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Trocando em miúdos a teoria e a prática

Linguagem e letramento e m fo c o
Os falantes e as línguas:
multilingüismo e ensino

Eduardo Guimarães
Doutor em Letras pela USP. Professor Titular de Semântica
do Departamento de Lingüística do IEL/Unicamp

Carolina de Paula Machado


Gabriele de Souza e Castro Schumm
Luciana Nogueira
Simone de Mello de Oliveira
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© Cefiel/IEL/Unicamp
É proibida a reprodução desta obra sem a prévia autorização dos detentores dos direitos.

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Básica. A Rede é formada pelo MEC, Sistemas de Ensino e Centros de Pesquisa e
Desenvolvimento da Educação Básica.

Impresso em fevereiro de 2008.


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Sumário
Introdução / 5
1. Formação do espaço de enunciação brasileiro/ 7
Atividade 1-A / 10
Atividade 1-B / 14
2. O português no/do Brasil / 16
Atividade 2 / 18
3. O português enquanto língua nacional / 25
Atividade 3 / 26
4. Espaço de enunciação: línguas e falantes / 28
Atividade 4 / 29
5. Diversidade das línguas / 32
Atividade 5 / 33
5-A. Distribuição das línguas no/do Brasil / 33
Atividade 5-A / 34
5-B. Diversidade lingüística / 36
Atividade 5-B / 38
6. Sobreposição das línguas – Efeito no ensino / 41
Atividade 6 / 42
7. Texto e espaço de enunciação / 44
Atividade 7 / 46
Bibliografia / 48
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Introdução

m dos aspectos fundamentais quando pensamos o funciona-


U mento das línguas é o da diversidade. Ou seja, é de grande
importância analisar o funcionamento de uma língua, considerar
que ela não é homogênea e que se diferencia, se divide no seu fun-
cionamento, em virtude de sua relação com os falantes.
Estes aspectos foram tratados no fascículo teórico
Multilinguismo: divisões da língua e ensino no brasil, da coleção
“Linguagem e Letramento em Foco”. No presente trabalho, o que
esperamos colocar em destaque, a partir do que foi apresentado
naquele fascículo, é um conjunto de atividades que ajudam a refle-
tir sobre a questão do multilingüismo na sua relação com o ensi-
no da língua portuguesa no Brasil. Para isso dividimos nosso per-
curso em sete itens, de modo a localizar aspectos particulares
dentro dessa questão.
Desenvolveremos, portanto, um conjunto de atividades que
abordem os seguintes temas:

1. Formação do espaço de enunciação brasileiro


2. O português no/do Brasil

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3. O português enquanto língua nacional


4. Espaço de enunciação: línguas e falantes
5. Diversidade das línguas: ■

A. Distribuição das línguas no/do Brasil


B. Diversidade lingüística
6. Sobreposição das línguas – Efeito no ensino
7. Texto e espaço de enunciação

Como o conceito que fundamenta a reflexão que aqui fazemos


é o de espaço de enunciação, começaremos por esse aspecto.

. 6.
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1. Formação do espaço
de enunciação brasileiro

este fascículo, temos como objetivo refletir e compreender me-


N lhor o conceito de espaço de enunciação, já tratado no fascícu-
lo Multilingüismo; divisões da língua e ensino no Brasil1.
Nossa reflexão direciona-se especificamente sobre o modo
como o espaço de enunciação brasileiro se constituiu e como fun-
ciona. Atualmente ele é formado por um conjunto muito particular
de relações de línguas e, além disso, por divisões da própria lín-
gua portuguesa.
A vinda da língua portuguesa para o Brasil não se deu em um
só momento. Ela aconteceu durante todo o período de coloniza-
ção. Desse modo, o português estabeleceu uma relação constan-
te com outras línguas. Esse contato fez com que a língua portu-
guesa falada no Brasil se diferenciasse da língua portuguesa de
Portugal.

1
O fascículo Multilingüismo: divisões da língua e ensino no Brasil, da coleção “Linguagem
e Letramento em Foco”, será, aqui, chamado de “fascículo teórico”.

. 7.
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Para entender melhor a formação do espaço de enunciação


brasileiro, foi estabelecida a seguinte periodização:

Primeiro período

Vai do início da colonização até a saída dos holandeses do


Brasil em 1654.
Características:
1. A língua portuguesa convive com as línguas indígenas, as lín-
guas gerais (línguas tupi faladas pela maioria da população)
e o holandês.
2. O português é a língua oficial.

Segundo período

Tem início com a saída dos holandeses e vai até a chegada da


Família Real portuguesa ao Brasil em 1808.
Características:
1. A relação de línguas passa a ser entre o português, as lín-
guas indígenas, especialmente as línguas gerais, e as lín-
guas africanas dos escravos. Neste momento os holande-
ses (falantes da língua holandesa) já tinham sido expulsos
do Brasil.
2. O Brasil recebe um número crescente de portugueses,
aumentando a população branca falante de português.
3. Estabelecimento do Diretório dos Índios em 1757.
4. O português, que já era a língua oficial do Estado, passa a
ser a língua mais falada no Brasil.

. 8.
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Terceiro período

Começa com a vinda da Família Real em 1808 e termina com


a Independência. Em 1826 formula-se a questão da língua nacio-
nal do Brasil no parlamento brasileiro.
Características:
1. Forte aumento da população portuguesa no Brasil.
2. Criação da Imprensa no Brasil e da Biblioteca Nacional, o
que dá à língua portuguesa maior circulação no país.

Quarto período

Começa em 1826, estendendo-se até a atualidade.


Características:
1. Há uma transformação da língua portuguesa no Brasil, de
língua do colonizador em língua da nação brasileira.
2. Inicia-se o processo de legitimação de gramáticas e dicioná-
rios de língua portuguesa produzidos no Brasil.
3. Constitui-se a sobreposição do português como língua ofici-
al e língua nacional.
4. Passa a haver relação intelectual do Brasil com outros paí-
ses como França, Inglaterra e Alemanha; o francês se con-
solida como língua de cultura no Brasil.
5. Ocorre forte movimento migratório para o Brasil (1880-
1930).
6. Aumenta a importância da língua inglesa como língua das
relações internacionais e de domínios científicos, passando
a ser ensinada nas escolas.

. 9.
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Para realizar as atividades que seguem, releia, no fascículo


teórico, o item “Línguas e Espaço de Enunciação” (página 8 e
seguintes), para compreender o conceito de espaço de enuncia-
ção. E para saber mais sobre a formação do espaço de enuncia-
ção brasileiro, leia também Guimarães (2005), “A língua portugue-
sa no Brasil”, in Ciência e Cultura, v. 57, n. 2, 2005.

■ Atividade 1-A

Para realizar esta atividade sugerimos que seja retomada a lei-


tura do texto “A língua portuguesa no Brasil”, de Eduardo
Guimarães, publicado na revista Ciência e Cultura, n. 2, 2005.

1. Houve um momento em que a língua portuguesa não era a


língua materna dos brasileiros nem a língua nacional. Com
base nas leituras realizadas, comente como a língua portu-
guesa passa a ser a língua oficial, nacional e materna.
2. Leia os textos a seguir e, depois, responda à questão.

Texto 1
Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha

“Senhor,
posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães
escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que
se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha
conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que – para o bem
contar e falar – o saiba pior que todos fazer!
Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem
certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do
que aquilo que vi e me pareceu.
Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa
Alteza – porque o não saberei fazer – e os pilotos devem ter este cuidado.

. 10 .
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E portanto, Senhor, do que hei de falar começo:


E digo quê:
A partida de Belém foi – como Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9 de
março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9 horas, nos achamos entre
as Canárias, mais perto da Grande Canária. E ali andamos todo aquele dia
em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito
mês, às dez horas mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde,
a saber da ilha de São Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.
Na noite seguinte à segunda-feira amanheceu, se perdeu da frota Vasco
de Ataíde com a sua nau, sem haver tempo forte ou contrário para poder
ser!
Fez o capitão suas diligências para o achar, em umas e outras partes.
Mas... não apareceu mais!
E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-
feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns
sinais de terra, estando da dita Ilha – segundo os pilotos diziam, obra de
660 ou 670 léguas – os quais eram muita quantidade de ervas compridas,
a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o
nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a
que chamam furabuchos.
Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber,
primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras ser-
ras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual
monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de
Vera Cruz!
Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças. E ao sol-posto
umas seis léguas da terra, lançamos ancoras, em dezenove braças – ancora-
gem limpa. Ali ficamo-nos toda aquela noite. E quinta-feira, pela manhã, fize-
mos vela e seguimos em direitura à terra, indo os navios pequenos diante –
por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças – até meia légua
da terra, onde todos lançamos ancoras, em frente da boca de um rio. E chega-
ríamos a esta ancoragem às dez horas, pouco mais ou menos.
E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito,
segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capi-
tães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E o Capitão mandou

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em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-
se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que,
quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte.
Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.
Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção
ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os
depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aprovei-
tasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete ver-
melho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto.
E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com
uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe
deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de
aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto
se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa
do mar.”

In http://www.cce.ufsc.br/~nupill/
literatura/carta.html. Acesso em 16/4/2007.

Texto 2
Iracema (Capítulo VII)

“Iracema passou entre as árvores, silenciosa como uma sombra; seu


olhar cintilante coava entre as folhas, qual frouxo raio de estrelas; ela escu-
tava o silêncio profundo da noite e aspirava as auras sutis que aflavam.
Parou. Uma sombra resvalava entre as ramas; e nas folhas crepitava um
passo ligeiro, se não era o roer de algum inseto. A pouco e pouco o tênue
rumor foi crescendo e a sombra avultou.
Era um guerreiro. De um salto a virgem estava em face dele, trêmula de
susto e mais de cólera.
— Iracema! exclamou o guerreiro recuando.
— Anhanga turbou sem dúvida o sono de Irapuã, que o trouxe perdido
ao bosque da jurema, onde nenhum guerreiro penetra contra a vontade de
Araquém.
— Não foi Anhanga, mas a lembrança de Iracema, que turbou o sono do
primeiro guerreiro tabajara. Irapuã desceu do seu ninho de águia para seguir

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na várzea a garça do rio. Chegou, e Iracema fugiu de seus olhos. As vozes


da taba contaram ao ouvido do chefe que um estrangeiro era vindo à caba-
na de Araquém.
A virgem estremeceu. O guerreiro cravou nela o olhar abrasado:
— O coração aqui no peito de Irapuã ficou tigre. Pulou de raiva. Veio fare-
jando a presa. O estrangeiro está no bosque, e Iracema o acompanhava.
Quero beber-lhe o sangue todo: quando o sangue do guerreiro branco correr
nas veias do chefe tabajara, talvez o ame a filha de Araquém.
A pupila negra da virgem cintilou na treva, e de seu lábio borbulhou,
como gotas do leite cáustico de eufórbia, um sorriso de desprezo:
— Nunca Iracema daria seu seio, que o espírito de Tupã habita só, ao
guerreiro mais vil dos guerreiros tabajaras! Torpe é o morcego porque foge
da luz e bebe o sangue da vítima adormecida!
— Filha de Araquém, não assanha o jaguar. O nome de Irapuã voa mais
longe que o goaná do lago, quando sente a chuva além das serras. Que o
guerreiro branco venha, e o seio de Iracema se abra para o vencedor.
— O guerreiro branco é hóspede de Araquém. A paz o trouxe aos cam-
pos de Ipu, a paz o guarda. Quem ofender o estrangeiro, ofende o Pajé.
Rugiu de sanha o chefe tabajara:
— A raiva de Irapuã só ouve agora o grito de vingança. O estrangeiro vai
morrer.
— A filha de Araquém é mais forte que o chefe dos guerreiros, disse
Iracema travando da inúbia. Ela tem aqui a voz de Tupã, que chama seu
povo.
— Mas não chamará! respondeu o chefe escarnecendo.
— Não, porque Irapuã vai ser punido pela mão de Iracema. Seu primei-
ro passo é o passo da morte.
A virgem retraiu dum salto o avanço que tomara, e vibrou o arco. O chefe
cerrou ainda o punho do formidável tacape; mas pela vez primeira sentiu que
pesava ao braço robusto. O golpe que devia ferir Iracema, ainda não alçado,
já lhe trespassava, a ele próprio, o coração. Conheceu quanto o varão forte
é, pela sua mesma fortaleza, mais cativo das grandes paixões.
— A sombra de Iracema não esconderá sempre o estrangeiro à vingan-
ça de Irapuã. Viu é o guerreiro, que se deixa proteger por uma mulher.
Dizendo estas palavras, o chefe desapareceu entre as árvores.
A virgem sempre alerta volveu para o cristão adormecido; e velou o

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resto da noite a seu lado. As emoções recentes, que agitaram sua alma, a
abriram ainda mais à doce afeição, que iam filtrando nela os olhos do
estrangeiro.
Desejava abrigá-lo contra todo o perigo, recolhê-lo em si como em um
asilo impenetrável. Acompanhando o pensamento, seus braços cingiam a
cabeça do guerreiro, e a apertavam ao seio.
Mas, quando passou a alegria de o ver salvo dos perigos da noite,
entrou-a mais viva inquietação, com a lembrança dos novos perigos que iam
surgir.
— O amor de Iracema é como o vento dos areais; mata a flor das arvo-
res: suspirou a virgem.
E afastou-se lentamente.”
Alencar, José. Iracema.
São Paulo: Clube do Livro, 1980.

Descreva a configuração do espaço de enunciação brasileiro


em cada um dos textos apresentados (textos 1 e 2), indicando a
que períodos pertencem. Tome como base as leituras dos textos
teóricos sobre a formação do espaço de enunciação brasileiro indi-
cados anteriormente. Justifique sua resposta com palavras, cons-
truções gramaticais, etc., retiradas dos textos.

■ Atividade 1-B

Tendo em vista o modo de constituição do espaço de enuncia-


ção brasileiro, responda às seguintes questões.

1. O que significou para a história da língua portuguesa no Brasil


a imposição do português como língua oficial da colônia?
2. A saída dos holandeses do Brasil foi significativa para a cons-
tituição do espaço enunciativo brasileiro. Por quê? O que há
de semelhante entre as línguas portuguesa e holandesa?
Qual a relação dessas línguas com as línguas dos índios?
3. De que modo podemos entender a importância do Diretório

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dos Índios, de 1757, no processo da constituição do portu-


guês como língua nacional e língua oficial do Brasil?
4. O que significou para a história do português a chegada da
Família Real em 1808?

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2. O português no/do Brasil

o funcionamento dos espaços de enunciação dos Estados


N modernos está sempre presente a questão da língua oficial e
nacional do Estado e seu povo. Insere-se aí também a questão da
língua materna. O objetivo da próxima atividade é refletir sobre a
relação entre esses três aspectos do funcionamento lingüístico.
Na medida em que o Estado nacional é o modo de organização
política fundamental no mundo moderno coloca-se, do ponto de
vista das línguas, a questão da língua do Estado e sua relação
com outras línguas.
No Brasil, a língua oficial é a língua portuguesa, mas isso não
significa que ela seja a única presente no espaço de enunciação
brasileiro. Coexistem com ela outras línguas.
Além disso, a língua portuguesa também não é uma; ela se
divide por estar em relação com seus falantes e falantes de outras
línguas no espaço de enunciação brasileiro. Faz-se necessário,
então, refletirmos sobre o modo como se dão as relações entre lín-
guas e, a partir disso, sobre o modo como tratar a diversidade lin-
güística no ensino de língua portuguesa.
Vamos, então, considerar alguns modos de funcionamento das

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línguas relativamente a seus falantes em condições históricas


específicas. Para isso, tomaremos as seguintes distinções:

P Língua materna: é a língua cujos falantes a praticam pelo


fato de a sociedade em que nascem a praticar; nessa medida
ela é, em geral, a língua que se apresenta como primeira para
seus falantes.

PLíngua nacional: é a língua de um povo, enquanto língua que


o caracteriza, que dá a seus falantes uma relação de pertenci-
mento a esse povo.

PLíngua oficial: é a língua, institucionalmente reconhecida, de


um Estado, aquela que é obrigatória nas ações formais do
Estado, nos seus atos legais.

Além desses aspectos do funcionamento político das línguas


em um determinado espaço de enunciação, ainda temos outros
dois modos de funcionamento das línguas. São eles:

P Língua geral: trata-se de uma língua constituída a partir de


línguas indígenas e que eram praticadas no contato entre índi-
os de tribos diferentes e para o contato com os portugueses.
Eram, portanto, línguas francas.

P Língua franca: é aquela que é praticada por grupos de falan-

tes de línguas distintas; é uma língua comum entre aqueles


que falam línguas diferentes2.

2
Para saber mais sobre esses modos de funcionamento das línguas, consulte o site
http://www.labeurb.unicamp.br/elb/.

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Podemos utilizar os conceitos de língua materna, língua nacional


e língua oficial para caracterizar e compreender como funciona no
Brasil a diversidade do português e das outras línguas faladas no
país. Compreender esse funcionamento significa compreender:
a) o modo como as línguas operam no espaço enunciativo bra-
sileiro e afetam o sentido do que seja língua portuguesa; e
b) o modo pelo qual esse sentido opera na distribuição das lín-
guas que constituem o espaço de enunciação brasileiro.
Uma mesma língua pode ser ao mesmo tempo a língua oficial
de um Estado e a língua nacional de seu povo. É possível também
que uma língua seja a língua oficial de uma nação mas essa nação
pode ter uma outra língua nacional. Além disso, é possível também
que a língua oficial não coincida com a língua materna. Pode haver
outras línguas maternas se considerarmos que no espaço de enun-
ciação de um país estão em relação várias lín-
Tratamos essa ques-
guas, como é o caso, por exemplo, dos povos
tão de forma mais
aprofundada no fascículo indígenas do Brasil que aprendem a falar primei-
teórico, no item “O espaço ro a língua de sua tribo, que seria então a sua lín-
de enunciação brasileiro”
gua materna, e, depois, podem ou não aprender
(página 13 e seguintes).
a língua portuguesa, que é a língua oficial.

■ Atividade 2

Para refletir sobre a diversidade lingüística e seu funcionamen-


to no espaço de enunciação, leia os textos que apresentaremos a
seguir, observando os sentidos da expressão língua materna.
Observe também a concepção de língua que esses textos trazem.

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TEXTO 1

Uma segunda língua: por que e quando


NORA MACHALOUS e FERNANDO CÉSAR CAPOVILLA
Colaboração para a Folha Online

Uma língua deve-se entender por não apenas em sua língua materna,
um código, culturalmente herdado, um mas também na língua do país de ori-
valor social, algo coletivo e uniforme, gem da escola. Para tal, professores
uma estrutura organizada que tem seus destes países têm a tarefa de realizar a
limites e é adquirida inconscientemente alfabetização na língua estrangeira e
pelo indivíduo imerso numa comunida- professores do país ensinam a língua
de social. materna.
Quando isto não ocorre de forma Esse sistema é especialmente
inconsciente, o aprendizado deve se importante para crianças que passam
dar consciente e sistematicamente, alguns anos em países diferentes de
como ocorre no ensino de uma língua seu país de origem, pois, neste caso,
estrangeira. quando a criança retornar à sua pátria,
Com a globalização, as fronteiras ela poderá dar continuidade aos estu-
têm sido cada vez menores, portanto dos sem grandes interrupções. E esta
há a necessidade de se conhecer ou- mesma porta está aberta a todos os
tras línguas e outras culturas para alunos, ou seja, qualquer criança pode
poder interagir com outros povos, que ser alfabetizada em duas línguas,
já não estão mais tão distantes. desde que alguns critérios sejam
Quem reside na cidade de São observados.
Paulo tem um interesse ainda maior em Quanto mais cedo melhor. Sabe-se
aprender um idioma estrangeiro, pois que uma segunda língua é mais facil-
aqui existe a maior concentração de mente aprendida durante a infância,
multinacionais do país. pois o cérebro ainda está em formação.
Procurando uma maior eficiência e O indivíduo com proficiência em um idi-
facilitação no ensino de línguas estran- oma não precisa traduzir de seu idioma
geiras, há uma grande quantidade de materno para o idioma estrangeiro para
escolas “internacionais”, nas quais os poder falar, ou seja, não precisa traduzir
alunos geralmente são alfabetizados da língua com que pensa para a língua

. 19 .
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com que quer falar, pois o uso desta depois de um ano, em média, as crian-
segunda língua já está automatizado. ças são instruídas apenas sobre as
É justamente essa automatização diferenças de uma língua para a outra
que as escolas bilíngües buscam no no que se refere às relações grafe-
uso da segunda língua. Tais escolas ma–fonema (letra–som).
objetivam que a língua estrangeira este- Mas há alguns cuidados a serem
ja tão automatizada quanto a língua tomados. Alunos com sinais claros de
materna. Além disso, aprendendo um dislexia devem receber uma atenção
idioma, faz parte do “pacote” todo um maior. Crianças com outros distúrbios
universo cultural, que quanto mais cedo de aprendizagem também devem rece-
se conhece, mais fácil fica interagir com ber atenção redobrada. Mas as grandes
as pessoas que trafegam nesta cultura. escolas bilíngües costumam ter profis-
A alfabetização bilíngüe pode se sionais especializados para detectar
dar de modo simultâneo ou seqüencial. estes casos e prestar a assessoria
Na simultânea, como o próprio nome já necessária.
diz, se dá simultaneamente nas duas
línguas. Na seqüencial, a alfabetização, Folha de S.Paulo, 12/4/2005.
inicialmente, se dá em uma língua e,

Nora Machalous é coordenadora e professora de alemão do Colégio Humboldt e douto-


randa do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
Fernando César Capovilla é professor associado do Instituto de Psicologia da
Universidade de São Paulo.

TEXTO 2

Índios estão perdendo língua materna,


diz CNBB em campanha
Da Agência Folha

Os cerca de 4.000 índios urbanos Essas são algumas das conclusões do


de Campo Grande sofrem com baixa 1º Censo Urbano Indígena de Campo
renda, têm pouca escolaridade e estão Grande, divulgado nesta quarta-feira
aos poucos perdendo a língua materna. como parte do lançamento da

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Campanha da Fraternidade 2002, even- civil e de empregada doméstica.


to anual da Igreja Católica, que este ano O nível escolar é igualmente baixo:
traz como tema os povos indígenas. 69% têm apenas o 1º grau incompleto e
É a primeira pesquisa do gênero 13% não receberam nenhuma instrução
realizada no país, segundo a formal.
Arquidiocese de Campo Grande, que “A estratégia de sobrevivência dos
coordenou o censo. Ao todo, foram terenas, hoje confinados em pequenos
cadastrados 3.835 índios, divididos em territórios, foi se adaptar ao meio urba-
918 famílias. no, mas eles só percebem que não têm
Praticamente todos são de aldeias qualificação quando chegam à cidade”,
do interior de Mato Grosso do Sul, que afirma o terena Wanderley Cardoso, 29,
tem a segunda maior população indíge- recém-formado em história.
na do país, com pouco mais de 46 mil O censo também mostra que os
índios. O Estado com maior população índios estão aos poucos perdendo a lín-
indígena é o Amazonas, com cerca de gua materna. Em geral, 40% ainda
90 mil índios. falam a língua de origem, mas esse
A imensa maioria dos que vivem número cai para 11% quando se consi-
em Campo Grande, 80%, são terenas, deram apenas os filhos.
etnia que vive principalmente na região Para Cardoso, que fala a língua,
do Pantanal sul-mato-grossense. isso não significa necessariamente que
De acordo com o censo, a maior a identidade esteja se perdendo. “Só o
dificuldade está no binômio ren- fato de o índio se identificar como tere-
da/escolaridade. Cerca de 45,64% dos na ou guarani mesmo sem falar a língua
chefes de família ganham até um salá- é uma prova de que ele mantém sua
rio mínimo. Apenas 2,94% ganham identidade.”
acima de 5 salários mínimos. As ocupa-
Folha de S.Paulo, 13/2/2002.
ções mais comuns são na construção

. 21 .
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TEXTO 3

Português da FGV-SP avalia


competências distintas
Fernanda Iema Pinto
da Folha Online

A prova de português da segunda essas questões, sem dúvida, são um


fase do processo seletivo 2003 da FGV- índice de bom desempenho em língua
SP (Fundação Getúlio Vargas de São materna”, conclui.
Paulo), comparada com a da primeira A segunda fase do concurso foi apli-
etapa do vestibular, não traz novidade cada neste domingo, das 9h30 às
no que diz respeito aos tópicos da pro- 15h30. O exame era composto por três
gramação. provas discursivas, com intervalo entre
No entanto, de acordo com o elas: raciocínio matemático (duas ho-
supervisor da disciplina do Anglo Ves- ras, peso dois), língua portuguesa (uma
tibulares, Dácio de Castro, o exame hora, peso um) e redação em língua por-
apresenta diferença de foco, ou seja, tuguesa (uma hora e meia, peso um).
avalia privilegiadamente competências (...)
distintas. Os candidatos selecionados para
Segundo Castro, um dos focos da esta etapa do processo seletivo foram
avaliação, como é próprio de toda prova os que obtiveram as médias mais altas
escrita, é a capacidade do candidato na primeira fase do concurso, indepen-
para formalizar as respostas, demons- dentemente de sua opção por adminis-
trando sua aptidão para articular o pen- tração de empresas ou administração
samento e expressar-se com clareza e pública. (...)
correção. “O outro foco incide sobre sua A FGV-SP vai oferecer 150 vagas
aptidão para reconhecer sentidos de para o curso de administração de
palavras postas em contexto”, explica o empresas e 50 para administração
supervisor. pública. A divulgação dos aprovados no
Para Castro, embora em menos vestibular e da lista de espera será no
quantidade, há questões que exigem dia 14 de dezembro.
competência de descrever fatos grama-
ticais e justificar usos típicos da norma Folha de S.Paulo, 01/12/2002.
culta escrita. “As respostas acertadas a

. 22 .
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Considerando os três textos, responda às questões seguintes.


1. Tome como objeto de atenção a expressão língua materna:
qual o sentido dela em cada um dos três textos?
2. Retome as definições de língua materna, língua nacional e
língua oficial, que foram dadas na parte teórica, e compare-
as com os conceitos de língua materna dados nos textos 1,
2 e 3. A que definições cada conceito de língua materna cor-
responde?
3. Qual é a língua materna no Brasil? Qual é a nossa língua
nacional? Qual é a língua oficial?
4. Considere como exemplo o espaço de relação de línguas de
Guiné-Bissau, no qual se fala, entre outras línguas, o portu-
guês. Sobre esse assunto, leia texto 4, a seguir. Depois res-
ponda: Qual é a língua materna? Qual é a língua nacional?
Qual é a língua oficial de Guiné-Bissau?
5. Compare as respostas sobre o espaço de enunciação brasi-
leiro e o de Guiné-Bissau. O que se pode observar sobre o
espaço de enunciação brasileiro?

TEXTO 4

Os deputados que votam sem ler

Cansados de apreciar projetos cuja escrita não entendem, parlamentares


de Guiné-Bissau querem curso de língua portuguesa
Os deputados de Guiné-Bissau querem aulas de português. Mais de 50
dos cem políticos guineenses enviaram um pedido à Embaixada de Portugal
em Bissau para participar de cursos sobre o idioma, que devem começar em
setembro.
Segundo o cabeça da reivindicação, Armando Procel, primeiro-secretário
da Assembléia Popular (o parlamento do país), o objetivo da medida é comba-
ter a falta de rigor no órgão, em que os parlamentares usam o crioulo em vez
do português, idioma constitucional, só usado por eles em discursos oficiais.

. 23 .
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Procel afirmou à agência de notícias Lusa que Guiné-Bissau não pode


correr o risco de se tornar um país cujo idioma oficial é negligenciado pelos
próprios governantes. Segundo ele, a falta de familiaridade com o idioma faz

com que os deputados acabem aprovando documentos que não sabem ao
certo o que significam. Apenas 11% da população de 9,5 milhões de habi-
tantes tem o nosso idioma como primeira língua.
Cerca de 20 funcionários do parlamento também devem passar pelos
cursos, que terão cooperação portuguesa. Hoje, há 20 professores de língua
portuguesa no país, número que deverá ser duplicado quando começarem
as aulas.
O parlamento também estuda uma proposta de lei que torna obrigatório
o uso do português nos meios de comunicação, em pelo menos metade da
programação. A iniciativa faz parte de uma série de ações de valorização do
idioma, que resultará na criação de um órgão, a Associação Lusófona.

Língua Portuguesa, Ano 1, n. 10, 2006.

. 24 .
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3. O português enquanto língua


nacional

formação do espaço de enunciação brasileiro caracterizou-se


A pela consolidação da língua portuguesa como língua oficial e,
mais tarde, como língua nacional do Brasil. Isso foi possível porque,
historicamente, inúmeros fatores contribuíram para a legitimação e
a institucionalização da língua portuguesa, como já observamos nas
discussões anteriores.
As outras línguas faladas no Brasil, como as línguas indígenas,
por exemplo, foram sendo ignoradas através de medidas que for-
taleciam a circulação da língua portuguesa. Entretanto, a relação
da língua portuguesa com essas outras línguas fez com que ela se
dividisse em outros falares. Muitos intelectuais, em fins do sécu-
lo XIX, já apontavam diferenças entre a língua portuguesa falada
no Brasil e a língua portuguesa falada em Portugal, e cogitava-se
a possibilidade de nomear-se a língua portuguesa como língua bra-
sileira. Mas isso não ocorreu.
Podemos então nos perguntar: quais são os sentidos de se fir-
mar a língua portuguesa com o nome da língua oficial e nacional

. 25 .
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de uma nação que começava a se constituir


Sugerimos, para a rea-
lização desta ativida- como Estado independente no século XIX?
de, a releitura do item A atividade seguinte conduz a uma reflexão
“Línguas do Brasil, civiliza- sobre os sentidos de se estabelecer a língua
ção e cultura”, no fascículo
teórico (página 16 e seguin-
portuguesa como a língua nacional e oficial do
tes), e também de Brasil e, também, pensar em como isso foi pos-
Guimarães (2005), “A língua sível. Para tanto, poderíamos pensar no papel da
portuguesa no Brasil”, in
Ciência e Cultura, v. 57, n. 2,
escola, das gramáticas e dicionários, bem como
2005. Sugerimos, ainda, na mídia e nas medidas do Estado para que isso
rever as definições dadas se tornasse possível.
anteriormente para língua
nacional e língua oficial.

■ Atividade 3

Leia o trecho abaixo, extraído do livro Triste Fim de Policarpo


Quaresma, de Lima Barreto. Trata-se de um requerimento para
transformar a língua tupi em língua nacional e oficial no lugar do
português. Policarpo Quaresma é ridicularizado por fazer tal pro-
posta. Comente por que a proposta de Policarpo Quaresma foi ridi-
cularizada. Por que não é possível que a língua tupi-guarani se
torne a língua oficial e nacional do Brasil?

Texto

Trecho de Triste Fim de Policarpo Quaresma

“Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de


que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por
esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se
vêem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras áspe-

. 26 .
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ras dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país,
os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se enten-
dem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas
polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma – usando
do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso
Nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo brasi-
leiro. O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam
em favor de sua idéia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta
manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e origi-
nal; e, portanto, a emancipação política do país requer como complemento
e conseqüência a sua emancipação idiomática. Demais, Senhores
Congressistas, o tupi-guarani, língua originalíssima, aglutinante, é verdade,
mas a que o polissintetismo dá múltiplas feições de riqueza, é a única capaz
de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em relação com a nossa natureza
e adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por ser cri-
ação de povos que aqui viveram e ainda vivem, portanto possuidores da orga-
nização fisiológica e psicológica para que tendemos, evitando-se dessa forma
as estéreis controvérsias gramaticais, oriundas de uma difícil adaptação de
uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso apare-
lho vocal – controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa cultura
literária, científica e filosófica. Seguro de que a sabedoria dos legisladores
saberá encontrar meios para realizar semelhante medida e cônscio de que a
Câmara e o Senado pesarão o seu alcance e utilidade P. e E. deferimento’.
Assinado e devidamente estampilhado, este requerimento do major foi
durante dias assunto de todas as palestras. Publicado em todos os jornais,
com comentários facetos, não havia quem não fizesse uma pilhéria sobre
ele, quem não ensaiasse um espírito à custa da lembrança de Quaresma.
Não ficaram nisso; a curiosidade malsã quis mais.”

In http://www.odialetico.hpg.ig.com.br/literatura/tristefim.htm.
Acesso em 17/10/2006.

. 27 .
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■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■

4. Espaço de enunciação:
línguas e falantes

ma língua, ao funcionar, se divide em virtude de sua relação com


U seus falantes. No espaço de enunciação, os falantes não são
tomados enquanto indivíduos psicológicos. O falante também não é
um indivíduo que escolhe sua língua. Do ponto de vista aqui assu-
mido, os falantes são caracterizados sócio-historicamente pelo
modo como são tomados pelas línguas e por suas divisões. Nesta
medida, eles se distinguem lingüisticamente.
Consideremos a língua portuguesa do Brasil desse ponto de
vista. Enquanto língua do Estado e língua nacional, o português
dispõe de instituições (a Escola, por exemplo) e instrumentos
específicos de organização do espaço de enunciação: a gramática
e o dicionário, que legitimam e difundem a língua portuguesa nor-
matizada.
Essas instituições e instrumentações da língua trabalham
incessantemente sua divisão entre o que é considerado correto e
o que é considerado errado nas línguas. Diante disso, pode-se per-
guntar: o que essa distribuição desigual faz dos falantes?

. 28 .
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■ Atividade 4

Levando-se em conta o conceito de espaço de enunciação


enquanto um espaço de relação de línguas e falantes, apresentare-
mos a seguir uma atividade que toma essa noção como aparato teó-
rico para refletir sobre a questão dos estrangeirismos, que nada
mais são do que um modo de tratar certos efeitos de relação de uma
língua estrangeira com o português. Por língua estrangeira entenda-
se a língua cujos falantes são o povo de uma Nação e de um Estado
diferentes daquele dos falantes tomados como referência.
Se pensarmos no modo como se constitui o espaço enunciati-
vo brasileiro, isto é, quais línguas fazem parte dele, é interessan-
te pensar também sobre o que é o estrangeirismo e o que isso sig-
nifica para o falante, uma vez que este é determinado pelas lín-
guas que fala.
Considere o texto a seguir, letra de uma música de Zeca
Baleiro.

Samba do approach
Zeca Baleiro

Venha provar meu brunch


saiba que eu tenho approach
na hora do lunch
eu ando de ferryboat

Eu tenho savoir-faire
meu temperamento é light
minha casa é hi-tech
toda hora rola um insight
já fui fã do Jethro Tull
hoje me amarro no Slash
minha vida agora é cool
meu passado é que foi trash

. 29 .
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Fica ligada no link


que eu vou confessar, my love
depois do décimo drink
só um bom e velho engov
eu tirei o meu green card
e fui pra Miami Beach
posso não ser pop star
mas já sou um nouveau riche

Eu tenho sex-appeal
saca só meu background
veloz como Damon Hill
tenaz como Fittipaldi
não dispenso um happy end
quero jogar no dream team
de dia um macho man
e de noite uma drag queen

Procure, agora, responder às perguntas que seguem.

1. O texto é constituído por um cruzamento de línguas de um


espaço de enunciação específico. Quais línguas caracteri-
zam esse espaço?
2. Qual o domínio de sentidos que as palavras em inglês tra-
zem para o texto?
3. Pensando no personagem da música, o que podemos dizer
dele? Caracterize-o, considerando as línguas que ele fala.
4. Que efeito de sentido o texto produz no funcionamento destas
palavras “estrangeiras”? Isto é, de que modo o autor da músi-
ca, enquanto falante3, é determinado pela língua inglesa?

3
Falante no sentido em que aparece nos itens “Língua e espaço de enunciação” e “A diver-
sidade do português do Brasil”, do fascículo teórico (páginas 8 e seguintes e 19 e seguin-
tes, respectivamente).

. 30 .
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5. Em nosso cotidiano, em que lugares ou situações a língua


inglesa entra no português? A letra da música segue essa
tendência?
6. O que significa a presença do inglês nessa música?
7. Os “estrangeirismos” costumam ser considerados um pro-
blema, por alguns lingüistas. Como você costuma tratá-los
no ensino de língua portuguesa? A partir do que foi discuti-
do sobre espaço de enunciação e a relação entre línguas e
falantes, como você passaria a tratar a relação da língua
portuguesa com as línguas estrangeiras?

. 31 .
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5. Diversidade das línguas

o Brasil, país oficialmente monolíngüe, são praticadas muitas


N línguas que constituem o espaço de enunciação brasileiro: as
línguas indígenas, as línguas dos imigrantes e as línguas africanas,
além das próprias divisões do português. Para tratar mais especifi-
camente das divisões do português, consideremos aqui a classifica-
ção dos falares de Antenor Nascentes. Para ele, há no Brasil sete
falares: amazônico, nordestino, baiano, mineiro, fluminense, sulista,
e incaracterístico.

RR AP

AM
PA
AMAZÔNICO
MA CE
RN
NORDESTINO PB
PI PE
AC AL
RO SE
INCARACTERÍSTICO TO
BA

BAIANO
MT
GO MG

MS
MINEIRO
ES
SULISTA FLUMINENSE
SP
RJ

PR

SC

RS

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O mapa nos dá visibilidade do modo como os falares – termo


usado por Nascentes – são praticados no Brasil. É interessante
notar a especificidade com que esses falares, que funcionam cada
um como se fosse uma língua própria da região, estão distribuídos
no território nacional.

■ Atividade 5

Responda, agora, às perguntas:

1. Tomando por base a divisão de Antenor Nascentes, relativa-


mente às divisões geográficas brasileiras, como se dão as
divisões da língua? O que isso significa?
2. Tomando a língua da Escola como referência, de que forma
esses falares se organizam uns em relação aos outros
nesse espaço? Que tipo de relação se estabelece entre
eles?

5-A. Distribuição das línguas no/do Brasil


Como já vimos pelas atividades anteriores, o espaço de enun-
ciação brasileiro é constituído por várias línguas distribuídas desi-
gualmente para seus falantes. Essa distribuição desigual produz
duas ordens de divisão social da língua no seu funcionamento. De
um lado, uma divisão vertical, e, de outro, uma divisão horizontal.
A divisão vertical produz uma distinção entre duas variedades
da língua que chamaremos de registros: o registro formal e o regis-
tro coloquial.
O registro formal caracteriza-se como a língua escrita dos docu-
mentos oficiais, dos textos da mídia, da ciência, da literatura e de
outros gêneros correlatos. O registro coloquial é a língua praticada

. 33 .
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no dia-a-dia. Este segundo registro tem divisões muito variadas.


Podemos considerar, segundo as descrições geralmente feitas
pelos lingüistas, duas subdivisões: a língua coloquial de pessoas
de alta escolaridade e a língua coloquial de pessoas de pouca
escolaridade.
Esses registros são organizados pela dominância do registro
formal sobre os coloquiais, ou seja, há uma hierarquia estabeleci-
da histórica e socialmente entre tais registros. Podemos represen-
tar essa dominância no quadro a seguir:

REGISTRO FORMAL

REGISTROS COLOQUIAIS DE PESSOAS ESCOLARIZADAS

REGISTROS COLOQUIAIS DE PESSOAS NÃO-ESCOLARIZADAS

onde ▼ significa superior a.

■ Atividade 5-A

Levando em conta a relação de hierarquia dos registros, tome-


mos duas “línguas” para serem analisadas, considerando as cate-
gorias usadas para os registros. Observemos outras duas letras
de música para serem analisadas.

. 34 .
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Carta ao Tom
Toquinho

Rua Nascimento Silva, cento e sete


você ensinando para Elizete
as canções de canção do amor demais
lembra que tempo feliz, ai, que saudade
Ipanema era só felicidade,
era como se o amor doesse em paz

Nossa famosa garota nem sabia


a que ponto a cidade turvaria
esse Rio de amor que se perdeu

Mesmo a tristeza da gente era mais bela


e além disso se via da janela
um cantinho de céu e o Redentor

É, meu amigo, só resta uma certeza


é preciso acabar com essa tristeza
é preciso inventar de novo o amor

Boladona
Tati Quebra-Barraco

Na madruga boladona,
sentada na esquina.
Esperando tu passar
altas horas da matina
Com o esquema todo armado,
esperando tu chegar
pra balançar o seu coreto
pra você de mim lembrar

. 35 .
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Sou cachorra sou gatinha não adianta se esquivar


vou soltar a minha fera eu boto o bicho pra pegar

Sou cachorra sou gatinha não adianta se esquivar


vou soltar a minha fera, eu boto o bicho pra pegar

Boladona...

1. No que se refere à língua dessas músicas, ela é a mesma?


Trata-se da mesma língua portuguesa?
2. A partir de uma posição normativa sobre a língua, o que se
pode dizer do falante de cada uma das ”línguas” dessas
duas músicas?
3. Considerando a diversidade do português no Brasil, compa-
re as letras das duas músicas acima. Como elas costumam
ser hierarquizadas em virtude desse aspecto?

5-B. Diversidade lingüística


As divisões horizontais, ou seja, a distribuição dos falares do
Brasil são também politicamente hierarquizadas entre si. E essa
hierarquização se torna mais específica quando a divisão hori-
zontal é atravessada pela divisão vertical. Deste modo, certos
falares regionais são significados só como línguas coloquiais, e
mais especificamente como línguas coloquiais de pessoas não-
escolarizadas, ou seja, é como se numa língua regional (num
falar) não houvesse a distinção entre registro formal e registro
coloquial. Essa língua regional é interpretada como se ela
fosse uniforme e sempre “errada”. Se tomarmos como exemplo
o caso da cidade de São Paulo – especificamente a questão da
relação dos falares do português que se dão aí em virtude da
migração interna que teve como destino essa cidade –, poderí-

. 36 .
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amos observar que há, por exemplo, entre os falares regionais,


algo como:

FALAR DO SUL (Paulista)



FALAR NORDESTINO — FALAR BAIANO

Tal configuração da hierarquização para o espaço de enuncia-


ção, tomando como ponto de observação as divisões das línguas
na cidade de São Paulo, se sustenta na observação do modo
como, por exemplo, a Escola não aceita os diversos falares regio-
nais, corrigindo-os a partir do falar paulista.
Essa hierarquia que distribui politicamente as divisões horizon-
tais da língua é afetada pela primeira (a hierarquia dos registros)
e se produz como resultado que a língua do nordeste é afastada
do registro formal (como se não houvesse um modo formal de falar
nordestino). A que isso leva? Leva a que, para os falantes desses
falares não incluídos, a língua formal não é a sua. No caso do
exemplo, a língua formal é a do sul (paulista). E todas as línguas
dos imigrantes nordestinos são assim significadas, no espaço de
enunciação das cidades de São Paulo, como erradas. Ou seja, o
efeito dessa sobreposição vai mais longe do que simplesmente
reduzir a língua a seus registros coloquiais.

FALARES DO SUL (GAÚCHO — PAULISTA) — FALAR FLUMINENSE —


FALAR MINEIRO — FALAR NORDESTINO

FALAR CUIABANO

. 37 .
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■ Atividade 5-B

Levando em consideração o modo como a divisão vertical afeta


a divisão horizontal e os sentidos produzidos, tomaremos como
objeto de análise os dois poemas que seguem: “Em face dos últi-
mos acontecimentos”, de Carlos Drummond de Andrade, e “Aos
poetas clássicos”, de Patativa do Assaré.

Em face dos últimos acontecimentos


Carlos Drummond de Andrade

Oh! sejamos pornográficos Teus amigos estão sorrindo


(docemente pornográficos). de tua última resolução.
Por que seremos mais castos Pensavam que o suicídio
Que o nosso avô português? Fosse a última resolução.
Não compreendem, coitados
Oh! sejamos navegantes, que o melhor é ser pornográfico.
bandeirantes e guerreiros, Propõe isso a teu vizinho,
sejamos tudo que quiserem, ao condutor do teu bonde,
sobretudo pornográficos. a todas as criaturas
A tarde pode ser triste que são inúteis e existem,
e as mulheres podem doer propõe ao homem de óculos
como dói um soco no olho e à mulher da trouxa de roupa.
(pornográficos, pornográficos). Dize a todos: Meus irmãos,
não quereis ser pornográficos?

Aos poetas clássicos


Patativa do Assaré

Poetas niversitário, Eu quero pedir licença,


Poetas de Cademia, Pois mesmo sem português
De rico vocabularo Neste livrinho apresento
Cheio de mitologia; O prazê e o sofrimento
Se a gente canta o que pensa, De um poeta camponês.

. 38 .
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Eu nasci aqui no mato, Na minha pobre linguage,


Vivi sempre a trabaiá, A minha lira servage
Neste meu pobre recato, Canto o que minha arma sente
Eu não pude estudá. E o meu coração incerra,
No verdô de minha idade, As coisa de minha terra
Só tive a felicidade E a vida de minha gente.
De dá um pequeno insaio
In dois livro do iscritô, Poeta niversitaro,
O famoso professô Poeta de Cademia,
Filisberto de Carvaio. De rico vocabularo
Cheio de mitologia,
No premêro livro havia Tarvez este meu livrinho
Belas figuras na capa, Não vá recebê carinho,
E no começo se lia: Nem lugio e nem istima,
Apá — O dedo do Papa, Mas garanto sê fié
Papa, pia, dedo, dado, E não istruí papé
Pua, o pote de melado, Com poesia sem rima.
Dá-me o dado, a fera é má
E tantas coisa bonita, Cheio de rima e sintindo
Qui o meu coração parpita Quero iscrevê meu volume,
Quando eu pego a rescordá. Pra não ficá parecido
Foi os livro de valô Com a fulô sem perfume;
Mais maió que vi no mundo, A poesia sem rima,
Apenas daquele autô Bastante me disanima
Li o premêro e o segundo; E alegria não me dá;
Mas, porém, esta leitura, Não tem sabô a leitura,
Me tirô da treva escura, Parece uma noite iscura
Mostrando o caminho certo, Sem istrela e sem luá.
Bastante me protegeu;
Eu juro que Jesus deu Se um dotô me perguntá
Sarvação a Filisberto. Se o verso sem rima presta,
Calado eu não vou ficá,
Depois que os dois livro eu li, A minha resposta é esta:
Fiquei me sintindo bem, — Sem a rima, a poesia
E ôtras coisinha aprendi Perde arguma simpatia
Sem tê lição de ninguém. E uma parte do primô;

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Não merece munta parma, Da poêra do sertão;


É como o corpo sem arma Vivo nesta solidade
E o coração sem amô. Bem destante da cidade

Onde a ciença guverna.


Meu caro amigo poeta, Tudo meu é naturá,
Qui faz poesia branca, Não sou capaz de gostá
Não me chame de pateta Da poesia moderna.
Por esta opinião franca.
Nasci entre a natureza, Dêste jeito Deus me quis
Sempre adorando as beleza E assim eu me sinto bem;
Das obra do Criadô, Me considero feliz
Uvindo o vento na serva Sem nunca invejá quem tem
E vendo no campo a reva Profundo conhecimento.
Pintadinha de fulô. Ou ligêro como o vento
Ou divagá como a lêsma,
Sou um caboco rocêro, Tudo sofre a mesma prova,
Sem letra e sem istrução; Vai batê na fria cova;
O meu verso tem o chêro Esta vida é sempre a mesma.

Agora, responda às questões.


1. Tendo em vista a divisão vertical, tratada no fascículo, no
item “A diversidade do português do Brasil”, em que tipo de
registro cada um dos textos está escrito? Justifique sua res-
posta.
2. Pensando agora a divisão horizontal, quais são os falares
em cada um dos textos?
3. É possível afirmar que há diferença de prestígio entre os tex-
tos? Justifique sua resposta.
4. Uma divisão da língua, tal como tratada no item “A diversida-
de do português do Brasil”, pode ter efeitos na literatura?
De que modo podemos caracterizar os poemas segundo
essa divisão?

. 40 .
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6. Sobreposição das línguas –


Efeito no ensino

divisão da língua, que elege um falar (ou falares) em detrimento


A de outro ou outros, tem uma repercussão particular se observa-
mos que essa hierarquia traz consigo, além da sobreposição da lín-
gua oficial e da língua nacional, a sobreposição destas à língua
materna (os falares específicos politicamente excluídos: o nordesti-
no e o baiano, no caso de São Paulo, e o cuiabano, no caso de Mato
Grosso). Com essa sobreposição, o português não é só a língua
nacional e oficial, mas também a língua materna de todos os brasi-
leiros. Desse modo, se um falar regional não-prestigiado é reduzido
a um registro coloquial, então essa língua regional (toda ela) é signi-
ficada como estando fora da língua nacional e da língua oficial. E, ao
mesmo tempo, sendo a língua materna de seus falantes, não é a lín-
gua materna deles enquanto brasileiros (é como se eles nunca
falassem certo, ou pior, nunca falassem).

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■ Atividade 6

Tendo em vista o percurso feito até aqui, uma outra concepção


de língua foi apresentada, na qual a língua não é um instrumento
de comunicação. O modo como ela se distribui no espaço de enun-
ciação determina os seus falantes.
Propomos, então, uma pesquisa acerca do conceito de língua
aqui definido. Responda às questões a seguir ou responda elabo-
rando um único texto, desde que nele sejam desenvolvidos os
temas das questões.

1. Escolha um (ou mais) fato qualquer de língua, ou seja, um


modo de dizer que não condiz com o que está na gramática
normativa, mas que é comumente usado no cotidiano. A par-
tir dele, caracterize a língua portuguesa que aprendemos na
Escola em oposição à língua portuguesa do nosso cotidiano.
2. O português ensinado na Escola está presente em que tipo
de texto? Compare textos de jornais e de literatura com tex-
tos de cartas e bilhetes, por exemplo.
3. O que define oficialmente um brasileiro? Para essa respos-
ta, verifique, na Constituição de 1988, a parte sobre nacio-
nalidade. (Não podemos perder de vista que nossa questão
é lingüística, isto é, o que nos interessa é ver como se defi-
ne um brasileiro lingüisticamente.)
4. Pensando no que foi feito nas questões 1, 2 e 3 anteriores,
reflita e interprete que sentido é dado socialmente às dife-
renças entre a língua ensinada na escola e a língua do coti-
diano.
5. Pensando agora no que foi feito na questão 4, que língua é
identificada como a língua oficial do Brasil pela Escola?
6. O que significa não saber ler e escrever no Brasil? O que é

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o “analfabeto”? Procure essa palavra nos dicionários e note


como é construída sua definição. Quais são os sinônimos
dessa palavra?
7. A Constituição de nosso país estabelece os direitos e deve-
res dos cidadãos. Qual é a língua da Constituição? Quem
tem acesso a ela? Para essa resposta, pense na questão
dos analfabetos.
8. Um dos deveres que caracteriza um cidadão é o voto. Se
retomarmos a conceituação de “analfabeto” dos dicioná-
rios, o modo de caracterizá-los, como pensar a relação do
analfabeto com o voto?
9. A partir desse percurso, de que modo a língua nos caracte-
riza, enquanto falantes? Como ela nos identifica?

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7. Texto e espaço de enunciação

m dos objetivos fundamentais da Escola é ensinar seus alunos


U a escrever e a falar bem em língua portuguesa. Em outras pala-
vras, podemos dizer que esse objetivo consiste em procurar desen-
volver nos alunos a capacidade de produzir textos, os mais diversos.
Nesse objetivo está sempre presente a questão da língua, muito
comumente tratada como a questão da correção da língua ao escre-
ver ou falar. Pelo que vimos até aqui, podemos notar que essa ques-
tão não pode ser posta nestes termos de correção. Como, no ensi-
no da língua, não agir determinado pela questão da norma e levar
os alunos a falar ou a escrever textos que atendam às necessida-
des das condições em que se inscrevem?
O primeiro aspecto a considerar é o da relação da língua com
o texto, ou seja, em que língua se escreve um texto? Normalmente
se pensa que um texto é escrito numa certa língua-padrão especí-
fica — por exemplo, em português, em espanhol, em francês, em
inglês, etc. E assim se coloca uma relação de homogeneidade
entre texto e língua. Do ponto de vista do que vimos fazendo aqui,
a questão seguramente deve ser colocada de outro modo.
Devemos levar em conta que um texto é produzido em espaços de

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enunciação específicos. Tomemos, por exemplo, um pequeno tre-


cho de um anúncio de publicidade:

1º CELTA FLEX POWER


O Celta Flex Power não é a versão
antiga de carro nenhum...

O que podemos observar do ponto de vista da relação das lín-


guas com o texto? Nele encontramos três palavras (repetidas no
título e no seu primeiro enunciado) que não são do português:
Celta, flex, power. Celta, de certo modo, já se incorporou a esta lín-
gua. Assim, ficamos com duas palavras que não são do português:
flex e power. O que podemos dizer disso? Podemos dizer que o
espaço de enunciação em que esse texto é produzido é um espa-
ço constituído pelo português e por outras línguas, como o inglês,
por exemplo. Assim, o texto foi produzido afetado por essa relação
de línguas.
Tomemos, agora, do mesmo texto aqui utilizado, o título do
anúncio:

FEIRÃO CHEVROLET SHOW


NO IGUATEMI CAMPINAS!
Só neste fim de semana

O que observamos? De um lado a convivência entre palavras


do inglês e do português, e de outro uma convivência entre pala-
vras de um registro mais coloquial (feirão) com palavras da língua
comum, sem marca da coloquialidade – ou seja, a seqüência do
texto mostra que está em funcionamento aí uma convivência de
línguas no espaço de enunciação que relaciona divisões diferentes
do português com uma palavra do inglês já significativamente
incorporada ao português do Brasil (show), mas que mantém a

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ortografia do inglês. Em outras palavras, o que se deve levar em


conta não é a relação do texto com a língua, mas a relação do
texto com o espaço de enunciação. Desse modo, o falante, ao
enunciar esse texto, está determinado pelas relações de língua
desse espaço de enunciação.
Poder-se-ia, no entanto, dizer que isso é uma questão que se
dá somente em certos textos, menos importantes. Não parece ser
o caso.

■ Atividade 7

A partir da perspectiva apresentada aqui sobre texto, propomos


a análise de mais um poema, “Primeira canção do Beco”, de
Manuel Bandeira. Para um texto ser constituído em um espaço de
enunciação específico, ele é definido por uma relação de línguas
e, assim, de falantes, conforme o conceito de espaço de enuncia-
ção já apresentado.

Primeira canção do beco


Manuel Bandeira

Teu corpo dúbio, irresoluto


De intersexual disputadíssima
Teu corpo, magro não, enxuto,
Lavado, esfregado, batido,
Destilado, asséptico, insípido
E perfeitamente inodoro
É o flagelo de minha vida,
Ó esquizóide! Ó leptossômica!

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Por ele sofro há bem dez anos


(Anos que mais parecem séculos)
tamanhas atribulações,
que às vezes viro lobisomem.
E estraçalhado de desejos
Divago como os cães danados
A horas mortas, por becos sórdidos!

Põe paradeiro a esse tormento!


Liberta-me do atroz recalque!
Vem ao meu quarto desolado
Por estas sombras de convento,
E propicia aos meus sentidos
Atônitos horrorizados
A folha-morta, o parafuso.
O trauma, estupor, o decúbito!

1. Selecione, no poema, as línguas que o constituem, isto é,


em que outras línguas (registros, falares), além da “língua
literária”, o poema é escrito.
2. Tendo em vista as línguas identificadas no poema, o que
podemos dizer a respeito do espaço de enunciação desse
texto?
3. A partir das relações de línguas no texto, o que podemos
dizer do modo como o autor é constituído pela relação de lín-
guas e de falantes?
4. O que essa posição tem que ver com o modo de “ensinar a
escrever texto”, do ponto de vista da questão da língua?

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Títulos da coleção “Linguagem e Letramento em Foco”

A criança na linguagem: a fala, o desenho e a escrita - Zelma R. Bosco


Meus alunos não gostam de ler... O que eu faço? - Marisa Lajolo
Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e a escrever? - Angela
B. Kleiman
Aprender a escrever (re)escrevendo - Sírio Possenti
Multilingüismo: divisões da língua e ensino no Brasil - Eduardo Guimarães
O trabalho do cérebro e da linguagem: a vida e a sala de aula - Maria Irma
Hadler Coudry, Fernanda Maria Pereira Freire
Línguas indígenas precisam de escritores? Como formá-los? - Wilmar da Rocha
D'Angelis
O índio, a leitura e a escrita: o que está em jogo? - Marilda do Couto
Cavalcanti, Terezinha de Jesus M. Maher
Letramento e tecnologia - Denise B. Braga, Ivan L. M. Ricarte
Manual básico de letramento digital - Denise B. Braga, Ivan L. M. Ricarte,
Carolina Bottosso de Moura, Luiz Henrique Magnani, Rodrigo Martins Sabiá
Línguas estrangeiras no Brasil: história e histórias - Carmen Zink Bolognini,
Ênio de Oliveira, Simone Hashiguti

Títulos da série “Trocando em Miúdos a Teoria e a Prática”

Narrar, desenhar, brincar... fazendo a diferença na Educação Infantil - Zelma


R. Bosco; Silvana Perottino (colaboradora)
Reescrita de textos - Sugestões de trabalho - Sírio Possenti, Jauranice Rodrigues
Cavalcanti, Fabiana Miqueletti, Gisele Maria Franchi (colaboradora)
Os falantes e as línguas - Multilingüismo e ensino - Eduardo Guimarães,
Carolina de Paula Machado, Gabriele de Souza e Castro Schumm, Luciana
Nogueira, Simone de Mello de Oliveira
Cérebro e linguagem “em ação” na sala de aula - Maria Irma Hadler Coudry,
Fernanda Maria Pereira Freire
Formando escritores indígenas - Wilmar da Rocha D'Angelis
Nos bastidores de cursos de formação de professores indígenas - Marilda do
Couto Cavalcanti, Terezinha de Jesus M. Maher
Práticas na sala de aula de línguas estrangeiras - Carmen Zink Bolognini
Você, eles, nós leitores na sala de aula - Márcia Razzini (em preparação)

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