romances ame­ricanos mais caracte­
transcontinental, que começou a operar em 1861, rísticos do período — Mag­gie: A Girl of the Streets
deram à in­dús­tria acesso a materiais, mercados e [Maggie: Uma Mo­ça das Ruas] de Ste­phen Crane,
comu­nicações. O constante influxo de imigrantes Martin Eden de Jack London e depois An American
fornecia uma fonte interminável de mão-de-obra ba­ Tragedy [Uma Tragédia Ame­ri­cana] de Theodore
rata. Mais de 23 milhões de estrangeiros — alemães, Dreiser — re­tra­tam danos das forças eco­­nô­mi­cas
escan­dinavos e irlandeses inicial­mente e, mais tarde, e da alienação ao indi­víduo fraco ou vulne­rá­vel.
da Eu­ropa central e do sul — acorreram aos Estados Sobre­vi­ven­tes, como Huck Finn de Twain, Hum­­
Unidos en­tre 1860 e 1910. Traba­lhadores con­tra­tados phrey Vanderveyden de Sea-Wolf [Lo­bo do Mar]
chineses, japoneses e filipi­nos foram importados de London e a opor­tu­­nista Sister Carrie de Drei­ser,

49
re­­sistem graças à força interior que Mississipi de St. Petersburg. Filho de
envolve bondade, flexi­bili­dade e, um vaga­bundo bê­bado, Huck acaba
acima de tudo, indivi­duali­dade. de ser ado­ta­do por uma família res­
peitável, quan­­do seu pai, num estu­por
SAMUEL CLEMENS alcoó­­lico, ameaça matá-lo. Temendo
(MARK TWAIN) (1835 - 1910) pela vi­d a, Huck fo­ge, simulando

S
amuel Clemens, mais conhe­ sua mor­te. Em sua fuga, junta-se a
cido pelo pseudônimo Mark ou­tro fugitivo, o escravo Jim, cuja
Twain, cresceu na cidade­ dona, Miss Watson, está pen­san­do
zi­nha ribeirinha do Rio Mississipi em vendê-lo rio abaixo, no coração
de Hannibal, no Missouri. A famo­ do Sul, onde a escravidão era mais
sa declaração de Ernest Heming­ im­placável. Huck e Jim des­cem de
way que toda a literatura america­na bal­sa o majestoso Mis­sis­sipi, mas
vem de um gran­de livro, Adventures são afundados por um barco a vapor,
of Huckleberry Finn [Aven­tu­­ras de separados e reunidos nova­men­te.
Huckleberry Finn] de Twain indica a Passam por mui­tas aventu­ras perigo­
preemi­nência desse autor na tradição. sas e en­gra­­çadas, em ter­ra, que mos­
Escritores ame­rica­nos do início do sé­ tram a diver­sidade, a generosidade
culo 19 ten­diam a ser muito floreados, e, por vezes, a cruel irracionalidade
sen­ti­men­­tais ou pomposos — em parte, da socie­dade. No fim, descobre-se
porque ainda ten­tavam pro­var que que Miss Watson já havia libertado
podiam escrever de for­ma tão ele­gan­te Jim e que uma família respeitável
quanto os ingleses. O esti­lo de Twain, estava cuidando do travesso Huck.
basea­do na fala ame­rica­na vigo­rosa, Mas este impa­cienta-se com a soci­
realista e colo­quial, deu aos autores e­dade civilizada e planeja fugir para
amerianos novo apre­­ço por sua voz “os territórios” — as terras dos ín­dios.
nacio­nal. Twain foi o primeiro grande O fim apre­senta ao leitor a versão
autor do interior do país e captou sua oposta do mito clás­si­co americano
icono­clastia e gí­ria jocosa e peculiar. do suces­so: o cami­nho aberto, que
Para Twain e outros escritores ame­ leva às terras into­cadas, longe da
ricanos do final do século 19, realismo influ­ência moral­mente corruptora
não era apenas uma técni­ca literária: da “civilização”. Os romances de Ja­
era um modo de di­zer a verdade e Samuel Clemens mes Fenimore Cooper, os hinos de
derrubar con­ven­ções sur­radas. Era, (Mark Twain) Walt Whitman em louvor do cami­nho
portanto, pro­funda­mente libertador e aberto, The Bear [O Urso] de William
poten­cial­mente em desavença com a Faulkner e On the Road [Na Estrada]
sociedade. O exem­plo mais conhecido de Jack Kerouac são outros exemplos
é Huck Finn, menino pobre que decide literários.
se­guir sua consciência e ajudar um Huckleberry Finn inspirou nu­
es­cravo negro a fugir, mesmo cren­do merosas inter­pretações literárias. É
que essa infração da lei o conde­nará claro que o romance é uma história
ao inferno. de morte, renas­ci­mento e inicia­ção.
A obra prima de Twain, surgida em O escravo fugitivo Jim torna-se figura
Ilustração por
1884, se passa na vila ri­beiri­nha do Thaddeus A. Mikinski, Jr. pater­­na para Huck que, ao decidir

50
salvá-lo, cres­ce moralmente e ultrapassa as fron­ his­tórias exorbitantes, ga­bo­lices incríveis e heróis
teiras de sua so­ciedade escravagista. As aventuras cômicos trabalhadores davam vida à literatura
de Jim iniciam Huck na comple­xidade da natureza de fronteira. Essas for­mas humorísticas eram
humana e o imbuem de coragem moral. encontradas em muitas regiões de fronteira — no
O romance também dramatiza o ideal de Twain “velho Sudoeste” (hoje, o interior do Sul e baixo
de uma comunidade equilibrada: “O que você mais Meio-Oeste), na fronteira das minas e na costa
quer, numa balsa, é que todos estejam satisfeitos e do Pacífico. Cada região tinha suas personagens
se sin­tam bem e gene­rosos para com os outros”. pitorescas, sobre as quais se contavam as histórias:
Co­mo o navio Pequod, de Mel­ville, a balsa afunda Mike Fink, ar­ruaceiro das barcas do Mis­sissipi;
e, com ela, aquela comu­ni­dade especial. O mun­ Casey Jo­nes, corajoso engenheiro das ferrovias;
do puro e simples da balsa acaba domi­nado pelo John Henry, afro-americano durão; Paul Bunyan,
progres­so — o bar­co a vapor — mas a imagem mítica le­nhador gigante cuja fama foi promovida pela
do rio per­ma­nece, vasta e mutante como a própria pu­blicidade; Kit Carson, que combatia os ín­dios,
vida. e Davy Crockett, batedor, ambos do oeste. Seus
A relação instável entre realidade e ilusão é o feitos foram exagerados e acentuados em baladas,
tema característico de Twain, a base para mui­to do jornais e revistas. Às vezes, como acon­te­ceu com
seu humor. O rio, magnífico mas engano­so, sempre Kit Carson e Davy Crockett, as his­tórias eram reu­
em mutação, é também o principal ele­mento de nidas em forma de livro.
sua criativa paisagem. Em Life on the Mississippi Twain, Faulkner e muitos outros escritores, particu­
[Vida no Missis­sipi], Twain relembra seu treina­ larmente do Sul, devem muito aos hu­mo­ristas de
mento como jovem piloto de barco a vapor e diz: fron- teira pré-Guerra Civil, como Johnson Hooper,
“Passei a tra­balhar ago­ra em conhecer a forma do George Washington Harris, Au­gustus Longstreet,
rio; de todas as coi­­sas evasivas e inalcançáveis que Thomas Bangs Thorpe e Joseph Baldwin. Deles e
um dia tentei compreender ou agarrar, essa foi a do pessoal da fron­tei­ra ameri­cana veio a prolife­
mais difícil.” ração de no­vas pa­lavras cô­micas: “absquatulate”
O senso moral de Twain, como escritor, ecoa (sair), “flabbergasted” (impressionado), “rampa-
sua responsabilidade, como piloto, de con­­duzir o gious” (in­dis­ciplinado, turbulento). Os fanfarrões
barco para a segu­rança. O pseudônimo de Samuel locais, ou “ring-tailed roarers” que alegavam ser
Clemens, “Mark Twain”, é a expressão que os bar­ me­tade cavalo, metade jacaré, também res­sal­tavam
queiros do Mississipi usavam para indicar 2 braças a energia incontida da fronteira. Eles tiravam for­ça
(3,6 metros) de água, o nível mí­­nimo exigido para de perigos naturais que aterrori­zariam ho­mens
a passagem segura de um barco. O propósito sério menos valentes. “Sou um ver­da­deiro fura­cão,”
de Twain, aliado a um raro gênio para o humor e gabava-se um, “duro co­mo a nogueira e com fôlego
estilo, mantêm seu texto atraente e sempre atual. do vento noroeste. Eu soco como a ár­vore que cai
e cada golpe abre um rom­bo na turba que deixa
HUMOR E REALISMO DA FRONTEIRA entrar um acre de sol.”
Duas importantes correntes literárias na América
do século 19 se fundem em Mark Twain: o humor COLORISTAS LOCAIS
popular da fron­teira e a cor local ou ‘regionalismo’. Como o humor de fronteira, a literatura colorista
Tais a­bor­dagens lite­rárias correlatas surgiram por local tem raízes antigas, mas pro­­du­ziu suas me­
volta de 1830 — e tinham raízes ante­rio­res na tra­ lhores obras bem depois da Guerra Civil. É claro
dição oral local. Nas cidades rudes de fron­teira, que muitos escritores pós-Guerra, de Henry David
nas barcas, garimpos, rodas de cau­bóis em torno Thoreau e Natha­niel Hawthorne a John Greenleaf
da fogueira, longe dos diver­timentos das cidades, Whittier e James Russell Lowell, pintam retratos
floresceu a arte de contar histórias. Exageros,
51
notáveis de certas regiões america­ Orr’s Island [A Pérola da Ilha de
nas. O que dis­tin­gue os coloristas é Orr] (1862) que retrata humil­d es
seu inte­res­se consciente e exclu­sivo comunidades pesquei­ras do Maine,
em re­pro­duzir um lugar e a téc­nica exerceram grande influên­cia sobre
es­cru­pulosamente factual e realista. Jewett. As escrito­ras do século 19
Bret Harte (1836-1902) é lem­bra­ formavam suas próprias redes de
do como o autor de aventu­ras como apoio moral e influência, como re­ve­­
The Luck of Roaring Camp [A Sor­te lam suas cartas. As mu­lheres eram os
do Campo do Agito] e The Outcasts principais lei­tores de ficção e muitas
of Poker Flat [Os Margi­nais de Poker escreveram romances, poemas e
Flat], ambientados nas minas do peças humo­rís­ticas po­pu­lares.
Oes­te. Como primei­ro grande su­ Todas as regiões do país celebra­­ram
cesso da escola de co­lo­­ristas locais, a si mesmas em obras literá­rias influen­
Harte foi talvez, por algum tempo, o ciadas pela cor local. Al­gumas delas
es­cri­­­tor mais co­nhe­­cido na Amé­rica incluíam pro­testos so­ciais, sobretudo
— tamanha a popula­ridade de sua ao fim do século, quan­do desi­gual­dade
versão roman­tizada do Oeste, onde social e difi­cul­da­des eco­nô­micas se
todos anda­vam armados. Aparen­te­ tornaram ques­tões pre­men­tes. Injus­tiça
mente rea­lis­ta, foi um dos pri­mei­ros racial e desi­gual­dade entre sexos apa­
a intro­duzir perso­na­gens menos no­ recem nos traba­lhos de escritores su­
bres — jogadores astu­tos, prostitutas listas como George Washington Cable
espalhafatosas e ladrões rudes — em (1844-1925) e Kate Chopin (1851-1904),
obras lite­rárias sérias. Conse­guiu cujos poderosos ro­man­­ces, passa­dos
sair-se bem (como o ti­nha fei­to, na na Luisiana fran­­­cesa, trans­cen­dem o
Inglaterra, Charles Dickens, que ad­ rótulo de cor local. The Grandissimes
mirava muito o trabalho de Har­te) ao (1880) de Ca­ble de­sen­volve o tema
mos­trar, no final, que es­ses su­postos da in­jus­tiça racial com grande virtuo­
párias tinham na rea­li­­da­de corações si­d ade; como The Awakening [O
de ouro. Des­per­tar] (1899) de Kate Chopin, que
Várias escritoras são lembradas Sarah Orne Jewett trata da ten­­­ta­tiva malsucedida de uma
por suas boas descrições da Nova mu­lher de buscar sua iden­ti­dade nu­ma
Ingla­ter­ra: Mary Wilkins Freeman paixão, estava à frente de sua época.
(1852-1930), Harriet Beecher Stowe Em The Awakening, uma jovem casa­
(1811-1896) e especial­men­te Sarah da, com lindas cri­an­ças e um marido
Orne Jewett (1849-1909). A originali­ bem-sucedido e indulgente, abandona
dade de Jewett, suas ob­ser­vações pre­ família, di­nhei­ro, respeitabilidade e
cisas das perso­na­gens e cenário do even­tual­­mente a vida na busca da
Maine e seu estilo sen­sível sobressa­ auto-realização. Evoca­ções poéti­cas
em de for­ma especial no conto “The do oce­ano, pás­saros (pre­sos e livres)
White Heron” [A Gar­ça Branca], de e música dotam esse curto roman­ce de
Country of the Poin­ted Firs [Terra dos inten­sidade e com­plexidade inusitadas.
Pinhei­ros Pon­tia­gudos] (1896). As The Awakening é freqüente­men­te
obras coloristas de Har­riet Beecher comparado a “The Yellow Wallpaper”
Stowe, especialmente The Pearl of Foto © The Bettmann Archive [Papel de Parede Ama­­­relo] (1892),

52
ótimo conto de Charlotte Perkins in­vés do sucesso sem ética. Si­las
Gilman (1860-1935). Ambas estavam Lapham é, como Huckleberry Finn,
es­­que­cidas, mas fo­ram redescobertas uma história de insucesso: o fracasso
por críticos literá­rios feministas, já empresa­rial de Lapham corres­ponde
no final do século 20. Na história de à sua ascensão moral. No fim da vida,
Gilman, um médico condescendente Howells, do mesmo modo que Mark
leva sua mulher à loucura, confinan­ Twain, tornou-se cada vez mais ativo
do-a num quarto para “curá-la” de em causas po­líticas, defendendo os
um esgotamento nervoso. A mulher di­reitos dos organizadores de sindi­
a­pri­­sionada projeta sua clausura no catos e de­plo­rando o colonia­lismo
papel de parede, em cujo de­se­nho ameri­cano nas Filipinas.
vê mulheres aprisio­na­das rastejan­do
atrás das grades. ROMANCISTAS COSMOPOLITAS
Henry James (1843 - 1916)
REALISMO DO MEIO-OESTE Henry James uma vez escre­veu
Por vários anos, o editor da importante que arte, especialmente a arte li­­­te­­­­
revista Atlantic Monthly, William Dean rária, “é o que dá vida, gera inte­resse
Howells (1837-1920), publicou o­bras e tem importância.” A fic­ção e crítica
realistas de cor local de Bret Harte, de James são as mais cons­cientes,
Mark Twain, George W. Cable e outros. sofisticadas e também as mais difíceis
Defensor do realis­mo, seus romances, de sua época. Junto com Twain,
co­mo A Modern Instance [Ins­tân­cia Mo­ James é consi­derado o maior ro­
der­na] (1882), The Rise of Silas Lapham mancista ameri­c ano da segunda
[As­cen­­são de Silas La­pham] (1885) e metade do século 19.
A Hazard of New Fortunes [O Ris­co James é conhecido por seu “te­ma
de Novas For­tunas] (1890) en­tre­la­çam internacional” — ou seja, as com­­plexas
com cui­dado cir­cuns­tân­cias sociais relações entre ame­rica­nos ingênuos
e emo­ções do ame­­ricano co­mum de e europeus cos­­­mopo­litas. A fase que
clas­se mé­dia. seu bió­grafo, Leon Edel, classifica
Amor, ambição, idealismo e ten­ como primeira ou fase “interna­cional”
tação movem suas persona­gens. engloba obras co­mo Transatlantic
Howells era profundamente cons­cien­ Harriet Sketches [Im­pressões Tran­sa­ ­tlân­ticas]
Beecher Stowe
te da corrupção moral dos mag­natas (1875), The American [O Americano]
dos Anos Dourados da dé­cada de (1877), Daisy Miller (1879) e uma
1870. Em The Rise of Silas Lapham, obra-prima, The Portrait of a Lady [O
Howell usa um título irônico para Re­trato de Uma Dama] (1881). Em The
ressaltar seu pro­pósito. Silas Lapham American, por exemplo, Christopher
torna­ra-se rico fraudando um velho New­man, ingê­nuo mas inteli­gente e
só­cio nos negócios. Seu ato imoral idealista industrial milionário que se
per­tur­bou muito sua famí­lia, embo­ra fez sozinho, vai à Europa à procura de
por anos o próprio Lapham tenha uma noi­va. Quando a família desta o
sido inca­paz de perceber que agira re­jeita, por sua falta de antecedentes
mal. No fim, Lapham é moralmen­te aris­to­crá­ticos, ele tem a oportu­ni­dade
redi­mi­do ao escolher a falência, ao Foto © The Bettmann Archive de se vingar; ao decidir não fazê-lo,

53
revela sua superio­ridade moral. pecaram.

A
segunda fase de James foi expe­
rimental. Explorou novos temas Edith Wharton (1862 - 1937)
— feminismo e re­­forma social Como James, Edith cresceu em
em The Bostonians [Os Bostonianos] parte na Eu­ro­pa e aca­bou por lá re­si­dir
(1886) e intrigas políticas em The perma­nente­mente. Descen­dia de famí­
Princess Sasa­massima [A Princesa lia rica, estabelecida na sociedade de
Sasamas­sima] (1885). Tentou também Nova York, e assis­tiu, em pri­meira mão,
es­cre­­ver para o teatro, mas fracassou ao declí­nio des­se gru­po culto e, no seu
terrivelmente quando sua peça Guy pon­­to de vista, à as­cen­são de famí­lias
Domville (1895) foi vaiada na noite de em­pre­sá­rios nou­veaux-riches incul­
de estréia. tos. Es­sa mudança social é cenário de
Em sua terceira ou ‘principal’ fa­se, mui­tos de seus romances.
James voltou aos temas inter­na­cionais, Como James, Wharton contrasta
mas tratou-os com cres­cen­­te sofistica­ americanos e europeus. O cer­ne de
ção e penetração psi­cológica. Datam sua preocupação é o abismo entre
dessa fase: The Wings of the Dove [As realidade social e o ser inte­rior. Não
Asas do Pom­bo] (1902), obra complexa raro, uma persona­gem sen­sível sen­
e qua­se mítica; The Ambassadors [Os te-se aprisionada por persona­gens
Embaixadores] (1903), consi­derado ou forças sociais in­sen­síveis. Edith
por James seu me­lhor romance, e The Wharton havia pas­­sado por tal ex­
Golden Bowl [O Vaso Dourado] (1904). periência de apri­sionamento como
Se o tema central da obra de Twain é jovem escritora, tendo um prolonga­
apa­rên­cia e realidade, a preocu­pação do esgota­men­to nervoso, em parte
cons­tan­te de James é com a per­cep­ devido ao con­fli­to entre seus papéis
ção. Nele, só a autocons­ciên­cia e uma de escritora e esposa.
cla­ra per­cep­ção dos outros pode gerar Entre os melhores romances
sabe­doria e amor de abnega­ção. Com de Whar­­ton estão: The House of
seu amadurecimento, os ro­mances de Mirth [Casa da Alegria] (1905), The
James se tornaram mais psicológicos Custom of the Country [O Costume
e me­nos preocu­pa­dos com eventos da Terra] (1913), Summer [Ve­rão]
exter­nos.Em suas últimas obras, os Henry James (1917), The Age of Innocence [A Era
even­tos mais importantes são todos da Inocência] (1920) e a linda novela
psicológicos — geral­men­te momentos Ethan Frome (1911).
de inten­sa per­cep­ção, que revelam às
per­so­na­gens sua cegueira anterior. NATURALISMO E
Por exem­plo, em The Ambassadors, DENÚNCIA (MUCKRAKING)

A
Lam­bert Strether, idealista de certa s dissecações das motivações
idade, desvenda um caso amoroso sexuais e financeiras ocultas na
secreto e, ao fazê-lo, descobre nova sociedade de Whar­ton e James
comple­xidade em sua vida interior. os ligam a escri­to­res que na superfície
Sua moralidade rígida, hon­rada, se parecem muito diferen­tes: Stephen
humaniza e amplia à medida que des­ Fotogravura, cortesia Crane, Jack Lon­don, Frank Norris,
National Portrait Gallery.
cobre a capacidade de acei­tar os que Smithsonian Institution Theo­dore Dreiser e Upton Sinclair.

54
Como os romancis­tas cosmopoli­tas, ralismo apareceu inicialmente na
mas mais ex­plici­tamente, os natura­lis­ Europa. Geralmente é remontado às
tas usa­ram o realismo pa­ra relacio­nar obras de Honoré de Balzac, na déca­
o indi­víduo à so­cie­da­de. Fre­qüen­ da de 1840, e visto como movi­mento
te­men­te, denuncia­vam pro­ble­­mas literário francês associado a Gustave
sociais e eram in­flu­encia­dos pelo Flaubert, Edmond e Ju­les Goncourt,
pensa­men­to dar­wi­niano e a dou­trina Émile Zola e Guy de Maupassant.
filo­sófica afim do de­ter­­mi­nismo, que Audaciosamente re­ve­­lou o lado
vê o indiví­duo como joguete impo­ sórdido da sociedade e temas como
tente de for­ças eco­nômicas e so­ciais divórcio, sexo, adul­tério, pobreza e
além de seu con­trole. crime.
Naturalismo é, em essência, ex­ O Naturalismo floresceu quando
pressão literária do deter­minis­mo. os americanos se tornavam urba­nos e
Associado a descrições áridas e rea­ conscientes da im­portância das gran­
listas da vida da classe baixa, o de­ter­ des forças eco­nômicas e so­ciais. Em
minismo nega a reli­gião como for­ça 1890, as fronteiras fo­ram oficialmente
motivadora no mun­do e, em vez disso, declaradas fecha­das. A maioria dos
percebe o universo como máquina. Os ame­rica­nos mo­rava em cidades e os
iluministas do século XVIII tam­bém negó­cios do­mi­navam até mesmo as
imaginaram o mun­do como máquina, fazendas remotas.
só que perfeita, inventada por Deus
e caminhando para o pro­gresso e o Stephen Crane (1871 - 1900)
aprimora­men­to humano. Já os natura­ Stephen Crane, nascido em New
listas ima­ginavam a sociedade como Jersey, tinha em sua linhagem sol­dados
uma máqui­na cega, sem Deus e fora revolucionários, clérigos, xerifes, juizes
de controle. e fazendeiros que viveram um século
O historiador americano do sé­culo antes. Basica­mente um jornalista que
19, Henry Adams, cons­truiu uma também escrevia fic­ção, ensaios,
sofisticada teoria da história, que en­ poesias e peças dramáticas, Crane
volve a idéia de dína­mo, ou força de encarava a vida nua e crua, em favelas
máquina, e entro­pia, ou desgaste de e campos de batalha. Seus contos —
força. Ao invés de pro­gresso, Adams Stephen Crane em particular, “The Open Boat” [O
vê o de­clínio inevi­tável da sociedade Barco Aberto], “The Blue Hotel” [O
hu­ma­na. Hotel Azul] e “The Bride Comes to
Stephen Crane, filho de clé­rigo, Yellow Sky” [A Noiva Vem Para o Céu
expôs de forma sucinta a per­da de Amarelo] — exemplificam sua forma
Deus: literária. Seu pun­gente romance da
Guerra Civil, The Red Badge of Courage
Um homem disse para o universo: [A Insígnia Vermelha da Coragem],
“Senhor, eu existo!” foi publicado e muito aclamado em
“Entretanto”, respondeu o universo, 1895, mas ele pouco gozou da fama
“Esse fato não criou em mim antes de morrer aos 29 anos, por ter
Um sentido de obrigação”. negligenciado a saúde. Pratica­mente
Foto, cortesia da Biblioteca do
Congresso esquecido durante as primeiras duas
Como o Romantismo, o Natu­ décadas do século 20, foi redescoberto
55
através de uma biografia laudatória por Thomas Beer, mar. Como muitos dos melhores romances de sua
em 1923. Desde então, vem sendo muito lido — como época, Martin Eden é uma história de insucesso.
defensor do homem comum, realista e simbolista. Prefigura The Great Gatsby [O Gran­de Gatsby], de

M
aggie: A Girl of the Streets [Maggie: Uma F. Scott Fitzgerald, ao revelar o desespero em meio
Moça das Ruas] (1893) de Crane é um à grande riqueza.
dos me­lho­res senão o primeiro romance
americano naturalista. É a história an­gustiante de Theodore Dreiser (1871 - 1945)
uma jovem pobre e sensível cu­jos pais, ignorantes A obra de 1925, An American Tragedy [Uma
e alcoólatras, a deixam no desamparo. Apaixona­ Tragédia Ame­ricana] de Theodore Dreiser, co­mo
da e ansiosa por escapar da vida familiar violenta, Martin Eden de London, explora os peri­gos do sonho
deixa-se seduzir e vai viver com um jovem, que americano. O romance relata, com detalhes, a vida
logo a abandona. Quan­do sua mãe farisaica a de Clyde Griffiths, ra­paz de von­tade fraca e limitada
rejeita, Maggie se torna prostituta para sobreviver, consciência de si pró­prio. É criado na po­breza, nu­ma
mas logo se suicida em deses­pero. Seu tema mun­ família de evan­ge­lizadores itine­rantes, mas sonha
dano e es­tilo cien­tífico e objetivo, sem moralismo, com a riqueza e o amor de lin­das mulhe­res. Um tio
definem Maggie como uma obra naturalista. ri­co o emprega em sua fábrica. Quando sua na­mora­
da Roberta fica grávida, exige que ele se ca­se com
Jack London (1876 - 1916) ela. Nesse interim, Clyde se apai­xona por rica mo­ça
Trabalhador pobre e autodidata da Califór­nia, o de sociedade, que repre­senta su­cesso, di­nheiro e
naturalista Jack London se viu içado da pobre­za à aceitação social. Ele planeja cuida­dosamente afo­
fama por sua primeira coletânea de histó­rias, The gar Roberta num passeio de bar­co, mas, no último
Son of the Wolf [O Filho do Lobo] (1900), passadas minuto, muda de idéia; ela, porém, cai do barco
sobretudo na região Klondike, do Alasca, e no aci­den­talmen­te. Clyde, bom nadador, não a sal­va e
Yukon canadense. Outros suces­sos, como The ela se a­fo­­ga. Quando ele vai a julgamen­to, Dreiser
Call of the Wild [Apelo do Ins­­tinto] (1903) e The re­conta sua história no sentido in­ver­so, usando magis­
Sea-Wolf [O Lobo do Mar] (1904) fizeram dele o tralmente as posições dos advogados de acusação e
mais bem pago escritor de sua época, nos Estados defesa para analisar cada passo e motivo que levaram
Unidos. o pacato Clyde, com forte bagagem religiosa e boas
O romance autobiográfico Martin Eden (1909) co­nec­ções familiares, a cometer ho­mi­cídio.

N
revela as tensões interiores do sonho america­ ão obstante seu estilo canhestro, Dreiser,
no, como experimentado por London, quando em An American Tragedy, revela autoridade
ascendeu vertiginosamente da pobreza e do esmagadora. Seus deta­lhes precisos criam
desconhecimento para a riqueza e a fama. Eden, uma sensação avas­saladora de trágica inevita­bi­
marinheiro e operário inteligente e tra­ba­lhador, lidade. O romance é o retrato con­­­tundente do mito
embora pobre, resolve tornar-se es­cri­tor. Com o de sucesso ame­ricano que azedou, mas tam­bém
tempo, sua literatura o torna rico e famoso, mas é uma história universal das tensões decorrentes
Eden vê que a mulher por ele amada só se interessa da urbani­za­ção, mo­der­­ni­zação e alienação. Ne­le
pelo dinheiro e a fama. Seu desespero ante sua estão presentes as fantasias ro­mân­ticas e perigosas
incapacidade de amá-lo termina por desiludí-lo da dos espolia­dos.
na­tu­reza humana. Também sofre de alienação de An American Tragedy reflete a insatisfação, a inveja
classe, já que não pertence mais à classe trabalha­ e o desespero que afligiam muitos pobres e traba­
dora en­quanto rejeita os valores mate­rialistas da lha­dores na sociedade americana marcada pela com­
classe rica, que tanto se esforçara por integrar. Ele petição e voltada unicamente para o sucesso. Com
parte para o Pacífico Sul e se suicida, jogando-se ao a expansão do poderio industrial americano, a vida

56
cintilante dos ri­cos, retratada em jornais do de William Dean Howells, é uma
e foto­gra­fias, contrastava nitidamente galeria de re­tra­tos de gente comum.
com a vida insípida dos agricultores e Descreve de modo chocante a po­
trabalhadores urbanos comuns. A mí­ breza dos fa­zen­deiros do Meio-Oeste,
dia alimentava expectativas gran­diosas que exi­­giam reformas agrícolas. O
e desejos exorbitantes. Tais problemas, títu­lo sugere as muitas trilhas percor­
comuns às nações em modernização, ridas pelos valentes pioneiros para
fez surgir o jor­nalismo de denúncia Oeste e as estradas em­poeiradas das
de corrupção (“muckraking”) — re­ aldeias que funda­ram.
portagens jornalísticas investigativas Perto de Main-Travelled Roads
pene­tran­tes que documentavam os de Garland, está Wines­burg, Ohio,
pro­blemas sociais e deram impor­tante de Sherwood Anderson (1876-1941),
impulso à reforma social. iniciado em 1916. É uma co­le­tânea de
A grande tradição do jornalismo inves­ his­tórias sobre os ha­bi­tantes da cida­
tigativo americano teve início nesse de fictícia de Wi­nes­­burg, vistas pelos
período, em que revistas na­cionais, olhos de um jo­vem repórter ingênuo,
como McClures e Collier’s, publicaram George Willard, que um dia vai em­
a History of the Standard Oil Company bora em busca de fortuna na cida­de
[His­­tória da Empresa Standard Oil] grande. Como Main-Travelled Roads e
(1904) de Ida M. Tarbell, The Shame ou­tras obras natura­listas, Winesburg,
of the Cities [A Vergonha das Cidades] Ohio enfati­za a pobreza re­sig­na­da,
(1904) de Lincoln Steffens e outras solidão e desespero nas ci­da­dezi­nhas
denúncias sérias. Romances de de­ da América.
núncia usavam técni­cas jornalís­ticas
chamativas para retratar du­ras con­ A “ESCOLA DE CHICAGO” DE
dições de trabalho e opres­são. Frank POESIA

T
Norris, autor populista de The Octopus rês poetas do Meio-Oeste, cria­
[O Polvo] (1901), expôs grandes dos em Illinois e que comparti­
empresas ferroviá­rias enquanto The lhavam a preocupação do meio­
Jun­gle [A Selva] (1906) do socialista -oeste com as pessoas co­muns são
Upton Sinclair, pintava a sordidez das Carl Sandburg, Vachel Lindsay e Edgar
Theodore Dreiser Lee Masters. Sua poesia cos­tu­ma
casas de em­pacotamento de carne de
Chicago. A distopia de Jack London, tratar de indivíduos des­conhecidos;
The Iron Heel [O Cal­ca­nhar de Ferro] desenvolveram téc­nicas — realismo,
(1908), prefigura 1984 de George interpretações dra­má­ticas — que alcan­
Orwell que prevê uma guerra de classe çaram um número maior de leito­res.
e a derru­ba­da do governo. Integram a Escola do Meio-Oeste, ou
Outra resposta mais artística foi o Chi­ca­go, que surgiu antes da I Guerra
retrato realista, ou grupo de re­tra­tos, Mun­dial, para desafiar o domínio
de per­sonagens comuns e suas vidas literário da costa leste. A “Renas­cença
in­te­riores frustradas. A coletânea de Chicago” foi um divisor de águas
de histórias Main-Travelled Roads na cultura americana: demonstrou que
[Estradas Mais Viaja­das] (1891) de o interior do país havia amadurecido.
Hamlin Garland (1860-1940), protegi­ Foto © The Bettmann Archive

57
Edgar Lee Masters (1868 - 1950) ...(e) can­tar todo dia.”
Na virada do século, Chicago já se trans­formara Um bom exemplo de seus temas e estilo à moda
numa grande cidade, com inova­do­ra ar­qui­tetura e de Whitman e o poema “Chicago” (1914):
coleções de arte cosmopo­litas. Chi­cago era tam­
bém a cidade de Poetry, de Harriet Monroe, a mais Açougueiro de Porcos para o Mundo,
importante revista literária da época. Artífice de Ferramentas, Empilhador de Trigo,
Entre os poetas con­temporâneos intrigantes que Jogador com as Estradas de Ferro e os
a revista publicava estava Edgar Lee Masters, autor Transportadores de Carga da Nação;
do audacioso Spoon River Antho­logy [Antologia de Tempestuosa, robusta, barulhenta,
Spoon River] (1915), com seu novo estilo coloquial Cidade dos Ombros Largos...
“não-poético”, franca apresentação do sexo, visão
crítica da vida pro­vinciana e a vida interior intensa­ Vachel Lindsay (1879 - 1931)
mente imagi­nada das pessoas comuns. Vachel Lindsay era um celebrante do popu­lis­mo
Spoon River Anthology é uma coleção de retratos da cidadezinha do Meio-Oeste e criador de poesia
apresentados como epitáfios colo­quiais, resumindo rítmica e forte, criada para ser decla­mada em voz
a vida dos habitantes como que em suas próprias alta. Seu trabalho cria um elo cu­rio­so entre as for­
palavras. Apresenta o pano­rama de uma vila do mas populares, ou folclóri­cas, de poesia, como as
interior a partir de seu cemitério: 250 pessoas lá músicas gospel cristãs e os espatáculos de variedades
enterradas falam, revelando seus segredos mais vaudeville (tea­tro popular) e, de outro lado, a poética
profundos. Mui­tas delas são aparentadas; membros mo­der­nista avançada. Tendo sido um declamador
de cerca de 20 famílias falam de seus fracassos extrema­men­te popular em sua época, as lei­turas de
e sonhos em monólogos de verso livre, que são Lindsay prefiguram leituras de poe­sia “Beat”, surgidas
surpreen­dentemente modernos. após a II Guerra Mundial, que eram acompanhadas
Carl Sandburg (1878 - 1967) por jazz.
Um amigo disse certa vez: “Tentar escrever Para popularizar a poesia, Lindsay desenvolveu
sucintamente sobre Carl Sandburg é como ten­tar o que ele chamou de espetáculo de variedades em
captar o Grand Canyon em uma única foto em preto al­to ní­vel (“higher vaudeville”), u­san­­­do música e
e branco”. Poeta, historiador, biógrafo, romancista, ritmos fortes. Ra­cista, pelos padrões atuais, seu
músico, ensaísta — Sandburg, fi­lho de um ferreiro fa­moso poema “The Congo” [O Con­go] (1914)
de estrada de ferro, era tudo isso e mais. Jornalista celebra a história dos afri­canos misturando jazz,
por profissão, escreveu uma biografia monumental poesia, mú­sica e cantilenas. Ao mesmo tem­po,
de Abraão Lincoln, que é uma das obras clássicas imortalizou figuras do ce­nário americano como
do século 20. Abraham Lincoln (“Abra­ham Lincoln Walks at
Para muitos, Sandburg foi um Walt Whitman mo­ Midnight” [Abraão Lincoln Caminha à Meia-Noite])
derno, escrevendo poemas urbanos e patrió­ticos e John Chapman (“Johnny Appleseed”) [Johnny
evocativos, expansivos, e rimas e baladas simples, Se­mente de Maçã], fre­qüen­­temente incorporando
infantis. Viajou muito, recitando e gra­van­do suas mitos aos fatos.
poesias numa voz cadenciada e tom melífluo, que
parecia um tipo de canto. No fun­do, era totalmente Edwin Arlington Robinson (1869
despretensioso, ape­sar da fa­ma nacional. O que - 1935)
queria da vida, dis­se certa vez, era “ficar fora da Edwin Arlington Robinson é o melhor poeta
cadeia... comer regular­mente... conseguir publicar americano do final do século 19. Como Edgar Lee
o que escre­vi... um pouco de amor em casa e uma Masters, é conhecido por seus curtos e irônicos es­
gostosa afeição aqui e ali na paisagem americana, tudos de per­sonalidade de pessoas comuns. Mas

58
Robinson, diferentemente de Masters, Tragedy e The Great Gatsby, como
usa a métrica tradicional. A cidade poderoso aviso contra os perigos do
imaginária de Tilbury Town [Cidade mito em torno do su­cesso exagerado
do Tílburi], criada por Robinson, é que atormentou os americanos que
semelhante à cidade de Spoon River viveram na era dos milionários.
de Masters, em que as pessoas vivem
um desespero contido. DUAS ROMANCISTAS
Alguns dos monólogos dramáticos REGIONALISTAS

A
mais conhecidos de Edwin Robinson s romancistas Ellen Glasgow
são “Luke Havergal” (1896), sobre (1873-1945) e Willa Cather (1873-
um aman­te abandonado; “Miniver 1947) exploraram a vida das
Cheevy” (1910), retrato de um so­ mulheres, colocando-as em cenários
nhador romântico; e “Richard Cory” regionais brilhante­mente evocados.
(1896), retrato sombrio de um ho­ Nenhuma das duas buscou abordar
mem rico que se suicida: temas femi­nistas especificamente;
Sempre que Richard Cory ia à cidade, seus pri­mei­ros trabalhos geralmente
Nós, pessoas na calçada, olhávamos gira­vam em torno de protagonistas
para ele: mas­culinos. Só quando adquiriram
Era um cavalheiro, dos pés à cabeça, confiança e maturidade artística é que
Bem apessoado e imperialmente passaram a retratar a vida de mulhe­
delgado, res. Glasgow e Cather só po­dem ser
tidas como ‘escritoras fe­mininas’ num
E sempre vestido discretamente, sentido descritivo, pois suas obras são
E sempre humano em suas conversas; difíceis de cate­gorizar.
Mas ainda fazia palpitar os corações Glasgow era de Richmond,
quando dizia, Virgínia, a velha capital dos Estados
“Bom dia”, e resplandecia quando Confederados do Sul. Seus romances
passava. realistas examinam a transformação do
Sul de uma economia rural para uma
E era rico — sim, mais rico que um rei — industrializada. As obras da maturi­
E admiravelmente instruído nas boas Willa Cather dade, como Virginia (1912), enfocam
maneiras: a experiência su­lis­ta, enquanto os
Enfim, achávamos que ele era tudo romances posteriores, como Barren
Para nos fazer desejar estar em seu lugar. Ground [Ter­ra Estéril] (1925), — reco­
nhecidamente seu melhor tra­ba­lho
Então, continuávamos trabalhando e — dramatizam a tentativa, por parte de
aguardando a luz, mulheres talentosas, de romper o claus­
E passávamos sem carne e amaldiçoá­ trofóbico código sulista tradicional, que
vamos o pão; impõe à mu­lher a vida doméstica, a
E Richard Cory, numa bela noite de verão, devoção religiosa e a dependência.
Foi para casa e deu um tiro na cabeça. Cather, também da Virgínia, foi
criada nas planícies de Nebrasca,
“Richard Cory” ocupa seu lugar
ao lado de Martin Eden, An American Foto, cortesia OWI

59
entre imigrantes pioneiros — mais no Estado de Vir­gínia. Sua bela e sim­
tarde imortalizados em O Pioneers! ples auto­biografia, Up From Slavery
[Pioneiros!] (1913), My Antonia [Mi­ [Saindo da Es­cra­vidão] (1901), narra
nha Antonia] (1918) e seu conhe­cido sua bem-sucedida luta para vencer na
conto “Neighbour Rosicky” [O Vizinho vida. Tornou-se conhecido por seus
Rosicky] (1928). Ao longo de sua esforços em prol de uma vida melhor
vida, sen­tiu-se cada vez mais alienada para os afro-americanos. Sua política
do materialismo da vida moderna e de conciliação com os brancos —
escreveu sobre visões alternativas no tentativa de integrar os ame­ricanos
Sudoeste americano e no pas­sado. Seu negros recém-libertos à sociedade
livro, Death Comes for the Archbishop ame­ricana — foi esboçada em seu
[A Morte Chega para o Arcebispo] famoso Atlanta Exposition Address
(1927), evoca o ide­al­ismo de dois [Discurso na Exposição de Atlanta]
padres do século 16 que levam a igreja (1895).
católica ao deserto do Novo México. As
obras de Cather comemoram aspectos W.E.B. du Bois (1868 - 1963)
importantes da experiência americana Nascido na Nova Inglaterra e for­
fora da corrente literária principal — o mado pelas universidades de Harvard
pioneirismo, o estabelecimento da reli­ e de Berlim (Alema­nha), W.E.B. Du
gião e a vida independente de mulheres. Bois foi o autor de “Of Mr. Boo­ker
T. Washington and Others”[Sobre o
ASCENSÃO DA LITERATURA Sr. Booker T. Washington e Outros],
AMERICANA NEGRA ensaio depois incluído naquele livro

A
concretização do potencial que viria a ser um marco em sua vida,
literário afro-americano foi The Souls of Black Folk [As Almas
um dos fenômenos mais mar­ de Pessoas Negras](1903). DuBois
cantes do período que se se­guiu à demonstra com todo o cuidado que,
Guerra Civil. Nas obras de Booker T. apesar de suas inúme­ras realizações,
Washington, W.E.B. Du Bois, James Washington havia, efetivamen­te, aceito
Weldon Johnson, Charles Waddell a segregação — isto é, o tratamento
Chesnutt, Paul Laurence Dunbar e separado e desigual de americanos
outros, vemos a consolidação das Booker negros — e que tal segregação resulta­
T. Washington
raízes da lite­ratura americana negra, ria inevitavel­mente na inferiorização
sobretudo na forma de autobiogra­ dos negros, sobretudo em termos
fias, textos de protesto, sermões, educacionais. Du Bois, um dos fun­da­
poesia e cânticos. do­res da Associação Nacional para a
Promo­ção de Povos Negros (National
Booker T. Washington Association for the Advancement of
(1856 - 1915) Colored People - NAACP), tam­bém
Booker T. Washington, educador escreveu textos que revelam sua sensi­
e líder negro mais importante de sua bi­lidade em relação às tradições e às
época, filho de um pai branco senhor culturas afro-americanas. Seu trabalho
de escravos e de uma es­cra­va, foi cria­ ajudou os inte­lec­tuais negros a redes­
do como escravo em Franklin County, Foto, cortesia Brown Brothers cobrirem a riqueza de sua literatura e

60
música popular. inclusive raça. Chesnutt freqüentemente revela a
­ força da comunidade negra e afirma valores éticos
James Weldon Johnson (1871 - 1938) e a solidariedade racial.
Assim como Du Bois, o poeta James Weldon 
Johnson inspirou-se na música dos spirituals afro­
-americanos. Seu poema “O Black and Unknown
Bards” [O! Bardos Negros e Desco­nhecidos] (1917)
faz a seguinte pergunta:

O coração de qual escravo derramou melodia


Como a de “Steal Away to Jesus”? Em seus acordes
Seu espírito deve ter flutuado livre à noite,
Ainda que sentisse as correntes em seu pulso.

Com antepassados brancos e negros, Johnson


explorou a questão complexa da raça em seu
Autobiography of an Ex-Colored Man [Autobiografia
de um Ex-Negro] (1912), obra de ficção sobre um
mestiço que “passa” por (é aceito como) bran­co.
O livro transmite de forma muito vívida a preo­
cupação do negro americano com a questão da
identidade na América.

Charles Waddell Chesnutt (1858 - 1932)


Charles Waddell Chesnutt, autor de duas
coletâneas de contos, The Conjure Woman [A
Mulher Feiticeira] (1899) e The Wife of His Youth
[A Mulher de Sua Juventude] (1899), e de vários
romances, inclusive The Marrow of Tradition [A
Essência da Tradição] (1901) e uma biografia de
Frederick Douglass, estava à frente de seu tempo.
Suas histórias lidam com temas raciais, mas evitam
finais previsíveis e o sentimento generalizado; suas
personagens são indivíduos distintos, com atitudes
com­plexas em relação a uma série de coisas,

61
CAPÍTULO
americanos estudavam em cursos su­periores — nos
anos 20, dupli­ca­ram as ma­trí­­culas em universidades.
A classe média pros­pe­­rou; os ameri­canos co­me­ça­

6
ram a ter a renda média na­cio­nal mais alta do mundo
nessa era e muitos adquiriram o maior símbolo de
status — o automóvel. O típico lar urbano ameri­cano
bri­lha­va com lâmpadas elétricas e se ga­bava do
rádio, que ligava a casa ao mundo exterior, e até
MODERNISMO E
de um tele­fone, máquina foto­gráfica, de datilo­grafia
EXPERIMENTAÇÃO: ou de costura. Como o empresá­rio protagonista de
1914-1945 Babbitt (1922), ro­mance de Sinclair Lewis, o ameri­
cano médio apro­vava essas máquinas porque eram

M
uitos historiadores caracterizam os anos moder­nas, mas prin­cipalmente porque a maioria foi
entre as duas grandes guerras como o inventada e produzida nos Estados Unidos.
período “traumático” em que os Estados Os americanos dos incríveis anos 20 se apai­
Unidos atingiram a maio­ridade, ape­­sar do envol­ xonaram por outras diversões modernas. A maio­ria
vimento relativamente breve (1917-1918) e baixas ia ao cinema uma vez por semana. Em­bora a Lei
muito menores que a dos aliados e inimigos Seca — o bani­mento nacional da produção, trans­
europeus. John Dos Pas­sos ex­pres­sou a desi­lusão por­te e ven­da de álcool instituí­da pela 18ª Emen­da
pós-guerra da Amé­rica no ro­man­ce Three Soldiers à Consti­tuição ame­ricana — tenha iniciado em 1919,
[Três Sol­da­­dos] (1921), em que dizia que a civiliza­ prolife­ravam os bares clandes­tinos e as boates
ção era “vasto edi­fício de hipocrisia e a guer­ra, em apre­sen­tando jazz, coquetéis e ousados modis­mos
vez de sua ruí­­­na, era sua expres­­são mais plena e de roupa e dança. Dan­çar, ir ao cinema, passear
de­fi­niti­va”. Cho­cados e muda­dos para sem­pre, de auto­móvel e ouvir rádio torna­ram-se manias
os ame­ri­canos voltaram para casa, sem ja­mais nacio­nais. As mulhe­res ameri­canas, em par­ticular,
recupe­rar a inocência. sentiam-se libe­radas. Mui­tas haviam deixado fa­
Nem soldados da América rural po­diam voltar zendas e vilas para cola­borar no esforço de guer­ra
às suas raízes com facilidade. De­pois de co­nhe­­cer nas cidades ame­ri­canas, na I Guerra, e estavam
o mundo, muitos ansiavam pela vida moderna, ur­ decididas a serem mo­der­nas. Cortavam os ca­be­
bana. Novas máquinas a­grí­co­las como semeadoras, los curtos, vestiam-se de me­lindrosas e exultavam
colheitadeiras e enfarda­dei­ras haviam reduzido a com o direito ao voto garantido pela 19ª Emenda à
procura por mão-de-obra no campo. Mas, apesar de Constituição, a­pro­vada em 1920. Expressavam com
produ­zirem mais, os fazendeiros estavam pobres. coragem suas opiniões e as­su­miam papéis públicos
Os preços das safras, como os salá­rios de ope­rários na sociedade.
ur­banos, dependiam das for­ças desen­freadas do mer­ Os jovens ocidentais se rebelavam, furiosos e
cado, sujeitas aos inte­res­­ses em­presa­riais: sub­­sídios desilu­didos com a guerra cruel, responsa­bi­lizando
do go­ver­no para agri­culto­res e sindicatos efici­en­tes a geração mais velha pelo conflito e a di­fícil situação
ainda não ti­nham sido cri­ados. “O principal negócio econômica pós-guerra, que, iro­ni­camente, permitia
do po­vo ame­ricano são os negócios”, proclamou, a americanos com dólares —como os escritores F.
em 1925, o Presi­dente Calvin Coolidge e a maio­ria Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Gertrude Stein
concor­dou. e Ezra Pound—vi­ver no exterior elegantemente com
No “Big Boom” do pós-guerra, os negócios flores­ pouco di­nheiro. Correntes intelectuais, sobretudo a
ceram e os bem-sucedidos enriqueceram mais do psi­cologia freudiana e, até certo ponto, o mar­xis­mo
que poderiam imaginar. Pela pri­meira vez, muitos (como a anterior teoria darwiniana da evo­lução),

62
envolviam uma visão do mun­do sem Deus e, desse america­nos es­tava sem emprego. A distri­bui­ção de
modo, con­tri­buíram para o des­mo­ronamento dos sopa, fa­­ve­las e exércitos de vaga­bun­dos (hobos) –
valores tradicionais. Os ame­ricanos no exterior de­sem­­­pre­gados viajando clandes­tinos em trens de
absorveram essas idéias e as trouxeram para a carga – torna­ram-se parte da vida nacional. Muitos
América, onde cri­a­­ram raí­zes, inflamando a ima­ viram a Depres­são como cas­tigo pelos pe­ca­dos
ginação de jo­vens escrito­res e artistas. William do ma­te­­rialismo excessivo e vida desre­grada. As
Faulkner, por exemplo, ro­man­cista ameri­ca­no, tem­pestades de areia que escu­reciam o céu do
empregou ele­mentos freu­dia­nos em todas as obras, Meio-Oeste, acre­ditavam, era julga­mento do Ve­lho
co­mo o fize­ram prati­camente todos os escritores Testamento: “redemoi­nhos de dia e escuri­dão ao
ameri­canos ficcio­nis­tas sérios após a I Guer­ra meio-dia.”
Mundial. A Depressão virou o mundo de cabeça para
Apesar da alegria exterior, modernidade e pros­­ baixo. Os Estados Unidos haviam pregado um
pe­ridade material sem par, os jovens ameri­canos evan­­­­gelho dos negócios nos anos 20. Ago­ra, vá­rios
dos anos 20 foram “a geração perdi­da”– assim cha­ americanos apoiavam um papel mais atu­an­te do
mados pela retratista literária Ger­trude Stein. Sem governo nos programas do New Deal do Presidente
estrutura tra­dicional está­vel de valores, o indivíduo Franklin D. Roosevelt. Re­cursos federais criaram em­
per­deu o sentido de sua identidade. A vida fami­liar pregos em obras pú­bli­cas, serviços de conservação
protetora e se­gu­­ra; a comunidade estável; os ritmos e ele­trificação ru­ral. Ar­­tistas e intelectuais foram
naturais eternos da natureza que guiam plantio pagos para cri­ar mu­rais e compêndios estaduais.
e colhei­ta na fazenda; o sentido confortador de Tais ações aju­da­ram, mas só o de­sen­­­volvimento
patrio­tis­mo; valores mo­rais incutidos por cren­ças industrial da II Guerra Mun­dial renovou a pros­
religiosas e observa­ções – tudo foi mi­na­do pela I peridade. Depois que o Japão atacou os EUA em
Guerra Mundial e seus desdobramen­tos. Pearl Harbor, em 7 de dezem­bro de 1941, estaleiros
Vários romances, como The Sun Also Rises [O e fábricas oci­o­sos ganharam vida, produ­zindo
Sol Também Se Levanta] (1926) de Heming­way e em mas­sa bar­cos, avi­ões, jipes e su­pri­mentos. A
This Side of Paradise [Este Lado do Pa­­raíso] (1920) produção e expe­ri­men­tação béli­cas levaram às
de Fitzgerald, evocam a extra­va­gân­cia e desilusão novas tec­nolo­gias, inclusive a da bomba nu­clear.
da geração per­dida. No longo e influente poema Teste­munha da pri­meira ex­plosão nu­clear, Robert
de T.S.Eliot, The Waste Land [A Terra Devastada] Oppen­hei­mer, chefe da equi­pe in­ter­na­­cional de
(1922), a civilização ociden­tal é simbolizada por cien­tistas nuclea­res, citou pro­fetica­mente um
um deserto árido em de­ses­pe­ro por chuva (reno­ poe­ma hin­du: “Tornei-me Morte, o destruidor de
vação espi­ritual). mun­dos.”
A Depressão mundial dos anos 30 afetou a
mai­oria da população americana. Trabalhado­res MODERNISMO

A
perderam empregos e fá­bri­cas fecha­ram; em­ grande onda cultural do modernismo que
presas e bancos faliram; agricultores, sem po­der emergiu gradualmente na Europa e nos
colher, trans­portar ou ven­der seus pro­dutos, não Estados Unidos no início do sécu­l o 20
puderam pagar suas dívidas e perde­ram as terras. expressou o sentido da vida moderna atra­vés da
As secas do Meio-Oeste transfor­­maram o “celeiro” arte como rompimento brusco com o pas­sado e
da Amé­rica num mon­te de areia. Fazendeiros as tradições clás­sicas da civilização ocidental. A
deixaram o Meio-Oeste para a Califórnia em busca vida moderna parecia radicalmente diversa da
de empregos, como vivi­damente descrito em The tradi­cional — mais científica, rápida, tecnológica
Grapes of Wrath [As Vinhas da Ira] (1939) de John e mecanizada. O modernismo abra­çou essas
Steinbeck. No au­ge da De­pressão, um ter­ço dos mu­­danças.

63
Na literatura, Gertrude Stein (1874-1946) de­ belas artes, aliada aos desenvolvimentos científicos
senvolveu um análogo à arte moderna. Re­si­dente da época. O fotógrafo Alfred Stieglitz abriu um salão
em Paris e colecionadora de arte (ela e o ir­mão em Nova York e, em 1908, estava expondo os traba­
Leo compraram obras de Cézanne, Gau­­­guin, lhos mais recentes da Europa, incluindo peças de
Renoir, Picasso e muitos outros), Stein expli­cou Picasso e outros ami­gos eu­ropeus de Gertrude Stein.
que ela e Picasso faziam a mes­ma coi­sa, ele na O salão de Stieglitz influenciou vários escritores e
arte e ela na li­te­ratura. Usan­do pala­vras simples artistas, inclu­­­sive William Carlos Williams, um dos
e concretas como contra-fortes, de­sen­volveu poetas americanos mais influentes do século 20.
uma poesia em prosa experimental e abstrata. A Williams cultivou uma clareza fotográfica da ima­
qualidade infantil do vocabu­lário simples de Stein gem. Seu slogan estético era: “nenhuma idéia a não
lembra as bri­lhantes cores primárias da arte mo­ ser nas coisas”.

A
derna, en­quan­to suas repetições ecoam as formas visão e o ponto de vista tornaram-se aspectos
repe­tidas das composições visuais abstratas. Ao essenciais também no romance modernista.
deslocar a pon­tuação e a gramática, conquistou Não bastava mais escrever uma narrativa
novos sig­ni­ficados “abstratos”, como na in­flu­ente objetiva na terceira pessoa ou (pior ainda) usar um
co­le­tânea Tender Buttons [Botões Tenros](1914), inútil narrador intruso. A maneira como a história
que vê objetos por ângulos diferentes, como num era contada tornou-se tão importante quanto a
quadro cubista: pró­pria história.
Henry James, William Faulkner e muitos outros
Uma mesa Uma Mesa significa não é minha escritores americanos fizeram experiên­cias com
querida significa toda uma firmeza. pontos de vista fictícios (alguns ainda o fazem
Será que é provável que uma mudança. Uma mesa hoje). James freqüentemente limitava a informação
significa mais que um copo de vidro no romance àquela que uma única personagem
até um espelho é alto. teria sabido. The Sound and the Fury [O Som e
a Fúria] (1929), ro­mance de Faulkner, divide a
Significado, na obra de Stein, estava muitas vezes narrativa em qua­tro seções, cada qual expressando
subordinado à técnica, assim como o tema era menos o ponto de vista de uma personagem diferente
importante que a for­ma na arte visual abstrata. Tema (in­cluindo um menino mentalmente retardado).
e técnica tornaram-se inse­paráveis tanto na arte Para analisar romances e poesias moder­nistas
visual como na literatura, nessa época. O conceito da desse tipo, surgiu nos Estados Unidos a escola
forma como equiva­lente do conteúdo, pedra angular conhecida como “New Criticism” [Crítica Nova],
da arte e da literatura depois da II Guerra Mundial, com um novo vocabulário crítico. Os New Critics
cris­talizou-se nesse período. buscavam a “epifânia” (momento em que a per­
Inovações tecnológicas no mundo das fá­bri­cas sonagem re­pentinamente compreen­de a verdade
e máquinas inspiraram um novo interesse pela trans­cen­dente da situação, termo deri­vado da
técnica nas artes. Por exemplo: A luz, so­bre­tudo aparição de santos aos mortais); “examinavam” e
a elétrica, fascinava os artistas e escri­tores moder­ “esclare­ciam” uma obra, na esperança de “trazer
nos. Cartazes e anúncios da época estão repletos luz” ao trabalho através de suas “percepções”.
de imagens de ar­ranha-céus iluminados e raios
de luz que emanam de faróis de carros, cinemas, POESIA 1919- 1945:
e torres de vigia e iluminam a escuridão externa EXPERIÊNCIAS NA FORMA
ame­açadora, sugerindo ignorância e tradições Ezra Pound (1885 - 1972)
ultrapassadas. Ezra Pound foi um dos poetas americanos mais in­
A fotografia passou a assumir status de uma das

64
fluentes deste século. De 1908 a 1920, a­lu­sões a o­bras li­terárias e artís­ticas
viveu em Londres, onde conviveu com de eras e cultu­ras di­ferentes a tor­na
mui­tos escritores, inclusive William difí­cil. A poe­­sia de Pound é fa­mosa
Butler Yeats, para quem trabalhou pe­las ima­gens visuais cla­ras, ritmo
como secretário, e T.S. Eliot, cujo no­vo, li­nhas muscu­­­lares, in­te­­li­gen­tes
Waste Land revisou e melhorou dras­ e in­co­muns, como no Can­­to LXXXI:
ticamente. Foi um elo entre os Estados “A formiga é um cen­tau­ro em seu
Unidos e a Grã-Breta­nha, trabalhando mun­do de dra­gão”, ou em poemas
como editor colabo­rador da importan­ inspirados no haicai japo­nês, como
te revista Poetry, editada em Chicago “In a Station of the Me­tro” [Numa
por Harriet Monroe, e encabeçando Estação do Metrô] (1916):
a nova es­cola poética conhecida
como Ima­gismo, que advogava uma A aparição desses rostos na multidão;
apresen­tação clara e altamente visual. Pétalas num galho molhado, negro.
Após o Imagismo, defendeu várias
ou­tras abordagens poéticas. Acabou T.S. Eliot (1888 - 1965)
mu­dando-se para a Itália, onde foi Thomas Stearns Eliot nasceu em
apanhado pelo fascismo italiano. St. Louis, Mis­s ou­r i, numa fa­m ília

P
ound promoveu o Imagismo próspera com raízes no nor­des­te
por meio de cartas, ensaios e dos Estados Unidos. Dos prin­cipais
uma antologia. Nu­ma carta a escri­tores americanos de sua ge­
Monroe, em 1915, de­fen­de uma po­ ração, foi quem recebeu a melhor
esia visual, que soe mo­der­na e evite edu­c ação: estudou em Harvard
“chavões e frases feitas”. Em “A Few College, Sorbonne e Mer­ton College
Don’t’s of an Ima­­giste” [Alguns Nãos da Universidade de Oxford. Estu­dou
de um Ima­gista] (1913), ele definiu sânscrito e filosofia ori­ental, que
“ima­gem” como algo que “apresenta influenciaram sua poe­­sia. Como seu
um com­plexo intelectual e emocional amigo Pound, foi cedo para a Ingla­
num único instante”. Sua antologia ter­ra e tor­­­nou-se figura de proa no
de 1914 de 10 poetas, Des Imagis­tes T.S. Eliot mun­do literário inglês. Um dos mais
[Dos Imagistas], oferecia exem­­plos respeitados poetas de sua é­po­ca,
da poesia imagista de poetas extra­ sua poesia mo­dernista, ico­noclasta,
ordinários, inclusive William Carlos aparen­te­mente ilógica ou abstrata
Williams, H.D. (Hilda Doo­little) e teve im­pacto revo­lucionário. Também
Amy Lowell. es­cre­­veu ensaios e dramas influentes
Os interesses e leituras de Pound e defendeu a importância das tra­
eram universais. Suas adap­tações e dições literárias e sociais para o poeta
brilhantes, ain­da que às ve­zes im­ moderno.
perfeitas, traduções intro­du­ziram no­ Como crítico, Eliot é melhor lem­
vas possibilidades li­te­rárias de mui­­­tas brado pela sua formulação do “ob-
culturas aos escri­tores mo­dernos. Sua jective correlative”, descrito em The
obra maior, The Can­tos [Os Cantos], Sacred Wood [O Bosque Sa­grado]
ele escre­veu e publi­­cou até a morte. como sendo um meio de expressar
Ela possui tre­chos brilhantes, mas Foto, cortesia Acme Photos emoções por inter­médio de “um
conjunto de objetos, uma situação,
65
uma série de even­tos” que seriam invernal,
a “fórmula” daquela e­m o­ç ão em Uma multidão fluiu por cima da Ponte
particular. Poemas como “The Love de Londres, tantos
Song of J. Alfred Pru­frock” [A Canção Não pensei que a morte tivesse levado
de Amor de J. Alfred Prufrock] (1915) tantos... (I, 60-63)
incorpo­ram es­sa abordagem, como
quando o ve­lho e infrutífero Prufrock The Waste Land é, em última ins­
pensa consigo mesmo que tinha “me­ tância, apocalíptico e universal:
dido sua vi­da com colheres de café”,
u­san­do colheres de café para refletir Rachaduras e reformas e explosões no
uma existência banal e perdida. ar violeta
O famoso início de “Prufrock”, de Torres que caem
Eliot, convida o leitor a entrar por Jerusalém, Atenas, Alexandria
ruelas vistosas, que, como a vi­da Viena Londres
moderna, não têm respostas pa­ra as Irreal (V, 373-377)

O
perguntas que a vida faz:
utros poemas principais de Eliot
Vamos então, eu e você, incluem “Gerontion” (1920),
Quando o entardecer se espalha contra que usa um homem idoso para
o céu simbolizar a decrepitude da sociedade
Como um paciente anestesiado sobre ocidental; “The Hollow Men” [Os
uma mesa; Homens Ocos] (1925), tocante réquiem
Vamos, passando por certas ruas pela morte do espírito da humanida­
semidesertas, de contem­porânea; Ash-Wednesday
Recônditos murmurantes [Quar­ta-Feira de Cinzas] (1930), em
De noites agitadas em hotéis baratos de que se volta explicitamente para a
alta rotatividade Igreja An­glicana em busca de sentido
E restaurantes de serragem com con­ para a vida humana; e Four Quartets
chas de ostras: [Quatro Quartetos] (1943), medita­ção
Ruas que se prolongam como uma experimental complexa e alta­mente
discussão tediosa subjetiva sobre temas trans­cendentes
De intenção insidiosa como o tempo, a na­­tu­reza do ser e
Para levá-lo a uma pergunta avassaladora a consciência espi­ritual. Sua poesia,
Robert Frost
Oh!, não pergunte “O que é?” especialmente seu trabalho mais auda­
Vamos e façamos nossa visita. cioso dos primeiros anos, influenciou
várias gerações.
The Waste Land (1922) está impregna­ Robert Frost (1874 - 1963)
da de imagens semelhan­tes. O autor, Robert Lee Frost nasceu na Ca­li­fórnia,
ao evocar as ruas con­gestionadas de mas foi criado numa fazen­da no nordeste
Londres na época da I Guerra Mundial, dos Estados Uni­dos até os dez anos de
ecoa o Inferno de Dante : idade. Como Eliot e Pound, foi para a
Inglaterra, atraído pelos novos movi­
Cidade Irreal, mentos póeticos que estavam surgindo
Foto © Kosti Ruohamaa,
Sob a neblina marrom de um amanhecer Black Star na­quele país. Declamador carismá­tico,

66
era famoso por suas turnês. Na posse A floresta está linda, escura e profunda,
do Presidente John F. Kennedy, em 1961, Mas tenho promessas a cumprir,
recitou um trabalho original, que ajudou E muitas milhas a percorrer antes de
a des­pertar um interesse nacional pela poder dormir,
poesia. Sua popularidade é fa­cilmente E muitas milhas a percorrer antes de
explicável: ele escreveu sobre a vida poder dormir.
tradicional no campo, apelando para a
nostalgia dos ve­lhos tempos. Seus temas Wallace Stevens (1879 - 1955)
são uni­versais — colheitas de maçãs, mu­ Nascido no Estado da Pensilvâ­nia,
ros de pedra, cercas, estradas no campo. Wallace Stevens estudou em Har­­vard
Sua abordagem era lúcida e acessível: College e na Faculdade de Di­reito da
raramente em­pre­gava alusões pedan­tes Universidade de Nova York, cidade em
ou elipses. Seu uso freqüente da rima que exerceu a ad­vocacia de 1904 a 1916,
tam­bém agradava ao grande público. quando fer­vilhava de atividade artística
Muitas vezes, a obra de Frost é e poética. Ao mudar-se, em 1916, para
enganosamente simples. Numero­sos Hartford, em Connecticut, para tornar­
poemas sugerem um signifi­cado mais -se executivo numa com­panhia de
profundo. Por exemplo, graças a uma seguros, continuou escrevendo poesia.
estrutura de rimas quase hipnótica, Sua vida é no­tável por sua compar­ti­
uma noite tran­qüila, com a neve caindo mentaliza­ção: seus asso­ciados na com­
lá fora, pode sugerir a aproximação não panhia de seguros nem sabiam que
totalmente indesejável da morte. Como ele era um poeta importante. Em sua
em “Stopping By Woods on a Snowy pri­vacidade, continuou a desenvolver
Evening” [Parando no Bos­que Numa idéias ex­tre­mamente complexas sobre
Noite de Neve] (1923): or­dem estética em livros com títulos
muito signi­fi­cativos, como Harmo­nium
Creio saber de quem são estes bosques. (edi­ção ampliada, 1931), Ideas of Order
Contudo, ele mora na aldeia; [Idéias de Ordem] (1935) e Parts of a
Não me verá parando por aqui World [Partes de um Mundo] (1942).
Para ver sua floresta cobrir-se de neve. Alguns dos poemas mais conhecidos
são “Sunday Morning” [Manhã de
Meu pequeno cavalo deve achar Domingo], “Peter Quince at the Clavier”
estranho [Peter Quince ao Te­c la­d o], “The
Fazer uma parada longe de qualquer
Wallace Stevens Emperor of Ice-Cream” [O Imperador
fazenda do Sorvete], “Thirteen Ways of Looking
Entre a floresta e o lago gelado at a Blackbird” [Treze Modos de se
Na noite mais escura do ano. Olhar um Mel­ro] e “The Idea of Order
at Key West” [A Idéia de Ordem em Key
Ele sacode seu arreio, fazendo soar West].
os guizos A poesia de Stevens trata de temas
Perguntando se não há qualquer engano. da imagi­nação, necessidade de forma
O único outro som é o varrer estética e cren­ça de que a ordem da
Do vento suave e do floco de neve arte corresponde à or­dem na natureza.
Foto © The Bettmann Archive Seu vocabulário é rico e va­riado: pinta

67
cenas tropicais luxuriantes, mas também cria dísticos Mais tarde, passou a defender o uso da linguagem
enxutos, humorísticos e irônicos. coloquial; seu ou­vido para os ritmos naturais do
Alguns de seus poemas se inspiram na cul­tura inglês ame­ricano ajudou a libertar nossa poesia da
po­pular, enquanto outros zombam da so­cie­dade métrica iâmbica, que dominara os versos ingleses
sofisticada ou nos elevam a um paraíso intelectual. desde a Renascença. Sua simpatia pelos trabalhado­
Ele é conhecido por seu exuberante jogo de pa­ res comuns, pelas crianças e eventos corriquei­ros da
lavras: “Logo, como ao som de tam­borins / Veio vida urbana moderna tornam sua poesia atraente e
sua criada Byzantines”. acessível. “The Red Wheelbarrow” [O Carrinho de
A obra de Stevens é plena de percepções sur­ Mão Vermelho] (1923), como uma natureza morta
preendentes. Às vezes, ele prega peças no leitor, co­ holandesa, encontra interesse e beleza nos objetos
mo em “Disillusionment of Ten O’Clock” [Desilusão do dia a dia:
das Dez Horas] (1931):
Tanto depende
As casas são assombradas de
Por camisolas brancas.
Nenhuma delas é verde, um carrinho de mão
Ou roxa com círculos verdes vermelho
Ou verde com círculos amarelos,
Ou amarela com círculos azuis. brilhando com água
Nenhuma delas é estranha, da chuva
Com meias de renda
E cinturas bordadas com contas. ao lado das galinhas
As pessoas não vão brancas.
Sonhar com babuínos e pervincas.
Apenas, aqui e ali, um velho marujo, Williams cultivou uma poesia natural e descontra­
Bêbado e dormindo em suas botas, ída. Em suas mãos, o poema não era suposto tornar­
Pega tigres -se um objeto de arte perfeito, como em Stevens,
Em tempo vermelho. nem tampouco a cuidadosa recriação do incidente
de Wordsworth, como em Frost. Em vez disso, o

E
sse poema parece queixar-se de vidas en­ poema devia captar um momento no tempo, como
fadonhas (camisolas brancas e lisas), mas uma foto instan­tânea — conceito que absorveu dos
está, de fato, evocando na men­te do leitor fotó­­gra­fos e artistas que conhecera em galerias co­mo
imagens bem vívidas. No fim, um ma­rujo bêbado, a de Stieglitz, em Nova York. Co­­mo fotografias, seus
ignorando todas as convenções, “pega tigres” — poemas muitas vezes insinuam possibili­dades ou
pelo menos em sonho. O poe­ma mostra que a atrações secretas, como em “The Young Housewife”
imaginação humana — do leitor ou do marujo — [A Jovem Dona de Ca­sa] (1917):
sempre encontrará uma saída criativa.
Às dez da manhã a jovem dona de
William Carlos Williams (1883 - 1963) casa circula de negligé por trás das
William Carlos Williams foi pediatra por toda a paredes de madeira da casa de
vida; fez o parto de mais de 2.000 bebês e es­­­crevia seu marido.
poemas nos blocos de receita. Williams foi colega Passo solitário em meu carro.
dos poetas Ezra Pound e Hilda Doolittle e seus pri­
meiros poemas revelam a in­fluência do Imagismo. Então novamente ela vem até o meio-fio

68
para chamar o sorveteiro, o peixeiro,
e fica - final da primavera,
tímida, sem espartilho, ajeitando uma tarde de domingo!
fios soltos de seus cabelos, e eu
a comparo - e vai pela trilha até os rochedos
A uma folha caída. (contando: a prova)

As rodas silenciosas de meu carro ele mesmo entre outros


correm com um som crepitante sobre - pisa ali as mesmas pedras
folhas secas enquanto a cumprimento e em que seus pés escorregam
passo sorrindo. quando sobem,
acompanhados por seus cães!
Ele chamou sua obra de “obje­
tivista”, para sugerir a importância rindo, gritando uns pelos outros -
de objetos visuais concretos. Seus
tra­balhos freqüentemente cap­ta­vam Esperem por mim!
o padrão emotivo e espon­tâneo da (II, i, 14 -23)
experiência e influenciaram os textos
“Beat” do início dos anos 50. ENTRE AS GUERRAS
Como Eliot e Pound, Williams Robinson Jeffers (1887 - 1962)

N
também tentou o gênero épico, mas, o período entre as duas guerras
enquanto seus épicos empre­gam alu­ surgiram diversos poetas ameri­
sões literárias dirigidas ape­nas a um canos de esta­tu­ra e verdadeira
grupo reduzido de lei­tores muito cultos, visão; entre eles, poe­tas da Costa
Williams escre­ve para um público mais Oeste, mulheres e afro-americanos.
amplo. Em­bora tenha estudado no Como o roman­cis­ta John Steinbeck,
exterior, escolheu viver nos Estados Robinson Jeffers viveu na Califórnia
Unidos. Seu épico, Paterson (cinco e es­creveu sobre os rancheiros espa­
vols., 1946-58), celebra sua cidade nhóis, os índios e suas tradições
natal de Paterson, New Jersey, co­mo mis­tas e a obsessiva beleza da ter­ra.
vista pelo autobiográfico “Dr. Paterson”. Rovinson Jeffers Treinado nos clássicos e bom conhe­
Nele, Williams jus­­tapõe passagens cedor de Freud, ele recriou temas da
líricas, prosa, cartas, autobiografia, tragédia grega, tendo como cenário
relatos jorna­lís­ticos e fatos históricos. aquele litoral aci­dentado. Ele é me­
A disposi­ção grá­fica do livro, com lhor conhecido por suas narrativas
amplos espaços em branco, sugere o trágicas, como Tamar (1924), Roan
tema do ca­minho aberto da literatura Stallion [O Garanhão Ruão](1925),
ame­ricana e dá um sentido de novos The Tower Beyond Tragedy [A Torre
horizontes até mesmo para as pes­soas Além da Tragédia](1924) — recriação
mais pobres, que fazem pi­quenique de Agamemnon, de Ésquilo — e Me­
no parque aos domingos. Como a per­ dea (1946), recriação da tragédia de
sona de Whitman, em Leaves of Grass Eurípedes.
[Folhas de Relva], Dr. Paterson tem
Foto © UPI/The Bettmann
trânsito livre entre os trabalhadores: Archive Edward Estlin Cummings

69
(1894 - 1962) estilo exuberante, superaquecido, con­
Edward Estlin Cummings, mais segue melhores resultados em poemas
conhecido como e. e. cummings, curtos, como “Voyages” [Viagens]
criou versos inovadores e atraen­tes, (1923, 1926) e “At Melville’s Tomb”
notabilizados pelo humor, gra­ça, [No Túmulo de Melville] (1926), cujo
celebração do amor e do erotis­mo fi­m serviria como epitáfio digno do
e experimentação com a pon­tua­ção próprio Crane:
e o formato visual da página. Pintor,
foi o primeiro poeta ameri­cano a monodia não irá despertar o marujo.
reconhecer que a poesia se havia Esta fabulosa sombra apenas o mar
tornado uma arte mais visual que oral. guarda.
Seus poemas usaram es­pa­çamentos
e tabulações insólitos, bem como Marianne Moore (1887 - 1972)
eliminaram maiúsculas. Marianne Moore certa vez escre­

C
ummings, como Williams, veu que poemas eram “jardins imagi­
também usou linguagem co­ nários com sapos de verda­de”. Seus
loquial, imagens nítidas e poemas têm tom de con­versa, mas
palavras da cultura popular. Ainda usam uma versi­ficação silábica apura­
como Williams, tomou muitas li­ber­ da e sutil, baseando-se em descrições
dades com a apresentação gráfi­ca. extremamente minuciosas e em fatos
Seu poema “in Just -” [Justo em -] históricos e científicos. Uma “poeta
(1920) convida o leitor a preencher de poe­tas”, ela influenciou poetas
as idéias que faltam: poste­riores como sua jovem amiga
Eliza­beth Bishop.
Justo em –
Primavera quando o mundo é lama- Langston Hughes
delicioso o pequeno (1902 - 1967)
homem do balão manco Um dos vários poetas de talento
assobia longe e baixinho surgidos na Renascença do Har­lem,
e eddieebill vêm na década de 20 — na com­panhia
correndo das bolinhas de gude e de James Weldon Johnson, Claude
piratarias e é McKay, Countee Cullen e outros — foi
primavera.... Langston Hughes Langston Hughes. Ele abraçou ritmos
do jazz afro-americano e foi um dos
Hart Crane (1899 - 1932) pri­meiros escritores negros a ten­tar
Hart Crane foi um jovem poeta trans­for­­mar sua arte em uma car­reira
atormentado, que cometeu suicídio ren­­tável. Hughes in­cor­porou em suas
aos 33 anos, lançando-se ao mar. poesias os blues, os spirituals, a lin­
Deixou poemas admiráveis, inclu­in­do guagem colo­quial e o fol­clore.
um épico, The Bridge [A Pon­te] (1930), Influente organizador cultural,
inspirado na Ponte de Brooklyn, em Hughes publicou numerosas anto­
que ele ambicionou abarcar toda logias de negros e criou grupos tea­trais
a experiência cultural americana e negros em Los Angeles, Chi­cago e Nova
recolocá-la em termos afirmativos. Seu Foto, cortesia Knopf, Inc. York. Tam­bém escre­veu um jornalismo

70
E
eficiente, crian­do a personagem Jesse mbora a prosa americana entre
B.Semple (‘sim­ples’), para expressar as guerras tenha experimentado
comen­tários sociais. Um de seus com pontos de vista e formas,
poemas mais queridos, “The Negro os americanos es­c reveram com
Speaks of Ri­vers” [O Negro Fala de maior realismo, de uma maneira
Rios] (1921,1925), abraça sua heran­ça geral, que os eu­ropeus. O romancista
afri­cana — e universal — num grande Ernest He­ming­­way escreveu sobre
catálogo épico. O poema sugere que, a guerra, caça e outras atividades
como os grandes rios do mundo, masculinas num estilo despojado
a cul­tura africana irá permanecer e e simples; William Faulkner situou
aprofundar-se: seus po­derosos romances sulistas,
abran­gendo gerações e culturas, no
Conheci rios: calor e poeira do Mississipi e Sinclair
Conheci rios antigos como o Lewis delineou a vida burguesa com
mundo e mais velhos que o clareza irônica.
fluir do sangue humano A importância de se enfrentar
em veias humanas. a realidade tornou-se tema domi­
nante nas décadas de 1920 e 1930:
Minh’alma se tornou profunda Escritores como F. Scott Fitzgerald
como os rios. e o dramaturgo Eugene O’Neill des­
Banhei-me no Eufrates quando creveram repetidamente a tragédia
as auroras eram jovens. que aguardava aqueles que viviam
Construí minha cabana perto do Congo em sonhos frágeis.
e ele me ninou até eu dormir.
Olhei para o Nilo e F. Scott Fitzgerald
ergui as pirâmides acima dele. (1896 - 1940)
Ouvi o canto do A vida de Francis Scott Key
Mississipi quando Abe Lincoln Fitzgerald parece um conto de fa­das.
desceu até New Orleans, Durante a I Guerra Mundial, Fitzgerald
e vi seu enlameado alistou-se no exército, e apaixonou-se
seio ficar dourado ao por Zelda Sayre, mo­ça rica e bonita,
cair do sol que morava per­­to de Montgomery,
F. Scott Fitzgerald no Alabama, onde ele servia. Zelda
Conheci rios rompeu o noivado porque ele era
Antigos, crepusculares rios. relativa­mente pobre. Depois de ser
desmo­bilizado, no fim da guerra, ele
Minh’alma se tornou profunda foi para Nova York, tentar fazer fortuna
como os rios. literária e poder casar com a moça.
Seu primeiro romance, This Side
of Paradise [Este Lado do Pa­raíso]
ESCRITA EM PROSA, 1914 - (1920), tornou-se um best-seller e, aos
1945: REALISMO AMERICANO 24 anos, se casaram. Nenhum dos
dois foi capaz de su­portar as pressões
Foto, cortesia
Culver Pictures, Inc. do sucesso e da fama e dilapidaram
seus recursos. Em 1924, mudaram-se
71
para a Fran­­ça, para tentar economizar. magistralmente uma longa passagem
Voltaram sete anos depois. Zelda de tempo: “Havia música da casa do
tornou-se mentalmente instável e teve meu vizinho ao longo das noites de
de ser internada. O próprio Fitzgerald verão. Em seus jar­dins azuis, homens
tornou-se alcoólatra e morreu jo­ e garotas iam e vi­nham, como maripo­
vem trabalhando como roteirista de sas, entre os co­chichos, a champanhe
cinema. e as estre­las.”

F
itzgerald detém lugar garantido
na literatura americana graças Ernest Hemingway
sobretudo a seu romance The (1899 - 1961)
Great Gatsby [O Gran­d e Gatsby] Poucos escritores tiveram vida tão
(1925), uma história brilhantemente colorida como Ernest Heming­way,
escrita e economi­c amente estru­ cuja carreira bem poderia ter saído
turada, sobre o so­nho americano de um de seus romances de aventura.
do homem que enriquece por seus Como Fitzgerald, Dreiser e muitos
próprios meios. O protagonista, o outros ótimos romancistas do século
misterioso Jay Gatsby, descobre que 20, Hemingway veio do Meio-Oeste
sucesso traz um custo devastador dos Estados Unidos. Nascido em
em termos de realização pessoal e Illinois, Hemingway passou suas férias
amor. Outras ótimas obras incluem de verão em Michigan, em excursões
Tender is the Night [Suave é a Noite] de caça e pesca. Foi voluntário, numa
(1934), sobre um jovem psiquiatra cuja uni­dade de ambulâncias militares na
vida é arruinada por seu casa­mento França, na I Guerra Mundial, mas foi
com uma mulher instável, e algu­mas ferido e hospitalizado por seis meses.
histórias das coletâneas Flappers Depois da guerra, como correspon­
and Philosophers [Melindro­s as e dente sediado em Paris, conheceu
Filósofos] (1920), Tales of the Jazz Age escritores americanos expatriados
[Contos da Era do Jazz] (1922), e All como Sherwood An­d erson, Ezra
the Sad Young Men [Todos os Jovens Pound, F. Scott Fitz­gerald e Gertrude
Tristes] (1926). Mais que qualquer au­ Stein. Esta, em especial, influenciou
tor, Fitz­ge­rald captou a vida reluzente seu estilo despojado.
e de­ses­perada dos anos 20. This Side Depois de seu romance The Sun
of Paradise [Este Lado do Paraíso] Ernest Hemingway Also Rises [O Sol Também se Le­vanta]
foi anunciado como a voz do jovem (1926) trazer-lhe a fama, cobriu a Guerra
americano moderno. Seu segundo ro­ Civil Espanhola, a II Guerra Mundial e a
mance, The Beautiful and the Damned luta na China nos anos 40. Num safári na
[Os Belos e os Condena­dos] (1922), África, ficou gravemente ferido quando
continuou explo­rando a extravagância seu pequeno avião caiu; ainda assim
auto-des­tru­tiva de sua época. continuou a apreciar a caça e pesca
As qualidades especiais de Fitz­ esportiva, ativi­dades que inspiraram
gerald incluem um estilo deslum­ alguns de seus me­lhores trabalhos.
brante, perfeitamente adequado ao The Old Man and the Sea [O Velho e
tema do encanto sedutor. Um tre­cho o Mar] (1952), um curto romance poé­
Foto, cortesia
famoso de The Great Gatsby resume Pix Publishing, Inc. tico sobre um pobre e velho pescador

72
que he­roi­camente pesca um peixe de­les de­baixo d’água para cada parte
enorme que é devorado por tubarões, visí­vel.”
deu-lhe o Prêmio Pulitzer em 1953; no O ótimo ouvido para diálo­gos e
ano seguinte, recebeu o Prêmio Nobel. descrições precisas de He­ming­way
Desencorajado por sua vida familiar aparece em excelentes contos, co­mo
problemática, doença, e a crença de “The Snows of Kilimanjaro” [As Ne­ves
que estivesse perdendo o dom de do Kilimanjaro] e “The Short Happy
escrever, Hemingway suicidou-se com Life of Francis Ma­com­­ber” [A Vida
um tiro em 1961. Curta e Feliz de Fran­cis Ma­comber]. A

H
emingway talvez seja o roman­ crítica, de fa­­to, geral­mente consi­dera
cista americano mais popular seus con­tos tão bons, ou até melho­
deste sécu­lo. Suas simpatias res que os ro­man­­ces. Seus prin­ci­pais
são basicamente apolíticas e huma­ romances in­cluem The Sun Al­so Rises
nistas e, nesse sentido, ele é universal. [O Sol Também se Le­van­­­ta], sobre a
Seu estilo simples torna seus romances vida desalentadora dos expatriados
fáceis de entender e geralmente se a­pós a I Guerra Mun­­dial; A Farewell
pas­sam em cenários exóticos. Adepto to Arms [A­deus às Armas], so­bre o
do “culto à experiência”, Heming­way trágico ro­mance entre um sol­dado
freqüentemente envolvia suas perso­ ameri­cano e uma enfer­mei­ra ingle­sa
nagens em situações peri­gosas para durante a guerra; For Whom the Bell
poder revelar sua natu­reza interior; Tolls [Por Quem os Sinos Do­bram]
em suas obras mais tardias, o perigo (1940), passado durante a Guerra Civil
às vezes se torna oportunidade para a Espanhola e The Old Man and the Sea
afirmação da masculinidade. [O Velho e o Mar].
Como Fitzgerald, Hemingway tornou­
-se porta-voz de sua gera­ção. Mas, em William Faulkner (1897-1962)
vez de pintar seu fas­cínio fatal, como Nascido numa velha família su­lista,
fez Fitz­gerald, que nunca lutou na I William Harrison Faulkner foi criado
Guerra Mun­dial, Hemingway escreveu em Oxford, Mississipi, onde passou
sobre a guer­ra, a morte e a “geração a maior parte de sua vida. Criou todo
perdi­da” de sobreviventes cínicos. Suas um cenário imagi­nativo, o Condado de
per­sonagens não são sonha­doras, mas Yoknapa­taw­pha, mencionado em vários
toureiros, sol­dados e atletas du­rões. Se Robert Forst roman­ces, além de várias famílias com
intelec­tuais, são pro­fun­damente marca­ liga­ções entre si há várias gerações. O
das e desi­lu­didas. Condado de Yoknapatawpha, com sua
Sua marca é um estilo limpo, li­­vre capital,“Jefferson”, se pa­re­ce muito com
de palavras inúteis. Usa fre­­qüen­te­ Oxford, Missis­sipi e seus arre­dores.
mente declarações atenuadas. Em A Faulkner re­cria a história da terra e das
Farewell to Arms [Adeus às Armas] várias ra­ças — in­dígena, afro-americana,
(1929), a heroí­na morre no parto euro-ame­ricana e várias misturas — que
dizendo “Não es­tou nem um pouco já viveram nela. Escritor ino­vador,
com medo. Tu­do não passa de um Faulkner experimentou brilhantemente
truque sujo”. Uma vez, com­­­pa­rou su­ com a cronologia narrativa, diferentes
Foto © UPI/The Bettmann
as o­bras a icebergs: “Há sete oitavos Archive pontos de vis­ta e vozes (incluindo as

73
D
de margi­nais, crianças e analfabetos) e esde a década de1890, uma
um estilo barroco rico e exi­gente, cons­ tendência latente de protesto
truído com sentenças ex­tre­ma­men­te social fluiu na litera­tu­ra ame­
longas e repletas de subor­dinadas ricana, vertendo no natu­ra­lismo de
complicadas. Stephen Crane e Theo­dore Dreiser e
Os melhores romances de Faul­kner nas mensagens cla­ras dos romancistas
incluem The Sound and the Fury [O muck­racking. Os autores socialmente
Som e a Fúria] (1929) e As I Lay Dying en­ga­jados que vieram depois incluem
[Deitado Mor­ren­do] (1930), duas obras Sinclair Lewis, John Stein­beck, John
moder­nis­tas experimentando com Dos Passos, Richard Wright e o drama­
pontos de vista e vozes para perscrutar turgo Clifford Odets. Estavam liga­dos
famí­lias sulistas sob a tensão de perder aos anos 30 em sua preocu­pação com
um membro da família; Light in August o bem-estar do cidadão comum e enfo­
[Luz em Agosto] (1932), sobre rela­ que em grupos de pes­soas — as profis­
ções complexas e violen­tas entre uma sões, como nos arquétipos Arrowsmith
mulher branca e um ho­mem negro e (um médi­co) e Babbitt (um empresário
Absalom, Absa­lom! (1936), talvez seu local) de Sinclair Lewis; famílias, como
melhor trabalho, sobre a ascenção em The Gra­pes of Wrath [As Vinhas da
de um fazendeiro pe­los seus próprios Ira] de Steinbeck; ou massas urbanas,
méritos e sua trágica decadência pelo como consegue John Dos Passos, por
precon­ceito racial e in­ca­pa­cidade de seus onze principais per­sonagens em
amar. sua trilogia U.S.A.
A maioria desses romances usa per­
sonagens diferentes para con­tar partes Sinclair Lewis (1885 - 1951)
da história e de­mons­trar que o signifi­ Harry Sinclair Lewis nasceu em Sauk
cado reside tanto na forma de con­tar, Centre, Minnesota, e formou-se pela
como no pró­prio ob­jeto. O uso de Universidade de Yale. Inter­rompeu seus
diversos pon­tos de vista torna Faulkner estu­dos para traba­lhar numa comu­
mais auto-referencial ou “reflexivo” que nidade socialista, Helicon Home Colony,
He­ming­way ou Fitzgerald; cada ro­man­ financiada pelo ro­mancista muckraking
ce reflete sobre si mesmo, en­quanto Up­ton Sinclair. Main Street [Rua Prin­
desdobra uma história de in­teresse Sinclair Lewis cipal] (1920) de Lewis satiri­zou a vi­da
universal. Os temas de Faul­kner são as monótona e hipócrita da cidadezinha
tradições do Sul, família, comunidade, de Gopher Prairie, Minnesota. Sua apre­
a terra, his­tória e o passado, raça e as sentação inci­si­va da vida ame­ricana e
pai­xões da ambição e do amor. Tam­ a crítica ao materia­lismo, menta­lidade
bém cri­ou três romances cen­trados na tacanha e hipo­crisia do americano
as­censão de uma família degenerada, o rendeu-lhe reco­nheci­mento nacio­nal e
clã dos Snopes: The Hamlet [A Aldeia] inter­na­cio­nal. Em 1926, ofe­receram-lhe,
(1940), The Town [A Ci­da­de] (1957) e mas ele declinou, o Prê­mio Pulitzer
The Mansion [A Man­são] (1959). por Arrowsmith (1925), romance des­
crevendo os esfor­ços de um mé­dico
ROMANCES DE para man­ter sua ética médica em meio
Foto, cortesia
CONSCIÊNCIA SOCIAL Pix Publishing, Inc. à ga­nân­­cia e cor­rupção. Em 1930, tor­

74
nou-se o pri­meiro americano a ga­nhar [noticiário cinematográfico] tira­dos
o Prê­mio Nobel de Lite­ratura. de manchetes contemporâ­neas, can­

O
s principais romances de Lewis ções populares e anún­cios, além de
incluem Babbitt (1922). George “biografias” resu­mindo a vida de ame­
Babbitt é um empresário co­ ricanos impor­tantes na época, como o
mum que vive e trabalha em Zenith, inventor Thomas Edison, o organi­zador
uma cidade americana comum. Babbitt sin­dical Eugene Debs, o astro de cine­
é em­preendedor, de princí­pios morais, ma Rodolfo Valen­tino, o financista
que crê nos negócios como a nova J.P. Morgan e o sociólogo Thorstein
abordagem cien­tífica para a vi­da mo­ Veblen. Os newsreels e as biogra­fias
derna. Tornando-se inquie­to, busca dão aos seus romances um valor de
rea­lização mas é desi­lu­dido por um documentário; uma ter­cei­ra técnica, o
caso com uma mu­lher boê­mia, volta “olho da câmera”, con­sis­te de poemas
para a esposa e aceita seu des­tino. O em prosa de flu­xo de consciência que
romance adi­cionou uma nova palavra oferecem uma resposta subjetiva aos
ao voca­bu­­lário americano – “Babbittry”, eventos descritos nos livros.
sig­ni­fi­cando mentalidade tacanha, com­
pla­­cência e modos burgueses. El­mer John Steibeck (1902 - 1968)
Gantry (1927) expõe a religião avivada Como Sinclair Lewis, John Steinbeck
nos Esta­dos Unidos, en­quanto Cass é hoje mais admirado pela crítica
Timber­la­ne (1945) estuda as tensões que fora dos Estados Unidos, em grande
crescem no casamento entre um juiz já medida, porque re­ce­beu o Prêmio
maduro e sua jovem es­posa. Nobel de Literatura em 1963 e a fama
interna­cional que o mesmo confere.
John Dos Passos (1896 - 1970) Em ambos os casos, o Comitê Nobel
Como Lewis, John Dos Passos es­colheu americanos liberais conhe­
começou como radical de esquer­da, cidos por sua crítica social.
mas, com a idade, mo­veu-se para a Steinbeck, califórniano, situou muitas
direita. Dos Passos escreveu realistica­ de suas histórias no Vale de Salinas,
mente, alinhado à doutri­na do realis­ perto de São Francisco. Seu romance
mo so­cia­lista. Seus me­lhores trabalhos mais conhecido é The Grapes of Wrath
John Steinbeck
atin­­gem um obje­ti­vismo científico e o [As Vinhas da Ira] (1939), ganhador do
efeito de um quase documen­tário. Dos Prêmio Pulit­zer, que acompanha a labu­
Passos de­­sen­volveu uma técnica expe­ ta de uma família pobre de Oklahoma
rimental de colagem para sua obra-pri­ que perde suas terras na Depres­são e vai
ma, U.S.A., formada por 42nd Parallel para a Califórnia em busca de trabalho.
[Para­lelo 42] (1930), 1919 (1932), e A famí­lia é submetida a condições de
The Big Money [O Di­nheiro Gran­de] opressão feudais pelos ricos donos
(1936). A lon­ga coletâ­nea cobre a de terras. Outras histórias passa­das na
história social dos Estados Unidos de Califórnia incluem Tortilla Flat (1935), Of
1900 a 1930 e expõe a cor­rupção moral Mice and Men [So­bre Ratos e Homens]
da sociedade ame­­ricana materia­lista (1937), Cannery Row (1945) e East of
pelas vidas de suas persona­gens. Foto, cortesia
Eden [A Leste do Éden] (1952).
As novas técnicas de Dos Passos Pinney & Beecher Steinbeck une realismo a um ro­
incluíam segmentos de “newsreel” mantismo primitivo que acha virtude
75
em pobres agricultores próximos à terra. afro-americanos, que rejeitavam os
Sua ficção demonstra a vulnerabilidade Estados Unidos, em favor do movi­
dessas pessoas, que podem ser ex­pul­­­ mento de Marcus Garvey, chamado
sas pela seca e as primeiras a sofrer “Back to Africa” [De Volta para a Á­fri­
em épocas de instabilidade política e ca]. Jean Toomer fica entre essas duas
depressão econômica. posições divergentes.

A RENASCENÇA DE HARLEM Jean Toomer (1894 - 1967)

D
urante a exuberante década Como Cullen, o poeta e escritor de
de 1920, o Harlem, a co­mu­ ficção afro-americano Jean Toomer
nidade negra ao nor­t e da vislumbrava uma iden­tidade americana
cidade de Nova York, brilhava com que transcen­deria a raça. Talvez por is­
entusiasmo e criatividade. Os sons so, tenha empregado com brilhantismo
de seu jazz negro americano varre­ tra­dições poéticas de rima e métrica
ram os Estados Unidos e mú­si­­cos e não tenha buscado novas formas
e compositores de jazz, como Duke “negras” de poesia. Sua principal
Ellington, tornaram-se as­tros dentro obra, Cane [Cana] (1923), é, contu­do,
e fora dos Estados Uni­dos. Bessie ambiciosa e inovadora. Como Paterson,
Smith e outras cantoras do blues apre­ de Williams, Cane incor­pora versos,
sentavam letras francas, sensuais e vinhetas em prosa, histórias e notas au­
tortuosas, transbor­dando de emoção. tobiográficas. Nela, um afro-americano
Os spirituals dos negros passaram a luta para descobrir sua identidade
ser apre­ciados como música religiosa dentro e além das comunidades negras
de excepcional beleza. Ethel Waters, da Georgia rural, de Washington D.C.,
a atriz negra, venceu no palco, e de Chicago, Illinois e também como
a dança e a arte negra america­na professor negro no sul. Em Cane, os
floresceram com música e drama. negros da Georgia rural são vistos por
Em meio à rica variedade de ta­ Toomer como natural­mente artísticos:
lentos do Harlem coexistiam di­ver­sas
visões. O romance de Carl Van Vechten Suas vozes se elevam.... os pinheiros
de 1926, simpático ao Harlem, dá uma são violões,
idéia da vida com­plexa e sofrida da Dedilhando, folhas de pinheiro caem
América Negra face à desigualdade como lençóis de chuva...
Jean Toomer
eco­nômica e social. Suas vozes se elevam.... o coro
O poeta Countee Cullen (1903 - da cana
1946), nascido no Harlem e casado Canta as vésperas para as estrelas....
por pouco tempo com a filha de W.E.B (I, 21-24)
Du Bois, criou poesias rima­das de alta
qualidade, dentro das formas então Cane contrasta o ritmo acelera­do
aceitas, que foram muito elogiadas por da vida dos afro-americanos na cida­
brancos. Ele acreditava que um poeta de de Wa­shington, D.C.:
não deveria permitir que a raça ditasse
o tema ou o estilo de seus versos. O dinheiro queima o bolso, bolso dói,
Foto © UPI/The Bettmann
No outro lado do espectro estavam Archive Contrabandistas em camisas de seda,

76
Imensos Cadilacs vibrando, sina, o romance de Wright foi uma
Passando zunindo pelos trilhos expres­são, de há muito devida, da
do bonde. (II, 1-4) desi­gualdade racial que tem sido
objeto de tanta polêmica nos Estados
Richard Wright (1908 - 1960) Unidos.
Richard Wright nasceu numa fa­
mília pobre de meeiros do Mississipi Zora Neale Hurston
que o pai abandonou quando ele (1903 - 1960)
tinha 5 anos. Wright foi o primeiro Nascida em Eatonville, pequena
romancista afro-americano a alcançar ci­da­de da Flórida, Zora Neale Hurs­­ton
o grande público, embora só tenha é conhecida como uma das luzes da
freqüen­t ado a escola até a nona Renascença do Har­lem. Aos 16 anos,
série. Sua infância difícil é descrita veio pela primei­ra vez à cidade de
em um de seus melhores livros, o Nova York, como mem­bro de uma
autobio­gráfico Black Boy [Menino troupe teatral itine­ran­te. Contadora de
Negro] (1945). Ele disse mais tarde histórias excepcionalmente talentosa,
que sua sentido de privação, devido que cativava seus ouvintes, freqüentou
ao racismo, era tão grande, que ape­ o Barnard College, onde estudou com
nas a leitura o manteve vivo. o antropólogo Franz Boaz e pas­­sou
Wright foi fortemente inspirado a compreender a etnicidade a partir
pela crítica social e pelo realismo de uma perspectiva cien­tífica. Boaz
de Sherwood Anderson, Theodore incentivou-a a reco­lher o folclore de
Dreiser e sobretudo de Sinclair Lewis. sua Flórida nativa. O eminente folclo­
Durante a década de 30, afiliou-se ao rista Alan Lomax descreveu Mules and
partido comunista. Nos anos 40, foi Men [Mu­­las e Homens] (1935) como
viver na França, onde já conhecia “o livro mais cativante, genuíno e bem
Gertrude Stein e Jean-Paul Sartre, e lá es­cri­to no campo do folclore”.
tor­nou-se anti-comunista. Seus textos Hurston também passou algum
muito francos abriram caminho para tempo no Haiti estudando vodu e re­
os romancistas afro-ameri­canos que Richard Wright colhendo o folclore do Caribe, que re­
vieram depois. sultou em Tell My Horse [Di­­­ga ao Meu
Sua obra inclui Uncle Tom’s Cavalo] (1938). Seu domínio natural
Children [Os Filhos do Pai Tomás] do inglês coloquial a in­sere na grande
(1938), um livro de contos, e o pode­ tradição de Mark Twain. Seus textos
ro­so e inexorável romance Native Son brilham com uma linguagem colorida
[Filho Nativo] (1940), em que Bigger e his­tó­rias cômicas – ou trágicas – da
Thomas, jovem negro sem instrução, tradição oral afro-americana.
mata sem querer a filha de seu patrão Hurston era uma romancista im­
bran­co, queima de forma horrível o pressionante. Sua obra mais im­portante,
corpo, e finalmente mata sua na­mo­ Their Eyes Were Watching God [Seus
rada negra — receioso de que ela o Olhos Observavam a Deus] (1937),
traia. Embora alguns afro-americanos é um relato tocante e inovador do
tenham criticado Wright por retratar amadu­recimento e da redescoberta
Foto, cortesia
uma persona­gem negra que é assas­ Howard University

77
da felicidade de uma linda mulata ao associados.
longo de três casamentos. O romance Esses três principais escritores da
evoca vivi­da­mente a vida dos afro- escola dos Fugitivos eram tam­bém
america­nos que trabalham a terra no associados ao New Criticism [Nova
sul rural. Precursora do movimento Crítica], que buscava a compreen­são
feminista, Hurston inspirou e in­fluenciou da literatura com base em lei­turas
escritoras contemporâ­neas, como Toni meticulosas e atenção aos pa­drões for­
Morrison e Alice Walker, graças a livros mais (de imagens, metá­foras, métrica,
como sua autobiografia, Dust Tracks on sons e símbolos) e seus significados
a Road [Trilhas de Poeira numa Es­tra­da] sugeridos. Ransom, principal teórico
(1942) da renas­cença sulista entre as duas
guer­ras, publicou um livro, The New
CORRENTES LITERÁRIAS: Criticism [A Nova Crítica] (1941),
OS FUGITIVOS sobre esse método, que oferecia uma
E A NOVA CRÍTICA alternativa aos métodos ante­riores

D
esde a Guerra Civil, o sul extra-literários, baseados na história e
dos Estados Unidos havia na biografia. A Nova Crítica tornou-se
permanecido atrasado po­lí­ a abordagem crí­tica dominante na
tica e economicamente, dominado América entre os anos 40 e 50 porque
pelo racismo e pela superstição, mas, pro­vou ser adequada à análise de es­cri­
ao mesmo tempo, abençoado por tores modernistas, como Eliot, e capaz
um folclore rico e um forte sentido de absorver a teoria freu­diana (espe­
de orgulho e tradição. Ti­nha a fama cialmente suas ca­te­go­rias estruturais
imerecida de ser um deserto cultural como id, ego e superego) e abordagens
de provincianismo e ignorância. inspiradas em padrões míticos.
É irônico que o movimento lite­rário
regional mais significativo no século DRAMA AMERICANO
20 tenha sido o dos Fugi­tivos — lidera­ NO SÉCULO 20

A
dos pelo poeta, crí­tico e teórico John dramaturgia americana conti­
Crowe Ransom, o poeta Allen Tate e nuou imitando o teatro inglês
o romancista, poeta e ensaísta Robert europeu, durante boa parte do
Penn Warren. Essa escola literária sé­culo 20. Freqüentemente, as peças
do Sul re­jei­tava os valores urbanos e Zora Neale Hurston da Inglaterra ou traduzidas de lín­guas
comer­ciais “do Norte”, que sentiam européias dominavam as tem­poradas
que havia dominado toda a América. teatrais. Uma legislação ina­dequada
Os Fugitivos clamavam pela volta à de direitos autorais, que não protegia
ter­ra e às tradições americanas que nem promovia os autores americanos,
podiam ser encontradas no Sul. O prejudicou a dramaturgia autêntica.
movimento tomou seu nome de Assim o fez o “star system” [sistema de
uma revista literária, The Fugitive [O estre­lato], em que os atores e atrizes, e
Fugitivo], que circulou entre 1922 e não as peças propriamente ditas, eram
1925 na Universidade de Vanderbilt aclamados. Os americanos acor­riam
em Nashville, Tennessee, e com a para ver artistas euro­peus em turnês
Foto © Carl Van Vechten,
qual Ransom, Tate e War­ren estavam cortesia Yale University pelos Estados Uni­dos. Além disso, as

78
peças importa­das, como o vinho im­ de um rico empresário e Stran­ge
portado, des­fru­tavam de mais prestígio Interlude [Estranho Interlúdio] (1928),
que as produções domésticas. ganhador do Prêmio Pulitzer, narra
Durante o século 19, foram po­ os amo­res emaranhados de uma mu­
pulares os melodramas com figu­ras lher. Essas pe­ças po­derosas revelam
democráticas exemplares e cla­ros con­ diferentes personalidades re­vertendo
trastes entre o bem e o mal. Peças sobre para emoções primitivas ou confu­são
problemas sociais, co­mo a escravidão, sob intensa pressão.
também atra­íam grandes platéias. Às O’Neill continuou a explorar as ten­
vezes, es­sas peças eram adaptações sões freu­dianas do amor e do domínio
de roman­c es, como Uncle Tom’s dentro de famílias numa trilogia de pe­
Cabin. Não foi senão no século 20 que ças coletivamente intitula­das Mourning
a peças sérias buscaram a inovação Becomes Electra [Electra Fica Bem
esté­tica. A cultura popular, contudo, de Luto] (1931), baseada na trilogia
apresentava desenvolvimentos vi­tais, clás­sica de Édipo, de Sófocles. Suas
especialmen­te no vaudeville (espe­ peças posterio­res incluem reconheci­
táculo de variedades, com es­quetes das obras-primas: The Iceman Cometh
satíricos, palhaçadas, músi­ca, etc.). [A Vinda do Homem do Gelo] (1946),
Apresentações de menes­tréis baseadas obra severa sobre o tema da morte, e
em música e folclore afro-americano Long Day’s Journey Into Night [A Longa
— interpretadas por personagens bran­ Viagem para Dentro da Noite] (1956),
cas usando maquiagem “blackface” poderosa e extensa autobiografia em
(rosto pin­tado de preto) — também forma dramática, que enfoca sua pró­
desen­volveram formas e expressões pria família e sua deterio­ração física e
ori­ginais. psicológica, testemunhada no decorrer
de uma noite. Esta última faz parte de
Eugene O’Neill (1888 - 1935) um conjunto de peças em que O’Neill
Eugene O’Neill é a grande figura estava trabalhando quando morreu.
do teatro americano. Suas nume­rosas O’Neill redefiniu o teatro ao aban­
peças reúnem enorme origi­nalidade donar as divisões tradicionais de atos
técnica, visão inovadora e profun­ e cenas (Strange Inter­lude tem nove
didade emocional. Suas pri­meiras atos, e Mourning Becomes Elec­tra
peças tratam da classe trabalhadora leva nove horas para ser encenada);
Eugene O’Neil
e dos pobres; traba­lhos posteriores ao usar máscaras, como as que são
exploram áreas subjetivas, como as encontradas no teatro da Ásia e da
ob­sessões e o sexo, e destacam suas Grécia antiga; ao introduzir monólo­
lei­tu­ras de Freud, bem como sua ten­ gos shakespearianos e coros gregos;
tativa desesperada se reconciliar com e ao produzir efeitos especiais por
sua mãe morta, seu pai e seu irmão. meio de luz e som. Ele é geralmente
Sua peça Desire Under the Elms reconhecido co­mo o dramaturgo
[Desejo sob os Olmos] (1924) recria mais importante da Améri­ca. Em 1936,
as paixões latentes numa família; The recebeu o Prêmio Nobel de Lite­ra­tura
Great God Brown [O Grande Deus — o primeiro dramaturgo americano a
Brown] (1926) revela a inconsciência Foto © The Bettmann Archive receber tal distinção.

79
Thornton Wilder (1897 - 1975) 
Thornton Wilder é conhecido por suas peças
Our Town [Nossa Cidade] (1938) e The Skin of Our
Teeth [Por Um Triz] (1942) e por seu ro­mance The
Bridge of San Luis Rey [A Ponte de San Luis Rey]
(1927).
Our Town evoca valores americanos positi­vos.
Tem todos os elementos do sentimenta­lismo e
da nostalgia — o arquétipo da cidadezi­nha rural
tradicional, os pais bondosos e crian­ças travessas,
os jovens amantes. Ainda assim, elementos inova­
dores, como fantasmas, vozes na platéia e ousados
deslocamentos no tempo a mantêm atraente. É, na
realidade, uma peça sobre vida e morte, em que os
mortos renascem, pelo menos naquele momento.

Clifford Odets (1906 - 1963)


Clifford Odets, mestre do drama social, veio de
uma família judia emigrada da Europa oriental.
Criado em Nova York, foi um dos atores fundadores
do Group Theater, diri­gido por Harold Clurman,
Lee Stras­berg e Cheryl Crawford, cujo compro­
misso era produ­zir apenas peças de autores
ameri­canos.
Sua peça mais conhecida é Waiting for Lefty
[Esperando por Lefty] (1935), obra experimental
de um ato que advoga fervorosa­mente o sindica­
lismo. Seu Awake and Sing! [Acor­de e Cante!],
drama familiar nostálgico, tornou-se outro sucesso,
seguido de Golden Boy [Menino Dourado], história
de um jovem imigrante ita­liano que arruina seu
talento musical (ele é violinista) quando, seduzi­
do pelo dinheiro, acei­ta ser boxeador e fere suas
mãos. Como The Great Gatsby de Fitzgerald e An
American Tra­gedy de Dreiser, a peça alerta para os
perigos do excesso de ambição e materialismo.

80
CAPÍTULO
rádio, o cinema e depois a presen­ça de uma televi­
são ubíqua e to­da poderosa mu­daram radicalmente
a vida americana. De uma cultura elitizada, privada

7
e instruída, ba­seada no livro e na leitura, os Estados
Unidos se tornaram uma cultura de mídia, liga­da à
voz no radio, à música dos CDs e dos cassetes, aos
filmes e às imagens da tela da televisão.
A poesia americana foi diretamente influen­
POESIA AMERICANA ciada pela mídia de massa e tecnologia eletrô­
1945 - 1999: nica. Filmes, videoteipes e gravações em fita de
A ANTI-TRADIÇÃO declamações de poesia e entrevistas com poe­tasse
tornaram disponíveis e novos métodos fo­to­­gráficos

F
ormas e idéias tradicionais não pareciam pro­ de impressão mais accessíveis estimularam jovens
ver mais sentido a muitos poetas americanos poetas a publicarem suas pró­prias obras e jovens
na segunda metade do século 20. Os eventos editores a fundarem revis­tas literárias — das quais
após a II Guerra Mundial geraram um sentido de existiam mais de 2.000 em torno de 1990.
história descon­tínua: cada ato, emoção e momento Ao mesmo tempo, os americanos se tornaram
era visto como único. Estilo e forma ago­ra pareciam desconfortavelmente conscientes de que a tecno­
provisó­rios, improvisados, refle­xos do processo logia, tão útil como ferramenta, poderia ser usada
de composição e autocons­ciên­cia do escritor. Ca­ para manipular a cultura. Para os ame­ricanos
tegorias familiares de expres­são eram sus­peitas; a em busca de alter­nativas, a poesia pa­recia mais
originalidade tornava-se uma nova tradição. relevante do que nun­­ca: oferecia às pessoas um
A quebra com a tradição ganhou impulso modo de ex­pres­sar a vida subje­tiva e articular o
durante o julgamento por obscenidade do poema impacto da tecnologia e da so­cie­dade de massa
Howl [Uivo] de Allen Ginsberg, em 1957. Quando sobre o indivíduo.
a alfândega de São Francisco apreendeu o livro, Vários estilos, alguns regionais, ou­tros asso­
sua editora, a City Lights, de Laurence Ferlinghetti, cia­dos a escolas ou poetas fa­mosos, dis­­putavam
moveu uma ação. Durante aquele notório jul­ atenção; a poesia ameri­cana após a II Guerra
gamento, críticos famosos defenderam a crítica Mundial era descen­tralizada, rica­men­te variada e
social apaixonada de Howl com base em seu impossível de se resumir. Para fins de discussão,
mérito literário redentor. O triunfo de Howl sobre porém, pode ser disposta ao longo de um espectro
os censores ajudou a empulsionar os poetas Beat pro­duzindo três campos sobre­postos — num ex­tre­
rebeldes – especialmente Ginsberg e seus amigos mo, o tradi­cional; no meio, o idios­sincrático e; no
Jack Kerouac e William Burroughs — para a fama. outro ex­tre­mo, o ex­pe­rimental. Poetas tra­dicionais
Não é difícil achar causas históricas para essa têm man­­tido ou revita­lizado tra­dições poé­ticas. Os
sensibilidade desassociada nos Estados Uni­dos. A poe­tas idios­sincráticos recor­rem tanto a téc­nicas
própria II Guerra Mundial, a elevação do anonimato tradi­cio­nais quanto inovadoras para produzir vozes
e consumismo numa socieda­de urbana de massa, singulares. Os experi­men­tais buscam no­vos estilos
os movimentos de protesto nos anos 60, o conflito culturais.
de uma década no Viet­nã, a Guerra Fria, ameaças
ambientais — a coleção de choques sofridos pela TRADICIONALISMO

O
cultura ame­ricana é extensa e variada. O que mais s escritores tradicionais incluem os reco­
transfor­mou a socie­dade americana, po­rém, foi o nhecidos mestres das formas e da dicção
adven­to da mídia e da cultura de massa. Pri­mei­ro o tradicionais, que escrevem com des­treza

81
facilmente iden­tificável, usando, em ge­ral­, rimas ou no inglês falado é alterada de forma pouco natural.
padrão métrico pre­esta­be­lecido. Costumam ser da Às ve­zes o efeito é no­bre, como na linha de Warren;
cos­ta leste ou do sul do país e lecionam em facul­ em outras, a poesia parece afetada, sem qualquer
dades e universi­dades. Richard Eberhart e Richard relação com emoções reais, como na linha de Tate:
Wilbur; os poetas Fu­gitivos mais velhos John Crowe “Presunçosamente tocou as orlas dos hierofantes.”
Ransom, Allen Tate e Robert Penn Warren; jovens Ocasionalmente, como em Hollander, How­ard e
poetas talentosos como John Hollander e Richard James Merrill (1926-1995), a dicção auto-cons­ciente
Howard e o iniciante Robert Lowell, são exem­plos. se combina com chiste, troca­di­lhos e alusões literá­
Estão estabelecidos e suas obras são com fre­ rias. Merrill, que é muito inova­dor por seus temas
qüência incluídas em antologias. urbanos, versos bran­cos, temas pessoais e tom de
O capítulo anterior discutiu o refinamento, o conversa leve, compar­tilha com os tradicionais o
respeito pela na­­tu­reza e os valores profun­da­mente hábito do chiste em “The Broken Heart” [Coração
conser­vadores dos Fugitivos. Essas qua­lidades en­ Partido] (1966), escrevendo sobre o casamento
feitam muitas obras poéticas guiadas pelos moldes como se fosse um coquetel:
tradicionais. Os poetas tradi­cio­na­is são em geral
precisos, rea­lis­tas e espirituo­­sos; como Richard Sempre aquela velha história -
Wilbur (1921­- ), são mui­tas vezes influenciados Pai Tempo e Mãe Terra,
nessas direções por poetas metafísicos ingleses Um casamento com gelo.
dos séculos 15 e 16, reva­lorizados por T.S.Eliot. No

A
poema mais famoso de Wilbur, “A World Without fluência óbvia e a pirotecnia verbal de al­guns
Objects Is a Sensible Emptiness” [Um Mun­do Sem poetas, como Merrill e John Ashbery, os tornam
Objetos é Um Vazio Sensorial] (1950) o tí­tulo foi bem sucedidos, em termos tradicionais, embora
em­pres­tado de Thomas Tra­herne, poeta metafí­sico. sua poesia redefina a arte poética de forma radicalmen­
A abertura vívida ilustra a clareza encon­trada por te inovadora. A elegância esti­lística faz alguns poetas
alguns poetas na rima e regula­ridade formal: parecerem mais tradi­cio­nais do que são, como no
caso de Randall Jarrell (1914-1965) e A.R. Ammons
Os altos camelos do espírito (1926-2001). Ammons cria diálogos intensos entre a
Dirigem-se para seus desertos, passando ruidosa­ huma­nidade e a natureza; Jarrell entra na consciên­cia
mente os últimos arvoredos encurralada dos expropriados — mulheres, crianças,
Com o estridular de serraria do gafanhoto, para o mel soldados condenados, como em “The Death of the
pleno do árido Ball Turret Gunner” [A Morte do Artilheiro da Torre
Sol. São lentos, orgulhosos... de Tiro] (1945):

Os poetas tradicionais, ao contrário de muitos Do sono de minha mãe caí no Estado,
experimentais que desconfiam da dicção “muito E curvei-me em seu ventre até meu pelo molhado
poé­tica”, apre­ciam linhas poéticas resso­nan­tes. Robert congelar.
Penn Warren (1905-1989) concluiu um poema com: Seis milhas da terra, livre de seu sonho de vida,
“Para amar tão bem o mundo que possamos crer, Acordei para um fogo antiaéreo negro e lutadores de
enfim, em Deus.” Allen Tate (1899 -1979) terminou um pesadelo.
poema assim: “Senti­nela do tú­mu­lo, que a nós todos Quando morri lavaram-me para fora da torre com
con­ta!” Poetas tradicio­nais também gostam de usar às uma mangueira.
vezes uma dic­ção retórica, de palavras obsoletas ou
estra­nhas, e muitos adjetivos (ex.:“coruja sepul­cral”) Embora muitos poetas tradicionais usem ri­ma,
e inversões, em que a ordem natural das pala­vras nem toda poesia rimada é tradicional em tema ou

82
tom. A poeta Gwendolyn Brooks (1917- estu­dou em Harvard, mas em Kenyon
2000) fala da dificuldade de viver — sem College, Ohio, onde rejeitou sua ori­gem
fa­lar de escrever — em favelas urbanas. puritana e converteu-se ao catolicismo.
Seu “Kitchenette Building” [Prédio Preso por um ano co­mo opositor cons­
Kitchenette] (1945) pergunta como: ciente à II Guerra Mundial, mais tarde
protestou em pú­blico contra a Guerra
Poderia um sonho subir através do do Viet­­nã.
cheiro de cebola Seus primeiros livros, Land of
Seu branco e violeta, lutar com batatas Un­likeness [Terra da Desseme­lhan­­
fritas ça] (1944) e Lord Weary’s Cas­tle [O
E o lixo de ontem amadurecendo no Castelo de Lorde Weary] (1946), ga­
corredor... nhador do Prêmio Pulit­zer, revelaram
grande controle de for­mas e estilos
Muitos poetas, inclusive Brooks, tradicionais, forte sentimento e visão
Adri­enne Rich, Richard Wilbur, Ro­bert inten­samen­­te pes­­soal ainda que histó­
Lowell e Robert Penn Warren, escreve­ rica. A vio­lên­cia e especificidade de
ram no início tradicio­­­nalmente, com suas pri­meiras obras são esmaga­doras
rima e métrica, mas as abandonaram em poemas como “Children of Light”
nos anos 60, sob pressão dos eventos [Crianças da Luz] (1946), conde­na­ção
pú­blicos e da tendência gradual para severa dos Puri­tanos que ma­ta­ram ín­
formas abertas. dios e cujos descenden­tes queimavam
cereais ex­ce­den­tes em vez de enviá­
Robert Lowell (1917 - 1977) -los aos famin­tos. Lowell escreve: “Nos­

O
mais influente dos poetas sos pais extra­í­ram seu pão do tron­co e
recentes, Robert Lowell come­ das pe­dras / E cerca­ram seus jar­dins
çou tradicio­nalmente, mas foi com ossos de peles-verme­lhas.”
influenciado por cor­rentes experimen­ Seu livro seguinte, The Mills of
tais. Como sua vida e obra abrangem the Kavanaughs [Os Moinhos de
o período entre mes­tres mo­­dernistas Kavanaughs] (1951), tem mo­nólo­gos
mais velhos, co­mo Ezra Pound, e es­ tocantes e dramáticos em que mem­
critores con­tem­­­porâneos, sua carreira bros da família reve­lam suas ternuras
põe os experimentais posteriores num Robert Lowell e falhas. Como sem­pre, seu estilo
contexto maior. combina o hu­ma­­no e o ma­jestoso.
Lowell se encaixa no molde do Usa muito a rima tradi­cional, mas
escritor acadêmico: branco, ho­mem, seu colo­quia­lismo a dis­farça até que
nacido protestante, ins­truí­do e bem pareça melodia de fundo. Foi a poesia
relacionado no meio polí­ti­co e social. experimental, porém, que deu a Lowell
Descendia de uma res­pei­tável família a ruptura para um idioma cria­tivo
‘Brâmane’ de Boston que incluía o individual.
famoso poeta Ja­mes Russell Lowell, Numa turnê de declamação nos
do século 19, e um presidente recente anos 50, Lowell ou­viu pela pri­meira
da Univer­sidade de Harvard. Robert vez as novas poesias expe­rimentais.
Lowell, porém, encontrou uma iden­ Howl [Uivo] de Allen Ginsberg e
tidade fora de seu meio elitista. Não Foto © Nancy Crampton Myths and Texts [Mitos e Textos] de

83
Gary Snyder, ain­da por publicar, esta­ processo.
vam sendo lidos e can­tados, às vezes A transformação de Lowell, um
acompanhados de jazz, em cafés de divisor de águas para a poesia do
North Beach, São Francisco. Lowell pós-guerra, abriu o caminho para
sentiu que, comparados a estes, seus outros jovens escritores. Em For the
poemas de reconhecido valor eram Union Dead [Para os Mortos da União]
muito formais, re­tóricos e presos a (1964), Notebook 1967-69 [Livro
con­ven­ções; ao lê-los em voz alta, foi Notas 1967-69] (1970) e livros subse­
intro­du­zindo revisões espontâ­neas, qüentes, continuou suas explorações
em direção a uma dic­ção co­lo­quial. autobiográficas e inovações técnicas,
“Meus pró­prios poemas pa­reciam inspirando-se na experiência com a
mons­tros pré-históricos, ar­ras­tados psicanálise. A poesia confessional
brejo abaixo e mortos pela pesa­da ar­ de Lowell tem sido particularmente
ma­dura”. Escre­veu de­pois. “Reci­tava influente. As obras de John Berryman,
o que não mais sentia.” Anne Sexton, Sylvia Plath (as duas
Nessa altura, Lowell, como mui­tos úl­timas, suas alunas) e muitos ou­tros,
poetas depois dele, aceitou o de­safio seriam inimagináveis sem Lowell.
de aprender com a tradição rival na
América — a escola de William Carlos POETAS IDIOSSINCRÁTICOS

O
Williams. Em 1962, es­creveu: “É como s poetas que desenvolveram
se apenas Williams tivesse realmente estilos ímpares a partir da tra­
enxergado a América ou ouvido sua dição, estendendo-a po­rém
lingua­gem”. Desde então, Lowell mu­ para novos campos, com um sabor
dou radicalmente seu estilo, incorpo­ distintamente contem­po­râ­neo, além de
rando “as mudan­ças rápidas de tom, Plath e Sexton, in­cluem John Berryman,
atmosfera e ritmo” que tanto apreciava Theodore Roethke, Richard Hugo,
em Williams. Philip Levine, James Dickey, Elizabeth
Lowell largou muitas de suas alu­ Bishop e Adrienne Rich.
sões obscuras; suas rimas tor­na­ram-se
integrantes da experi­ência poética, Sylvia Plath (1932 - 1963)
em vez de sobre­pos­tas. A estrutura de Sylvia Plath teve uma vida apa­ren­
estrofes tam­bém en­trou em colapso; temente exemplar: tendo cur­sado o
Sylvia Plath
surgiram novas formas de improvisa­ Smith College como bolsista, se forma­
ção. Em Life Studies [Estudos da Vida] do em primeiro lugar em sua turma,
(1959), introduziu a poesia confessio­ e ganho uma bolsa Fulbright para
nal, novo modo em que des­nudava cursar a Universidade de Cambridge, na
os problemas pessoais mais que mais Inglaterra. Lá co­nheceu seu carismático
o afligiam com grande honestidade e futuro marido, o poeta Ted Hughes,
intensidade. Em es­sência, não apenas com quem teve dois filhos e se fixou
descobriu sua individualidade como nu­ma casa no campo da Inglaterra. Por
celebrou nela suas manifestações mais trás do aparente conto de fadas, fervilha­
pessoais e difíceis. Transfor­mou-se vam problemas psicoló­gicos evocados
num con­tem­porâneo, à vontade com o em The Bell Jar [O Pote em Forma de
Foto © UPI/The Bettmann
ser, o fragmentado e a forma en­quan­to Archive Sino] (1963), roman­ce agradabilíssimo.

84
Alguns desses problemas eram pessoais enquanto
outros, de­correntes de atitudes repressoras para com Anne Sexton (1928 - 1974)
as mu­lheres nos anos 50. Entre estas, estava a cren­ça Como Plath, Anne Sexton era uma mulher pas­
— compartilhada pela maioria das mu­lheres — de que sional, que tentou ser esposa, mãe e poeta, às vés­
elas não deve­riam demons­trar raiva ou perseguir uma peras do movimento feminista nos Esta­dos Unidos.
car­reira ambicio­samente, ao invés disso, deveriam Como Plath, sofria de doença mental e acabou se
contentar-se em cuidar do marido e filhos. Mu­lheres suicidando.
bem sucedidas, como Plath, viviam uma contradição. A poesia confessio­nal de Sexton é mais autobio­
O conto de fadas de Plath desmoronou quan­do gráfica que a de Plath e não apresenta a apurada
ela e Hughes se separaram e ela cuidou das crianças qualidade dos primeiros poemas de Plath. Seus
pequenas num apartamento em Lon­dres durante versos, contu­do, suscitam fortes emoções. Lançam
um inverno de frio extremo. Doen­te, isolada e em temas tabus como sexo, culpa e suicídio. Introduzem,
desespero, Plath tra­balhou sem parar para criar uma audaciosamente, temas femininos como par­to, o
série de poemas marcan­tes, antes de suicidar-se corpo feminino ou casamento, visto do ponto de
com gás, na cozinha. Es­ses poemas foram reunidos vista da mulher. Em poemas como “Her Kind” [Seu
no volume Ariel (1965) dois anos após sua morte. Tipo] (1960), Sexton se identifica com uma bruxa
Robert Lowell, que escreveu a introdu­ção, destacou queimada viva na fogueira:
o rápido desenvolvimento de sua poesia, desde o
tempo em que ela e Anne Sexton eram suas alunas Já andei em sua carroça, condutor,
de poesia em 1958. acenei meus braços nus às aldeias que passavam,
A poesia inicial de Plath é bem trabalhada e aprendendo as últimas rotas brilhantes, sobrevivente
tradi­cional, mas seus últimos poemas exibem uma onde suas chamas ainda mordem minha coxa
bravura desesperada, um grito de angústia pro­to- e minhas costelas estalam onde suas rodas passam.
feminista. Em “The Applicant” [A Candi­data] (1966), Uma mulher assim não tem vergonha de morrer.
Plath expõe o vazio de seu atual papel de esposa Eu já fui de seu tipo.
(reduzida a um “aquilo” inani­mado):
Os títulos de suas obras indicam sua preo­cupação
Uma boneca viva, onde quer que você olhe. com a loucura e a morte. Incluem To Bedlam and Part
Pode costurar, pode cozinhar. Way Back [A Ida e a Volta Par­­cial Ao Hospício] (1960),
Pode falar, falar, falar. Live or Die [Viva ou Morra] (1966) e o livro póstumo
The Awful Rowing Toward God [O Terrível Remar em
Trabalha, não há nada de errado com aquilo. Dire­ção a Deus] (1975).
Você tem um buraco, é um cataplasma.
Você tem um olho, é uma imagem. John Berryman (1914 - 1972)
Meu filho, é seu último recurso. A vida de John Berryman assemelha-se à de
Será que você casa com ela, casa com ela, casa com ela. Robert Lowell em alguns aspectos. Nascido em
Plath ousa usar linguagem de cantiga de roda e Oklahoma, estudou no Nordeste — na escola prepa­
franqueza brutal. Ela tem um jei­to especial de usar ratória e na Universidade de Columbia, depois foi bol­
imagens audaciosas da cultura popular. Sobre um sista na Universidade de Prince­ton. Especializado em
bebê, ela escreveu certa vez: “O amor te fez começar métrica e formas tradi­cio­nais, foi inspirado pelo início
a funcionar, como um baita relógio de ouro.” Em da história ame­ricana e escreveu em seu Dream Songs
“Daddy” [Papai], ela imagina seu pai como o Drácula [Can­ções de Sonhos] (1969) poemas confessio­nais,
do cinema: “Há uma estaca em seu gordo coração autocríticos, que apresentam uma perso­nagem au­
negro / E os aldeões jamais gostaram de você.” tobiográfica grotesca, Henry, e reflexões sobre sua

85
pró­pria rotina de ensino, alcoo­lis­mo dos U­nidos.
crônico e ambição. Hugo escreveu poemas con­fessio­
Como Theodore Roethke, seu con­­ nais nostálgicos em ousados versos
temporâneo, Berryman desen­vol­­veu iâmbicos sobre pequenos vi­larejos
um estilo maleável, diver­tido, mas esquecidos em sua parte dos Esta­dos
profundo, enriquecido por fra­ses do Unidos; falou da vergo­nha, fracasso e
folclore, cantigas de roda, chavões e os raros momentos de aceitação nos
gíria. Sobre sua per­­so­nagem Henry, relacionamentos hu­manos. Cha­ma­va
Berryman es­cre­veu: “Ele encarou a a atenção do lei­tor a detalhes minucio­
ruína. A ruí­na devolveu seu olhar.” sos, apa­ren­te­men­te inconseqüentes,
Em outro tre­cho, escreveu espirituosa­ para ressaltar idéias mais significativas.
mente, “Oh, ai de mim, ai de mim / O poema“What Thou Lovest Well,
Quando é que a indiferença vai chegar, Remains American” [O Que Você Mui­
eu gemo e rujo.” to Ama Continua Americano] (1975)
termina com uma pessoa car­­regando
Theodore Roethke lembranças de sua ve­lha cidade natal,
(1908 - 1963) como comida:
Filho do proprietário de viveiro
de plantas, Theodore Roethke de­ caso você fique encalhado em alguma
sen­­vol­veu uma linguagem especial estranha cidade vazia
evo­cando o “mundo da estufa” de e precise de amantes famintos como
in­setos mi­núsculos e raízes ocul­tas: amigos, e precise sentir-se
Minho­ca, fique comigo. / Este é meu bem-vindo no clube de rua
tem­po de prova.” Seus poe­mas de que eles formaram.
a­mor em Words for the Wind [Pala­vras
ao Vento] (1958), celebram a beleza Philip Levine (1928 - )
e o desejo com paixão ino­cente. Um Philip Levine, nascido em Detroit,
poema come­ça: “Conhe­ci uma mulher, Michigan, lida diretamente com os
linda em seus ossos / Quando os pas­ sofrimentos econômicos dos trabalha­
sarinhos suspira­vam, ela suspirava de dores, através da obser­vação incisiva,
volta para eles.” Às vezes, seus poemas James Dickey raiva e ironia doloro­sa. Como Hugo,
pa­re­cem taquigrafia da natureza ou sua origem é urba­na e pobre. Tem sido
enig­mas antigos: “Quem aturdiu o pó a voz do indi­ví­duo solitário a mercê
em barulho? / Pergunte à tou­pei­ra, ela da América industrial. Muitos de seus
sabe.” versos são sombrios e refletem uma ten­
dên­cia anárquica em meio à reali­zação
Richard Hugo (1923 - 1982) de que sempre existirão os sistemas de
Richard Hugo, natural de Seattle, governo.
Washington, estudou com Theo­do­re Em um poema, Levine se com­para
Roethke. Cresceu pobre, em am­bientes a uma raposa que sobrevive num
urbanos sombrios, e se des­tacou ao mundo perigoso de caçadores graças à
comunicar as es­pe­­ran­ças, temores e coragem e esperteza. Em termos de seu
frustrações dos tra­balhadores contra o padrão rítmi­co, percorreu o caminho
pano de fundo do Noroeste dos Esta­ Foto © Nancy Crampton da métrica tradicional em suas obras

86
iniciais, para versos mais livres, abertos descritivo, que contém profun­dida­
em seus trabalhos recentes ao expres­sar des filosóficas ocultas. A descrição
seu protesto solitário contra os males do do Atlântico Norte gelado em “At the
mundo contemporâneo. Fishhouses” [Nas peixarias] po­de­ria
aplicar-se também à sua própria poe­
James Dickey (1923 - 1997) sia: “É como imagina­mos que seja o
James Dickey, romancista e en­ conhecimento: / es­cu­ro, salgado, claro,
saísta, além de poeta, é natural da tocante, to­tal­mente livre.”
Georgia. Em suas próprias refle­xões, Com Moore, Bishop pode ser co­
cria que o principal tema de seus lo­cada na tradição de poetas “frias”,
trabalhos era a continuidade que remontando a Emily Dickin­­son, em
existe — ou precisa existir — en­tre comparação com a poesia “quente” de
o ser e o mundo. Boa parte de sua Plath, Sexton e Adrienne Rich. Embora
obra tem raízes na natureza — rios e Rich te­nha iniciado com versos em for­
montanhas, padrões cli­máticos e os ma e métrica tradicionais, suas obras,
perigos à espreita na natureza. sobretudo as escritas após ter se tornado
No fim da década de 60, co­me­çou feminista ardorosa na década de 1980,
a trabalhar num romance, Deliverance incorporam fortes emoções.
[Libertação], sobre o lado sombrio do Seu talento especial é para metáfo­
relacionamento entre homens, que, ras, como em “Diving Into the Wreck”
quando publi­cado e posteriormente [Mergulhando no Naufrágio] (1973),
filma­do, aumentou se reconhecimento. trabalho extra­or­dinário que evoca a
Suas recentes coletâneas de versos busca de uma mulher por sua iden­
lidam com temas variados, como a tidade em termos de um mergulho
paisagem do Sul (Jericho: The South num navio naufragado. Os destroços
Beheld [Jericó: A Visão do Sul], 1974) são como a ruína da perso­nalidade da
e a influência da Bíblia sobre sua vida mu­lher, sugere o narrador; as mu­lheres
(God’s Images [Ima­gens de Deus], precisam encontrar seu caminho
1977). Dickey com freqüência preo­ por entre domínios mas­culinos. “The
cupava-se com o es­for­ço: “Su­pe­rando, Roofwalker” [Quem Anda no Telhado]
desespera­da­mente/Supe­rando o que (1961), dedi­c ado à poeta Denise
é preci­so.” Levertov, ima­gina a criação poética,
Elizabeth Bishop
Elizabeth Bishop (1911-1979) e para mulheres, co­mo ofício perigoso.
Adrienne Rich (1929- ) Como ho­mens ergendo um te­lha­do, ela
Entre as poetas do grupo idios­­ se sente “exposta, maior que a vida, /
sincrático, Elizabeth Bishop e Adrienne fadada a quebrar o pescoço.”
Rich foram as que gran­jearam mais
respeito nos últimos anos. A inteligên­ POESIA EXPERIMENTAL

A
cia cristalina e in­teresse por paisagens força por traz da realização
longín­quas e metáforas de viagem de madura de Lowell de boa par­
Bishop agradam os leitores por sua te da poesia contemporânea
exati­dão e sutileza. Como sua mento­ reside na experimentação ini­cia­da
ra, Marianne Moo­re, Bishop escreveu Foto © UPI/The Bettmann
nos anos 50 por uma série de poetas.
poemas de grande destreza num estilo Archive Estes podem ser divididos em cinco
escolas livres identificadas por Donald
87
Allen em The New American Poetry [A No­va Poesia abrir sua cabeça e colocar
Americana] (1960), a primeira an­tologia a apresen­ uma vela por
tar o trabalho de poetas até então relegados pelos trás dos olhos.
críticos e aca­dêmicos.
Inspirada pelo jazz e a pintura expressionista O amor está morto em nós
abstrata, a maioria dos escritores experimentais se esquecemos
são uma geração mais moça que Lowell. Ten­diam as virtudes de um amuleto
a ser boêmios, intelectuais da contra­cultura que e da rápida surpresa
se desassociaram das univer­si­dades e cri­ticavam
abertamente a sociedade ame­rica­na “burguesa”. A Escola de São Francisco
Sua poesia é ousada, ori­ginal e, às vezes, chocante. A obra da Escola de São Francisco — que inclui a
Em sua busca de novos valores, alega afinidade com maioria dos poetas da Costa Oeste em geral — deve
o mundo arcaico de mitos, lendas e sociedades muito às filosofias e religiões ori­en­tais, bem como à
tradicionais co­mo a dos indios americanos. As poesia japonesa e chinesa. Isto não é surpreenden­
formas são mais livres, espontâneas, orgânicas; te, já que a influência do Oriente sempre foi forte
brotam do pró­prio tema, do sentimento do poeta no Oeste dos Esta­dos Unidos. A região em torno de
no momento de criação e das pausas naturais da São Francis­co — as Montanhas de Sierra Nevada e a
linguagem falada. Como Allen Ginsberg comentou cos­ta acidentada — é linda e majestosa e os poe­tas
em “Improvised Poetics”, “o primeiro pensamento da região costumam ter um profundo sen­timento
é o melhor pensamento”. pela natureza. Muitos dos poemas situam-se nas
montanhas ou transcorrem durante caminhadas
A Escola de Black Mountain pela região. A poesia olha para a natureza, e não
A Escola de Black Mountain centrava-se em torno para a tradição literária, como fonte de inspiração.
do Black Mountain College, faculdade experimental Os poetas de São Francisco incluem Jack Spicer,
liberal de ciências humanas em Asheville, Carolina Lawrence Ferlinghetti, Robert Duncan, Phil Whalen,
do Norte, onde os poetas Charles Olson, Robert Lew Welch, Gary Snyder, Kenneth Rexroth, Joanne
Duncan e Robert Creeley lecionavam, no início dos Kyger e Diane diPrima. Muitos destes se identificam
anos 50. Ed Dorn, Joel Oppenheimer e Jonathan com a classe tra­balhadora. Suas poesias são, em
Williams estu­daram lá e Paul Blackburn, Larry geral, simples, acessíveis e otimistas.
Eigner e De­nise Levertov publicaram trabalhos nas Em seus melhores momentos, como na obra de Gary
revis­tas da escola, Origin e Black Mountain Review. Snyder (1930 - ), a poesia de São Fran­cisco evoca o
A Escola de Black Mountain está associa­da à teoria delicado equilíbrio entre o indivíduo e o cosmos. Em
de Charles Olson de “versos proje­tivos”, que insistia “Above Pate Valley” [Acima do Vale de Pate] (1955),
no uso de formas abertas, baseadas na espontanei­ o poeta descreve o trabalho dos que abrem trilhas na
dade da pausa de respi­ração na fala e na extensão montanha e encontram pontas de flechas de obsidiana,
da linha produzida pela máquina de escrever no de tribos indígenas desaparecidas:
papel.
Robert Creeley (1926-2005), que escreve com Numa colina nevada exceto no verão,
um estilo lapidar, minimalista, foi um dos prin­ Uma terra de veados gordos do verão,
cipais poetas da Escola de Black Mountain. Em Eles vieram acampar. Em suas
“The Warning” [O Alerta] (1955), Creeley imagina Próprias trilhas. Segui minha própria
a violenta e amorosa imaginação: Trilha aqui. Peguei a furadeira,
Picareta, marreta e saco
Por amor .... eu iria De dinamite.
Dez mil anos.
88
Lawrence Ferlinghetti (1919 - ), cuja
Poetas Beat livraria, City Lights, estabelecida em
A Escola de São Francisco se mes­cla North Beach, São Francisco, em 1951,
ao grupo seguinte — os poe­tas “Beat”, tornou-se ponto de encontro. Um dos
que surgiram nos anos 50. O termo poetas mais instruídos de meados do
“Beat” sugere variadamente batidas século 20 (ele obteve um doutorado
musicais, como no jazz; beatitude na Sorbonne), a poesia cuidadosa,
angelical ou bênçãos e “beat-up” — can­ humorística e política de Ferlinghetti
çado ou ferido. Os Beats (beatniks) se incluiu A Coney Island of the Mind [Uma
inspiravam no jazz, na religião ocidental Coney Island da Mente] (1958). Endless
e na vida itinerante. Esses foram todos Life [Vida sem Fim] (1981) é o título de
descritos em On the Road [Na Estrada], seus poemas selecionados.
famoso romance de Jack Kerouac, uma Gregory Corso (1930-2001), um
sensação quando foi publicado em criminoso insignificante cujo talento foi
1957. Um relato de uma viagem de carro nutrido pelos “Beats”, é lembrado por
através do país em 1947, o romance foi volumes de poemas bem-humorados,
escrito em três semanas agitadas, num como “Marriage” [Casamento], freqüen­
único rolo de papel, no que Kerouac temente incluído em antologias. Um po­
chamava de “prosa bop espontânea”. eta talentoso, tradutor e crítico original,
O estilo irrefreado, improvisado, os como visto em seu criterioso American
personagens alienados-místicos e a Poetry in the Twentieth Century [A
rejeição da autoridade e convenção Poesia Americana no Século Vinte]
incendiou a imaginação dos jovens (1971), Kenneth Rexroth (1005-1982)
leitores e ajudou a prenunciar a contra­ desempenhou o papel de estadista
-cultura independente dos anos 1960. para a anti-tradição. Um organizador
A maioria dos Beats importantes trabalhista de Indiana, ele viu os Beats
migrou para São Francisco vindo da como uma alternativa na Costa Oeste
Costa Leste e obteve seu reconheci­ ao padrão literário da costa Leste. Ele
men­to na­cio­nal inicial na Califórnia. encorajou os Beats com seu exemplo
O carismático Allen ginsberg (1926- e influência.
1997) tornou-se o principal porta­ A poe­sia Beat é oral, repetitiva e mui­
-voz do grupo. Filho de pai poeta e Allen Ginsberg to eficaz quando declamada, especial­
uma mãe excêntrica, comprometida mente porque deriva das declama­ções
com o comunismo, Ginsberg cur­ em clubes underground. Al­guns po­dem
sou a Universidade de Columbia, considerá-la corre­ta­mente a bi­savó do
onde se tornou grande amigo dos rap, ritmo pre­dominante na década de
colegas Kerouac (1922-1969) e Willam 1990. A poesia beat foi a forma literária
Burroughs (1914-1997), cujos roman­ mais anti-estabelecimento nos Estados
ces violentos e apavorantes sobre Uni­dos. Mas, por trás das pala­vras cho­
o submundo do vício da heroína cantes, existe o amor à pátria. A poesia
incluem The Naked Lunch [O Almoço é um grito de dor e raiva pelo que os
Nu] (1959). Esses três eram o núcleo poetas consideram a perda da inocên­
do movimento Beat. cia da América e o trágico desperdício
Outros destaques incluiam o editor Foto © The Bettmann Archive de seus recur­sos humanos e materiais.

89
Poemas como Howl [Uivo] (1956) rela­ção à arte abstrata, que desconfia
de Allen Ginsberg, revolu­cio­na­ram a das formas figurativas e dos senti­dos
poesia tradicional: óbvios, suas obras são freqüen­temente
de difícil compreensão, como nos tra­
Vi as melhores mentes de minha geração balhos mais recentes de John Ashbery
destruídas pela (1927 - ), talvez o poeta mais estimado
loucura, esfomeadas histéricas pela crítica do fim do século 20.
nuas, Os poemas fluidos de Ashbery
se arrastando pelas ruas registram pensamentos e emoções co­
negras na aurora mo se passassem pela mente depressa
procurando uma dose excitante, demais para a articulação direta. Seu
alienados de cabeças angelicais, profundo e longo poe­ma Self-Portrait
ardendo pela antiga ligação in a Convex Mirror [Auto-Retrato num
celestial com os dínamos estrelados na Espe­lho Convexo] (1975), ganhador
maquinária da noite... de três importantes prêmios, desliza
de pensamento em pensamento, fre­
A Escola de Nova York qüentemente refletindo de volta sobre
Diferentemente dos poetas Beat si mesmo:
e dos de São Francisco, os poetas
da Escola de Nova York não se inte­ Um navio
ressavam por questões claramente Desfraldando cores desconhecidas
mo­rais e, em geral, ficavam longe de entrou no porto.
temas políticos. De todos, eram os que Vo c ê e s t á d e i x a n d o qu e s t õ e s
tinham a melhor educação formal. extemporâneas
Os principais expoentes da Es­co­la Interromperem seu dia....
de Nova York — John Ashbery, Frank
O’Hara e Kenneth Koch — se conhece­ Surrealismo e Existencialismo
ram quando cursavam a Universidade Em sua antologia definindo as
de Harvard. São fundamentalmente novas escolas, Donald Allen inclui um
urbanos, frios, não-religiosos, espi­ quin­to grupo, que ele não con­se­gue
rituosos com uma sofisticação ao John Ashbery definir por falta de uma base geo­
mesmo tempo tocante e delicada. Os gráfica clara. Esse grupo vago inclui
versos primam pela ação, pelos deta­ diversos movimentos e expe­riências
lhes urbanos, pelas incongruências e recentes. Liderando tais correntes,
por uma sensação quase palpável de estão o surrealismo, que expressa o
incredulidade. inconsciente através de imagens vívi­
A cidade de Nova York é o centro das, como que de so­nhos, e diversos
de belas artes na América e o berço trabalhos de mu­lheres e minorias
do Expressionismo Abstrato, uma im­ étnicas que flo­res­ceram nos últimos
por­tante fonte de inspiração para esse anos. Em­bora superficialmente distin­
tipo de poesia. A maioria dos poetas tos, surrealistas, feministas e minorias
trabalhou como crítico de arte, curador parecem compartilhar um sentido de
de museu ou colaborou com pintores. alienação com respeito à litera­tura
Talvez devido a seu sentimento com Foto © Nancy Crampton dominante.

90
E
mbora T.S. Eliot, Wallace Stevens Isto não vai amenizar nossa tristeza.
e Ezra Pound já tivessem introdu­ Isto não vai consolar nossos filhos.
zido técnicas do simbo­lismo na Isto não vai poder nos ajudar.
poesia americana, ainda na década de
1920, o surrealismo, a principal força O surrealismo de Mark Strand, como
na poesia e no pensamento europeu o de Merwin, costuma ser desolador;
durante e depois da II Guerra Mundial, fala de uma carência extrema. Agora,
não criou raízes nos Estados Unidos. que tradições, valores e crenças o de­
Somente nos anos 1960, o surrea­lismo cepcionaram, o poeta nada tem senão
(juntamente com o existen­cialismo) sua alma cavernosa:
foi domesticado na Amé­rica, sob o
impacto da guerra do Vietnã. Eu tenho uma chave
Nos anos 1960, muitos escrito­res Então eu abro a porta e entro.
americanos — W.S. Merwin, Robert Bly, Está escuro e eu entro.
Charles Simic, Charles Wright e Mark Está mais escuro e eu entro.
Strand, entre outros — se voltaram para
o surrea­lismo francês e o espa­nhol, AS PoetaS E O FEMINISMO
em especial, por suas emo­ções puras, A literatura nos Estados Unidos,
ima­gens de arquétipos e mo­delos de como na maioria dos países, fora sem­
inquie­tação existencial anti-racio­nal. pre avaliada com base em padrões
Surrealistas como Merwin ten­dem que freqüentemente desconsidera­
a ser epigramatistas, como em: “Os vam a contribuição feminina. Ainda
deuses são aquilo em que falhamos as­sim, há muitas poetas de valor
em nos tornar / Se você a­char que não na literatura americana. Nem todas
crê mais, aumente o templo.” são feministas, nem só de questões
O surrealismo político de Bly femininas falam seus temas. As dife­
criticava severamente os valores renças regionais, políticas e raciais
americanos e a política externa na também deram forma à sua obra.
época do Vietnã, em poemas como: As poetas mais conhecidas incluem
“The Teeth Mother Naked at Last” [A Amy Clampitt, Rita Dove, Louise
Mãe dos Dentes Nua Enfim]: Glück, Jorie Graham, Carolyn Kizer,
Amy Clampitt
Maxine Kumin, Denise Levertov, Audre
É porque temos novas Lorde, Gjertrud Schnackenberg, May
embalagens para ostras Swenson e Mona Van Duyn.
defumadas Antes dos anos 1960, a maioria
que buracos de bomba surgem nos das poetas havia aderido a um ideal
arrozais andrógino, acreditando que o gênero
não interferia na excelência artística.
A influência surrealista mais difusa Essa posição alheia ao gênero foi,
tem sido mais calma e con­templativa, com efeito, uma forma inicial de
como o poema descrito por Charles feminismo que permitiu às mulheres
Wright em “The New Poem” [O Novo argumentarem por direitos iguais. Ao
Poema] (1973): fim da década de 1960, as mulheres
Foto © Nancy Crampton americanas — muitas ativas na luta

91
por direitos civis e protestos contra o by Women [A Antologia Norton de
conflito no Vietnã, ou influenciadas Literatura Feminina] (1985) de Gilbert
pela contra-cultura — começaram e Gubar facilitou o estudo da literatura
a reconhecer sua própria margina­ feminina entrou em foco.
lização. The Feminine Mystique [A Outras poetas influentes antes de
Mística Feminina] (1963), obra franca Sylvia Plath e Anne Sexton incluem
de Betty Friedan, publicada no ano do Amy Lowell (1874-1925), cuja obra
suicídio de Sylvia Plath, censurou pu­ tem grande beleza sensual. Ela editou
blicamente o baixo status da mulher. antologias Imagísticas influentes e
Outro marco, o livro Sexual Politics introduziu a poesia moderna francesa
[Política Sexual] (1969) de Kate Millett, e a poesia chinesa em tradução para o
defendeu a posição de que os textos mundo literário de língua inglesa. Sua
masculinos revelavam uma misoginia obra celebrava o amor, o desejo e o
penetrante, ou um desprezo pelas as­pec­to espiritual da beleza humana e
mulheres. da natureza. H.D. (1886-1961), amiga de
Nos anos 1970, uma segunda onda Ezra Pound e William Carlos Williams
de crítica feminista emergiu após a que havia sido analisada por Freud, es­
fundação da Organização Nacional das creveu poemas cristalinos inspirados
Mulheres (NOW) em 1966. A Literature pela natureza e pelos clássicos gregos
of Their Own [Uma Literatura Própria] e o drama experimental. Sua poesia
(1977) de Elaine Showalter identificou mística celebra deusas. As contribui­
uma importante tradição de autoras bri­ ções de Lowell e H.D., além de outras
tânicas e americanas. The Madwoman poetas do início do século 20, como
in the Attic [A Louca no Sótão] (1979) de Edna St. Vincent Millay, só agora estão
Sandra Gilbert e Susan Gubar traçou a sendo totalmente reconhecidas.
misoginia nos clássicos ingleses, como Poetas Multiétnicos
em Jane Eyre de Charlotte Brontë. Nesse A segunda metade do século 20
romance, uma esposa é levada à loucura testemunhou um renascimento da
pelo mal tratamento que seu marido lhe literatura multiétnica que se esten­
dispensa e é trancada no sótão; Gilbert Nikki Giovanni deu até o século 21. Nos anos 1960,
e Gubar comparam as vozes abafadas os escritores étni­cos nos Estados
das mulheres na literatura à essa figura Unidos, seguindo a liderança dos afro­
feminina oprimida. -americanos, começaram a coman­dar
As críticas feministas da segunda a atenção do público. Os anos 1970
onda desafiavam os cânones aceitos viram o surgimento dos programas de
das grandes obras argumentando estu­dos étnicos. nas universidades.
que os padrões estéticos não eram Na década de 1980, surgiram diver­
atemporais e universais, mas um sos periódicos aca­dê­micos, organiza­
tanto arbitrários, presos à cultura e ções profissio­nais e revistas literárias
patriarcais. O feminismo tornou-se nos dedicadas à causa multiétnica. As
anos 1970 a força motriz pela igualdade conferências volta­das ao estudo de
de direitos, não apenas na literatura, literaturas étnicas específicas apare­
mas na cultura mais ampla também. ceram e o cânone dos “clássi­cos” foi
The Norton Anthology of Literature Foto
Foto ©
© Nancy
Nancy Crampton
Crampton expandido para incluir escritores étni­

92
cos nas antologias e listas de cursos.
Os temas importantes incluíam raça
e etnicidade, vida espiritual, papéis
familiares e de gênero e linguagem.
s urgiram
obras originais salientam os tradicio­
nais aspectos fortes da comunidade
mexicana e a discri­minação que às
vezes sofre entre brancos. Às vezes, os

A
poesia dos grupos minoritários
diversos poetas mes­clam palavras em espanhol
compartilha a diversidade e, periódicos e in­glês, como na fusão poética de
às vezes, a ira da literatura aca­dê­micos, Alurista e Gloria An­zal­dúa. Sua poesia
femi­nina. Floresceu em obras de organizações é muito influen­ciada pela tradição oral
latinos e chicanos como Ga­ry Soto, profissio­nais e e é muito poderosa quando declama­da
Alberto Rios e Lorna Dee Cervantes; em voz alta.
de americanos nativos como Leslie
revistas literárias Alguns poetas escrevem sobre­
Marmon Silko, Simon Ortiz e Louise dedicadas tudo em espanhol, numa tradição que
Erdrich; de afro-americanos como à causa remonta ao primeiro épico escrito
Amiri Baraka (LeRoi Jones), Michael multiétnica. As em solo americano — Historia de la
S. Harper, Rita Dove, Maya Angelou e Nueva México, de Gas­par Pérez de
conferências
Nikki Giovanni e de ásio-americanos Villagrá, que cele­bra a batalha de
como Cathy Song, Lawson Inada e voltadas ao 1598 entre os in­va­­sores espanhóis
Janice Mirikitani. estudo de e os índios Pue­blo de Acoma, Novo
literaturas México.
Poesia Chicana/Latina étnicas I Am Joaquin [Sou Joaquin] (1972),
A poesia de influência hispânica de Rodolfo Gonzales (1928 - ), tex­to
abrange obras de diversos grupos.
específicas central da nova poesia chicana, evoca
Entre eles está o dos americanos de apareceram e a aculturação: o narrador está “Perdido
origem mexicana, conhecidos desde a o cânone dos num mundo de confusão/Preso na
década de 50 como chica­nos, que têm “clássi­cos” foi roda-viva da sociedade gringa/Confuso
vivido há muitas ge­ra­ções no Sudoeste pelas regras...”
expandido para
dos Estados Uni­dos tomado do México Muitos escritores chicanos encon­
na Guer­ra Mexicano-Americana que incluir escritores tram sustento em suas antigas raízes
aca­bou em 1848. étnicos nas mexicanas. Pensan­do na grandeza do
Entre as popula­ções do Caribe antologias e antigo México, Lorna Dee Cervantes
hispânico, os cubano-americanos e os listas de cursos. (1954 - ) escreve que “um corrido épi­
porto-riquenhos são os que mantêm co” canta em suas veias, já Luis Omar
tradições lite­rá­rias vitais e distintas. Salinas (1937 - ) se sente “um anjo
Por exem­plo, o talento do cubano- asteca”.
ameri­cano para a comédia o distin­gue Boa parte da poe­sia chicana é alta­
do lirismo elegíaco dos escritores mente pessoal e aborda sentimentos
chicanos, como Rudolfo Anaya. Os ou pessoas da família ou da comuni­
novos imigrantes vindos do México, dade. Gary Soto (1952 - ) se inspira na
América Central, do Sul e Espanha antiga tradição de honrar os antepas­
estão constantemente enriquecendo sa­dos, mas os versos a seguir, escritos
e ampliando esta seara literária. em 1981, descrevem a atual con­dição
A poesia chicana, ou mexicano­ multicultural de todos os americanos:
-americana, tem rica tradição oral,
na forma de balada, ou o corrido. As Uma vela é acesa para os mortos

93
Dois mundos diante de todos nós Foto © Nancy Crampton como a do haicai:

Nos anos 1980, a poesia chicana do céu de gelo espesso


alcançou nova proeminência e as correndo velozmente
obras de Cervantes, Soto e Alberto batendo
Rios foram cada vez mais incluídas revolvendo sobre a copa das árvores
em antologias. Vêm os alces da neve,
Gary Soto Correndo, correndo
Poesia Americana Nativa canto branco
Os americanos nativos têm pro­du­­ vento de tempestade nos galhos.
zido versos excelentes, provavel­mente
porque a tradição do canto xamanístico Louise Erdrich (1954 - ), roman­­cista
desempenha um papel vital em sua como Silko, cria pode­rosos monó­
herança cultural. Seus traba­lhos pri­ logos dra­má­ticos que têm o efeito
mam pela evocação vívida e di­­nâ­­mica de peças dramáticas condensadas.
do mundo natural, que se torna quase Mostram cruelmente famílias lidando
místico, às vezes. Os poetas indígenas com o alcoo­lismo, o desemprego, e a
também expres­sam o sentido trágico po­breza na reverva Chippewa.
da per­da irreversível de seu rico patri­ Em “Family Reunion” [Reu­nião
mônio cultural. de Família] (1984), um tio bêbado e
Simon Ortiz (1941 - ), um pue­blo de grosseiro volta, depois de vários anos
Acoma, baseia muitos de seus poemas na cidade. Como ele sofre do coração, a
na his­tória, explorando as contra­dições sobrinha mal­tra­­tada, que é a narradora,
ineren­tes à vida de um índio americano se lembra de como esse tio, anos antes,
nos Estados Unidos de hoje. Sua poesia havia matado uma grande tartaruga
desafia os leitores anglo-americanos, ao colocar fogos de artifí­cio em seu
porque freqüen­temente os faz lembrar interior. O fim do poema liga o Tio Ray
as injus­tiças e violências cometidas à tarta­ruga que ele vitimou.
contra os ame­ricanos nativos. Seus
poemas pressentem uma harmonia De algum modo achamos o caminho de
racial baseada numa com­pre­ensão mais volta, Tio Ray,
profunda. canta uma velha canção para o corpo
Em Star Quilt [Colcha de Es­tre­las], que o puxa
Roberta Hill Whiteman (1947 - ), da para casa. As barbatanas cinzas em que
tribo Oneida, imagina um futuro mul­ suas mãos se tornaram
ti­cultural seme­lhante a uma “colcha Leslie Marmon Silko Apertam seus ossos contra o
de es­trelas, costurada com a luz da painel. Seu rosto
aurora”, já Leslie Marmon Silko (1948 tem a estranha, calma paciência de uma
- ), que é parte pueblo de Laguna, criança que sempre
usa a lin­gua­­gem coloquial e histórias deixou as grandes feridas de lado, ou uma
tradi­cionais para criar poemas líricos criatura que viveu
muito tocantes. Em “In Cold Storm muito tempo debaixo d’água.
Light” [À Luz da Tempes­tade Fria] E os anjos vêm
(1981), Silko cria uma ressonância Foto © Nancy Crampton baixando suas tipóias e macas.

94
Foto © David Ash / O poema ter­mina jun­tando imagens de
CORBIS OUTLINE
Poesia Afro-Americana hospital, racismo num antigo filme ame­
Os negros americanos têm produ­ rica­no, Birth of a Nation [Nascimento de
zido muitos poemas de grande beleza uma Nação], a Ku Klux Klan, a edi­ção
e diver­sidade de temas e tons. É a de filmes e a tecnologia de raio-x:
mais desenvolvida das literatu­ras étni­
cas na América e bem diversificada. Recarregamos nossos cérebros como
Amiri Baraka (1934 - ), o mais famoso Louise Errich câmeras,
poeta afro-ameri­cano dos anos 1960 e o filme superexposto
1970, também escreve peças teatrais e à luz do raio-X,
participa da polí­tica. Os textos de Maya trancado com nossos fotômetros de
Angelou (1928 - ) englobam formas porta dupla: raça e sexo
literárias diver­sas, inclusive poesia, rebobinados e apertados como hobby;
peças dramáticas,e seu famoso livro pegamos nossa trouxa e vamos
de memórias, I Know Why the Caged para casa.
Bird Sings [Eu Sei Porque o Pássaro
Engaiolado Can­ta] (1969). A história, o jazz e a cultura po­pular
Rita Do­ve (1952 - ), foi aclamada inspiraram muitos afro-ameri­canos,
poeta lau­reada dos Estados Unidos em de Harper (professor uni­versitário) ao
1993. Dove, também autora de fic­ção poeta e editor da Costa Oeste, Ishmael
e drama, ganhou o Prêmio Pulit­zer de Reed (1938 - ), conhecido por liderar
1987 por Thomas and Beulah (1986), a literatura multicul­tu­ral através da
em que home­­­na­geia seus avós por Before Columbus Foundation e de
meio de uma série de poe­mas líricos. várias revistas como Yardbird, Quilt e
Ela disse que escreveu es­ses versos Konch.
para re­ve­lar a rica vida interior das Mui­tos poetas afro-ame­ricanos,
pes­soas pobres. como Audre Lorde (1934-1992), têm
Michael Harper (1938 - ) tam­bém se nutrido do Afrocentrismo, que vê a
escreve poemas que revelam a vida África como centro de civilização desde
complexa de afro-ameri­ca­nos frente à a antiguidade. Em poemas sensuais
discriminação e violên­cia. Seus poemas como “The Wo­men of Dan Dance with
densos e cheios de alusões, tratam Swords in Their Hands to Mark the Time
freqüen­temente de cenas amontoadas, When They Were Warriors” [Mu­­lheres
dramá­ticas de guerra ou vida ur­bana. de Dan Dançam com Es­pa­das Nas
Usam imagens cirúr­gicas, numa tentati­ Maya Angelou Mãos para Marcar o Tem­­po em que
va de curar. Seu poe­ma “Clan Meeting: Eram Guerreiras] (1978), ela fala como
Births and Nations: A Blood Song” guerreira do antigo Dao­mé, “armando
[Encontro de um Clã: Nascimentos tudo que toco” e “con­sumindo” só “O
e Nações: U­ma Canção de Sangue] que já está morto”.
(1971], que compara o cozinhar à
cirurgia (“unindo as car­nes com flui­ Poesia Ásio-Americana
dos”), começa: “re­cons­tru­imos vidas Como a poesia dos chicanos e lati­
na unidade / de terapia inten­siva, de nos, a poesia ásio-ameri­cana também
pedaços colocados jun­tos num bufê...” Foto © Nancy Crampton é extremamente va­riada. Americanos

95
de origem japo­nesa, chinesa e filipina Anthology [Ayumi: Uma Antologia Nipo-
po­dem estar vivendo nos Estados Americana] (1980).
Unidos há oito gerações, enquanto os A lírica Picture Bride [Retrato de
de ori­gem corea­na, tai­lan­desa e viet­ Noiva], da poeta sino-americana Cathy
namita provavelmente são imi­gran­tes Song (1955- ), tam­bém dramatiza a
recentes. Cada grupo cresce a partir história através da vida de sua familia.
de uma tradição lingüís­tica, histórica e Muitos poetas ásio-ameri­canos explo­
cultural distinta. ram a diversidade cultural. Em “The
A literatura ásio-americana tem Vegetable Air”[O Ar Vegetal] (1988), de
evo­luído no sentido de dar ênfase Song, uma cidade­zinha dilapidada, com
aos es­tu­dos voltados para a Orla do vacas na praça, um res­tau­rante chinês
Pacífico e às obras femi­ninas. Os ásio- e uma placa da Coca-Cola pen­durada
ameri­canos normalmente resis­tem ao torta se tornam emblemáticos da vida
estereótipo ra­cial de uma minoria “exó­ contemporânea multicultural e sem ra­
tica” ou “boa”. Esteti­cistas começam a ízes, su­por­tável apenas pela arte, neste
com­pa­rar tradições lite­rárias ocidentais caso uma ópera gravada em cassete:
e orientais como, por exemplo, os
conceitos de tao e logos. então, a ária familiar,
Os poetas ásio-americanos se ins­pi­ subindo como a lua,
ram em muitas fontes, da ópera chinesa O eleva acima de si mesmo,
ao zen, e as tra­­­dições literárias asiáticas, transportando-o para outro país
particularmente o zen, têm inspirado onde, por um momento, você viaja leve.
muitos poetas não-asiá­ticos, como
pode ser visto na antologia Beneath a A ESCOLA DA LINGUAGEM,
Single Moon: Buddhism in Contemporary EXPERIMENTAÇÃO E NOVO
American Poetry [Debaixo de uma Única FORMALISMO
Lua: o Budismo na Poesia Americana No fim do século 20,os rumos tomados
Contempo­rânea], de 1991. Os poetas pela poesia americana incluiu o dos
ásio-americanos cobrem o espectro da “language poets” [poetas da lin­gua­
postura iconoclasta ado­tada por Frank gem], vagamente associados com a
Chin (1940- ), co-editor da Aiiieeeee! revis­ta Temblor e Douglas Messerli,
(uma das primeiras antologias da litera­ Rita Dove editor de “Language” Poetries: An
tura ásio-americana), ao uso generoso Anthology [Poesias da Lin­guagem: Uma
da tradição por autores como a roman­ Antolo­gia] (1987). Entre eles Bruce
cista Maxine Hong Kingston (1940- ). Andrews, Lyn Hejinian, Bob Perelman
Janice Mirikitani (1942- ), sansei (terceira e Barret Watten, autor de Total Syntax
geração de nipo-america­nos), evo­ca [Sintaxe Total] (1985), uma coletânea
a história nipo-americana e pu­blicou de ensaios. Esses poetas estendem a
diversas antologias, como Third World linguagem para revelar seu poten­cial de
Women [Mu­lheres do Terceiro Mundo] ambigüi­dade, fragmen­tação e auto-afir­
(1973), Time to Greez! Incantations ma­­ção em meio ao caos. Irôni­cos e pós-
From the Third World [Hora de Greez! moder­nos, rejeitam as “metanar­rativas”
Encantamentos do Terceiro Mundo] Foto © Christopher Felver / — ideologias, dog­mas, con­venções — e
(1975) e Ayumi: A Japanese American CORBIS questionam a exis­tência de realidade

96
transcendente. Michael Palmer escreve: (edi­tor da Station Hill Press), o falecido
Armand Schwerner e Jackson Mac
Este é o Paraíso, um livro embolorado Low. Este também escreveu poesia
deixado na casa por tempo demais visual ou con­cre­ta, que faz uma decla­
ração visual com base em posicio­
O “Chronic Meanings” [Sentidos namento e tipografia.
Crônicos], de Bob Perelman, assim A poesia-performance étnica al­
começa: cançou populari­dade com a música
rap, enquanto, em todos os Estados
O fato único é matéria. Unidos, as ‘mara­tonas poéticas’ [“po-
Cinco palavras podem dizer apenas. etry slams”] — competições de poesia
Céu negro à noite, razoavelmente. abertas, em galerias de arte alternativa
Eu sou, o resíduo irracional... e em livrarias literárias — tornaram-se
um passatempo barato, participa­tivo e
Vendo a crítica artística e literária bem-humorado.
como ine­ren­temente ideológica, eles No outro extremo do espectro
se opõem às formas fechadas do teórico estão os “Novos Forma­
modernismo, hierarquias, noções de listas”, que defendem a volta à
epifania e transcendência, categorias forma, rima e métrica. Todos os
de gêneros e textos canônicos ou gru­pos estão reagindo ao mesmo
obras literárias acei­tas. Em vez disso, pro­b le­m a — a complacência do
propõem for­mas abertas e textos mul­ mundo convencional para com o
ticulturais. Apro­priam-se de ima­gens status quo, um som cuidadoso e
da cultura popular e da mídia e as re­ exces­sivamente polido, (muitas vezes
modelam. Como a poe­sia-performance, produto de oficinas poéticas), e uma
os poemas de linguagem em geral ênfase excessiva no lirismo pessoal,
resistem à interpretação e convi­dam à em detrimento do gesto público.
participação. A escola formal está asso­ciada a
Poesia orientada à performance Story Line Press; Dana Gioia (poeta­
— conjuntos de operações ca­suais -empresário); Philip Dacey e David
como as do compositor John Cage, Maxine Hong Kingston Jauss, poetas e editores de Strong
improvisações de jazz, tra­ba­lhos com Measures: Contemporary American
meios mistos e o sur­rea­lismo europeu Poetry in Traditional Forms [Medidas
— têm influenciado muitos poetas For­tes: Poesia Americana Contem­
americanos. Entre as figuras famosas, porânea em Formas Tradicio­nais]
temos Laurie Anderson (1947- ), autora (1986); Brad Leithauser; e Gjertrud
do suces­so internacional United States Schnackenberg. The Direction of
[Es­ta­dos Unidos] (1984), que usa filme, Poetry: Rhymed and Metered Verse
vídeo, acústica e música, co­reo­grafia e Written in English Since 1977 [Os
tecnologia espa­cial. A poe­sia do som, Rumos da Poesia: Versos com Rima e
enfatizando a voz e os instrumentos, é Métrica, Escri­tos em Inglês a Partir de
praticada por poetas como David Antin 1977], de Robert Richman, constitui
(que faz apresentações improvisa­das) uma das antologias mais recentes.
e os no­va-iorquinos George Quasha Foto © Nancy Crampton Em­bora esses poetas tenham sido

97
acu­sados de estar recuando no tempo e tratando
de temas do século 19, freqüentemente adotam
posições e imagens con­tem­po­râneas, além da
linguagem musical e das formas fechadas, tradi­
cionais. 

98
CAPÍTULO O LEGADO REALISTA E O
FIM DA DÉCADA DE 1940

C
8
omo na primeira metade do século 20, a
ficção da segunda metade refletia o espírito
de cada déca­da. O fim dos anos 1940 viu
as conseqüên­cias da II Guerra Mun­dial e o início
da Guerra Fria.
PROSA AMERICANA A II Guerra ofereceu material de primeira:
1945-1990: Norman Mailer (The Naked and the Dead [Os Nus
REALISMO E e Os Mortos] 1948) e James Jones (From Here to
EXPERIMENTAÇÃO Eternity [Daqui para a Eterni­dade] 1951) foram os
que melhor fizeram uso dele. Ambos utilizaram rea­
lismo beirando o natura­lismo cruel e se esfor­çaram

A
narrativa, nas décadas que se seguiram à II para não enaltecer o comba­te. O mesmo se deu
Guerra Mundial, resistiu à generalização: era com The Young Lions [Os Jovens Leões] (1948) de
extremamente variada e multifacetada. Foi Irwin Shaw. Her­man Wouk, em The Caine Mutiny
revi­talizada por correntes internacionais como o [O Motim de Caim] (1951), tam­bém mostrou as
exis­tencialismo europeu e o realismo mágico la­­ fra­quezas humanas, tão evidentes nos tempos de
tino-americano enquanto a era eletrônica trouxe a guerra quanto nos de paz.
aldeia global. A palavra falada na televisão trouxe Mais tarde, Joseph Heller retratou a II Guerra
vida nova à tradição oral. Os gêneros orais, a mídia em termos satíricos e ab­surdos (Catch-22 [Beco
e a cultura popular influenciaram cada vez mais Sem Saída] 1961), ar­gu­­men­tando que a guerra está
a narrativa. impregnada de loucura. Thomas Pynchon apresentou
No passado, a cultura de elite influenciava a cul­ um caso intricado e brilhante que parodia e desloca
tura popular por seu status e exemplo; o processo diferentes ver­sões da reali­dade (Gravity’s Rain­bow
inverso parece ter ocorrido nos Esta­dos Unidos dos [Arco-Íris da Gravi­dade] 1973). Kurt Vonnegut Jr. tor­
anos pós-guerra. Romancistas sérios como Thomas nou-se um dos expoentes da con­tracul­tura do início
Pynchon, Joyce Carol Oates, Kurt Vonnegut Jr., Alice dos anos 1970 com a pu­­­bli­cação de Slaughterhouse-
Walker e E.L. Doctorow se inspiraram e comentaram Five; or The Chil­­dren’s Crusade [Mata­dou­ro-Cinco ou
historias em quadrinhos, filmes, moda, música e A Cru­­za­da das Cri­an­­­ças] (1969), romance antibé­lico
história oral. sobre bombas incen­diá­rias lançadas pelos Alia­dos
Dizer isso não é trivializar esta literatura: os escri­ em Dresden, Ale­ma­nha, na II Guerra (que presenciou
tores nos Estados Unidos estão fazendo perguntas em terra, como pri­sio­neiro de guerra).
importantes, muitas de natureza metafísica. Eles se A década de 1940 viu florescer um novo con­
tornaram muito inovadores e autoconscientes, ou “re­ tin­gente de escritores, com o poeta-roman­cista-
flexivos”. Geralmente achavam as formas tradicionais ensaísta Robert Penn Warren, os drama­tur­gos
ineficazes e bus­cavam vitalidade no material mais Arthur Miller e Tennessee Williams e as contistas
popular. Ou seja: os escritores americanos desenvol­ Kathe­rine Anne Porter e Eudora Welty. Todos,
veram, nas décadas pós-guerra, uma sensibilidade menos Miller, eram do Sul. Todos exploraram o
pós-moderna. A reestruturação modernista de pontos destino do indivíduo na família ou comunidade e
de vista já não os satisfazia: era o contexto da visão enfocaram o equilíbrio entre crescimento pessoal
que precisava ser reformulado. e responsabilidade para com o grupo.

Robert Penn Warren


99
(1905 - 1989) ao longo de várias décadas, inclu­índo
Robert Penn Warren, um Fu­­gitivo do All My Sons [Todos os Meus Fi­lhos]
Sul, desfrutou de car­reira profícua por (1947) e The Crucible [O Ca­dinho]
todo o sé­cu­lo 20. Re­ve­lou, ao longo (1953). Ambos são políti­cos — um
de sua vida, preocu­pação com os contemporâneo, o ou­tro ambientado
valores demo­cráticos dentro de seus na era colonial. O primeiro trata de um
contextos históri­cos. Seu ro­man­­ce mais industrial que, durante a II Guerra, per­
permanente, All the King’s Men [To­dos mite a entrega de peças sabida­mente
os Ho­mens do Rei] (1946), enfoca as defeituosas pa­ra fá­bri­cas de aviões,
implica­ções mais sombrias do so­­nho causando a morte de vários pilotos
ameri­cano — como visto no relato leve­ americanos. The Cru­ci­ble retrata o
men­­te camuflado da car­rei­ra de Huey julgamento de bru­xas em Salem (em
Long, exuberante e sinis­tro político do Massachusetts), no século 17, quando
Sul. colo­nos pu­­ri­ta­nos foram injus­ta­mente
conde­nados por bruxaria. Sua men­­­sa­
Arthur Miller (1915 -2005) gem, porém — de que “caças às bruxas”

O
dramaturgo Arthur Miller, dirigidas a inocentes são aná­­­te­­mas
natural de Nova York, teve numa democracia — era rele­vante na
seu auge em 1949 com Death era em que foi en­ce­nada, no início dos
of a Salesman [Morte de um Chaixeiro- anos 1950, quan­do a cruzada an­ti­co­­
Viajante], estudo sobre a busca de um mu­nista liderada pelo Sena­dor Joseph
homem por mérito e valor em sua vi­­da McCarthy e outros ar­rui­nou a vida de
e a realização de que o fra­cas­so está muitos inocen­tes. Em parte em resposta
sempre à espreita. Passa­do na famí­lia a The Crucible, Miller foi chamado
da personagem principal, Willy Lo­man, perante a Comissão de Atividades
a peça gira em torno de relaciona­ Antiamericanas do Congresso em 1956
men­­­tos tu­mul­­­­tu­a­dos entre pai e fi­lhos, e foi solicitado a fornecer os nomes de
mari­do e mu­lher. É um espe­lho das pessoas que pudessem se simpatizan­
ati­tudes literá­rias dos anos 1940, com tes do comunismo. Devido à sua recusa
sua rica com­binação de realis­mo tinto em fazê-lo, foi acusado de desrespeitar
de na­tu­ralis­mo; perso­nagens cuida­do­­ o Congresso, acusação que foi retirada
sa­mente traçadas e bem acaba­das e a Robert Penn Warren em apelação.
insis­tência no valor do indi­víduo, ape­ Uma peça sua posterior, Incident
sar do fra­casso e do erro. O romance é at Vichy [Incidente em Vichy] (1964),
u­ma peã ao ho­mem comum — a quem, tratava do holocausto — a destruição de
co­mo elogia a viúva de Willy Loman, muitos dos judeus europeus nas mãos
“se deve dar atenção”. Tocante e som­ dos nazistas e seus colaboradores. Em
bria, é tam­­­­­bém uma história de sonhos. The Price [O Preço] (1968), dois irmãos
Como uma per­sonagem co­menta com lutam para se libertar dos fardos do
ironia: “um ven­de­dor tem que so­nhar, passado. Um dos dramas de Miller
me­nino. Faz parte do negó­cio.” incluía duas peças de um ato, Fame
Death of a Salesman, um divisor [Fama] (1970) e The Reason Why [O
de águas, ainda assim, é apenas um Porquê] (1970). Seus ensaios estão
dos vá­rios dramas es­critos por Miller, Foto © Nancy Crampton colecionados em Echoes Down the

100
Corridor [Ecos ao Longo do Corredor] de Hellman, Scoundrel Time [Tempo
(2000) e sua autobiografia, Timebends: de um Salafrário] (1976).
A Life [Dobras do Tempo: Uma Vida],
foi lançada em 1987. Tennessee Williams
(1911 - 1983)
Lillian Hellman (1906 - 1984) Tennessee Williams, natural do
Como Robert Penn Warren, a visão Mississipi, foi dos indivíduos mais com­
moral de Lillian Hellman foi moldada plexos da cena literária ameri­ca­na em
pelo Sul. Sua infância foi passada, na meados do século 20. Sua obra enfo­
maior parte, em Nova Orleans. Suas cava emo­­ções pertur­ba­das den­­­tro das
peças contrangedoras exploram as famí­lias — a maioria sulista. Era famoso
muitas formas e abusos do poder. pelas repe­ti­­ções de en­can­tamento,
Em The Children’s Hour [A Hora das dic­ção poé­ti­ca sulis­ta, cenários gó­ti­cos
Crianças] (1934) uma garota mani­ estra­nhos e exploração freu­dia­na da
puladora destrói as vidas de duas emoção humana. Um dos pri­meiros
professoras ao dizer a todos que elas au­to­res americanos a assumir sua
eral lésbicas. Em The Little Foxes [As homosse­xua­lidade, Williams expli­cou
Raposinhas] (1939), uma antiga e rica que os desejos de suas per­so­nagens
família sulista luta por uma herança. atormentadas ex­pres­sa­vam sua soli­
Sua obra anti-facista Watch on the Rhine dão. Suas persona­gens vivem e so­frem
[Sentinela no Reno] (1941) cresceu de inten­sa­mente.
suas viagens à Europa nos anos 1930. Escreveu mais de 20 dra­­­mas, muitos
Suas memórias incluem An Unfinished dos quais auto­bio­gráficos. Che­gou
Woman [Uma Mulher Inacabada] ao auge cedo na carreira – nos anos
(1969) e Pentimento (1973). 1940 – com The Glass Me­­na­gerie [Co­
Por muitos anos, Hellman se leção de Bi­­chos de Cris­tal] (1944) e A
relacio­nou intimamente com o escri­ Street­car Named Desi­re [Um Bon­de
tor de scripts Dashiell Mannett, cuja Cha­ma­do De­sejo] (1949). Ne­­nhuma
persona­gem, o detetive experiente o­bra posterior, ao longo de mais de
Sam Spade, fascinou os americanos duas décadas, chegou ao su­cesso e
durante a Depressão. Hammett in­ rique­za destas duas.
ventou o ro­man­ce de detetive durão Tennessee Williams
fundamen­talmente americano: The Katherine Anne Porter
Maltese Falcon [O Falcão Maltês] (1890 - 1980)
(1930) e The Thin Man [O Homem A carreira de Katherine Anne Por­
Magro] (1934). ter abrangeu vá­rias eras. Seu pri­meiro
Hellman, Como Arthur Miller, recu­ su­ces­so, o conto “Flowering Judas”
sou-se a fornecer nomes à Comissão [O Des­­pontar de Judas] (1929), se
de Atividades Antiamericanas do passava no México, na re­vo­lu­ção. Os
Congresso e ela e Hammett foram contos maes­tral­mente escritos que
colocados na lista negra (impedidos de lhe de­ram no­to­rie­dade desven­dam
trabalhar na indústria de entretenimen­ com sutil­eza vidas pes­­soais. “The
to americana) por certo tempo. Estes Jilting of Granny Wea­therall” [O Fim
eventos são recontados nas memórias Foto © Nancy Crampton do Noi­­­va­do de Gran­ny Weathe­rall], por

101
exemplo, transmite gran­des emo­ções e afirma­tivo, como no con­to muito
com pre­cisão. Ela re­ve­la, muitas ve­zes, co­men­tado “Why I Work at the P. O.”
ex­­pe­ri­ências inte­riores das mu­lhe­res e [Por­que Traba­lho nos Cor­reios], sobre
sua de­pen­­dência dos ho­mens. a fi­lha teimo­sa e inde­pen­dente que sai
Os matizes de Porter se devem mui­­­to de casa para viver numa minúscula
às histórias da neo-zelan­de­sa Katherine agência dos cor­reios. As coletâ­neas de
Mansfield. As coletâ­neas de contos de con­tos in­clu­em The Wide Net [A Rede
Porter in­cluem Flowering Judas (1930), Am­pla] (1943), The Golden Apples [As
Noon Wine [Vinho do Meio-Dia] (1937), Maças Doura­das] (1949), The Bride of
Pale Horse, Pale Rider [Cavalo Pá­lido, the Innisfa­llen [A Noi­­va de Innis­fallen]
Cavaleiro Pá­lido](1939), The Leaning (1955) e Moon Lake [La­go da Lua]
Tower [A Tor­­re Inclinada] (1944) e (1980). Tam­bém escre­veu ro­­man­ces
Collected Stories [Coletâ­nea de His­ como Del­t a Wedding [Casa­m en­­­to
tórias] (1965). No início dos anos 1960, no Del­­ta] (1946), sobre uma fa­mí­lia
escre­veu um longo romance alegórico de fa­zen­deiros na atu­a­li­dade, e The
com um tema atem­po­ral — a respon­sa­ Optimist’s Daughter [A Filha do Oti­
bi­lidade dos ho­mens uns pelos ou­tros. mista] (1972).
Inti­tu­lado Ship of Fools [Navio de To­los]
(1962), se passava no fim da década OS ANOS 1950
de 1930 a bordo de um transa­tlân­ti­co A década de 1950 viveu o impac­to
le­vando mem­bros da elite e refu­gia­dos retardado da moder­nização e tec­
ale­mães da nação na­zista. nologia na vida diária. Não só a II

N
ão muito prolífica, Porter ain­da Guer­ra Mundial derrotou o fascismo,
assim in­fluen­ciou gerações de mas tirou a América da Depres­­
escritores, dentre eles suas co­ são, e os anos 1950 per­mi­­tiram aos
legas sulistas, Eudora Welty e Flannery ameri­canos tempo para usu­fruir da
O’Connor. pros­pe­­ri­dade há mui­to ansiada. Os
ne­gó­cios, sobre­tudo no mundo das
Eudora Welty (1909 - 2001) cor­po­rações, pare­ciam oferecer a

N
ascida no Mississipi, de fa- boa vida (em geral, nos subúr­bios),
mília abastada do Norte, com suas mar­cas reais e simbólicas
Eudora Welty foi gui­ada por Eudora Welty de su­cesso — casa, car­ro, tele­visão e
Robert Penn Warren e Katherine Ann ele­tro­domésticos.
Porter. Por­ter, de fa­to, es­cre­veu o prefá­ Porém, a solidão nas altas esferas era
cio à pri­meira coletâ­nea de contos de tema dominante para muitos escritores;
Welty, A Cur­tain of Green [Uma Cortina o empresário sem rosto tor­nou-se este­
de Verde] (1941). Welty inspirou a reó­tipo cultu­ral em The Man in the Gray
obra ma­ti­zada em Porter, mas a jovem Flannel Suit [O Homem de Terno de
se inte­­ressou pelo cômico e o gro­­­­­tes­ Fla­ne­la Cinza] (1955), best-seller de Sloan
co. Como o colega sullista Fla­nnery Wilson. A alienação genera­lizada na
O’Connor, Welty muitas vezes usa­va Amé­rica foi examinada pelo sociólogo
perso­na­gens anor­mais, ex­cên­­tri­cas ou Da­vid Riesman em The Lonely Crowd
excep­cio­nais como tema. [A Mul­tidão Soli­tá­­ria] (1950).
Apesar da violência em sua obra Foto © Nancy Crampton Ou­tros estu­dos popu­la­res, mais ou
seu espírito é essencialmente hu­­mano
102
A
menos científicos, se segui­ram, de The “comitê de boas-vindas” quande tenta
Hidden Per­sua­­ders [Os Per­­sua­­sores se mudar para uma vizinhança branca.
Ocul­tos] (1957) e The Status Seekers Alguns escrito­res fo­ram além ao
[Os Per­seguidores de Status] (1959) de enfocar em personagens que ficaram
Vance Packard ao The Organization Man década pelo caminho, como fez J.D. Salinger
[O Homem da Orga­ni­za­ção] (1956) de em The Catcher in the Rye [O Apanha­
de 1950 foi, em
William Whyte e às formulações mais dor no Campo Centeio] (1951), Ralph
in­telec­tuais de C. Wright Mills — Whi­te termos literários, Ellison em Invisible Man [Homem
Collar [Co­la­rinho Branco] (1951) e The na realida­de, de Invisível] (1952) e Jack Ke­rouac em On
Power Elite [A Elite do Poder] (1956). tensão sutil e the Road [Na Es­­tra­da] (1957). Em 1959,
O economista e acadêmico John K. difusa. Roman­ Phi­lip Roth che­­gou com uma série de
Galbraith con­tri­buiu com The Affluent contos re­­fle­tindo sua pró­pria alie­na­ção
Society [A Sociedade da O­­pu­­lência]
ces de John de sua heran­ça judaica (Good­­bye,
(1958). O’Hara, John Columbus [A­deus, Columbus]). Suas

A
maioria des­sas obras apoiava Chee­­­ver e John ru­mi­nações psicológi­cas ainda ins­
a pre­s unção dos anos 1950 Updike exploram piram a ficção e até autobio­grafia em
de que todo america­no des­ a tensão à espreita plena novo milênio.
frutava um es­ti­lo de vida co­mum. Os A ficção dos escritores judeus
estudos fala­vam em ter­mos genéricos,
nas sombras ame­ricanos Bellow, Bernard Malamud
critican­do cida­dãos por terem perdido da satisfação e Isaac Bashevis Singer — entre outros
o individua­lismo de fronteira e se aparente. proeminentes na década de 1950
torna­do muito confor­mistas (Riesman e anos posteriores — também são
e Mills, por exem­plo); ou aconselhan­ adições valiosas e fascinantes ao
do as pes­soas a se tor­narem parte da compêndio da lite­ratura americana. A
“Nova Classe” cria­da pela tecno­logia e produção des­ses autores é notável por
o la­zer (co­mo nas obras de Galbraith). seu humor, preocu­pação éti­ca e retrato
A década de 1950 foi, em termos das comuni­dades judai­cas no Velho e
literários, na realida­de, de tensão sutil no Novo Mundo.
e difusa. Roman­ces de John O’Hara,
John Chee­­­ver e John Updike explo­ John O’Hara (1905 - 1970)
ram a tensão à espreita nas sombras Formado em jornalismo, John
da satisfação aparente. Algumas das O’Hara foi um autor prolífico de peças
melhores obras retratam ho­mens teatrais, contos e romances. Era mestre
que fracas­sam na luta pelo sucesso, do de­ta­lhe cuidadoso e revelador e é
como em Death of a Salesman [Mor­ mais lembrado por vários roman­ces
te de um Caixeiro Viajante] de Arthur rea­listas escritos, em sua maio­ria,
Miller e Seize the Day [Apro­veite o nos anos 1950, sobre pes­soas aparen­
Dia] (1956), no­vela de Saul Bellow. temente bem-sucedi­das cu­jas fa­lhas
A afro-americana Lorraine Hansberry internas e frustrações deixam-nas
(1930-1965) re­ve­­lou o racismo como vulnerá­veis. Estes romances incluem
uma ten­dên­cia contínua em sua peça Appointment in Samarra [Encontro em
tocante A Raisin in the Sun [Uma Passa Samarra] (1934), Ten North Frederick
ao Sol], de 1959, na qual uma família [Fre­de­rick Norte, Dez] (1955) e From
negra se encontra com um ameaçador the Terrace [Do Terraço] (1958).

103
que vi­ve uma existência subterrânea,
James Baldwin (1924 - 1987) numa adega feericamente ilu­mi­nada
James Baldwin e Ralph Ellison refle­ com eletricidade roubada da conces­
tem a experiência afro-ameri­cana nos sionária elétrica. O livro relata suas
anos 1950. Suas per­sona­gens sofrem de experiências grotescas de desencanto.
falta de identi­dade em vez de excesso Quando ele ganha uma bolsa para estu­
de ambi­ção. dar numa fa­cul­dade negra, é humilhado
Bal­dwin, o mais velho de nove ir­ pelos brancos; quando chega à faculda­
mãos, nascido no Harlem, Nova York, foi de, vê o reitor negro despre­zando os
criado por um pregador. Ainda jo­vem, anseios dos americanos ne­gros. A vida
Baldwin pregou al­gu­mas ve­zes na igreja. fora da faculdade também é corrupta.
Isso o ajudou a mol­dar a fasci­nan­te Nem sequer a religião serve de con­
qua­lidade oral de sua prosa, claramen­ solo: o prega­dor acaba se revelando
te notada em ensaios excelentes como um crimi­noso. O romance culpa a
“Letter from a Re­gion of My Mind” [Carta sociedade por não dar aos cidadãos —
de uma Re­gião de Mi­nha Mente”] da negros e brancos — ideais viáveis e as
cole­tâ­nea The Fi­re Next Time [O Fogo instituições ne­cessárias para realizá-los.
da Pró­xi­ma Vez] (1963). Nesta, de­fendeu Encarna um tema racial poderoso, pois
ar­dorosamente o fim da se­gregação o “ho­mem invisível” não é invisível por
racial. si, mas porque os outros, cega­dos pelo

O
primeiro romance de Baldwin, preconceito, não conse­guem enxergá­
o autobiográfico Go Tell It -lo como ele é.
On the Mountain [Vá Dizer
à Montanha] (1953), é talvez o mais Flannery O’Connor
fa­moso. É a história de um jovem de (1925 - 1964)
14 anos que busca autoconheci­mento Flannery O’Connor nasceu na
e fé religiosa enquanto se de­bate com Georgia e teve sua vida abreviada
ques­­tões de con­versão cris­tã numa pelo lúpus, doen­ç a fatal do san­
igreja atrás de um ar­ma­zém. Ou­tras gue. Ainda assim, re­jei­tou o senti­
obras importan­tes incluem Another mentalismo, como provam suas
Country [Um Outro País] (1962) e James Baldwin histórias bem joco­sas, ainda que
Nobody Knows My Name [Nin­guém soturnas e des­com­promissa­das.
Sabe Meu Nome] (1961), cole­tânea de Ao contrá­r io de Anne Porter,
ensaios pessoais apaixo­nados so­bre Eudora Welty e Zora Neale Hurston,
ra­cis­mo, o papel do artista e lite­ratu­ra. O’Connor guardava, na marioria das
vezes, distância das perso­na­gens,
Ralph Ellison (1914 - 1994) reve­lan­do suas ina­­de­qua­ções e to­
Ralph Ellison nasceu em Oklahoma, li­ces. Per­sona­gens sulis­tas in­cul­­tas
no Meio-Oeste, e estudou no Instituto geram vio­lên­cia por su­pers­­tição ou
Tuskegee, no Sul dos Estados Unidos. re­ligião, co­mo vemos em Wi­se Blood
Teve uma das car­reiras mais estranhas [San­gue Sábio] (1952), romance so­
na literatura americana — um livro bre um fanático religioso que funda
muito acla­mado e nada mais. sua própria igreja.
O romance é In­­visible Man [Ho­mem Foto © Nancy Crampton Às vezes a violência vem do pre­­­
Invisível] (1952), história de um negro
104
conceito, como em “The Dis­pla­­ced mais cômica: usou vários nar­­ra­dores
Person” [A Pessoa Desloca­da], so­bre vi­gorosos e aven­­tu­rei­ros na primeira
um imigrante assas­si­nado pela popula­ pessoa em The Adventures of Augie
ção rural ig­no­­rante, amea­ça­da por seu March [As Aventuras de Augie March]
tra­balho duro e dife­ren­tes costumes. (1953) — estudo de um empresário urba­
Muitas vezes, even­tos cruéis simples­ no, do gênero ‘Huck Finn’, envolvi­do no
men­te acon­te­cem com as per­sona­gens, mer­­cado negro europeu — e em Hender­
como em “Good Coun­try People” [Bom son the Rain King [Hen­der­son, o Rei da
Povo Rural], his­tória de uma me­nina Chuva] (1959), ro­man­ce sério-cômico
seduzida pelo ho­mem que rouba sua bri­lhante e exuberan­te so­bre um mi­
perna artificial. lio­nário de meia-idade cujas ambi­ções
O humor negro de O’Connor a frustra­das o levam à África.
liga a Nathanael West e Joseph He­ller. Seus trabalhos pos­teriores incluem
Produziu as cole­tâneas de contos A Herzog (1964), um professor de in­glês
Good Man is Hard to Find [É Di­fícil neu­ró­­tico es­pe­cializa­do na idéia do ser
Achar um Homem Bom] (1955) e Ro­mân­ti­co; Mr. Samm­ler’s Planet [O
Everything that Rises Must Converge Pla­neta do Sr. Samm­ler] (1970); Hum­­
[Tudo que Sobe Tem de Con­ver­gir] boldt’s Gift [O Presente de Hum­boldt]
(1965); o romance The Violent Bear It (1975) e o autobiográfi­co The Dean’s
Away [Os Violentos Agüen­tam] (1960) December [O Dezem­bro do Rei­tor]
e um volume de car­­tas, The Habit (1982).
of Being [O Hábi­to de Ser] (1979). Ao fim dos anos 1980, Bellow escre­
The Complete Stories [Os Contos veu dois novelas em que protago­nistas
Completos] saiu em 1971. idosos buscam as verdades su­pre­mas,
Something to Remember [Algo para se
Saul Bellow (1915 -2005) Lembrar] (1991) e The Actual [O Real]
Nascido no Canadá e criado em Chi­ (1997). Seu romance Ravelstein (2000)
cago, Saul Bellow é de origem russa­ é um relato velado da vida de Alan
-judaica. Es­tu­dou antropolo­gia e so­ Bloom, amigo de Bellow, autor do best-
ciologia, mar­cantes em seus trabalhos. -seller The Closing of the American Mind
Declarou-se uma vez pro­fundamen­te Ralph Ellison [O Fechamento da Mente Americana]
gra­­to a Theodore Drei­ser pela aber­tu­ra (1987), um ataque conservador à acade­
para uma ampla gama de experiên­cias mia pela erosão percebida dos padrões
e seu comprome­timento emo­cional na vida cultural americana.
com isto. Mui­to respeitado, recebeu o Seize the Day [Aproveite o Dia] de
Prêmio No­bel de Litera­tu­ra em 1976. Bellow é uma novela brilhante centrada
Seus primeiros romances, existen­ num em­pre­sá­rio fracassado, Tommy
cialistas e meio sotur­nos, inclu­em Wil­helm, tão consumido por sen­­ti­­
Dangling Man [O Ho­mem De­pendu­ mentos de inadequação, que se torna
rado] (1944), es­tudo Kaf­ka­­niano de totalmente inadequado — um fracasso
um homem aguar­dando a convoca­ção com as mulheres, empregos, máquinas
pelo E­xér­cito, e The Victim [A Vítima] e o mercado de commodities, onde
(1947), so­bre as re­la­ções entre judeus e perde todo a sua fortuna. Wil­helm é
gen­tios. Nos anos 1950, sua visão fi­­cou Foto © Nancy Crampton exem­plo do schlemiel do folclore judai­

105
co — vítima ine­vi­tável de toda espécie
de má sorte. Isaac Bashevis Singer
(1904- 1991)
Bernard Malamud O romancista ganhador do Prê­
(1914 - 1986) mio Nobel e mestre dos contos Isaac
Bernard Malamud nasceu em Nova Bashevis Singer — polonês emi­gra­do
York, filho de imigrantes russos-ju­deus. para os Estados Uni­dos em 1935 — era
Em seu se­gun­­do romance, The Assistant filho de um proe­mi­­nente líder de um
[O As­sistente] (1957), Malamud achou tribu­nal rabí­nico em Var­sóvia. Escreveu
seus temas caracterís­ticos — a luta do em iídi­che durante toda a vida e tratou,
homem para so­breviver, ape­sar das em termos míticos e rea­lis­tas, de dois
dificul­dades, e os fundamentos éti­cos grupos específicos de judeus — os
dos imi­gran­tes judeus recen­tes. mora­dores das shtetls, pequenas aldeias

S
ua primeira obra publicada foi The do Velho Mundo, e os emigrantes que
Natural [O Natural] (1952), com­­ atra­ves­saram o oceano no século 20,
binação de realismo e fan­ta­sia no antes e depois da II Guerra.
mundo mítico do beise­bol pro­­fis­­sional. As obras de Singer foram su­por­tes de
Outros romances in­cluem A New Life livros sobre o Holocausto. De um la­­do,
[Uma Nova Vi­da] (1961), The Fixer [O descre­veu — em romances co­­­mo The
Negocis­ta] (1966), Pictures of Fidelman Ma­nor [A Mansão] (1967) e The Estate [A
[Retra­tos de Fidelman] (1969) e The Propriedade] (1969), pas­sados na Rússia
Te­nants [Os Inquilinos] (1971). do século 19, e The Family Moskat [O
Tam­bém era um mestre pro­lífico Mos­kat da Família] (1950), falando sobre
dos con­tos. Através de suas histó­rias, uma fa­mília polonesa-judaica vivendo
em coletâneas como The Ma­gic Bar­rel entre as duas guerras — o mundo já
[O Barril Mágico] (1958), Idiots First desa­pa­recido dos ju­deus europeus.
[Idiotas Primeiro] (1963) e Rembrandt’s Com­ple­mentando essa visão, havia os
Hat [O Cha­péu de Rembrandt] (1973), textos passa­dos após a guer­ra, co­mo
trans­mitiu — mais do que qualquer ou­tro Enemies, A Love Story [Ini­migos, Uma
escritor nascido nos Estados Unidos — His­tó­ria de Amor] (1972), cujos prota­
um sentido do presente e do passado gonistas, sobre­viventes do Holo­caus­to,
Bernard Malamud
judeus, do real e do sur­realista, fato e procura­vam reconstruir suas vidas.
lenda.
A obra monumental de Mala­mud Vladimir Nabokov
— ganhadora do Prêmio Pulitzer e do (1889 - 1977)

C
National Book Award — é The Fixer. omo Singer, Vladimir Nabokov
Passada na Rússia da vi­rada do século era imigrante da Europa Ori­
20, é uma pálida amostra de um caso ental. De família rica na Rússia
real de calúnia racial — o julgamento czarista, veio para a América em
infa­me de Mendel Bliss, em 1913, 1940 e ob­teve a cidadania america­na
tris­te mancha anti-semítica na histó­ria cinco anos depois. De 1948 a 1959, le­­
moderna. Como em muitas de suas cionou literatura na Uni­versidade de
o­bras, Malamud destaca os sofri­mentos Cornell, no norte de Nova York; em
do herói, Yakov Bok, e sua luta para Foto © Nancy Crampton 1960, transferiu-se permanen­temente
sobreviver contra to­das as dificuldades.
106
para a Suíça. sas, filhos e amigos.
É fa­moso por seus roman­ces, que Uma estranha melancolia e um de­
inclu­em o au­to­bio­grá­fico Pnin (1957), sejo jamais plena­mente saciado ainda
sobre um professor russo emigrado que aparente­mente inútil de paixões
ineficaz, e Lolita (edição america­na, e certezas metafísicas se esgueira nas
1958), sobre um europeu instruído som­bras dos magistralmente escritos
de meia-idade que se apaixona por contos Chekovianos, reunidos em
uma america­na de ape­nas 12 anos. The Way Some People Live [O Mo­
Seu romance pasti­che, Pale Fire [F­ogo do Como Algumas Pessoas Vivem]
Pálido] (1962), outro empreen­di­men­ (1943), The Housebreaker of Shady Hill
to bem-sucedido, enfoca um lon­go [O Arrombador de Shady Hill] (1958),
poema escrito por um fale­ci­do poeta Some People, Places and Things That
imaginário e os comen­tá­rios sobre o Will Not Appear in My Next Novel
mesmo de um crítico cujos escritos [Algumas Pessoas, Coisas e Lugares
dominam o poema e inesperadamente que Não Aparecerão em Meu Próximo
assu­mem vida própria. Romance] (1961), The Brigadier and the
Nabokov é um escritor impor­tan­te Golf Widow [O Brigadeiro e a Viúva do
por sua sutileza estilís­tica, habilidade Golfe] (1964), e The World of Apples [O
satírica e engenhosas inovações na Mundo das Maçãs] (1973). Seus títulos
forma, que inspira­ram romancistas revelam sua característica despreocu­
como John Barth. Nabokov estava pação, espírito jocoso e irreverência e
ciente de seu papel de mediador en­ insi­nuam seu tema.
tre os mundos lite­rá­rios americano e Cheever pu­blicou também vários
russo; escreveu um livro sobre Gogol e romances — The Wap­shot Scandal [O
traduziu o Eugene Onegin, de Pushkin. Escândalo Wap­shot] (1964), Bullet Park
Seus te­mas ousados, um tanto expres­ (1969) e Falconer (1977) — o último,
sio­nistas, como o estranho amor em bem autobiográfico.
Lolita, ajudaram a introduzir as corren­
tes expressionistas euro­péias do século John Updike (1932 - )

C
20 na tradição es­sen­cialmente realista omo Cheever, John Up­dike
da ficção ame­­ri­cana. Seu tom, em parte John Cheever é também considerado um
satí­ri­co e em parte nostálgico, também escritor de maneiras, pelos ce­
sugeria novo registro sério-cô­mico nários suburba­nos, temas do­més­ticos,
emocional usado por auto­res como reflexões sobre tédio e me­lancolia e,
Pynchon, que combina notas opos­tas em especial, seus ce­nários fictícios
de humor e medo. no litoral leste, em Massachusetts e
Pensil­vânia.
John Cheever (1912 - 1982) É mais famoso pelos cinco livros
John Cheever tem sido muitas vezes Rabbit, descrições da vida de um
chamado de “romancista de maneiras”. ho­­­mem — Harry “Rabbit” Angs­trom
É conhecido por seus contos elegantes — nos altos e baixos de sua e­xis­
e sugestivos, que perscrutam o mundo tência por qua­tro dé­cadas da história
dos negó­cios de Nova York, por seus sócio-política americana. Rabbit, Run
efeitos sobre os empresários, suas espo­ Foto © Nancy Crampton [Ra­bbit, Corra] (1960) é um espe­lho

107
dos anos 50, com Angstrom co­mo um J.D. Salinger tem re­tratado ten­tativas de
jo­vem marido sem rumo e ali­enado. se desistir da socieda­­de. Nascido em
Rabbit Re­dux (1971) — sa­li­entando a Nova York, obte­ve sucesso literá­rio com
con­tra­cultura dos anos 1960 — encon­tra a pu­bli­cação do roman­ce The Catcher
Angstrom ainda sem propósito, ob­je­ in the Rye [O Apa­nha­­dor no Campo
tivo claro ou rota de fuga da roti­na. Em de Centeio] (1951), que fala de Hol­den
Ra­bbit Is Rich [Rabbit É Ri­­co] (1981), Caul­field, jovem de 16 anos sen­­sí­­vel que
Harry torna-se prós­­pe­ro empresárionos foge do colégio interno de elite para
anos 1970, no fim da guerra do Viet­ buscar a vida adulta no mun­do exterior
nã. Rabbit at Rest [Rab­bit Des­­can­sa] e se desilude com seu materialismo e
(1990), vis­­­lumbra a re­con­­ci­liação de sua falsi­dade.
Angstrom com a vida, antes da morte Quando inquirido sobre o que gos­­
por ataque cardíaco, contra o pano taria de ser, Caulfield diz: “um apanha­
de fundo dos anos 1980. Na novela dor no campo de cen­teio”, mal citando
de 1995 Rabbit Remembered [Rabbit um poema de Robert Burns. A seu ver,
Lembrado], os filhos adultos de lem­ ele é a ver­são mo­der­na do cavaleiro
bram de Rabbit. branco, úni­co defensor da ino­cên­cia.
Outros romances de Up­dike in­cluem Imagina um cam­po de cen­teio tão
The Centaur [O Centauro] (1963), al­to que crianças não podem ver pa­ra
Couples [Ca­sais] (1968), A Month of onde cor­rem quando ali brin­cam. Ele
Sundays [Um Mês de Domingos] (1975), é o único adulto. “Es­tou à beira de um
Roger’s Version [A Versão de Roger] preci­pício louco. O que tenho a fa­zer
(1986) e S. (1988). Updike cria um alter é pe­­gar todos que cor­­ram pa­ra ele.” A
ego — um es­cri­tor cuja fama ironica­ que­da no precipício equiva­le à per­da
mente ame­aça cala-lo — noutra série da ino­cência infantil — tema fre­­qüente
de romances: Bech: A Book [Bech: Um na época.
Livro] (1970), Bech is Back [Bech Está Ou­tras o­bras do escri­tor re­cluso e
de Volta] (1982) e Bech at Bay [Beck ao frugal inclu­em Ni­ne Stories [No­ve His­
Largo] (1988). tórias] (1953), Franny and Zooey (1961)

U
pdike possui estilo mais bri­lhan­ e Raise High the Roof-Beam, Carpenters
te que qualquer dos au­tores de John Updike [Er­gam Bem Alto a Cume­eira, Car­pin­
hoje e seus contos ofere­cem tei­ros] (1963), coletânea de his­tórias
exem­plos cintilantes de sua va­riedade da revis­ta The New Yorker. Desde sua
e cria­tividade. Suas cole­tâneas in­cluem úl­tima história em 1965, Salin­ger — que
The Same Door [A Mesma Porta] vive em New Hamp­shi­re — mantem-se
(1959), The Music School [A Escola de ausente da cena literária americana.
Música] (1966), Museums and Wo­men
[Museus e Mu­lheres] (1972), Too Far To Jack Kerouac (1922 - 1969)
Go [Lon­ge De­mais] (1979) e Problems De origem franco-canadense pobre,
[Problemas] (1979). Também escre­veu Jack Ke­rouac também questionou os
vários vo­lu­mes de poesias e ensaios. valores da classe media. Encontrou-se
com membros do sub­mun­do lite­rá­rio
J.D. Salinger (1919 - ) “beat” quando estudante na Univer­
Precursor do que viria nos anos 60, Foto © Nancy Crampton si­dade de Co­lum­bia, em Nova York.

108
A
Sua ficção foi influ­en­­ciada pela obra Capote — romancista que havia
levemen­te autobiográfica do sulista des­lum­bra­do leitores como enfant
Thomas Wolfe. terrible, no fim dos anos 1940 e 1950,

S
eu romance mais famoso, On em obras como Breakfast at Ti­ffa­
the Road [Na Estrada] (1957), alienação ny’s [Bonequinha de Luxo] (1958)
descreve os “beatniks” pe­ram­ — ator­do­ou-os com In Cold Blood [A
e tensão latentes
bu­­lando pela América em busca do Sangue Frio] (1965), aná­­li­se eletri­
sonho idea­lis­ta de vida comunitária na década de zante de um assassinato em massa
e beleza. The Dharma Bums [Os 1950 encontraram brutal no coração da América com
Vagabundos de Dharma] (1958) expressão, nos ares de romance po­licial.
en­fo­­ca intelectuais peripa­té­ticos da anos 1960, nos Ao mesmo tempo, surgiu o No­vo
contra­cultura e seu fascínio pelo Jorna­lis­mo — volumes de não-fic­ção
Zen Budismo. Kerouac também es­
Estados Unidos, que uniam jornalis­mo e téc­ni­cas de
cre­veu um livro de poesias, Mexico no movimento ficção ou que freqüen­temente brin­ca­
City Blues [Tris­teza na Ci­dade do de direitos civis, vam com os fatos, moldando-os para
Méxi­co] (1959), e obras sobre a vi­da feminismo, aumentar a drama­ti­ci­dade e imediatis­
com beatniks como o romancista mo da história. Em The Electric Kool-Aid
protestos contra a
experimental William Burroughs e o Acid Test [O Teste do Ácido do Refresco
poeta Allen Ginsberg. guerra, ativismo Elétri­co] (1968), Tol Wolfe (1931- )
de minorias e na festejava os esga­res do ro­man­­cista Ken
OS TURBULENTOS PORÉM chegada de uma Kesey (1935-2001) e sua sede de via­gens
CRIATIVOS ANOS 60 contracultura na con­tracul­tura; Radical Chic and Mau-
A alienação e tensão latentes Mauing the Flak Catchers [Ra­di­cal-Chic
na dé­c ada de 1950 foram ex­
cujos efeitos e o Terror dos RPS] (1970) ridiculari­
pres­s as nos anos 1960, nos ainta estão sendo zava mui­tos aspectos do ativis­mo de
Es­tados Unidos, no movimento pe­los absorvidos esquerda. Wolfe, mais tarde, escreveu
di­reitos civis, feminismo, protestos pela sociedade uma his­tória exu­berante e pers­pi­caz do
contra a guer­ra, ativismo de minorias e americana. início do pro­grama espacial americano,
na chegada da contra­cultura cujos efei­ The Right Stuff [Os Eleitos] (1979), e um
tos ainda estão sendo ab­sor­vidos pela ro­mance, The Bon­fi­re of the Vanities [A
sociedade americana. O­bras po­lí­ticas Fogueira das Vaidades] (1987), retrato
e sociais notáveis da época inclu­em panorâmi­co da so­ciedade ame­ricana
os dis­­cursos do líder dos direitos civis, na década de 1980.
Dr. Mar­tin Lu­ther King, Jr., os textos No correr dos anos 1960, a literatura
iniciais da líder fe­mi­nista Betty Friedan fluiu com a turbu­lên­cia da época.
(The Femini­ne Mystique [A Mística Surgiu uma visão irô­nica, cô­mica,
Feminina], 1963) e The Armies of the refletida na fabulação de vários escri­
Night [Os Exércitos da Noite] (1968), tores. Exemplos incluem o sortuno e
de Norman Mai­­ler, sobre uma marcha cômico One Flew Over the Cuckoo’s
contra a guerra, em 1967. Nest [O Estranho no Ninho] (1962)
Os anos 1960 foram marcados de Ken Kensey, romance sobre a vida
por menor niti­dez na distinção entre num hos­pício, onde enfer­mei­ros são
ficção e fato, romance e re­­portagem, mais per­tur­bados que inter­nos, e o
tendência mantida até hoje. Tru­man ex­tra­va­gante e fantasis­ta Trout Fishing

109
in Ameri­ca [A Pesca de Tru­tas na América] (1967), Thomas Pynchon, autor misterioso e avesso à
de Richard Brau­tigan. pu­bli­cidade, nasceu em Nova York e formou-se,
O cômico e o fan­tás­tico geraram um novo gênero, em 1958, pela Univer­sidade de Cornell, onde
meio cômico e meta­físico, nos paranóicos e bri­lhan­ pode ter sido influenciado por Vladimir Na­bokov.
tes V (1963) e The Crying of Lot 49 [O Cho­ro do Lote Certamente, suas fantasias inovadoras usam
49] (1966), de Thomas Pyn­chon, Giles Goat-Boy temas de dicas de tradução, jogos e códigos que
[Giles, O Pastor de Cabras] (1966) de John Barth e os pode­riam deri­var de Nabokov. O tom flexível de
contos grotes­cos de Donald Barthelme (1931-1989), Pynchon pode modular paranóia em poesia.

T
cuja pri­mei­ra coletâ­nea, Come Back, Dr. Cali­gari oda a ficção de Pynchon tem estrutura
[Vol­te, Dr. Caligari] foi pu­blica­da em 1964. semelhante. Uma ampla trama é desconhe­
Esse novo gênero passou a ser chamado de meta­ cida de pelo me­nos uma das personagens
ficção — ficção consciente ou reflexiva que chama a prin­ci­pais, cuja tarefa passa a ser criar ordem em
tenção para a sua própria técnica. Tal “ficção sobre meio ao caos e deci­frar o mundo. Este projeto,
ficção” enfatiza a linguagem e o estilo e deixa as con­ função do ar­tista tradicional, tam­­­bém é pas­sado
venções do realismos, como personagens redondas, ao leitor, que de­ve seguir o de­senrolar dos fatos e
uma trama crível que permita o desenvolvimento buscar pis­tas e significados. Esta visão para­nóica
de uma personagem e ambientes apropriados. Na se estende por con­tinen­tes e eras diversas, já que
metaficção, o estilo do escritor atrai a atenção do Pyn­chon usa a metáfora da entropia, a desarti­cu­
leitor. O verdadeiro sujeito não é a personagem, mas lação gra­dual do univer­so. O gran­de domí­nio da
a própria consciência do autor. cultura popular—sobretudo a ficção cien­tífica e
Críticos dessa época geralmente agrupavam policial — é visível em suas obras.
Pynchon, Barth e Barthelme como metaficcionais, Seu V é levemente estrutu­rado em tor­no de Benny
juntamente com William Gaddis (1922-1998), cujo Profane — um fra­­cassado que insiste em peram­bu­­
longo romance JR (1975), sobre um rapaz que constrói lações sem sentido e vá­rias em­prei­­ta­das estra­nhas — e
um falso império de negócios com base em títulos de seu opos­to, o letrado Herbert Stencil, que pro­­cura
sucata, prevê de forma sinistra os excessos futuros uma espiã mis­­­te­riosa, V (al­ter­­nativamente Vê­­nus,
de Wall Street. Seu romance mais curto e accessível, Virgem, Va­zio). The Crying of Lot 49, obra curta, tra­ta
Carpenter’s Gothic [O Gótico de Carpenter] (1985), de um sistema secreto associado ao serviço de cor­reio
combina romance com ameaça. Gaddis é muitas americano. Gra­vi­ty’s Rainbow [Arco-Iris da Gravi­dade]
vezes associada ao filósofo e romancista do Meio- (1973) se passa em Lon­dres, na II Guer­ra Mundial,
Oeste, William Gass (1924 - ), mais conhecido por sua quan­do bombas caíam na cidade, e con­ta a busca
cuidadosa obra inicial, Omensetter’s Luck [A Sorte de farsante, ainda que sim­bólica, de nazistas e outras
Omensetter] (1966), e por seus contos na coletânea figuras dis­far­çadas.
In the Heart of the Heart of the Country [No Coração Em Vineland [Vinhedo] (1990), obra cômica de
do Coração do País] (1968). Pynchon ambientada no norte da Califórnia, forças
Robert Coover (1932 - ) é outro escritor de me­ta­fic­ sombrias dentro de agências federais põem indivíduos
ção. Sua coletânea de contos Pricksongs & Descants em perigo. Em Mason & Dixon (1997), parcialmente
[ Pontos & Contrapontos] (1969) brinca com enredo ambientado em terras ermas em 1765, dois explorado­
familiares de lendas e cultura popular, enquanto seu ro­ res ingleses pesquisam a linha que iria dividir o Norte
mance The Public Burning [A Queima Pública] (1977) do Sul dos Estados Unidos. Novamente, Pynchon vê
desconstrói a execução de Julius e Ethel Rosenberg, o po­der exercido de forma injusta. Dixon diz: “Não
condenados por espionagem. importa aonde... formos, será que encontaremos
todos os Tiranos e Escravos do Mundo?” Apesar de
Thomas Pynchon (1937 - ) sua abrangência, violência, comédia e talento para a
inovação, fazem dos trabalhos de Pynchon um pro­duto
110
N
bem característico dos anos 1960. The Ar­mies of the Night [O Exército
“ da Noi­te]. Em Sabbatical: A Roman­ce
John Barth (1930 - ) [Sabático: Um Romance] (1982), Barth
John Barth, natural de Maryland, é usa o te­ma popular do es­pião; é a his­tó­
mais inte­res­sado em como a história é ão ria de uma pro­fes­sora universitária e seu
con­tada do que na his­tó­ria em si, mas marido, agen­te secreto apo­sentado que
importa aonde...
onde Pyn­chon ilu­de o leitor com pistas vira romancista. Obras posteriores — The
falsas e dicas de romances poli­ciais, formos, será que Tidewater Tales [As Lendas das Marés]
Barth atrai seus leitores a um parque encontaremos (1979), The Last Voyage of Somebody the
de diver­sões cheio de espe­lhos dis­ todos os Tiranos Sailor [A Última de Viagem de Alguém
torcidos que exage­ram al­guns traços e Escravos do o Marinheiro] (1991) e Once Upon a
e mi­nimizam outros. Time: A Floating Opera [Era Uma Vez:
Re­alismo é o ini­mi­go para Barth,
Mundo?” Apesar A Ópera Flutuante] (1994) revelam o
au­tor de Lost in the Funhouse [Per­­di­ de sua abrangência, “virtuosismo passional” de Barth (sua
do no Parque de Diversões] (1968), violência, comédia própria frase) ao negociar o mundo
14 histórias que constantemente se e talento para a caótico, oceânico com o cordame
refe­rem aos processos de escrita e brilhante da linguagem.
inovação fazem
lei­tura. A intenção de Barth é a­ler­tar o
leitor para a natureza artifi­cial da leitura dos trabalhos Norman Mailer (1923 - )
e da escrita e impedí-lo de ser tragado de Pynchon um Norman Mailer tornou-se o mais
pela história como se fosse verdadeira. pro­duto bem visível romancista das décadas de 1960
Barth usa uma panóplia de elemen­tos característico dos e 1970. Co-fundador de The Village
reflexivos para lembrar seus lei­to­res Voyce, semanário novaiorquino anti­
que es­tão lendo.
anos 1960. -estabelecimento, Mailer divulgava a si
As obras iniciais de Barth, como mesmo e seus pontos de vista políticos.
as de Saul Bellow, são inquisido­ras e Em seu apetite por experiên­cias, estilo
existenciais, com te­mas dos anos 1950 vigo­roso e pes­soa públi­ca dramática,
de fuga e pe­ram­bulação. Em The Floa­ segue a tradição de Ernest He­ming­way.
ting O­pe­ra [A Ópera Flutuan­te] (1956), Para ocupar uma posição vantajosa
um ho­mem pen­sa em suicídio. The End sobre o assassinato do presidente John
of the Road [O Fim da Estrada] (1958) F. Kennedy, os protestos contra a guerra
é sobre um caso amoroso comple­xo. do Vietnã, a liberação dos negros, e
Nos anos 1960, suas obras tor­naram-se o movimento feminista, ele construiu
mais cômicas e menos realistas. The uma personalidade pública de machão
Sot-Weed Factor [O Fa­tor da Erva-do- sofisticado, existencialista (em seu
Ébrio] (1960) paro­dia o es­tilo picaresco livro Sexual Politics [Políticas Sexuais]
do século 18 en­quan­to Giles Goat-Boy Kate Millett identificava Mailer como
[Gi­les, Guar­dador de Cabras] (1966) é o arquétipo do macho chauvinista). O
a paródia do mundo visto como uma irreprimível Mailer casou-se seis vezes e
univer­si­dade. foi candidato a prefeito de Nova York.
Chimera [Qui­me­ra] (1972) reconta Mailer é o inver­so do autor como
lendas mi­to­lógicas gre­gas e Letters Barth, para quem o tema não é tão
[Cartas] (1979) usa Barth como per­so­ crucial quanto a forma como é aborda­
na­gem, como fez Norman Mailer em do. Ao contrário do invisível Pynchon,

111
sem­pre corteja e requer atenção. [Minha Vida Como um Homem] (1974),
Ro­man­­cista, ensaísta, às vezes polí­ sob o stress do divórcio, um homem
ti­co, ativista literário e ator eventual, vale-se da criação de um alter-ego, Nathan
está sem­pre em cena. De exer­cícios Zuckerman, cujas histórias constituem
de Novo Jornalismo co­mo Mia­mi um polo da narrativa, o outro sendo os
and the Siege of Chicago [Mia­mi e o diversos tipos de respostas dos leitores.
Cerco de Chicago](1968), aná­lise das Zuckerman aparentemente toma posse
con­venções presiden­ciais americanas de uma série de romances subseqüentes.
de 1968, e seu fasci­nan­­­te estudo da O mais bem-sucedido é provavelmente
execução de um as­­sas­­sino condena­ o primeiro, The Ghost Writer (1979). É
do, The Execu­tio­ner’s Song [Canção contado por Zuckerman, como jovem es­
do Carras­co] (1979), Mailer passou critor criticado pelos anciãos judeus por
a escrever romances ambiciosos, atiçar o anti-semitismo. Em Zuckerman
ainda que imperfeitos, como Ancient Bound [Zuckerman Constrangido]
Evenings [Noites Antigas] (1983), (1985), um romance tornou Zuckerman
passado no Egito da antigüidade, e rico, porém notório. Em The Counterlife
Harlot’s Ghost [Fantasma de Harlot] [A Contravida] (1986), o quinto romance
(1992), em torno da Agên­cia Central de Zuckerman, histórias competem com
de Inte­ligência (CIA). histórias, enquanto a suposta vida de
Nathan é comparada com outras vidas
Philip Roth (1933 - ) imaginárias. As memórias de Roth, The
Como Norman Mailer, Philip Roth Facts (1988) apertam o parafuso ainda
tem provocado controvérsias ao minar mais; nelas Zuckerman critica o próprio
sua vida com a ficção. No caso de estilo narrativo de Roth.

R
Roth, seu tratamento de temas sexuais oth continua oscilando na
e análises irônicas da vida judaica têm fronteira entre fato e ficção
atraído a atenção popular e da crítica, em Patrimony: A True Story
além de desaprovação. [Patrimônio: Uma história Real]
O primeiro livro de Roth, Goodbye, (1991), um memorial sobre a morte
Columbus [Adeus, Columbus] (1959), de seu pai. Seus romances recentes
satirizava os subúrbios judai­cos pro­ Norman Mailer incluem American Pastoral [Pastoral
vincianos. Em seu romance mais Americana] (1997), em que o radicalis­
famoso, o ultrajante best-seller Portnoy’s mo dos anos 1960 da filha fere seu pai,
Complaint [A Reclamação de Portnoy] e The Human Stain [A Nódoa Humana,
(1969), um administrador da cidade sobre um professor cuja carreira é
de Nova York deleita seu analista taci­ arruinada por um mal-entendido racial
turno com histórias impróprias de sua com base no idioma.
juventude. Roth é um profundo analista das for­
Embora The Great American Novel ças e fraquezas dos judeus. Suas carac­
[O Grande Romance Americano] (1973) terizações são ri­cas em matizes; seus
sonde o mundo do beisebol, mui­tos dos protagonistas complexos, individua­
romances de Roth permanecem resoluta­ lizados e profundamente humanos.
mente, ou mesmo de forma desafiadora, A série de romances autobiográficos
auto-biográficos. Em My Life As a Man Foto © Nancy Crampton de Roth sobre um escritor relembra a

112
série Beck recente de John Updike e de seus primeiros trabalhos no estilo
é com o mestre estilista Updike que sulista elegante, decadente e gótico.
Roth — amplamente admirado por seu O professor afro-americano de com­
estilo flexível e engenhoso — é mais posição literária Ernest Gaines (1933
freqüentemente comparado. - ), também natural de Nova Orleans,
Apesar de seu brilhantismo e inteli­ ambientou muitas de suas obras co­mo­
gência, alguns leitores acham a obra de ventes e cuidadosas na zona rural bayou
Roth muito absorvida. Ainda assim, suas predominantemente negra da Lousiana.
conquistas vigorosas ao longo de quase Talvez sua obra mais co­nhecida, The
50 anos deu a ele um lugar entre os mais Autobiography of Miss Jane Pittman
estimados romancistas americanos. [A Autobiografia da Sta. Jane Pittman]
ESCRITORES SULISTAS (1971), faz reflecções sobre o espaço
A literatura sulista da década de de tempo entre o fim da Guerra Civil
1960 tendia, como a então ainda em 1865 até 1960. Preocupado com
bem agrária Região Sul, a aderir às questões humanas mais profundas que
tradições consagradas pelo tempo. a cor da pele, Gaines trata das relações
Ela continuou enraizada no realismo raciais com sutileza.
e numa visão ética, senão religiosa, Reynolds Price (1933 - ), professor
durante essa década de mudanças por longo tempo na Duke University,
radicais. Os temas sulistas recorren­ nasceu na Carolina do Norte, que
tes incluem a família, o lar familiar, mobília as cenas de muitos de seus
a história, a terra, a religão a culpa, trabalhos, como A Long and Happy
a identidade a morte e a busca pelo Life [Uma Vida Longa e Feliz] (1961).
significado redentor da vida. Como Como William Faulkner e Robert Penn
William Faulkner e Thomas Wolfe Warren, povoa seu solo sulista com
(Look Homeward, Angel [Olhe para famílias in­­ter­ligadas próximas a suas
Casa, Anjo], 1929), que inspiraram raízes e preocupa-se com a passagem
a “renascença sulista” na literatura, do tempo e o imperativo de expiar faltas
muitos outros escritores sulistas passadas. Seu estilo meditativo e poético
nos anos 1960 eram acadêmicos e re­lembra a tradição literária clássica do
estilistas elaborados, reverenciando Philip Roth antigo Sul. Par­cialmente paralisado pelo
a palavra escrita como um elo com câncer, Price explora o sofrimento físico
tradições enraizadas no mundo em The Promise of Rest [A Promessa de
clássico. Descanço] (1995), sobre um pai que
Muitos foram professores influentes. cuida do filho que está morrendo de
Caroline Gordon (1895-1981), natural AIDS. Seu romance bem-conceituado
do Kentucky, casada com o poeta Kate Vaiden (1986) revela sua habilidade
sulista Allen Tate, foi uma respeitável em evocar a vida de uma mulher.
professora de composição literária. Walker Percy (1916-1990), residente
Ela ambientava seus romances em seu na Louisiana, era membro da aristo­
Kentucky natal. Truman Capote nasceu cracia sulista. Seus romances de lei­
em Nova Orleans e passou parte de sua tura fácil — por vezes cômicos, líricos,
infância em cidadezinhas da Louisiana morali­za­dores e satíricos — revelam
e do Alabama, cenários de muitos Foto © Nancy Crampton sua consciência social e conversão ao
Catolicismo. Seu melhor ro­man­ce é
113
seu primeiro, The Moviegoer [O Cinéfilo] (1961). A No­va York], 1986).
história de um operador da bolsa de Nova Orleans
charmoso, porém sem objetivo, mostra a influência E.L. Doctorow (1931 - )
do existencialismo fran­cês transplantado para o Novo Os romances de E. L. Doctorow demonstram
Sul impetuoso e em plena expansão, que floresceu a transição da metaficção para uma sensibilidade
depois da II Guerra Mundial. nova e mais humana. Seu romance sobre o alto custo
humano da guerra fria, The Book of Daniel [O Livro
OS ANOS 1970 E 1980: CONSOLIDAÇÃO de Daniel] (1971), aclamado pela crítica, é baseado
Em meados dos anos 1970, teve iní­cio uma era na execução de Julius e Ethel Rosenberg por espio­
de consolidação. O conflito do Vietnã ter­mi­nara, nagem, contado pela voz de seu desolado filho. The
se­­­guido do reco­nhe­cimen­to da Re­pú­blica Popular Public Burning [A Queima Pública], de Robert Coover,
da China pelos Es­ta­dos Unidos e da celebra­ção do trata do mesmo tema, mas o livro de Doctorow traz
Bicentenário da A­mé­rica. Se­guiram-se os anos 1980 mais calor e emoção.
— a “Dé­cada do Eu” — em que in­divíduos pas­saram Ragtime [Nos Tempos do Rag] (1975) é uma
a enfocar mais questões pes­soais que so­ciais mais colagem rica e caleidoscópica dos Estados Unidos
amplas. começando em 1906. Como fez John Dos Passos várias
Na literatura, velhas corren­tes permaneceram, décadas antes em sua trilogia U.S.A., Doctorow mistura
mas a força da ex­pe­ri­men­ta­ção foi diminuindo. No­ personagens fictícios e reais para capturar o sabor e a
vos au­tores como John Gard­ner, John Irving (The complexidade da era. A história fictícia de Doctorow
World According to Garp [O Mun­do Segundo Garp], sobre os Estados Unidos continua em Loon Lake [Lago
1978), Paul The­roux (The Mos­qui­to Coast [A Costa do Loon] (1979), sobre um capitalista cru­el que domina
Mosqui­to], 1982), William Ken­ne­dy (Ironweed, 1983) e destrói pessoas idealistas nos anos 1930.
e Alice Wal­ker (The Co­lor Pur­­ple [A Cor Púrpu­ra], Os romances posteriores são os autobiográficos
1982) emer­gi­ram com romances estilisticamente World’s Fair [Feira Mundial] (1985), sobre um menino
bri­­­lhan­tes a retratar dra­mas hu­­­­ma­nos comoventes. de oito anos durante a Depressão dos anos 1930; Billy
Voltou o in­te­­res­­se por cenário, per­sona­gem e te­­ Bathgate (1989), sobre Dutch Schultz, um verdadeiro
mas asso­ciados ao realis­mo, além de um renovado gansgter de Nova York; e The Waterworks [O Chafariz]
interesse pela História, como nos romances de E.L. (1994), ambientado em Nova York, na década de
Doctorow. 1870. City of God [Cidade de Deus] (2000) — o título

O
re­a­­lismo, abandonado por autores expe­ se refere a Saint Augustine — volta-se à Nova York no
rimenta­listas dos anos 1960, retornou aos presente. A consciência de um clérigo cristão entre­
poucos, mes­­­cla­do mui­tas vezes a ele­men­tos meia a pobreza generalizada, o crime e a solidão da
originais ou­sados — a es­tru­tu­ra ousada do ro­­man­­ce cidade com histórias de pessoas cujas vidas tocam a
den­tro do romance, como em October Light [Luz de sua. O livro alude à crença permanente de Doctorow
Ou­tubro] (1976) de John Gardner, ou o diale­to negro de que escrever — um modo de testemunhar — é uma
ame­ricano em The Color Pur­­ple [A Cor Púrpura], forma de sobrevivência humana.
de Ali­­ce Walker. A li­­teratura de mi­no­rias começou a Suas técnicas são ecléticas. Sua exuberância esti­
florescer. O teatro pas­sou do rea­lis­mo para técnicas lística e inventividade formal o associam ao autores
mais cinemato­gráficas, cinéticas. Simul­ta­nea­mente metaficcionais, como Thomas Pynchon e John Barth,
porém, a“Década do Eu” se refletiu em novos talen­ mas seus romances permanecem enraizados no
tos ousa­­dos como Jay McInerny (Bright Lights, Big realismo e na história. Seu uso de pessoas e eventos
City [Luzes Bri­lhantes, Cidade Gran­de], 1984), Bret reais o associa com o Novo Jornalismo dos anos 1960
Easton Ellis (Less Than Zero [Me­nos que Ze­­ro], 1985), e com Norman Mailer, Thruman Capote e Tom Wolfe,
e Tama Jano­witz (Sla­ves of New York [Escra­vos de enquanto seu uso de memórias fictícias, como em

114
World’s Fair, o aproxima de autores como Maxine de Loucura] (1990), recorda a terrível contracor­
Hong Kingston e o florescimento das memórias nos rente que suas próprias personagens condenadas
anos 1990. devem ter sentido. Nas ficções autobiográficas de
A Tidewater Morning [Uma Manhã em Tidewater]
William Styron (1925 - ) (1993), a tremeluzente e calorenta costa da Virgínia

D
a região de Tidewater, na Virgínia, o sulista em que cresceu espelha e estende a consciência
William Styron escreve romances ambiciosos inconstante do narrador.
que colocam indivíduos em lugares e épocas
que desafiam os limites de sua humanidade. Suas John Gardner (1933-1982)
primeiras obras incluem o aclamado Lie Down John Gardner, da área rural do Estado de Nova
in Darkness [Deitar-se na Escuridão] (1951), que York, foi o principal porta-voz de sua era para valores
começa com o suicídio de uma linda sulista — que éti­cos na literatura até sua morte, num aci­dente de
salta de arranha-céu de Nova York — e volta atrás no moto­cicleta. Foi pro­fes­sor de in­glês, especializado
tempo para explorar as forças negras dentro de sua em lite­ratura medieval; seu romance mais famoso,
família que a levaram à morte. Grendel (1971), reconta o velho épico in­glês, Beo­
O tratamento falkneriano, incluindo os temas góticos wulf, do pon­to de vista existencialista do monstro. O
sombrios sulistas, flashbacks e o fluxo de monólogos ro­mance curto, vivaz e muitas vezes cômico é uma
da consciência, trouxeram fama a Styron que se tornou crítica su­til­ao existencialismo que enche o protago­
controversa com a publicação de The confessions nista de desespero e ci­nis­­mo auto-destru­tivos.
of Nat Turner [As Confissões de Nat Turner] (1967), Romancista prolífico e popular, Gardner usou uma
vencedor do Prêmio Pulitzer. O ro­mance recria a mais abordagem rea­lista, mas empregou técnicas ino­va­do­
violenta revolta escrava da história dos EUA, vista pe­ ras — flashbacks, histó­rias den­tro de histórias, mitos
los olhos de seu líder. O livro foi lançado no auge do recontados e histórias contrastantes — para revelar
movimento “black power” e a descrição de Nat Tuner a verda­de de situações humanas. Seus pon­tos fortes
atraiu fortes críticas — o que não surpreende — de são a caracterização (par­ti­­cu­lar­mente seus retratos
muitos observadores afro-americanos, embora alguns simpá­ti­­cos de pes­soas comuns) e o estilo colorido.
tenham defendido Styron. Suas principais obras in­cluem The Resurrection [A
O fascínio de Styron por ações humanas indi­ Res­sur­reição] (1966), The Sunlight Dialogues [Os
viduais ambientadas contra panos de fundo de Diálogos ao Sol] (1972), Nickel Moun­tain [Mon­ta­nha
injustiça racial mais ampla continua em Sophie’s de Ní­quel] (1973), October Light [Luz de Ou­tubro]
Choice [A Escolha de Sofia] (1979), outro esforço (1976) e Mickelson’s Ghosts [Os Fan­tasmas de
sobre o destino de uma linda mulher — temas que Mickelson] (1982).
Edgar Allan Poe, espírito dominante dos autores Seus padrões de ficção sugerem os poderes
sulistas, achava o mais comovente de todos. Neste curativos do compa­nhei­rismo, dever e obrigações fa­
romance, uma linda polonesa que sobreviveu a mi­liares e, nesse sentido, Gardner foi profundamente
Auschwitz é derrotada pelas agonias recordadas, tradi­cional e conservador. Tentou mos­trar que certos
cujo ápice é o momento em que foi forçada a es­ valores e ações le­vam a uma vida plena. Seu livro On
colher qual de seus filhos viveria e qual morreria. Mo­ral Fiction [So­bre a Ficção Moral] (1978), clama
O livro traça paralelos complexos entre o racismo por roman­ces que incorporem valores éticos em vez
do Sul e o Holocausto. de deslumbrarem com ino­vações técnicas vazias. O
Recentemente, Styron, como muitos autores, li­vro criou um furor ,em grande parte porque Gardner
partiu para a forma de memórias. O breve relato de criticou abertamente im­portantes escritores vivos —
sua depressão quase-suicida, Darkness Visible: A especialmente au­tores de metaficção — por não trans­
Memoir of Madness [Escuridão Visível: Memórias mitirem preocupações éticas. Gardner defendia uma

115
ficção mais calorosa, humana e, acima pai mo­lestador. Pecola acredita que
de tudo, mais realista e socialmente seus olhos es­cu­ros se tor­naram azuis
engajada, como a de Joyce Carol Oates magicamente e farão com que fique
e Toni Morrison. amável. Mor­rison disse que estava
Joyce Carol Oates (1938 - ) criando sua própria identidade como
Joyce Carol Oates e a romancista es­critora através deste romance: “Eu
mais prolífica e séria das últimas déca­ era Pe­cola, Claudia, to­do mundo.”
das, tendo publicado romances, contos, Sula (1973) descreve a grande ami­
poesia, não-ficção, peças, estudos zade entre duas mulheres. Mor­­rison
críticos e ensaios. Ela usa o que chama pinta as mulheres afro-americanas como
de “realismo psicológico” numa séria persona­gens ple­nas, únicas e não es­te­
panorâmica de temas e formas. reótipos. Seu Song of Solomon [Cânticos
Oates escreveu uma trilogia góti­ de Sa­lo­mão] (1977), ga­nhou vários prê­
ca composta de Bellefleur (1980), A mios. Segue a vida do negro Milk­­man
Bloodsmoor Romance [Um Romance Dead e suas relações comple­xas com a
de Bloodsmoor] (1982) e Mysteries of família e a comu­nidade. Tar Baby [Bebê
Winterthurn [Mistérios de Winterthurn] de Piche] (1981) lida com as rela­ções
(1984); um livro de não-ficção, On entre brancos e negros. Beloved [A Bem-
Boxing [Sobre Boxing] (1987) e um Amada] (1987) é a história angustiante
estudo sobre Marilyn Monroe (Blonde de uma mulher que mata seus filhos
[Loura], 2000). Seus enredos são som­ para impedir que vivam como es­cra­­vos.
brios e em geral giram sobre a violência, Emprega técnicas de so­nho do rea­lis­mo
que considera estar profundamente mágico ao retratar uma figura misteriosa,
enraizada na psique americana. Beloved, que vol­ta a viver com a mãe
que cor­tou sua garganta.
Toni Morrison (1931 - ) Jazz (1992), ambientado no Harlem
A romancista afro-americana To­ dos anos 1920, é uma história de amor
ni Morrison nasceu em Ohio, nu­­­­­ma a assassinato; em Paradise [Paraíso]
família muito espiritualizada. Cursou (1998), homens de Ruby, cidade negra
a Howard University, em Washington, de Oklahoma, matam vizinhas de
e tem tra­ba­­lhado como edi­to­ra sê­nior Toni Morrison um assentamento só de mulheres.
de u­ma grande editora de Washington Morrison revela que a exclusão, quer
e professora eminente em vá­r ias seja por sexo ou raça, enquanto que
universidades. aparentemente atraente, leva, enfim,
A ficção rica­men­te tramada de não ao paraíso, mas a um inferno
Morrison propiciou-lhe aclamação inventado pelo homem.
internacional. Em roman­ces fas­ci­ Em Playing in the Dark: Whiteness
nan­tes e de grande abertura, tra­ta a and the Literary Imagination [Brin­can­do
identidade complexa dos ne­gros de no Escuro: a Brancura e a I­ma­gi­nação
forma universal. Em The Bluest Eye Literária] (1992), livro de não-ficção
[O Olho Mais Azul](1970), uma de accessível, Morrison discerne uma
suas pri­meiras obras, uma jovem negra corrente definível de consciência racial
obs­ti­nada conta a his­tória de Peco­la na literatura americana. Morrison sugere
Breedlove, é levada à loucura por um Foto © Nancy Crampton que, embora seus romances sejam obras

116
A
de arte consumadas, contêm sen­­tido a autobiografia de Maya Angelou, I
polí­ti­co: “Não estou inte­res­­sada em Know Why the Caged Bird Sings [Sei
en­tre­gar-me a um exercício privado de Porque o Pássaro En­gaio­lado Canta]
minha ima­ginação... sim, a obra tem que (1970), que exalta a ligação mãe-filha,
ser política.” Em 1993, Morrison ganhou ficção rica­ e a obra de feministas brancas, como
o Prêmio Nobel de Literatura. Adri­e nne Rich. The Color Purple
men­te tramada
mostra os homens como basicamente
Alice Walker (1944 - ) de Morrison alheios às necessidades e rea­lidades
Alice Walker, afro-americana, fi­lha propiciou-lhe da mulher.
de meeiros da Georgia rural, for­­­mou- aclamação Embora muitos críticos consi­derem
se pelo Sarah Lawrence Col­­lege, internacional. a obra de Walker muito di­dá­tica ou ide­
onde uma de suas profes­so­ras foi a ológica, uma grande parcela de leitores
poeta politicamente en­ga­­ja­da Muriel
Em roman­ces aprecia suas audaciosas explorações
Rukeyser. Outras in­fluências em sua fas­ci­nan­tes e de da fe­mi­nilidade afro-americana. Seus
obra são Flan­nery O’Connor e Zora grande abertura, romances lançaram luz sobre temas
Neale Hurs­­ton. tra­ta a identidade inflamados como o duro legado do
Escritora “mulherista”, como Walker complexa dos trabalho de meeiro (The third Life of
chama a si própria, está há muitos anos Grange Copeland [A Terceira Vida de
associada ao fe­mi­­nis­mo, apresentando
ne­gros de forma Grange Copeland], 1970) e a circumci­
a existên­cia ne­gra da perspectiva fe­ universal. são feminina (Possessing the Secret Joy
mi­nina. Como Toni Morrison, Jamaica [Possuindo a Alegria Secreta], 1992).
Kin­caid, a falecida Toni Cade Bambara e
outros ro­man­cistas negros contemporâ­ A A S C E NÇÃO DA F I C ÇÃO
neos de sucesso, Walker usa o rea­lismo MULTIÉTNICA

E
lírico intensificado para se centrar nos scritores judeus-americanos
sonhos e fracassos das pes­­soas comuns como Saul Bellow, Bernard
com credibilidade. Seu tra­balho ressalta Malamud, Isaac Bashevis Singer,
a busca de dig­nidade na vida humana. Arthur Miller, Philip Roth e Norman
Refinada estilista, particular­mente em Mailer foram os primeiros, desde
seu ro­mance dialético epistolar The os abolicionistas do século 19 e dos
Color Purple [A Cor Púrpura], sua obra afro-americanos de narrativas es­cravas
pro­cu­ra educar. Nisto, se parece com o a tratar do preconceito étni­co e da
ro­man­cista americano Ish­mael Reed, con­dição de estrangeiro. Eles explo­
cujas sátiras expõem problemas so­ciais raram novos meios de projetar uma
e questões raciais. consciência que era tanto americana
The Color Purple de Walker é a e específica a uma subcultura. Nisto,
história do amor entre duas irmãs ne­ abriram as portas para o florescimento
gras pobres que sub­sis­te à separação da literatura multiétnica nas décadas
de muitos anos, entrelaçada à história futuras.
de como, durante esse pe­ríodo, a irmã O fim dos anos 1980 e o início da
tímida, feia e sem instru­ção descobre década 1990 viu a literatura de minorias
sua força interior, graças ao apoio tornar-se parte inte­grante do cenário
de uma amiga. O tema do apoio das literário americano. Isso se deu com
mulheres umas às outras relembra a dramaturgia assim como a pro­sa. O

117
falecido Au­gust Wilson (1945-2005) escreveu um acla­ de Aurora] (1968), de N. Scott Momaday (1934 - ) e
mado ciclo de peças sobre a expe­riência negra no seu poético The Way to Rainy Mountain [O Caminho
século 20 que fica lado a lado com a obra de roman­ para a Montanha Chuvosa] (1969) evocam a be­leza e
cistas co­mo Ali­ce Walker, John Edgar Wideman e desespero da vida dos índios Kiowa. De ascendência
Toni Morrison. Acadêmicos como Lawrence Levine parcialmente pueblo, Leslie Marmon Silko escreveu
(The Opening of the American Mind: Canons, Culture o romance Ceremony [Cerimônia] (1977), estimado
and History [A Abertura da Mente Americana: pela crítica, que conquistou um grande público.
Cânones, Cultura e História], 1996) e Ronald Takaki Como os trabalhos de Momaday, sua obra é um
(A Different Mirror: A History of Multicultural America “romance cantado” estruturado sobre os rituais de
[Um Espelho Diferente: Uma História da América cura indígenas.
Multicultural], 1993) fornecem um contexto sem par O poeta e romancista blackfoot James Welch (1940-
para o entendimento da literatura multiétnica e seus 2003) detalhou as lutas dos indígenas em seus roman­
significados. ces leves, quase perfeitos Winter in the Blood [Inverno
Os ásio-americanos também assumiram seu no Sangue] (1974), The Death of Jim Loney [A Morte
lugar em cena. Maxine Hong Kingston (The Woman de Jim Loney] (1979), Fools Crow [Canto dos Tolos]
Warrior [A Mulher Guerreira] 1976) abriu o caminho (1986) e The Indian Lawyer [O Advogado Indígena]
para seus companheiros ásio-americanos. Entre eles (1990). Louise Erdrich, parte chippewa, escreveu uma
está Amy Tan (1952 - ), cujos roman­ces luminosos poderosa série de romances, inaugurada por Love
sobre a vida chinesa transposta para a América do Medicine [Remédio de Amor] (1984), que captura
pós-guerra (The Joy Luck Club [O Clube da Sorte da as vidas emaranhadas das famílias disfuncionais da
Alegria], 1989, e The Kitchen God’s Wife [A Esposa reserva com uma mistura tocante de estoicismo e
do Deus da Cozinha], 1991) têm cativado os leitores. humor.
David Henry Hwang (1957 - ), um californiano filho
de imigrantes chineses, já deixou sua marca no O TEATRO AMERICANO

A
teatro, com peças como F.O.B. (1981) e M. Butterfly pós a I Guerra Mundial, os mu­sicais populares e
(1986). lucrativos do­minavam cada vez mais o cenário
Um grupo relativamente novo no horizonte literá­ teatral da Broadway. O teatro sério retraiu-se
rio era o dos escritores latino-americanos, incluindo para salas menores, menos dispendiosas “fora da
o ganhador do Prêmio Pulitzer ro­man­cista Oscar Broadway” ou fora da cidade de Nova York.
Hijuelos, nascido em Cuba, au­tor de The Mambo Essa situação se repetiu após a II Guerra Mundial.
Kings Play Songs of Love [Os Reis do Mambo Tocam O teatro americano definhou nos anos 1950, repri­
Canções de Amor] (1989).Os principais escritores mido pela Guerra Fria e o Macarthismo. A energia
de ascendência mexicano-americana incluem dos anos 1960 o revitalizou. O movimento off-off-
Sandra Cisneros (Women Hollering Creek and Other -Broadway apresentou uma alternativa inovadora
Stories [O Córrego das Mulheres que Gritam e Outras para o teatro popular comercializado.
Histórias],1991) e Rudolfo Anaya, autor do romance Muitos dos principais dramaturgos, após os
poético Bless Me, Ultima [Abençoe-Me, Ultima] anos 1960, produziram suas peças em pequenas
(1972). salas. Livres da necessidade de ganhar dinheiro
A ficção indígena floresceu. Muitas vezes, os au­ suficiente para manter casas de espetáculos caras,
tores evocavam a perda da vida tradicional baseada foram novamente inspirados pelo existencialismo
na natureza, a tentativa estressante de se adaptar europeu e o cha­mado Teatro do Absurdo, associado
à vida moderna e suas lutas contra a pobreza, o a dramaturgos europeus como Samuel Beckett, Jean
desemprego e o alcoolismo. A obra vencedora do Genet e Eugene Ionesco, além de Harold Pinter. Os
Prêmio Pulitzer, House Made of Dawn [Casa Feita melhores dramaturgos tornaram-se inovadores e

118
mesmo surrealistas, rejeitando o teatro O poeta Amiri Baraka, conhecido
realista para atacar as convenções por sua poesia vivaz orientada para a
sociais superficiais. fala e afinidade com o jazz de improvi­
sação, voltou-se para o teatro nos anos
Edward Albee (1928- ) 1960. Sempre buscando encontrar a si
O dramaturgo mais influente do mesmo, Baraka mudou seu nome várias
início dos anos 1960 foi Edward Albee, vezes, ao procurar definir sua identidade
filho adotivo de uma família abastada como negro americano. Quando jovem,
que tinha sido proprietária de teatros Baraka explorou vários rumos na vida,
de variedades e contava com inúmeros abandonou a Universidade de Howard e
atores entre seus amigos. Ajudando a foi afastado com desonra da Força Aérea
produzir o teatro do absurdo europeu, dos EUA sob suposta ligação com o co­
Albee levou ativamente novas correntes munismo. Nesses anos, sua verdadeira
européias para o teatro americano. vocação para escritor aflorou.
Em The American Dream [O Sonho Nos anos 1960, viveu em Green­wich
Americano], 1960, figuras caricatas da Village na cidade de Nova York, onde
mãe, do pai e da avó recitam chavões conheceu muitos artistas e escrito­
que representam de forma grotesca uma res, incluindo Frank O’Hara e Allen
família convencional sem amor. Ginsberg.
A perda de identidade e a conse­ Em 1965, Baraka iniciou o Black Arts
qüente luta pelo poder de preencher o Repertory Theater, no Harlem, bairro
vazio impulsionam as peças de Albee, negro da cidade de Nova York. Retratou
como em Who’s Afraid of Virginia visões nacionalistas dos negros sobre
Woolf [Quem Tem Medo de Virgínia racismo em peças inquietantes como
Wolf] (1962). Nessa peça controversa, Dutchman [Holandês] (1964), na qual
transformada em filme estrelado por uma mulher branca flerta e, por fim,
Elizabeth Taylor e Richard Burton, a mata um jovem negro no metrô da ci­
fantasia compartilhada por um casal dade de Nova York. A primeira metade
infeliz — de que tinham um filho, que da peça é realista e espirituosa, com
suas vidas tinham significado — é diálogos engenhosos e caracterizações
intensamente exposta como mentira. Edward Albee sutis. O final chocante beira o melodra­
Albee continuou a produzir obras ma para dramatizar a incompreensão
notáveis por várias décadas, incluindo racial e a vitimização do protagonista
Tiny Alice [Pequena Alice] (1964); negro.
A Delicate Balance [Um Equilíbrio
Delicado] (1966); Seascape [Paisagem Sam Shepard (1943- )
Marinha] (1975); Marriage Play [Jogo Ator e dramaturgo, Sam Shepard
do Casamento] (1987); e Three Tall passou a infância mudando com a
Women [Três Mulheres Altas] (1991), família de base em base do Exército,
que acompanha a personagem prin­ seguindo seu pai, que tinha sido piloto
cipal, que lembra a dominadora mãe na II Guerra Mundial. Passou sua ado­
adotiva de Albee por três fases da vida. lescência num rancho no árido deser­
to a leste de Los Angeles, Califórnia.
Amiri Baraka (1934- ) Foto Scott Gries / Getty Images No ensino médio, Shepard encontrou

119
conforto nos poetas Beat; aprendeu a cional, a cena funciona como comédia,
tocar jazz na bateria e mais tarde tocou teatro do absurdo e ironia.
em uma banda de rock. Produziu suas Shepard deixa suas personagens di­
primeiras peças, Cowboys e The Rock rigirem sua escrita, em vez de começar
Garden [O Jardim de Pedra], em 1964. com um enredo pré-planejado, e suas
Elas são indicativas de seu trabalho peças são modernas e naturais. Seu
maduro com seus motivos do Oeste talento surrealista e experimentalismo
e tema de competição masculina. ligam-no a Edward Albee, mas suas
Das quase 50 obras de Shepard para obras são mais mundanas e engraçadas
teatro e cinema, as mais queridas são e suas personagens, mais realistas. Elas
três peças inter-relacionadas, abordando carregam uma consciência ousada
amor e violência em família: Curse of the da Costa Oeste e fazem comentários
Starving Class [A Maldição da Classe sobre os Estados Unidos em seu uso
Faminta] (1976), Buried Child [Criança de motivos paisagísticos e cenários e
Enterrada] (1978) e True West [Oeste contextos específicos.
Verdadeiro] (1980), sua obra mais
conhecida. Em True West, dois irmãos David Mamet (1947- )
de meia-idade, um roteirista culto e um Igualmente importante é David
ladrão erran­te, competem para escrever Mamet, criado em Chicago, cuja es­
uma peça sobre a verda­deira história crita foi influenciada pelo método
do Oeste para um ri­co produtor ci­ne­ Stanislavsky de atuar que lhe revelou
ma­tográfico urbano. Cada um deles a maneira como “a linguagem que
acredita precisar do que o outro tem — usamos... determina a maneira como
sucesso e liberdade — os dois trocam de nos comportamos, e não o contrário.”
lugar num clima de violência crescente Sua ênfase na linguagem, não como co­
alimentada pelo álcool. A peça registra municação, mas como arma, eva­são e
a preocupação de Shepard com a perda manipulação da realidade, deu a Mamet
da li­ber­dade, autenticidade e autonomia uma sensibilidade contemporânea
na vida americana. Ela dramatiza a pós-moderna.
fronteira que desaparece (o errante) e As obras de maior importância
a imaginação americana (o escritor), Amiri Baraka de Mamet incluem American Buffalo
seduzidas pelo dinheiro, a mídia e as [Búfalo Americano] (1975), peça em
forças comerciais personificadas no dois atos com linguagem de violência
produtor. crescente envolvendo um drogado, uma
Ao escrever, Shepard tenta recriar loja de quinquilharias e uma tentativa
uma zona de liberdade ao permitir de furto; e Speed-the-Plow [Apresse o
que suas personagens ajam de forma Arado] (1987). O aclamado e muitas
imprevisível, espontânea e muitas vezes vezes incluído em antologias Glengarry
ilógica. O exemplo mais conhecido Glen Ross [Sucesso a Qualquer Preço]
está em True West. Num gesto cujo (1982), sobre corretores de imóveis,
significado sugere liberdade sem lei, deu origem a um excelente filme em
o confuso escritor rouba várias torra­ 1992 com um elenco de estrelas. Esta
deiras. Totalmente irreal, ainda que peça, como muitas das obras de Mamet,
estranhamente crível em um nível emo­ Foto © Nancy Crampton revela seu intenso comprometimento

120
com algumas das questões não resol­ Foto Sara Krulwich / Guard [Acerto Final] (1994) e Corners
The New York Times
vidas dos EUA — aqui, como numa [Esquinas] (1998) sobre o conceito de
atualização de Death of a Salesman honra na Máfia.
[Morte de um Caixeiro Viajante] de
Arthur Miller, vê-se a necessidade de August Wilson (1945-2005)
recobrar a dignidade e a segurança no O renomado dramaturgo afro­
emprego, especialmente para os traba­ -americano August Wilson, nascido
lhadores mais velhos; competição entre Frederick August Kittel, era filho de
as gerações mais velha e mais jovem um imigrante alemão que nunca se
nos locais de trabalho; foco intenso nos Sam Sheppard preocupou com a família. Wilson
lucros em detrimento do bem-estar dos enfrentou a pobreza e o racismo e ado­
trabalhadores e — englobando tudo — o tou o sobrenome da mãe afro-america­
ambiente corrosivo de competição na, na adolescência. Influenciado pelo
levado a níveis abusivos. movimento artístico negro do fim dos
Oleanna (1991), de Mamet, faz uma anos 1960, Wilson foi co-fundador do
análise minuciosa do assédio sexual Black Horizons Theater de Pittsburgh.
em um contexto universitário. The As obras de Wilson exploram a
Cryptogram [O Criptograma] (1994) experiência afro-americana, orga­
imagina uma visão horrorosa de uma nizada por décadas. Ma Rainey’s
criança sobre a vida familiar. Obras re­ Black Bottom [O Fundo Negro de Ma
centes incluem The Old Neighborhood Rainey] (1984) se passa na Chicago
[Velha Vizinhança] (1991) e Boston de 1927 e retrata a famosa cantora
Marriage [Casamento de Boston] de blues. Sua aclamada peça Fences
(1999). [Cercas] (1985), ambientada nos
anos 1950, dramatiza o conflito entre
David Rabe (1940- ) pai e filho, tocando em temas total­
Outro dramaturgo de destaque é mente americanos, como o beisebol
David Rabe, veterano da Guerra do e o sonho americano de sucesso.
Vietnã e um dos primeiros a explorar Joe Turner’s Come and Gone [Idas
a revolta e a violência daquela guer­ e Vindas de Joe Turner] (1986) trata
ra em The Basic Training of Pavlo dos moradores de uma pensão em
Hummel [Treinamento Básico de 1911. The Piano Lesson [A Aula de
Pavlo Hummel] (1971) e Sticks and Piano] (1987) desenrola-se nos anos
Bones [Gravetos e Ossos], 1969. Peças 1930 e cristaliza a dinâmica de uma fa­
subseqüentes incluem The Orphan [O mília, ao concentrar-se no piano que
Órfão] (1973), baseada em Oresteia, é sua relíquia. Two Trains Running
David Mamet
de Ésquilo; In the Boom Boom Room [Dois Trens em Movimento] (1990)
[No Quarto de Boom Boom] (1973), tem lugar em um café nos anos 1960,
sobre o estupro de uma dançarina; ao passo que Seven Guitars [Sete
e Hurlyburly (1984) e Those the River Guitarras], 1995, explora os anos
Keeps [Aqueles que o Rio Guarda] 1940. 
(1990) ambas sobre a desilusão de
Hollywood. As obras mais recen­
Foto © Robin Holland /
tes de Rabe incluem The Crossing CORBIS OUTLINE

121
August Wilson

Foto © Cori Wells Braun /


CORBIS OUTLINE

122
CAPÍTULO
revistas e autores empreendedores criam websites. A
poesia americana atual é um vasto território de livre

9
imaginação, um caldeirão em ebulição, um trabalho
dinâmico em andamento.
A efervescência da poesia americana desde 1990
torna o campo descentralizado e de difícil definição.
A maioria das antologias apresenta uma só dimensão
POESIA da poesia, como textos femininos — ou grupos de
CONTEMPORÂNEA escritores étnicos ou poesias de inspiração comum
— poesia do jazz, poesia cowboy, poemas com influ­
AMERICANA
ência budista e hip-hop.
Os poucos antologistas que aspiram representar o

A
conjunto da poesia americana contemporânea come­
poesia americana, desde 1990, está em meio çam com negações copiosas e discorrem longamente
a um renascimento caleidoscópico. Na sobre seus diferentes impulsos: o pós-modernismo, a
última metade do século 20, havia, se não expansão do cânone, etnias, imigração (com menção
consenso, pelo menos um formato discernível especial às novas vozes do sul e sudeste asiático e do
no campo poético, completo, com posições bem Oriente Médio), o surgimento da literatura global, a
defendidas. Escolas bem-definidas dominavam a elaboração das contínuas contribuições das mulheres,
cena e as discussões críticas tendiam ao binário: a ascensão da tecnologia da internet, a influência de
formalismo versus verso livre, acadêmico versus professores específicos, de programas de redação
experimental. ou de impulsos regionais, a mídia onipresente e o
Em retrospectiva, algumas pessoas viram os anos papel do poeta como voz individual e solitária que
que se seguiram à II Guerra Mundial como uma era se ergue contra o comercialismo e o conformismo
heróica, em que a poesia americana libertou-se de exacerbados.
limitações como rima e métrica e mergulhou de Os próprios poetas lutam para dar sentido à
cabeça em novas dimensões, junto com os expres­ inundação de poesias. É possível vislumbrar um
sionistas abstratos na pintura americana. Outros con­tinuum, tendo de um lado a poesia da fala, o
— experimentalistas, autores multiétnicos e globais eu subjetivo, de outro a poesia do mundo e, no
e escritoras feministas entre eles — relembram a meio, uma ampla faixa em que o eu e o mundo se
cegueira da época para com questões como raça fundem.
e gênero. Esses autores vivenciam a diversidade A poesia do eu que fala tende a enfocar ex­pres­
como bênção do presente e anseiam por liberdades sões vívidas e a exploração de emoções profundas
ainda inimagináveis. Sua contribuição fez da poesia geralmente enterradas. É psicológica e intensa e
atual uma rica cornucópia de base genuinamente os cenários são secundários. Na última metade do
popular. século 20, o poeta mais influente dessa linha foi
Entre o público em geral, o interesse por poesia Robert Lowell, cujo mergulho na própria psique
atingiu o nível mais elevado de todos os tempos. e no histórico conturbado de sua família inspirou
Os concursos de poesia geram uma camaradagem textos confessionais.
competitiva entre escritores iniciantes, grupos in­ A poesia do mundo, por sua vez, tende a construir
formais de redação fornecem apoio e críticas e os significado a partir do impulso narrativo, do detalhe
clubes de leitura proliferam. Programas de redação e do contexto. Cria cenas de forma cuidadosa. Uma
florescem em todos os níveis, intercâmbios poéticos das poetas mais influentes do mundo foi Elizabeth
ligeiros circulam pela internet e as universidades, Bishop, considerada a melhor poeta americana do

123
fim do século 20. O que se move e o que não quer ser movido, o solto
Robert Lowell e Elizabeth Bishop foram amigos Significado, desordenado e simples como uma eira
da vida toda; ambos lecionaram na Universidade de debulho.
de Harvard. Assim como Walt Whitman e Emily
Dickinson no século 19, Lowell e Bishop reinam O enigmático W.S. Merwin (1927- ), de formação
como espíritos geradores de futuros poetas. E, em­ clássica, continua a produzir farta poesia subjetiva
bora tivessem uma visão comum, suas abordagens e obsessiva. Seu poema “The River of Bees” [O Rio
eram diametralmente opostas. A poesia complexa, de Abelhas] (1967) termina:
subjetiva e retórica de Lowell extrai significado da
auto-apresentação e linguagem elevada, ao passo Na porta está escrito o que fazer para sobreviver
que Bishop, ao contrário, oferece paisagens deta­ Mas não nascemos para sobreviver
lhadas em estilo aparentemente simples e prosaico. Só para viver
Somente com a releitura percebe-se sua precisão e
profundidade. O termo “só” destaca ironicamente o quanto é
Muitos dos poetas pairam em algum ponto entre os difícil viver plenamente como ser humano, uma
dois pólos. Em última instância, a grande poesia — seja busca mais nobre do que a mera sobrevivência.
do eu ou do mundo — supera essas divisões; o eu e Tanto Ashbery quanto Merwin, precursores da
o mundo tornam-se espelho um do outro. Contudo, atual geração de poetas do eu, caracteristicamente
para fins de discussão, pode-se fazer provisoriamente escrevem monólogos descolados de contextos ou
uma distinção entre elas. narrativas explícitas. As líricas existenciais atormen­
tadas de Merwin sondam profundezas psicológicas,
A POESIA DO EU enquanto em Ashbery, o uso inesperado de palavras

A
poesia do eu tende ao discurso direto ou de vários registros da diligência humana — psicolo­
ao monólogo. Em sua intensidade máxima, gia, agricultura, filosofia — anseia pela Escola da
expressa um estado de alma. Os cenários, Linguagem.
ainda que presentes, não desempenham papéis Os poetas recentes do eu foram mais a fundo na
definitivos. Essa poesia pode ser psicológica ou ciência fenomenológica da consciência exercida à
espiritual, aspirando a um estado atemporal. Mas exaustão momento a momento. Para Ann Lauterbach
pode também solapar a certeza espiritual ao referir (1942- ), o poema é uma extensão da mente em ação;
todo significado de volta à linguagem. Dentro desse para ela, sua poesia é “um ato de auto-construção e
grande grupo, portanto, pode-se encontrar poesia um a voz, seu limiar”. A poeta da linguagem Lyn Hejinian
tanto romântica e expressiva, mas também poemas (1941- ) expressa o movimento da consciência em
baseados na linguagem que questionam os próprios seu poema-prosa autobiográfico My Life [Minha Vida]
conceitos de identidade e significado, ao vê-los como (1987) que usa disjunção, saltos inesperados e interse­
imagens sintetizadas. ções for­tuitas: “Visualizo uma idéia no momento em
Ao equilibrar essas questões, John Ashbery disse que a tenho, nossa colisão.” Rae Armantrout (1947- )
estar interessado “na experiência da experiência” ou recorre a silêncios e grupos de associações sutis e
no que é filtrado por sua consciência, em vez do que indiretos, o poema título de seu livro Necromance
realmente aconteceu. Seu poema “Soonest Mended” (1991) alerta que “enfática / precisão / é revelada
[Logo Passará] (1970) mostra uma realidade “lá fora”, como / hostilidade”. Outra poeta experimental, Leslie
solta e aparentemente simples, mas letal como a eira Scalapino (1947- ), escreve poemas como um “exame
sobre a qual o trigo e joio (como vidas humanas ou da mente durante o processo do que quer que esteja
as folhas da relva de Walt Whitman) são separados: criando”.
...sob o discurso está Grande parte da poesia experimental do eu é elíp­

124
tica, não-linear, não-narrativa e não­ em transformação. O poe­ma reúne
-objetiva; em sua melhor expressão, elementos díspares em livres asso­
contudo, é não-solipsística, mas gira ciações de gestos largos — o caminho
em vez disso em torno de um “centro percorrido pela poeta entre pequenos
ausente”. A poe­sia do eu geralmente flocos brancos de uma tempestade
envolve uma apresentação em públi­ de neve para devolver a malha de
co. No caso de mulheres poetas, as balé preta de uma amiga, um bando
exclusões, as noções de silêncio e as de estorninhos pretos (aves que
disjunções são geralmente associadas expulsam as espécies nativas) e um
à Julia Kristeva e a outras teóricas único corvo negro (protagonista da
feministas francesas. A poeta Susan tradição oral nativo-americana) evo­
Howe (1937- ), que desenvolveu uma cado como “uma mancha de tinta na
poética visual complexa para interligar cena emoldurada pela neve que caía
o histórico e o pessoal, ressaltou a ao anoitecer”.
dificuldade de recuperar as linhas Essas impressões sensoriais recu­
femininas em arquivos e genealogias, peram lembranças da infância da
bem como a exclusão das mulheres poeta na Europa e de sua professora
na história cultural. Para ela, como de dança em malha de balé preta,
mulher, “nas lacunas e no silêncio são e se estendem na história do Novo
onde você pode se encontrar”. Mundo. O contato de Cristóvão
Colombo com os índios americanos
Jorie Graham (1950- ) em uma praia de areias brancas é
Uma das mais talentosas poetas como a tempestade de neve branca
do eu subjetivo é Jorie Graham. da poeta: “Ele pensou ter visto índios
Nascida em Nova York, cresceu na fugindo pelo branco na frente do na­
Itália e estudou na Sorbonne na vio” e, “No torvelinho branco, fincou
França, na Universidade de Nova uma grande cruz”.
York (especializando-se em cinema, Todos esses elementos estão su­
que continua a influenciar sua obra) bordinados à mente em movimento
e no Workshop de Escritores de Iowa, que as contém e que constantemente
onde mais tarde lecionou. Desde Jorie Graham se questiona. Essa mente, ou “campo
então, é professora na Universidade unificado” (conjunto de teorias da
de Harvard. física que tenta relacionar todas as
A obra de Graham é carregada de forças do universo), é como a tem­
referências cosmopolitas e ela vê a pestade de neve do início:
história dos EUA como parte de um
compromisso internacional maior Nada verdadeiro ou falso em si mesmo.
ao longo do tempo. O poema que Apenas movimento. Muitas faixas de
dá título à sua coletânea vencedora movimento. Filamentos de queda
do Prêmio Pulitzer The Dream of the marcados
Unified Field: Selected Poems 1974- por minúsculas certezas de flocos.
1994 [O Sonho do Campo Unificado:
Poemas Selecionados 1974-1994] Graham enfoca a mente como
Foto: Estate of
(1995) fala dessa história complexa Thomas Victor um portal de significado e distorção,

125
tanto uma parte do mundo quanto um Dove confere dignidade à vida humilde
ponto privilegiado separado. Como de seus avós. O primeiro emprego de
na montagem de um filme, sua voz Thomas, como trabalhador de terceiro
costura visões e experiências dis­ turno, exigiu que ele morasse em um
crepantes. Swarm [Enxame] (2000) alojamento e dividisse o colchão com
intensifica a tendência metafísica de dois homens com os quais nunca se
Graham, sua profundidade emocional encontra. Seu trabalho é “uma dor
e seu sentimento de urgência. intensa”, mas a música anima sua alma
como uma bela mulher (antecipando
A POESIA DA VOZ Beulah, que ele ainda não conhecia).

E
m seu extremo, a poesia do eu Quando Thomas canta,
elimina o eu se faltar uma sensi­
bilidade que sirva de contrapeso. ele fecha os olhos.
A próxima fase pode ser a poesia Nunca sabe quando ela virá
de várias vozes ou de eus ficcionais, mas quando ela parte, sempre
quebrando a idéia monolítica do eu em tira o chapéu.
fragmentos e personagens. Os monó­
logos dramáticos de Robert Browning Louise Glück (1943- )
são seus precursores do século 19. O Entre os poetas da voz, uma das
“eu” fictício é sólido, mas não envolve mais impressionantes é Louise Glück.
o verdadeiro autor, cujo eu se mantém Nascida na cidade de Nova York,
fora de cena. Glück, poeta americana premiada em
Esse tipo de poesia costuma buscar 2003 e 2004, cresceu com permanente
seus temas nos mitos e na cultura sentimento de culpa devido à morte
popular, vendo os relacionamentos de uma irmã nascida antes dela.
modernos tipicamente como redefi­ Na Faculdade Sarah Lawrence e na
nições ou versões de padrões mais Universidade de Colúmbia, estudou
antigos. Entre os poetas contempo­ com os poetas Leonie Adams e Stanley
râneos da voz ou do monólogo estão Kunitz, e atribuiu sua sobrevivência
Brigit Pegeen Kelly, Alberto Rios e a psíquica à psicanálise e a seus estu­
..
Louise Gluck
poeta canadense Margaret Atwood. dos de poesia. Grande parte de suas
Geralmente, a poesia da voz é escri­ poesias fala de perdas trágicas.
ta na primeira pessoa, mas a terceira Cada livro de Glück é um experi­
pessoa pode causar impacto semelhan­ mento em novas técnicas, tornando
te se o ponto de vista for claramente o difícil uma síntese de sua obra. Em
dos personagens, como em Thomas seus primeiros livros, como The House
and Beulah [Thomas e Beulah] de on Marshland [A Casa em Marshland]
Rita Dove. Nesse livro, Dove entrelaça (l975) e The Triumph of Achilles [O
biografia e história para dramatizar a Triunfo de Aquiles] (1985) trata o mate­
vida de seus avós. Assim como vários rial autobiográfico a uma distância psí­
afro-americanos no início do século 20, quica, ao passo que nos últimos é mais
eles fugiram da pobreza e do racismo direta. Em Meadowlands [Pradarias]
da zona rural do sul dos Estados Unidos (1996) usa de ironia e referências
Foto: Associated /
para trabalhar no Norte urbanizado. Library of Congress cômicas à Odisséia para descrever um

126
casamento fracassado. norte da Califórnia de Robert Hass, os
Em seu memorável The Wild Iris litorais e as memórias do surf no sul
[A Íris Selvagem] (1992) diferentes da Califórnia de Mark Jarman, os po­
tipos de flores declamam monólogos emas de Tess Gallagher ambientados
metafísicos. O poema que dá título ao no noroeste do Pacífico e os poemas
livro, uma exploração da ressurreição, de Simon Ortiz e Jimmy Santiago
poderia ser uma epígrafe para o con­ Baca que emanam das pai­sagens do
junto de sua obra. A íris selvagem, uma sudoeste. Cada sub-re­gião inspirou
flor linda de cor azul profundo que ao poesia: o extremo sul marginal de
brotar de um botão que ficou adorme­ C.D. (Carolyn) Wright está distante
cido durante todo o inverno, diz: “É do úmido Golfo da Louisiana de Yusef
terrível sobreviver / como consciência / Komunyakaa.
enterrada na terra escura.” Assim como A poesia do lugar não se baseia
a visão de Jorie Graham do eu fundido na descrição da paisagem; mais
com a tempestade de neve, o poema de exatamente, a terra, e sua história, é
Glück termina com uma visão de fusão a força geradora com implicações na
entre o mundo e o eu — dessa vez na maneira como seu povo, inclusive o
água da vida, azul sobre azul: poeta, vive e pensa. A terra é perce­
bi­da como o que D.H. Lawrence
Você que não se lembra chamou de o “espírito do lugar”.
da passagem do outro mundo
Digo-lhe que poderia falar de novo: Seja Charles Wright (1935- )
o que for que Um dos poetas do lugar mais co­
volte do esquecimento volta moventes é Charles Wright. Criado
para encontrar uma voz; no Tennessee, Wright é um sulista
cosmopolita. O poeta tem sua base
do centro da minha vida surgiu na poética italiana e da China antiga
uma grande fonte, sombras de azul e infunde em sua obra temas sulistas
profundo sobre água do mar azul. como o ônus de um passado trágico,
retratado em sua série de poemas
À maneira de Graham, Glück funde Charles Wright “Appalachian Book of the Dead” [Livro
o eu e o mundo por meio de imagens dos Mortos dos Apalaches], baseado no
fluidas de água. Se de um lado a água antigo Livro dos Mortos dos Egípcios.
congelada — neve — de Graham pa­rece Suas obras incluem Country Music:
areia ou a terra encontrada à beira mar, Selected Early Poems [Música Country:
em Glück a água fresca e azul — signi­ Primeiros Poemas Selecionados] (l982);
ficando seu coração — funde-se com a Chickamauga (1995) e Negative Blue:
água salgada do mundo. Selected Later Poems [Azul Negativo:
Últimos Poemas Selecionados] (2000).
A POESIA DO LUGAR A intensa poesia de Wright oferece

V
ários poetas — não grupos, momentos de revelações espirituais res­
mas tendências nacionais — gatadas, ou melhor, construídas a partir
encontram forte inspiração dos estragos do tempo e circunstância.
em paisagens específicas. Alguns Foto © Nancy Crampton Uma inabilidade proposital — vista em
exemplos são as evocações líricas do
127
suas voltas inesperadas de frase coloquial e prefe­ ______
rência por linhas longas, quebradas com números O poema é um código sem mensagem:
ímpares de sílabas — conferem a seus poemas uma O que importa na máscara não é a máscara mas o rosto
graça lustrosa, como a de antigos implementos por baixo dela,
agrícolas polidos pelo uso das mãos. Essa qualidade Absoluta, incomunicável,
singular, trabalhada e às vezes irônica faz os poemas desabrigada e peregrina.
de Wright soarem contemporâneos e impede que _____
pareçam pretensiosos. A rede de peixes da história nos arrancará em breve
A disparidade entre visão transcendente e fragilida­ Das águas frias da auto-satisfação em que nos deixamos
de humana está no âmago da visão de Wright. Ele é levar
atraído por temas grandiosos — estrelas, constelações, Um a um
história — de um lado, e pequenos elementos táteis — em sua luz e seu ar sufocantes.
dedos, cabelos — de outro. Seu poema “Chickamauga” _____
conta com o conhecimento do leitor: Chickamauga, A estrutura se torna elemento da crença, a sintaxe
na Geórgia, em 19 e 20 de setembro de 1862 foi cenário E a gramática um catequista,
de uma batalha decisiva da Guerra Civil Americana Suas palavras o que dizem o rosário,
entre o Norte e o Sul. O Sul não conseguiu destruir palavras desfiadas do nosso descon­tentamento.
o exército da União (Norte) e abriu caminho para
a devastadora invasão do Sul a partir de Atlanta, na O poema vê a história como conceito, um “código
Geórgia. sem mensagem”. Cada indivíduo existe em si mesmo,
“Chickamauga” pode ser lido como uma medita­ impossível de se conhecer fora de seus próprios
ção sobre a paisagem, mas é também um lamento termos e tempo, “não é a máscara mas o rosto por
elegíaco e a ars poetica do poeta. Começa com uma baixo dela”. A morte é inevitável para nós como para
simples observação: “Revoada de pombos na relva os soldados caídos, o Velho Sul e os peixes pescados.
alta.” Esse idílio aparente é o momento que antecede Não obstante, a poesia oferece um consolo parcial:
os tiros do caçador; os soldados as­sas­sinados, jamais Nosso descontentamento manifesto pode produzir
mencionados no poema, foram esquecidos, triturados uma dimensão de imortalidade.
como pombas ou relva. A “árvore de magnólia golpe­
A POESIA DA FAMÍLIA

U
ada” destrói o estereótipo “meia-noite e magnólia” das
plantações pré-guerra no Sul. O poema funde presente m tipo de poesia ainda mais arraigada
e passado em um poderoso epitáfio a mundos e ideais coloca o objeto poético em uma matriz de
perdidos. pertencimento — à família, à comunidade e
a tradições em mudança. Geralmente as tradições
Revoada de pombos na relva alta. evocadas são étnicas ou internacionais.
Brilho de fim de verão aqui ao lado Poucos poetas, como Sharon Olds (1942- ), ex­
Sobre as luvas e as pontas fendidas da árvore magnólia põem suas feridas abertas recorrendo ao modo con­
golpeada. fessional, mas a maioria dos poetas contemporâneos
Sons de lida: buzina traseira de caminhão, martelo de escreve com um sentimento, que embora de lamento
estanho e madeira, cigarra, sirene de incêndio. é, não obstante, genuíno. Stephen Dunn (1939- ) é um
_____ exemplo: Em seus poemas, os relacionamentos são
A história trata nosso passado como fruta podre. um meio de conhecimento. Em alguns poetas, o res­
Meio da manhã, luz de fim de século peito pela família e pela comunidade carrega consigo
vestidos de algodão sob os pessegueiros. um sentido de afirmação, se não uma sensibilidade
Toque-nos aqui. Toque-nos aqui e aqui. explicitamente devota. Esse tipo de poesia não é

128
conservadora; geralmente confronta a mensões espirituais da poesia. Seu po­
mudança e a perda, assim como luta ema de maior influência, “Persimmons”
com os poderes da tradição literária [Caquis] (1986) do livro Rose, evoca
étnica ou não-ocidental. sua origem asiática por meio do caqui,
Lucille Clifton (1936- ) encontra fruta pouco conhecida nos EUA. Frutos
conforto na comunidade negra. Sua e flores são objetos tradicionais da
linguagem coloquial e sua grande fé arte e da poesia chinesa, mas raros
formam uma combinação poderosa. As no Ocidente. O poema contém uma
emocionantes elegias feitas por Agha crítica afiada, mas bem-humorada de
Shahid Ali (1949-2001) à sua mãe são uma professora provinciana que Lee
baseadas em uma fascinante gama de encontrou nos Estados Unidos e que
formas poéticas clássicas do Oriente tinha a pretensão de conhecer caquis
Médio, entrelaçando a vida de sua mãe e linguagem.
ao sofrimento da Caxemira, país nativo Seu poema “Irises” [Íris] (1986)
de sua família. do mesmo livro, sugere que nos
A americana malásio-chinesa Shirley deixamos levar em um “sonho de
Geok-lin Lim (1944- ) faz uma compa­ vida” mas, como a íris, “desperta
ração pungente entre sua complicada morrendo — violeta ficando azul,
família na Malásia e sua nova família crescendo / negra, negra”. O poema
na Califórnia. A poeta mexicano-ame­ e seu tratamento das cores ecoam a
ricana Lorna Dee Cervantes imortaliza íris selvagem de Glück.
a vida dura e precária de sua família na O poema-título de The City in Which I
Califórnia; Louise Erdrich traz de volta à Love You anuncia o in­gres­so afirmativo
vida a energia vigorosa de sua imprevi­ de Lee numa comunidade maior de
sível e tragicômica família indígena. poetas. Assim termina o poema:

Li-Young Lee (1957- ) minha terra nativa desapareceu, minha


Uma história trágica paira sobre cidadania conquistei,
Li-Young Lee, cujo pai chinês, que foi em liga com pedras da terra, eu
médico de Mao Tse-tung, é mais tarde entro, sem abrigo ou ajuda
encarcerado na Indonésia. Nascido Li-Young Lee da história,
em Jacarta, Indonésia, Lee viveu uma os dias de dia nenhum, minha terra
vida de refugiado, mudando-se com de terra nenhuma, eu re-entro
a família para Hong Kong, Macau e na cidade onde eu te amo.
Japão antes de conseguir abrigo nos E nunca acreditei que a multidão
EUA, onde seu pai tornou-se pastor de sonhos e muitas palavras fossem
protestante na Pensilvânia. Lee foi em vão.
aclamado por seus livros Rose [Rosa]
(1986) e The City in Which I Love You A POESIA DO BELO

O
[A Cidade Onde Eu Te Amo] (1990). utra vertente da poesia inten­
Lee mostra-se sensível e filial — ele samente lírica, impulsionada
descreve sua família e a decadência de por imagens, celebra a beleza
seu pai de forma emocionante — e é sin­ apesar da vida moderna, ou em meio
cero em seu compromisso com as di­ Foto © Dorothy Alexander a ela, com tudo que isso implica de

129
sofrimento e confusão. Muitos poetas tamanho dessa linha”. Como pessoas ou
poderiam ser incluídos aqui — Joy Harjo idéias, os peixes querem liberdade: Eles
(1951- ), Sandra McPherson (1943- ) “querem nadar para frente”, mas por
e Henri Cole (1965- ) — já que essas ora “pulsam em seu globo dourado”. O
tendências são em parte sobrepostas, e sentido de conexão orgânica comparti­
não mutuamente excludentes. lhado com outros está presente em todo
Alguns dos mais destacados poetas o livro. O terceiro poema, “At the Gym”
contemporâneos usam a imaginação [No Ginásio] imagina a impressão de
não como elemento decorativo, mas cabeças suadas em equipamentos para
para explorar novos temas e domínios. exercícios como “uma auréola / que os
Harjo vê nos cavalos uma forma de re­ vivos fizeram juntos”.
cuperar sua herança nativo-americana, Doty encontra em Walt Whitman
ao passo que McPherson e Cole criam um guia pessoal e poético. O poeta
imagens que parecem ganhar vida. americano também tem escrito de
forma memorável sobre a tragédia da
Mark Doty (l953- ) epidemia de Aids. Suas obras incluem
Desde o fim dos anos 1980, Mark My Alexandria [Minha Alexandria]
Doty tem publicado meditações poé­ (1993), Atlantis [Atlântida] (l995)
ticas belas, maleáveis, sobre a arte e e suas vívidas memórias, Firebird
as relações — com amantes, amigos [Pássaro de Fogo] (1999). Still Life
e vários tipos de comunidades. Sua With Oysters and Lemon [Natureza
imaginação vívida, exata e sensorial é Morta com Ostras e Limão] (2001) é
muitas vezes uma forma de conhecer, uma coletânea recente.
sentir e se aproximar. Por meio de Os poemas de Doty são ao mesmo
imagens, Doty nos leva a descobrir tempo reflexivos (referindo-se a si mes­
afinidades com animais, com estranhos mos como arte) e receptivos ao mundo
e com a obra de criação artística, o exterior. Ele vê o corpo imperfeito,
que implica, segundo ele, uma nova todavia vital, como a margem — um tipo
maneira de ver as coisas. de texto — onde o interior e o exterior
É possível apreciar Doty seguindo se encontram, como em seu pequeno
sua evolução da idéia de comunidade. Mark Doty poema, também tirado de Source, sobre
Em “A Little Rabbit Dead in the Grass” o ato de fazer uma tatuagem, “To the
[“Coelhinho Morto na Grama”] tirado de Engraver of My Skin” [Ao Tatuador da
Source [Fonte] (2001) um coelho morto Minha Pele].
inspira uma meditação filosófica. Este
coelho em particular, como um poema, Sei que o pacto é mortal,
é importante em si mesmo e como aceito arcar com essa permanência.
texto, “algo elaborado com arte” em
cuja fronte “um traço / de pensamento Eu contrato com restrição; digo não e não,
parece escrito”. O poema seguinte em então sim a você, e assino
Source, “Fish R Us” [“ Aquário”], com­
para a comunidade humana a um saco — aqui, na linha pontilhada —
de peixes nun tanque de loja de animais, para o que vier, assino: nosso tempo,
“cada peixinho / mais ou menos do Foto © Dorothy Alexander

130
nosso perfil, o preenchimento de nossos
detalhes Jane Hirshfield (l953-)
(é a densidade que machuca, sempre, Jane Hirshfield não faz quase nenhu­
ma referência explícita ao budismo em
não o plano original). Estou aqui seus poemas; no entanto, eles respiram
para revisão, descoloração; aqui para o espírito de seus muitos anos de medi­
desvanecer tação zen e de suas tra­duções da antiga
poesia cortesã de duas autoras japone­
e durar, indelével, azul. Escreva em mim! sas, Ono no Komachi e Izumi Shikibu.
Esta tinta dura mais que eu. Hirshfield editou a antologia, Women
in Praise of the Sacred: 43 Centuries of
A POESIA DO ESPÍRITO

O
Spiritual Poetry by Women [Mulheres em
utra vertente da poesia ame­ Louvor ao Sagrado: 43 Séculos de Poesia
ricana contemporânea busca Espiritual Feita por Mulheres] (1994).
trazer um enfoque espiritual. A poesia de Hirshfield manifesta
Nessas obras, a relação mais profunda o que ela chama de “pensamento
é aquela entre o indivíduo e a essên­ indireto” em seu livro sobre a arte de
cia eterna que existe além da beleza escrever poesia, Nine Gates: Entering
artística, embora ligada a ela. Entre os the Mind of Poetry [Nove Portões:
poetas mais antigos que anunciaram Entrando no Pensamento Poético]
uma consciência espiritual destacam­ (1997). Essa orientação traz consigo
-se Gary Snyder, que ajudou a intro­ a veneração à natureza, economia de
duzir o zen na poesia americana, e o linguagem e o sentido de imperma­
poeta-tradutor Robert Bly, que trouxe nência budista. Sua própria “poesia
à poesia dos EUA o conhecimento indireta” segue nuances, associações
do surrealismo latino-americano. Nos (muitas vezes com as estações e as
últimos tempos, Coleman Barks tem condições do tempo, evocando visões
traduzido muitos livros de Rumi, poeta do mundo e estados de espírito) e
místico do século 13. imagens da natureza .
Entre os poetas americanos con­ O poema de Hirshfield, “Mule
temporâneos espiritualmente afina­ Jane Hirshfield Heart” [“Coração de Mula”] da sua
dos, destaca-se Arthur Sze (1950- ), coletâ­nea de poesia The Lives of the
considerado possuidor de uma sensi­ Heart [As Vidas do Coração] (1997)
bilidade zen. Seus poemas oferecem evoca vivamente uma mula sem jamais
observações literais aparentemente mencioná-la. Para escrever o poema,
simples que também são meditações, que ela mesma considerou uma receita
tais como estas linhas tiradas de para superar tempos difíceis, Hirshfield
“Throwing Salt on a Path” [“Jogando baseou-se em suas lembranças de uma
Sal no Caminho”] (1987): “Defumando mula usada para transportar cargas por
camarões sobre o fogo. Ah, /a luz de encostas íngremes na ilha grega de
uma estrela nunca pára, só viaja”. Santorini. O poema instiga o leitor a
Removendo a neve, ele observa: “O ganhar coragem. A humilde mula tem
sal abre caminho na neve, expande sua própria beleza (guizos da cabeçada)
as margens do universo”. Foto © Jerry Bauer e força.

131
natureza. Exemplos de poetas contem­
Nos dias quando o descanso porâneos com raízes em uma visão
lhe é negado, natural são Pattiann Rogers (1940- ) e
deixe que isso seja o seu — Maxine Kumin (1925- ). Rogers coloca a
moscas, pó, um odor indescritível, história natural no centro das atenções,
as duas cestas que esperam: ao passo que Kumin escreve com senti­
uma para os limões e a paixão, mento sobre sua vida na fazenda e seu
a outra para tudo o que lhe tiraram. trabalho como criadora de cavalos.
Ambas vazias,
ela virá ao seu ombro, Mary Oliver (1935- )
respirará lentamente em seu braço nu. Uma das mais celebradas poetas
Se lhe ofereceres feno, ela comerá. da natureza é Mary Oliver. Essa poeta
Se nada lhe ofereceres, formidável e acessível evoca plantas e
lá quedará pelo tempo que pedir. animais com intensidade visionária.
Os pequenos guizos da cabeçada penderão Oliver nasceu em Ohio, mas viveu na
ao seu lado em silêncio, Nova Inglaterra durante anos, e seus
no calor e na precária sombra da árvore. poemas, como os de Robert Frost, ins­
Não deixe sua crina esparsa piram-se em suas diferentes paisagens
lhe enganar, e mudanças de estação. Oliver encontra
ou o modo como move a orelha esquerda significado em seus contatos com a
no sonho. natureza, mantendo a tradição trans­
Isso também é presente dos deuses, cendental de Henry David Thoreau e
calmo e completo. Ralph Waldo Emerson, e sua obra tem
forte dimensão ética. É autora, entre
A POESIA DA NATUREZA

O
outros, de American Primitive [Primitivo
Novo Mundo atraiu a atenção Americano] (1983), New and Selected
dos americanos durante o Poems [Novos Poemas Selecionados]
período revolucionário no final (l992), White Pine [Pinheiro Branco]
dos anos 1700, quando Philip Freneau (1994), Blue Pastures [Pastagens Azuis]
considerou importante celebrar a (1995) e os ensaios em The Leaf and the
flora e a fauna nativas das Américas Mary Oliver Cloud [A Folha e a Nuvem] (2000).
como forma de forjar uma identidade Para Oliver, não há fato natural, por
americana. O transcendentalismo e o mais simples que seja, que não possa
agrarianismo enfocaram a relação dos trazer novos conhecimentos ou o que
Estados Unidos com a natureza no Emerson chamou de “fatos espirituais”,
século 19 e início do século 20. como em seu poema “The Black Snake”
As preocupações ambientais de [A Serpente Negra] (1979). Embora
hoje refletem-se em uma poderosa ver­ a narradora, uma motorista de carro,
tente da poesia dos EUA voltada para esteja implicada na morte da serpente,
questões ecológicas. O falecido A.R. ela pára e remove o corpo do animal
Ammons foi um precursor moderno e em sinal de respeito. Ela reconhece na
poetas nativo-americanos, tais como o serpente, vítima freqüente de difamação
falecido James Welch e Leslie Marmon pelas associações negativas com o
Silko, nunca deixaram de reverenciar a Foto © Nancy Crampton livro Gênesis da Bíblia e com a morte,

132
um “irmão morto”, e aprecia sua beleza cintilante. existência consiste em “esperar ou recordar”, já que
A serpente lhe ensina sobre a morte, mas também na maior parte do tempo do mundo nós “não estamos
sobre uma nova gênese e a alegria de viver, e segue aqui, / não nascemos ainda, ou já morremos”. Uma
adiante, pensando na “luz no centro de cada célula” intensidade que relembra o falecido poeta James
que incita toda criatura viva “a seguir em frente / ale­ Wright arde em muitos poemas de Oliver, como
gremente por toda a primavera” — sem saber nunca “Poppies” [Papoulas] (1991-1992). Esse poema co­
onde encontraremos nosso fim. Esse carpe diem é o meça com uma descrição das “chamas alaranjadas;
convite a uma percepção mais profunda e festiva. balançando / ao vento, sua congregação é uma
levitação”. Ele termina com uma provocação à morte:
Quando a negra serpente “que pode fazer / a respeito — profunda noite azul”?
irrompeu na estrada da manhã,
A POESIA DA ARGÚCIA

N
e o caminhão não pôde desviar —
morte, como sempre acontece. o espectro da poesia do eu à poesia do
mundo, a poesia da argúcia — incluindo o
Agora ela jaz enrolada e sem valia humor, o senso do absurdo e os vôos da
como velho pneu de bicicleta. imaginação — está mais perto da poesia do mundo.
Eu paro o carro A argúcia depende da interseção de duas ou mais
e a carrego para o matagal. estruturas de referência e de agudo discernimento;
é uma poesia mundana.
Ela está tão fria e cintilante A poesia da argúcia encontra o momento poético
como um chicote trançado, e está tão bela e tranqüila na rotina da vida diária, conferindo a ela um elevado
como um irmão morto. tom humorístico, surrealista e alegórico. Em geral a
Eu a deixo sob as folhas linguagem é coloquial, de forma que as situações
fantásticas têm a força da realidade. Os mais antigos
e sigo adiante, pensando mestres desse estilo são Charles Simic e Mark Strand;
na morte: Sua subitaneidade, entre os poetas mais jovens destacam-se Stephen
seu peso terrível, Dobyns e Mark Halliday.
sua vinda certa. Não obstante, sob A linguagem do dia-a-dia, o humor, a ação surpre­
endente e o exagero dessa poesia acaba por torná-la
a razão queima um fogo mais brilhante, que os ossos extremamente acessível, embora o melhor dessa
sempre preferiram. obra só revele seus segredos se lida repetidas vezes.
É a história da boa fortuna eterna.
E diz ao olvido: não eu! Billy Collins (1941- )
Billy Collins é hoje o mais influente poeta da
É a luz no centro de cada célula. razão O autor, que foi o poeta laureado dos EUA em
É o que induz a serpente a espiralar e seguir em frente 2001-2003, é refrescante e estimulante, como Frank
feliz por toda a primavera entre as folhas verdes, antes O’Hara na geração anterior. Como O’Hara, Collins
de chegar à estrada. usa a linguagem cor­rente para registrar milhares
de detalhes da vida diária, combinando livremente
Os poemas de Oliver encontram inúmeras formas eventos do co­tidiano (comer, realizar tarefas, es­cre­ver)
de celebrar o simples, mas transcendental fato de com referências culturais. Seu humor e originalidade
estar vivo. No poema “Hummingbird Pauses at the fizeram com que atraísse o grande público. Embora
Trumpet Vine” [Beija-Flor pausa no Jasmim-da- alguns tenham acusado Collins de acessível demais,
Virgínia] (1992) ela nos lembra que quase toda a seus imprevisíveis vôos de imaginação mergulham no

133
mistério. Foto © Nancy Crampton espírito, os poetas se aventuram no
A obra de Collins é uma forma do­ mundo com um “eu” em letras minús­
mesticada de surrealismo. Seus melhores culas, aberto a tudo que os moldou.
poemas, muito longos para reproduzir Esses poetas acreditam no valor da
aqui, catapultam de imediato a imagina­ experiência.
ção a uma série de situações cada vez Michael Harper, poeta mais velho
mais surrealistas, oferecendo no fim uma dessa vertente de poesia, reflete esse
aterrissagem emocional, uma disposição espírito ao entrelaçar a história afro­
de ânimo em que podemos nos apoiar, -americana com as experiências de
mesmo que brevemente, como uma sua família em forma de montagem.
modulação final na música. O pequeno
Billy Collins De maneira semelhante, Frank Bidart
poema “The Dead” [“Os Mortos”], de tem fundido eventos políticos como o
Sailing Alone Around the Room: New assassinato do presidente americano,
and Selected Poems [Velejando Sozinho John F. Kennedy, com a vida pessoal.
em Volta do Quarto: Novos Poemas Ed Hirsch, Gjertrud Schnackenberg e
Selecionados] (2001), dá uma idéia do Rita Dove impregnam alguns de seus
vôo imaginativo e suave aterrizar de mais belos poemas com lembranças
Collins, como o de uma ave em busca igualmente irredutíveis de seu passado
de repouso. pessoal e centram sua atenção em
momentos decisivos.
Os mortos estão sempre a nos desdenhar,
dizem, Robert Pinsky (1940- )
enquanto calçamos nossos sapatos ou Robert Pinsky está entre os mais com­
preparamos um sanduíche, pletos poetas da história. Poeta laureado
eles nos olham com desdém de seus dos EUA de 1997 a 2000, Pinsky vincula
barcos de fundo de vidro, lá no céu, fala coloquial à virtuosidade técnica.
em seu lento remar pela eternidade. A cor local e pessoal é um dos seus
traços característicos, mas seus poemas
Eles observam o topo de nossas cabeças também atingem contextos históricos e
se movendo aqui na terra, nacionais. Como as obras de Elizabeth
e quando nos deitamos no campo ou Bishop, sua poesia coloquial combina
no sofá, aparente simplicidade com arte sutil.
drogados talvez pelo zunir da tarde quente, Robert Pinsky O influente livro de crítica de
pensam que também estamos a olhá-los, Pinsky, The Situation of Poetry [A
Situação da Poesia] (1976) recomen­
o que os fazem levantar os remos e ficar dava uma poesia com as virtudes da
em silêncio prosa, e ele colocou isso em prática
a esperar, como pais, que fechemos em seu poema do tamanho de um
nossos olhos. livro An Explanation of America [Uma
Explicação dos Estados Unidos]
A POESIA DA HISTÓRIA (1979) e History of My Heart [História

A
poesia inspirada pela história do Meu Coração] (l984), embora os
é de certa forma a mais difícil livros publicados depois, inclusive The
Foto © Christopher Felver /
e ambiciosa de todas. Nesse CORBIS Want Bone [O Osso do Desejo] (l990)

134
N
desencadeiem um lirismo também visto em sua o extremo mais distante do espectro poético
impressionante coletânea de poemas The Figured encontra-se a poesia do mundo, na qual rei­
Wheel [A Roda Figurada] (1996). na o espírito de Elizabeth Bishop. É uma po­
O poema do título de The Figured Wheel é um esia pessimista ou pária que parece antipoética na
dos mais belos trabalhos de Pinsky, mas é difícil se­ primeira leitura. Ela pode parecer prosaica demais,
lecionar algum trecho. O pequeno poema “The Want muito envolvida com meras eventualidades, para
Bone”, sugerido pela mandíbula de um tubarão visto realizar algo transcendente. A exposição hesitante
no console da lareira de um amigo, demonstra o bri­ é o oposto da oracular, e o tema a princípio parece
lhantismo técnico de Pinsky (rimas internas como perdido ou meramente descritivo. Apesar disso, o
“limber grin” [dócil sorriso largo], rimas inclinadas melhor dessa poesia abre múltiplas perspectivas,
como em “together” [juntos] e “pleasure” [prazer] questiona a própria noção de identidade pessoal
e polissílabos tamborilados levemente contra uma e entende o sofrimento do ponto de vista ético.
linha iâmbica firme como um tambor). O poema Pertencem a essa vertente poetas mais velhos co­
inicia com a descrição do tubarão como a “língua mo Richard Hugo, Gwendolyn Brooks e Phil Levine.
das ondas” e termina com seu canto — do reino dos Vozes contemporâneas, tais como Ellen Bryant Voight
mortos — peã do desejo eterno. O ego ou o eu pode e Yusef Komunyakaa foram influenciados por sua
ser criticado aqui: É uma ânsia sem sentido, um O visão quase naturalista, e eles são atraídos para a
ou zero, e sua satisfação uma ilusão sem esperança. violência e sua sombra de longo alcance.

A língua das ondas tangeu o sino da terra. Yusef Komunyakaa (1947- )


O azul encrespou-se e impregnou-se no fogo do azul. Criado na Luisiana, Yusef Komunyakaa, nascido
A mandíbula seca do tubarão no pântano quente James Willie Brown Jr., serviu no Vietnã, logo depois
Escancarada sem nada mais que areia dos dois lados. de se formar na escola de nível médio, ganhando
a Estrela de Bronze. Foi jornalista do jornal militar,
O osso não saboreava nada e não sentia cheiro de nada, Southern Cross, e escreveu muitos poemas tendo a
Uma harpa escaldada e desdentada, oprimida e fatigada. guerra como cenário. Muitas vezes, como na antologia
Os arcos unidos assumiram a forma do nascimento e do de poesia, “Camouflaging the Chimera” [“Disfarçando
desejo veemente a Quimera”] (1988) há um elemento de suspense,
E a bocarra soldada, aberta, parecia a letra O.
perigo e emboscada. Komunyakaa tem falado sobre
a necessidade de a poesia propiciar uma “série de
Cordas ossificadas mantinham os cantos juntos
surpresas”. Como o poeta Michael S. Harper, ele usa
Em espirais com arestas pregueadas como um vestido
freqüentemente técnicas de jazz e tem escrito sobre a
de verão.
importância da livre improvisação e da abertura para
Mas onde estava o dócil sorriso largo, o corte do prazer?
outras vozes, como fazem os músicos em uma “jam
Bocas infinitesimais a carregaram,
session”. Ele co-editou The Jazz Poetry Anthology [A
A praia o esfregou e gravou e o conservou limpo. Antologia da Poesia do Jazz] (1991-1996) e publicou
Mas ainda canta O te amo minha pequena minha terra um volume de ensaios intitulado Blue Notes [Notas de
Meu alimento meu pai meu filho quero-o todo para mim Blues] (2000) embora seu reconhecimento inicial se
Minha flor minha nadadeira minha vida minha leveza deva à coletânea Neon Vernacular [Vernáculo Néon]
meu O. (1993).
Um dos temas recorrentes de Komunyakaa
A POESIA DO MUNDO diz respeito à identidade. Seu poema “Facing
It” [Há que Enfrentá-lo] (1988) ambientado no

135
N
Memorial dos Veteranos do Vietnã o outro extremo do espectro
em Washington, D.C., começa com poético, a ciberpoesia é uma
um riff (uma frase típica do jazz) que nova poesia do mundo. Para
junta sua própria face às memórias e muitos jovens adultos americanos, o
rostos refletidos: livro ocupa um segundo plano perante
o monitor do computador e a leitura em
Meu negro rosto se desvanece, língua humana falada vem depois da
escondendo-se dentro do negro granito. exposição a códigos binários.
Disse que não o faria, A literatura gerada por computador
maldito seja: Sem lágrimas. começou a ganhar forma a partir do
Sou pedra. Sou carne. início dos anos 1990; com o advento da
Meu reflexo anuviado olha pra mim Rede Mundial de Computadores, parte
como uma ave de rapina, o perfil da noite da poesia experimental transferiu o seu
inclinado contra a manhã. Viro foco para uma esfera global, virtual e
assim—a pedra me larga. sem papel.
Viro de novo—Estou dentro Motivos recorrentes na ciberpoesia
do Memorial dos Veteranos do incluem auto-reflexões críticas sobre
Vietnã, dependendo da luz a obra impulsionada pela tecnologia;
para ter importância. ícones de computadores, gráficos e
Recorro aos 58.022 nomes, links de hipertextos festoam vastas
quase esperando encontrar redes de relacionamento, enquanto
o meu em letras como fumaça. camadas dimensionais — animação,
Toco o nome de Andrew Johnson; tecnologia do som, textos hiperligados
Vejo o lampejo branco da armadilha — multiplicam-se em várias direções, al­
explosiva. gumas vezes criadas por vários autores
Os nomes tremeluzem sobre uma blusa desconhecidos.
de mulher Os meios de expressão para essa
mas quando ela vai embora obra vão e vêm; entre muitos outros,
os nomes continuam na parede. podem ser mencionadas as revistas
As pinceladas chamejam, as asas de um de poesia em CD-ROM, The Little
pássaro vermelho atravessam minha visão. Yusef Komunyakaa Magazine, Cyberpoetry, Java Poetry,
O céu. Um avião no céu. New River e Parallel. Writing From the
A imagem branca de um veterano flutua New Coast: Technique [Escrevendo
pra mais perto de mim, então seus olhos da Nova Costa: Técnica] (1993) in­
pálidos fluente compilação de manifestações
olham através dos meus. Sou uma janela. poéticas acompanhadas de uma
Ele perdeu seu braço direito coletânea de poemas editada por
dentro da pedra. No negro espelho Juliana Spahr e Peter Gizzi, ajudou
uma mulher tenta apagar os nomes: a estimular a poesia experimental
Não, ela escova o cabelo de um menino. na era da comunicação eletrônica.
O volume celebra a multiplicidade
CIBERPOESIA irredutível e a primazia do contexto
histórico, atacando as próprias no­
Foto © Nancy Crampton ções de identidade e universalidade

136
como conceitos burgueses repressivos.
Jorie Graham e outros poetas experimentais
do eu chegaram a pontos de vista semelhantes,
partindo de direções opostas. Fundamentais ou
contingentes, os poemas existem no cruzamento
da palavra com o mundo. 

137
CAPÍTULO
The New Yorker, Malcolm Gladwell e relatos sobre
reabilitação de uso de drogas e crimes. Na última
categoria estava uma reedição do inovador In Cold

10
Blood [A Sangue Frio] de Truman Capote, “não-ficção”
de 1965 que obscurece a distinção entre literatura de
alta qualidade e jornalismo e que recentemente deu
origem a um filme.
Livros de autores não-americanos sobre temas
LITERATURA internacionais também ocupavam lugar de destaque
CONTEMPORÂNEA na lista. O fascinante romance do afegão-americano
AMERICANA Khaled Hosseini, The Kite Runner [O Caçador de
Pipas] fala da infância de dois amigos em Cabul

O
s Estados Unidos são uma das mais diver­ separados pelo governo do Taleban, enquanto o
sificadas nações do mundo. Sua dinâmica livro de memórias de Azar Nafisi, Reading Lolita in
população de quase 300 milhões de habitantes Teheran [Lendo Lolita em Teerã], relembra de forma
vangloria-se de mais de 30 milhões de indivíduos pungente o ensino de grandes obras da literatura
nascidos em outros países que falam vários idiomas ocidental para jovens iranianas. Um terceiro romance,
e dialetos. Cerca de um milhão de imigrantes chega a de Arthur Golden, Memoirs of a Geisha [Memórias
cada ano, muitos da Ásia e América Latina. de uma Gueixa], que deu origem a um filme, conta
A literatura atual nos EUA é também fascinan­ a vida de uma japonesa durante a Segunda Guerra
temente diversificada, instigante e em evolução. Mundial.
Novas vozes surgiram de vários cantos, desafiando Além disso, a lista de best-sellers revela a popu­
velhas idéias e adaptando tradições literárias para se laridade dos temas religiosos. Segundo a revista
ajustar às condições de mudança da vida nacional. Publishers Weekly, 2001 foi o primeiro ano em que
Avanços socioeconômicos possibilitaram a grupos livros sobre temas ligados ao cristianismo encabe­
antes sub-representados se expressarem mais plena­ çaram a lista dos mais vendidos, tanto no gênero
mente enquanto inovações tecno­lógi­cas criaram um ficção como não-ficção. Entre os livros de capa
fórum público em rápida transformação. Clubes de dura mais vendidos desse exemplar de domingo
leitura proliferam, feiras de livros, festivais literários em 2006, encontramos o romance de Dan Brown,
e “concursos de poesia” (eventos em que novos po­ The DaVinci Code[O Código Da Vinci] e o conto
etas concorrem com a apresentação de sua poesia) de Anne Rice, Christ the Lord: Out of Egypt [Cristo
atraem públicos entusiasmados. A escolha de uma Senhor: a Saída do Egito].
nova obra para um clube do livro pode lançar um Além da lista best-sellers do Times, redes de
escritor desconhecido dando-lhe destaque da noite livrarias oferecem seções distintas para as principais
para o dia. religiões, entre elas: cristianismo, islamismo, judaís­
Em um domingo típico, a lista de livros mais ven­ mo, budismo e, às vezes, hinduísmo.
didos no New York Times Book Review comprova a Na seção de literatura feminina de livrarias encon­
extraordinária diversidade da cena literária americana tramos obras de uma “Terceira Onda” de feministas,
atual Em janeiro de 2006, por exemplo, a lista de livros movimento geralmente dirigido a mulheres de 20
brochura mais vendidos incluía o gênero ficção — ro­ a 30 anos de idade que cresceram em uma era de
mances excitantes de Nora Roberts, um novo suspense igualdade social de grande aceitação nos EUA. As
de John Grisham, assassinatos misteriosos — junto a feministas da Terceira Onda sentem-se suficiente­
livros científicos de não-ficção do antropólogo Jared mente capacitadas para enfatizar a individualidade
Diamond, sociologia popular do redator da revista de escolhas feitas pelas mulheres. Freqüentemente

138
associado na mente popular a uma volta ricos veios e, à medida que cada literatura

O
à tradição e aos estilos de educadora de étnica amadurece, ela cria suas próprias
crianças, mulher de batom e “feminina”, tradições. A não-ficção criativa e a auto­
essas jovens recuperaram a expressão biografia proliferaram. O gênero “conto”
“garota” — algumas recusam o rótulo de ganhou destaque e o conto “curto” se
feministas. O que geralmente é chamado firmou. Uma nova geração de drama­
de “chick lit” (literatura de garotas) é s autores turgos continua a tradição americana de
um ramo em prosperidade. Bridget pós-modernos explorar questões sociais atuais no palco.
Jones’s Diary [Diário de Bridget Jones] questionam Não há espaço nesta breve pesquisa para
da inglesa Helen Fielding e Sex and the as estruturas fazer justiça à fascinante diversidade da
City de Candace Bushnell, que retratam literatura americana contemporânea. Em
a mulher urbana solteira e romântica,
externas, sejam vez disso, é preciso considerar desenvol­
deram origem a um gênero popular elas políticas, vimentos gerais e figuras representativas.
entre as jovens. filosóficas ou
Escritores de não-ficção também artísticas. Tendem PÓS-MODERNISMO, CULTURA
analisam o fenômeno do pós-feminismo. E IDENTIDADE
a desacreditar as
The Mommy Myth [O Mito da Mamãe] “Pós-modernismo” sugere fragmen­
(2004), de Susan Douglas e Meredith narativas-mestre tação: colagem, hibridismo e uso de
Michaels, analisa o papel da mídia do pensamento várias vozes, cenas e identidades. Os
nas “guerras das mães”, ao passo que modernista, as autores pós-modernos questionam
o intenso ManifestA: Young Women, quais julgam as estruturas externas, sejam elas
Feminism, and the Future [ManifestA: políticas, filosóficas ou artísticas.
Jovens Mulheres, Feminismo e o Futuro]
politicamente Tendem a desacreditar as narativas­
(2000) de Jennifer Baumgardner e Amy suspeitas. -mestre do pensamento modernista, as
Richards, discute o ati­vis­mo da mulher quais julgam politicamente suspeitas.
na era da internet. Caitlin Flanagan, Em seu lugar, exploram gêneros da
redatora de revista que se diz “antifemi­ cultura popular, em especial a ficção
nista” explora os conflitos entre a vida científica, a espionagem e as histórias
doméstica e a vida profissional das de detetives, tornando-se, efetivamente,
mulheres. Seu ensaio de 2004 na revista arqueólogos da cultura popular.
The Atlantic, “How Serfdom Saved the White Noise [Ruído Branco], de
Women’s Movement” [Como a Servidão Don DeLillo, obra estruturada em 40
Salvou o Movimento de Mulheres], seções como videoclipes, ressalta os
relato sobre como as mulheres que tra­ dilemas da representação: “As pessoas
balham fora dependem das imigrantes eram tolas assim antes da televisão?”,
de classe inferior para cuidar de seus pergunta-se um personagem. O sensa­
filhos, desencadeou grande debate. cional Infinite Jest [Gracejo Infinito],
É claro que a literatura americana de David Foster Wallace, com mil
no início do século 21 tornou-se demo­ páginas e novecentas notas de rodapé
crática e heterogênea. O regionalismo mistura terroristas cadeirantes, droga­
floresceu e escritores internacionais ou dos e descrições futuristas de um país
“globais” refletem a cultura dos Estados como os Estados Unidos. Em Galatea
Unidos sob perspectivas estrangeiras. A 2.2, Richard Powers junta tecnologia
literatura multi-étnica continua a minerar sofisticada com vidas privadas.

139
Influenciados por Thomas Pynchon, os autores pobreza, de alcoolismo familiar e a intolerância na
pós-modernos produzem tramas complexas que Irlanda com surpreendente afeto e humor. Hand to
exigem saltos de imaginação. Quase sempre nivelam Mouth [Existência Precária] de Paul Auster, publicado
a profundidade histórica a uma única dimensão; os em 1997, fala da pobreza que tolheu sua escrita e
romances de William Vollmann deslizam por tempos envenenou sua alma.
e espaços extremamente diferentes com a mesma
facilidade com que um mouse de computador se O Conto: Novos Rumos
movimenta entre textos. O gênero “romance” perdeu um pouco do seu bri­
lho no final dos anos 1970. Donald Barthelme, Robert
Não-ficção Criativa: Memórias e Coover, John Barth e William Gass escreveram obras
Autobiografias de metaficção experimentais, mas elas já não eram

V
ários escritores anseiam por gêneros livres e consideradas as mais modernas. Revistas semanais de
menos canônicos como veículos para suas grande circulação que publicavam contos de ficção,
visões pós-modernas. A ascensão da literatura como a Saturday Evening Post, faliram.
global, multiétnica e feminina — obras nas quais Coube a um forasteiro do Noroeste do Pacífico —
escritores refletem sobre experiências moldadas corajoso realista na tradição de Ernest Hemingway
por cultura, cor e gênero — deram às autobiogra­ — revitalizar o gênero. Raymond Carver (l938-l988)
fias e memórias um fascínio especial. Embora as estudou com o falecido escritor John Gardner, absor­
fronteiras terminológicas sejam debatidas, um livro vendo sua paixão pela arte acessível mesclada com
de memórias em geral é mais curto ou limitado visão moral. Carver cresceu em meio ao alcoolismo
em seu escopo, ao passo que uma autobiografia e pobreza extrema para se tornar o escritor de contos
tenta passar um panorama mais abrangente sobre de maior influência nos EUA. Em suas coletâneas
a vida do autor. Will You Please Be Quiet, Please? [Fique Quieta, por
A fragmentação pós-moderna tornou problemática Favor] (l976), What We Talk About When We Talk
para muitos escritores a idéia de um eu acabado que About Love [Sobre o Quê Falamos Quando Falamos
pode ser revelado com sucesso de uma única vez. de Amor] (1981), Cathedral [Catedral] (l983) e Where
Vários escritores recorrem ao gênero memórias em I’m Calling From [De Onde Estou Ligando] (1988),
suas batalhas para fundamentar um eu autêntico. O acompanha trabalhadores confusos em empregos
que constitui autenticidade e até que ponto pode o sem perspectivas, farras alcoólicas e quartos alugados
autor florear as experiências registradas na memória num estilo minimalista sutil de escrever de grande
em obras de não-ficção são temas discutidos acalora­ impacto.
damente em conferências de escritores. Junto com Carver está a romancista e contista Ann
Os próprios escritores têm contribuído com con­ Beattie (1947- ) cujos personagens de classe média
siderações perspicazes acerca dessas questões em freqüentemente levam a vida de modo inconseqüente.
livros sobre o ato de escrever, como The Writing Life Seus contos fazem referência a eventos políticos e
[Vida de Escritor] de Annie Dillard, publicado em canções populares e oferecem vislumbres extraídos
1989. Obras notáveis no gênero memórias incluem da vida, década a década, durante a transformação
The Stolen Light [Luz Roubada] de Ved Mehta, edi­ dos Estados Unidos . Suas obras mais recentes são
tado em 1989. De origem indiana, Mehta ficou cego Park City [Cidade-Parque] (1998), e Perfect Recall
aos três anos de idade. Seu relato sobre a viagem [Lembrança Perfeita] (2001).
de avião que fez sozinho para estudar nos Estados Inspirados por Carver e Beattie, em meados dos
Unidos é algo inesquecível. O fascinante Angela’s anos 1980 escritores produziram coletâneas de contos
Ashes [As Cinzas de Ângela] (1996), do irlandês­ neo-realistas fascinantes, entre eles: Reasons to Live
-americano Frank McCourt, recorda sua infância de [Razões para Viver] (1985) de Amy Hempel, Family

140
Dancing [Dança em Família] (1984) de Seus defensores dizem que as
David Leavitt, Rock Springs de Richard “geografias reduzidas” do conto curto
Ford (1987), Shiloh and Other Stories refletem condições pós-modernas nas
[Shiloh e Outras Histórias] (1982) quais os limites parecem mais próximos.
e Self-Help [Auto-Ajuda] (1985) de Eles encontram simplicidade elegan­
Lorrie Moore. Outras figuras notáveis te nessas ficções curtas. Detratores
incluem o falecido Andre Dubus, autor consideram o conto curto um sinal de
de Dancing After Hours [Dança pela decadência cultural, uma perda geral
Madrugada] (1996) e o produtivo John da habilidade de leitura e um déficit
Updike, cuja recente coletânea de con­ de atenção. De qualquer forma, contos
tos inclui The Afterlife and Other Stories curtos encontraram certo nicho: são
[Após a Morte e Outras Histórias] fáceis de enviar em um e-mail e se
(1994). prestam à distribuição eletrônica. São
Hoje, como discutido mais adiante de fácil manejo em aulas de leitura e
neste capítulo, escritores com raízes étni­ bons modelos redações
cas e globais estão informando o gênero
do conto com abordagens não-ocidentais Teatro
e tribais, e a narrativa tem comandado a O teatro contemporâneo combina
atenção da crítica e do público. O conto realismo e fantasia em obras pós­
versátil primitivo é a base de várias formas -modernas que misturam os universos
híbridas: romances construídos a partir pessoal e político. O exuberante Tony
do encadeamento de contos ou vinhetas Kushner (l956- ) é aclamado por suas
e não-ficções criativas que entrelaçam premiadas Angels in America [Anjos
história e história pessoal com ficção. na América], que representam de
modo vívido a epidemia da Aids e os
Conto Curto: ­ custos psíquicos da homossexualidade
Ficção Rápida ou Breve remprimida nos anos 1980 e 1990. Part
O conto curto é uma história muito One: Millennium Approaches [Parte I:
pequena, em geral, com apenas uma ou o Milênio se Aproxima] (1991) e seu
duas páginas. Por vezes é chamado de com­ple­mento, Part Two: Perestroika
“flash fiction” (ficção breve) ou “sudden [Parte II: Perestroika] (1992) têm juntas
Raymond Carver
fiction” (ficção rápida), de acordo com a duração de sete horas. Combinando
a antologia Sudden Fiction de 1986, comédia, melodrama, análise polí­
editada por Robert Shapard e James tica e efeitos especiais, elas entrela­
Thomas. çam diversas tramas e personagens
No conto curto há pouco espaço marginalizados.
para desenvolver um personagem. Mulheres dramaturgas têm alcança­
Em vez disso, o elemento da trama é do especial sucesso nos últimos anos.
central: ocorre uma crise e o esboço Entre elas, destacam-se Beth Henley
de um personagem simplesmente (1952- ), do Mississippi, conhecida por
tem de reagir. Os autores empregam seus retratos de mulheres do Sul. Henley
uma narrativa inteligente ou padrões ganhou reconhecimento nacional por
lingüísticos; em alguns casos o conto Crimes of the Heart [Crimes do Coração]
Foto © Marion Ettlinger /
curto lembra um poema em prosa. CORBIS OUTLINE (1978) que originou um filme em

141
1986. Trata-se de uma peça atraente sobre três irmãs movimentos artísticos como o fez a cidade de Nova
excêntricas cujo afeto mútuo as ajuda a sobreviver à York em outros tempos. Comunidades de artes vitais
desilusão e ao desespero. Peças posteriores, como The surgiram em muitas cidades e a tecnologia eletrônica
Miss Firecracker Contest [O Concurso Miss Firecracker] descentralizou a vida literária.
(1980), The Wake of Jamey Foster [O Despertar de À medida que as mudanças econômicas e sociais
Jamey Foster] (l982), The Debutante Ball [Baile de redefinem os Estados Unidos, instaura-se um anseio
Debutante] (l985) e The Lucky Spot [Lugar da Sorte] por tradição. Os mitos mais sustentáveis e nitida­
(l986) exploram formas de socialização do Sul — mente americanos fazem parte do país, e escritores
concursos de beleza, funerais, bailes de debutantes e recorrem ao Sul da Guerra Civil, ao Oeste Selvagem
salões de baile. do rancheiro, à vida arraigada do agricultor do Meio
Wendy Wasserstein (1950-2006), de Nova York, Oeste, à terra natal tribal do Sudoeste e a outras es­
começou escrevendo comédias, como When Dinah feras localizadas onde o real e o mítico se misturam.
Shore Ruled the Earth [Quando Dinah Shore Dominou Naturalmente, mais de uma região inspirou muitos
a Terra] (l975), uma paródia dos concursos de beleza. autores; elas estão incluídas aqui em regiões que
Ela é mais conhecida por The Heidi Chronicles [As formaram a visão desses autores ou as características
Crônicas de Heidi] (l988) sobre uma professora bem­ de seus trabalhos maduros.
-sucedida que confessa sua profunda infelicidade e
adota uma criança. Wasserstein continuou explorando O Nordeste
as aspirações femininas em The Sisters Rosensweig O Nordeste pitoresco, região de invernos longos,
[As Irmãs Rosensweig] (l991), An American Daughter florestas decíduas densas e cadeias de montanhas
[Uma Filha Americana] (1997) e Old Money [Dinheiro acidentadas baixas, foi a primeira área ocupada por
Velho] (2000). colonizadores de língua inglesa e conserva um ar de
Jovens dramaturgas como a afro-americana Suzan- Inglaterra. Boston, em Massachusetts, é o motor de
Lori Parks (1964- ) dão continuidade ao sucesso de sua cultura e ostenta instituições de pesquisa e várias
suas predecessoras. Parks, criada em várias bases mi­ universidades. Diversos escritores da Nova Inglaterra
litares nos EUA e Alemanha, aborda questões políticas retratam personagens que dão continuidade ao legado
em obras experimentais cuja atemporalidade e ritua­ puritano, incorporando a ética do trabalho da classe
lismo lembram o escritor de origem irlandesa Samuel média protestante e o compromisso progressivo com a
Beckett. Sua obra mais conhecida, The America Play reforma social. Nas áreas rurais, pequenos agricultores
[A Peça da América] (1991) gira em torno do assassi­ independentes lutam para sobreviver no mundo do
nato de Abraham Lincoln por John Wilkes Booth. Ela marketing global.
retorna ao tema em Topdog/Underdog [Vencedor/ A romancista Joyce Carol Oates usa o norte do
Perdedor], 2001, que conta a história de dois irmãos Estado de Nova York como cenário para muitos
afro-amerianos, Lincoln e Booth, e a rivalidade entre de seus trabalhos góticos. Richard Russo (1949- ),
eles. em seu sedutor Empire Falls (2001), evoca a vida
em uma cidade fabril em decadência no Maine,
REGIONALISMO estado em que Stephen King (1947- ) ambienta seus

U
ma sensibilidade regionalista generalizada ga­ populares romances de terror.
nhou força na literatura americana nas últimas Romances agridoces de Sue Miller (1943- ) situa­
duas décadas. A descentralização expressa a dos em Massachusetts, como The Good Mother [O
condição pós-moderna americana, tendência mais Preço da Paixão] (1986), analisam estilos de vida de
evidente na literatura de ficção; não existe mais contraculturas em Cambridge, cidade conhecida pela
um ponto de vista ou código capaz de expressar diversidade cultural e social, vitalidade intelectual e
com sucesso a nação. Nenhuma cidade define os inovações tecnológicas. Também de Massachusetts,

142
Anita Diamant (1951- ), recebeu aclamação popular Três escritores que estudaram na Universidade
com The Red Tent [A Tenda Vermelha] (1997), roman­ de Brown ,em Rhode Island, quase na mesma época
ce histórico feminista baseado na história bíblica de e foram alunos da escritora britânica Angela Carter
Dinah. são, com freqüência, mencionados como núcleo
Russell Banks (1940- ), de New Hampshire, estado de uma “próxima geração”. Donald Antrim (1959- )
pobre e rural, afastou-se da literatura experimental e satiriza a vida acadêmica em The Hundred Brothers
adotou em suas obras um estilo mais realista, como [Os Cem Irmãos] (1997), que se passa em uma
Affliction [Aflição] (1989), romance sobre persona­ enorme biblioteca de onde se podem ver pessoas
gens da classe trabalhadora de New Hampshire. Para desabrigadas. Rick Moody (1961- ) é mais conhecido
Banks, reconhecer suas raízes é parte fundamental por seu romance The Ice Storm [Tempestade de Gelo]
da identidade. Em Aflição, o narrador despreza (1994). Entre os romances de Jeffrey Eugenides (1960-
pessoas que “foram para a Flórida, o Arizona e a ), estão Middlesex ( 2002), que narra as experiências
Califórnia, compraram um trailer ou condo, ficaram de um hermafrodita. Escritores admiráveis com visões
com a pele áspera de jogar shuffleboard o dia inteiro incomuns, chegando ao absurdo, Antrim, Moody e
e esperaram a morte”. As recentes obras de Banks Eugenides, levam adiante as tradições opostas de
incluem Cloudsplitter [O Divisor de Nuvens] (1998), John Updike e Thomas Pynchon. Muitas vezes ligado
romance histórico do século 19 sobre o abolicionista a esses três jovens romancistas, está o exuberante pós­
John Brown. -moderno David Foster Wallace (1962- ). Wallace, de
A surpreendente escritora Annie Proulx (1935- ) Ithaca, Nova York, foi aclamado por seu complicado
cria histórias sobre os batalhadores habitantes do romance sério-cômico The Broom of the System [A
norte da Nova Inglaterra em Heart Songs [Canções Vassoura do Sistema] (1987) e histórias saturadas de
do Coração] (1988). Seu melhor romance, The cultura pop em Girl With Curious Hair [A Garota com
Shipping News [Notícias sobre Navegação] (1993) Cabelos Estranhos] (1989).
é ambientado mais para o norte, em Newfoundland,
Canadá. Proulx também passou anos no Oeste e O Meio Atlântico
um de seus contos originou o filme “Brokeback Os estados férteis do Meio Atlântico, dominados
Mountain,” em 2006. pela cidade de Nova York com seu grande porto,
William Kennedy (1928- ) escreveu um ciclo de roman­ permanecem uma porta de entrada para ondas de
ces densos e entrelaçados situados em Albany, no imigrantes. Hoje a economia diversificada da região
norte do estado de Nova York, incluindo o aclamado engloba finanças, comércio e transporte, bem como
Ironweed [Vermônia]. O título de sua história como publicidade e moda. A cidade de Nova York é o
conhecedor profundo de Albany dá uma idéia de reduto da indústria de editoração, bem como de
seu estilo firme, coloquial e do número exagerado de galerias de arte e museus prestigiados.
personagens muitas vezes inescrupulosos: O Albany! Don DeLillo (1936- ), de Nova York, começou
Improbable City of Political Wizards, Fearless Ethnics, como redator publicitário e seus romances exploram
Spectacular Aristocrats, Splendid Nobodies, and o consumismo, entre muitos outros temas. Americana
Underrated Scoundrels [Oh, Albany! Cidade Improvável (1971) conclui: “Consumir nos EUA não é comprar, é
de Magos Políticos, Etnias Intrépidas, Aristocratas sonhar.” Os protagonistas de DeLillo procuram iden­
Espetaculares, “Zé-ninguéns” Esplêndidos e Canalhas tidades baseadas em imagens. White Noise [Ruído
Subestimados], 1983. Kennedy também foi aclamado Branco] (1985) é sobre Jack Gladney e sua família,
como estadista mais velho de um pequeno movimento cujas experiências são mediadas por vários textos,
literário irlandês-americano que inclui Mary McCarthy, especialmente anúncios de publicidade. O trecho a
já falecida, Mary Gordon, Alice McDermott e Frank seguir indica o estilo de DeLillo: “...o vazio, o sentido
McCourt. de escuridão cósmica. Mastercard, Visa, American

143
Express”. Fragmentos de anúncios sol­ Papéis de Puttermesser] (1997). Seu
tos pelo livro surgem do subconsciente impressionante The Shawl [O Xale]
de Gladney proveniente do papagaiar da (1989), apresenta o ponto de vista de
mídia, gerando o ruído branco sublimi­ uma jovem mãe sobre o Holocausto.
nar do título. Os últimos romances de A divertida e informal Collected Stories
DeLillo incluem figuras políticas e histó­ [Coletânea de Contos], publicada em
ricas: Libra (1988), imagina o assassinato 1994, de Grace Paley (1922- ), capta os
do presidente John F. Kennedy como ritmos sincopados da cidade.
uma explosão de consumismo frustado; Entre os jovens escritores associados
Underworld [Submundo] (1997) tece a uma vida em ritmo acelerado estão
uma teia de interconexões entre um Jay McInerney (1955- ), cuja Story of
jogo de beisebol e uma bomba nuclear My Life [História da Minha Vida] (1988)
no Cazaquistão. retrata a cultura jovem movida a drogas
Numa Nova York multidimensional do boom dos anos de 1980, e a satirista
e poliglota, obras de ficção mostrando Tama Janowitz (1957- ). O retrato desses
uma cidade obscura pós-moderna escritores sobre a solidão e a depen­
são abundantes. Um exemplo é a dência química na cidade anônima e
labiríntica trilogia de Nova York City of efervescente lembra as obras de John
Glass [Cidade de Vidro] (1985), Ghosts Cheever.
[Fantasmas] (1986) e The Locked Room Os subúrbios próximos são res­
[O Quarto Trancado] (1986) de Paul ponsáveis pela criatividade de outros
Auster (1947- ). Nessa obra, inspirada em escritores. Mary Gordon (1949- ) am­
Samuel Beckett e no romance policial, bienta muitas de suas obras centradas
um escritor isolado trabalhando numa no universo feminino no local onde
história policial aborda Paul Auster, que nasceu, Long Island, como o faz Alice
está escrevendo sobre Cervantes. A McDermott (1953- ), cujo romance
trilogia sugere que a “realidade” é apenas Charming Billy [O Charmoso Billy]
um texto construído via ficção, desse (1998) disseca a promessa não cum­
modo, apagando a fronteira tradicional prida de um alcoólatra.
entre realidade e ilusão. A trilogia de Realistas do Meio Atlântico incluem
Auster, na verdade, autodesconstrói-se. Richard Bausch (1945- ), de Baltimore,
Do mesmo modo, Kathy Acker (1948- Don DeLillo autor de In the Night Season [Na Estação
1997) justapôs trechos das obras de da Noite], 1998, e de contos em Someone
Cervantes e Charles Dickens com ficção to Watch Over Me [Alguém Para Me
científica em pastiches pós-modernos, Proteger], publicado em 1999. Bausch
como Empire of the Senseless [Império escreve sobre famílias fragmentadas,
da Insensatez] (1988), uma busca, no como Anne Tyler (1941- ), também
tempo e no espaço, por voz individual. de Baltimore, cujos personagens ex­
A cidade de Nova York abriga muitos cêntricos tentam resolver seu tipo de
grupos de escritores com interesses em vida isolada e desorganizada. Mestra do
comum. Entre as mulheres judias há a detalhe e senso de humor sóbrio, Tyler
célebre ensaísta Cynthia Ozick (1928- ), escreve em linguagem simples e calma.
originária do Bronx, cenário de seu Entre seus romances mais conhecidos
romance The Puttermesser Papers [Os Foto © Nancy Crampton estão Dinner at the Homesick Restaurant

144
[Jantar no Restaurante da Saudade] Filadélfia.
(1982) e The Accidental Tourist [O David Bradley (1950- ), também da
Turista Acidental] (1985), transformado Pensilvânia, ambienta seu romance
em filme em 1988. The Amateur Marriage histórico The Chaneysville Incident
[Michael e Pauline: Um Casamento [O Incidente de Chaneysville] (1981)
Amador] (2004) situa o divórcio em um no movimento abolicionista, rede de
panorama da vida americana durante 60 cidadãos que oferecia oportunidades
anos. e ajuda a escravos sulistas negros para
Os afro-americanos deram contribui­ que encontrassem a liberdade no Norte
ções especiais. A autobiografia Zami: A na Guerra Civil dos EUA.
New Spelling of My Name [Zami: uma Trey Ellis (1962- ) escreveu os ro­
Nova Grafia do Meu Nome] (1982) da mances Platitudes [Trivialidades], 1988,
ensaísta, feminista e poeta Audre Lorde Home Repairs [Consertos Caseiros]
é um relato honesto das experiências de (1993) e Right Here, Right Now [Aqui,
uma mulher negra nos Estados Unidos. Agora] (1999) e roteiros, entre os quais
Bebe Moore Campbell (1950- ), da “The Tuskegee Airmen” [Prova de Fogo]
Filadélfia, escreve romances regionais (1995) e, em 1989, um ensaio “The New
cheios de energia, entre eles Your Blues Black Aesthetic” [A Nova Estética Negra]
Ain’t Like Mine [Seu Blues Não É Como o revelando nova sensibilidade multiétni­
Meu], publicado em 1992. Gloria Naylor ca na geração mais jovem.
(1950- ), da cidade de Nova York, explora Escritores de Washington, D.C., a
vidas de diferentes mulheres em The quatro horas de carro ao sul da cidade
Women of Brewster Place [As Mulheres de Nova York, incluem Ann Beattie
de Brewster] (1982), romance que a (1947- ), cujos contos foram mencio­
tor­nou famosa. nados anteriormente. Seus romances
Aclamado pela crítica, John Ed­ sobre a vida cotidiana incluem Picturing
gar Wideman (1941- ) cresceu em Will [Descrevendo Will] (1989), Another
Homewood, bairro negro de Pitts­ You [Seu Outro Lado] (1995) e My
burgh, Pensilvânia. Em sua trilogia Life, Starring Dara Falcon [Minha Vida,
faulk­neriana de Homewood — Hiding Estrelando Dara Falcon] (1997).
Place [Esconderijo], 1981, Damballah A capital dos EUA é reduto de muitos
(1981) e Sent for You Yesterday [Fui Anne Tyler romancistas políticos. Ward Just (1935- )
Buscar Você Ontem] (1983) — usa pon­ ambienta seus romances nos vertigi­
tos de vista mutáveis e jogos lingüísticos nosos círculos militares, políticos e
para expressar a experiência negra. Seu intelectuais de Washington. Christopher
conto mais conhecido, “Brothers and Buckley (1952- ) incrementa sua sátira
Keepers” [Acaso Sou o Guarda do Meu humorística política com detalhes
Irmão?] (1984) é sobre seu relaciona­ locais; seu Little Green Men [Pequenos
mento com seu irmão presidiário. Em Homens Verdes] (1999) é uma paródia
The Cattle Killing [A Matança do Gado] sobre respostas oficiais sobre alieníge­
(1996), Wideman retorna a sua famosa nas do espaço sideral. Michael Chabon
história inicial “Fever” [Febre] (1989). (1963- ), que cresceu nos subúrbios de
Seu romance Two Cities [Duas Cidades] Washington, mas mais tarde se mudou
Foto © Diana Walker /
(1998) desenrola-se em Pittsburgh e na Getty Images para a Califórnia, retrata jovens no

145
limiar fascinante da idade adulta em conflito.
The Mysteries of Pittsburgh [Usina de Lee Smith (1944- ) coloca o povo dos
Sonhos – Os Mistérios de Pittsburgh] Montes Apalaches em foco pungente,
(1988); seu romance inspirado em gibi, recorrendo à fonte de música folclórica
The Amazing Adventures of Kavalier and americana em seu romance The Devil’s
Clay [Incríveis Aventuras de Kavalier e Dream [O Sonho do Diabo] (1992).
Clay] (2000), mistura glamour e arte à Jayne Anne Phillips (1952- ) escreve
maneira de F. Scott Fitzgerald. contos sobre a falta de adaptação – Black
Tickets [Ingressos Negros] (1979) – e um
O Sul romance Machine Dreams [Sonhos de
O Sul é composto de regiões dís­ Máquina] (1984) ambientado nas mon­
pares no sudeste dos Estados Unidos, tanhas inóspitas da Virgínia Ocidental.
desde a fria cordilheira dos Montes Os romances de Jill McCorkle (1958- )
Apalaches e o extenso vale do Rio abordam seu passado na Carolina do
Mississippi até os úmidos pântanos Norte. Sua história de amor envolta
de ciprestes da Costa do Golfo. A em mistério Carolina Moon [A Lua de
cultura do algodão e as plantações Carolina] (1996) explora um suicídio
cultivadas por escravos transformou ocorrido há anos em um vilarejo litorâ­
o Sul na região mais rica do país antes neo onde implacáveis ondas destroem
da Guerra Civil dos EUA (1860 – 1865). as fundações das casas de praia aban­
Mas após a guerra, a região mergulhou donadas. A Carolina do Sul exuberante,
em pobreza e em isolamento por um terra natal de Dorothy Allison (1949- ),
século. Hoje, o Sul é parte do que é aparece em seu romance autobiográfico
chamado o Cinturão do Sol, região Bastard Out of Carolina [A Bastarda
dos Estados Unidos que cresce mais da Carolina] (1992) visto pelos olhos
rapidamente. de uma menina levada de 12 anos, de

O
origem bastarda, suja e muito pobre,
Sul, com sua rica tradição apelidada de Osso. Ellen Gilchrist (1935-
oral, tem nutrido muitas con­ ), do Mississippi, ambienta a maior parte
tadoras de história. Na parte de sua Collected Stories [Coletânea de
superior do Sul, Bobbie Ann Mason Bobbie Ann Mason Contos] (2000) em pe­quenos vilarejos
(1940- ), de Kentucky, escreve sobre ao longo do Rio Mississippi e em Nova
as mudanças infligidas pela cultura de Orleans, Louisiana.
massa. Em sua história mais famosa, Entre os romancistas com experiên­
“Shiloh” [Shiloh e Outras Histórias] cia na realidade das minas sulistas, pode­
(1982), um casal deve modificar seu -se citar o renomado Cormac McCarthy
relacionamento ou se separar quan­ (1993- ), cujos primeiros romances, co­
do as subdivisões de habitações se mo Suttree (1979) são relatos na maneira
espalham pelo “oeste do Kentucky arquetípica do Sul de evocar emoções
como uma mancha de petróleo”. O obscuras e profundas, ignorância e
conto aclamado de Mason, In Country pobreza ambientados nos vales e monta­
[No País] (1985), mostra os efeitos da nhas verdes do Leste do Tennessee. Em
Guerra do Vietnã focalizando uma 1974, McCarthy mudou-se para El Paso,
Foto © Jymi Bolden /
jovem inocente cujo pai morreu no CitiBeat Texas, e começou a tentar entender as
146
paisagens e tradições do Oeste. Blood e novos empreendimentos imobiliários
Meridian: Or the Evening of Redness in áridos, os quais percorre continuamente
the West [Meridiano de Sangue ou o em silêncio para comprovar a visão de
Crepúsculo Vermelho no Oeste] (1985) Ford de uma doença nacional.
é uma visão dura de The Kid, garoto Muitos escritores afro-americanos
de 14 anos, originário do Tennessee são do Sul, como Ernest Gaines da
que se torna um matador a sangue frio Louisiana, Alice Walker da Geórgia e
no México nos anos 1840. A Trilogia Zora Neale Hurston da Flórida, cuja
da Fronteira, épico mais vendido de obra de 1937, Their Eyes Were Watching
McCarthy — All the Pretty Horses [Todos God, [Seus Olhos Observavam Deus], é
os Belos Cavalos] (1992), The Crossing considerada o primeiro romance femi­
[A Travessia] (1994) e Cities of the Plain nista escrito por uma afro-americana.
[Cidades da Planície] (1998) — confere Hurston, que morreu nos anos de 1960,
grandeza mítica ao deserto entre o Texas passou por um ressurgimento crucial
e o México. nos anos de 1990. Ishmael Reed, do
Outros autores célebres são Charles Tennessee, ambientou Mumbo Jumbo
Frazier (1950- ), da Carolina do Norte, (1972), em Nova Orleans. Margaret
com o romance sobre a Guerra Civil, Walker (1915-1998), do Alabama, escre­
Cold Mountain [Montanha Fria] (1997); veu o romance Jubilee [Jubileu] (1966)
Pat Conroy (1945- ), da Geórgia, com e os ensaios On Being Female, Black,
The Great Santini [O Grande Santini] and Free [Ser Mulher, Negra e Livre]
(1976) e Beach Music [Canção da (1997).
Praia](1995); além do romancista O escritor James Alan McPherson
Barry Hannah (1942- ), do Mississippi, (1943- ), da Geórgia, retrata trabalha­
conhecido por seus enredos violentos dores em Elbow Room [Espaço para
e estilo ousado. Manobra] (1977); O livro A Region Not
Um escritor muito diferente oriundo Home: Reflections From Exile [Uma
do Mississippi é Richard Ford (1944- ), Região Longe de Casa: Reflexões do
que começou a escrever no estilo faulk­ Exílio], (2000), cujo título reflete sua
neriano, porém, é mais conhecido por mudança para Iowa, é uma autobio­
seu romance sutil ambientado em Nova grafia. ZZ Packer (1973- ), nascida
Jersey, The Sportswriter [O Cronista Richard Ford em Chicago, aluna de McPherson no
Esportivo] (1986) e sua continuação, Workshop de Escritores de Iowa, criada
Independence Day [Independência] no Sul, estudou no Meio Atlântico e
(1995). Esse romance é sobre Frank hoje vive na Califórnia. Sua primeira
Bascombe, um vagabundo sonhador, obra, o volume de contos Drinking
ambíguo, que perde todas as coisas que Coffee Elsewhere [Tomar Café em
dão sentido a sua vida – um filho, seu so­ Outro Lugar] (2003), transformou-a em
nho de escrever ficção, seu casamento, estrela em ascensão. Escritora feminina
amantes, amigos e emprego. Bascombe prolífica, bell hooks (nascida Gloria
é sensível e inteligente – suas escolhas, Watkins, no Kentucky, 1952) ficou
diz ele, são feitas “para desviar a dor de famosa pelas análises críticas cultu­
arrependimento terrível” – e seu vazio, rais incluindo Black Looks: Race and
Foto © Don MacLellan /
junto com os anônimos shopping centers CORBIS SYGMA Representation [Aparências Negras:

147
Raça e Representação] (1992) e autobiografias A ficção do Meio Oeste está calcada no realismo.
iniciando com Bone Black: Memories of a Girlhood O romance regional floresceu nos últimos anos, re­
[Osso Negro: Memórias de Tempos de Garota], 1996. tratando redes de relacionamentos entre parentes, a
Poeta experimental e estudiosa de narrativas sobre comunidade local e o meio ambiente. O agronegócio
escravos (Freeing the Soul, 1999), [Libertando a Alma], e o desenvolvimento ameaçam fazendas familiares
Harryette Mullen (1953- ) escreve coletâneas de poesia em algumas partes da região e alguns romances
multivocais, como Muse & Drudge [Musa & Mula] prenunciam a morte da agricultura como um modo
(1995). Romancista e contista Percival Everett (1956 - ) de vida.
da Geórgia, escreve ficção sutil, passível de amplas Entre os romancistas regionais, encontra-se Jane
interpretações; suas obras mais recentes são Frenzy Smiley (1949- ), cujo romance A Thousand Acres [Mil
(Frenesi), 1997, e Glyph [Glifo], 1999. Acres] (1991) é uma versão contemporânea feminista
Muitos escritores afro-americanos cujas famílias da história do Rei Lear. O reino perdido é uma grande
seguiram padrões de migração interna nasceram propriedade rural familiar mantida há quatro gerações
longe do Sul, porém, para lá retornaram em busca de e as forças que a minam são a concatenação do nível
inspiração. Famosa romancista de ficção científica, pessoal e político. Kent Haruf (1943- ) cria personagens
Octavia Butler (1947 - ), da Califórnia, recorre ao mais fortes em seu romance radical sobre a pradaria,
tema da escravidão e à tradição de narrativas dos Plainsong [Canção Simples] (1999).
escravos em Wild Seed [Semente Selvagem] (1980); Michael Cunningham (1952- ), de Ohio, começou
sua Parable of the Sower [Parábola do Semeador] como romancista regional em A Home at the End of
(1993) aborda a dependência química. Sherley Anne the World [Uma Casa no Fim do Mundo] (1990). The
Williams (1944- ), também da Califórnia, escreve sobre Hours [As Horas] (1998), transformado em filme,
amizades inter-raciais entre mulheres do Sul durante entrelaça brilhantemente a vida da Sra. Dalloway de
a escravidão em seu romance histórico de 1986, Virginia Woolf com a de duas mulheres de diferentes
baseado em fatos, Dessa Rose. Randall Kenan (1963- épocas. Stuart Dybek (1942- ) escreveu coletâneas de
), nasceu em Nova York e cresceu na Carolina do contos fulgurantes, inclusive I Sailed With Magellan
Norte, cenário de seu romance A Visitation of Spirits [Eu Naveguei Com Magalhães] (2003) sobre sua
[Visitação dos Espíritos], 1989, e de seus contos Let infância no sul de Chicago.
the Dead Bury Their Dead [Deixai os Mortos Enterrar Entre romancistas urbanos mais jovens, encontram­
os seus Mortos] (1992). Seu romance Walking on -se Jonathan Franzen (1959- ), nascido em Missouri
Water: Black American Lives at the Turn of the Twenty- e criado em Illinois. O romance panorâmico mais
First Century [Caminhando Sobre as Águas: Vida dos vendido de Franzen, The Corrections [As Correções]
Negros Americanos Na Virada do Século 21] (1999) (2001) — assim intitulado por causa de uma queda
é não-ficção. na bolsa de valores — evoca a vida familiar no Meio
Oeste durante várias gerações. O romance registra a
O Meio Oeste deterioração física e mental de um patriarca que sofre
As vastas planícies do Meio Oeste dos EUA – do mal de Parkinson; como em A Thousand Acres de
grande parte dele entre as Montanhas Rochosas e o Smiley, a família toda é afetada. Franzen usa pessoas
Rio Mississippi – queimam no verão e congelam nas físicas contra grandes conspirações em The Twenty-
tempestades cortantes de inverno. A área foi aberta Seventh City [A Vigésima Sétima Cidade] (1988) e
com o término do Canal Erie em 1825, atraindo coloni­ Strong Motion [Movimento Forte] (1992). Alguns
zadores da Europa Setentrional ávidos por terra. Entre críticos ligam Franzen a Don DeLillo, Thomas Pynchon
escritores do início do século 20 com raízes no Meio e David Foster Wallace como escritor de romances de
Oeste estão Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, conspiração.
Sinclair Lewis e Theodore Dreiser. O Meio Oeste produziu ampla variedade de

148
obras escritas, a maioria com influências interna­ Simpson (1957- ), de Wisconsin, é autora de Anywhere
cionais. Richard Powers (1957- ), de Illinois, viveu But Here [Em Qualquer Lugar Menos Aqui] (1986),
na Tailândia e na Holanda. Seus desafiadores uma análise sobre relações mãe-filha.
romances pós-modernos entrelaçam vidas pessoais
com tecnologia. Galatea 2.2 (1995) atualiza o tema O Oeste montanhoso
do cientista louco; nesse caso, os cientistas são os O interior do oeste dos Estados Unidos é uma área
programadores de computador. em grande parte selvagem que se estende ao longo

O
romancista afro-americano Charles Johnson das majestosas Montanhas Rochosas desde Montana,
(1948- ), ex-cartunista nascido em Illinois na fronteira com o Canadá, indo em direção oblíqua
e se mudou para Seattle, Washington, até as colinas do Texas, na fronteira dos EUA com o
recorre a tradições díspares, como o zen-budismo México. Agropecuária e mineração durante muito
e as narrativas sobre escravos em romances como tempo constituíram a espinha dorsal da economia
Oxherding Tale [O Conto do Rebanho de Gados] da região, e a tradição inglesa nessa área reforça o
(1982). O romance picaresco e talentoso de Johnson espírito independente da fronteira.
Middle Passage [Passagem do Meio] (1990) mistura A literatura do faroeste geralmente envolve con­
a história internacional sobre a escravidão com um flitos. No Oeste do século 19 contrapõem-se como
conto sobre o mar que lembra Moby-Dick. Dreamer inimigos o cowboy e o índio, o agricultor/colonizador
[Sonhador](1998) recria o assassinato do Dr. Martin e o forasteiro, o pecuarista e o ladrão de gado. Entre os
Luther King, Jr. adversários atuais estão os homens do petróleo contra
Robert Olen Butler (1945- ), nascido em Illinois e os ecologistas, os incorporadores contra os arqueólo­
veterano da Guerra do Vietnã, escreve sob o ponto gos e os cidadãos ativistas contra os representantes
de vista de refugiados vietnamitas na Louisiana de instalações nucleares e militares, muitos dos quais
em A Good Scent From a Strange Mountain [Um moradores do Oeste pouco povoado.
Bom Aroma de Uma Montanha Desconhecida] Um escritor dominou grande parte da produção
(1992). Seus contos em Tabloid Dreams [Sonhos de literária sobre o faroeste, da mesma forma como
Tablóide], 1996 — inspirados em manchetes jocosas William Faulkner fez com relação ao Sul. Wallace
— foram transformados no romance humorístico Mr. Stegner (1909-1993) registra o fim da vida selvagem
Spaceman [Sr. Homem do Espaço] (2000), em que no Oeste. Em sua obra-prima Angle of Repose [Ângulo
um alienígena aprende inglês assistindo televisão e de Repouso] (1971), um historiador imagina a mu­
abduz um ônibus cheio de turistas para entrevistá-los dança de seus avós de educação refinada para o
em sua espaçonave. Oeste “selvagem”. Seu último livro aborda sua vida
Entre os autores indígenas americanos da região no Oeste como escritor: Where the Bluebird Sings to
estão Louise Erdrich, descendente em parte dos the Lemonade Springs [Onde o Pássaro Azul Canta
chippewas, que lançou uma série de romances em para Fontes de Limonada] (1992). Durante um quarto
sua terra natal, Dakota do Norte. Gerald Vizenor de século, Stegner dirigiu o programa de redação
(1935- ) oferece um retrato cômico, pós-moderno da Universidade de Stanford; sua lista de alunos
da vida americana indígena contemporânea em parece a relação dos autores mais importantes da
Darkness at Saint Louis Bearheart [Escuridão em produção literária sobre o Oeste: Raymond Carver,
Saint Louis Coração de Urso] (1978) e Griever: An Ken Kesey, Thomas McGuane, Larry McMurtry, N.
American Monkey King in China [Griever: Um Rei Scott Momaday, Tillie Olsen e Robert Stone. Stegner
Macaco Americano na China] (1987). Chancers também influenciou a escola contemporânea de es­
[Ressuscitados] de Vizenor (2000), aborda esque­ critores de Montana ligada a McGuane, Jim Harrison e
letos enterrados longe da terra natal. algumas obras de Richard Ford, bem como escritores
A romancista popular sírio-americana Mona texanos como McMurtry.

149
O
escritor Thomas McGuane Horseman, Pass By [Cavaleiro, Siga em
(1939- ) em geral retrata o Frente] (1961), obra que deu origem
homem só em uma área ao filme Hud [O Indomado] em 1963,
selvagem, onde se envolve em cres­ retrato pouco romântico do mundo
cente conflito. Entre suas obras, rural. Leaving Cheyenne [Deixando
estão: The Sporting Club [O Clube Cheyenne] (1963) e seu romance se­
Esportivo], (1968) e The Bushwacked guinte, The Last Picture Show [A Última
Piano [O Piano Atacado por uma Sessão de Cinema] (1966), transformado
Emboscada] (1971), em que o herói também em filme, evoca o desapare­
viaja de Michigan a Montana numa cimento de certo modo de vida em
louca missão de conquista amorosa. cidades pequenas do Texas. A obra mais
O entusiasmo de McGuane por caça conhecida de McMurtry é Lonesome
e pesca levou os críticos a compará-lo Dove [Pomba Solitária] (1985), romance
com Ernest Hemingway. Jim Harrison épico arquetípico de faroeste sobre a jor­
(1937- ), nascido em Michigan como nada de uma boiada nos anos de 1870,
McGuane, morou muitos anos numa que se tornou minissérie de sucesso
fazenda. Em seu primeiro romance, na TV. Entre suas obras mais recentes
Wolf: A False Memoir [Lobo: uma está Comanche Moon [Lua Comanche]
Memória Falsa] (1971), um homem (1997).
tenta ver um lobo no deserto na O Oeste de escritores de várias etnias
esperança de mudar sua vida. Entre é menos heróico e com freqüência
suas obras de ficção posteriores e mais voltado para o futuro. Uma das
mais pessimistas, estão: Legends of escritoras chicanas mais conhecidas é
the Fall [Lendas do Outono] (1979) Sandra Cisneros (1954- ). Nascida em
e The Road Home [O Caminho para Chicago, Cisneros morou no México e
Casa] (1998). no Texas; ela aborda a grande fronteira
No romance Wildlife [Vida Selva­ cultural entre o México e os EUA como
gem] (1990) de Richard Ford sobre zona criativa e contraditória em que
Montana, a paisagem desolada serve mulheres mexicano-americanas preci­
de contraponto à desintegração de sam se reinventar. Seu best-seller The
uma família. O escritor de contos, House on Mango Street [A Casa da Rua
Larry McMurtry
crítico da ecologia e ensaísta sobre a Mango] (1984), uma série de descrições
natureza Rick Bass (1958- ), nascido interligadas sob o ponto de vista de uma
no Texas e educado como geólogo garota, serviu de guia para outros escrito­
especializado em petróleo, escreve so­ res latinos e apresentou o barrio vital de
bre confrontações elementares entre Chicago aos leitores. Cisneros continuou
a natureza e os homens que vivem ao a retratar a vida das mulheres chicanas
ar livre em sua coletânea de contos In em Woman Hollering Creek [Riacho da
the Loyal Mountains [Nas Montanhas Mulher que Chora] (1991). Pat Mora
Fiéis] (1995) e no romance Where the (1942- ) oferece uma visão chicana em
Sea Used To Be [Onde Ficava o Mar] Nepantla: Essays from the Land in the
(1998). Middle [Nepantla: Ensaios da Terra do
O texano Larry McMurtry (1936- ) Meio] (1993), que trata de questões de
descreve sua infância numa fazenda em Foto © Richard Robinson conservação cultural.

150
Entre os índios americanos da feminino sobre o Sudoeste em sua
região está o falecido James Welch, popular trilogia passada no Arizona:
cujo livro The Heartsong of Charging The Bean Trees [As Árvores de Feijão]
Elk [A Canção de Amor de Charging (1988), sobre Taylor Greer, jovem aven­
Elk] (2000), retrata um jovem sioux tureira que adota uma criança cheroqui;
que sobrevive à batalha de Little Animal Dreams [Sonhos de Animais]
Bighorn e constrói uma nova vida na (1990); e Pigs in Heaven [Porcos no
França. Linda Hogan (1947- ), nascida Céu] (1993). The Poisonwood Bible
no Colorado e descendente de índios [A Bíblia Envenenada] (1998) é uma
chickasaws, reflete sobre as índias ame­ narrativa sobre uma família missionária
ricanas e a natureza em romances co­ na África. Kingsolver aborda temas
mo Mean Spirit [Espírito Mau] (1990), políticos em tom não apologético e
que aborda a corrida ao petróleo em admite: “Eu quero mudar o mundo”.
terras indígenas na década de 1920, O Sudoeste abriga o maior número
e Power [Poder] (1998), em que uma de escritores ameríndios, cujas obras
índia descobre seus recursos internos revelam ricas narrativas míticas, aborda­
naturais. gem espiritual da natureza e profundo
respeito pela palavra na forma oral.
O Sudoeste O tema de ficção mais importante é a
Por séculos, o Sudoeste deserto cura, entendida como restauração da
desenvolveu-se sob o domínio espa­ harmonia. Entre outros temas estão
nhol, onde grande parte da população pobreza, desemprego, alcoolismo e
continua a falar esse idioma e algumas crimes de brancos contra índios.
tribos de índios vivem em terras de seus A produção literária indígena é
ancestrais. As chuvas são inconstantes mais filosófica que colérica, contudo,
e a agricultura sempre foi precária na re­ e projeta forte visão ecológica. Autores
gião. Hoje grandes projetos de irrigação importantes incluem o notável N. Scott
impulsionam a produção agrícola e o Momaday, que marcou o início do
ar condicionado atrai um número cada romance contemporâneo ameríndio
vez maior de pessoas para cidades em com House Made of Dawn [Casa Feita
expansão como Salt Lake City, em Utah, Sandra Cisneros de Aurora]; seus trabalhos recentes
e Phoenix, no Arizona. incluem The Man Made of Words [O
Numa região onde a ecologia do Homem Feito de Palavras] (1997). A
deserto é tão frágil, não é de surpreen­ romancista Leslie Marmon Silko, em
der que haja tantos escritores voltados parte descendente de índios lagunas
para o meio ambiente. O ativista e autora de Ceremony [Cerimônia],
Edward Abbey (1927-1989) celebrou também publicou Gardens in the Dunes
a vida selvagem do deserto de Utah [Jardins nas Dunas] (1999), retratando
em Desert Solitaire: A Season in the Indigo, órfão criado por uma mulher
Wilderness [Deserto Solitário: uma branca na virada do século 20.
Temporada em Território Selvagem] Muitos escritores mexicano-ame­
(1968). ricanos vivem no Sudoeste há sécu­
Barbara Kingsolver (1955- ), bióloga los. Entre os assuntos característicos
Foto Associated Press /
de formação, oferece o ponto de vista Wide World Photos encontram-se: o idioma espanhol, a

151
tradição católica, as formas folclóricas e Ishmael Reed, além de escritores
e, recentemente, desigualdade entre com mentalidade internacional como
raças e gêneros, conflitos de gerações Norman Rush (1933- ), cujo romance
e ativismo político. A cultura é acentua­ Mating [Acasalamento] (1991) aborda
damente patriarcal, mas surgiram novas os anos que passou na África.
vozes femininas chicanas. O Norte da Califórnia abriga rica
O livro poético de não-ficção tradição literária ásio-americana,
Borderlands/La Frontera: The New cujos temas característicos incluem
Mestiza [Fronteiras: a Nova Mestiça] família e papéis dos gêneros, conflito
(1987), de Gloria Anzaldúa (1942- ), de gerações e busca de identidade.
imagina de forma apaixonada uma Maxine Hong Kingston ajudou a
consciência feminina híbrida da fron­ inspirar o renascimento da literatura
teira formada por vertentes das culturas ásio-americana, além de popularizar
mexicana, ameríndia e inglesa. o gênero de autobiografia fictícia.
Também digna de destaque é a es­ O grupo de escritores ásio-america­
critora do Novo México, Denise Chavez nos da Califórnia inclui a romancista
(1948- ), autora da coleção de contos Amy Tan, cujo best-seller The Joy Luck
The Last of the Menu Girls [A Última Club [Clube da Felicidade e da Sorte]
das Garotas do Menu] (1986). Sua Face tornou-se filme de sucesso em 1993.
of an Angel [Face de um Anjo] (1994), Seus capítulos interligados como con­
sobre uma garçonete que prepara um tos delineiam as diferentes sortes de
manual para suas colegas de profissão quatro pares de mães e filhas. Entre os
há 30 anos, foi considerado um roman­ romances de Tan que abarcam a China
ce autenticamente latino escrito em histórica e os Estados Unidos de hoje,
inglês. encontram-se The Hundred Secret Senses
[Os Cem Sentidos Secretos] (1995),
Literatura da Califórnia sobre meias irmãs e The Bonesetter’s
A Califórnia poderia ser um país Daughter [A Filha do Restaurador de
à parte com sua enorme população Ossos] (2001) sobre os cuidados de
multiétnica e economia poderosa. O uma filha com sua mãe. A espirituosa
estado é conhecido por gerar experi­ Amy Tan Gish Jen (1955- ), cujos pais emigraram
ências sociais, movimentos de jovens de Xangai, surpreendeu com os ro­
(beats, hippies, tecnólogos) e novas mances estimulantes Typical American
tecnologias (os “pontocom” do Vale do [Americano Típico] (1991) e Mona
Silício) que podem ter conseqüências in the Promised Land [Mona na Terra
inesperadas. Prometida] (1996).
O norte da Califórnia, cujo centro No grupo de escritores nipo-ameri­
é São Francisco, desfruta de tradição canos está Karen Tei Yamashita (1951- ),
literária liberal, até mesmo utópica, co­ nascida e criada na Califórnia, cujos
mo em Jack London e John Steinbeck. nove anos no Brasil inspiraram Through
Têm raízes nessa região centenas de the Arc of the Rain Forest [Através do
escritores, inclusive o ameríndio Gerald Arco da Floresta Tropical] (1990) e
Vizenor, a chicana Lorna Dee Cervantes Brazil-Maru (1992). Seu Tropic of Orange
Foto Associated Press /
e os afro-americanos Alice Walker Graylock [Trópico da Laranja] (1997) evoca a

152
Los Angeles poliglota. Escritores nipo-americanos de Califórnia é o brilhante T. Coraghessan Boyle (1948- ),
ficção criam a partir da obra anterior de Toshio Mori, conhecido por seus inúmeros romances exuberantes,
Hisaye Yamamoto e Janice Mikitani. entre eles, World’s End [Fim do Mundo], 1987, e The
A literatura do sul da Califórnia tem tradição muito Road to Wellville [Dr. Kellogg e a Guerra dos Sucrilhos]
diferente associada com a cidade mais nova de Los (1993) sobre John Harvey Kellogg, inventor americano
Angeles, feita por ivestidores e agentes imobiliários, do cereal para café da manhã.
apesar do problema óbvio de recursos hídricos. Los Escritores mexicano-americanos em Los Angeles
Angeles foi, desde o início, um empreendimento às vezes focalizam a tensão racial moderada.
comercial; não surpreende que Hollywood e a Richard Rodriguez (1944- ), autor de Hunger of
Disneylândia sejam alguns dos seus mais conhecidos Memory:The Education of Richard Rodriguez [Ânsia
legados. Como que para contrabalançar sua fachada por Recordações: a Educação de Richard Rodriguez]
brilhante, um estilo distópico de produção literária flo­ (1982) opina contra a educação bilíngüe e a ação afir­
resceu no sul da Califórnia, inaugurado pelo romance mativa em Days of Obligation:An Argument With My
de Nathanael West, The Day of the Locust [O Dia do Mexican Father [Dias de Obrigação: uma Discussão
Gafanhoto] (1939). com meu Pai Mexicano] (1992). Always Running
Solidão e alienação permeiam as criações de Gina [Sempre Correndo] (1993), memórias sobre a vida
Berriault (1926-1999), cujos personagens sobrevivem de uma gangue de chicanos em Los Angeles, de Luis
precariamente em quartos alugados em Women in Rodriguez (1954- ), fala sobre o submundo obscuro
Their Beds [Mulheres em Suas Camas] (1996). Joan da cidade.
Didion (1934- ) evoca o anseio de descompromisso A diáspora latino-americana influenciou Helena
da Califórnia em seus brilhantes ensaios Slouching Maria Viramontes (1954- ), nascida e criada no barrio
Towards Bethlehem [Arrastando-se até Belém] (1968). do leste de Los Angeles. Suas obras retratam essa
Em 2003, Didion escreveu Where I Was From [De Onde cidade como um ímã para uma quantidade cada vez
Eu Vim], narrativa de como sua família se mudou para maior de imigrantes hispânicos, especialmente mexi­
o Oeste juntamente com a fronteira e se estabeleceu canos e centro-americanos que fogem da pobreza e
na Califórnia. Outro escritor natural de Los Angeles, da guerra. Em contos vibrantes como “The Cariboo
Dennis Cooper (1953- ), escreve bons romances sobre Café” [O Café Cariboo], 1984, combina nativos de
um submundo de homens entorpecidos e alienados. língua inglesa, refugiados de esquadrões da morte
Thomas Pynchon foi quem conseguiu captar com imigrantes clandestinos que vêm para os EUA
melhor a estranha combinação de tranqüilidade e em busca de trabalho.
inquietação que reina em Los Angeles em seu romance
sobre uma vasta conspiração de marginais, The Crying O Noroeste
of Lot 49 [O Leilão do Lote 49]. Pynchon inspirou o pro­ Nas últimas décadas, o Noroeste montanhoso com
lífico pós-modernista William Vollmann (1959- ), que se densas florestas em torno de Seattle, Washington,
tornou popular entre leitores jovens da contracultura surgiu como centro cultural conhecido por pontos de
devido a suas meta-narrativas extensas e surrealistas vista liberais e um apaixonado apreço pela natureza.
como as da coletânea “Seven Dreams: A Book of Seu mais influente e recente escritor foi Raymond
North American Landscapes” [Sete Sonhos: um Livro Carver.
de Paisagens Norte-Americanas], iniciado com The David Guterson (1956- ), de Seattle, conquistou
Ice-Shirt [A Camisa de Gelo] (1990) sobre vikings, e muitos leitores quando seu romance Snow Falling on
fantasias como You Bright and Risen Angels: A Cartoon Cedars [Neve Sobre os Cedros] (1994) foi filmado.
[Vós, Anjos Brilhantes e Elevados: uma Charge] (1987) Passado nas remotas e nevoentas Ilhas de San Juan,
sobre uma guerra entre humanos virtuais e insetos. em Washington, após a II Guerra Mundial, conta a
Outro romancista ambicioso que vive no sul da história de um nipo-americano acusado de assas­

153
sinato. No emocionante romance de Sherman Alexie (1966- ), índio da
Guterson East of the Mountains [A Leste reserva de Spokane, da tribo Coeur
das Montanhas] (1999), um cirurgião d’Alene, é o mais jovem romancista
cardiologista que está morrendo de indígena a alcançar fama nacional.
câncer volta à terra de sua juventude Alexie faz relatos humorísticos e pouco
para se suicidar, mas descobre razões românticos da vida indígena, abordan­
para viver. O comovente romance do misturas incoerentes de tradição e
Housekeeping [Trabalhos Domésticos] cultura popular. Fazem parte de seus
(1980) de Marilynne Robinson (1944- ) ciclos de contos Reservation Blues [O
observa esse território selvagem e escar­ Blues da Reserva] (1995) e The Lone
pado através de olhos femininos. Em seu Ranger and Tonto Fistfight in Heaven [A
brilhante e bastante aguardado segundo Luta de Zorro e Tonto no Céu] (1993),
romance, Gilead [Ao Meu Filho] (2004), que inspirou o ótimo filme sobre a vida
um pregador idoso e íntegro, prestes a em reservas Smoke Signals [Sinais de
morrer, escreve para seu filho caçula a Fumaça] (1998), com roteiro do próprio
história da família que remonta à Guerra Alexie. Smoke Signals é um dos poucos
Civil. filmes feitos por índios americanos e
Embora tenha vivido em muitas não sobre eles. A coletânea recente de
regiões, Annie Dillard (1945- ) fez do contos de Alexie é The Toughest Indian
Noroeste o tema de suas obras cristali­ in the World [O Índio Mais Forte do
nas, como o fascinante ensaio poético Mundo] (2000) enquanto seu pungente
intitulado “Holy the Firm” [Benditos os romance Indian Killer [Índio Matador]
Perseverantes] (1994) inspirado pelas (1996) lembra Native Son [Filho Nativo],
queimaduras sofridas por uma criança de Richard Wright.
vizinha. Sua descrição do Noroeste do
Pacífico evoca um cenário ao mesmo AUTORES INTERNACIONAIS:
tempo real e espiritual. “Vim para cá VOZES DA AMÉRICA LATINA E
estudar coisas palpáveis — montanhas DO CARIBE

E
rochosas e mar salgado — e abrandar scritores de língua inglesa do
meu espírito em suas margens”. Da Caribe receberam sua formação
mesma forma que Henry David Thoreau Sherman Alexie do currículo literário britânico e
e Ralph Waldo Emerson, Dillard busca a segundo normas coloniais, mas ultima­
sabedoria na natureza. Pilgrim at Tinker mente seu foco mudou de Londres pa­
Creek [Peregrino em Tinker Creek] ra Nova York e Toronto. Entre os temas
(1974) é uma admirável coleção de abordados, estão a beleza das ilhas, a
ensaios de Dillard. Seu único romance, sabedoria inata de seu povo e aspectos
The Living [Os Vivos] (1992), exalta as da imigração e do exílio — dissolução
primeiras famílias pioneiras atacadas familiar, choque de culturas, mudança
por doenças, afogamentos, gases vene­ nos papéis dos gêneros e assimilação.
nosos, queda de árvores gigantes e in­ Duas precursoras merecem men­
cêndios em casas de madeira à medida ção. Paule Marshall (1929– ), do
que se integram com tribos indígenas, Brooklyn, não é escritora internacional
imigrantes chineses e recém-chegados sob o ponto de vista técnico, mas
Foto Associated Press /
do Leste. Wide World Photos relembra com nitidez suas experi­

154
ências como filha de imigrantes de Amadurecimento na América] (1995),
Barbados no Brooklyn em Brown exalta o beisebol tanto quanto Havana.
Girl, Brownstones [Garota Parda, O título é irônico: “O Ano Que Vem
Arenito Pardo] (1959). A romancista em Cuba” é uma frase dos exilados
da República Dominicana Jean Rhys cubanos aferrando-se à visão de um
(1894-1979) escreveu Wide Sargasso retorno triunfante. The Pérez Family
Sea [Grande Mar de Sargaço] (1966), [A Família Perez], 1990, de Christine
uma recriação assombrosa e poética Bell (1951- ), traça o retrato caloroso
do romance Jane Eyre de Charlotte do tumulto existente entre famílias
Brontë. Rhys viveu a maior parte da cubanas — metade delas, pelo menos,
vida na Europa, mas seu livro foi de nome Perez — exiladas em Miami.
defendido por feministas americanas, Entre as obras recentes do romancista
para quem “a louca no sótão” havia se Oscar Hijuelos (1951– ) encontramos
tornado um ícone da individualidade The Fourteen Sisters of Emilio Montez
feminina reprimida. O’Brien [As Catorze Irmãs de Emilio
O trabalho de Rhys abriu caminho Montez O’Brien] (1993), sobre ame­
para a voz colérica de Jamaica Kincaid ricanos descendentes de cubanos e
(1949- ), de Antigua, cujas inúmeras irlandeses, e Mr. Ives’ Christmas [O
obras autobiográficas incluem os Natal do Sr. Ives] (1995), história de
romances Annie John (1985), Lucy um homem cujo filho morreu.
(1990) e The Autobiography of My Os escritores com raízes em Porto
Mother [A Autobiografia de Minha Rico incluem Nicholasa Mohr (1938- ),
Mãe] (1996). Nascida no Haiti, mas cujo Rituals of Survival: A Woman’s
criada nos EUA, Edwidge Danticat Portfolio [Rituais de Sobrevivência:
(1969 - ) chamou a atenção com seu o Portfólio de uma Mulher] (1985),
livro Krik? Krak! (1995), cujo título apresenta a vida de seis porto-rique­
foi tirado de uma frase usada por nhas, e Rosario Ferré (1938- ), autora
contadores de histórias da tradição de The Youngest Doll [A Boneca
oral haitiana. Danticat lembra o pas­ Mais Nova] (1991). Entre os mais
sado trágico de seu país no romance jovens, destaca-se Judith Ortiz Cofer
histórico The Farming of the Bones [A Jamaica Kincaid (1952- ), autora de Silent Dancing:
Colheita de Ossos] (1998). Muitos es­ A Partial Remembrance of a Puerto
critores latino-americanos discordam Rican Childhood [Dança em Silêncio:
das opiniões comuns entre escritores Lembrança Parcial de uma Infância
chicanos com raízes no México que em Porto Rico] (1990) e The Latin Deli
tendem a ser românticos, nativistas e [A Delicatessen Latina] (1993), que
esquerdistas na política. A produção combina poesia e contos. A poeta e
literária dos cubano-americanos, ao ensaísta Aurora Levins Morales (1954-
contrário, tende a ser cosmopolita, cô­ ) escreve sobre Porto Rico sob o ponto
mica e politicamente conservadora. A de vista judeu cosmopolita.
autobiografia de Gustavo Pérez Firmat, A escritora mais conhecida com ra­
Next Year in Cuba: A Chronicle of ízes na República Dominicana é Julia
Coming of Age in America [O Ano que Alvarez (1950- ). Em How the García
Vem em Cuba: uma Crônica Sobre o Foto Nacy Crampton Girls Lost Their Accents [Como as

155
M
Meninas Garcia Perderam o Sotaque] uitos escritores do subcon­
(1991), dominicanas da classe alta tinente indiano passaram a
lutam para se adaptar a Nova York. residir nos EUA nos últimos
¡Yo! (1997) retoma o tema das irmãs anos. Bharati Mukherjee (1940- ) es­
Garcia, explorando a identidade por creveu aclamada coletânea de contos,
meio de histórias de 16 personagens. The Middleman and Other Stories [O
Junot Diaz (1948- ) oferece uma visão Intermediário e Outros Contos] (1988);
bem mais impiedosa na coletânea de seu romance Jasmine [Jasmim] (1989)
contos Drown [Afogado] (1996) sobre conta a história de uma imigrante ilegal.
jovens das favelas de Nova Jersey e da Mukherjee foi criado em Calcutá; seu
República Dominicana. romance The Holder of the World [O
Importantes escritores latino-america­ Detentor do Mundo] (1993) imagina
nos que primeiro se tornaram conheci­ aventuras emocionantes na Índia do
dos nos EUA nos anos 1960 – Jorge Luis século 17 para personagens do livro
Borges, da Argentina, Gabriel García The Scarlet Letter [A Letra Escarlate]
Márquez, da Colômbia, Pablo Neruda, de Nathaniel Hawthorne. Leave It to
do Chile, e Jorge Amado, do Brasil – Me [Deixa Comigo] (1997) acompa­
apresentaram aos autores americanos nha a luta errante de uma menina
o realismo mágico, o surrealismo, uma abandonada na Índia em busca de
sensibilidade hemisférica e o amor às suas raízes. O inquietante conto “The
culturas nativas. Desde essa primeira Management of Grief” [O Tratamento
onda de popularidade, mulheres e da Dor] (1988), sobre as conseqüências
escritores negros acharam seu público, de um atentado à bomba a um avião,
entre eles, a romancista chilena Isabel ganhou nova ressonância desde o dia
Allende (1942- ). Isabel Allende, sobri­ 11 de setembro de 2001.
nha do presidente chileno, Salvador Meena Alexander (1951- ), natural
Allende, assassinado em 1973, registrou da Índia e de ascendência síria, foi
a história sangrenta de seu país em La criada no norte da África; ela reflete
Casa De Los Espiritus, (1982), traduzido sobre suas experiências na autobio­
para o inglês como The House of the grafia Fault Lines [Linhas Imperfeitas]
Spirits (1985). Romances posteriores Bharati Mukherjee (1993). A poeta e contista Chitra
(escritos e publicados primeiro em Banerjee Divakaruni (1956- ), nasci­
espanhol) incluem Eva Luna (1987) e da na Índia, escreveu os romances
Daughter of Fortune [Filha da Fortuna] sensuais centrados nas mulheres:
(1999), passado na corrida do ouro de The Mistress of Spices [A Senhora
1849 na Califórnia. O estilo evocativo de dos Temperos] (1997), e Sister of My
Allende e visão centralizada na mulher Heart [Irmã do Meu Coração] (1999),
atraíram muitos leitores nos EUA. além de coletâneas de contos, como
The Unknown Errors of Our Lives [Os
AUTORES INTERNACIONAIS: Erros Desconhecidos de Nossa Vida]
VOZES DA ÁSIA E DO ORIENTE (2001).
MÉDIO Jhumpa Lahiri (1967- ) focaliza
conflitos e assimilação das gerações
Foto © Miriam Berkley mais jovens em Interpreter of Maladies:

156
Stories of Bengal, Boston, and Beyond Santos (1911-1996), autor do romance
[Intérprete de Males: Histórias de poético Scent of Apples [Aroma de
Begala, Boston e Outros Lugares] Maçãs] (1979), e Jessica Hagedorn
(1999) e o romance The Namesake [O (1949- ), cujos romances surrealistas
Homônimo] (2003). Lahiri se baseia de cultura popular são Dogeaters
em sua experiência: seus pais, de [Comedores de Cães] (1990) e The
Bengala, foram criados na Índia e ela Gangster of Love [O Bandido do
nasceu em Londres mas foi educada Amor] (1996). De modos diferentes,
nos EUA. respondem ao mordaz romance au­
Autores americanos com raízes tobiográfico do trabalhador imigrante
no sudeste da Ásia, especialmente da filipino-americano Carlos Bulosan
Coréia e das Filipinas, ganharam vozes (1913-1956) America Is in the Heart [A
poderosas na última década. Entre os América Está no Coração], 1946.
escritores coreano-americanos recen­ A extraordinária cineasta vietna­
tes, destaca-se Chang-rae Lee (1965-). mita-americana e teórica social Trinh
Nascido em Seul, na Coréia, o notável Minh-Ha (1952-) combina narrativas e
romance de Lee, Native Speaker teoria em sua obra feminista Woman,
[Falante de Língua Nativa](1995), Native, Other [Mulher, Nativa, Outra]
entrelaça ideais públicos, traição e (1989). Da China, Ha Jin (1956- ) es­
desespero pessoal. Seu emocionante creveu o romance Waiting [À Espera]
segundo romance, A Gesture Life (1999), triste narrativa sobre a sepa­
[Uma Vida Gestual] (1999), explora a ração de 18 anos, cujo estilo realista,
longa sombra de uma atrocidade do típico da ficção chinesa, chega aos
tempo da guerra – o uso de coreanas ouvidos americanos como algo novo
como “objeto de conforto” pelos e original.
japoneses. As vozes mais recentes vêm da co­
Theresa Hak Kyung Cha (1951- munidade árabe-americana. Joseph
1982), nascida na Coréia, combina Geha (1944- ), nascido no Líbano,
fotos, vídeos e documentos históricos situa suas narrativas de Through and
em sua obra experimental Dictee Through [Completamente] (1990) em
[Ditado] (1982) para registrar o sofri­ Chang-rae Lee Toledo, Ohio; a jordaniano-americana
mento de coreanos sob as forças de Diana Abu-Jaber (1959- ), nascida
ocupação japonesas. A poeta malásio­ em Nova York, escreveu o romance
-americana Shirley Geok-lin Lim, de Arabian Jazz [Jazz Árabe] (1993).
origem étnica chinesa, é autora de um A poetisa e dramaturga Elmaz
livro de memórias provocador, Among Abinader (1954-) é autora de uma
the White Moon Faces [Entre as Faces autobiografia, Children of the Roojme:
Brancas da Lua] (1996). Seu romance A Family’s Journey From Lebanon
autobiográfico é Joss and Gold [Joss [Crianças de Roojme: a Viagem de
e Ouro] (2001) e seus contos foram uma Família do Líbano] (1991). Em
recompilados em Two Dreams [Dois “Just Off Main Street” [Apenas Fora
Sonhos] (1997). da Rua Principal] (2002), Abinader
Entre os escritores nascidos nas escreveu sobre sua infância bicultural
Foto © Marion Ettlinger /
Filipinas, podemos citar Bienvenido CORBIS OUTLINE numa cidadezinha da Pensilvânia na

157
década de 1960: “...as cenas familiares enchiam-me
de alegria e sensação de estar no lugar apropriado,
mas eu sabia que nada daquilo poderia ser com­
partilhado do lado de fora da porta”.
A literatura americana percorreu um caminho
longo e tortuoso desde os dias pré-coloniais até
os tempos contemporâneos. Sociedade, história,
tecnologia, tudo isso teve impacto eloqüente sobre
ela. Em última análise, no entanto, existe uma
constante — humanidade, com todo o seu brilho
e sua malevolência, sua tradição e sua promessa.

158
GLOSSÁRIO
Abolicionismo: Movimento destinado a acabar com a de 1940 e princípios da década de 1950) durante o qual
escravidão no norte dos Estados Unidos, muito atuante o Senador americano Joseph McCarthy processou cida­
antes da Guerra Civil da década de 1860. dãos americanos que ele e seus seguidores suspeitavam
de serem membros, ou ex-membros, ou simpatizantes do
Alusão: Referência implícita ou indireta a um outro texto, Partido Comunista. Seus esforços incluíram a criação de
contida num texto literário. “listas negras”, em várias profissões — listas de pessoas
que eram proibidas de trabalhar naqueles empregos.
McCarthy acabou sendo denunciado pelos seus colegas
Beatnik: Rebelião artística e literária contra a sociedade
do Senado.
estabelecida, nas décadas de 1950 e 1960, e muito ligada
a Jack Kerouac, Allen Ginsberg e outros. “Beat” sugere
Existencialismo: Movimento filosófico segundo o qual
santidade (“beatificação”) e sofrimento (“abatido”).
o indivíduo sofredor tem de criar sentido num universo
incognoscível, caótico e aparentemente vazio.
Brâmanes de Boston [Brahmins]: Escritores influen­
tes e respeitados do século 19, provenientes da Nova
Expressionismo: Movimento artístico surgido após a I
Inglaterra, e que mantinham a “tradição cavalheiresca”
Guerra Mundial, de origem alemã, que distorcia as apa­
dos valores da elite.
rências para comunicar estados emocionais interiores.
Calvinismo: Doutrina teológica rigorosa do reformador
Fabulista: Criador ou escritor de fábulas (narrativas
protestante francês João Calvino (1509-1564), e base da
curtas com uma moral, tipicamente apresentando
sociedade puritana. Calvino mantinha que todos os seres
animais como personagens) ou contos sobrenaturais
humanos nasciam pecadores e que só a graça de Deus
incorporando elementos de mitos e lendas.
(e não a igreja) poderia salvar uma pessoa do inferno.

Faulkneriano: Num estilo reminiscente de William


Cânone: Um corpo de obras literárias aceito ou sancio­
Faulkner (1897-1962), um dos maiores romancistas do
nado considerado como permanentemente estabelecido
século 20 nos EUA, que escreveu sobre o declínio e
e de alta qualidade.
decadência do Sul aristocrático. Diferentemente de
regionalistas anteriores que escrevia sobre a cor local,
Canto visionário: Canto poético criado por membros Faulkner criou obras literárias complexas na forma e
de algumas tribos de americanos nativos para as ce­ muitas vezes violentas e trágicas no conteúdo.
rimônias em que se purificavam por meio de jejum e
meditação solitários.
Fausto: Personagem literário que vende sua alma ao
diabo para tornar-se onisciente, ou semelhante a um
Chekhoviano: Estilo similar às obras do autor russo
deus; protagonista de peças do dramaturgo Christopher
Anton Pavlovitch Chekhov. Chekhov (1860-1904), um
Marlowe (1564-1593), da renascença inglesa, e de Johan
dos maiores contistas e dramaturgos da era moderna, é
Wolfgang von Goethe (1749-1832), escritor romântico
conhecido tanto por suas peças humorísticas de um ato
alemão.
como por suas longas tragédias.

Feminismo: O ponto de vista, articulado no século 19,


Conceit: Metáfora ampliada. Expressão usada para des­
de que as mulheres são inerentemente iguais aos homens
crever a poesia metafísica da renascença, na Inglaterra, e
e merecem os mesmos direitos e oportunidades. Mais
da época colonial americana, como a de Anne Bradstreet.
recentemente, movimento social e político que se espa­
lhou pelos Estados Unidos no final da década de 1960 e
Épico-cômico (Mock-epic): Paródia que adota a forma depois se espalhou pelo mundo afora.
do épico (também conhecido como heróico-cômico).

Era McCarthy: Período da Guerra Fria (final da década

159
GLOSSÁRIO
algo que é visto.
Fugitivos: Poetas que colaboraram em The Fugitive,
revista publicada entre 1922 e 1928 em Nashville, Imagistas: Grupo de poetas, sobretudo americanos, em
Tennessee. Os colaboradores, inclusive alguns eruditos que se incluíam Ezra Pound e Amy Lowell, que usavam
como John Crowe Ransom, Robert Penn Warren e Allen imagens visuais e linguagem coloquial penetrantes.
Tate, rejeitaram os valores urbano, comerciais do “norte”, Atuantes de 1912 a 1914.
que achavam que havia dominado os Estados Unidos, e
clamavam por um retorno à terra e às tradições ameri­ Ironia: Sentido (freqüentemente contraditório) enco­
canas que podiam ser encontradas no Sul. berto por trás do significado aparente de uma palavra
ou frase.
Gênero: Uma das categorias de forma literária (romance,
poema lírico, épico, por exemplo) Julgamento de bruxas em Salem: Julgamento de
pessoas acusadas de bruxaria, ocorrido em 1692, na
Guerra Civil: A guerra (1861-1865) entre os estados cidade de Salem, em Massachusetts. Dezenove pessoas
do Norte dos Estados Unidos , que permaneceram na foram enforcadas e muitas outras foram constrangidas a
União, e os estados do Sul, que se separaram e forma­ confessar atos de bruxaria ou a acusar outras de praticar
ram a Confederação. A vitória do norte levou ao fim da a bruxaria.
escravidão e preservou a União.
Kafkaniano: Reminiscente do estilo do romancista e
Guerra Revolucionária: A Guerra da Independência, contista tcheco Franz Kafka (1883-1924). As obras de
de 1775 a 1783, entre as colônias americanas e a Kafka retratam a opressão da vida moderna e seus per­
Grã-Bretanha. sonagens frequentemente se encontram em situações
de perigo para as quais não há explicação e das quais
Hartford Wits: Circulo literário patriótico, mas conser­ não há escapatória.
vador, do final do século 18, centrado na Universidade
de Yale, no Estado de Connecticut (também conhecido Knickerbocker School: Escritores do início do século
como Connecticut Wits). 19, centrados na cidade de Nova York, que imitavam as
modas literárias inglesas e européias.
História exagerada (tall tale): História popular, contada
na região de fronteira dos Estados Unidos, geralmente Literatura de Criação de Personagem: Gênero literá­
exagerada e humorística, e envolvendo casos de força rio popular, nos séculos 17 e 18, em que se esboçava o
sobre-humana. perfil de uma personagem que representava um grupo
ou um tipo.
Hudibras: Sátira heróico-cômica do escritor inglês
Samuel Butler (1612-1680). Hudibras foi imitado pelos Literatura Global: Textos contemporâneos de muitas
satiristas do início da era revolucionária. culturas do mundo. Seleções incluem literatura atribuída
a vários grupos religiosos, ideológicos e étnicos dentro
Iâmbico: Pé de verso consistindo de uma sílaba curta e além de fronteiras geográficas.
seguida de uma longa, ou de uma sílaba átona seguida
de uma tônica. Literatura regional: A literatura que explora os costu­
mes e a paisagem de uma região dos Estados Unidos.
Iluminismo: Movimento do século 18 centrado nos
ideais do bom senso e da benevolência, bem como na Livro de auto-ajuda: Livro que diz aos leitores como
crença de que liberdade, justiça e igualdade constituem melhorar sua vida, com base em seus próprios esforços.
direitos inalienáveis do homem. Gênero popular na América, desde meados do século
19 até os dias de hoje.
Imagem: Representação concreta de um objeto ou de

160
GLOSSÁRIO
Maratona poética (Poetry Slam): Competição Mary Rowlandson e John Williams, na época colonial.
de poesia oral.
Narrativa escrava - Primeiro gênero literário de prosa
Metaficção: Ficção que enfatiza a natureza da ficção, escrita por negros nos Estados Unidos. Relata a vida dos
as técnicas e convenções usadas para escrevê-la e o afro-americanos no tempo da escravidão.
papel do autor.
Naturalismo - Enfoque literário surgido na França, no
“Middle Colonies” (Colônias do Meio): Estados do final do século 19 e princípio do século 20; que retratava
litoral leste ou atlântico dos Estados Unidos de hoje. Na com grande intensidade os problemas sociais, e encarava
era colonial, correspondia a Nova York, Nova Jersey, os seres humanos como vítimas impotentes diante de
Pensilvânia e, às vezes, Delaware — conhecidos por suas forças sociais econômicas mais poderosas.
atividades comerciais centradas na cidades de Nova
York e Filadélfia. Neoclassicismo - Movimento artístico do século 18,
associado ao Iluminismo, que se baseava em modelos
Meio Oeste: A área central dos Estados Unidos, desde clássicos e enfatizava a razão, a harmonia e a moderação.
o Rio Ohio até as Montanhas Rochosas, incluindo as
Pradarias e a região das Grandes Planícies (também Neojornalismo: Um estilo literário popularizado nos
conhecida como o Meio-Oeste). Estados Unidos nos anos 1960 por Tom Wolfe, Truman
Capote e Norman Mailer, que usavam as técnicas de
Minimalismo: Estilo literário exemplificado nas obras contar histórias e a caracterização de escritores de ficção
de Raymond Carver, caracterizada por frugalidade e ao criar obras não-ficcionais.
simplicidade.
Nova Inglaterra: Região dos Estados Unidos compre­
Modernismo: Movimento cultural internacional que endendo os atuais Estados de Maine, Vermont, New
se seguiu à Primeira Guerra Mundial e que expressava Hampshire, Massachusetts, Rhode Island e Connecticut
a desilusão com a tradição e o interesse pelas novas conhecida por sua precoce industrialização e vida inte­
visões e tecnologias. lectual. Tradicionalmente, terra do astuto, independente
e parcimonioso comerciante “Yankee”.
Motivo (Motif): Elemento recorrente, como uma imagem,
um tema ou um tipo de incidente. Objetivista: Movimento poético de meados do século
20, associado com William Carlos Williams, que enfatiza
Muckrakers: Jornalistas e romancistas americanos as imagens e a fala coloquial.
(1900-1912) cujos textos sobre corrupção nas empresas
e no governo desencadearam um processo de reforma Oficina de Escritores de Iowa (Iowa Writers’
social. Workshop): Um programa de graduação em redação
criativa na Universidade de Iowa em que escritores talen­
Multicultural - Intercâmbio criativo de várias subcultu­ tosos, e geralmente jovens, trabalham com manuscritos
ras étnicas e raciais. e trocam idéias sobre redação entre si e com poetas e
escritores estabelecidos.
Mito - Narrativa lendária, geralmente sobre deuses e he­
róis, ou um tema que expressa a ideologia de uma cultura. Old Norse: A velha língua norueguesa das sagas, prati­
camente idêntica ao moderno islandês.
Narrativa de cativeiro - Relato do cativeiro nas mãos
de tribos americanas nativas, como o dos escritores Poesia cowboy: Verso baseado na tradição oral e geral­
mente rimado ou métrico que celebra as tradições da
cultura de gado do Oeste dos EUA. Seus temas incluem
a natureza, história, folclore, família, amizade e trabalho.
A poesia cowboy tem sua origem no estilo das baladas
161
GLOSSÁRIO
da Inglaterra e do Sul apalache. Reflexivo: auto-referencial. Uma obra literária é reflexiva
quando refere-se a si mesma.
Poesia hip-hop: Poesia que é escrita numa página, mas
apresentada a uma platéia. A poesia hip-hop, com suas Região das Planícies: A região central dos Estados
raízes na tradição retórica afro-americana, enfatiza o Unidos, que desce das Montanhas Rochosas em direção
ritmo, a improvisação, a livre-associação, rimas e o uso ao leste, até chegar às Pradarias.
de linguagem híbrida.
Romance: Romances americanos simbólicos, dotados
Poesia da linguagem: Poesia que estica a linguagem de alta intensidade emocional, associados ao período
para revelar seu potencial para a ambigüidade, frag­ romântico.
mentação e auto-afirmação dentro do caos. Os poetas
da linguagem favorecem as formas abertas e textos mul­ Romance doméstico: Um romance sobre a vida domés­
ticulturais; se apropriam de imagens da cultura popular tica e familiar que em geral dá ênfase às personalidades
e da mídia e as remodelam. e atributos de seus personagens sobre o enredo. Muitos
romances domésticos do século 19 e do início do século
Poesia metafísica - Tipo intricado de poesia inglesa do 20 empregaram certo grau de sentimentalismo — geral­
século 17 que empregava agudeza e imagens inesperadas. mente uma mistura de compaixão e humor.

Romantismo - Reação contra o neoclassicismo. Este


Poeta laureado: Indivíduo indicado como consultor em
movimento, do início do século 19, exaltava o indivíduo,
poesia na Biblioteca do Congresso dos EUA geralmente
as paixões e a vida interior. Enfatizava as emoções fortes,
por um mandato de um ano. Durante seu mandato, busca
a imaginação e a liberdade em relação à correção clás­
aumentar a conscientização nacional para uma maior
sica, nas formas artísticas, bem como a rebelião contra
apreciação da poesia.
as convenções sociais.
Pós-Modernismo - sensibilidade estética influenciada
Saga - Uma antiga narrativa escandinava que fala de
pelos meios de comunicação, no final do século 20, e ca­
eventos históricos ou míticos.
racterizada pela abertura e pela ‘colagem’. O movimento
questiona os fundamentos das formas culturais e artís­
Separatistas - Seita puritana muito rígida que, nos sé­
ticas, servindo-se, para tanto, da ironia auto-referencial
culos 16 e 17, preferiu separar-se da Igreja da Inglaterra
e da justaposição de elementos da cultura popular e da
a tentar reformá-la. Muitos dos primeiros colonos da
tecnologia eletrônica.
América eram separatistas.
Pradarias - A região agrícola plana, sem florestas, do
Síntese - Mistura de dois sentidos, técnica usada por
Meio-Oeste americano.
Edgar Allan Poe e outros para sugerir correspondências
ocultas e criar efeitos exóticos.
Primitivismo - Crença de que a natureza oferece mode­
los mais verdadeiros e mais saudáveis que a cultura. Tem
Sul - Região dos Estados Unidos que inclui os estados
como exemplo o mito do “bom selvagem”.
de Maryland, Virginia, Carolina do Norte, Carolina do
Sul, Georgia, Kentucky, Tennessee, Louisiana, Mississipi,
Puritanos - Reformadores religiosos e políticos ingleses
Alabama, Missouri, Arkansas, Florida, West Virginia e o
que fugiram de seu país em busca de liberdade religiosa
leste do Texas.
e que assentaram e colonizaram a Nova Inglaterra do
século 17.
Surrealismo - Movimento artístico e literário europeu
que usa imagens e eventos ilógicos, semelhantes a so­
Reforma - Movimento político e religioso da Europa do
nhos, para tentar transmitir o inconsciente.
Norte, entre os séculos 15 e 17, que tentou reformar o
catolicismo e acabou dando origem ao protestantismo.

162
GLOSSÁRIO
Tema - Idéia abstrata incorporada numa obra literária. Versificação silábica - Métrica poética baseada no
número de sílabas de uma linha (um verso).
Tory - Facção de homens ricos e favoráveis aos ingleses,
na América do tempo da Guerra Revolucionária, no final
do século 18.

Tradição oral - Transmissão de boca em boca, tradição


que é passada de uma geração para outra; tradição
verbal folclórica.

Transcendentalismo - Movimento filosófico de largo


alcance, na Nova Inglaterra do período romântico (com
seu ápice entre 1835 e 1845). Enfatizava o papel da
divindade na natureza, bem como a intuição individual,
e sobrepunha os sentimentos à razão.

Trapaceiro (trixter) - Personagem esperto das narrati­


vas tribais folclóricas (sobretudo dos afro-americanos e
dos americanos nativos), que rompe os códigos culturais
de comportamento; em geral, é um herói da cultura.

163
ÍNDICE
Abbey, Edward 152 Ammons, A.R. 82, 132
Abinader, Elmaz, 158 Among the White Moon Faces (Shirley Geok-lin Lim) 158
“Above Pate Valley” (Gary Snider) 88 Anaya, Rudolfo 93,  119
“Abraham Lincoln Walks at Midnight” (Vachel Lindsay) 59 Ancient Evenings (Norman Mailer) 112
Absalom, Absalom! (William Faulkner) 74 Anderson, Laurie 97
Abu-Jaber, Diana 158 Anderson, Sherwood 58, 73,  77
Accidental Tourist, The (Anne Tyler) 145 Andrews, Bruce 97
Acker, Kathy 144 Angela’s Ashes (Frank McCourt) 140
Actual, The (Saul Bellow) 106 Angelou, Maya 93,  95,  118
Adams, Abgail 27 Angels in America: Part One: Millennium Approaches
Adams, Henry 55 (Tony Kushner) 141
Address to the Negroes of the State of New York, An Angels in America: Part Two: Perestroika ( Tony Kushner) 141
(Jupiter Hammon) 15 Angle of Repose (Wallace Stegner) 150
Adventures of Augie March, The (Saul Bellow) 105 Animal Dreams (Barbara Kingsolver) 152
Adventures of Huckleberry Finn (Mark Twain) 42,  50 Annie John (Jamaica Kincaid) 156
Affliction (Russell Banks) 143 Another Country (James Baldwin) 104
Affluent Society, The (John Kenneth Galbraith) 103 Another You (Ann Beattie) 146
Afterlife and Other Stories, The (John Updike) 141 Antin, David 97
Age of Innocence, The (Edith Wharton) 55 Antrim, Donald 143
Aiiieeeee! (Frank Chin, ed.) 96 Anywhere But Here (Mona Simpson) 149
Albee, Edward 119, 121 Anzaldúa, Gloria 152
Alcott, Bronson 29,  30 “Appalachian Book of the Dead” (Charles Wright) 127
Alcott, Louisa May 29 Appeal in Favor of that Class of Americans Called Africans, An
Alexander, Meena 157 (Lydia Child) 45
Alexie, Sherman 154, 155 “Applicant, The” (Sylvia Plath) 85
Ali, Agha Shahid 129 Appointment in Samarra (John O’Hara) 104
Allen , Donald 88, 90 Arabian Jazz (Daina Abu-Jaber) 158
Allende, Isabel 157 Ariel (Sylvia Plath) 85
Allison, Dorothy 147 Armantrout, Rae 124
All My Sons (Arthur Miller) 100 Armies of the Night, The (Norman Mailer) 109, 111
All the King’s Men (Robert Penn Warren) 100 Arrowsmith (Sinclair Lewis) 74,  75
All the Pretty Horses (Cormac McCarthy) 147 Arthur Mervyn (Charles Brockden Brown) 24
All the Sad Young Men (F. Scott Fitzgerald) 72 Ashbery, John 82, 90, 124
Alurista 93 Ash-Wednesday (T.S. Eliot) 66
Alvarez, Julia 156 As I Lay Dying (William Faulkner) 74
Always Running (Luis Rodriguez) 154 Assistant, The (Bernard Malamud) 106
Amateur Marriage, The (Anne Tyler) 145 Atlantis (Mark Doty) 130
Amazing Advantures of Kavalier and Clay, The (Michael Chabon) 146 “At Melville’s Tomb” (Hart Crane) 70
Ambassadors, The (Henry James) 54 “At the Fishhouses” (Elizabeth Bishop) 87
America is in the Heart (Carlos Bulosan) 158 “At the Gym” (Mark Doty 130
American, The (Henry James) 54 Atwood, Margaret 126
Americana (Don DeLillo) 144 Auster, Paul 140, 144
American Buffalo (David Mamet) 121 Autobiography (Benjamin Franklin) 18,  20
American Daughter, An (Wendy Wasserstein) 142 Autobiography of an Ex-Colored Man (James Weldon Johnson) 61
American Dream, The (Edward Albee) 120 Autobiography of Miss Jane Pittman, The (Ernest Gaines) 114
American Geography (Jedidiah Morse) 23 Autobiography of My Mother, The (Jamaica Kincaid) 156
“American Liberty” (Philip Freneau) 23 Autocrat of the Breakfast-Table, The (Oliver Wendell Holmes) 35
American Pastoral (Philip Roth) 113 Awake and Sing! (Cllifford Odets) 80
American Poetry in the Twentieth Century (Kenneth Rexroth) 89 Awakening, The (Kate Chopin) 52, 53
American Primitive (Mary Oliver) 133 Awful Rowing Toward God, The (Anne Sexton) 85
American Tragedy, An (Theodore Dreiser) 49, 56-57, 59, 80 Ayumi: A Japanese American Anthology (Janice Mirikitani, ed.) 96
The America Play (Suzan-Lori Parks) 142

165
ÍNDICE
Babbitt (Sinclair Lewis) 62, 74,  75 Blue Notes (Yusef Komunyakaa) 136
Baca, Jimmy Santiago 127 Blue Pastures (Mary Oliver) 133
Baldwin, James 48,  104 Bluest Eye, The (Toni Morrison) 117
Baldwin, Joseph 51 Bly, Robert 91, 131
Bambara, Toni Cade 118 Bone Black (bell hooks) 148
Banks, Russell 143 Bonesetter’s Daughter, The (Amy Tan) 153
Baraka, Amiri (LeRoi Jones) 93, 95, 120 Bonfire of the Vanities, The (Tom Wolfe) 110
Barren Ground (Ellen Glasgow) 60 Book of Daniel, The (E.L. Doctorow) 115
Barth, John 107,  110-111, 115, 140 Borderlands/La Frontera: The New Mestiza
Barthelme, Donald 110, 140 (Gloria Anzaldúa) 152
Basic Training of Pavlo Hummel, The (David Rabe) 122 Bostonians, The (Henry James) 54
Bass, Rick 150 Boston Marriage (David Mamet) 122
Bastard Out of Carolina (Dorothy Allison) 147 Boyle, T.Coraghessan 154
Baumgardner, Jennifer 139 Brackenridge, Hugh Henry 22
Bausch, Richard 145 Bradford, William 8-9,  11
Beach Music (Pat Conroy) 147 Bradley, David 145
Bean Trees, The (Barbara Kingsolver) 152 Bradstreet, Anne 9,  27, 35, 159
Bear, The (William Faulkner) 50 “Brahma” (Ralph Waldo Emerson) 30
Beattie, Ann 140, 146 Brautigan, Richard 110
Beautiful and the Damned, The (F. Scott Fitzgerald ) 72 Brazil-Maru (Karen Tei Yamashita) 153
Bech: A Book (John Updike) 108 Breakfast at Tiffany’s (Truman Capote) 109
Bech at Bay (John Updike) 108 Brent, Linda (see Jacobs, Harriet)
Bech Is Back (John Updike) 108 “Bride Comes to Yellow Sky, The” (Stephen Crane) 56
Bell, Christine 156 Bride of the Innisfallen, The (Eudora Welty) 102
Bellefleur (Joyce Carol Oates) 116 Bridge, The (Hart Crane) 70
Bell Jar, The (Sylvia Plath) 85 Bridge of San Luis Rey, The (Thornton Wilder) 80
Bellow, Saul 103,  105, 111, 118 Bridget Jones’s Diary (Helen Fielding) 139
Beloved (Toni Morrison) 117 Brief and True Report of the New-Found Land of Virginia, A
Beneath a Single Moon 97 (Thomas Hariot) 7
Berriault, Gina 153 Brigadier and the Golf Widow, The (John Cheever) 108
Berryman, John 84,  85 Bright Lights, Big City (Jay McInerny) 114
Beverley, Robert 15 “British Prison Ship, The” (Philip Freneau) 22
Bidart, Frank 134 “Broken Heart, The” (James Merril) 82
Biglow Papers, First Series (James Russel Lowell) 35 Brooks, Gwendolyn 83
Big Money, The (John Dos Passos) 75 Broom of the System, The (David Foster Wallace) 143
Billy Bathgate (E.L. Doctorow) 115 “Brothers and Keepers” (John Edgar Wideman) 145
Bishop, Elizabeth 70, 84,  87, 124, 135 Brown, Charles Brockden 17  23,  24
Black Boy (Richard Wright) 77 Brown, Dan 138
Blackburn, Paul 88 Brown, James Willie, Jr. (see Komunyakaa, Yusef)
“Black Cat, The ” (Edgar Allan Poe) 44 Brown Girl, Brownstones (Paule Marshall) 155
Black Looks (bell hooks) 148 Brownson, Orestes 29
“Black Snake, The” (Mary Oliver) 133 Bryant, William Cullen 23
Black Tickets (Jaye Anne Phillips) 146 Buckley, Christopher 146
Bless Me, Ultima (Rudolfo Anaya) 119 Bullet Park (John Cheever) 108
Blithedale Romance, The (Nathaniel Hawthorne) 29,  40 Bulosan, Carlos 158
Blonde (Joyce Carol Oates) 117 Buried Child (Sam Sheppard) 121
Blood Meridian (Cormac McCarthy) 147 Burroughs, William 81, 109
Bloodsmoor Romance, A (Joyce Carol Oates) 116 Bushnell, Candace 139
Bloom, Alan 106 Bushwacked Piano, The (Thomas McGuane) 150
Bloody Tenent of Persecution for Cause of Conscience, The Butler, Octavia 148
(Roger Williams) 13 Butler, Robert Olen 149
“Blue Hotel, The” (Stephen Crane) 56 Byrd, William 14

166
ÍNDICE
Cable, George Washington 52 “Clan Meeting: Births and Nations: A Blood Song”
Caine Mutiny (Herman Wouk) 99 (Michael Harper) 95
Call of the Wild, The (Jack London) 56 Clemens, Samuel (see Twain, Mark)
“Camouflaging the Chimera” (Yusef Komunyakaa) 136 Clifton, Lucille 129
Campbell, Bebe Moore 145 Closing of the American Mind, The (Alan Bloom) 106
Cane (Jean Toomer) 77 Cloudsplitter (Russell Banks) 143
Cannery Row (John Steinbeck) 76 Cofer, Judith Ortiz 156
Cantos, The (Ezra Pound) 65 Cold Mountain (Charles Frazier) 147
Capote, Truman 109, 114, 138 Cole, Henry 130
“Cariboo Café, The” (Helena Maria Viramontes) 154 Collected Stories (Ellen Gilchrist) 147
Carolina Moon (Jill McCorkle) 147 Collected Stories (Grace Paley) 144
Carpenter’s Gothic (William Gaddis) 110 Collected Stories (Katherine Anne Porter) 102
Carver, Raymond 140, 141, 150, 154 Collins, Billy 134
Casas, Bartolomé de las 6 Color Purple, The (Alice Walker) 114, 118
“Cask of Amontillado, The” (Edgar Allan Poe) 43 Comanche Moon (Larry McMurtry) 151
Cass Timberlane (Sinclair Lewis) 75 Come Back, Dr. Caligari (Donald Barthelme) 110
Catcher in the Rye, The (J.D. Salinger) 103  108 Common Sense (Thomas Paine) 21
Catch-22 (Joseph Heller) 99 Complete Stories, The (Flannery O’Connor) 105
Cathedral (Raymond Carver) 140 “Concord Hymn” (Ralph Waldo Emerson) 29
Cather, Willa 59 Coney Island of the Mind, A (Lawrence Ferlinghetti) 89
Cattle Killing, The (John Edgar Wideman) 145 Confessions of Nat Turner, The (William Styron) 115
Centaur, The (John Updike) 108 “Congo, The” (Vachel Lindsay) 59
Ceremony (Leslie Marmon Silko) 119, 152 Conjure Woman, The (Charles Waddell) 61
Cervantes, Lorna Dee 93,  94, 129, 153 Conquest of Canaan, The (Timothy Dwight) 22
Cha, Theresa Hak Kyung 158 Conroy, Pat 147
Chabon, Michael 146 Contrast, The (Royal Tyler) 22
“Chambered Nautilus, The” (Oliver Wendell Holmes) 35 Cooper, Dennis 153
Chancers (Gerald Vizenor) 149 Cooper, James Fenimore 16,  17,  23, 25,  38, 50
Chandler, Raymond 44 Coover, Robert 110, 115, 140
Chaneysville Incident, The (David Bradley) 145 Coquette, The (Hanna Foster) 27
Channing, William Ellery 29 Corners (David Rabe) 122
Charlotte Temple (Susanna Rowson) 27 Corrections, The (Jonathan Franzen) 149
Charming Billy (Alice McDermott) 145 Corso, Gregory 89
Chavez, Denise 152 Cotton, Ann 27
Cheever, John 103, 107, 144 Counterlife, The (Philip Roth) 113
Chesnutt, Charles Waddell 61 Country Music (Charles Wright) 127
“Chicago” (Carl Sandburg) 58 Country of the Pointed Firs (Sarah Orne Jewett) 52
Chickamauga (Charles Wright) 128 Couples (John Updike) 108
Child, Lydia 45, 47 “Courtship of Miles Standish, The”
“Children of Light” (Robert Lowell) 83 (Henry Wadsworth Longfellow) 35
Children of the Roojme (Elmaz Abinader) 158 Cowboys (Sam Shepard) 120
Children’s Hour, The (Lillian Hellman) 101 Crane, Hart 31,  70
Chimera (John Barth) 111 Crane, Stephen 49, 55, 56,  74
Chin, Frank 96 Creeley, Robert 88
Chopin, Kate 52 Crèvecoeur, Hector St. John de 20
Christ the Lord: Out of Egypt (Anne Rice) 138 Crimes of the Heart (Beth Henley) 142
“Chronic Meanings” (Bob Perelman) 97 Crossing, The (Cormac McCarthy) 147
Cisneros, Sandra 119, 151 “Crossing Brooklyn Ferry” (Walt Whitman) 33
Cities of the Plain (Cormac McCarthy) 149 Crossing Guard, The (David Rabe) 122
City in Which I Love You, The (Li-Young Lee) 129 Crucible, The (Arthur Miller) 100
City of Glass (Paul Auster) 144 Crying of Lot 49, The (Thomas Pynchon) 110, 111, 153
City of God (E.L. Doctorow) 115 Cryptogram, The (David Mamet) 122
Civil Disobedience (Henry David Thoreau) 13, 32 Cullen, Countee 71,  76
Clampitt, Amy 91 Cummings, Edward Estlin (e.e. cummings) 70

167
ÍNDICE
Cunningham, Michael 149 “Disillusionment of Ten O’Clock” (Wallace Stevens) 68
Curse of the Starving Class (Sam Shepard) 121 “Displaced Person, The” (Flannery O’Connor) 105
Curtain of Green, A (Eudora Welty) 102 Divakaruni, Chitra Banerjee 157
Custom of the Country, The (Edith Wharton) 55 “Diving Into the Wreck” (Adrienne Rich) 87
Doctorow, E.L. 99, 114-115
Dacey, Philip 98 Dogeaters (Jessica Hagedorn) 158
“Daddy” (Sylvia Plath) 85 Doolittle, Hilda (H.D.) 65,  68
Daisy Miller (Henry James) 54 Dorn, Ed 88
Damballah (John Edgar Wideman) 145 Dos Passos, John 62, 74, 75, 115
Dancing After Hours (Andre Dubus) 141 Doty, Mark 130-131
Dangling Man (Saul Bellow) 105 Douglas, Susan 139
Danticat, Edwidge 156 Douglass, Frederick 47,  48, 61
Darkness Visible (William Styron) 116 Dove, Rita 91, 93, 95, 126, 134
Daughter of Fortune (Isabel Allende) 157 Dreamer (Charles Johnson) 149
DaVinci Code, The (Dan Brown) 138 Dream of the Unified Field, The (Jorie Graham) 125
Day of Doom, The (Michael Wogglesworth) 10 Dream Songs (John Berryman) 86
Day of the Locust, The (Nathanael West) 153 Dreiser, Theodore 49, 55,  56-57,  74,  77, 105, 148
Days of Obligation (Richard Rodriguez) 154 Drinking Coffee Elsewhere (ZZ Packer) 148
“Deacon’s Masterpiece, or, The Wonderful One-Hoss Shay” Drown (Junot Diaz) 157
(Oliver Wendell Holmes) 35 Du Bois, W.E.B. 60, 61, 76
“Dead, The” (Billy Collins) 134 Dubus, Andre 141
Dean’s December, The (Saul Bellow) 106 Dunbar, Paul Lawrence 60
Death Comes for the Archbishop (Willa Cather) 60 Duncan, Robert 88
Death of a Salesman (Arthur Miller) 100,  103, 122 Dunn, Stephen 129
Death of Jim Loney, The (James Welch) 119 Dust Tracks on a Road (Zora Neale Hurston) 78
“Death of the Ball Turret Gunner, The” (Randall Jarrell) 82 Dutchman (Amiri Baraka) 120
Debutante Ball, The (Beth Henley) 142 Dwight, Timothy 21
Declaration of Sentiments (Elizabeth Cady Stanton) 45 Dybek, Stuart 149
Delicate Balance, A (Edward Albee) 120
DeLillo, Don 139, 144, 149 East of Eden The (John Steinbeck) 76
Deliverance (James Dickey) 87 East of the Mountain (David Guterson) 154
Delta Wedding (Eudora Welty) 102 Eberhart, Richard 82
“Democratic Vistas” (Walt Whitman) 33 Echoes Down the Corridor (Arthur Miller) 101
Desert Solitaire (Edward Abbey) 152 Edgar Huntley (Charles Brockden Brown) 24
Des Imagistes (Ezra Pound) 65 Edwards, Jonathan 13-14
Desire Under the Elms (Eugene O’Neill) 79 Eigner, Larry 88
Dessa Rose (Sherley Anne Williams) 148 Elbow Room (James Alan McPherson) 148
Devil’s Dream, The (Lee Smith) 146 Electric Kool-Aid Acid Test, The (Ken Kesey) 110
Dharma Bums, The (Jack Kerouac) 109 Eliot, T.S. 63, 65-66, 67,  69,  79, 82,  91
Diamant, Anita 143 Ellis, Bret Easton 115
Diamond, Jared 138 Ellis, Trey 145
Diary (Samuel Sewall) 11 Ellison, Ralph 48,  103, 104, 105
Diaz, Junot 156 Elmer Gantry (Sinclair Lewis) 75
Dickey, James 84,  86, 87 Elsie Venner (Oliver Wendell Holmes) 33
Dickinson, Emily 16,  31,  36,  38,  87, 124 Emerson, Ralph Waldo 5, 16, 20, 28, 29, 30, 31,32, 33, 34, 39,
Dictee (Theresa Hak Kyung Cha) 158 41, 133, 155
Dictionary (Noah Webster) 23 “Emperor of Ice-Cream, The” (Wallace Stevens) 68
Didion, Joan 153 Empire Falls (Richard Russo) 143
Different Mirror, A (Ronald Takaki) 118 Empire of the Senseless (Kathy Acker) 144
Dillard, Annie 140, 154 Endless Life (Lawrence Ferlinghetti) 89
Dinner at the Homesick Restaurant (Anne Tyler) 145 End of the Road, The (John Barth) 111
diPrima, Diane 88 Enemies, A Love Story (Isaac Bashevis Singer) 1075
Direction of Poetry (Robert Richman, ed.) 98 Equiano, Olaudah 15, 47

168
ÍNDICE
Erdrich, Louise 93, 94-95, 119, 129, 149 For Whom the Bell Tolls (Ernest Hemingway) 73
Estate, The (Isaac Bashevis Singer) 107 Foster, Hanna 27
Ethan Frome (Edith Wharton) 55 Four Quartets (T.S. Eliot) 66
Eugenides, Jeffrey 143 Fourteen Sisters of Emilio Montez O’Brien, The
“Eutaw Springs” (Phillip Freneau) 22 (Oscar Hijuelos) 156
Eva Luna (Isabel Allende) 155 Franklin, Benjamin 17,  18-20,  24,  35
“Evangeline” (Henry Wadsworth Longfellow) 35 Franny and Zooey (J.D. Sallinger) 109
“Evening Thought, An” (Jupiter Hammon) 15 Franzen, Jonathan 149
Everett, Percival 148 Frazier, Charles 147
Everything that Rises Must Converge Freeing the Soul (Haryette Mullen) 148
(Flannery O’Connor) 105 Freeman, Mary Wilkins 52
Executioner’s Song, The (Norman Mailer) 112 Freneau, Philip 22-23,27, 35, 132
Explanation of America, An (Robert Pinsky) 135 Frenzy (Percival Everett) 148
Friedan, Betty 92, 109
Fable for Critics, A (James Russell Lowell) 35 From Here to Eternity (James Jones) 99
Face of an Angel (Denise Chavez) 152 From the Terrace (John O’Hara) 104
“Facing It” (Yusef Komunyakaa) 136 Frost, Robert 31, 66, 67, 132
Facts, The (Phlip Roth) 113 Fuller, Margaret 29,  35,  36,  45
Falconer (John Cheever) 108
“Fall of the House of Usher, The” (Edgar Allan Poe) 43 Gaddis, William 110
Fame (Arthur Miller) 101 Gaines, Ernest 114, 147
Family Dancing (David Leavitt) 141 Galatea 2.2 (Richard Powers) 140, 149
Family Moskat, The (Isaac Bashevis Singer) 107 Galbraith, John Kenneth 103
“Family Reunion” (Louise Erdrich) 95 Gallagher, Tess 127
Farewell to Arms, A (Ernest Hemingway) 73 Gangster of Love, The (JessicaHagedorn) 158
Farming of the Bones, The (Edwidge Danticat) 156 Gardens in the Dunes (Leslie Marmon Silko) 152
Faulkner, William 10,  50,  51, 63, 64,  71,  74,  113, 114, 150, 159 Gardner, John 114, 116, 140
Fault Lines (Meena Alexander) 157 Garland, Hamlin 57
Federalist Papers, The 21 Garrison, William Lloyd 23, 48
Feminine Mystique, The (Betty Friedan) 92, 109 Gass, william 110, 140
Fences (August Wilson) 122 Geha, Joseph 158
Ferlinghetti, Lawrence 81, 88, 89 “George the Third’s Soliloquy” (Philip Freneau) 23
Ferré, Rosario 156 “Gerontion” (T.S. Eliot) 66
“Fever” (John Rdgar Wideman) 145 Gesture Life, A (Chang-rae Lee) 158
“Few Don’t’s of an Imagiste, A” (Ezra Pound) 65 Ghosts (Paul Auster) 144
Fielding, Helen 139 Ghost Writer, The (Phlip Roth) 113
Figured Wheel, The (Robert Pinsky) 135 Gilead (Marilynne Robinson) 154
Firebird (Mark Doty) 130 Gilbert, Sandra 92
Fire Next Time, The (James Baldwin) 104 Gilchrist, Ellen 147
Firmat, Gustavo Pérez 156 Giles Goat-Boy (John Barth) 110, 111
“Fish R Us” (Mark Doty) 130 Gilman, Charlotte Perkins 53
Fitzgerald, F. Scott 56, 62, 63, 71-72, 73, 74, 80, 146, 148 Ginsberg, Allen 81, 84, 88,  89, 90, 109, 120, 159
Fixer, The (Bernard Malamud) 106 Gioia, Dana 98
Flanagan, Caitlin 139 Giovanni, Nikki 92, 93
Flappers and Philosophers (F. Scott Fitzgerald) 72 Girl with Curious Hair (David Foster Walllace) 143
Floating Opera, The (John Barth) 111 Gizzi, Peter 137
“Flowering Judas” (Katherine Anne Porter) 101 Gladwell, Malcolm 138
Flowering Judas (Katherine Anne Porter) 102 Glasgow, Ellen 60
F.O.B. (David Henry Hwang) 118 Glass Menagerie, The (Tennessee Williams) 101
Fools Crow (James Welch) 119 Glengarry Glen Ross (David Mamet) 121
Ford, Richard 141, 147, 150 Glück, Louise 91, 126-127, 129
For the Union Dead (Robert Lowell) 84 Glyph (Percival Everett) 148
42nd Parallel, The (John dos Passos) 75 “Gold Bug, The” (Edgar Alan Poe) 44

169
ÍNDICE
Golden, Arthur 138 Heartsong of Charging Elk, The (James Welch) 151
Golden Apples, The (Eudora Welty) 102 Heart Songs (Annie Proulx) 143
Golden Bowl, The (Henry James) 54 Heidi Chronicles, The (Wendy Wasserstein) 142
Golden Boy (Cllifford Odets) 80 Hejinian, Lyn 97, 124
Gonzales, Rodolfo 94 Heller, Joseph 99,  105
Goodbye, Columbus (Philip Roth) 103, 112 Hellman, Lillian 101
“Good Country People” (Flannery O’Connor) 105 Hemingway, Ernest 50, 62, 63, 71,  72-73, 74,  112, 140, 148, 150
Good Man is Hard to Find, A (Flannery O’Connor) 105 Hempel, Amy 141
Good Mother, The (Sue Miller) 143 Henderson the Rain King (Saul Bellow) 105
Good Scent From a Strange Mountain, A Henley, Beth 142
(Robert Olen Butler) 149 “Her Kind” (Anne Sexton) 85
Gordon, Caroline 114 Herzog (Saul Bellow) 105
Gordon, Mary 143, 145 Hidden Persuaders, The (Vance Packard) 103
Go Tell It on the Mountain (James Baldwin) 104 Hiding Place (John Edgar Wideman) 145
Graham, Jorie 91, 125, 127, 137 Hijuelos, Oscar 118, 156
Grandissimes, The (George Washington Cable) 52 Hirsch, Ed 134
Grapes of Wrath, The (John Steinbeck) 63, 74,  76 Hirshfield, Jane 131-132
Gravity’s Rainbow (Thomas Pynchon) 99,  111 Historia de la Nueva México (Gaspar Pérez de Villagrá) 93
Great American Novel, The (Philip Roth) 112 History and Present State of Virginia, The (Robert Beverley) 15
Great Gatsby, The (F. Scott Fitzgerald) 56,  59, 72,  80 History of My Heart (Robert Pinsky) 135
Great God Brown, The (Eugene O’Neill) 80 History of New York (Washington Irving) 25
Great Santini, The (Pat Conroy) 147 History of the Condition of Women in Various Ages and Nations
Grendel (John Gardner) 116 (Lydia Child) 45
Griever (Gerald Vizenor) 149 History of the Dividing Line (William Byrd) 14
Grimké, Angelina 45 History of the Indians (Bartolomé de las Casas) 6
Grimké, Sarah 45 History of the Standard Oil Company (Ida M. Tarbell) 57
Grisham, John 138 History of Woman Suffrage (Elizabeth Cady Stanton) 45
Gubar, Susan 92 Hobomok (Lydia Child) 45
Guterson, David 154 Hogan, Linda 151
Guy Domville (Henry James) 54 Holder of the World, The (Bharati Mukherjee) 157
Hollander, John 82
Habit of Being, The (Flannery O’Connor) 105 “Hollow Men, The” (T.S. Eliot) 66
Hagedorn, Jessica 158 Holmes, Oliver Wendell 34,  35
Halliday, Mark 133 “Holy the Firm” (Anni Dillard) 155
Hamlet, The (William Faulkner) 74 Home of the End of the World, A (Michael Cunningham) 149
Hammett, Dashiell 44, 101 Home Repairs (Trey Ellis) 145
Hammon, Jupiter 15 Hooks, Bell (bell hooks) 148
Hand to Mouth (Paul Auster) 140 Hooper, Johnson 51
Hannah, Barry 147 Horseman Pass By (Larry McMurtry) 151
Hansberry, Lorraine 103 Hosseini, Khaled 138
Hariot, Thomas 7 Hours, The (Michael Cunningham) 149
Harjo, Joy 130 Housebreaker of Shady Hill, The (John Cheever) 107
Harlot’s Ghost (Norman Mailer) 112 Housekeeping (Marilynne Robinson) 154
Harmonium (Wallace Stevens) 67 House Made of Dawn (N. Scott Momaday) 119, 152
Harper, Michael 93,  95, 96, 134, 136 House of Mirth, The (Edith Wharton) 55
Harris, George Washington 51 House of the Seven Gables, The (Nathaniel Hawthorne) 39
Harrison, Jim 149 House of the Spirits, The (Isabel Allende) 157
Harte, Bret 52,  53 House on Mango Street, The (Sandra Cisneros) 151
Haruf, Kent 149 House on Marshland, The (Louise Glück) 126
Hass, Robert 127 Howard, Richard 82
Hawthorne, Nathaniel 10, 16, 24,  29,  38,  39-40, 52, 157 Howe, Susan 125
Hazard of New Fortunes (William Dean Howells) 53 Howells, William Dean 53, 57
H.D. (Hilda Doolittle) 65, 92 Howl (Allen Ginsberg) 81, 84,  90

170
ÍNDICE
“How Serfdom Saved the Women’s Movement” Jacobs, Harriet 47, 48
(Caitlin Flanagan) 139 James, Henry 53-54, 55,  64
How the Garcia Girls Lost Their Accents (Julia Alvarez) 156 Janowitz, Tama 115, 144
Hughes, Langston 70-71 Jarman, Mark 127
Hugo, Richard 84,  86, 135 Jarrell, Randall 82
Human Stain, The (Philip Roth) 113 Jasmine (Bharati Mukherjee) 157
Humboldt’s Gift (Saul Bellow) 105 Jauss, David 98
“Hummingbird Pauses at the Trumphet Vine” (Mary Oliver) 133 Jazz (Toni Morrison) 117
Hundred Brothers, The (Donald Antrim) 143 Jazz Poetry Anthology, The (Yusef Komunyakaa, ed.) 136
Hundred Secret Senses, The (Amy Tan) 153 Jeffers, Robinson 69-70
Hunger of Memory (Richard Rodriguez) 154 Jefferson, Thomas 20, 21, 23, 25
Hurlyburly (David Rabe) 122 Jen, Gish 153
Hurston, Zora Neale 78,  105, 117, 148 Jewett, Sarah Orne 52
Hutchinson, Anne 27 “Jewish Cemetery at Newport, The”
Hwang, David Henry 118 (Henry Wadsworth Longfellow) 35
“Jilting of Granny Weatherall, The”
I Am Joaquin (Rodolfo Gonzalez) 94 (Katherine Anne Porter) 102
Iceman Cometh, The (Eugene O’Neill) 80 Jin, Ha 158
Ice-Shirt, The (William Vollmann) 153 Joe Turner’s Come and Gone (August Wilson) 122
“Ichabod” (John Greenleaf Whittier) 36 “Johnny Appleseed” (Vachel Lindsay) 59
“Idea of Order at Key West, The” (Wallace Stevens) 68 Johnson, Charles 149
Ideas of Order (Wallace Stevens) 67 Johnson, James Weldon 61,  71
Idiots First (Bernard Malamud) 106 Jones, James 99
I Know Why the Caged Bird Sings (Maya Angelou) 95, 118 Jones, LeRoi (see Baraka, Amiri)
“Improvised Poetics” (Allen Ginsberg) 88 Journal (John Winthorp) 11
Inada, Lawson 93 Journal (John Woolman) 13
“In a Station of the Metro” (Ezra Pound) 65 Journal (Sarah Kemble Knight) 11
Incident at Vichy (Arthur MIller) 100 Joy Luck Club, The (Amy Tan) 118, 153
Incidents in the Life of a Slave Girl (Harriet Jacobs) 47 JR (William Gaddis) 110
In Cold Blood (Truman Capote) 109, 138 Jubilee (Margaret Walker) 148
“In Cold Storm Light” (Leslie Mamon Silko) 94 “Jug of Rum, The” (Philip Freneau) 23
In Country (Bobbie Ann Mason) 146 Jungle, The (Upton Sinclair) 57
Independence Day (Richard Ford) 147 Just, Ward 146
Indian Killer (Sherman Alexie) 155 “Just Off Main Street” (Elmaz Abinader) 158
Indian Lawyer, The (James Welch) 119
Infinite Jest (David Foster Wallace) 139 Kate Vaiden (Reynolds Price) 114
“in Just -” (Edward Estlin Cummings) 70 Kelly, Brigit Pegeen 126
Interesting Narrative of the Life of Olaudah Equano, or ­ Kenan, Randall 148
Gustavas Vassa, the African, The (Olaudah Equiano) 15 Kennedy, William 114, 143
Interpreter of Maladies (Jhumpa Lahiri) 157 Kerouac, Jack 50, 81, 89,  103, 109, 159
In the Boom Boom Room (David Rabe) 122 Kesey, Ken 110, 150
In the Heart of the Heart of the Country (William Gass) 110 Key Into the Languages of America, A (Roger Williams) 12
In the Loyal Mountains (Rick Bass) 151 Kincaid, Jamaica 118, 155, 156
In the Night Season (Richard Bausch) 145 King, Martin Luther, Jr. 32, 109, 149
Invisible Man (Ralph Ellison) 103, 104 King, Stephen 44,  143
“Irises” (Li-Young Lee) 129 Kingsolver, Barbara 152
Iron Heel, The (Jack London) 57 Kingston, Maxine Hong 96, 97,  115, 118, 153
Ironweed (William Kennedy) 114  143 “Kitchenette Building” (Gwendolyn Brooks) 83
Irving, John 114 Kitchen God’s Wife, The (Amy Tan) 118
Irving, Washington 16,  17, 23,  24-25, 26, 35 Kite Runner, The (Khaled Hosseini) 138
I Sailed With Magellan (Stuart Dybek) 149 Kizer, Carolyn 92
Knight, Sarah Kemble 11, 27
Koch, Kenneth 90

171
ÍNDICE
Komunyakaa, Yusef 127, 135-136 Locked Room, The (Paul Auster) 144
Krik? Krak! (Edwidge Danticat) 156 Lolita (Vladimir Nabokov) 107
Kumin, Maxine 92, 132 London, Jack 49,  55,  56, 57, 153
Kushner, Tony 141 Lonely Crowd, The (David Riesman) 103
Kyger, Joanne 88 Lone Ranger and Tonto Firstfight in Heaven, The
(Sherman Alexie) 155
La Casa de los Espíritus (Isabel Allende) 157 Lonesome Dove (Larry McMurtry) 151
Lahiri, Jhumpa 157 Long and Happy Life, A (Reynolds Price) 114
Land of Unlikeness (Robert Lowell) 83 Long Day’s Journey Into Night (Eugene O’Neill) 80
“Language” Poetries: An Anthology (Douglas Messerli, ed.) 97 Longfellow, Henry Wadworth 34-35
Last of the Menu Girls, The (Denise Chavez) 152 Longstreet, Augustus 51
Last Picture Show, The (Larry McMurtry) 151 Look Homeward, Angel (Thomas Wolfe) 113
Last Voyage of Somebody the Sailor, The (John Barth) 112 Loon Lake (E.L. Doctorow) 115
Latin Deli, The (Judith Ortiz Cofer) 156 Lorde, Audre 92,  96, 145
Lauterbach, Ann 124 Lord Weary’s Castle (Robert Lowell) 83
Leaf and the Cloud, The (Mary Oliver) 133 Lost in the Funhouse (John Barth) 111
Leaning Tower, The (Katherine Anne Porter) 102 Lovecraft, H.P. 44
Leather-Stocking Tales (James Fenimore Cooper) 26, 38 Love Medicine (Thomas McGuane) 119
Leave It to Me (Bharati Mukherjee) 157 “Love Song of J. Alfred Prufrock, The” (T.S. Eliot) 66
Leaves of Grass (Walt Whitman) 32, 33, 69 Lowell, Amy 65
Leaving Cheyenne (Larry MCMurtry) 151 Lowell, James Russell 34,  35,  52
Leavitt, David 141 Lowell, Robert 82,  83-84,  85, 88, 92, 123, 124, 160
Lee, Chang-rae 157, 158 “Luck of Roaring Camp, The” (Bret Harte) 52
Lee, Li-Young 129-130 Lucky Spot, The (Beth Henley) 142
“Legend of Sleepy Hollow, The” (Washington Irving) 24 Lucy (Jamaica Kincaid) 156
Legends of the Fall (Jim Harrison) 150 “Luke Havergal” (Edwin Arlington Robinson) 59
Leithauser; Brad 98
Less Than Zero (Bret Easton Ellis) 115 MacDonald, John D. 44
“Letter from a Region of My Mind” (James Baldwin) 104 Macdonald, Ross 44
Letters (John Barth) 111 Machine Dreams (Jayne Anne Phillips) 146
Letters from an American Farmer Madwoman in the Attic, The
(Hector St. John de Crèvecoeur) 20 (Sandra Gilbert andsusan Gubbar) 92
Let the Dead Bury Their Dead (Randall Kenan) 148 Maggie: A Girl of the Streets (Stephen Crane) 49,  56
Levertov, Denise 88, 92 Magic Barrel, The (Bernard Malamud) 106
Levine, Lawrence 118 Magnalia Christi Americana (Cotton Mather) 12
Levine, Philip 84,  86-87, 135 Mailer, Norman 99, 109, 111, 112, 115, 118, 161
Lewis, Meriwether 23 Main Street (Sinclair Lewis) 75
Lewis, Sinclair 62, 71,  74,  75,  76, 77, 148 Main-Travelled Roads (Hamlin Garland) 57, 58
Libra (Don DeLillo) 144 Malamud, Bernard 103, 106, 118
Lie Down in Darkness (William Styron) 115 Maltese Falcon, The (Hammett, Dashiell) 101
Life on the Mississippi (Mark Twain) 51 Mambo Kings Play Songs of Love, The (Oscar Hijuelos) 118
Life Studies (Robert Lowell) 84 Mamet, David 121-122
“Ligeia” (Edgar Allan Poe) 43 “Management of Grief, The” (Bharati Mukherjee) 157
Light in August (William Faulkner) 74 ManifestA (Jennifer Baumgardner and Amy Richards) 139
Lim, Shirley Geok-lin 129, 158 Man in the Gray Flannel Suit, The (Sloan Wilson) 103
Lindsay, Vachel 58-59 Man Made of Words, The (N. Scott Momaday) 152
Literature of Their Own, A (Elaine Showalter) 92 Manor, The (Isaac Bashevis Singer) 107
Little Foxes, The (Lillian Hellman) 101 Mansion, The (William Faulkner) 74
Little Green Men (Christopher Buckley) 146 Ma Rainey’s Black Bottom (August Wilson) 122
“Little Rabbit Dead in the Grass, A” (Mark Doty) 130 Marble Faun, The (Nathaniel Hawthorne) 40
Live or Die (Anne Sexton) 85 “Marriage” (Gregory Corso) 89
Lives of the Heart, The (Jane Hirshfield) 132 Marrow of Tradition, The (Charles Waddell Chesnutt) 61
Living, The (Annie Dillard) 155 Marshall, Paule 155

172
ÍNDICE
Martin Eden (Jack London) 49, 56, 59 Momaday, N. Scott 116, 147, 149
Mason, Bobbie Ann 138, 146 Mommy Myth, The (Susan Douglas and Meredith Michaels) 139
Mason & Dixon (Thomas Pynchon) 111 Mona in the Promised Land (Gish Jen) 153
Masters, Edgar Lee 58, 59 Month of Sundays, A (John Updike) 108
Mather, Cotton 11, 12 Moody, Rick 143
Mating (Norman Rush) 153 Moon Lake (Eudora Welty) 102
M. Butterfly (David Henry Hwang) 118 Moore, Lorrie 141
McCarthy, Cormac 147 Moore, Marianne 70,  87
McCarthy, Mary 143 Mora, Pat 151
McCorkle, Jill 147 Morales, Aurora Levins 156
McCourt, Frank 140, 143 Mori, Toshio 153
McDermott, Alice 143,145 Morrison, Toni 48,  78  116-117, 118
McGuane, Thomas 150 Morse, Jedediah 23
McInerney, Jay 112, 144 Mosquito Coast, The (Paulo Theroux) 114
McKay, Claude 71 Mourning Becomes Electra (Eugene O’Neill) 80
McMurtry, Larry 150, 151 Moviegoer, The (Walker Percy) 114
McPherson, James Alan 148 Mr. Ives’ Christmas (Oscar Hijuelos) 156
McPherson, Sandra 130 Mr. Sammler’s Planet (Saul Bellow) 105
Meadowlands (Louise Glück) 127 Mr. Spaceman (Robert Olen Butler) 149
Medea (Robinson Jeffers) 70 Mukherjee, Bharati 156-157
Mehta, Ved 140 “Mule Heart” (Jane Hirshfield) 131
Melville, Herman 10, 16, 24, 25, 26, 29, 34, 38, 39, 40-42, 43, 51 Mules and Men (Zora Neale Hurston) 78
Memoirs of a Geisha (Arthur Golden) 138 Mullen, Harryette 148
Mencken, H.L. 23 Mumbo Jumbo (Ishmael Reed) 147
Merrill, James 82 Murray, Judith Sargent 27
Merwin, W.S. 91, 124 Muse & Drudge (Harryette Mullen) 148
Messerli, Douglas 97 Museums and Women (John Updike) 108
Metrical History of Christianity (Edward Taylor) 10 Music School, The (John Updike) 108
Mexico City Blues (Jack Kerouac) 109 My Alexandria (Mark Doty) 130
M’Fingal (John Ttumbull) 22 My Antonia (Willa Cather) 60
Miami and the Siege of Chicago (Norman Mailer) 112 My Kinsman, Major Molineux (Nathaniel Hawthorne) 40
Michaels, Meredith 139 My Life (Lyn Hejinian) 124
Mickelson’s Ghosts (John Gardner) 116 My Life As a Man (Philip Roth) 112
Middleman and Other Stories, The (Bharati Mukherjee) 157 “My Lost Youth” (Henry Wadsworth Longfellow) 35
Middle Passage (Charles Johnson) 149 Mysteries of Pittsburgh, The (Michael Chabon) 146
Middlesex (Jeffrey Eugenides) 143 Misteries of Winterhurn (Joyce Carol Oates) 116
“Midnight Consultation, A” (Philip Freneau) 23 Myths and Texts (Gary Snyder) 84
Millay, Edna St. Vincent 92
Miller, Arthur 99,  100-101, 103, 118, 122 Nabokov, Vladimir 107, 110
Miller, sue 143 Nafisi, Azar 138
Millett, Kate 92, 112 Naked and the Dead, The (Norman Mailer) 99
Mills, C. Wright 103 Naked Lunch, The (William Burroughs) 89
Mills of the Kavanaughs, The (Robert Lowell) 83 Namesake, The (Jhumpa Lahiri) 157
Minh-Ha, Trinh 158 Narrative of Arthur Gordon Pym (Edgar Allan Poe) 38
Minister’s Black Veil, The (Nathaniel Hawthorne) 40 Narrative of Sojourner Truth (Olive Gilbert, ed.) 45
“Miniver Cheevy” (Edwin Arlington Robinson) 59 Narrative of the Life of Frederick Douglass, An American Slave
Mirikitani, Janice 93, 96 (Frederick Douglass) 48
Miss Firecracker Contest, The (Beth Henley) 142 Native Son (Richard Wright) 77 155
Mistress of Spices, The (Chitra Banerjee Divakaruni) 157 Native Speaker (Chang-rae Lee) 157
Moby-Dick; or The Whale (Herman Melville) 8, 36, 37, 38-40, 146 Natural, The (Bernard Malamud) 106
Modern Chivalry (Hugh Henry Brackenridge) 20 Nature (Ralph Waldo Emerson) 30
Modern Instance, A (William Dean Howells) 51 Naylor, Gloria 145
Mohr, Nicholasa 153 Necromance (Rae Armantrout) 124

173
ÍNDICE
Negative Blue (Charles Wright) 127 O’Neill, Eugene 71, 79-80
“Negro Speaks of Rivers, The” (Langston Hughes) 71 On Moral Fiction (John Gardner) 116
“Neighbour Rosicky” (Willa Cather) 60 On the Road (Kack Kerouac) 50, 103, 109
Neon Vernacular (Yusef Komunyakaa) 136 “Open Boat, The” (Stephen Crane) 56
Nepantla: Essays From the Land in the Middle Opening of the American Mind, The (Lawrence Levine) 118
(Sandra Cisneros) 151 O Pioneers! (Willa Cather) 60
New American Poetry, The (Donald Allen) 88 Oppenheimer, Joel 88
New and Selected Poems (Mary Oliver) 132 Optimist’s Daughter, The (Eudora Welty) 102
“New Black Aesthetic, The” (Trey Ellis) 145 Organization Man, The (William Whyte) 103
New Criticism, The (John Crowe Ransom) 79 Ormond (Charles Brockden Brown) 24
New Life, A (Bernard Malamud) 106 Orphan, The (David Rabe) 121
“New Poem, The” (Charles Wright) 91 Ortiz, Simon 93, 94, 127
Next Year in Cuba (Gustavo Pérez Firmat) 155 Orwell, George 57
Nickel Mountain (John Gardner) 116 Our Nig (Harriet Wilson) 47-48
Nine Gates: Entering the Mind of Poetry (Jane Hirshfield) 131 Our Town (Thornton Wilder) 80
Nine Stories (J.D. Sallinger) 109 “Outcasts of Poker Flat, The” (Bret Harte) 52
1984 (George Orwell) 57 “Out of the Cradle Endlessly Rocking” (Walt Whitma 33
1919 (John Dos Passos) 75 Outre-Mer (Henry Wadsworth Longfellow) 35
Nobody Knows My Name (James Baldwin) 104 Oxherding Tale (Charles Johnson) 149
Noon Wine (Katherine Anne Porter) 102 Ozick, Cynthia 144
Norris, Frank 55, 57
Norton Anthology of Literature by Women, The ­ Packard, Vance 103
(Sandra Gilbert and Susan Gubar) 92 Packer, ZZ 147
Notebook, 1967-68 (Robert Lowell) 84 Paine, Thomas 21
Pale Fire (Vladimir Nabokov) 107
O Albany! (William Kennedy) 143 Pale Horse, Pale Rider (Katherine Anne Porter) 102
Oates, Joyce Carol 99,116, 142 Paley, Grace 144
“O Black and Unknown Bards” (James Weldon Johnson) 61 Palmer, Michael 97
O’Connor, Flannery 102, 104-105,  117 Papers on Art and Literature (Margaret Fulller) 36
October Light (John Gardner) 114, 116 Parable of the Sower (Octavia Butler) 148
Octopus, The (Frank Norris) 57 Paradise (Toni Morrison) 117
Odets, Clifford 74,  80 Park City (Ann Beattie) 140
Of Mice and Men (John Steinbeck) 76 Parks, Suzan-Lori 142
“Of Mr. Booker T. Washington and Others” (W.E.B. Du Bois) 61 Parts of a World (Wallace Stevens) 67
Of Plymouth Plantation (William Bradford) 8 Paterson (William Carlos Williams) 69, 77
O’Hara, Frank 90, 120,134 Patrimony: A True Story (Philip Roth) 113
O’Hara, John 103-104 Pearl of Orr’s Island, The (Harriet Beecher Stowe) 52
“Old Ironsides” (Oliver Wendell Holmes) 35 Pentimento (Lillian Hellman) 101
Old Man and the Sea, The (Ernest Hemingway) 73, 74 Percy, Walker 114
Old Money (Wendy Wasserstein) 142 Perelman, Bob 97
Old Neighborhood, The (David Mamet) 121 Pérez Family, The (Christine Bell) 155
Olds, Sharon 128 Perfect Recall (Ann Beattie) 140
Oleanna (David Mamet) 121 “Persimmons” (Li-Young Lee) 129
Oliver, Mary 132-133 “Peter Quince at the Clavier” (Wallace Stevens) 68
Olsen, Tillie 150 Phillips, Jayne Anne 146
Olson, Charles 88 Piano Lesson, The (August Wilson) 122
Omensetter’s Luck (William Gass) 110 Picture Bride (Cathy Song) 96
“On Being Brought from Africa to America” Pictures of Fidelman (Bernard Malamud) 106
(Phillis Wheatley) 27 Picturing Will (Ann Beattie) 145
On Being Female, Black and Free (Margaret Walker) 147 Pigs in Heaven (Barbara Kingsolver) 151
On Boxing (Joyce Carol Oates) 116 Pike, Zebulon 23
Once Upon a Time: A Floating Opera (John Barth) 111 Pilgrim at Tinker Creek (Annie Dillard) 154
One Flew Over the Cuckoo’s Nest (Ken Kesey) 110 “Pilot of Hatteras, The” (Philip Freneau) 23

174
ÍNDICE
Pinsky, Robert 134-135 Red Badge of Courage, The (Stephen Crane) 56
Pioneers, The (James Fenimore Cooper) 25 Redeemed Captive, The (John Williams) 11
Plainsong (Kent Haruf) 148 Red Tent, The (Anita Diamant) 143
Plath, Sylvia 84-85,  87, 92 “Red Wheelbarrow, The” (William Carlos Williams) 68
Platitudes (Trey Ellis) 145 Reed, Ishmael 96, 117, 147, 152
Playing in the Dark (Toni Morrison) 117 Region Not Home, A (James Alan McPherson) 147
Pnin (Vladimir Nabokov) 107 Rembrandt’s Hat (Bernard Malamud) 106
Poe, Edgar Allan 16, 24, 29,  34,  38, 42-44, 115 Reservation Blues (Sherman Alexie) 154
“Poet, The” (Ralph Waldo Emerson) 28, 33 Resurrection, The (John Gardner) 116
Poisonwood Bible, The (Barbara Kingsolver) 151 Rexroth, Kenneth 88, 89
“Political Litany, A” (Philip Freneau) 22 Rhys, Jean 155
Poor Richard’s Almanack (Benjamin Franklin) 18 Rice, Anne 138
“Poppies” (Mary Oliver) 133 Rich, Adrienne 83,  84,  87-88, 118
Porter, Katherine Anne 99,  101-102, 105 “Richard Cory” (Edwin Arlington Robinson) 59
Portnoy’s Complaint (Philip Roth) 112 Richards, Amy 139
Portrait of a Lady, The (Henry James) 54 Richman, Robert 98
Possessing the Secret Joy (Alice Walker) 118 Riesman, David 103
Pound, Ezra 62, 65,  68, 73, 83, 91, 92 Right Here, Right Now (Trey Ellis) 145
Power (Linda Hogan) 151 Right Stuff, The (Tom Wolfe) 110
Power Elite, The (C. Wright Mills) 103 Rios, Alberto 93, 94, 126
Powers, Richard 140, 149 “Rip Van Winkle” (Washington Irving) 24
“Premature Burial, The” (Edgar Allan Poe) 43 Rise of Silas Lapham, The (William Dean Howells) 53
Price, Reynolds 114 Rituals of Survival (Nicholasa Mohr) 156
Price, The (Arthur Miller) 100 “River of Bees, The” (W.S. Merwin) 124
Pricksongs & Descants (Robert Coover) 110 Road Home, The (Jim Harrison) 150
Princess Sasamassima, The (Henry James) 54 Road to Wellville, The (T. Coraghessan Boyle) 153
Problems (John Updike) 108 Roan Stallion (Robinson Jeffers) 70
Promise of Rest, The (Reynolds Price ) 114 Roberts, Nora 138
Proulx, Annie 143 Robinson, Edwin Arlington 31, 59
Public Burning, The (Robert Coover) 110, 114 Robinson, Marilynne 154
“Purloined Letter, The” (Edgar Allan Poe) 43 Rock Garden, The (Sam Shepard) 120
Puttermesser Papers, The (Cynthia Ozick) 144 Rock Springs (Richard Ford) 141
Pynchon, Thomas 99,  107,  110-111, 112, 115, 140, 143, 149, 153 Rodriguez, Luis 153
Rodriguez, Richard 153
Quasha, George 97 Roethke, Theodore 84,  86
Rogers, Pattiann 132
Rabbit, Run (John Updike) 108 Roger’s Version (John Updike) 108
Rabbit at Rest (John Updike) 108 “Roofwalker, The” (Adrienne Rich) 87
Rabbit Is Rich (John Updike) 108 Rose (Li-Young Lee) 129
Rabbit Redux (John Updike) 108 Roth, Philip 103, 112-113, 118
Rabbit Remembered (John Updike) 108 Rowlandson, Mary 11-12
Rabe, David 121-122 Rowson, Susanna 27
Radical Chic & Mau-Mauing the Flak Catchers (Tom Wolfe) 110 Rush, Norman 152
Ragtime (E.L. Doctorow) 114 Russo, Richard 142
Raise High the Roof-Beam, Carpenters (J.D. Sallinger) 109
Raisin in the Sun, A (Lorraine Hansberry) 103 S. (John Updike) 108
Ralph Waldo Emerson (Oliver Wendell Holmes) 35 Sabbatical: A Romance (John Barth) 111
Ransom, John Crowe 78,  79 82 Sacred Wood, The (T.S. Eliot) 66
Ravelstein (Saul Bellow) 105 Sailing Alone Around the Room (Billy Collins) 134
“Raven, The” (Edgar Allan Poe) 43 Salinas, Luis Omar 94
Reading Lolita in Teheran (Azar Nafisi) 138 Salinger, J.D. 103, 108-109
Reasons to Live (Amy Hempel) 141 Same Door, The (John Updike) 108
Reason Why, The (Arthur Miller) 101 Sandburg, Carl 58

175
ÍNDICE
Santos, Bienvenido 157 “Snows of Kilimanjaro, The” (Ernest Hemingway) 73
Scalapino, Leslie 124 Snyder, Gary 84, 88, 131
Scarlet Letter, The (Nathaniel Hawthorne) 10, 38, 39 “Some Considerations on the Keeping of Negroes”
Scent of Apples (Bienvenido Santos) 157 (John Woolman) 13
Schnackenberg, Gjertrud 92, 98, 134 Some People, Places, and Things That Will Not Appear in ­
Schwerner, Armand 97 My Next Novel (John Cheever) 107
Scoundrel Time (Lillian Hellman) 101 Something To Remember Me By (Saul Bellow) 105
Seascape (Edward Albee) 119 Song, Cathy 93, 96
Sea-Wolf, The (Jack London) 50, 56 “Song of Hiawatha, The” (Henry Wadsworth Longfellow) 35
Seize the Day (Saul Bellow) 103,  106 “Song of Myself” (Walt Whitman) 33
Self-Help (Lorrie Moore) 141 Song of Solomon (Toni Morrison) 117
Self-Portrait in a Convex Mirror (John Ashbery) 90 Son of the Wolf, The (Jack London) 56
“Self-Reliance” (Ralph Waldo Emerson) 30 “Soonest Mended” (John Ashberry) 124
Sent for You Yesterday (John Edgar Wideman) 145 Sophie’s Choice (William Styron) 115
“Seven Dreams: A Book of North American Landscapes” (Wil­ Soto, Gary 93, 94
liam Vollmann) 153 Sot-Weed Factor, The (John Barth) 111
Seven Guitars (August Wilson) 122 Souls of Black Folk, The (W.E.B. Du Bois) 61
Sewall, Samuel 11 Sound and the Fury, The (William Faulkner) 64,  74
Sex and the City (Candace Bushnell) 139 Source (Mark Doty) 130
Sexton, Anne 84,  85,  92 Spahr, Juliana 137
Sexual Politics (Kate Millett) 92, 112 Speed-the-Plow (David Mamet) 121
Shame of the Cities, The (Lincoln Steffens) 57 Spelling Book (Noah Webster) 23
Shapard, Robert 141 Spicer, Jack 88
Shaw, Irwin 99 Spoon River Anthology (Edgar Lee Masters) 58
Shawl, The (Cynthia Ozick) 144 Sporting Club, The (Thomas McGuane) 150
Shepard, Sam 120-121 Sportswriter, The (Richard Ford) 147
“Shiloh”(Bobbie Ann Mason) 146 Spy, The (James Fenimore Cooper) 17
Shiloh and Other Stories (Bobbie Ann Mason) 141 Stanton, Elizabeth Cady 45
Ship of Fools (Katherine Anne Porter) 102 “Star Quilt” (Roberta Hill Whiteman) 94
Shipping News, The (Annie Proulx) 143 Status Seekers, The (Vance Packard) 103
“Short Happy Life of Francis Macomber, The” Steffens, Lincoln 57
(Ernest Hemingway) 73 Stegner, Wallace 149
Showalter, Elaine 92 Stein, Gertrude 62, 63, 64,  73,  77
Silent Dancing (Judith Ortiz Cofer) 156 Steinbeck, John 63, 69,  74,  75, 152
Silko, Leslie Marmon 93 94, 118, 132, 152 Stevens, Wallace 31,  67-68,  91
Simic, Charles 91, 133 Sticks and Bones (David Rabe) 121
Simpson, Mona 149 Still Life With Oysters and Lemon (Mark Doty) 130
Sinclair, Upton 55, 57, 75 Stolen Light, The (Ved Mehta) 140
Singer, Isaac Bashevis 103, 106-107, 118 Stone, Robert 150
“Sinners in the Hands of an Angry God” (Jonathan Edwards) 14 “Stopping By Woods on a Snowy Evening” (Robert Frost) 67
Sister of My Heart (Chitra Banerjee Divakaruni) 157 Story of My Life (Jay McInerney) 144
Sisters Rosensweig, The (Wendy Wasserstein) 142 Stowe, Harriet Beecher 44,  46-47,  52
Situation of Poetry, The (Robert Pinsky) 135 Strand, Mark 91, 133
Sketch Book of Geoffrye Crayon (Washington Irving) 24 Strange Interlude (Eugene O’Neill) 79, 80
Skin of Our Teeth, The (Thornton Wilder) 80 Streetcar Named Desire, A (Tennessee Williams) 101
Slaughterhouse-Five (Kurt Vonnegut, Jr.) 99 Strong Measures (Philip Dacey and David Jauss, eds.) 98
Slaves of New York (Tama Janowitz) 114 Strong Motion (Jonathan Franzen) 149
Slouching Towards Bethlehem (Joan Didion) 153 Styron, William 115
Smiley, Jane 148 Sudden Fiction (Robert Shapard and James Thomas, eds.) 141
Smith, Lee 146 Sula (Toni Morrison) 117
Smoke Signals (Sherman Alexie) 154 Summer (Edith Wharton) 55
“Snow Bound” (John Greenleaf Whittier) 36 Sun Also Rises, The (Ernest Hemingway) 63, 73
Snow Falling on Cedars (David Guterson) 154 “Sunday Morning” (Wallace Stevens) 68

176
ÍNDICE
Sunlight Dialogues, The (John Gardner) 116 Topdog/Underdog (Suzan-Lori Parks) 142
Suttree (Cormac McCarthy) 147 Tortilla Flat (John Steinbeck) 76
Swarm (Jorie Graham) 126 “To S.M., a Young African Painter, on Seeing His Works”
Swenson, May 92 (Phillis Wheatley) 27
Sze, Arthur 131 Total Syntax (Barret Watten) 97
“To the Engraver of My Skin” (Mark Doty) 130
Tabloid Dreams (Robert Olen Butler) 149 Toughest Indian in the World, The (Sherman Alexie) 154
Takaki, Ronald 118 Tower Beyond Tragedy, The (Robinson Jeffers) 70
Tales of the Grotesque and Arabesque (Edgar Allan Poe) 44 Town, The (William Faulkner) 74
Tales of the Jazz Age (F. Scott Fitzgerald) 72 Transatlantic Sketches (Henry James) 53-54
Tamar (Robinson Jeffers) 70 Triumph of Achilles, The (Louise Glück) 126
Tan, Amy 118, 152 Tropic of Orange (Karen Tei Yamashita) 153
Tar Baby (Toni Morrison) 117 Trout Fishing in America (Richard Brautigan) 110
Tarbell, Ida M. 57 True and Historical Narrative of the Colony of Georgia, A 15
Tate, Allen 78,  82, 113 True West (Sam Shepard) 120, 121
Taylor, Edward 9-10 Trumbull, John 22
“Teeth Mother Naked at Last, The” (Robert Bly) 91 Truth, Sojourner 45-46
Tell My Horse (Zora Neale Hurston) 78 “Tuskegee Airmen, The” (Trey Ellis) 145
Tenants, The (Bernard Malamud) 106 Twain, Mark (Samuel Clemens) 25,  29,  35,  50-51,  53, 78
Tender Buttons (Gertrude Stein) 64 Twenty-Seventh City, The (Jonathan Franzen) 149
Tender is the Night (F. Scott Fitzgerald) 72 Two Cities (John Edgar Wideman) 145
Ten North Frederick (John O’Hara) 104 Two Dreams (Shirley Geok-lin Lim) 157
Tenth Muse Lately Sprung Up in America, The Two Trains Running (August Wilson) 122
(Anne Bradstreet) 9 Tyler, Anne 144-145
Their Eyes Were Watching God (Zora Neale Hurston) 79, 147 Tyler, Royall 22
Theroux, Paul 114 Typee (Herman Melville) 38,  40, 42
Thin Man, The (Dashiell Hammett) 101 Typical American (Gish Jen) 153
Third Life of Grange Copeland, The (Alice Walker) 118
Third World Women (Janice Mirikitani) 96 Uncle Tom’s Cabin (Harriet Beecher Stowe) 44, 46-47, 79
“Thirteen Ways of Looking at a Blackbird” (Wallace Stevens) 68 Uncle Tom’s Children (Richard Wright) 77
This Side of Paradise (F. Scott Fitzgerald) 63,72 Underworld (Don DeLillo) 144
Thomas, James 141 Unfinished Woman, An (Lillian Hellman) 101
Thomas and Beulah (Rita Dove) 95, 126 United States (Laurie Anderson) 97
Thoreau, Henry David 13, 16,  28,  29,  31-32,  34,  37,  52, 132, 154 Unknown Errors of Our Lives, The
Thorpe, Thomas Bangs 51 (Chitra Banerjee Divakaruni) 157
Those the River Keeps (David Rabe) 122 Updike, John 103,  108, 113, 141, 143
Thousand Acres, A (Jane Smiley) 148, 149 Up From Slavery (Booker T. Washington) 60
Three Soldiers (John Dos Passos) 62 U.S.A. (John Dos Passos) 75, 114
Three Tall Women (Edward Albee) 119
Through and Through (Joseph Geha) 158 V (Thomas Pynchon) 110-111
Through the Arc of the Rain Forest (Karen Tei Yamashita) 153 Van Duyn, Mona 92
“Throwing Salt on a Path” (Arthur Sze) 131 Van Vechten, Carl 76
“Tide Rises, The Tide Falls, The”­ Van Wagener, Isabella (see Truth, Sojorner)
(Henry Wadsworth Longfellow) 35 Vassa, Gustavus (see Equiano, Olaudah)
Tidewater Morning, A (William Styron) 115 “Vegetable Air, The” (Cathy Song) 96
Tidewater Tales, The (John Barth) 111 Victim, The (Saul Bellow) 105
Timebends: A Life (Arthur Miller) 101 Villagrá, Gaspar Pérez de 93
Time to Greez (Janice Mirikitani, ed.) 96 Vineland (Thomas Pynchon) 111
Tiny Alice (Edward Albee) 119 Violent Bear It Away, The (Flannery O’Connor) 105
To Bedlam and Part Way Back (Anne Sexton) 85 Viramontes, Helena Maria 153
“To My Dear and Loving Husband” (Anne Bradstreet) 9 Virginia (Ellen Glasgow) 60
Too Far To Go (John Updike) 108 “Virtue of Tobacco, The” (Philip Freneau) 23
Toomer, Jean 76-77 Visitation of Spirits, A (Randall Kenan) 148

177
ÍNDICE
Vizenor, Gerald 149, 152 White Pine (Mary Oliver) 132
Voight, Ellen Bryant 135 Whitman, Walt 16, 32-33, 35, 50, 58, 124, 130
Vollmann, William 140, 153 Whittier, John Greenleaf 35-36, 52
Vonnegut Jr., Kurt 99 Who’s Afraid of Virginia Woolf? (Edward Albee) 119
“Voyages” (Hart Crane) 70 “Why I Work at the P. O.” (Eudora Welty) 102
Whyte, William 103
Waiting (Ha Jin) 155 Wideman, John Edgar 118, 145
Waiting for Lefty (Cllifford Odets) 78 Wide Net, The (Eudora Welty) 102
Wake of Janey Foster, The (Beth Henley) 142 Wide Sargasso Sea (Jean Rhys) 155
Walden, or, Life in the Woods (Henry David Thoreau) 31, 32, 40 Wieland (Charles Brockden Brown) 24
Walker, Alice 78, 99, 114, 117-118, 152 Wife of His Youth, The (Charles Waddell Chesnutt) 61
Walker, Margaret 147 Wogglesworth, Michael 10
Walking on Water (Randall Kenan) 148 Wilbur, Richard 82,  83
Wallace, David Foster 139, 143, 149 Wilder, Thornton 80
Want Bone, The (Robert Pinsky) 135 “Wild Honey Suckle, The” (Philip Freneau) 23
Wapshot Scandal, The (John Cheever) 108 Wild Iris, The ( Louise Glück) 127
“Warning, The” (Robert Creeley) 88 Wildlife (Richard Ford) 150
Warren, Mercy Otis 27 Wild Seed (Octavia Butler) 148
Warren, Robert Penn 78,  82,  83,  99,  100, 101, 102, 114 Williams, John 11
Washington, Booker T. 60-61 Williams, Jonathan 88
Wasserstein, Wendy 142 Williams, Roger 12
Waste Land, The (T.S. Eliot) 63,  66 Williams, Sherley Anne 148
Watch on the Rhine (Lillian Hellman) 101 Williams, Tennessee 99,  101
Waterworks, The (E. L. Doctorow) 115 Williams, William Carlos 64, 65, 68-69, 84, 92
Watkins, Gloria (see Hooks, Bell) Will You Please Be Quiet, Please? (Raymond Carver) 140
Watten, Barret 97 Wilson, August 118, 122
Way Some People Live, The (John Cheever) 107 Wilson, Harriet 47
Way to Rainy Mountain, The (N. Scott Momaday) 118 Wilson, Sloan 103
“Way to Wealth, The” (Benjamin Franklin) 18 Winesburg, Ohio (Sherwood Anderson) 57-78
Webster, Noah 17,  23 Wings of the Dove, The (Henry James) 54
Welch, James 119, 132, 151 Winter in the Blood (James Welch) 119
Welch, Lew 88 Winthrop, John 12
Welty, Eudora 99, 102, 105 Wise Blood (Flannery O’Connor) 105
West, Nathanael 105, 153 Wolf: A False Memoir (Jim Harrison) 150
Whalen, Phil 88 Wolfe, Thomas 109, 113
Wharton, Edith 54-55 Wolfe, Tom 115
“What Thou Lovest Well, Remains American” Woman, Native, Other (Trinh Minh-Ha) 158
(Richard Hugo) 86 Woman Hollering Creek and Other Stories
What We Talk About When We Talk About Love (Sandra Cisneros) 151
(Raymond Carver) 140 Woman in the Nineteenth Century (Margaret Fuller) 36
Wheatley, Phillis 26, 27 Woman’s Bible, The (Elizabeth Cady Stanton) 45
When Dinah Shore Ruled the Earth (Wendy Wasserstein) 142 Woman Warrior, The (Maxine Hong Kingston) 118
“When Lilacs Last in the Dooryard Bloom’d” Women in Praise of the Sacred (Jane Hirshfield, ed.) 131
(Walt Whitman) 33 Women in Their Beds (Gina Berriault) 153
Where I’m Calling From (Raymond Carver) 140 Women of Brewster Place, The (Gloria Naylor) 145
Where I Was From (Joan Didion) 153 “Women of Dan Dance with Swords in Their Hands to Mark the
Where the Bluebird Sings to the Lemonade Springs Time When They Were Warriors, The” (Audre Lorde) 96
(Wallace Stegner) 149-150 Woolman, John 13
Where the Sea Used To Be (Rick Bass) 150 Words for the Wind (Theodore Roethke) 86
White Collar, The (C. Wright Mills) 103 World According to Garp, The (John Irving) 114
”White Heron, The” (Sarah Orne Jewett) 52 World of Apples, The (John Cheever) 107
Whiteman, Roberta Hill 94 “World Without Objects Is a Sensible Emptiness, A”
White Noise (Don DeLillo) 139, 143 (Richard Wilbur) 82

178
ÍNDICE
Wouk, Herman 99 “Yellow Wallpaper, The” (Charlotte Perkins Gilman) 53
Wright, C.D. 127 ¡Yo! (Julia Alvarez) 156
Wright, Charles 91, 127-128 You Bright and Risen Angels: A Cartoon (Willaim Vollmann) 153
Wright, James 133 Youngest Doll (Rosario Ferré) 156
Wright, Richard 48, 74, 77, 155 “Young Goodman Brown” (Nathaniel Hawthorne) 38, 40
Writing From the New Coast: Technique “Young Housewife, The” (William Carlos Williams) 69
(Juliana Spahr and Peter Gizzi, eds.) 137 Young Lions, The (Irwin Shaw) 99
Writing Life, The (Annie Dillard) 140 Your Blues Ain’t Like Mine (Bebe Moore Campbell) 145

Yamamoto, Hisaye 153 Zami: A New Spelling of My Name (Andre Lorde) 145
Yamashita, Karen Tei 153 Zuckerman Bound (Philip Roth) 113

179
DEPARTAMENTO DE ESTADOS DOS EUA/
ESCRITÓRIO DE PROGRAMAS DE INFORMAÇÕES INTERNACIONAIS
http://www.america.gov

REVISED
EDITION
(book spine)
PERFIL DA LITERATURA AMERICANA

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