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A matéria e a forma

Aristóteles, trazendo as idéias ao mundo das coisas, quer dar-lhes força genética ou
geradora. Por isso estabelece em cada coisa uma distinção fundamental. Do mesmo
modo que, na análise da coisa distingue a substância, a essência e o acidente,
assim distingue agora na coisa esses dois elementos: a forma e a matéria.

A que chama Aristóteles matéria? Aristóteles chama matéria a um conceito que não
tem nada a ver com aquilo que em física chamamos hoje matéria. Matéria, para
ele, é simplesmente aquilo de que é feito algo.

E forma? Que significa a forma para Aristóteles? A palavra forma toma-a Aristóteles
da geometria. A influência da geometria foi enorme, e Aristóteles entendeu por
forma, primeira e principalmente, a figura dos corpos, a forma no sentido mais
vulgar da palavra, a forma que um corpo tem, a forma como terminação-limite da
realidade corpórea, vista de todos os pontos; a forma no sentido da estatuária, no
sentido da escultura; isso foi o que Aristóteles entendeu primeiro e
fundamentalmente por forma.

Mas sobre esse acepção e sentido da palavra, por forma entendeu também
Aristóteles – e sem contradição alguma – aquilo que faz que a coisa seja o que é,
aquilo que reúne os elementos materiais, no sentido amplo referido antes, entrando
também o imaterial. Aquilo que faz entrar os elementos materiais num conjunto,
que lhes confere unidade e sentido, isto é que chama Aristóteles forma.

A forma, pois, se confunde com o conjunto dos caracteres essenciais que fazem
com que as coisas sejam aquilo que são; confunde-se com a essência. A forma, em
Aristóteles, é a essência, aquilo que faz com que a coisa seja o que é.

Pois bem: essas formas das coisas não são para Aristóteles formas ao acaso, não
são formas casuais, não foram trazidas pelo ir e vir das causas eficientes na
natureza. Longe do pensamento de Aristóteles, o mais longe possível, está nossa
idéia de física moderna de que aquilo que cada coisa fisicamente é, seja o resultado
de uma série de causas puramente físicas, eficientes, mecânicas, que, sucedendo-
se umas as outras, chegaram a ser necessariamente aquilo que uma coisa neste
momento é. Nada está mais longe do pensamento aristotélico do que isso.

Pelo contrário, para Aristóteles cada coisa tem a forma que deve ter, quer dizer, a
forma que define a coisa. Por conseguinte, para Aristóteles a forma de algo é aquilo
que dá sentido a esse algo; esse sentido é a finalidade, é o telos, palavra grega que
significa fim: daí vem esta palavra que se emprega muito em filosofia e que é
teologia: teoria dos fins, o ponto de vista do qual apreciamos e definimos as coisas,
não enquanto são causas mecanicamente, mas enquanto estão dispostas para a
realização de um fim. Pois bem: para Aristóteles a definição de uma coisa contém
sua finalidade, e a forma ou conjunto das notas essenciais imprimem nessa coisa
um sentido que é aquilo para que serve.

Desta maneira está já armado Aristóteles para responder à pergunta acerca da


gênese ou produção das coisas. Se a matéria e a forma são os ingredientes
necessários para o advento da coisa, então este advento em que consiste? Consiste
em que à matéria informe, sem forma, se acrescenta, se agrega, se sintetiza com
ela, a forma. E a forma, o que é? A forma é a série das notas essenciais que fazem
da coisa aquilo que é e lhe dão sentido, telos, finalidade.

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Pois bem: que é isto se não a idéia platônica que vimos descer do céu para pousar
sobre a substância e formar a totalidade e integridade da coisa real? Pois a essa
idéia não dá Aristóteles tão-somente a função de definir a coisa, mas também a
função de conseguir o advento da coisa. A coisa advém a ser aquilo que é porque
sua matéria é informada, é plasmada, recebe forma, e unia forma que é a que lhe
dá sentido e finalidade. Isto imprime uma capacidade dinâmica, uma capacidade
produtiva às idéias trazidas aqui ao mundo sensível na figura de forma e sob o
aspecto de forma. Nessas idéias está para Aristóteles o germe, o princípio
informativo, criador, produtivo, da realidade de cada coisa.

Em que implica isto? Implica evidentemente em que cada coisa é aquilo que é
porque foi feita inteligentemente. Se a forma da coisa é aquilo que confere à coisa
sua inteligibilidade, seu sentido, seu telos, seu fim, não há mais remédio que
admitir que cada coisa foi feita do mesmo modo como o escultor faz a estátua,
como o marceneiro faz a mesa, como o ferreiro faz a ferradura. Tiveram que ser
feitas todas as coisas no universo, todas as realidades existenciais por uma causa
inteligente, que pensou o telos, a forma, e que imprimiu a forma, o fim, a essência
definitória na matéria.

Fonte
MORENTE, Manuel Garcia. A matéria e a forma. In: _____. Fundamentos de
filosofia: lições preliminares. São Paulo: Mestre Jou, 1978. p. 97-8.

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