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P C N N A E S C O L A
DIÁRIOS
PROJETOS DE TRABALHO
N. 3/1998
Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso
SUMÁRIO
Ministro da Educação e do Desporto
Paulo Renato Souza
Secretário de Educação a Distância DIÁRIOS
Pedro Paulo Poppovic
Eliane Mingues e Cláudia Rosenberg Aratangy
Secretária de Educação Fundamental
Iara Glória Areias Prado
O diário de cada um 7
A organização do projeto 63
O DIÁRIO DE CADA UM
Cada uma de seu jeito atividade teria sido mais adequada? (Nathane: Foi muito
difícil, prô!)
Dirce escreveu resumidamente:
7:30 Cheguei à escola e me encontrei com os alunos no Ana não escreveu.
pátio.
Leonice escreveu abordando apenas aspectos
8:00 Fizemos a entrada e encaminhei a correção da lição
afetivos, com pouca reflexão sobre sua própria ação:
de casa.
Hoje fez frio e muitas crianças vieram sem casaco. Coitadi-
8:30 Atividade de Matemática. nhos... Sentamos para conversar sobre o fim de semana e
9:15 Lanche e recreio. eles contaram o que haviam feito. Todos participaram com
muita animação da conversa.
9:45 Leitura silenciosa.
Depois, pedi que desenhassem o que mais gostam de
10:00 Ensaio da quadrilha. fazer na festa junina. Eles adoraram esse tema e fizeram
lindos desenhos. Depois do recreio contei uma história e
11:00 Cópia da Lição de Casa.
Fábio não parou quieto um minuto e tive que ficar muito
11:15 Arrumação da classe. brava com ele...
Luísa escreveu colocando alguns questionamentos, Fiz um ditado com palavras de festa junina, prestaram
mas ainda de modo muito confuso, pois não conseguiu muita atenção e fizeram uma letra caprichada. Pamela não
deixar claro quais eram suas propostas: quis escrever e começou a chorar, ela sempre faz isso.
No final do dia, copiaram os problemas de matemática
Roda de conversa = combinar atividades do dia. Mãe do da lição de casa (incluí o nome de alguns alunos nos proble-
Nathane pediu a receita do bolo de fubá que fizemos ontem mas e foi uma festa!).
= o colar de bandeirinhas que será utilizado no dia de nos-
sa festa junina. Por que resolvemos usar o colar? Quais se-
Ao sentir na própria pele a complexidade do ato de
rão as brincadeiras?
escrever, o professor pode trabalhar melhor a escrita
Na lousa = escrita de todas as atividades que serão desen- com seus alunos.
volvidas no dia ~ numeramos de 1 a 7 = cada bandeirinha
tem uma figura que corresponde a uma brincadeira. (Rapi-
Ivone escreveu, mas não quis mostrar.
dinho eles sacaram).
= cada criança usou a régua, mediu barbante e cortou para Izabel foi quem fez um diário mais reflexivo, pois já
montar o seu colar. tinha o hábito de escrever:
que, portanto, não iriam ter dificuldades em entender os A hora dos comentários
problemas; uma vez que eu queria fazer um pouco de sub-
tração, achei que a volta da trilha seria um bom modo de Não foi fácil socializar os escritos e comentá-los,
trabalhar. mas foi um bom começo. Discutimos as vantagens
Todos viraram as mesas para a frente, escreveram nome e os objetivos desse tipo de escrita. Alguns profes-
e data. Fiz um desenho de uma trilha na lousa, eles sabiam sores se mostraram resistentes à idéia, disseram
bem o que era e então lhes disse: Uma pessoa está jogan- que era ‘chato’, que não se sentiam à vontade para
do trilha e ela tira 6, depois 5 e depois 6. Em que casa ela escrev er, pois achavam que não seria útil, não
vai parar? serviria para nada.
Alguns foram fazendo de cabeça, outros com os dedos, Disse-lhes que faz parte do processo de escrita
outros desenhando pauzinhos e alguns poucos desenharam começar com um diário bastante descritivo mas que,
a trilha. Continuei, dizendo que havia tirado 6 + 4 + 4, e aos poucos, conforme fossem praticando e se fami-
continuaram a seguir pelo mesmo raciocínio. liarizando com esse instrumento, a tendência era que
Disse-lhes então que eu os aconselhava a desenhar a colocassem as idéias por trás das ações e não ape-
trilha, pois agora iria complicar um pouco. Levei um susto, nas as ações.
pois Erik começou a chorar dizendo que não estava conse- Ressaltei que o fundamental era que a escrita
guindo fazer. Não me assustei com ele, mas comigo mes- deixasse transparecer seus pensamentos, suas dúvi-
ma, que estava na frente dele e sem perceber a ansiedade das, suas questões e idéias, não que fosse um relato
em que ele estava. frio, objetivo e preciso dos fatos. “Quanto mais quen-
Ajudei-o a desenhar uma trilha, fui acalmando-o e fa- te, melhor!” Ou seja, quanto mais se deixassem levar
zendo junto com ele. Logo ele estava tão numa boa que pela própria escrita, mais rico o diário se tornaria.
quando acabou de fazer, disse todo sorridente: e qual é pra Sugeri também que poderiam ilustrar o diário
fazer agora? com produções das crianças, com enunciados das
Continuando, depois desse entrevero, expliquei que a lições, fotos, recortes enfim, tudo que dissesse respeito
pessoa (do jogo) era muito azarada e tinha caído numa casa à vida da classe.
que tinha de voltar 10 para trás. Alguns fizeram de cabeça; Dando continuidade a minhas estratégias de se-
para minha surpresa, João a partir daí desenhou a trilha e dução quanto à importância e à necessidade de re-
foi indo para trás, muitos fizeram isso e perderam tempo gistrar a prática pedagógica, trouxe para o grupo vá-
desenhando a trilha. Outros fizeram com pauzinhos, outros, rios livros escritos na forma de diário, para que pu-
como a Marília, com a ajuda dos dedos, contando de trás dessem apreciar o gênero e, quem sabe, aprender com
para a frente. tão competentes escritores... O livro que fez mais su-
Depois pedi mais 8 para trás e utilizaram a mesma cesso foi As janelas do Paratii, de Amyr Klink. Além
estratégia. Acho que foi uma boa atividade, pois permi- das ilustrações maravilhosas, o texto é realmente
tiu que cada um resolvesse à sua maneira. Na próxima muito bonito.
vez, vou propor uma trilha de 5 em 5. Será que vai ser Propus ainda a leitura e a organização de um
muito difícil? seminário de dois textos teóricos sobre o assunto e,
14 Programa 2 15
A
que o diário é um bom ponto de partida. Mas, va- professora Izabel, da 1 a série, decidiu preparar
um pequeno texto para enviar aos pais de seus
mos devagar com o andor, que o santo é de barro!
alunos antes da pr imeira reunião do ano. Ela
Esta viagem apenas começou... Mas avalio que
pensou que, se os pais soubessem de antemão que o
grandes mudanças estão por vir pois, como recém-
assunto seria alfabetização, poderiam se interessar e
escritores, meus professores começam a navegar por
se preparar para a discussão.
mares nunca dantes navegados...
No relatór io, ela procurou falar das atividades
mais significativas e contar o que as crianças estavam
BIBLIOGRAFIA aprendendo. Considerando que muitos pais têm pouca
familiaridade com esse tipo de leitura, optou por es-
COLL, C. Aprendizagem escolar e construção do conhe-
crever um texto curto, claro, em linguagem acessível,
cimento. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994.
e o enviou uma semana antes da reunião.
——. Psicologia e currículo. São Paulo, Ática, 1996.
COLOMBO, Cristóvão. Diário da descoberta da Améri-
ca: as quatro viagens e o testamento. Porto Alegre,
RELATÓRIO DAS ATIVIDADES
L&PM, 1991.
DE ALFABETIZAÇÃO - MARÇO/97
FIFILIPPOVIC, Z. O diário de Zlata. São Paulo, Cia. das
Letras, 1994. Aos pais dos alunos da 1a série
KLINK, Amyr. As janelas do Paratii. São Paulo, Cia. das Quero contar para vocês algo a respeito do trabalho
Letras, 1993.
que estamos realizando com Língua Portuguesa, para que
saibam um pouco o que seus filhos estão aprendendo.
Os nomes próprios são uma importante fonte de in-
formações e conhecê-los é de grande valia no início da
1a série; por isso, organizo várias atividades a partir
daí. Cada dia um aluno é responsável pela chamada,
pela distribuição das pastas e dos materiais e pela es-
crita dos nomes, nas situações em que isso é necessá-
rio. Todos, sem exceção, estão craques na escrita de seu
16 Programa 2 Relatório e reunião de pais 17
poucos esse nenê, que vai se tornando uma criança, vai se entram em contato no dia-a-dia, falam de coisas de ver-
apropriando da fala, vai compreendendo cada vez melhor e dade, têm função e sentido.
se fazendo compreender cada vez melhor, pois quer se co- É por isso que, como escrevi para vocês no relató-
municar, quer entender o que lhe é comunicado. rio, fazemos diariamente a escrita e leitura de vários tex-
tos: listas de histórias, legendas de fotos, poesias, con-
O processo de alfabetização tos, músicas, embalagens e rótulos etc. Lendo todos os
Em relação à alfabetização o processo é muito semelhan- dias textos bem escritos, de verdade, e que servem para
te: não precisamos organizar a língua em pedaços frag- resolver coisas, para comunicar ou simplesmente para
mentados para simplificá-la e torná-la acessível aos alu- nos divertir e emocionar, será que não vão aprender
nos (já imaginou uma mãe que só falasse o som A para muito mais e melhor? De verdade, é isso que esperamos,
seu filho, deixando para conversar quando ele fosse ca- ao tirar a cartilha de circulação. Acreditamos que assim
paz de emitir cada som separadamente?). formaremos leitores e escritores que necessitem e te-
Mesmo antes de ingressar na escola, as crianças vêem nham desejo de ler e escrever cotidianamente e que sai-
os textos escritos nas placas, nos cartazes, na TV, nos li- bam como fazê-lo. Vocês, sinceramente, acreditam que
vros, nas revistas, nas embalagens, nos folhetos, em muitos a cartilha daria conta desse nosso grande objetivo?
lugares! E vêem as pessoas escrevendo bilhetes, cartas e
listas, anotando informações, lendo jornais, seguindo as ins- Escrever bem e escrever certo
truções de um manual, procurando na lista telefônica, len- Eles não escrevem tudo certo ainda porque são recém-
do receitas e mais um sem-número de situações. Tudo isso escritores e recém-leitores, precisam de tempo para
as faz pensar, ter idéias e suposições sobre a escrita, suas conhecer a Língua Portuguesa. Não é uma questão de
funções, seu significado, seu uso e seu funcionamento. treino e memorização, mas de entender o que estão fa-
As crianças têm idéias bem peculiares a respeito da escri- zendo. Além disso, não podemos nos esquecer que esse
ta; Lucas, por exemplo, acha que formiguinha se escreve com aprendizado vai acontecer durante toda a escolaridade.
menos letras do que boi, é porque ela é pequenininha e o boi Não precisam aprender tudo no primeiro ano!
é grande; Marina acha que precisa apenas de três letras para Eu estou, sim, corrigindo as palavras escritas incor-
escrever cavalo: A A O, uma para cada sílaba; para Anderson, retamente mas não todas ao mesmo tempo. Quanto
gato escreve-se HTO, pois a letra H já contém o ga. mais lerem, melhor aprenderão a forma correta das pa-
Estes exemplos dão uma pequena amostra de como as lavras. Mas eles têm tempo e, como já disse, não acon-
crianças estão o tempo todo pensando na forma de escrever tecerá tudo na 1a série.
as palavras e se alfabetizando. Nós, professores, precisamos Tenho também utilizado o dicionário, procurando fazer
levar em consideração o que elas pensam, para dar-lhes infor- os alunos reconhecerem palavras da mesma família (por
mações e fazer desafios, permitindo que aprendam sempre mais. exemplo: chuva, chuveiro, chuvoso etc., todas com ch) e se
acostumarem a pedir informação para alguém mais sabido.
E a cartilha? Queremos que, além de aprenderem a escrever certo, escre-
Atualmente, não usamos mais a cartilha porque seus tex- vam textos bons, que comuniquem e sirvam de fato para algo.
tos e sua estrutura não consideram tudo que as crianças
sabem, não levam em conta o modo de pensar das cri- Letra cursiva ou bastão?
anças. Além disso, os textos da cartilha são artificiais e Nesse início de processo de alfabetização, optamos por
muito diferentes dos textos que a criança vai encontrar adotar a letra bastão, que é mais usada fora da escola,
fora da escola. Os textos de verdade, com os quais elas em manchetes, etiquetas e anúncios. Isso ajuda muito,
20 Programa 2 Relatório e reunião de pais 21
pois os alunos a conhecem melhor, a vêem mais e têm São inúmeros os temas que podem ser abordados
mais informações que podem usar aqui na escola, nessa nos encontros com os pais, como por exemplo:
difícil construção que é aprender a ler e escrever. • Informar a respeito de algum projeto de estudo
Quanto mais puderem usar tudo que sabem, melhor,
planejado para o bimestre/semestre/ano, para
vocês não acham? Além disso, é um tipo de letra que não
que a família colabore.
confunde: é possível ver cada letra da palavra separada-
mente, com clareza. Nesse momento em que as crianças • Mostrar trabalhos feitos pelas crianças, com relato
estão tentando entender como o sistema alfabético fun- do professor a respeito de como foram realizados.
ciona, é fundamental que possam distinguir quantas e Por exemplo, uma campanha de coleta de lixo se-
quais letras estão vendo. letivo na escola organizada pela classe.
A caligrafia ficará para depois, quando já souberem • Convidar um especialista em saúde, ou em outra
ler e escrever; será uma passagem muito tranqüila e sig- área, e debater questões que afetem a comunidade.
nificativa. Aí, então, poderão se dedicar ao treino e ao
• Pedir aos pais para eles mesmos sugerirem te-
desenho das letras; sua atenção não estará mais voltada
mas que queiram discutir como, por exemplo,
para a letra que precisam usar, ou para como escrever.
Para aprender a ler e escrever não basta, conforme orientação sexual, violência, ou problemas com
se pensava, treinar a memória, a mão, os olhos e os ou- drogas.
vidos... Aprender a ler e escrever envolve pensar a res- • Discutir questões gerais de ensino e aprendizagem.
peito da leitura e da escrita, ter bons problemas para
resolver, tomar decisões, colocar em jogo as informações
A reunião de pais é um importante instrumento para
que se tem, ter boas perguntas. É um processo que não
que escola e pais possam compartilhar a tarefa de
começa quando as crianças entram na escola, mas muito
educar seus alunos/filhos. Não pode ser apenas um
antes. Tampouco acaba no fim do primeiro ciclo. Por isso,
acreditem: todos podem aprender, e essa crença pode espaço de queixas, reclamações e resolução de pro-
levá-los longe, muito longe!!! blemas de ordem prática, financeira e burocrática.
Para aprofundar as informações a respeito do tema Quando a comunidade escolar considera os pais in-
abordado pela professora Izabel, recomendamos que tegrantes de seu projeto pedagógico (e vice-versa)
você assista aos programas de Língua Portuguesa e todos podem sair ganhando muito com essa parce-
leia os respectivos textos. ria, principalmente os alunos.
N
unca tive muita familiaridade com Geometria. Meu objetivo com essa primeira atividade era in-
Na verdade, não sabia muito bem para que tra- vestigar o que os alunos sabiam, levá-los a observar
tar desse assunto. Além disso, meu parco co- como algumas formas geométricas se apresentam no
nhecimento da matéria me deixava pouco à vontade mundo, a estabelecer relações entre os sólidos, a co-
para me aventurar a dar aula. nhecer seus nomes e algumas de suas características.
A Geometria faz parte do currículo de Matemáti- Planejamos também fazê-los identificar um sóli-
ca, ou seja, mais cedo ou mais tarde eu teria de me do a partir de sua forma desmontada. Isso permitiria
defrontar com ela. Desde o início, eu pensava que não que colocassem outras capacidades em jogo –
queria dar ao trabalho um tom burocrático de pales- visualizar a partir de outro ponto de vista, prever, le-
tra, definições e memorizações. vantar hipóteses e testá-las.
Fui então em busca de informações: conversei
com a professora do ginásio, reli os PCNs de Mate-
Conteúdos planejados
mática. Percebi que mal sabia o nome de algumas
formas elementares. Tive de estudar. a) relações entre os sólidos e objetos conhecidos
Também me preocupei em compreender a impor- • esfera
tância da Geometria: Para que serve? Como se apre- • cilindro
senta no mundo? Para que aprendê-la? • cone
Uma das coisas que descobri é que a Geometria
b) relações entre forma e função
está no mundo. Tanto nas formas da natureza quanto
• latinha/cilindro
naquelas produzidas pelo homem, os elementos ge-
• casquinha de sorvete/cone
ométricos estão por toda a parte.
• bola/esfera
Fiquei sabendo também que a Geometria é um
c) comparações entre sólidos
trabalho que “contribui para a aprendizagem de nú-
• cilindro versus cone
meros e medidas, pois estimula a criança a observar,
• diferentes pirâmides
a perceber semelhanças e diferenças, a identificar re-
• cubo versus paralelepípedo
gularidades e vice-versa” (PCN). Além disso, auxilia a
compreender o espaço, amplia e sofistica a maneira d) nomenclatura
de vê-lo e representá-lo. • nome
24 Programa 3 As formas no mundo 25
pouco presa ao material. Depois da aula fiquei me par, ver e explicar o que se passa no espaço sensível.
perguntando se não existiria um caminho ainda mais Por outro, o trabalho com a representação dos obje-
significativo do que esse que trilhei. tos do espaço geométrico permite se desprender da
Será que eu não poderia ter feito o inverso? Ter tra- manipulação dos objetos reais e passar a raciocinar
zido objetos e fotos de coisas que tivessem as formas sobre representações mentais, o que constitui, enfim,
que trabalhei e pedido para criarem critérios e agrupa- a própria ação matemática.
rem as formas parecidas? Acho que sim… Os objetos reais são um simples pretexto de pen-
De qualquer jeito, outros tipos de atividade não samento matemático, na medida em que se aprende
estão descartados, pois pretendo dar continuidade a a identificá-los e diferenciar suas propriedades. Uma
esse trabalho de várias maneiras: problematizando as das possibilidades mais fascinantes do ensino de
formas que estudamos, desmontando outros sólidos, Geometria consiste em levar a criança a perceber e
pedindo para encontrarem outros. Pensei também que valorizar a presença da Geometria, tanto na natureza
podemos investigar as formas presentes na natureza, quanto nas criações do homem, com atividades nas
como das frutas ou flores, descobrir as relações entre quais ela possa explorar as formas — flores, elemen-
suas formas e funções, conhecer seus nomes. (Será tos marinhos, casa de abelha, teia de aranha, escultu-
que a forma da banana tem nome?) ras, pinturas, arquitetura, desenhos em tecidos, vasos,
Espero que, como eu, eles também passem a pres- papéis decorativos, mosaicos, pisos etc.
tar mais atenção à geometria do mundo e no mundo.
As atividades geométricas podem contribuir também
Espaço sensível para o desenvolvimento de procedimentos de estima-
tiva visual – comprimentos, ângulos e outras proprie-
e espaço geométrico
dades métricas das figuras, sem usar instrumentos de
O ensino de noções geométricas é um campo fértil desenho ou de medida.
para trabalhar com situações-problema, despertando
grande interesse nos alunos. São úteis os trabalhos com dobraduras, recortes,
O espaço que percebemos é o espaço que contém espelhos, empilhamentos, ou a modelagem de formas
objetos perceptíveis através dos sentidos – um espa- em argila ou em massa. Construir maquetes, descre-
ço sensível. O ponto, a reta e o quadrado não perten- ver o que nelas está sendo representado, é também
cem a esse espaço. Podem ser concebidos de manei- uma atividade muito importante, especialmente no
ra ideal, mas, rigorosamente, não fazem parte do es- sentido de dar ao professor uma visão do domínio
paço sensível. geométrico de seus alunos.
Pode-se então dizer que a Geometria parte do mun- Os trabalhos com dobraduras, quebra-cabeças,
do sensível e o estrutura no mundo geométrico – dos recortes e colagens, nos quais as crianças têm opor-
volumes, das superfícies das linhas, dos pontos. tunidade de compor e decompor figuras, de perceber
É o aspecto experimental que estabelece relações a simetria como característica de algumas figuras e
entre esses dois espaços, o sensível e o geométrico. não de outras, estão entre as diversas atividades geo-
Por um lado, a experimentação permite agir, anteci- métricas que podem ser exploradas.
28 Programa 4 Quem dança os males espanta 29
Fátima propôs que conversássemos no dia seguin- Esse enredo serviu de base para grande parte dos
te, no horário da merenda. contos de fadas clássicos, como A Bela e a Fera, Cinderela
e Branca de Neve, entre muitos outros. Sua estrutura tam-
Fátima: Como você escolheu aquele livro? bém é utilizada pela psicanálise, para explicar alguns pro-
Eu: Ah, fui até a biblioteca e peguei este, porque achei cessos da alma (Psiquê quer dizer alma, e psicologia
fácil. quer dizer conhecimento da alma).
A história é longa, tive de ler em oito capítulos.
Fátima: Você leu o livro antes? Cada vez que eu encerrava a leitura, sempre numa
Eu: Não. Só dei uma passada de olhos. parte emocionante, as crianças ficavam loucas da vida,
querendo que eu continuasse. Atualmente, elas têm
Fátima: Você gostou da história, achou interessante? curtido esse negócio de fazer suspense e degustar a
Eu:???? história vagarosamente. No momento em que eu lia,
todas me ouviam com a maior atenção, sem tirar os
Fátima: Será que toda aquela dispersão não foi olhos de mim, como se estivessem vendo a história
porque a história era desinteressante? acontecer ali dentro da sala. Pareciam estar como em
Fiquei matutando sobre o que ela me dissera. Eu um transe, uma viagem.
Li ainda: Matilda, Os contos do vampiro, As 1.001 noi-
achava que poderia ler qualquer história, que o im-
tes, Fábulas italianas, Contos de Shakespeare e Tristão e
portante era ler. Não importava muito o quê.
Isolda. Além dessas histórias, leio também os contos de
Levamos nossas reflexões para o grupo de profes-
fadas tradicionais e literatura infantil moderna. Não es-
sores, considerando que provavelmente esse assun-
colho as histórias pensando se são de adultos ou para
to interessaria a todos. crianças, mas porque gosto muito delas, porque são
Logo depois da leitura de nosso livro, Fátima pro- bonitas, bem escritas e, acima de tudo, emocionantes.
pôs que listássemos os livros que estávamos lendo A escolha dessas histórias é bem pessoal: são histó-
para as crianças, dizendo como tinham sido escolhi- rias que me comovem. Creio que as crianças comparti-
dos e se os alunos estavam apreciando. lham dessas emoções. Durante esses períodos de leitu-
A maioria de nós estava lendo o mesmo tipo de ra, parece que fortalecemos ainda mais nossos laços,
história (curta e fácil) e tendo os mesmos problemas como se algo por trás dessas histórias nos unisse. Será
(desinteresse). que estou sendo muito mística? Talvez.
No entanto, Izabel, uma das professoras, nos sur- Porém o que sei é da repercussão dessas histórias:
preendeu ao falar das leituras que vinha fazendo para os alunos exigem a leitura diária, vários deles recontam
sua turma. as mais longas e complicadas histórias para pais e ami-
gos, e a todo momento estão mencionando um ou outro
personagem.
As histórias que tenho lido não poderiam ser chamadas
de histórias para crianças. A primeira história que con-
tei a eles foi Amor e Psiquê, uma história clássica, mara- Esse depoimento nos deixou perplexos. Então, as
vilhosa. Trata-se da saga de Psiquê, que passa por um crianças poderiam sentir as mesmas emoções que nós,
sem-número de aventuras e provações para conquistar e durante a leitura? Podíamos escolher histórias sim-
reconquistar o amor de seu Amor. plesmente por gostar delas? Poderiam ser histórias
36 Programa 5 Quem conta um conto... conta outros 37
longas, em capítulos? Poderiam ter palavras difíceis, Clássicos Infantis. Consultoria de Nelly Novaes Coe-
que as crianças não soubessem o significado?
lho. Moderna.
A discussão pegou fogo. Foi um alvoroço. Fátima,
como sempre, deixou o debate transcorrer por algum Branca de Neve e outros contos de Grimm. Tradução de
tempo e, antes que a reunião terminasse, sintetizou Ana Maria Machado.
algumas das principais idéias e dúvidas que haviam Chapeuzinho Vermelho e outros contos de Grimm. Tradu-
surgido: ção de Ana Maria Machado.
Ao ler literatura, um universo novo se abre para nós: pas- Contos escolhidos. Grimm. Globo.
samos a viajar por mundos diferentes, conhecer pessoas
Contos de Perrault. Itatiaia.
(personagens) interessantes, vivemos aventuras através
do tempo e do espaço. Enfim, a leitura mobiliza emoções Contos de Andersen. Paz e Terra.
e sentimentos que talvez não experimentássemos de ou- Contos escolhidos. Andersen. Globo.
tra forma.
Na leitura para as crianças podemos levar tudo isso Reinações de Narizinho. Monteiro Lobato. Brasiliense.
em consideração. Fazer escolhas que não as subestimem, O Saci. Monteiro Lobato. Brasiliense.
que não empobreçam a língua, simplificando-a demais.
Seus trinta melhores contos. Machado de Assis. Nova
Outro cuidado importante é lembrar por que lemos. Não
lemos para preencher fichas ou responder perguntas (ima- Fronteira.
ginem se eu lhes tivesse pedido um resumo de cada ca- Fábulas italianas. Ítalo Calvino. Cia. das Letras.
pítulo de Cem Anos de Solidão!). Lemos para poder des-
O Minotauro. Adaptação de Orígenes Lessa. Ediouro.
frutar do prazer que as histórias nos oferecem.
Tristão e Isolda. Anônimo. Francisco Alves.
Eu, particularmente, me senti muito seduzida pela
idéia de me arriscar a ler novas histórias. Tenho cer-
teza de que Monteiro Lobato pode comunicar para as Modernos
crianças como ler é uma aventura deliciosa! Duendes e gnomos. Heloísa Prieto. Cia. das Letras.
Sugestões de leitura Fadas, magos e bruxas. Heloísa Prieto. Cia. das Letras.
O teatro de sombras de Ofélia. Michael Ende. Ática.
Para alunos e professores
O pequeno papa-sonhos. Michael Ende. Ática.
Contos de Grimm. Tradução de Tatiana Belinky. Como contar cr ocodilos. Mar garet Mayo. Cia. das
Letrinhas.
Contos de Grimm. Volumes 1 e 2. Tradução de Maria
Heloísa. A pedra arde. Eduardo Galeano. Loyola.
Sete contos russos. Recontados por Tatiana Belinky. Cia. O diário do lobo: a verdadeira história dos três
das Letrinhas. porquinhos. Jon Suiszka. Cia. das Letras.
38 Programa 5 Quem conta um conto... conta outros 39
A mulher que matou os peixes. Clarice Lispector. Contos de artimanhas e travessuras. Ática.
Siciliano. Contos de animais fantásticos. Ática.
O menino maluquinho. Ziraldo. Melhoramentos. João Pobre João. Luís Diaz. Formato.
Flicts. Ziraldo. Melhoramentos. Contos de assombração. Ática.
Rip Van Winkle. Washington Irving. Ática. Contos de lugares encantados. Ática.
A bolsa amarela. Lygia Bojunga Nunes. José Olympio.
Os colegas. Lygia Bojunga Nunes. José Olympio. Fábulas
A casa da madrinha. Lygia Bojunga Nunes. José Fábulas de La Fontaine. Itatiaia.
Olympio. Fábulas de Esopo. Cia. das Letras.
O gênio do crime. João Carlos Marinho. Moderna.
O livro da Berenice. João Carlos Marinho. Moderna. Poesias
Sangue fresco. João Carlos Marinho. Moderna. Comboio, saudades e caracóis. Fernando Pessoa. FTD.
O conde de Frutreson. João Carlos Marinho. Moderna. A arca de Noé. Vinícius de Moraes. Cia. das Letras.
Contos da Rua Brocá. Martins Fontes. Ou isto ou aquilo. Cecília Meireles. Nova Fronteira.
Matilda. Roald Dahl. Martins Fontes. Poemas malandrinhos. Almir Correa.
Raposas e fazendeiros. Roald Dahl. Martins Fontes. Berimbau e outros poemas. Manuel Bandeira.
Os Minpins. Roald Dahl. Martins Fontes. Antologia poética de Manuel Bandeira.
As bruxas. Roald Dahl. Martins Fontes. A poesia é uma pulga. Sylvia Orthof. Atual.
Série “O pequeno Nicolau”. Sempé. Martins Fontes. Di-versos hebraicos. Tradução de Tatiana B elinky.
Luas e luas. James Thurber. Ática. Scipione.
Série “O pequeno vampiro”. Angela Sommer. Martins Di-versos russos. Tradução de Tatiana Belinky. Scipione.
Fontes.
A vassoura encantada. Chris Van Allsburg. Ática. Para as crianças lerem sozinhas
A casa sonolenta. Audrey e Don Wood. Ática.
Populares O rei bigodeira e sua banheira. Audrey e Don Wood. Ática.
Askeladden e outras histórias. Organização de Francis A bruxa Salomé. Audrey e Don Wood. Ática.
H. Aubert. Edusp. Enquanto seu lobo não vem. Edmir Perroti e Cláudio
Contos populares para crianças da América Latina. Ática Martins. Paulinas.
Contos, mitos e lendas para crianças da América Latina. Vou te pegar! Jony Ross. Martins Fontes.
Ática. João preguiçoso. Jony Ross. Martins Fontes.
Contos de piratas, corsários e bandidos. Ática. Quero meu penico. Jony Ross. Martins Fontes.
40 Programa 6 41
Histórias em quadrinhos
o ano passado, a classe que me coube era ‘aque-
Calvin e Haroldo. Bill Watterson. Cedibra.
Turma da Mônica. Maurício de Souza. N la’ classe. Antes de mim, nenhum professor havia
permanecido durante mais de dois meses: uma
professora saiu de licença, a outra foi ser supervisora, a
outra se casou e mudou, enfim, os alunos passaram boa
parte do ano em adaptação. Infelizmente, o ensino ficou
BIBLIOGRAFIA relegado a segundo plano. Eu sabia disso e, confesso,
estava um pouco apreensivo.
ABRAMOVICH, Fanny (org.). Meu professor inesquecí-
vel. São Paulo, Gente, 1997.
Para conhecer a turma
——. Professor não duvida! Duvida? São Paulo, Gente,
1998. Nos primeiros dias, decidi propor uma atividade de Ma-
TEBEROSKY, A. & TOLCHINSKY, L. (org.). Além da al- temática na qual precisariam recorrer a seus conhecimen-
fabetização. São Paulo, Ática, 1996. tos para resolver um novo problema. Eu pretendia diag-
TEBEROSKY, A & CARDOSO, B. Reflexões sobre o ensi- nosticar como estavam se saindo em cálculo mental.
no da leitura e da escrita. Campinas, Unicamp, 1989. Coloquei na lousa algumas contas. Os valores numé-
ricos eram relativamente altos; no entanto, se as crian-
ças estabelecessem relações entre os números e olhas-
sem a conta em sua totalidade veriam que era possível
recorrer a estratégias de cálculo e/ou a estimativas. Pa-
receu-me que, com tais recursos, seria fácil chegarem ao
resultado (pelo menos era assim que eu pensava).
Escrevi as sentenças no quadro, sem armar a conta, para
evitar que resolvessem automaticamente, sem refletir.
100 - 98 =
Embora seja uma subtração, esta conta pode ser resol-
vida de modo eficiente recorrendo à adição; mas, para
42 Programa 6 Quando a gente tem de mudar o rumo 43
isso, os alunos precisam compreender a inter-relação • Deixei que conversassem entre si e socializas-
entre as duas operações. sem os caminhos encontrados.
90 - 10 = Por não estarem habituados com esse tipo de encami-
Se o aluno tiver uma boa compreensão do sistema nhamento, tiveram muito mais dificuldade do que eu
decimal, pode relacionar 90 - 10 com 9 - 1 e chegar imaginara. Com algumas exceções, os caminhos que
rapidamente ao resultado. acharam foram representar as quantidades com boli-
nhas ou pauzinhos e riscá-las, apagá-las, agrupá-las, ou
50 + 5 = usar os dedos que, no caso, eram insuficientes.
Aqui, o aluno pode se apoiar no conhecimento de que, ao
adicionar unidades a dezenas redondas, o resultado é a Resultados da proposta
dezena com a mesma unidade no final.
Resolvi discutir coletivamente a primeira conta. Ficaram
2 + 3 + 25 =
muito surpresos ao perceber que, embora fosse uma
Sabendo fazer decomposição dos números (principal- subtração, era válido o raciocínio aditivo – somar 2, em
mente do 10), é possível, por exemplo, somar o 5 (do 25) vez de subtrair 98. Uma aluna não conseguia acreditar
com o 5 resultante do 2 + 3, ou vice-versa. que aquele 2 que encontrara “partindo do 98 para che-
99 + 99 = gar ao 100” era o resultado certo, ainda mais com duas
parcelas tão altas (100 e 98).
Neste caso, uma estratégia simples consiste em so-
Pulei para a terceira conta (50 + 5 =); essa, quase
mar 100 + 100 e subtrair 2.
todos fizeram de cabeça, provavelmente utilizando as
1.000 - 100 = estratégias que descrevi acima. Mas um ou outro ape-
Aqui, a relação é semelhante à da segunda conta. lou para os dedos e alguns destes chegaram em 54!
Esse tipo de erro explicitou dois problemas:
7+2+3+5+3+8+6+9+1=
• na contagem, partiram do 50, e não do 51;
Embora sejam apenas unidades, contar nos dedos
não é o melhor caminho; agrupar os números de 10 • provavelmente não compreendiam um dos prin-
em 10 é um bom começo. cípios do sistema de numeração decimal: que o
primeiro 5 do 55 vale 50 e o segundo vale 5
Li as sentenças e expliquei que não poderiam armar a con-
mesmo.
ta: eu queria que resolvessem seguindo por outros cami-
nhos. Para eles, a situação era nova em muitos aspectos: Dei um tempo para que fizessem a quarta conta (2 +
3 + 25 =) e novamente pude constatar que não tinham
• Tirei o ‘chão’ deles, ao impedir que fizessem a
construído procedimentos básicos como, por exemplo,
conta armada. Em vez de aplicar uma fórmula,
conservar o 25, que é o número maior, e acrescentar
precisariam enxergar as relações entre os núme-
o 2 e o 3. Algumas crianças nem mesmo sabiam ler o
ros, para encontrar uma estratégia de resolução.
25. Houve uma discussão sobre trocar ou não o 25 de
• Pedi para tentarem uma solução própria, arris- lugar, sem saber se isso alteraria o resultado final.
cando e fazendo escolhas. Essas dificuldades indicam a falta de conhecimento das
44 Programa 6 Quando a gente tem de mudar o rumo 45
propriedades da adição. É bem provável que tenham falta- ro 10, que é uma estratégia básica para o cálculo, e opera-
do a esses alunos oportunidades de operar com os núme- riam com os múltiplos de dez, que também são básicos.
ros, de modo a construir idéias acerca da ordem das par- Em uma parte do problema poderiam usar os dedos mas,
celas ou da possibilidade de decomposição, por exemplo. nas demais etapas, teriam de operar mentalmente.
Esperei copiarem as contas; só para isso, alguns Aline explicou como uma autêntica professora,
levaram um tempão, e não achei isso bom. Sem dúvi- procurando fazer com que seus ‘alunos’ chegassem a
da, já que meu objetivo era levá-los a pensar, o tem- suas próprias conclusões. Perguntava, por exemplo:
po deveria ter sido usado só para isso; teria sido me- Que número, mais este aqui, dá 10? Precisei intervir al-
lhor entregar as contas já escritas em um papel. gumas vezes, pois todos falavam ao mesmo tempo,
A classe ficou agitada, barulhenta e ansiosa. Percebi querendo dizer a Aline quais números usar. Embora
que, embora a situação ajudasse a iluminar um pouco estivessem agitados, estavam conseguindo entender
suas idéias, eles não possuíam conhecimentos suficien- e operar com os números; era um problema com o
tes para levar a cabo aquela tarefa de maneira significati- qual podiam lidar.
va. Decidi mudar a atividade. Antes mesmo de termina- Percebi que estavam cansados e decidi continuar
rem (levariam séculos fazendo bolinhas e risquinhos), fui em outro dia.
direto para a última conta. Uma das coisas que constatei foi que, mesmo saben-
Tinha visto Aline tentar resolver aquela sentença ma- do fazer a conta armada, nem sempre eles estavam com-
temática somando combinações de 10 e ajudei um pou- preendendo como funciona o sistema numérico, ou quais
co, para que montasse a conta em forma de ‘árvore’, pois são as relações entre a adição e a subtração. Não acho que
poderia mostrar sua estratégia aos outros. tenham encontrado dificuldade diante dos números al-
tos. Na verdade, eles provavelmente haviam tido poucas
7 + 2 + 3 + 5 + 3 +8 + 6 + 9 + 1 = oportunidades de operar com os números, pensar sobre
eles e utilizar seus conhecimentos.
10 10 14 10 Sugestões
Hoje vamos fazer um ditado diferente. É um ditado Profa.: A próxima é Chapeuzinho Vermelho!!!
de procurar e pintar as palavras da lista que vou en- Crianças: É a dez! [Quase todos sabiam a numera-
tregar. ção da lista de cor.]
A professora entregou a cada aluno uma lista com Profa.: Agora vou ditar outra, atenção: O Rei Leão!
o nome de dez histórias conhecidas por todos (havia
na parede um quadro idêntico ao que ela entregou, Crianças: Um, esta é muito fácil...
mas no quadro os títulos estavam numerados de 1 a E assim prosseguiu o ditado. Os alunos usavam a
10). Todos conheciam bem o conteúdo da lista. A fi- memória que tinham da numeração da lista e iam pin-
cha entregue pela professora era assim: tando e circulando as palavras sem nenhum problema.
52 Programa 7 Variações sobre um mesmo tema 53
Enfim, a proposta não sugeria desafio, nenhum pois precisavam estabelecer outras relações para en-
bom problema a ser resolvido. As crianças não preci- contrar a história pedida, procurando indícios que não
savam pensar na escrita, mas apenas recordar o nú- eram os números dos títulos dos contos, como ocor-
mero da lista e marcar o título. Se a memória falhas- rera na primeira vez.
se, bastava apelar para o cartaz, bem à vista! Profa.: Quero que encontrem o nome da história: A
Todos estavam muito envolvidos, interessados nas Bela Adormecida.
canetinhas que iam escolher, nas cores que iam usar, nas
respostas dos que sabiam sem titubear o número da his- Enquanto todos trabalhavam, ela sentou com um gru-
tória ditada, e com a facilidade de acertar todo o ditado. po de quatro crianças que estava com dificuldade e
A professora circulava pela classe, sem ter muito começou a ajudar:
controle de quem grifava o quê, mas ela cumpria o Profa.: De todas estas histórias que estão aí, quais
ritual de dar uma ‘boa atividade’ para seus alunos... vocês já conhecem? [Aguardava as respostas e pe-
No final do dia, a diretora e a professora conver- dia para justificarem].
saram a respeito da atividade e refletiram: Mar iana: Eu conheço a Chapeuzinho Vermelho,
• Por que o cartaz continuou afixado na classe? porque já vi o livro muitas vezes.
• Por que os números não foram retirados da fren- Tiago: É, e começa com CH.
te dos títulos das histórias? Gabriel: Branca de Neve é esta, porque eu sei.
• O que os alunos precisaram pensar sobre a es- Mariana: Tem outra que eu conheço, Meus
crita, para decidir qual história marcar? Porquinhos. Porque não começa nem com O, nem
• Que relações entre os nomes das diferentes his- com A [referindo-se aos outros títulos que come-
tórias poderiam usar para tomar decisões, já que çavam sempre com as mesmas vogais], começa
não lêem convencionalmente? com M, do meu nome, né?.
• Quem poderia ajudar quem? Nem sempre o que começa com A, E, I, O, U é o mais fácil
do ponto de vista de quem tem de pensar na escrita...
1 a série A – 12 de maio Ana: A Bela e a Fera eu conheço, porque começa com
O clima também era de trabalho. Os grupos recebe- A e tem o B.
ram a lista das mesmas dez histórias lidas e já tão A professora pôs em ordem três nomes de histórias
conhecidas. Mas, desta vez, os títulos estavam recor- que têm no início as mesmas letras em comum:
tados em tiras e fora da ordem do cartaz, que fora
retirado da parece no dia anterior. A BEL A E A FER A
A professora foi ditando os títulos das histórias,
pedindo para cada criança pôr em ordem sua lista. A BRUXA SALOMÉ
Não havia numeração nos títulos e o cartaz não esta-
va disponível. A BELA ADORMECIDA
Os alunos trocavam muitas informações entre si,
54 Programa 7 Variações sobre um mesmo tema 55
Profa.: Estas também começam com A e têm o B. E assim por diante... Os alunos foram pensando,
Gabriel: Tem que terminar com A: A Bela e a Fera. estabelecendo relações, comparando nomes, enfim
Então, esta não pode. [Retirando A Bruxa Salomé]. resolvendo problemas.
A professora foi passando entre os grupos e fazendo
Profa.: Estas duas terminam com A, e agora? outras tantas perguntas. O importante não era só que
acertassem, mas que pudessem recorrer a todos os co-
A BEL A E A FER A nhecimentos que possuíam a respeito dos conteúdos
abordados e que pensassem, pensassem muito...
A BELA ADORMECIDA
Para concluir
Gabriel pensou, pensou... E comentou:
A lista dos contos lidos e preferidos pelos alunos pode
Gabriel: Tudo parece. Tem: a, b, e, l, a [mostrando A Bela servir de fonte de informações para a escrita convencio-
Adormecida e A Bela e a Fera]. Só que na segunda tem nal e de organizadora do trabalho feito com as histórias.
E e outro A. Eu acho que é a Bela E A Fera. Nessa classe, a professora lê diariamente, está
Profa.: Perfeito! Então, é só colar. Agora, onde está O preocupada com a qualidade dos textos literários e
Rei Leão? com o planejamento de situações de escrita em que
esta apareça dotada de significado.
Tiago: Onde tem uma cobrinha em cima que faz ão!!!
Qual a diferença entre a atividade realizada no dia
Profa.: Esta ‘cobrinha’ aí que você conhece é um 10 de abril e a de 12 de maio? Nos dois momentos, a
acento chamado til. professora se mostrou preocupada em ampliar signi-
Lucas: Achei! [Mostrando O Rei Leão]. É o único que ficativamente o repertório de contos das crianças.
tem ‘um tio’ em cima dele!!! Quais seriam os objetivos em um momento e no ou-
tro? Que procedimentos se destacaram em uma e na ou-
Profa. E este? [Aponta O Rei Bigodeira].
tra situação?
Lucas: Não sei... A observação da diretora e a discussão das questões
Profa.: Compare [ Vai assinalando a palavra ‘rei’, levantadas por ela contribuíram para que a professora
em O Rei Leão e O Rei Bigodeira]. revisse suas posturas, suas crenças e seus valores. Avaliar
a atividade e o trabalho das crianças permite que se re-
Lucas: Se o primeiro é O Rei Leão, então este outro
pense os encaminhamentos. Às vezes uma boa ativida-
que tem uma parte igual é O Rei Bigodeira.
de é desperdiçada porque o professor não consegue, so-
Profa.: Quem acha aí A casa sonolenta? zinho, distinguir aquilo que promove a aprendizagem
Gabriel: Confunde, porque tudo que sobrou come- daquilo que é meramente mecânico, tarefeiro.
ça com ‘a’, ou com ‘o’. [Mostra, mas logo associa].
Mas casa é com ‘ca’, da Carolina, não é? A reflexão, a análise e a transformação são compo-
nentes dos quais não podemos prescindir, pois defi-
Profa.: Exatamente! Ficou fácil, agora?
nem práticas pedagógicas de qualidade.
Gabriel: A casa sonolenta!!! Achei.
PROJETOS DE TRABALHO
58 Programa 1 Técnica de ensino ou postura pedagógica? 59
Palavra de professora
Lúcia, professora de 2a série, reflete sobre seu trabalho:
s estudos atuais feitos pelos educadores indicam
Esse tipo de situação descrita pela professora Lúcia é tudo. Os alunos, por sua vez, abandonam o papel pas-
vivida com freqüência por educadores e educadoras que sivo de quem recebe tudo pronto e passam a dar sua
buscam compreender e transformar sua prática, com o ob- contribuição efetiva. Em resumo, os projetos são de-
jetivo de atender melhor às necessidades de seus alunos. senvolvidos com os alunos, e não para os alunos.
Não se trata apenas de adotar propostas inovadoras:
• A autenticidade é uma característica fundamental de
precisamos entendê-las, perceber em que concepções se
um projeto.
baseiam, quais são seus referenciais teóricos e suas impli-
Cada processo é único, singular, pois é construído coleti-
cações práticas. Trata-se de fugir dos modismos e assumir
uma nova prática pedagógica, sabendo fazer escolhas, to- vamente por aquele grupo determinado. Nessa perspec-
tiva, um projeto não pode ser copiado, nem montado
mar decisões, propor inovações coerentes com nosso pro-
como se fosse uma unidade de livro didático. Mesmo que
jeto educativo e com nossas concepções de educação.
duas turmas da mesma série desenvolvam projetos so-
Para que possamos assumir os projetos de trabalho
bre o mesmo tema ou problema, com certeza cada um
como postura pedagógica, há alguns aspectos fundamentais:
será diferente: cada turma é única e vivencia seu próprio
• Um projeto envolve complexidade e resolução de
processo de aprendizagem. Portanto, não há como orga-
problemas, possibilitando a análise, a interpretação nizar fórmulas ou modelos para trabalhar com projetos,
e a crítica por parte dos alunos. nem fazer um planejamento fechado e definitivo.
A questão da problematização é fundamental no de-
senvolvimento dos projetos. Problematizar, aqui, não • Um projeto busca estabelecer conexões entre vários
significa fazer uma lista de perguntas do tipo ‘‘que pontos de vista, contemplando uma pluralidade de
queremos sobre o tema...?”. Problematizar corresponde dimensões.
a construir coletivamente uma questão que irá acom- Os caminhos do aprendizado não são únicos, nem ho-
panhar o grupo em todo seu percurso e servirá de re- mogêneos – há várias formas de chegar a um conheci-
ferência para debates, discussões e reflexões. mento e o projeto é uma proposta que garante a flexi-
• O envolvimento, a responsabilidade e a autoria dos bilidade e a diversidade da experiência educativa. Ao
alunos são fundamentais em um projeto. se ver diante de um problema significativo, instigados
a compreender esse problema, os alunos se defrontam
Os alunos são sujeitos ativos, participando de todos
com várias interpretações e com pontos de vista diver-
os momentos do processo – do planejamento à di-
sos acerca da mesma questão.
vulgação, passando pela pesquisa. O trabalho com
projetos deve atender ao interesse dos alunos, mas A partir dessa reflexão, podemos concluir que os projetos
demanda também envolvimento, responsabilidade não se reduzem à escolha de um tema para trabalhar em
e compromisso. Essa atitude desenvolve a coopera- todas as áreas, nem a uma lista de objetivos e etapas.
ção e a solidariedade entre alunos e professores. Eles refletem uma visão da educação escolar, na
Com freqüência, o professor pode não saber resol- qual a experiência vivida e a cultura sistematizada
ver muitos problemas colocados pelo grupo; assim, ele interagem, na medida em que os alunos vão estabe-
se coloca também no lugar de aprendiz, deixando de lecendo relações entre os conhecimentos construídos
ser a única fonte de informação, a pessoa que sabe em sua experiência escolar e na vida extra-escolar.
62 Programa 2 63
• Por que algumas crianças precisam trabalhar desde Que tal se fizéssemos uma pesquisa de campo para
cedo? saber como vivem as crianças de São Félix do
• Será que elas estudam? Araguaia?
• Está certo uma criança trabalhar e não estudar? Os alunos foram unânimes em aceitar o desafio.
• Como é a vida de uma criança que trabalha? O professor orientou os trabalhos, sugerindo que
• Como é sua família? Sua saúde? Sua casa? Elas entrevistassem outras crianças, na rua e em suas ca-
brincam? sas, para procurar algumas que trabalhassem.
No planejamento da pesquisa, decidiram que pro-
• Como se vestem?
curariam conhecer vários aspectos da vida dessas
Com o debate, todos se interessaram por fazer um estudo crianças: se trabalham; se estudam; como é sua ali-
mais aprofundado da vida das crianças trabalhadoras. Para mentação; como é sua família; onde moram; o que
ampliar e enriquecer a discussão, o professor Haroldo le- vestem; como é sua saúde.
vou dois livros que tratam da vida das crianças no mundo A turma se dividiu em grupos, para realizar o pro-
e no Brasil: Crianças como você (Unicef/Ática) e Serafina e jeto de pesquisa. Cada grupo ficou responsável por
as crianças que trabalham (Ática). dois ou três aspectos, que depois seriam socializados
com a classe. Delimitaram o campo da pesquisa, dis-
O estudo do tema tribuindo entre os grupos os bairros a visitar. Ficou
Os livros geraram muitas discussões. A turma se dividiu decidido que, além do registro escrito, fariam fotogra-
em grupos; cada grupo escolheu um texto a respeito de fias e usariam uma filmadora.
um país, para depois apresentar o que aprendesse aos Enquanto um grupo fazia o trabalho de pesquisa de
outros grupos. O livro Serafina e as crianças que trabalham campo, os outros ficavam na sala, elaborando novas
foi dividido em capítulos; cada grupo estudou a situação questões para perguntar aos entrevistados. Quando o
de uma criança trabalhadora de uma região do Brasil. grupo retornava da pesquisa, tratava de organizar os
Depois do estudo, os grupos apresentaram as his- dados, produzir um texto, revisá-lo e passá-lo a limpo.
tórias que haviam lido nos livros em forma de teatro, O professor Haroldo filmou as entrevistas, acom-
de teatro de bonecos e com cartazes. panhando o trabalho de campo com uma câmara de
Ao final da apresentação dos trabalhos dos gru- vídeo. Os alunos foram os repór teres desse vídeo
pos, ficou evidente a tomada de consciência de que artesanal, com roteiro discutido e organizado coleti-
nem todas as crianças têm condições de estudar e de vamente.
viver uma infância sadia. Muitos alunos citaram exem-
plos de crianças de sua cidade, São Félix do Araguaia, Um vídeo e um livro
que trabalham e por isso não estudam. Decidiram fazer um livro com o material coletado,
usando como referência os dois livros com os quais
Trabalho de campo haviam trabalhado no início.
O professor aproveitou a situação para propor a se- Estudaram a forma de diagramação usada nas
guinte questão: duas publicações, para decidir como iriam organizar
66 Programa 2 A organização do projeto 67
o texto nas páginas de seu livro. Optaram por uma O trabalho com projetos não se restringe ao estu-
organização mais próxima do livro Crianças como do de um tema: o ponto central é a resolução de pro-
você, colocando em cada página a foto da criança blemas. Os problemas, ou a temática, podem surgir
entrevistada e os dados a seu respeito. Cada grupo do professor, do grupo de alunos ou do próprio con-
organizou uma página. texto social. O importante é garantir que essa temática
O material produzido – vídeo e livro – foi divul- se transforme em uma questão para a turma, e isso
gado para a escola. Assim, os alunos puderam socia- depende basicamente do professor.
lizar com as outras turmas e com os pais tudo que Na experiência relatada, o professor Haroldo fez
haviam aprendido nessa pesquisa. Rhana, uma das a proposta, organizou o debate, apresentou material
alunas, comentou: e organizou o estudo. Seu papel foi fundamental para
Eu achei legal, porque aprendi que as pessoas têm o sucesso do trabalho. Mas sua intervenção não di-
vidas diferentes. Assim: umas têm casa de palha, ou- minuiu a participação dos alunos. Eles opinaram, to-
tras têm de tijolo; uns comem bem, outros comem maram decisões, planejaram o trabalho e influíram no
mal; uns comem peixe porque o pai vive na beira processo.
do rio. E educação, tem uns que estudam, outros não. O relato torna evidente que o fato de o profes-
Eu achei legal porque eu descobri tudo isso. sor ter feito a proposta não impediu que os alunos
Também por iniciativa da turma, foi organizada também se sentissem responsáveis pelo projeto.
uma campanha para levar de volta à escola as crian- Eles encontraram uma questão significativa para
ças trabalhadoras de São Félix. pesquisar, e toda a turma se envolveu na definição
O projeto se desenrolou desde o primeiro semes- dos objetivos, no planejamento das estratégias, no
tre de 1997 até parte do segundo semestre. Mas a cam- desenvolvimento da pesquisa e no processo de
panha e a mobilização dos alunos continuou, mesmo avaliação.
depois do término desse trabalho.
Momentos de trabalho
As lições da experiência Para a organização e o desenvolvimento de projetos,
Experiências como a do professor Haroldo com sua são fundamentais três momentos:
turma dão margem à reflexão acerca de vários aspec- Problematização. É o ponto de partida, o momento
tos da organização de projetos com os alunos. detonador do projeto, a partir do qual o grupo levan-
Em primeiro lugar: como um projeto surge den- ta questões significativas para investigar. Sem essas
tro da sala de aula? Trata-se de um assunto polêmico questões, não há como falar em projeto.
entre os educadores. Alguns acham que o tema deve É importante salientar que problematizar é mais
partir do interesse dos alunos, enquanto outros acre- do que fazer uma lista de perguntas sobre um tema.
ditam que o professor deve propô-lo. Essa polêmica É necessário que haja um fio condutor para o gru-
não leva em conta que a principal característica do po seguir. Aqui, mais uma vez, o papel do profes-
trabalho com projetos não é a origem do tema, mas sor é fundamental. Foi a intervenção do professor
sim o tratamento que se dá a ele. Haroldo – propondo o debate, levando os livros,
68 Programa 2 A organização do projeto 69
Sentindo-se desafiada pela proposta, a classe se or- Vocês não querem fazer uma nova maquete, que seja
ganizou em grupos e logo se empenhou no trabalho. uma miniatura real de nossa sala, para a exposição? O
O projeto caminhou bem, com o envolvimento de que seria preciso para construir uma maquete assim?
todos, durante cerca de quatro semanas. A partir dessa questão se desenvolveu uma conver-
Avaliação das maquetes sa muito rica. Os alunos constataram que seria preciso
medir tudo, olhar bem a posição de cada objeto e até
No dia da análise dos trabalhos, todos os grupos exibi-
contar os azulejos das paredes. Discutiram a necessida-
ram boas maquetes, mostrando que haviam respeitado a
de de reduzir as medidas, planejando como fariam isso
forma, a quantidade e a posição dos objetos. A professo-
– que instrumentos utilizar e como utilizá-los. Com a
ra ficou atenta a aspectos que os alunos não haviam ob-
situação já problematizada pelos alunos, Vera explicou:
servado e, a partir disso, foi fazendo perguntas acerca da
proporção dos objetos entre si e em relação às paredes, Para começar o novo projeto e construir uma maquete
bem como em relação aos ângulos e aos alinhamentos. do jeito que combinamos, vocês vão precisar apren-
Os alunos fizeram também sua avaliação e, depois, der alguns novos conteúdos. Vão estudar medidas de
a professora discutiu os resultados com a classe. comprimento e perímetro, aprender a escrever e a
operar com números decimais, saber o que são múlti-
Olhem agora para a porta. É mais alta ou mais baixa do
plos e submúltiplos, aprender a reduzir as medidas,
que o quadro? Ela vai até perto do teto? Vejam se está
entender uma escala e trabalhar com ela.
mais no meio ou no canto da parede. Agora, vamos fazer
uma votação: em qual maquete a porta ficou mais pare- Os alunos desenvolveram o trabalho, utilizando
cida com a da nossa sala? metro, trena e outros instrumentos de medir. Essa ativi-
dade encaminhou para a pesquisa da função de pedrei-
A professora prosseguiu a análise, levando os alu-
ros, arquitetos e construtores e para o estabelecimento
nos a observar a proporção e o alinhamento das ja-
de relações entre a construção da maquete e o conheci-
nelas, da mesa, do armário e das carteiras, em rela-
mento sociocultural já adquirido pelos alunos a respei-
ção às paredes e entre os próprios objetos. Sob cada
to do trabalho de construção e da função de medir.
aspecto, variava o grupo vencedor da votação, até a
O projeto se desenrolou durante dois meses, mas a
professora intervir:
aprendizagem dos conteúdos matemáticos correlacionados
Estou achando difícil saber qual destas maquetes se- não ficou por aí. O estudo da sistematização da escrita de
ria o retrato mais real de nossa sala. Vocês acham que números decimais, bem como a solução de situações-pro-
é possível construir maquetes que sejam realmente um blema para aprofundar a compreensão das operações com
‘retrato’ daquilo que queremos representar? decimais, prosseguiu até o final do ano.
As crianças acharam que seria possível. Algumas
já tinham visto uma maquete profissional; descreve- O trabalho com escala
ram detalhes para o grupo e combinaram a ida a um Um dos conhecimentos novos requerido pela realização
shopping da cidade, no final de semana, para obser- da maquete era saber o que é escala e como trabalhar
var uma maquete que estava em exibição. Na primei- com ela. A professora organizou uma série de ativida-
ra aula da semana seguinte Vera propôs: des para o estudo sistematizado desse conteúdo.
74 Programa 3 Aprendizagem de conteúdos acadêmicos 75
Vera levou para a sala de aula um atlas geográfi- mural etc. Trabalharam com entusiasmo, e a escala foi
co, gráficos e mapas de Belo Horizonte. Organizou a uma ferramenta importante para construir a maquete.
turma em grupos e distribuiu o material, para que Até os desenhos e textos que estavam no mural da
procurassem a palavra ‘Escala’ e tentassem descobrir sala foram reproduzidos com suas medidas reduzidas,
o que era. Em seguida, fizeram uma roda para discu- na proporção correta.
tir as conclusões de cada um. As crianças repararam
que a escala aparecia em todos os mapas, marcando As lições da experiência
o ‘tamanho do mapa’, ou ‘o tanto que havia encolhi-
do’. Logo concluíram que os mapas jamais poderiam No desenvolvimento de um projeto, a execução das ta-
ser de tamanho natural. refas e a busca de solução para as situações-problema
Conversaram bastante a respeito da função das es- põem em destaque aquilo que os alunos sabem e reve-
calas, do uso dela pelos geógrafos e de seu papel tanto lam o que eles precisam aprender para realizar o traba-
na redução quanto na ampliação das medidas. O assun- lho. No início do projeto da turma de Vera, por exem-
to se estendeu para a função dos microscópios, para co- plo, ela observou que os alunos sabiam lidar com for-
mentários acerca de gravuras e filmes de insetos, enfim, mas e posições, mas não estavam levando em conta a
foram ampliando os conhecimentos acerca dos usos e proporção e a relação espacial entre os objetos.
das funções da escala.
Após promover a socialização desses novos con- Em qualquer projeto, as observações do professor
ceitos, a professora resolveu conversar a respeito de geram intervenções que contribuem para ampliar as
um gráfico que haviam construído anteriormente, para situações de aprendizagem.
representar a população da escola. Haviam construído
o gráfico em papel quadriculado, color indo 1 Ao fazer essa constatação, ela viu que precisaria in-
quadradinho para cada grupo de 10 alunos. Ela mos- tervir: analisou as maquetes e encaminhou o olhar dos
trou como haviam então utilizado a proporção 1 para alunos para esses aspectos, propondo a nova maquete.
10, e escreveu no quadro: 1:10.
O assunto continuou em pauta, com atividades va- Módulos de aprendizagem
riadas. Trabalharam com ampliação e redução de figu- Quando Vera explicou aos alunos que, para fazer a
ras simples em papel quadriculado, viram plantas de segunda maquete, precisariam absorver alguns conhe-
casas, entrevistaram um arquiteto e leram vários tipos cimentos matemáticos que ainda não dominavam, sua
de gráfico. Assim, aprofundaram o estudo de escala e de intenção era mostrar que o estudo seria indispensá-
seu uso com medidas de comprimento. vel para desenvolverem seu projeto e, assim,
Para continuar o projeto da maquete, precisavam mobilizá-los para a necessidade de aprofundar seus
medir a sala. Mas, então, já lidavam mais facilmente conhecimentos. Ao planejar essa parte do trabalho, a
com a noção de escala. A classe inteira fez uma só professora organizou o módulo de aprendizagem re-
maquete; cada grupo se encarregou de uma parte. ferente a ‘escala’.
Alguns mediram e construíram as paredes, outros fa- Mas, o que são módulos de aprendizagem?
bricaram carteiras, mesa, armários, estantes, lixeira, São como ‘parênteses’ que podemos ir abrindo ao
76 Programa 3 Aprendizagem de conteúdos acadêmicos 77
longo do percurso de qualquer projeto. São espaços pri- eles são instrumentos culturais valiosos e necessários
vilegiados de aprendizagem, porque permitem ao pro- para a formação dos alunos.
fessor trabalhar os conteúdos das disciplinas dentro de Dessa forma, os projetos geram a necessidade de
um contexto que lhes dê sentido. aprendizagem de novos conteúdos que, a partir da
O relato acima, comentando o módulo “O traba- análise do professor em relação ao processo da tur-
lho com escala”, mostra como ele representou um ma, podem ser aprofundados e sistematizados em
mergulho no conteúdo escolhido. Para que os alunos módulos de aprendizagem. Esses conteúdos, por sua
se apropriem de fato do novo conhecimento, o pro- vez, vão ampliando as possibilidades de compreen-
fessor precisa planejar intervenções objetivas, como são e de intervenção dos alunos em outras situações
foi feito por Vera que: educativas, dentro e fora da escola.
• provocou o contato dos alunos com variados
contextos em que se usa escala; A palavra da professora Vera
• orientou a leitura de diversos gráficos analisan-
Sempre fiquei muito preocupada com a sistematização de con-
do a escala; teúdos e tinha medo que os projetos acabassem por prejudicar
• retomou o trabalho feito pelo grupo, para que a qualidade do ensino. O projeto de maquete me mostrou o
assumissem um novo olhar; contrário. A partir desse projeto, pude trabalhar vários conteú-
dos matemáticos de forma significativa.
• pediu a leitura da escala nas plantas apresenta- Meus alunos compreenderam bem o conceito de escala (um
das pelo arquiteto; conteúdo teoricamente difícil para essa faixa etária), bem como
• propôs ampliações e reduções em papel quadri- sua função social. Percebi que as áreas de conhecimento que
culado. aparecem no projeto são as necessárias para resolver as ques-
tões propostas pelo grupo; por essa razão, não há como deter-
O trabalho da professora Vera mostra que não basta minar que em cada projeto precisam aparecer todas as áreas,
os alunos depararem com um determinado conteúdo ou que se deve ter um projeto para cada área de conhecimento.
em um projeto para garantir a aprendizagem desse Essa definição vai depender da natureza do projeto.
conteúdo. O fato de trabalhar os conteúdos das áreas a partir de
projetos não dispensa o professor de ter clareza acerca de suas
A intervenção do professor, criando situações e inter- intenções educativas, ou de ter parâmetros para nortear suas
vindo no processo, é fundamental para uma aprendi- escolhas. O que mudou, em meu modo de ver, foi a postura
zagem significativa. que passei a ter diante desses objetivos. Hoje, não enxergo
meus objetivos como pontos terminais de um processo que,
ao cabo de dois meses, todos deverão alcançar. Sei que são
A experiência revela também que, ao contrário do
como um fio condutor de meu trabalho, dando parâmetros para
que muitos educadores julgam, o trabalho com pro- minha prática.
jetos não significa o fim das áreas de conhecimento, Percebi que, com os projetos, os alunos não entraram
ou a desqualificação delas. Na verdade, ocorre o rom- em contato com os conteúdos das áreas a partir de concei-
pimento com uma concepção de ‘neutralidade’ de de- tos abstratos e de modo teórico. Isso fez com que a apren-
terminados conteúdos, graças à compreensão de que dizagem fosse mais significativa e duradoura.
78 Programa 4 Conhecimento social e processo individual 79
A
professora Lúcia levantou também algumas artísticas de outras pessoas poderia trazer novos ele-
questões a respeito do processo individual dos mentos para as reflexões e as produções do grupo.
alunos dentro dos projetos:
• Como relacionar o conhecimento social com o tra- Constatação da diversidade
balho individual dos alunos? Ao planejar suas aulas, Mércia reservou um tempo
• Como trabalhar com a cultura do aluno sem cair para projetar imagens relativas ao Bumba-meu-boi e
em uma prática vazia de conteúdo? para conversar com a classe a respeito do tema; além
disso, manteve programado um tempo de oficina, para
• Como possibilitar que os alunos reflitam sobre te- dar continuidade aos trabalhos de criação pessoal.
mas transversais, como o da pluralidade cultural Na primeira roda que organizou, ela projetou
presente em nossa realidade? imagens do Bumba-meu-boi feitas por dois artistas:
Mais uma vez, vamos nos apoiar no relato de uma Luiz Antônio, de Pernambuco, e Nhozim, do Maranhão.
experiência para refletir sobre essas questões. Para desencadear os comentários, projetou as
duas imagens simultaneamente, sem falar do que se
A experiência vivida tratava. Na primeira, reconheceram imediatamente
uma cena de Bumba-meu-boi. Em relação à segunda,
O projeto “Arte Popular Brasileira” foi desenvolvido as crianças perguntaram:
com um grupo de crianças da 2 a série do Centro Edu-
Foi a mesma pessoa quem fez?
cacional Leonardo da Vinci, em Lagoa Santa, uma ci-
dade do interior de Minas Gerais. Mércia devolveu: O que vocês acham? A partir daí,
No primeiro semestre, o grupo havia conversado a os palpites se multiplicaram:
respeito do Bumba-meu-boi, na aula de Artes; as crianças
conheciam a representação em barro dessa festa folclóri- • Eu acho que não, porque um usou fita, o outro não.
ca e se preparavam para uma encenação em uma festa da • Eu acho que não, porque um é pequeno e o outro
escola. Mesmo conhecendo o enredo, queriam saber em é grande.
quais outros lugares havia essa tradição, a forma como
• Eu acho que é, porque tem as mesmas cores.
era encenado, por que os artistas ‘repetiam’ a festa no
barro, por que nem todos personagens são gente etc. • Eu acho que não, porque um é o Bumba e o outro não.
80 Programa 4 Conhecimento social e processo individual 81
• Eu acho que é, porque é de barro. por que representavam em outra linguagem elemen-
Mércia foi fazendo comentários, procurando desper- tos de sua vida cotidiana?
tar a atenção das crianças em relação ao uso dos Embora fosse uma pergunta difícil de responder, ela
materiais: contribuiria para colocar em evidência um dos elementos
da arte popular: o talento do artista em captar cenas do dia-
O que mostra que o trabalho não é da mesma pessoa
a-dia de um povo e transpô-las, como expressão viva e
é o material que ele usou? Em nossa oficina de argila,
criativa, para o barro, o tecido, a madeira etc.
o que você usou para fazer o celular? E o Henrique
Para encaminhar a observação desse aspecto da
para fazer o carro? Não foi o mesmo material? Você
arte popular, Mércia propôs a organização de grupos
tem certeza que os dois são de barro? Se você não ti-
temáticos ligados a aspectos do cotidiano: profissão,
vesse visto a miniatura do Bumba que eu trouxe, dava
dia-a-dia, festas, brincadeiras etc. Fariam isso tanto
para saber de que material era, só olhando a imagem?
em relação às obras de artistas quanto em seus pró-
De que outro material poderia ser feito?
prios trabalhos, produzidos nas oficinas de Artes.
Quando souberam que as duas imagens eram do No desenvolvimento dessa proposta, a professo-
Bumba, as crianças duvidaram e começaram a fazer ra procurou também discutir as relações entre o ar-
comparações. Também ficaram em dúvida quanto ao tista popular e seu cotidiano, a partir da observação
uso do barro na produção de Nhozim. Essas questões de obras de arte popular:
levantaram a necessidade de conferir as informações,
lendo as legendas. Os artistas populares retratam cenas de seu cotidiano.
Após a leitura das legendas, constataram que um Vocês reconhecem as situações retratadas nessas obras?
Bumba era do Maranhão, e o outro de Pernambuco – esta Como são essas cenas aqui na cidade? Se vocês fossem
era uma das razões de os estilos serem distintos. Mércia retratar cenas que acontecem na praça Dr. Lund [uma
orientou a observação dos alunos para outras caracterís- praça da cidade], o que produziriam? Como seria retra-
ticas. A diversidade dos materiais utilizados por Nhozim tada a cena de lavar a roupa da casa de vocês?
chamou a atenção do grupo, que elaborou então uma lis- A partir das reflexões a respeito de diferentes rea-
ta de materiais que poderiam usar nas aulas de Artes. lidades, o grupo foi se organizando para produzir tra-
balhos artísticos que expressassem seu cotidiano. E
A escolha dos temas passaram a escolher, entre os diversos materiais dis-
A partir do momento em que se viram diante de um poníveis na oficina, os mais adequados a seu projeto
leque de possibilidades de uso de materiais, as crian- de criação.
ças começaram a rejeitar o uso restrito do barro, bus- Para aproximar ainda mais a idéia de arte popular,
cando alternativas para suas produções pessoais. Mércia fez a leitura de textos que retratavam o cotidia-
Mércia estava satisfeita, pois percebeu que levara no de artistas do vale do Jequitinhonha (MG) e do Alto
os alunos a ampliar o uso de materiais em suas pro- do Moura (PE), chamando a atenção para o fato de
duções. Mas ainda não trabalhara uma questão tam- aquelas representações plásticas revelarem a realidade
bém levantada no semestre anterior: por que os ar- do povo, em diversos aspectos culturais e regionais.
tistas repetiam cenas do dia-a-dia no barro? Ou seja, O que se pôde perceber, no final do projeto, foi
82 Programa 4 Conhecimento social e processo individual 83
que as crianças ampliaram suas possibilidades de peito do sujeito criador, tanto na perspectiva do ar-
criação nas oficinas de Artes. Passaram a utilizar uma tista profissional como na perspectiva delas próprias,
série de recursos – panos, serragem, tintas naturais, como aprendizes.
papéis, vidrilhos –, e não só o barro. Construíram um Não houve uma reprodução passiva do conheci-
sentido maior para seu trabalho, que não mais se li- mento, uma cópia dos trabalhos analisados. Ocorreu
mitou a confeccionar objetos amassando barro, mas de fato uma mudança de atitude dos alunos diante de
passou a procurar retratar, por meio da arte, aspectos seu próprio fazer artístico.
da vida cotidiana. A seriedade com que encaravam suas produções
– fazendo escolhas, tomando decisões e relacionan-
As lições da experiência do as informações recolhidas com o que procuravam
desenvolver nas oficinas – revela um movimento au-
Na experiência da escola Leonardo Da Vinci há ele- tônomo e ousado de criação.
mentos que levam a refletir como, em um projeto,
se entrelaçam o conhecimento social e o processo Na perspectiva do trabalho com projetos, a aquisição
individual dos alunos. O trabalho com projetos da cultura acumulada socialmente não se dá a partir
permite estabelecer o contato dos alunos com o de um movimento de substituição ou justaposição.
conhecimento acumulado pela humanidade ao É sempre um processo de reconstrução, no qual a
longo dos séculos. No contato com esse conheci- função do professor consiste em possibilitar a cria-
mento, no entanto, não pode ocorrer uma postura ção de um campo de compreensão comum na sala de
passiva: é indispensável que seja criado um espa- aula e em apresentar instrumentos para ampliar esse
ço de diálogo com a cultura acumulada. espaço de conhecimento partilhado.
A relação estabelecida entre as produções artísticas
das crianças e a produção social da arte, por exemplo, A professora Mércia conseguiu promover uma ex-
foi fundamental. Mas não teria o mesmo sentido se a periência de aprendizagem com sentido para seus
experiência transcorresse fora do contexto, sem que as alunos porque foi capaz de observar e analisar o de-
crianças pudessem articular esse conhecimento com sempenho e a atitude deles na oficina de Artes e in-
suas representações da arte popular. tervir para ampliar esse olhar, fornecendo novos ele-
mentos para que desenvolvessem a compreensão.
Considerar a escola como espaço cultural significa O projeto não se restringiu a dar um modelo
criar possibilidades para que o aluno participe, de pronto para ser copiado, nem se limitou a uma série
forma crítica, da reelaboração pessoal da cultura acu- de oficinas de argila e barro. Os alunos lidaram com
mulada pela humanidade. a questão da diversidade cultural, entenderam melhor
o cotidiano das pessoas de várias regiões brasileiras
Na experiência relatada, o contato com produções e aprenderam a utilizar novas técnicas e novos mate-
de artistas populares reconhecidos nacionalmente riais em suas produções.
possibilitou às crianças ampliar seu repertório de ma- Tudo isso transcorreu dentro de um contexto com
teriais e desenvolver sua capacidade de refletir a res- significado, sem ser de forma fragmentada ou artifi-
84 Programa 5 85
A
professora Lúcia também se preocupa com al-
mentos centrais, a incorporação da pluralidade de gumas questões relacionadas com o envolvi-
conhecimentos presente na dinâmica social, transfor- mento coletivo da escola e com as mudanças que
mando a escola em espaço de vivências culturais re- isso acarreta:
ais e significativas.
Como envolver todos os alunos no trabalho? E se al-
gum não se interessar, como fazer? Qual o papel do
A palavra da professora Mércia grupo de professores no projeto? Ocorre alguma mo-
dificação no uso do tempo e do espaço escolar?
Quando iniciei esse projeto, não havia me dado conta de Da experiência com o Festival de Folclore em uma
sua riqueza e de sua amplitude. Eu estava pensando em
escola pública podemos retirar alguns elementos que
um trabalho mais restrito, lidando apenas com o uso de
contribuem para essa reflexão.
materiais. Foi a partir da observação do que estava acon-
tecendo que me dei conta da necessidade de ampliar a
representação dos alunos a respeito de arte popular. A experiência vivida
Fui então aprendendo a observar, a interpretar o pro-
cesso vivido e a tomar decisões. Isso foi fundamental para A escola municipal da Vila Pinho, em Belo Horizonte, aten-
que o projeto ganhasse uma dimensão mais aprofundada, de cerca de mil crianças e jovens de camadas populares,
além da simples constatação de semelhanças e diferenças na periferia da cidade. No último ano realizaram o 2o Fes-
entre obras artísticas. tival de Folclore.
Também observei que, ao ter maior clareza da relação Na escola da Vila Pinho, o folclore não é visto apenas
entre a cultura social e o processo individual dos alunos,
como uma data comemorativa. Mais que um conteúdo abs-
permiti que eles se tornassem mais atentos, mais capazes
trato ou distante, o folclore é encarado como um saber vivo,
de observar, aceitar e compreender as diferenças. E essas
presente nos rituais, nas danças, na linguagem, nas expres-
competências se estenderam para outros aspectos de sua
vida escolar e extra-escolar. sões, nas brincadeiras e nos costumes alimentares. Repre-
Com esse projeto, percebi que trabalhar a cultura social- senta também o saber, passado de geração em geração, que
mente acumulada é mais que apresentá-la aos alunos: é dá identidade ao grupo social.
criar um campo de significado compartilhado entre essa Estudar o folclore, na escola, é estudar os costumes e
cultura e a cultura individual dos alunos. as tradições presentes na vida cotidiana dos alunos. O 2o
86 Programa 5 O tempo e o espaço na escola 87
Festival de Folclore da Escola Municipal Vila Pinho repre- alunos em parceiros de trabalho. Foi um espaço de
sentou um momento no qual toda a escola pôde sociali- troca, de socialização e de encontro e motivou um
zar suas descobertas, suas experiências e seus projetos. intenso processo de organização coletiva.
Na escola há três ciclos de formação, cada um com Os professores de cada ciclo precisaram se reunir,
a duração de três anos e abrigando em média doze tomando em conjunto as decisões e fazendo os enca-
turmas; um coletivo de professores trabalha em cada minhamentos. A organização requereu também o
ciclo. Cada ciclo selecionou alguns projetos que já es- reagrupamento de alunos de modo que, em vários
tavam em andamento e que, de alguma forma, envol- momentos, alunos de turmas diferentes se encontraram
viam as tradições folclóricas. O Festival representou e trabalharam juntos. Os professores se transformaram
um momento de culminância desses projetos. em costureiros, os pais ajudaram a organizar o cenário,
os alunos maiores cuidaram das fantasias dos menores.
As atribuições de cada ciclo Logo após o festival, as paredes e os murais da es-
O 1 o ciclo prepararia uma apresentação, a partir do cola se transformaram em espaços públicos, nos quais
projeto que estava sendo desenvolvido com brinca- os alunos de todos os ciclos colocaram suas avaliações,
deiras em torno de histórias, cantigas, danças e ou- fixaram fotografias e depoimentos de pais, de alunos e
tras atividades lúdicas populares. Algumas dessas ati- de professores sobre a experiência vivida.
vidades já faziam parte da experiência das crianças,
dentro e fora de sala de aula; outras foram sendo in- As lições da experiência
corporadas ao longo do processo.
No 2o ciclo se desenrolavam dois projetos que trariam A experiência de alunos e professores na Vila Pinho
boas contribuições para o festival: “Os índios” e “Os contribuiu para a compreensão da relação entre os
afrodescendentes”. Ao programar sua participação, o 2o Ci- projetos e a vida coletiva da escola.
clo optou por apresentar números que refletissem “a influ- O tempo dentro das escolas em geral é organiza-
ência das diferentes etnias na vida cultural brasileira”. do de forma fragmentada: séries, bimestres, ativida-
O 3 o ciclo vinha desenvolvendo uma pesquisa des em salas específicas, tempo de brincar etc.
sobre as regiões do Brasil e decidiu fazer no Festival Os espaços, por sua vez, também são configura-
Folclórico uma apresentação ligada à questão da dos de maneira fragmentada: cada turma em sua sala
pluralidade cultural do país. e cada espaço com uma função. No espaço de Educa-
Ao trabalhar em seus projetos, os alunos dos três ci- ção Física se mexe com o corpo; no espaço de sala de
clos pesquisaram, fizeram entrevistas com os pais, ouviram aula se ‘mexe’ com a cabeça; o espaço do pátio é para
e registraram relatos de alunos, realizaram visitas a grupos brincar e o da sala é para estudar.
folclóricos e a rezadeiras do bairro. Envolvendo a comuni-
dade local, convidaram contadores de história para se apre- O trabalho com projetos leva a repensar o uso do
sentar na escola e artesãos para realizar oficinas com os tempo e do espaço na escola.
alunos, além de entrevistar grupos de rap do bairro.
O Festival de Folclore deu vida nova à escola, A escola da Vila Pinho reorganizou seu tempo e
transformou alunos em companheiros, professores e seus espaços, ora mesclando turmas, ora usando o
88 Programa 5 O tempo e o espaço na escola 89
pátio como espaço de estudo ou a sala de aula como lação ao processo de aprendizagem. Eles se envolveram
espaço para brincadeiras. mais e ampliaram seu interesse ao encontrar um senti-
Com o Festival do Folclore, os alunos tiveram um do para seu estudo.
envolvimento significativo em um projeto coletivo que Nesse projeto, cada um deles foi educando e educa-
recriou os espaços, transformou o tempo e abriu a esco- dor, informante e pesquisador. Assim, se estabeleceram
la para a participação da comunidade. E esse espaço como sujeitos pertencentes a um grupo e, como tal, de-
passou a ser visto como espaço coletivo, pertencente a senvolveram sua perspectiva de se tornar autônomos e
todos, que passaram a se sentir responsáveis por ele. responsáveis, características tão desejáveis em nossos
Os portões abertos, o encontro de alunos de várias objetivos educacionais.
turmas e os ensaios para o festival não tiveram a caracte-
rística de um tempo fora do cotidiano, ou de atividades Os professores da escola de Vila Pinho tiveram a opor-
extracurriculares, nem de espaço para bagunça. O que a tunidade de repensar seu papel e de avançar na cons-
Escola Vila Pinho viveu foi um rico e intenso processo de trução de uma proposta coletiva de educação.
produção e organização coletivas da experiência escolar.
Rompendo com a tradição individualista de traba-
Os alunos como sujeitos do processo lho docente, na qual cada professor se responsabili-
É interessante observar que a experiência da Vila Pi- za pela educação de uma determinada turma, os pro-
nho transformou professores e alunos em parceiros fessores se organizaram em coletivos e passaram a
de trabalho. Os alunos deixaram de ter um papel pas- trabalhar em grupo.
sivo na escola. Sugeriram encaminhamentos, partici- O trabalho deixou de ser individual e solitário. A
param da tomada de decisões, organizaram e plane- cooperação e a interação substituíram o isolamento
jaram o trabalho. Todo esse processo fez também com e a competição. Ao trabalhar em grupo, esses profes-
que assumissem responsabilidades, se comprometes- sores trocaram experiências, aprenderam com os co-
sem com o trabalho e com o coletivo. legas, dividiram dúvidas e partilharam inquietações.
Pouco a pouco, as mudanças ganharam corpo: alunos Descobriram-se aprendizes e pesquisadores. Ao viver
até então calados passaram a opinar e alunos tal experiência, perceberam a riqueza desse tipo de
descomprometidos passaram a assumir responsabilidades. trabalho e descobriram que é possível, na prática,
A escola passou a ser também dos alunos. E isso fez com construir um projeto coletivo de educação.
que eles cuidassem mais do prédio, se preocupassem mais
com a conservação dos materiais e com a limpeza. Os pais têm o que dizer na escola
Essa experiência revela que a responsabilidade e o
compromisso dos alunos não são construídos em cima A experiência da Vila Pinho mostra que os pais tam-
de um vazio, ou à custa de lições de moral e de bons bém podem ser parceiros da experiência escolar. Dei-
hábitos. Essa responsabilidade é construída a partir do xando o lugar de meros espectadores, os pais se co-
envolvimento em um trabalho no qual eles se sintam locaram como informantes privilegiados, como deten-
realmente autores, e não meros executores. tores de um saber que tem importância e valor para a
Além de tudo, ocorrem mudanças de postura em re- escola.
90 Programa 6 91
dela passa a ser de responsabilidade basicamente da temporânea. Compreender significa ser capaz de ir além
escola. No mundo moderno, a escola aparece como es- da informação dada, estabelecer relações entre vários
paço de formação crítica dos estudantes. pontos de vista, analisá-los e se posicionar diante deles.
Mas a maneira de uma pessoa compreender as in- A compreensão e a interpretação da realidade pelo
formações e lidar com elas depende de vários fatores. estudante estão vinculadas a sua experiência cultural,
Essa capacidade é influenciada pela classe social, pelo a seus conhecimentos prévios, à cultura acumulada
espaço geográfico e pela cultura de origem do indivíduo historicamente pela humanidade e à cultura contem-
em seu grupo social. Por isso, também é papel da escola porânea.
acolher a diversidade cultural presente na sociedade
brasileira e trabalhar com ela.
Características de um projeto
O trabalho de formação • É um processo educativo desencadeado por uma
questão, que favorece a análise, a interpretação e a
Outro aspecto do papel da escola contemporânea diz crítica, como confronto de pontos de vista.
respeito à natureza da informação. Os temas contem- • A aprendizagem acontece a partir da interação entre o
porâneos ultrapassam as clássicas disciplinas escola- aprendiz e o objeto de conhecimento, dentro de um
res e não podem ser enquadrados em uma só área contexto com sentido e significado.
específica de conhecimento. • No projeto predomina a cooperação: professores e
A questão ecológica, por exemplo, não é um proble- alunos assumem o papel de pesquisadores.
ma exclusivo de Ciências Naturais: envolve questões • Estabelece conexões entre as informações, questio-
geográficas, históricas, sociológicas, econômicas e outras. nando a idéia de uma versão única da realidade.
Por isso, a antiga lógica das disciplinas fechadas em si • Trabalha com diferentes tipos de informação.
mesmas não se enquadra nessa nova perspectiva. • Leva alunos e professores a perceber que há dife-
A rapidez com que os novos conhecimentos são rentes formas e caminhos para o aprendizado.
construídos não permite que sejam apreendidos como • Leva alunos e professores a agir com flexibilidade,
conhecimentos imutáveis e a-históricos. Não é mais a acolher a diversidade e a compreender sua reali-
possível tratar os conteúdos como verdades absolutas. dade pessoal e cultural.
Hoje, o foco principal da atuação da escola está na Fonte: Aula de Inovación Educativa n o 59, p. 80 (tradução adap-
formação dos estudantes, no objetivo de torná-los tada)
capazes de conviver com um mundo em profunda
transformação, perceber as causas das mudanças e se Assim, o trabalho na perspectiva de projetos parte de
posicionar diante delas. uma visão segundo a qual o conhecimento da realidade
constitui um processo ativo, no qual os alunos vão con-
A intenção educativa dos professores ao trabalhar na seguindo interpretar a realidade e dar-lhe significado,
perspectiva de projetos é possibilitar que os alunos com- compreendendo-a cada vez mais profundamente. Trata-
preendam os problemas colocados pela realidade con- se de um processo ativo e participativo.
94 Programa 6 A formação do aluno e a realidade 95
Essa perspectiva enfatiza a problematização de Com o trabalho de projetos, a gente observa que as cri-
situações e a busca efetiva de soluções como cami- anças se sentem mais envolvidas e interessadas pelo traba-
nho para envolver os alunos em um processo rico e lho, porque também são responsáveis por ele. Com isso, há
dinâmico, no qual vão aprendendo, de forma não frag- realmente uma aprendizagem e é uma aprendizagem signi-
ficativa. Esses meninos passam a estender todo esse com-
mentada, a compreender e a intervir no mundo em
portamento de investigação e observação para outras situa-
que vivem.
ções fora da sala de aula, e até com outros professores.
A seguir, alguns depoimentos de professores e de
(Juliane)
alunos em relação ao trabalho com projetos. Os de-
poimentos constam do vídeo “Os projetos de traba-
A palavra dos alunos
lho”, da SMED/PBH.
Os alunos também vão percebendo mudanças em seu
A palavra dos professores processo de formação quando passam a estudar a
partir da perspectiv a dos projetos de trabalho. Os
Alayde e Juliane são professoras da Rede Municipal de
depoimentos de alunos e alunas da Rede Municipal
Belo Horizonte que vêm orientando sua prática na pers-
de Belo Horizonte refletem essas mudanças:
pectiva dos projetos de trabalho. Elas dão aqui seu de-
poimento a respeito do significado desse processo. Quando a gente aprende alguma coisa, eu passo todas aque-
las coisas para a minha mãe; por exemplo, do câncer de
O trabalho com projetos permitiu que os alunos tomassem mama, fazer o auto-exame, ela faz. A gente se relaciona
maior consciência do estudo e do processo de investigação, muito com aquilo que a gente está estudando.
na medida em que eles acompanharam, desde o início, o (Ronaldo, aluno do 2o ciclo)
plano, o processo e a síntese do trabalho. Puderam também
socializar todas essas informações para outras turmas e O aluno pode dar mais opinião, assim, se não tivesse esse
estender o conhecimento adquirido para outras situações es- projeto Escola, a professora direto dava aquela matéria [...].
colares e extra-escolares. Agora, a gente tem o direito de estudar mais.
É claro que eles não deram conta de apreender to- (Davidson, aluno do 1 o ciclo)
dos os conceitos, todos os procedimentos e atitudes en-
volvidos. Eles deram conta de fechar algumas situações, A gente não tinha muito interesse pra fazer aquilo que a
mas outras questões ficaram abertas para desenvolvimen- gente queria. Agora não, agora é diferente. Os alunos, eles
to em novos projetos de trabalho. (Alayde) trazem aquilo que a gente tem em casa, a gente procura
nos livros, procura nas casas das pessoas.
Quando a gente pára para refletir acerca de nossa prática, (Talita, aluna do 2o ciclo)
percebe como o trabalho com projetos provoca mudanças
em nós mesmos. Observei que comecei a escutar mais o A gente é que buscou esse saber. A gente buscou através de
grupo, a trabalhar mais dentro do interesse dos meninos e pesquisa, de entrevista, filmes que a gente assistia; é, a gente
a problematizar esses interesses. Com isso, acabei me trans- tinha sede de saber, a gente se sentiu importante, assim, a gente
formando em uma pesquisadora, já que eu também preciso se sentiu gente, a gente que tava buscando esse saber, não era
ser fonte de informação para a solução dos problemas le- ninguém que tava trazendo pra gente.
vantados. (Alaíde, educadora de creche e aluna de Supletivo)
96 Programa 6