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ABSTRACT
The aim of this paper is to argue the need to maintain the opposition
between objectivity-subjectivity and description-interpretation in the
field of audio description. If we take into consideration that audio
description is a modality of screen translation, we must see the audio
descriptor as a translation professional whose work is characterized by
the selection of solutions that will have a direct impact on the form and
sense of the text. If a screen translator who works on the subtitling or
dubbing of a project can choose among several translation methods,
shouldn’t the audio descriptor have the same possibilities? This
question will be discussed from the framework of Translation Studies
and Film Analysis, as an attempt to understand the factors that
influence the decisions made by the audio descriptor. Then, I will
Anhanguera Educacional Ltda. proceed to the explanation of some translation problems found during
Correspondência/Contato the process of audio description of the short film Um outro ensaio (2010),
Alameda Maria Tereza, 4266
when it happened to be more appropriate to adopt solutions that were
Valinhos, São Paulo
CEP 13.278-181 closer to interpretation than to objective description.
rc.ipade@aesapar.com
Coordenação Keywords: Audio description; subjectivity; objectivity; description;
Instituto de Pesquisas Aplicadas e interpretation.
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Artigo Original
Recebido em: 02/02/2013
Avaliado em: 04/03/2013
Publicação: 11 de abril de 2013 23
24 Descrição e interpretação: duas possibilidades do audiodescritor?
1. INTRODUÇÃO
O filme, escrito e dirigido por Natara Ney, mostra com poesia e sensibilidade um
dia na vida de um casal que se encontra em processo de adaptação à recém adquirida
cegueira da cônjuge. Enquanto ela tenta fazer uma vida normal na escuridão, ele segue
seus passos para ajudá-la e protegê-la na clandestinidade.
Esse recurso narrativo da repetição para mostrar novos pontos de vista também
existe em outras formas de expressão, como a televisão e a literatura. Porém, a principal
dificuldade deste filme residiu em transpor esse recurso e o jogo visual que o constitui
para o código linguístico. O teste de recepção realizado com nosso consultor cego3
apontou que o entendimento da repetição poderia se perder na recepção final dos
1 Uma versão mais curta deste trabalho foi apresentada como comunicação no II Encontro Nacional Cultura e Tradução,
pesquisa. Além de participar como consultor do grupo, ele faz pesquisa na área de audiodescrição. Os outros membros do
grupo que participaram na elaboração do roteiro são os professores Soraya Ferreira Alves (coordenadora do grupo), Charles
Rocha Teixeira e a autora deste trabalho.
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espectadores com deficiência visual, devido a que, mesmo relatando as mesmas ações
cotidianas na primeira e na segunda parte do filme, a linearidade da narração não foi
exatamente a mesma na segunda parte e todas as cenas apresentaram detalhes diferentes.
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entre a informação icônica que deve ser descrita, considerando sua relação com a
informação acústica, para facilitar o acompanhamento da obra.
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3. OBJETIVIDADE X SUBJETIVIDADE
Por outro lado, um observador atento poderia flagrar que em alguns planos da
primeira parte do filme (onde supostamente só havia um observador externo construindo
a subjetividade da protagonista), fica manifesta a presença diegética de outro olhar, o de
alguém que segue a protagonista a certa distância. Essa presença é especialmente
percebida em um plano específico onde a protagonista está caminhando na feira e a
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câmera faz um travelling para filmá-la através de outra fileira da feira. As couves-flores se
interpõem na imagem, mostrando que ela está sendo observada clandestinamente. Só na
segunda parte do filme fica claro que aquele olhar pertencia ao homem, seu fiel
companheiro. Essa confusão de perspectivas foi apontada por Balázs como um fenômeno
normal:
A fisionomia de cada objeto num filme é objeto de duas fisionomias – uma é aquela
própria ao objeto, que é independente do espectador – e a outra é determinada pelo
ponto de vista do espectador e pela perspectiva da imagem. Num plano, as duas se
fundem numa unidade tão coesa que só um olho bastante treinado é capaz de distinguir
estes dois componentes dentro do próprio filme (BALÁZS, 2003: 98).
Dois exemplos dessas mudanças 'misteriosas' se dão quando aparece uma toalha
ao lado das peças de roupa que ela tinha deixado na barra do banheiro ao entrar no
chuveiro (mais na frente, o filme mostra que foi o homem quem deixou a toalha lá para
ela se enxugar quando saísse da ducha) e quando ela veste uma camiseta cinza ao invés
da blusa de listras rosa e preta que pegou do guarda-roupa (porque ele fez a troca da
blusa sem ela perceber). Detalhes como esses são as chaves para entender a narrativa,
mesmo que eles passem despercebidos, por parecer secundários, durante a primeira parte
do filme.
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4. DESCRIÇÃO X INTERPRETAÇÃO
De acordo com Casetti et al. (2010), a análise fílmica tem a ver tanto com a descrição
quanto com a interpretação. Descrever significa “recorrer a uma série de elementos, um a
um, com cuidado e até o último deles” [tradução nossa] (CASETTI et al., 2010: 22). Os
autores explicam que consiste em um trabalho objetivo que se orienta pelo observado, e
não pelo observador. Já interpretar significa interatuar diretamente com o objeto e é uma
atividade subjetiva em que o observador se posiciona em um primeiro plano, “exibindo
com prepotência sua relação com o objeto” [tradução nossa] (p. 23).
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A mesma coisa acontece quando ela está cozinhando ovos. Aparentemente, ela
segue os procedimentos normais – acender o fogo, colocar manteiga, quebrar o ovo na
frigideira e colocar umas pitadas de sal. Mas a segunda parte do filme mostra que aquilo
que ela tinha botado era açúcar, e não sal. O equívoco na verdade foi do esposo, que, no
intuito de ajudá-la a achar o sal, colocou o pote a seu alcance, só depois percebendo que
tinha pegado o pote errado. Quando ela se afasta um momento do fogão, ele aproveita
para acrescentar umas pitadas de sal nos ovos.
Porém, ao perceber que essa versão não ficou o suficientemente clara para o
consultor cego, uma segunda versão mais explicativa foi criada, antecipando informação e
explicitando desde a primeira parte que o conteúdo do primeiro pote era açúcar: “A mão
direita coloca açúcar nos ovos”. Essa estratégia, embora contradiga a norma de não
antecipar informação do filme, auxiliou na compreensão da cena, dando sentido à
explicação que viria na segunda parte.
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Chaume (2004: 138) argumenta que esse tipo de problema é mais frequente em
outras modalidades de tradução, como a literária, na qual o leitor só dispõe da palavra
impressa para construir o significado. Para ele, a informação acústica e visual dos textos
audiovisuais serve como estratégia de reparação dos possíveis mal-entendidos sobre os
personagens. Porém, esse não é o caso quando o espectador depende da audiodescrição
para apreender as informações transmitidas pelo canal visual. Por esse motivo, sugerimos
que as estratégias de explicitação e explicação, embora influenciem a interpretação, sejam
consideradas como válidas no processo audiodescritor.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cada texto audiovisual poderá ser abordado com um método mais familiarizante
ou estrangeirizante em função de fatores como a finalidade do texto, a caracterização do
público alvo, as preferências ideológicas do audiodescritor etc. A partir da escolha de um
método em detrimento do outro, umas estratégias de tradução se tornarão mais
apropriadas do que outras para a audiodescrição daquele texto. Nenhuma opção é a
correta, trata-se de escolher um dos múltiplos caminhos possíveis. Aí reside a dificuldade
de ensinar a traduzir ou a audiodescrever, ou mesmo de avaliar a qualidade de uma
tradução/audiodescrição. Aliás, de cada texto podem surgir tantas audiodescrições como
audiodescritores, e, ao mesmo tempo, a recepção de cada uma delas será realizada de
maneiras diferentes na mente de cada espectador.
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que propicia o acesso de pessoas com deficiência visual a obras artísticas e culturais e sua
participação social como espectadores. Nesse sentido, a experiência estética dessas
pessoas deve estar permeada de uma série de percepções sonoras, rítmicas e sensoriais
coerentes com a obra em questão. Às vezes, explicar um evento pode ajudar a harmonizar
a audiodescrição com o texto audiovisual.
Em futuros trabalhos, pretendemos nos deter com mais profundidade nos tipos
de estratégias de tradução presentes na audiodescrição de filmes e programas televisivos.
Esperamos constatar a presença de estratégias que, mesmo usadas com cautela e em casos
muito pontuais, tendem mais para a interpretação do que para a descrição.
REFERÊNCIAS
BALÁZS, B. A face das coisas. In: XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema. Rio de Janeiro:
Graal: Embrafilmes, 2003, p. 87-91.
________. Subjetividade do objeto. In: XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema. Rio de
Janeiro: Graal: Embrafilmes, 2003, p. 97-100.
CARMONA, R. Cómo se comenta un texto fílmico. Madrid: Cátedra, 2010.
CASTANY PRADO, B. Figuras III de Gérard Genette. Revista electrónica de estudios filológicos.
n.15, junho de 2008. Disponível em:
http://www.um.es/tonosdigital/znum15/subs/peri/peri.htm. Acesso em: 03/10/2011.
CHAUME, F. Cine y traducción. Madrid: Cátedra, 2004.
CASETTI F.; DI CHIO, F. Cómo analizar un film. Traducción de Carlos Losilla. Barcelona: Paidós,
2010.
HATIM, B.; MASON, I. The Translator as Communicator. London/New York, Routledge, 1997.
NORD, C. Text Analysis in Translation. Amsterdam: Rodopi, 1991.
REFERÊNCIA FILMOGRÁFICA
Um outro ensaio (2010 / 35 mm / color / 15 min) de Natara Ney. Raccord Produções
Cinematográficas. Disponível em: http://portacurtas.org.br/filme/?name=um_outro_ensaio.
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