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Rosane dos Santos Cantanhede Kaplan

GRAFITE/PICHAÇÃO: CIRCUITOS E TERRITÓRIOS NA ARTE DE RUA

Dissertação de Mestrado Acadêmico apresentada ao Programa de Pós


Graduação em Ciência da Arte da Universidade Federal Fluminense –
UFF.

Professor Orientador: Dr. Luciano Vinhosa Simão

Niterói
2012

ii
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

C229 Cantanhede, Rosane.


Grafite/pichação: circuitos e territórios na arte de rua / Rosane
Cantanhede. – 2012.
106 f. ; il.
Orientador: Luciano Vinhosa Simão.
Dissertação (Mestrado em Ciência da Arte) – Universidade
Federal Fluminense, Instituto de Arte e Comunicação Social,
2012.
Bibliografia: f. 102-106.
1. Arte urbana. 2. Arte; aspecto social. I. Simão, Luciano
Vinhosa. II. Universidade Federal Fluminense. Instituto de Arte e
Comunicação Social. III. Título.
CDD 700.981

iii
Rosane dos Santos Cantanhede Kaplan

GRAFITE/PICHAÇÃO: CIRCUITOS E TERRITÓRIOS NA ARTE DE RUA

Dissertação de Mestrado submetida ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em


Ciência da Arte da Universidade Federal Fluminense como parte dos requisitos necessários à
obtenção do grau de Mestre em Artes.

Aprovada por:

Prof.° Drº Luciano Vinhosa Simão


(Orientador)

(Doutor PPGCA/UFF)

Prof° Drº Paulo Knauss de Mendonça

(Doutor PPGH/UFF)

Prof. Dr° Luiz Sérgio de Oliveira

(Doutora PPGCA/UFF)

Niterói
2012

iv
Dedico a todos os jovens, que de forma individual
ou coletiva vêm contribuindo com suas intervenções
para que a arte se construa nas ruas das cidades.

v
Agradecimentos

Agradeço à CAPES e ao Programa de Pós Graduação em Ciência da Arte pelos recursos


materiais que auxiliaram na realização do meu curso de mestrado.

Ao meu orientador Luciano Vinhosa Simão pela dedicação e competência na condução deste
trabalho.

Aos meus colegas e diretores do IFRJ, Campus São Gonçalo, pelo estímulo e incentivo ao
meu aperfeiçoamento profissional. Agradeço ao Sérgio Guerra pela amizade na tradução deste
resumo.

Aos grafiteiros e pixadores que contribuíram para a execução deste projeto, em especial Davi,
Dee, Goaboy, Érika, Mamut, Ratão e Cripta Djan. E aos que anonimamente vêm contribuindo
para a arte de rua.

Obrigada também aos Professores do PPGCA Luiz Sérgio de Oliveira, Rosana Ramalho,
Leandro Mendonça, Pedro Hussak e Luciano Vinhosa Simão pelos diálogos e reflexões em
sala de aula.

Obrigada aos amigos do peito Roberto e Tatiana pela força, e aos meus sobrinhos Rodrigo e
Mônica pelo apoio constante.

Obrigada, por fim, a todos os amigos e parentes queridos que fizeram parte da minha vida ao
longo destes dois anos.

vi
_ Porque você fazia isso?
_ Para expressar minha natureza artística.

(diálogo entre dois policiais sobre graffiti no filme “Bomb the System”)

vii
Resumo

Este estudo tem como objetivo contribuir para a compreensão da origem das intervenções

urbanas através do grafite contemporâneo, sua expansão no Brasil e de que forma aporta ao

circuito das instituições oficiais da arte. Orientamos o escopo de nossa pesquisa no sentido de

acompanhar a expansão do fenômeno do grafite como arte de rua no Brasil desde anos 1970

até o presente momento; o processo de crescimento dos dois vieses do grafite (pichação e

grafite) nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro; de que forma o grafite se consagra como

um novo gênero artístico junto ao circuito institucional; e como o ensino do grafite vem sendo

vinculado a projetos sociais. Partindo desse recorte recorremos à análise da origem desse

movimento nos Estados Unidos; a expansão da pichação nas grandes cidades brasileiras a

partir de um contexto urbano, e o grafite como uma expressão juvenil que se impõe nesse

cenário; assim como aspectos e características da pichação em São Paulo e os processos de

midiatização e hibridação cultural. Partindo de uma pesquisa documental, bibliográfica e de

campo, buscou-se verificar as diferenças e contrastes entre a pichação e o grafite; quais os

métodos de intervenção, técnicas, materiais e estilos; a análise histórica dos artistas pioneiros

no grafite na década de 1970 em São Paulo; assim como, o início do grafite no Rio de Janeiro

nos anos 1980. Por fim, procurou-se entender o propósito de iniciativas que visam a oferta de

cursos e oficinas de grafite em projetos destinados aos jovens de comunidades de baixa renda

no Estado do Rio de Janeiro.

Palavras chave: Artes Visuais, Arte Urbana, Grafite, Pichação.

viii
Abstract

This study aims at contributing to an understanding of the origin of the urban

interventions through the contemporary graffiti, its development in Brazil, and how it

contributes to the circuit of the official institutions of Art. We have decided to carry out our

research in order to monitor the expansion of the graffiti phenomenon as a street art in Brazil

from the 1970s up to the present time, the process of the growth of the two types of graffiti

(writings and picture graffiti) in São Paulo and in Rio de Janeiro; how graffiti has established

itself as a new artistic genre within the institutional circuit; and how the teaching of graffiti

has been connected to social projects. Considering the information collected, we have done an

analysis of the origin of this movement in the United States; the expansion of the graffiti in

big Brazilian cities from an urban context, and the graffiti as a youth expression which has

imposed itself in this scenario; as well as aspects of the writings (pichação) in São Paulo, and

the processes of mediatization and cultural hybridization. From a documental, bibliographical

and field research, we have attempted to point out the differences and contrasts between

writings and picture graffiti; which were the intervention methods, the techniques, the

materials, the styles; the historical analysis of the pioneer artists in the 1970s in São Paulo; as

well as the beginning of graffiti in Rio de Janeiro in the 1980s. Finally, we have tried to

understand the purpose of the initiatives which aim at offering courses and workshops about

graffiti in projects for young people from low-income communities in the state of Rio de

Janeiro.

Key words: Visual Art, Street Art, Graffiti.

ix
Índice de Figuras

Introdução................................................................................................................................01
Figura 0.1. “graffiti Marcelo ECO”, Lapa, Rio de Janeiro.....................................................02

1° Capítulo...............................................................................................................................06
Figura 1.1. Grafite grupo MÁFIA 44, entrada da ponte Rio-Niterói, 2011............................09
Figura 1.2. Grafite, Niterói, 2011............................................................................................10
Figura 1.3. MIN, DURO e SHY 147, metrô de Nova York, 1981..........................................14
Figura 1.4. FRED, “latas de sopa”, metrô de Nova York, 1980..............................................15
Figura 1.5. Graffiti, NOVA, Estilo Brooklyn...........................................................................19
Figura 1.6. Graffiti, SNAKE I, Estilo Manhattan.....................................................................19
Figura 1.7. Graffiti, PHASE II, Estilo Bronx...........................................................................20
Figura 1.8. Graffiti, STAY HIGH 149, Estilo Combo..............................................................20
Figura 1.9. RASTA, “Gato Felix e Pluto”, metrô de Nova York, 1981..................................23
Figura 1.10. Foto do New York Post, 8/12/1972…………………………………………….28
Figura 1.11. “Cenário para o Twyla Tharp’s Ballet”, 1973.....................................................29
Figura 1.12. “Capa do New York Magazine”, 1974.....................................................................30

2° Capítulo...............................................................................................................................32
Figura 2.1. Protesto Estudantil, Rio de Janeiro, 24 de julho 1968..........................................36
Figura 2.2. “Escaladas” PICHAÇÃO SP.................................................................................43
Figura 2.3. “Escaladas”, UNIÃO12 (Bst) - OPERAÇÃO (Wlr) - CRIPTA (Dj), Rua Don José
de Barros, Centro, São Paulo, 2009..........................................................................................44
Figura 2.4. “Escaladas” PICHAÇÃO SP.................................................................................45
Figura 2.5. “CRIPTA DJAN realizando um Pico”, Centro de São Paulo, 2007....................45
Figura 2.6. Pichação na estátua do Cristo Redentor, Rio de Janeiro, 2010............................46
Figura 2.7. “Pixo-protesto”, TUMULOS, São Paulo.............................................................48
Figura 2.8. Ataque à "Belas Artes", 2008...............................................................................52
Figura 2.9. “Ataque à 28ª. Bienal de SãoPaulo, 2008”..........................................................53
Figura 2.10. “Coleções de Assinaturas”, 29ª. Bienal de São Paulo, 2010..............................54
Figura 2.11. “Obra de Nuno Ramos pixada”, Bienal de São Paulo, 2010..............................55
Figura 2.12. “Foto de apresentação do coletivo PICHAÇÃO SP, site oficial da Bienal”, na
foto, “SURRA rudá, SEM MEDO juca, COMA wil”, 2010....................................................56
x
Figura 2.13. “CRIPTA DJAN - Bombardeio em SP”, Centro de São Paulo, 2003.................57
Figura 2.14. “CRIPTA - PIADAS - REAIS – LOS - Bombardeio em SP”, Av. 9 de Julho,
Centro de São Paulo, 2004........................................................................................................58
Figura 2.15. “CRIPTA - RAFAEL - REAIS – ROMERO - Bombardeio em SP”, Centro de São
Paulo, 2003...............................................................................................................................59
Figura 2.16. “BARUERI, Z/O, SP 2004”...............................................................................59

3° Capítulo...............................................................................................................................60
Figura 3.1. Keith Haring grafitando no metrô de Nova York, anos 1970...............................63
Figura 3.2. “Marie Rouffet”....................................................................................................64
Figura 3.3. Mauricio Villaça, Alex Vallauri e Eduardo Costro, SP........................................65
Figura 3.4. “A Rainha do Frango Assado”, Alex Vallauri, Nova York (EUA), 1983...........66
Figura 3.5. Rui Amaral, “Buraco da Paulista”, S.P.................................................................67
Figura 3.6. “grupo TupyNãoDá”, Buraco da Paulista, S.P.....................................................68
Figura 3.7. graffiti pictórico, Waldemar Zaidler, São Paulo, 1986.........................................69
Figura 3.8. Desenho pichado na cidade do Rio de Janeiro......................................................71
Figura 3.9. “Arte nas Ruas, obra de Cláudio Tozzi”, 1983.....................................................73
Figura 3.10. “Pinturas nos muros do Parque Lage”, 1985.....................................................74
Figura 3.11. “Painel de Ivan Freitas” pintado ao lado da Escola Nacional de Música no
centro do Rio de Janeiro, 1984..................................................................................................75
Figura 3.12. “Graffiti Marcelo ECO”, São Gonçalo, 2005......................................................77
Figura 3.13 e 3.14. “Método de Ensino do Graffiti e Sala de Aula”, Fábio EMA, 2010........80
Figura 3.15. “Oficina de Graffiti: Arte no Muro”, morro do Palácio, Niterói.........................82

Considerações Finais...............................................................................................................84
Figura “Grafite PAKATO e DAVI”, Centro, Niterói..............................................................84
Figura “Homenagem à Fellipe Fenix”, DAVI e GOABOY, Centro de São Gonçalo............86

xi
Sumário

INTRODUÇÃO................................................................................................................01

1° Capítulo: Percursos Urbanos na Arte de Rua...........................................................06


1.1 O Berço da Arte de Rua................................................................................................07
1.2 Filhos dos Guetos.........................................................................................................12
1.3 Passos para a Fama.......................................................................................................16
1.4 Guerra de Estilos..........................................................................................................18
1.5 A Expansão nas Mídias................................................................................................24
1.6 O Mercado do Graffiti..................................................................................................27

2° Capítulo: Ato Transgressor: O Artista na Rua........................................................32


2.1 O Risco Vale a Pena.....................................................................................................33
2.2 “Declare o Seu Amor à Cidade, São Paulo 450 anos”.................................................34
2.3 Caminhos na Contramão..............................................................................................38
2.4 XARPI, Profissão Perigo!.............................................................................................40
2.5 A Pixação pela Porta da Frente.....................................................................................50
2.6 Escrita Urbana...............................................................................................................57

3° Capítulo: Circuitos Locais...........................................................................................60


3.1 Graffiti Made in Brasil..................................................................................................61
3.1.1 Artistas do Graffiti.....................................................................................................64
3.2. O Graffiti com Sotaque Carioca.................................................................................70
3.2.1. Graffiti de Periferia..................................................................................................75
3.3. Antídoto Contra a Pixação...........................................................................................77

CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................84
APÊNDICES......................................................................................................................90
Circuitos Locais - Galeria de Fotos.................................................................................91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................102

xii
INTRODUÇÃO

Buscando os motivos que me levaram a iniciar esta pesquisa, retrocedo no tempo ao

período em que o grafite pictórico começou a se alastrar pelo Rio de Janeiro, momento no

qual habitava o Bairro de Fátima, nas cercanias da Lapa, região do centro da cidade. Recordo-

me que, em meados da década de 1990, o Circo Voador funcionava como um espaço

promotor de arte e cultura das expressões da vanguarda carioca. Havia uma concentração de

shows e eventos que traziam os novos nomes da música e de outras manifestações artísticas,

resultando em intensa movimentação no entorno dessa área. Daí surgiu o “Zoeira hip hop”1,

reunindo a primeira geração de grafiteiros do Rio de Janeiro que ocuparam, com suas

pinturas, os muros nas imediações dos Arcos da Lapa. Como testemunha ocular dessa

transformação, pude observa ao longo do tempo a área da Lapa sendo tomada por essas

intervenções, sua gradual expansão às outras ruas mais desertas do centro da cidade e dos

bairros próximos. Costumava percorrer esses locais devido a um interesse pela arquitetura da

cidade, de onde extraía ideias expressas em minha produção artística (pinturas, desenhos,

instalações e fotografias). Foi nesse encontro, quando as superfícies dos prédios, muros e

edifícios se mostravam como suporte para essas intervenções, que comecei a acompanhar

mais de perto a transformação dessa paisagem tanto pela pichação (de caráter transgressor)

quanto pelo grafite (de formato pictórico). O que a princípio se deu de forma pontual, aqui e

ali, ganhou força e se tornou mais agressivo, tomando outros alvos e edificações no espaço

urbano. Assim, o grafite contemporâneo2 carioca foi expandindo suas redes de atuação,

chegando às instituições do circuito da arte, ganhando espaço nas mídias, integrando os livros

didáticos dedicados ao ensino de arte nas escolas do ensino fundamental e médio, e,


1
A “Zoeira Hip Hop” surgiu em 1998, com produção de Elza Cohen, e era uma festa que procurava mostrar os
quatro pilares da cultura hip hop, abrindo espaço aos jovens que iniciavam na prática do grafite.
2
De acordo com KNAUSS, “A história do desenvolvimento do grafite urbano contemporâneo relaciona-se
diretamente com o período do final dos anos 60, quando apareceram diferentes tradições de inscrever a cidade
com imagens urbanas no mínimo irreverentes em relação à ordem social.” (2001:334).

1
obviamente, chegando a outros locais vizinhos à cidade do Rio de Janeiro. O contato com

essas intervenções me suscitou questões que busquei responder ao longo desta dissertação.

Algumas indagações refletem meu interesse como artista e arte educadora, no sentido de

entender de onde veio tudo isso, ou seja,

qual a origem do grafite? Pichação e grafite

são a mesma coisa? Quem são os agentes

dessas intervenções? Como desenvolveram

suas habilidades técnicas? Existiriam

referências ou inspiração em algum estilo,

artista da história da arte ou, ainda, de

alguma cultura? Qual a origem desse

repertório iconográfico? Em relação às

pichações, o que existe por detrás das tags?

Onde atuam e quais são os principais alvos

e superfícies para essas intervenções? E,

por fim, grafite é arte?

Figura 0.1: “graffiti Marcelo ECO”, Lapa, Rio de Janeiro. Fonte: foto do autor, disponível em:
www.flickr.com/photos/marceloeco, acesso em: 05/06/2012.

Atualmente, o grafite que ganhou visibilidade a partir do movimento hip hop, na década

de 1970, em Nova York, se mostra de forma bastante abrangente. Existem inúmeras variações

derivadas desses dois braços que se formaram inicialmente em pichações de signos e

assinaturas, chegando aos grafites com desenhos de letras elaboradas, conhecido no Brasil

como grapixo e, finalmente, ao grafite pictórico em pinturas que se aproximam ao estilo dos

murais que integraram os movimentos da história da arte. Reconhecemos uma amplitude

2
desse movimento, que inclui inúmeros artistas e estilos, que não constitui o objetivo central

desta dissertação.

Orientamos o escopo de nossa pesquisa ao surgimento e evolução das intervenções

urbanas do grafite contemporâneo de origem norte-americana e sua chegada ao Brasil, no qual

buscamos traçar uma linha entre o crescimento dos dois vieses (pichações e grafites) desse

movimento - inicialmente em São Paulo e posteriormente no Rio de Janeiro, na década de

1970 - e sua chegada ao circuito das instituições do circuito da arte. Interessa-nos entender os

métodos de aprendizado e desenvolvimento dos estilos dos jovens grafiteiros e, a partir daí,

com base em entrevistas e depoimentos, investigarmos, ao longo desta pesquisa, de que forma

o grafite vem sendo ensinado e utilizado em projetos sociais no estado do Rio de Janeiro.

A metodologia da pesquisa apoiou-se em dados bibliográficos e de campo, utilizando

inclusive os recursos da internet como ferramenta de pesquisa à distância, o que viabilizou o

contato com nossos entrevistados através das redes de relacionamento (Orkut, Facebook,

Youtube, Fotolog e Flickr), onde conseguimos encontrar farto material para consulta

(imagens, vídeos, entrevistas, textos, depoimentos etc.).

Posto isso, abordaremos no primeiro capítulo a história do grafite contemporâneo de

origem norte-americana e que se assume enquanto gênero de arte desde o final dos anos 1970,

em Nova York. Comumente se manifesta por meio de uma escrita urbana, conhecida no

Brasil como pichação, ou através de grandes pinturas murais intituladas grafites.

Abordaremos ainda os meios, superfícies e técnicas utilizadas pelos grafiteiros, assim como

os diferentes estilos desenvolvidos nesse primeiro momento; os conflitos e tensões que se

instauram no cenário urbano entre o governo local e os adeptos do grafite, vistos pela

sociedade como vândalos e marginais; a expansão nas mídias desse fenômeno, o que

contribuiu para sua difusão e comercialização; assim como as primeiras iniciativas para o

ensino e institucionalização do grafite.

3
No segundo capítulo enfocaremos as interferências urbanas através das pichações, que

inicialmente se mostram em manifestações sociais e políticas a partir dos anos 1960, e sua

evolução até os dias atuais, observando o processo de massificação midiático influenciando

no surgimento do grafite contemporâneo; o crescimento da pichação nas grandes cidades

brasileiras a partir de um contexto urbano marcado por um crescimento desordenado e

conflitos sociais; e o grafite como uma expressão juvenil que se impõe nesse cenário,

conforme visão do sociólogo José Manuel Valenzuela Arce. Iremos considerar os aspectos e

as características da pichação em São Paulo e os processos de hibridização cultural

contribuindo para o surgimento de uma semiologia urbana a partir da ótica de Néstor Garcia

Canclini. Além disso, apresentaremos o debate em torno da institucionalização da pichação,

com base em entrevistas e depoimentos do pichador paulista CRIPTA DJAN, reputado pelo

envolvimento em episódios invasivos realizados em espaços institucionais do circuito da arte

oficial.

O terceiro capítulo mostrará um breve panorama histórico do grafite na década de 1970

no Brasil que se inicia em São Paulo com a primeira geração de artistas paulistas - Alex

Vallauri, Celso Gitahy, Rui Amaral e outros -, apresentando aspectos das influências e

diálogos do grafite junto às instituições do circuito da arte oficial. Nesse capítulo, buscamos

responder algumas indagações sobre o surgimento do grafite carioca nos anos 1980, as

primeiras iniciativas na oferta de cursos e oficinas de grafite como um movimento de

contraposição à pichação na cidade, assim como em outros projetos destinados aos jovens de

comunidades de baixa renda no estado. Incluímos, ainda, dados e entrevistas de nossa

pesquisa de campo com o grupo de grafite MÁFIA 443, que atua desde 2007 no estado do Rio

3
A MÁFIA 44 é um grupo de grafite de Niterói e São Gonçalo que, desde 2007, foi se construindo com
grafiteiros de diversas linguagens e origens diferentes, procurando o máximo de interação e colaboração, para
que juntos possam um ajudar ao outro no aprendizado e na evolução pessoal. Os grafiteiros da MÁFIA 44 são:
Flavio BATA, DAVI, Julio DEE, Daniel GOABOY, Álvaro MUTANT, Gustavo GUT e Leonardo
PAKATO. Fazem parte do grupo os fotógrafos RATÃO Diniz e Joelma Capozzi, e o MC MAMUT, do grupo

4
de Janeiro e que faz do grafite pictórico seu principal objeto de intervenção. Vale ressaltar que

o MÁFIA 44 responde pelo maior número de grafites pictóricos em Niterói, fato que nos

atraiu para um contato com o grupo. A partir daí comparecemos primeiramente a um evento

de hip hop, realizado em abril de 2011, no SESC São Gonçalo, quando conhecemos e

entrevistamos alguns membros do grupo (GOABOY, GUT e DAVI), acompanhando-os em

ação. O segundo momento foi quando pudemos registrar o processo de realização de um

grafite pictórico executado por DAVI, localizado na Rua José de Figueiredo, Centro de

Niterói, em fevereiro de 2012. O resultado deu origem a um vídeo de 1’33’’, disponível em:

http://youtu.be/g68JkXHeDOI.

Em Apêndices incluímos uma coleção de fotografias com o resultado das imagens

colhidas ao longo de nossa pesquisa de campo. São grafites e pichações capturados nas ruas,

avenidas e transportes públicos de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro. Dispomos em uma

galeria de fotos os seguintes temas: coleções de tags, pichações em prédios, casas e edifícios,

grapixos, grafites do grupo MÁFIA 44, grafite DAVI, evento hip hop no SESC São Gonçalo,

pichações em transportes públicos e outros grafites. Em Anexos seguem os arquivos, na

íntegra, das entrevistas realizadas, via internet, com o pichador Cripta Djan, transcrições de

gravações em áudio das entrevistas concedidas por Davi, Gut e Goaboy, do grupo MÁFIA 44,

assim como trechos da fala de Homens Pizza Sam registrada no vídeo PIXOAÇÃO em 2011.

Soldados da Pista, pela importância na história da MÁFIA, colaboração e identificação com os ideais do grupo.
Disponível em: www.facebook.com MAFIA 44, acesso em: 05 jun 2012.

5
1° Capítulo

Percursos Urbanos na Arte de Rua

6
1.1. O Berço da Arte de Rua

Ao transitarmos pelas vias nas grandes cidades, sentimo-nos como que tomados pelas

imagens que se alastram sobre os muros, prédios e demais superfícies ao longo do espaço

urbano. Denominada como Arte de Rua, Arte Urbana ou Street Art, desde o final dos anos

1970 o grafite4 se assume enquanto um gênero de arte que comumente se manifesta por meio

de uma espécie de escrita urbana, conhecida no Brasil como pichação, ou através de grandes

pinturas murais intituladas grafites. Celso Gitahy observa que, “no singular, é usada para

significar a técnica (pedaço de pintura no muro em claro e escuro). No plural, refere-se aos

desenhos (os graffiti do palácio de Pisa).” (1999:13).

De caráter democrático e popular, apresentam-se no cenário urbano sob os mais variados

matizes, sotaques e etnias, alojados entre as áreas centrais e periféricas das grandes cidades

brasileiras e de outras partes do mundo. Suas inúmeras formas de atuação ombreiam uma

disputa pelos espaços públicos juntamente com letreiros e anúncios comerciais, cartazes de

propagandas políticas, monumentos cívicos, esculturas públicas, murais e intervenções

patrocinadas por instituições do circuito da arte, além de expressões de cunho popular.

Podemos dizer que grafites e pichações são como dois lados da mesma moeda, ora se

mostram em formas e pinturas elaboradas, ora sob a forma dos mais variados signos e marcas,

construídos segundo uma particular leitura de mundo. Sobrepostos sobre as superfícies da

cidade, revelam ações em que a pintura e a escrita constituem a base de execução de suas

diferentes formas. São imagens revestidas de caráter político, contestatório e social,

agenciando e mediando múltiplas referências culturais e que se deixam contaminar pelos

4
A etimologia da palavra grafitti tem origem no latim “graffio” e grego “graphein” e quer dizer “escrever” ou
“pintar”. Os termos graffiti, grafito (em inglês), grafite, grafito e graffiti (em português) têm sua raiz na palavra
italiana graffito (singular) e graffiti (plural) (FELISETTE, 2006). Esclareço, entretanto, que utilizarei o termo
grafite pictórico quando me referir aos que apresentam grandes pinturas murais e grafite logotípico ou
criptográfico aos que apresentam rabiscos, logos, letras e signos gráficos.

7
meios de comunicação ao mesmo tempo em que fazem uso do repertório visual das culturas

de massa e da história da arte. Seu método de criação permite que a cada momento se

incorpore ao processo de execução novas técnicas, estilos e superfícies.

Nossa pesquisa nos revelará que, em sentido genérico, o grafite é a representação de

rabiscos, arranhões e marcas inscritas em variados tipos de superfícies. Abrange uma enorme

variedade de expressões que vão de mensagens, desenhos ritualísticos e escritos em parede,

incluindo as pinturas rupestres pré-históricas e ‘latrinália’ (escritos nas paredes dos banheiros)

(CASTLEMAN, 1982: xi).

Com o fenômeno da urbanização no século XX, no entanto, o termo ficou

internacionalmente conhecido como a Arte de Rua (Street Art) que emergiu “em meados da

década de 1960, nas ruas de Filadélfia, pelas mãos de gangues urbanas que assim

negociavam e demarcavam suas áreas de atuação” (STEWART, 2009 apud FERRO, 2010),

mas adquiriu visibilidade a partir das pinturas criadas nos trens do metrô e ruas de Nova York.

Fizeram parte desse movimento, adolescentes em uma faixa etária entre 12 e 18 anos,

e, apesar de ter sido criado e desenvolvido inteiramente por jovens, ao longo do tempo abriu-

se à participação de adultos de todas as idades. Eis porque sua iconografia ter sido construída

a partir de referências do universo juvenil, dos meios de comunicação e consumo de massa

como, por exemplo, gibis, animações, capas de álbuns, caixas de cereais, brinquedos,

anúncios de propaganda comercial e embalagens de doces. Antropofagicamente apropriada e

ressignificada, essa iconografia evoca uma mistura eclética de estilos. Imagens que,

retornadas ao espaço da cidade, em sua maioria, refletem um hibridismo que “surge da

criatividade individual e coletiva. Não só nas artes, mas também na vida cotidiana.”

(CANCLINI, 2006: 22).

8
Figura 1.1.: Grafite grupo MÁFIA 44, entrada da ponte Rio-Niterói, 2011.
Foto de autoria própria.

O cotidiano da cidade nos surpreende diariamente apresentando e expondo a céu

aberto imagens que brotam e se proliferam em uma inesgotável busca por projeção pública.

Nesse sentido, podemos dizer que o cenário urbano se apresenta como um espaço

potencialmente receptivo, abrigando todos os dias um continuum acréscimo de novas camadas

de intervenções em constante processo de mutação.

Devido à rapidez com que são executadas, as intervenções através do grafite pictórico

ou logotípico nos trazem uma sensação de inacabamento, de suspensão, de uma ação em que

não houve tempo de terminar. Aliás, tempo é um dos fatores essenciais na execução dessas

ações quando intervir em espaço público é fator de risco. Talvez seja por esse motivo que a

9
tinta em aerossol, incorporada a outros meios, se preste melhor devido à sua fatura rápida e

cores fortes que permitem não só uma execução mais ligeira das intervenções, mas também

que possamos avistá-las à distância.

No entanto, existe um outro tempo, que é aquele necessário para entrarmos em contato

com essas expressões. Igualmente exíguo, manifesta-se como lapsos entre cada uma dessas

aparições, as quais se dão nos deslocamentos ao longo da cidade - seja através das janelas dos

carros ou veículos públicos, seja na condição de pedestres -, quando captamos, de forma

parcial, fragmentos de imagens impressas sobre viadutos, pontes, monumentos, praças,

muros, prédios e outras superfícies, que se revelam ao acaso de nosso percurso.

Figura 1.2.: Grafite, Niterói, 2011. Foto de autoria própria.

10
A ilusão produzida na retina do observador articula um roteiro sequencial de imagens

que se movimentam e, aonde quer que nos desloquemos, aí encontraremos os vestígios dessas

ações.

Camadas de tempo são adicionadas, umas sobre as outras: sobre as de anteontem, as

de ontem, como observa Roland Barthes: “Sabe-se que o que faz o graffite não é, a bem dizer,

nem a inscrição nem a sua mensagem, é a parede, o fundo da mesa: é porque o fundo existe

plenamente, como um objeto que já viveu (...).” (1984:144).

Feito para durar até não se sabe quando, o grafite lança mão do efêmero, constituindo-

se em intervenções de vida curta, que se sujeitam às múltiplas interferências e alterações ao

longo do tempo. Superexposto, mostra-se nas superfícies da cidade, congelado em gestos que

marcaram sua trajetória. Cada fragmento dessa experiência desempenha um papel importante,

a “obra” que se materializa dessas ações coletivas, que passa, então, a ser a nova “escrita”

caligrafia-gráfica, tomando outra forma e, como em um enigma, fica aguardando para serem

decifradas.

Como fenômeno de origem underground, observa-se que as intervenções através do

grafite se fundamentam de forma empírica no cotidiano urbano, alheias aos movimentos

artísticos do circuito e da arte oficiais. Assim, sem se preocupar em questionar a natureza da

arte, são ações que dão origem a imagens de múltiplas significações. Em verdade, sua singular

contribuição se dá no âmbito da realização - como é feita - e na circulação da obra - onde é

inserida.

11
1.2. Filho dos Guetos5

A cidade, o urbano, é um espaço neutralizado, homogeneizado, o espaço da


indiferença e, ao tempo, é o espaço da segregação crescente de guetos urbanos, da
relegação de quarteirões, de raças, de certas faixas de idade: o espaço fragmentado
dos signos distintivos (BAUDRILLARD, 2002:316).

A busca por uma visibilidade marcou o grafite logotípico que invadiu os trens do

metrô nova-iorquino na década de 1970, momento em que a primeira geração de pichadores6

e grafiteiros7 transitou pelas vias expressas, rompendo os limites da geografia urbana e das

fronteiras sociais. Foi quando jovens, individualmente ou em grupos, saíram às ruas e usaram

a autoexpressão como uma válvula de escape para a violência e a criminalidade que

grassavam nos guetos habitados por uma população afrodescendente e latina. Como expressão

emergente, o fenômeno do grafite em Nova York partiu de grupos sociais residentes em locais

de baixa renda (notadamente nos bairros do Harlem, Brooklin e Bronx), onde a violência e a

criminalidade se apresentavam de forma aguda, reflexo dos problemas sociais e econômicos

pelos quais passava a cidade.

Dentro dos quatro elementos que integram a cultura “hip hop”8, o grafite caracterizou-

se como uma das principais expressões desses jovens norte americanos que, com ousadia,

romperam as fronteiras e transpassaram os territórios da geografia urbana e social. Segundo o

5
“Para fugir à pressão dos guetos” foi a resposta de um jovem grafiteiro ao fotógrafo Jon Naar quando indagado
sobre o porquê de realizar os grafites logotípicos nos vagões e plataformas do metrô de Nova York, em 1973.
6
A tradução mais aproximada para o termo brasileiro “pichador” é o “tagger”, apelido dado aos indivíduos que
seguem uma via transgressora e deixam suas marcas por toda parte. Geralmente consiste em uma forma
estilizada de letras em forma de logo ou monogramas monocromáticos, escritas em grande número a partir de
uma execução rápida com o uso de canetas pilot ou similar, ou ainda tinta aerossol.
7
O termo em inglês writer ou graffiti writer significa grafiteiro. Esses grafiteiros escreviam nomes próprios,
pseudônimos, logos (tags) ou realizavam letras elaboradas em diferentes formas e cores; faziam uso de tinta
aerossol; buscavam aprimorar seus estilos e técnicas com vistas a se destacarem entre os grupos e público em
geral.
8
O hip hop teve início na primeira metade dos anos 1970, nas áreas centrais de comunidades jamaicanas,
latinas e afro-americanas que habitavam na cidade de Nova York. Afrika Bambaataa, reconhecido como o
criador oficial do movimento, estabeleceu quatro pilares essenciais: o rap do inglês rhythm and poetry (ritmo e
poesia), que expressa a música falada; o MC (mestre de cerimônias); o breakdance (dança acrobática); e a escrita
do graffiti (desenhos e pinturas).

12
educador Anthony M. Deiulio, “a pintura em aerossol seja nos trens do metrô de Nova York,

como em rabiscos nas paredes dos banheiros, e arranhões em mesas escolares, revelam uma

forma dos adolescentes dizerem: estou aqui, eu existo, eu tenho algo a dizer”. Daí a forma

contundente dessa geração falar com toda a cidade apenas rabiscando e pintando imagens cujo

destino ultrapassou seus locais de origem.

Arrancando a capa da invisibilidade social, esses jovens grafiteiros criaram estratégias

de ataque aos bens públicos como forma de serem notados, apropriando-se dos recursos da

cultura midiática e dos meios tecnológicos. Refletindo seu tempo, seguiram as regras de uma

sociedade consumista, devoradora de imagens e produtora de mitos sob o slogan “quanto

mais, melhor”.

(...) em meados dos anos 70, os melhores grafiteiros da cidade se


especializaram em pintar os enormes trens em toda sua extensão, os quais
normalmente continham caricaturas, personagens dos desenhos animados,
paisagens, e até cena com suas interpretações da vida na cidade
(CASTLEMAN, 1982:60).

Curiosamente os trens do metrô foram adotados nesse primeiro momento como

principal suporte para o grafite e, devido ao seu caráter móvel, consagrou-se como um meio

que permitia a superexposição, circulação e divulgação das imagens de um extremo a outro da

cidade. Se, por um lado, surgia um interesse público com a criação de projetos e de

associações que visavam ao aperfeitoamento artístico e técnico desses jovens e sua inserção

no circuito das artes, do ponto de vista das autoridades governamentais, o grafite continuava

sendo um problema a ser erradicado.

Considerado por alguns como arte, para a maioria era um problema em expansão, um

símbolo da perda de controle do sistema. Sob o ponto de vista das autoridades

governamentais, representava uma “praga” que endemicamente se alastrou, sujando e

poluindo a cidade9.

9
Edward Koch foi prefeito de Nova York, de 1978 a 1989. Antes dele, o então prefeito de Nova York, John V.
Lindsay, declarou guerra ao grafite, com a criação do Anti-Grafitti Task Force, sendo que sua violação estaria

13
Figura 1.3.: MIN, DURO e SHY 147, metrô de Nova York, 1981. Fonte: foto Martha Cooper; livro
Subway Art. 25th.

Desde o final da década de 1960 foi declarada uma “guerra” entre a prefeitura de Nova

York e os grupos de jovens grafiteiros e pichadores, e, de acordo com Castleman, “o MTA10

dedicou crescentes esforços e quantias cada vez maiores de seu orçamento para a remoção

do grafite.” (1986:149).

Beirando a falência, entre as décadas de 1970 e 1980, a cidade de Nova York

enfrentava sérios problemas financeiros, de modo a precisar realizar uma série de cortes no

orçamento do município. Ainda assim, o governo local gastou uma soma considerável11 para

debelar a explosão do grafite que se concentrava no metrô da cidade. Como uma cortina de

sujeita a uma multa de 350 dólares. As autoridades reprimiram essas intervenções em toda a cidade, com a
suspensão da venda de tintas aerossol a menores de 18 anos (CASTLEMAN, 1982:138).
10
Departamento de Trânsito Municipal (The Metropolitan Transit Authority).
11
De acordo com Castleman, “Em 1970 os custos de remoção de grafite dos trens pelo MTA foram estimados
em 300.000 dólares; em 1971, 600,00 dólares; em 1972, 1,3 milhões de dólares e em 1973 2,7 milhões de
dólares, com ‘resultados insatisfatórios’” (1982:149).

14
fumaça, o prefeito Edward Koch justificou seu programa “anti-graffiti” declarando que “a

eliminação do grafite geraria uma psicologia de impacto positiva nos passageiros do metrô”

(1982:176).

Figura 1.4.: FRED, “latas de sopa”, metrô de Nova York, 1980. Fonte: foto Martha Cooper; livro
Subway Art. 25th.

Por certo que a atração pelos trens contribuiu para a disseminação do grafite na cidade

de Nova York, mas apesar disso sua escrita não se circunscreveu apenas aos territórios

demarcados pelas esferas sociais das áreas de baixa renda. Estampada no ir e vir dos trens,

essa geração de grafiteiros e pichadores contagiou outros adolescentes pertencentes às

diferentes classes sociais, etnias e países, que também aderiram ao grafite como forma de

expressão, transpassando, assim, os limites geográficos da ilha de Manhattan.

15
1.3. Os Passos para a Fama

“We have finally succeeded”12

Desafiar normas sociais, transgredir a lei, correr riscos são parte dos processos

criativos dessas intervenções, cujo alvo é tornar-se visível, marcar presença, alcançar

prestígio, reconhecimento e, por que não, chegar à fama, tornar-se um “king” (rei)13. 1980 foi

uma década em que o fenômeno alcançou um grande crescimento, foi quando grupos se

organizavam no intuito de levar adiante suas assinaturas e marcas. Era comum reunirem-se

nas plataformas do metrô para trocarem ideias e comentários sobre as intervenções mais

recentes ou discutirem novas estratégias de ação, ou, ainda, sobre os que mais se destacavam

no meio. Nesse sentido, os próprios grafiteiros e pichadores buscavam entre si o

reconhecimento e a aceitação de sua marca ou trabalho, atuando como críticos, produtores e

divulgadores.

Eles se autodenominam escritores (writers), porque é o que eles fazem. Escrevem


seus nomes, entre outras coisas por toda parte. Nomes que lhes foram dados ou que
escolheram para si próprios. Muitos deles ‘escritos’ dentro e fora dos vagões dos
trens do metrô, que os transportam de uma ponta a outra da cidade; denomina-se
bombing (bombardeio) (SILVER, 2012).

Ser conhecido, ganhar reconhecimento, tornar-se visível, marcar presença tornou-se o

alvo desses jovens adolescentes que descobriram no grafite um meio de expressão,

visibilidade e projeção pessoal. Para tal, inventavam pseudônimos ou “tags” reproduzindo

uma linguagem cifrada que permitia a identificação dos que circulavam nesse circuito

underground, como uma senha de acesso que informava quem era quem. Traziam símbolos

12
"Nós finalmente triunfamos", frase pichada no trem de metrô de Nova York - documentário StyleWars, 1982.
13
Denominação para os que se destacavam, seja em número de tags, seja com grafites em estilos mais
sofisticados.

16
velados ou afetivos que podiam ser relacionados à própria pessoa, sua origem (número e rua

onde moravam), “índice de filiação ou dinastia: SNAKE I SNAKE II SNAKE III etc., até

cinquenta14 (BAUDRILLARD, 2002:315), personagens de sua preferência ou, até mesmo,

situações vividas. Em entrevista a Castleman, o grafiteiro BAMA exemplifica o processo de

escolha de alguns nomes: “BARBARA 62 morava na Rua 62 e seu nome era Barbara. (...)

CAT 2233. Todos o chamavam CAT porque ele normalmente gostava de roubar, e eles o

chamavam ‘gato’, ele também vivia na Rua 223 no segundo edifício, 223/2.” (1982:72).

Sair do anonimato e tornar-se famoso, em verdade, faz parte do modus operandi que

motivou e impulsionou a estrutura do grafite a atravessar os territórios urbanos, chegando

aonde a maioria desses jovens teria o acesso negado. O desejo de “aparecer” no espaço

público e de obter o reconhecimento de seu trabalho manteve a chama acesa por todas essas

décadas, influenciando sobremaneira outros jovens em diferentes locais do planeta.

Mas, quais as estratégias adotadas para conseguir projeção, visibilidade e fama? A

principal delas foi o “bombing”15, a atenção pública era canalizada através do

bombardeamento dos signos gráficos. Quanto maior o número de repetições de uma

determinada marca (signo gráfico) ou nome (nome próprio ou pseudônimo), mais rápido se

alcançava o reconhecimento e a fama.

Dessa forma, aqueles que tivessem um grande quantitativo de tags reconhecidas nas

linhas do metrô eram eleitos “king of the line” (rei da linha de trem). Quem espalhasse sua

marca nas ruas seria “king of the streets” (rei das ruas); ou ainda “king of the kings” (rei dos

reis) para aquele que tomasse a cidade com sua marca. O título “king of style” (rei do estilo),

era conferido às pinturas murais – grafites - com maior grau de originalidade no estilo,

proficiência e domínio técnico.

14
Baudrillard observa que “conforme o nome do totem, a afiliação totêmica é retomada por novos grafiteiros”
(2002:315).
15
Bombardeio foi a gíria para as intervenções urbanas através das pichações. Em português o termo “rolés” é
empregado pelos pichadores.

17
Na sequência, a escolha dos espaços para as intervenções encabeçava a lista das

estratégias para uma maior visibilidade. Nesse quesito privilegiavam-se locais de grande

circulação que permitissem uma superexposição no cenário urbano. Afinal, de que adianta

fazer um trabalho que ninguém vê?

Variações de temas, formas e cores figuravam como itens secundários na garantia de

uma posição dos que almejavam chegar lá. Por certo que havia uma busca pelo

aprimoramento técnico e artístico, mas os interesses se concentravam na visibilidade que o

grafite proporcionava, ou seja, o de ver a si próprio e ser visto pelo maior número de pessoas

possíveis.
16
A expressão “getting up” significava essa busca pelo reconhecimento, além da

aceitação de seu trabalho por outros grafiteiros (e quiçá do público em geral). Certamente o

estilo era um fator importante aos que almejavam o reconhecimento e autoafirmação, mas não

garantia um lugar de destaque. Segundo TRACY 168, “estilo não significa nada, se você não

alcança sucesso (get up). Se as pessoas não veem seu trabalho, como elas vão saber que você

tem estilo?” (CASTLEMAN, 1982:20).

1.4.Guerras de Estilos

Diferentes estilos, formas e técnicas foram desenvolvidos visando ao destaque entre as

comunidades de grafiteiros e o público em geral, estabelecendo uma nova forma de

comunicação. Essa interação permitiu a criação de um sistema de contatos e trocas entre os

que se interessavam pelo grafite, assim como uma maior visibilidade, justamente pelo fato de

se concentrar em locais onde circulavam milhares de pessoas todos os dias. Como esclarecem

16
“Getting up” (chegar ao topo) era uma expressão utilizada entre os grafiteiros nova-iorquinos naquele
primeiro momento na década de 1970, sendo o título do livro de Craig Castleman, cujo tema é os primeiros
grafites expostos nos trens do metrô de Nova York.

18
Gastman e Neelon, “tudo isso veio de jovens adolescentes. No período mágico entre 1971 e

1975 em Nova York, quando a escrita do grafite cresceu das simples assinaturas e figuras

desenhadas para maravilhosos e coloridos murais tipográficos” (2011:23).

Cada região da cidade marcava sua presença através de seu estilo, caracterizando uma

disputa territorial. Dentre muitos que surgiram, Richard Goldstein, em artigo no New York

Magazine (1973), apresentou as diferenças que se formaram entre os bairros do Bronx,

Brooklyn, Manhattan e a influência que veio da Filadélfia. O estilo Combo é uma mistura do

estilo Manhattan com o estilo da escola da Filadélfia, cujos desenhos apresentam letras bem

definidas que podem incluir símbolos ou figuras esquemáticas. O estilo Brooklyn é

caracterizado por letras desenhadas em formato livre e por fazer uso de curvas espirais

acrescidas de padrões decorativos. O estilo Manhattan, também denominado Broadway

Elegant, mostra cores fortes e contornos que realçam as formas, e foi desenvolvido por porto-

riquenhos. Por sua vez, o estilo Bronx possui um desenho de letras em formato bubble (bolha)

que também incluem padrões e contornos de formas representando chamas ou nuvens.

Figura 1.5.: grafite, NOVA, Estilo Brooklyn. Figura 1.6.: grafite, SNAKE I, Estilo Manhattan.
Fonte: New York Magazine, março de 1973, fotos: Tony Ganz.

19
Figura 1.7.: grafite, PHASE II, Estilo Bronx. Figura 1.8.: grafite, STAY HIGH 149, Estilo Combo.
Fonte: New York Magazine, março de 1973, fotos: Tony Ganz.

Foi assim que esses jovens pioneiros desenvolveram empiricamente suas

possibilidades criativas nas ruas da cidade, tendo como metodologia de aprendizagem a

observação e a troca entre si. Em um sistema multiplicador, veteranos influenciam e inspiram

iniciantes, atuando, em alguns casos, como “professores”, repassando técnicas aos neófitos a

partir de suas próprias experiências.

A partir daí as gerações seguintes engrossam as fileiras dos círculos do grafite e pouco

a pouco se observa a cidade sendo ocupada em seus espaços externos – playgrounds, quadras

de esportes, pontes, viadutos, muros, prédios, monumentos, automóveis, transportes públicos

(e onde mais fosse possível) -, apresentando signos gráficos, assinaturas e pinturas

impregnadas pela iconografia dos meios de comunicação de massa.

Palco de conflitos e tensões, a cidade de Nova York buscou conter esse quadro

virótico que extrapolou o controle das instituições governamentais, “no caso particular de

Nova York, a prática do grafite foi destacada como destrutiva, violenta e vândala pelos

20
poderes públicos e midiáticos. A juventude é definida como problema urbano e o grafite

como início de uma grave crise urbana” (FERRO, apud AUSTIN, 2001:76). A contenção do

grafite se tornou um assunto de polícia e o número de jovens presos em flagrante não era

noticiado na mídia17.

O rótulo de vandalismo marcou o grafite no nascedouro. Intervir em território urbano

representou, desde o início, um risco de vida para esses jovens. O crítico de arte Peter

Schjeldahl escreveu significativo artigo no New York Times, em 1973, no qual estabelece um

paralelo entre a estética do grafite com suas letras elaboradas e o Art-Nouveau. O crítico

observa que “O que há de original entre os grafiteiros é a nota de desdém e de autopromoção

gratuita, e uma depravação dos direitos de propriedade” (2012).

No documentário de 1984 sobre a cultura hip hop, “Style War” (Guerra de Estilos)18,

podemos observar como se deu a ocupação dos trens e galerias do metrô novaiorquinos pelos

grafiteiros e pichadores. Henry Chalfant destaca que a cidade de Nova York possui uma

vocação natural para o grafite enquanto fenômeno, legado transmitido de uma geração a outra.

Em uma das cenas mostra um grupo de jovens trocando ideias e comentando sobre um dos

cartazes afixados em uma das plataformas. Apreciam os traços, admiram o estilo do desenho,

as cores e o acabamento. O cartaz em questão possui uma técnica que busca o realismo,

elaborado sob a forma de traços, utilizando um sombreado que cria a ilusão de

tridimensionalidade. Sob esses pressupostos irão se construir os modelos para a execução dos

estilos, na composição dos temas da pintura mural. O fotógrafo Jon Naar19 considera que “a

tipologia dos signos gráficos empregados pelos jovens grafiteiros trazia uma influência dos

cartazes de propagandas expostos no cenário urbano” que, segundo ele, “explicariam a

17
Segundo Castleman, “no início de 1973, ao longo do ano, a polícia prendeu 1.562 jovens por vandalismo
nos metrôs e outros lugares públicos com pichações. Dos presos, 426, eventualmente, foram ao
tribunal e condenados a passar um dia nos pátios dos trens, esfregando as superfícies para a retirada dos
grafites” (1982:140).
18
Documentário dirigido por Tony Silver e produzido por Tony Silver e Henry Chalfant, em 1982.
19
Naar foi um dos primeiros fotógrafos profissionais a registrar o grafite em Nova York, no início da década de
1970.

21
elaboração sofisticada de alguns grafismos; uma vez que aqueles jovens20 não teriam acesso

aos espaços destinados às artes, tais como museus e galerias” (STUSSYVIDEO, 2011).

Com base em nossos estudos, podemos afirmar que o desenvolvimento dos processos

criativos dessa geração dedicada ao grafite aconteceu ao largo das instituições do circuito da

arte, como escolas de artes, museus e galerias. Na visão de Gastman e Neelon, “uma coisa é

certa, jovens grafiteiros como CRASH certamente não receberam inspiração em museus e

instituições de arte.” (2011:23).

Quando você cresce em lugares como o sul do Bronx, museus de arte não entram em
sua vida, (...) você não pensa nisso (...). Eu cresci pobre o suficiente para ter que
compartilhar os tênis (...) de modo que crescer neste [meio ambiente], museus são a
última coisa que você pensa. Eu tenho uma irmã mais velha que quando ela recebia
o pagamento, ela me dava um dólar. E eu costumava ir comprar quadrinhos com
isso, e foi assim que aprendi a desenhar (GASTMAN, NEELON apud CRASH,
2011:23).

Os “comics”21 foram veículos de grande alcance e penetração entre o público juvenil,

devido ao seu desenho de formato linear, constituído de contornos, padrões e texturas

gráficas; suas imagens formam textos visuais que visam transmitir uma mensagem de forma

clara e objetiva. Entende-se o porquê das preferências iconográficas serem inspiradas em

personagens como Dick Tracy, Popeye, Donald e Mickey Mouse e comporem o repertório do

grafite, que saíam de revistas e animações veiculadas à imprensa, cinema e televisão.

20
Segundo Naar, a faixa etária desses jovens era de 10 a 12 anos.
21
“No início do século XX, os quadrinhos eram essencialmente humorísticos e essa é a explicação para o nome
que elas carregam: “comics” (cômico).” (JARCEM, 2007).

22
Figura 1.9.: RASTA, “Gato Felix e Pluto”, metrô de Nova York, 1981. Fonte: foto Martha Cooper;
livro Subway Art. 25th.

Daí a adoção da estética dos quadrinhos e identificação com seus heróis a partir das

histórias criadas por um rol de quadrinhistas, entre os quais podemos destacar Steve Ditko

(“Homem Aranha”, 1962), Don Heck (“Homem de Ferro”, 1978), Joe Simon e Jack Kirby

(“Capitão América”, 1941) e John Buscena (“Os Marvel”, 1960), que exerceram grande

influência na formação da cultura juvenil.

23
1.5. A Expansão nas Mídias

Filmes, documentários e principalmente a fotografia se tornaram poderosos aliados na

divulgação do grafite entre as décadas de 1970 e 1980, dentro e fora do território norte-

americano, sendo que a imprensa escrita teve um papel importante na difusão do grafite como

uma nova forma de expressão juvenil. Foi em 1971 que o jornalista do New York Times Don

Hogan Charles escreveu o primeiro artigo sobre o assunto, no qual relatava as intervenções de

um jovem que assinava “Taki 183”:

Taki é um jovem adolescente que escreve seu nome e endereço aonde vai. Ele diz
que isso é algo que ele simplesmente tem que fazer. Taki 183 apareceu nas estações
e trens do metrô e por toda a cidade, nas ruas ao longo da Broadway, no aeroporto
internacional Kennedy, em New Jersey, Connecticut, em estados próximos a Nova
York e outros lugares. Ele gerou centenas de imitadores, incluindo JOE 136,
BARBARA 62, EEL 159, YANK 135 e LEO 136 (CHARLES, 2012).

Como um efeito cascata, o bombardeio visual e a superexposição de “Taki 183”

atraíram a atenção de outros jovens que descobriram no grafite uma via de expressão e

comunicação. Alguns shows de TV, assim como filmes produzidos e filmados na cidade de

Nova York, na época, expunham cenas com imagens de grafites e pichações que tomavam a

cidade. Na lista dos filmes mais conhecidos temos “Saturday Night Fever” (Os Embalos de

Sábado à Noite), de 1977, com John Travolta; “O Exorcista”, de 1973; e “Death Wish”

(Desejo de Matar), de 1974, com Charles Bronson. Em adição, podemos ressaltar a

contribuição de publicações que objetivaram divulgar o grafite como arte: o livro The Faith of

Graffiti 22 (A Fé no Grafite), de 1974, com fotos de Mervyn Kurlansky e Jon Naar e texto do

jornalista e escritor Norman Mailer; e Subway Art (Arte do Metrô), de 1984, com fotos e

textos de Martha Cooper e Henry Chalfant.


22
Em entrevista, Jon Naar relata que o título foi dado pelo grafiteiro CAY 161.

24
The Faith of Graffiti traça um mapa urbano, ilustrando as áreas ocupadas por

pichadores como A-1, CAY 161, TAKI 183, JUNIOR 161 e outros. Mailer reconheceu nessas

intervenções uma potência expressiva e estética concentrada na força dos nomes,

pseudônimos e logos que se espalhavam pela cidade. Seu texto buscava despertar um olhar

para o grafitti do ponto de vista artístico, reconhecendo o potencial dessas intervenções

subjacente aos atos de vandalismo propagados pelas autoridades e pela sociedade nova-

iorquina. O autor discorre sobre artistas e estilos legitimados pela história da arte clássica e

contemporânea, relacionando-os à produção emergente do grafite.

Os registros fotográficos de Martha Cooper, Henry Chalfant e Jon Naar nos trazem

imagens das primeiras estrelas do grafite que circulavam nos trens de Nova York. As

fotografias de Cooper apresentam uma visão que privilegiava o contexto da cidade no

enquadramento da imagem, sendo que Chalfant focalizava em suas lentes o desenvolvimento

dos processos e técnicas.

Fazendo uso dos meios tecnológicos disponíveis na época, essa geração utilizou a

fotografia como forma de preservar as imagens de suas produções, devido ao caráter efêmero

e temporário dessas interferências. Chalfant comenta que, em muitas ocasiões, trabalhava

contra o tempo a fim de poder fotografar esses grafites: “eu nunca tinha certeza se o trabalho

ainda estaria intacto por muito tempo. Alguém talvez pichasse em cima ou as autoridades

poderiam apagá-lo.” (2009:7). Tanto Chalfant como Cooper costumavam receber ligações

telefônicas dos grafiteiros, informando sobre o término de um trabalho para ser fotografado.

Cooper observa que naquele momento não havia uma ideia clara do alcance que o grafite iria

atingir, muito menos da contribuição dessas publicações para a divulgação e expansão do

grafite em outros países. A fotógrafa comenta que, em 2006, quando esteve em São Paulo,

teve a oportunidade de encontrar os grafiteiros “Os Gêmeos”, e que eles teriam relatado o

25
momento quando, aos 13 anos de idade, entraram em contato com seu livro “Subway Art”, de

1982, através de fotocópias em preto e branco.

Produções cinematográficas também abriram espaço a esses jovens, permitindo que

pudessem expressar suas ideias, mostrar suas produções e o desenvolvimento de seus estilos,

expondo a maneira de executarem as intervenções. Dessa forma, encontramos LEE23 e LADY

PINK representando seus próprios papéis em “Beat Street”; e DONDI, SNAKE, DAZE,

BLADE, SLAVE, SEEN protagonizando o documentário “WildStile”, ambos produzidos em

1982, na cidade de Nova York.

Começando a se conscientizar do poder da comunicação através dos meios

tecnológicos, esses jovens se autopromoveram e criaram oportunidades de troca, conseguindo

uma maior penetração e intercâmbio com seus pares.

A luz das teorias de Walter Benjamin24, Lúcia Santaella analisa a era da cultura das

mídias como o início do processo de individualização na forma de emissão e recepção da

informação, quando o indivíduo abandona o estado passivo, característica da cultura das

massas, passando a atuar de forma seletiva, escolhendo e absorvendo a informação de acordo

com seus interesses e preferências. A produção, registro e divulgação das produções artísticas,

utilizando os meios de comunicação midiáticos, foram possíveis, segundo Santaella, devido a

um afrouxamento das fronteiras entre o popular e o erudito. O surgimento de novas formas de

consumo cultural, nos anos 1980, propiciadas pelas novas tecnologias - a indústria do

disponível e do descartável - como fotocopiadoras, videocassetes, videoclipes, videojogos,

controle-remoto, indústria de CDs e a TV a cabo, deu origem à cultura da mobilidade, do

agente como coprodutor.

23
O grafiteiro LEE também teve participação (representando seu próprio papel) no filme “Bomb the System”
(Fúria dos Pixadores), produção norte-americana, com direção de Adam Bhala Lough, 2002.
24
“A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica” (1936).

26
1.6. O Mercado do Grafite

A explosão nas mídias da cultura hip hop e sua subsequente massificação conquistou o

público juvenil que se mostrou aberto ao consumo do “rap music” e do “breack dance”.

Ancorados na indústria fonográfica, produções em videoclipes viabilizaram o comércio de

produtos que ditaram a moda, a linguagem e o comportamento do público jovem. É nesse

momento que o grafite comparece inserido em um pacote publicitário que incluía capas de

discos, cartazes de propaganda, vestuário (camisetas, jaquetas), acessórios (bonés, tênis) e

outros objetos utilitários de consumo.

O graffiti, inicialmente uma prática subversiva, ilegal e desviante, tornou-se, no fim


do século XX e início do XXI, apetecível para o mercado da arte e do design. (...)
Assim, a produção do graffiti permaneceu polarizada em duas vertentes: uma mais
oculta, desviante e transgressora e outra, visível, institucionalizada e legitimada
(FERRO, 2010:81).

O viés comercial desenvolvido pelo “estilo grafite”, com suas letras elaboradas,

personagens fictícios e temas questionadores, facilitou a legitimação e a profissionalização

desses jovens que passaram a viver de sua arte ainda na década de 1970. Outro fator

importante que contribuiu para a profissionalização e legitimação institucional do grafite foi a

formação de organizações e associações de grafiteiros que tinham o propósito de uma ampla

divulgação dessa nova forma de expressão junto à sociedade, colaborando no processo de

redirecionamento das intervenções dos trens e muros da cidade para outros suportes

considerados mais aceitáveis. Havia um encorajamento, como, por exemplo, à realização do

grafite sobre tela e em outros meios, com o objetivo de comercialização junto aos

colecionadores de arte e público em geral.

Bem recebidas pelas comunidades do grafite, essas associações desenvolveram e

mediaram projetos de ensino, direcionando seus membros ao aprimoramento técnico e à

27
dedicação a uma carreira em arte. Paralelamente, organizaram exposições no sentido de

inserirem o grafite no circuito oficial das galerias e museus. Promoveram encontros entre os

grupos de diferentes pontos de Nova York e levaram o grafite para fora da cidade através de

exposições.

Dentre as mais conhecidas destacam-se a UGA (United Graffiti Artists)25, que atuou de

1972 a 1975, e a NOGA (Nation of Graffiti Artists), que iniciou suas atividades em 1974,

ambas em Nova York.

Hugo Martinez26, na

época estudante de sociologia

da CUNY (The City University

of New York)27, localizada em

Manhattan, foi quem fundou a

UGA, sendo um dos primeiros

a abrir um canal de

interlocução entre o grafite e a

sociedade.

Figura 1.10.: Foto do New York Post, 8/12/1972 Fonte: Associated Press Wirephoto (arquivo Hugo
Matines), disponível em: martinezgallery.com/Press, acesso em: 19 abril 2012.

Martinez, de origem hispânica, já havia lecionado em projetos sociais com jovens em

situação de risco social, no bairro do Queens, em Nova York, momento no qual entrou em

25
Associação de Artistas do Grafite.
26
Atualmente, Martinez é dono de uma galeria de arte e especialista em arte urbana, também dirige a fundação
ALL CITY, juntamente com Juan Tapia (grafiteiro, ex-membro da UGA que assinava CAT 87) que atualmente é
médico pediatra. Juntos, eles montaram uma rede de artistas, designers e profissionais de saúde para criar e
executar artes e programas de saúde em Nova York. A ALL CITY tem como missão desenvolver uma arte de
base comunitária e de saúde colaborativa codirigida por líderes comunitários e associados (MARTINEZ, H.
ALL CITY. Disponível em: http://allcity.info. Acesso em: 19/04/12).
27
Universidade da Cidade de Nova York.

28
contato com SITCH I, SNAKE I, CAT 87 e CO-CO, estrelas do grafite e os primeiros a fazer

parte do time. A associação se organizou com vistas a promover esses talentos através da

canalização de suas energias para a criatividade.

Como sociólogo, Martinez tinha uma proposta de “perceber o grande potencial dos

adolescentes porto-riquenhos e até onde eles poderiam chegar pela reconversão de suas

energias e interesses” (CASTLEMAN, 1982:117). Com base em sua pesquisa, fomentou o

desenvolvimento artístico de um grupo seleto de aproximadamente 20 jovens grafiteiros (em

sua maioria de origem hispânica)28 e agenciou exposições em instituições de ensino (City

College, 1972), galeria de arte (Razor Gallery no Soho em Nova York, 1973) e museu

(Museum of Science and Industry29, Chicago, 1974).

Em 1972, o New York Times deu destaque à

primeira exposição do grupo, no Eisner Hall do City

College. O sucesso da mostra resultou em um convite

para participarem da produção musical da companhia

de dança Twyla Tharp’s Ballet, em 1973.

Durante o show “Deuce Coupe”, os grafiteiros

realizaram performances pichando seus nomes

“SUPER KOOL, STICH, PEACHE, SJK” e outros,

além de frases, criando um cenário vivo, ao mesmo

tempo em que o espetáculo de dança acontecia,

reproduzindo um ambiente semelhante ao das ruas de

Nova York.

28
Os primeiros a integrarem o grupo foram: SNAKE I, STICH I, CAT 87 e CO-CO, seguidos de LEE 163,
FLINT 707, MICO, PHASE II, WICKED GARY, SJK 171, T-REX 131 E BAMA.
29
Museu de Ciência e Indústria.

29
Figura 1.11.: Foto “Cenário para o Twyla Tharp’s Ballet”, 1973. Fonte: Newsweek Magazine,
arquivos Hugo Matines, disponível em: martinezgallery.com/Press, acesso em: 19 abril 2012.

Graças à Martinez, a UGA ganhou espaço em alguns dos maiores jornais e revistas

estadunidenses, dentre os quais: Newsweek (1973), New York Daily News (1973), New York

Sunday News (1973), The Village Voice

(1973), The Wall Street Journal (1973),

New York Magazine (1974)30, Artforum

(1985) e o internacional El Mundo

(1985). O reflexo positivo da

publicidade via UGA permitiu a

profissionalização de muitos desses

jovens, como, por exemplo, LEE (Lee

Quiñones), SEEN, CO-CO e outros que

construíram uma carreira artística e

conquistaram o mercado de arte e

design31.

Figura 1.12.: Foto “Capa do New York Magazine”, 1974. Fonte: New York Magazine, arquivos Hugo
Matines, disponível em: martinezgallery.com/Press, acesso em: 19 abril 2012.

À frente da NOGA, Jack Pelsinger direcionou as atividades do grupo para a prática

artística em estúdio, pautada em sua própria experiência profissional. PELSINGER tinha um

currículo artístico que incluía a prática e o ensino nas áreas de pintura, artes cênicas e dança.

Despertou para o grafite após visita à exposição promovida por Martinez no City College, em
30
A UGA recebeu reportagem de capa e artigo de Richard Goldstein intitulado “This Thing Has Gotten
Completely Out of Hand” (Essa coisa ficou completamente fora do controle).
31
Encontramos farto material documental na internet sobre esses artistas: vídeos, participações em filmes,
entrevistas, exposições, fotos, artigos, publicações em livros e revistas, além de participações em exposições
dentro e fora do território norte-americano, revelando que esses grafiteiros obtiveram uma carreira artística bem
sucedida.

30
1972. Foi ele quem ofereceu à UGA seu apartamento para ser usado como estúdio e

acompanhou com muito interesse os encontros e atividades desenvolvidas por aquela

associação, travando inclusive laços de amizade com alguns de seus membros. Não obstante,

discordava da posição de Martinez no ponto em que este limitava as admissões em sua

associação aos de origem hispânica32.

Essa divergência fez com que Pelsinger decidisse fundar sua própria organização e,

em 1974, abriu as portas a todos os jovens que tivessem interesse em desenvolver um trabalho

em grafite. Sua missão, conforme declara à Castleman era, “não levar as crianças para

fora de sua comunidade no Soho, mas crescer com elas e participar de sua vida.” (1982:127).

Foi dessa forma que as adesões aconteceram, no boca a boca, sem discriminações ou critérios

de pré-seleção. Pelsinger montou um estúdio, providenciou materiais (telas e tintas) e aceitou

jovens grafiteiros33 inexperientes da periferia que ainda não haviam percorrido o circuito da

fama dos trens do metrô. Mediou o acesso aos materiais de pintura, museus e galerias,

objetivando o desenvolvimento das potencialidades artísticas de muitos jovens que viviam em

áreas de risco social. Estabeleceu parcerias para a realização de exposições, como no Central

Savings Bank, em 1974, e Bank Street College of Education Paintings, em 1976, ambos em

Nova York, e para a participação em projetos, obtendo inclusive publicidades em jornais

importantes, como o New York Post. Apesar de tudo, Pelsinger tinha pouca habilidade
34
empresarial, o que dificultou as chances do crescimento comercial da NOGA . Assim,

buscou investir no exercício da arte, de forma a despertar as potencialidades criativas desses

adolescentes, por acreditar que “todo mundo precisa ser alguém e se sentir importante

perante os outros. A arte é o meio mais rápido destes jovens conseguirem esta realização.”

(CASTLEMAN, apud PELSINGER, 1982:133).

32
Hugo Martinez enfocou seus interesses em jovens de origem hispânica, destinando uma pequena cota para a
admissão de membros negros.
33
CLIFF 159, STAN 153, IN, OZ, CHINO MALO, RIB 161 e KASE foram membros da NOGA.
34
Nossa pesquisa indicou que a Nação dos Artistas do Grafite, NOGA estendeu suas atividades até o início da
década de 1980, sendo que não encontramos nenhum registro do período de seu fechamento.

31
2° Capítulo

Ato Transgressor: O Artista na Rua

32
2.1. O Risco Vale a Pena

Compulsão, vício, válvula de escape, esporte e obsessão, a pichação35 e o grafite

correm por entre as vias das cidades brasileiras e estão no sangue de inúmeros grupos de

diferentes idades, sexos e profissões. Criaram uma rede que se amplia com o passar do tempo,

estendendo seus raios de atuação aos indivíduos comuns, sejam eles estudantes, pais de

família, trabalhadores, ociosos ou fora da lei, constituindo-se em um ritual de passagem para

adolescentes de todas as classes sociais. Para não mencionar as carteiras e banheiros públicos,

quem não pichou em uma sala de aula ou uma casa no bairro, ou ainda em um muro próximo

ao parque, praça ou campinho de futebol?36 De maneira análoga, os cadernos escolares,

diários e bloquinhos telefônicos são preenchidos por desenhos, mensagens e frases que falam,

desde sempre, do cotidiano de crianças e jovens adolescentes.

De forma contagiante, o círculo das intervenções urbanas, sejam em grafites ou

pichações, vem se ampliando dia a dia, atraindo jovens e adultos de todas as classes sociais e,

por que não, incluindo indivíduos que atuam em cargos importantes, profissionais liberais,

autoridades e outros que saem às ruas para se expressarem em intervenções que se baseiam

em comportamentos desviantes, marginais. Ao que parece, e a maioria concorda, a adrenalina

e o perigo sustentam o vício do grafite nas ruas, manifesto no cheiro da tinta sobre a

superfície e na fisicalidade desafiadora que vaza aos sentidos, reagindo ao impulso de viver

em meio à transgressão. É desse modo que as mil faces do grafite buscam traçar seus

caminhos, mantendo-se fiel às suas origens, utilizando-se do acaso na prática de ações que

35
“Pixação, ou simplesmente o pixo, com 'x' mesmo, é a grafia usada por seus praticantes para diferenciar o
que fazem hoje em São Paulo das pichações político-partidárias, religiosas, musicais ou mesmo ligadas à
propaganda que há vários anos enchem os muros e paredes da cidade, a despeito do quão 'limpa' ela queira
apresentar-se.” (ANJOS, 2010).
36
Estima-se que a faixa etária para a iniciação à pichação gira em torno de 10 a 12 anos e para o grafite entre 16
a 18 anos, podendo variar de acordo com as habilidades e com os recursos técnicos e financeiros de cada jovem.

33
acontecem em meio aos trajetos perambulantes, ao ir e vir, em “rolés” que a toda hora

redesenham as paisagens urbanas.

Embaralhando códigos, signos, marcando territórios e superfícies, constroem uma

segunda pele na epiderme da cidade, seguindo diligentemente indiferente às críticas, leis ou

normas sociais. O espaço urbano é seu território, é onde a ação toma conta dos adeptos de

ponta-cabeça. Profissionais do perigo, “os manos”37 se apoiam em sistemas colaborativos e

“famílias”, agem em coletivo, intercambiando experiências colhidas nos desafios do dia a dia

de uma vida dedicada ao oficio de intervir.

2.2.“Declare o Seu Amor à Cidade, São Paulo 450 anos”38

Bem antes da transformação do cenário urbano pelo grafite contemporâneo, o ato de

interferir em espaços públicos sempre fez parte de manifestações cuja abordagem incluía

protestos políticos, pornográficos e socioculturais. Poesia, opiniões, trechos de músicas,

declarações de amor, xingamentos etc. encontravam nos muros das cidades um suporte de

fácil comunicação e visibilidade, de modo que as superfícies dos muros passaram a ser um

espaço concentrador de frases, símbolos, signos e formas que ilustravam situações e temas de

diferentes matizes, representando um espaço/tempo de uma determinada sociedade. Como

um diálogo coletivo, permitia a circulação de cartazes de caráter político, contestatório, social,

comercial, assim como pinturas murais e pichações39 que davam vazão aos anseios e críticas

locais.

37
Forma de tratamento empregada entre os pichadores em São Paulo.
38
Frase pichada por “M’Boi Mirim” na cidade de São Paulo. Fonte: foto de Marcio Scavone, livro “A Cidade
Ilustrada”, pg. 130.
39
O termo pichação “trata-se de uma referência à técnica de pintar com piche e anterior à lata de tinta em jato,
‘spaycan’.” (KNAUSS, 2001:340).

34
Os emblemáticos muros que marcaram a revolta estudantil, em maio de 1968, na

França, outros que ficaram famosos na história como o “Muro de Berlim”40 e o “Muro das

Lamentações (em Jerusalém)”, por exemplo, são conhecidos por suas manifestações de cunho

social.

No Brasil não foi diferente. Desde as décadas de 1960 que se pichavam nos muros das

grandes capitais com frases de efeito (“O Petróleo é nosso”), palavras de ordem (“Abaixo a

Ditadura”), frases enigmáticas (“Celacanto provoca Maremoto”, “Lerfá Mú”), além de

slogans (“Pra não dizer que não falei das flores”) que tomavam as ruas durante o governo

militar de 1964, sob a influência dos militantes políticos, movimentos artísticos e da música

popular brasileira. Foi um momento na história do país em que a censura e a repressão

coibiam as manifestações populares, além de qualquer outra forma de expressão contra o

poder vigente.

A forma mais comum de externar esses protestos era expor, no espaço público,

pichações que falavam do desagrado dos estudantes e da população em geral, frente à

ditadura. As intervenções aconteciam na calada da noite, sob o risco de severas punições por

parte de autoridades que coadunavam com a política repressora do governo militar.

A música, por sua vez, dava voz ao sentimento popular de insatisfação face aos

acontecimentos - sequestros, exílios e prisões dos que se opunham ao regime - e foi uma

válvula de escape da sociedade diante do controle excessivo da ditadura, entre as décadas de

1960 e 1980. Cidades como Rio de Janeiro e São Paulo apresentavam em seus muros

pichações de refrães das músicas de Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Chico Buarque e outros.

Movimentos como “Pró-Democracia” (década de 1970) e “Anistia Já” (década de 1980)

também utilizaram o recurso direto da pichação no espaço urbano para levar suas mensagens

ao público em geral e alcançar visibilidade através dos meios massivos e telemáticos.

40
O muro de Berlim representava uma barreira que dividia dois regimes políticos, cada um com sua face. O
lado oriental representava o regime socialista e se mantinha limpo, já o ocidental apresentava pichações,
pinturas, desenhos e frases ao longo de toda sua extensão.

35
Figura 2.1.: Protesto Estudantil, Rio de Janeiro, 24 de julho 1968. Autor desconhecido.
Fonte: livro: Graffiti Brasil (2010:13)

Governos pautados na repressão, como o do Brasil, adotaram uma política de redução

da participação social em espaços públicos e estímulo ao uso das mídias como veículo de

indução ao consumo, medidas que contribuíram para a formação de um público consumidor.

Néstor Garcia Canclini observa que “A mídia se transformou, até certo ponto, na grande

mediadora e mediatizadora e, portanto, em substituta de outras interações coletivas.”

(2008:289). De modo que, ao longo da segunda metade do século XX, houve uma redução

das manifestações populares e uma reestruturação no modo de “aparecer em público”. Essa

transformação fez com que a mídia substituísse as passeatas, atos nas ruas e praças pelos

meios audiovisuais, deslocando o palco das manifestações da vida urbana para o espaço

virtual das mídias eletrônicas. Assim o “real” passa a ser o que é apresentado na televisão e

em jornais e revistas. Consideradas como legítimas representantes sociais, as mídias orientam

os comportamentos coletivos, seja em forma de produtos de consumo, seja nas áreas de

conhecimento, política e cultura. A partir daí, “a ‘cultura urbana’ é reestruturada ao ceder o

espaço publico às tecnologias eletrônicas. Como quase tudo na cidade ‘acontece’ porque a

mídia o diz e como parece que ocorre como a mídia quer (...)” (CANCLINI, 2008:290).

36
Foi durante esse processo midiático de massificação, possivelmente influenciado por

suas estratégias consumistas, que o grafite se projetou nas grandes cidades. É frente a esse

cenário que os novos atores, sob a forma de pichadores e grafiteiros, tomaram de assalto esse

palco. Segundo Baudrillard, “muros pintados como grafites nasceram após a repressão das

grandes revoltas urbanas de 1966/70. Trata-se de uma ofensiva tão ‘selvagem’ quanto as

revoltas, mas de outro tipo, uma ofensiva que mudou de conteúdo e de terreno.” (2002:315).

Observa-se que tanto as pichações das manifestações político-sociais que tomaram os muros a

partir dos anos 1960 quanto o grafite que surge nos trens do metrô nova-iorquino são

intervenções que acontecem no cenário urbano e apoiam-se na transgressão. Contudo, diferem

em suas intenções, seja nos conteúdos apresentados como nas áreas de atuação ou alvos.

Se por um lado os protestos sociais usam os muros da cidade como suporte para um

diálogo coletivo, manifestando suas opiniões de caráter político, econômico ou social, por

outro lado, de forma inversa, as intervenções através do grafite buscam no cenário urbano

esses e outros suportes, com o objetivo de bombardear imagens de múltiplas referências e

signos de códigos inidentificáveis aos olhos do público. Apontados por Baudrillard como atos

terroristas, via de regra o grafite interfere na esfera pública destituído de quaisquer ideais,

apresentando-se de maneira gratuita, por vezes espontânea, com a intenção de subverter

valores, burlar a lei e até de agredir a sociedade. Expressa-se na ultrapassagem dos limites

sociais e institucionais, explorando o rompimento das barreiras impostas pelo confinamento

dos guetos, que podem ser “gueto da televisão, da publicidade, o gueto dos

consumidores/consumidos, cada espaço/tempo da vida urbana se constitui um espaço de

confinamento, um gueto” (BAUDRILLARD, 2002:317).

37
2.3. Caminhos na Contramão

“Minha vida era pichar de segunda a sexta, e sábado e domingo


também” (HOMENS PIZZA SAM, ESCRITA URBANA, n° 7,
2007).

Desde a última década do século XX a pichação cresceu nas cidades brasileiras em

proporções epidêmicas e, a exemplo do que aconteceu em Nova York, nos anos 1970, vem

sendo encarada como um problema insolúvel para os governos municipais. Os motivos desse

fenômeno apontam para o crescimento desordenado dos centros urbanos nos países da

América Latina e para a má distribuição da renda que agravaram as diferenças sociais na

maioria das grandes cidades brasileiras desde os anos 1980.

O eixo Rio-São Paulo passou a abrigar uma população marcada por conflitos sociais e

por uma política excludente que veio provocar um crescimento caótico em áreas periféricas da

cidade. Se considerarmos a população no início do século XX, no Brasil, apenas 10%

concentravam-se em cidades e a grande maioria em comunidades de áreas rurais; atualmente

essa porcentagem subiu para cerca de 60 ou 70% (CANCLINI, 2006:285). Segundo o

pesquisador José Manuel Venezuela Arce, na década de 1990, 9% da população urbana

brasileira se encontrava abaixo do nível de pobreza absoluta. O autor ressalta que “as favelas

desenvolveram-se com a primeira década (do século XX), e a urbanização foi incorporando

de maneira crescente afro-brasileiros que haviam acabado de obter sua libertação com a

abolição da escravatura, no final do século XIX.” (1999:27).

O processo de favelização, seja ela vertical ou horizontal, provocou um fosso entre as

classes sociais, concentrando nessas áreas uma população que sobrevivia com baixas

remunerações, subempregos e trabalho informal. As grandes cidades brasileiras, na década de

1990, viveram a escalada do crime organizado que girava em torno do tráfico de drogas. O

38
problema da violência urbana e a intolerância da população face ao cenário de crescente

favelização geravam um clima de insegurança para a população jovem que, segundo Arce,

“define expectativas de vida e opções prematuras de morte” (199:31). O autor elenca

algumas expressões juvenis, dentre essas o grafite, que se destacam como uma resposta ao

cenário urbano marcado por problemas econômicos, pela violência e pela ausência de

oportunidades a esses jovens. Os agravantes dizem respeito às áreas de circunscrição desses

jovens, onde os conflitos socioeconômicos e de violência, seja por parte do poder público,

seja nos micronúcleos do crime organizado, predominantemente voltado ao tráfego de drogas,

fazem com que essa forma de expressão se manifeste de forma marginal, estendendo suas

ações para além dos limites de circunscrição, em busca por outros territórios da cidade.

Nota-se que há uma maior concentração de pichadores em regiões da cidade em que a

paisagem é destituída de qualquer atrativo, fato que atrai ainda mais o interesse desses jovens

para uma reconfiguração da paisagem local. É o caso de HOMENS PIZZA SAM, de

Diadema41, que picha desde 1991 e relatou no documentário “Escrita Urbana, 3” os motivos

que o levaram a aderir à pichação:

A gente morava num lugar bem humilde e não tinha muito com o que se divertir, e
como na minha área tinha muito pichador, a gente ficava olhando e admirava. Para
nós, os desenhistas de hoje em dia, como o Maurício de Souza, na época eram os
pichadores. E na escola também havia muita pichação. Como sempre me interessei
por artes, me interessei pela pichação. Não só eu como vários amigos que hoje em
dia fez, faz, e outros pararam. Tem os que trabalham e ganham dinheiro com isso
por causa da pichação, e tem pessoas que tiveram muitos problemas por causa da
pichação, finados42... Eu sempre gostei de desenhar, mas não tinha curso, estudo,
nada, aí me interessei (ESCRITA URBANA, 3, 2007).

Como um grito que expõe à sociedade essa realidade, os jovens marcam o percurso de

seu pertencimento social, de forma a se fazer presente em áreas de maior fluxo urbano, como

41
Município localizado ao sul de São Paulo, pertence à Região do Grande ABC. De acordo com o IBGE, sua
população total é de 386.039 habitantes, sendo o 15° mais populoso do estado.
42
A palavra ‘finados’ é uma alusão aos pichadores que morreram durante as intervenções.

39
nas regiões centrais das grandes cidades, objetivando atrair o olhar do público, que

normalmente se mostra indiferente para essa realidade. Por sua vez, são encarados pela

sociedade como vândalos, marginais, selvagens, rebeldes, “a tribo dos guerreiros escribas

underground, predominante e crescente na bolsa amniótica da periferia” (DJAN, CAUÊ,

2011). Isso se deve ao fato de a pichação se manifestar como uma expressão visual com

características transgressoras, partindo de intervenções que vão de encontro às leis sociais.43

Sem interesse em estabelecer um canal de comunicação, “a pichação, em São Paulo,

permanece voltada para agredir a sociedade”, afirma o fotógrafo Choque Photos44.

2.4.XARPI,45 Profissão Perigo!

Esporte, diversão, atração pelo perigo, “ibope”, fazer amigos ou integrar um grupo,

enfim, são muitos os motivos que levam os jovens a se interessar pela pichação. Nota-se que a

diversidade de interesses vem contribuindo para que essa forma de intervenção esteja em toda

parte. Mas, o que mudou na pichação atual?

O pichador TATEI, em entrevista ao site do grupo intitulado “TÚMULOS”, afirma

que:

hj46 a molecada fode td mano, tem uns vacilão ai que se acham e tal, mas a forma de
pixar mudou tbm, os moekes grudam na janela e tal, a cada dia que passam
inventam algo nas ruas, pixador é foda a diferença é que hj em dia não tem mais
espaço, os caras estão pixando pra fora de sp, kkkkkkkkkkkkkkkkkk, ta foda
moleque.47 (ENTREVISTA DO CAIXÃO, TATEI, 2012).

43
Lei nº 12.408, de 25 de maio de 2011, art. 65: “ Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou
monumento urbano: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. § 1o Se o ato for realizado em
monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis)
meses a 1 (um) ano de detenção e multa”. (NR)
44
CHOQUE PHOTOS possui um acervo fotográfico dessas intervenções e teve suas obras expostas na 29ª.
Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 2010.
45
O termo XARPI significa PIXAR e faz uso de um tipo de linguagem intitulada ‘gualin da teteca’, muito
utilizada no universo juvenil. É uma fala que inverte a palavra sílaba por sílaba, de trás para frente.
46
TATEI utiliza uma linguagem coloquial comumente empregada em redes sociais na internet, “hj” significa
hoje, “td” tudo, “tbm” também, “moekes” moleques, “sp” São Paulo, “kkkkkkkkk” representação de gargalhada.
47
Sic.

40
Pichar no espaço urbano é, na definição dos próprios pichadores, uma “profissão

perigo”. Representa uma carreira que pode ser curta, que envolve muita adrenalina e um

estado de constante apreensão. Há uma linha frágil que separa as simples expressões urbanas

da criminalidade, e a ultrapassagem desses limites pode provocar a saída de muitos, ou porque

são pegos pela polícia, ou devido à morte em acidentes durante as intervenções. Perguntamos

a CRIPTA DJAN se ele considera curta a carreira de pichador e quais seriam os principais

motivos que fazem com que um jovem abandone a pichação.

CD: O que determina uma carreira curta na pixação é uma serie de fatores, o
primeiro pode se dizer que é a família, se o pixador tiver uma família muito
conservadora ou religiosa, a primeira vez que ele for pego pixando nunca mais vai
querer pixar. Tive muitos amigos que pararam cedo por causa disso, aqueles que
não têm esse tipo de empecilho ou que enfrentam a família são os que continuam,
mas em um determinado momento da nossa trajetória como pixador começamos a
nos deparar com uma linha estreita com o crime, devido à facilidade que temos
para subir em vários lugares, nos deparando muitas vezes com objetos de valores.
Muitos pixadores quando chegam nessa fase acabam migrando pro crime, começam
com os pequenos furtos, e com o tempo acabam virando assaltantes ou traficantes.
Vi muitos amigos irem por um caminho sem volta, os que não morreram ou estão
presos ou ganharam liberdade depois de muitos anos perdidos na cadeia, esses
dificilmente conseguem se reintegrar, alguns até tentam, mais são poucos que
conseguem.
Os pixadores que permanecem por mais tempo no role são os que conseguiram
conciliar a vida social com o role, esses são os que estudaram e tem um emprego, e
que só tiveram problemas com a justiça relacionados à pixação, pois quando se tem
algum outro artigo fora a pixação a situação fica mais complicada para pixar, esse
é um fator que atrapalha muitos pixadores a continuar, em outros casos alguns
acabam constituindo família muito cedo e se vêm obrigados a parar devido à
responsabilidade de sustentar uma família.
Mesmo assim com diversos problemas com a justiça e família muitos não
conseguem se afastar completamente do movimento, alguns se afastam por um
tempo, mais a maioria sempre acaba voltando, mesmo que seja só colando em
points e festas, e tem vários coroas de 30 a 40 que tá no rolé pixando até hoje48.
(Entrevista a autora, via e-mail, em: 24 jan. 2011).

Observa-se que houve uma transformação ou “evolução”49 na pichação paulista, do

início da década de 1970 aos dias atuais. Segundo Celso Gitahy, essa transformação se divide

em quatro fases, com entrelaçamentos entre essas etapas, ainda nos dias atuais.

48
Sic.
49
CRIPTA DJAN usa o termo “evolução”.

41
A primeira fase se caracteriza pela estratégia do “bombing”, que se apoia no maior

número possível de intervenções50. É necessário observar que o procedimento baseado na

repetição, seja de signos ou de imagens, perpassa todas as quatro fases, tanto na pichação51

como no grafite52, sendo normativo para garantia de sucesso e reconhecimento dos que

executam essas intervenções.

A segunda fase é caracterizada pelas disputas territoriais entre as gangs, “famílias”53

ou crews (grupos), quando cada coletivo cria seu nome e desenvolve sua marca de

identificação a fim de se fazer reconhecer. São logos (tags) e letras com uma tipologia

especialmente elaborada com fins de marcar o estilo da assinatura do grupo. De modo que

cada área da cidade apresenta intervenções que identificam as “famílias” de pichadores locais,

cujos nomes quase sempre dizem respeito a fatos e vivências de seus membros fundadores.

Existe uma tradição na pixação paulista, cada turma tem uma letra padrão como
um slogan de uma empresa, então cada integrante que entra na turma tem que
seguir aquele padrão de letra, mas com o tempo cada integrante acaba deixando um
DNA dele naquela letra padrão da turma. Por exemplo, quem inventou a letra
padrão do CRIPTA foi o fundador da turma CBR, mas como ele parou por volta de
1999, eu continuei de 2000 pra cá, e todo processo criativo passa por minhas mãos,
e das minha mãos passara para os novos integrantes da turma. Esse também é um
ciclo natural da pixação, como um circulo vicioso que se renova a cada geração.
(DJAN, C. em entrevista a autora, via e-mail, em: 24 jan. 2011).

Cripta54, Tumulos, Homens Pizza, Agentes, C Tropa, Pavilhão, Os Gs, Ilários, Dino,

Grandulas, Lixomania, Punk de Guerra, Catch, Mestres, Psico, Collos, Loucos da 7, Friday

13, Mobi, Noix, Agentes, Jets, Lerdos, Os + Imundos, Brons, Yella, Admentes, BNP, RTD,

50
Alice Belfort Moren afirma que “no Rio de Janeiro o mais importante é o controle gráfico que o pichador
exerce sobre a sua pichação, sobre o seu tag.”, de modo que o mesmo signo é repetido em uma mesma área
várias vezes (2009).
51
A pichação se utiliza de repetições do mesmo signo gráfico (tag), desenho ou assinatura.
52
O grafite busca realizar o maior número de pinturas que podem trazer o mesmo tipo de imagens ou não e que
ocupam diferentes locais da cidade.
53
“Família” é uma forma de tratamento que significa grupo ou coletivo de pichadores. O termo gang é
considerado pejorativo entre alguns grupos.
54
O nome da família CRIPTA surgiu a partir do seriado “Contos da cripta” que era apresentado pela TV Globo,
na década de 1990.

42
Porões, Radar, SPR, Espião, Prese, Roots, Arrastão, Anônimos, Ágeis, Operação, União 12

são apenas alguns dos inúmeros grupos que compõem o cenário da pichação na cidade de São

Paulo.

A terceira, e a mais perigosa, é caracterizada pelo surgimento de pichações no alto dos

edifícios ou “picos”. Nesta fase, os pichadores deixam o asfalto e se arriscam em intervenções

cada vez mais ousadas, em busca de visibilidade e espaço na mídia.

Figura 2.2.: “Escaladas” PICHAÇÃO SP. Fonte: Foto de CHOQUE PHOTOS, disponível em:
www.facebook.com.Choque Photos, acesso em: 25/05/2012.

CRIPTA DJAN, em depoimento no documentário “PixoAção” (2011), descreve essa

transformação: “inicialmente se pichava no baixo, ou subia no alto e fazia um “pico”55. Com

a evolução, surgiram as “escaladas” no primeiro andar das janelas, depois em cima das

janelas, também era raro o “pé nas costas”56. Hoje em dia já fazem ‘três em pé’”. DJAN

enumera as categorias e principais alvos da pichação paulista:

55
Denominação para as interferências no alto dos edifícios.
56
“Pé nas costas” é uma expressão usada para as escadas humanas nas quais o pichador apoia os pés nos ombros
de outro integrante do grupo ou em um parceiro para executar sua intervenção.

43
Existem vários alvos para pixadores na cidade, alguns preferem pixar em locais
menos arriscados como muros e portas, outros preferem se arriscar mais pixando
topos e fachadas de casas e prédios, ou escalando prédios e janelas pelo lado de
fora. No caso da CRIPTA nossa turma sempre se destacou mais pelo risco das
escaladas e janelas, e as invasões para pixar os topos dos prédios. Alguns alvos são
previamente estudados, outros acabam surgindo durante a madrugada, muitas vezes
vamos com mais de um alvo em mente no rolé, e quando um deles ou nenhum dá
certo acabamos improvisando e pixando o que aparecer pela frente. 57
(Entrevista a autora, via e-mail, em: 24 jan. 2011).

O caráter efêmero dessas intervenções não permite sua conservação no espaço público,

mesmo assim, alguns pichadores costumam datar suas intervenções para serem reconhecidas,

principalmente quando são executadas em locais perigosos e de difícil acesso. Para o pichador

MAX, “o bom da data é que o cara tá fazendo hoje, e vai colocar a data, amanhã ele passa, e

caramba, vai tá lá. Então é o passado que vai tá presente.” (ESCRITA URBANA 3, 2007).

Figura 2.3.: “Escaladas”, UNIÃO12 (Bst) - OPERAÇÃO (Wlr) - CRIPTA (Dj), Rua Don José de
Barros, Centro, São Paulo, 2009. Fonte: Foto de André Vieira, disponível em: www.facebook.com.
Djan Ivson Cripta, acesso em: 28/05/2012.

57
Sic.

44
Figura 2.4.: “Escaladas” PICHAÇÃO SP. Fonte: Foto de CHOQUE PHOTOS, disponível em:
www.facebook.com.Choque Photos, acesso em: 25/05/2012.

Figura 2.5.: “CRIPTA DJAN realizando um Pico”,


Centro de São Paulo, 2007. Fonte: Foto de André
Vieira, disponível em: www.facebook.com. Djan
Ivson Cripta, acesso em: 28/05/2012.

45
Sem medo dos riscos e das alturas, as escaladas também se estenderam às intervenções em

monumentos públicos, como, por exemplo, o ataque à estátua do Cristo Redentor, símbolo da

cidade do Rio de Janeiro e alvo de duas intervenções. A primeira aconteceu em 1991, quando

Fábio Luiz da Silva, o “Binho” e Ayres Monteiro de Araújo Neto, ambos de 17 anos, vieram

de São Paulo para o Rio e burlaram o esquema de segurança local, pichando ao pé da estátua

os dizeres, “Diferentes – Zona Oeste de São Paulo – Apavoramos”. Foram identificados no

dia seguinte pelas passagens de ônibus encontradas no local e, ao que tudo indica, queriam ser

reconhecidos e ganharem visibilidade na mídia. A outra intervenção que se tornou tema de

debate nos noticiários locais foi em 2010, quando, mais uma vez, pichadores paulistas

atravessaram as fronteiras municipais para picharem no Rio de Janeiro58.

Figura 2.6.: Pichação na estátua do Cristo Redentor, Rio de Janeiro, 2010. Fonte: Disponível em:
www.blogln.ning.com, acesso em: 29/04/2012.

58
No local, Edmar Batista de Carvalho, de 24 anos, e Paulo Souza dos Santos, de 28 anos, picharam as seguintes
frases, “Quando os gatos saem, os ratos fazem a festa”, “Reage Rio”, “Cadê a engenheira Patrícia?” e “Cadê
Patrícia Belford?”.

46
Esses episódios geraram protestos por parte da população da cidade e reação das

autoridades federais e municipais, com aplicação de multas de serviços forçados àqueles

flagrados no ato dessas intervenções. Além desse, inúmeros outros monumentos e prédios

públicos das grandes e pequenas cidades também tiveram suas superfícies maculadas. O

antropólogo Alexandre Barbosa Pereira, em entrevista a Roberto Kaz,59 diz que, muitas vezes,

os bens históricos são escolhidos como alvos de pichação justamente porque atraem a atenção

da imprensa:

Se você picha um edifício residencial, por exemplo, este fato vai ser notícia para um
grupo restrito de pessoas. Mas se a pichação é em uma estátua ou em um edifício
tombado, a relevância passa a ser muito maior. Assim, a mídia se interessa, publica
a notícia e a pichação é conhecida pela cidade inteira (2012).

O historiador Paulo Knauss compartilha da visão de Pereira sobre a relação que se

estabeleceu entre a pichação e a mídia e observa que os pichadores procuram os monumentos

devido ao seu material. Dentre os materiais preferidos se encontram as superfícies com

revestimento em pastilhas e as de pedras, que dificultam a remoção: “Os pichadores buscam a

qualidade material do suporte para garantir a durabilidade da inscrição, e a porosidade da

pedra é ideal” (KAZ, R. 2012).

Por fim, a quarta fase, que também integra as três anteriores, refere-se à expansão da

pichação e ao crescimento do número de adeptos em intervenções cada vez mais arriscadas e

desafiadoras que agem estimulados pela ideia de reconhecimento e visibilidade nas mídias

impressas e telemáticas.

Alguns grupos fazem de suas intervenções um meio de se manifestar contra fatos e

acontecimento noticiados na mídia, geralmente envolvendo escândalos, violência e temas

polêmicos da atualidade. Recentemente o jornal O Globo (29/03/2012) publicou matéria na

59
revistadehistoria.com.br

47
qual incluía a foto de uma pichação com os dizeres: “Aqui mora um torturador”, realizada em

frente à residência de um militar que atuou no regime da ditadura dos anos 1960. O

denominado “Pixo-Protesto” tem a particularidade de agir in loco, deixando suas mensagens

onde os fatos aconteceram.

Um dos grupos mais conhecidos por esse tipo de intervenção é de São Paulo. Intitula-

se TUMULOS e vem realizando o Pixo-Protesto desde 2001. Sua primeira intervenção de

protesto foi em razão dos escândalos de corrupção na prefeitura de São Paulo, quando

picharam o jazigo da família do ex-prefeito Paulo Maluf.

Figura 2.7.: “Pixo-protesto”, TUMULOS, São Paulo. Fonte: foto do autor, disponível em:
www.tumulos1989.blogspot.com.br, acesso em: 12/05/2012.

O pichador TATEI, que picha desde os 10 anos e é um dos fundadores do grupo

(1989), conta, em entrevista ao site do TÚMULOS, sobre outras intervenções realizadas por

eles, que ganharam destaque na imprensa, contra políticos corruptos, assassinatos,

impunidades, crimes do colarinho branco e demais escândalos sociais:

(...) foram muitos viu, mas o mais foda mesmo foi a morte da pequena izabella
nardoni mano nesse caso o pai e a madastra jogaram a criança do 6ºandar mano,
quando vi essa materia chorei muito, mesmo pq tenho um casal de gemeos da idade
dela cara, ai eu o naldo fomos na casa deles pixamos o muro da frente, depois

48
levamos uma faixa e colocamos no portão da caso dos avós paternos dela, o povo
nos aplaudiram e foi foda viu cara, teve tambem a casa do lalau que roubou milhões
dos cofres publicos está livre, teve a casa do ex prefeito pitta, a casa do atual
prefeito kassab, a casa do serra, a do promotor thales que matou e está livres e o
pior ganhando 18 mil reais sem fazer nd, teve um outro caso em bragança mano que
os funcionarios queirmaram vivos todas as vitimas e no meio tinha um garotinho de
4 anos, viajamos ate bragança pra fazer esse protesto só com uma lata é mole,
foram no bang eu o meia do pensativos, o ivan do trolhas e o boca que pixa bereta
foda viu, esse tambem foi impactante60 (ENTREVISTA DO CAIXÃO, 2012).

Também CRIPTA DJAN nos revelou que suas pichações, com o tempo, assumiram

conotações político-sociais:

CD: Por muitos anos me dediquei a pixação apenas pelo reconhecimento


existencial dentro da cultura do movimento de quem se destaca mais na paisagem
da urbana da cidade. Em meio a essa disputa sempre fiz frases que se referiam à
desigualdade social, repressão policial e insatisfação com a política que rege o
país, mas depois de muitos anos dedicados ao status da CRIPTA dentro da cultura
da pixação, nos últimos três anos comecei a me dedicar mais para questões
políticas e sociais. Os dois últimos protestos que fiz são exemplos claros disso, que
foram o ‘atropelo’ 61 a um muro financiado e autorizado pela prefeitura para um
Graffiti dos irmãos OS GEMEOS e Cia, e a invasão à obra de Nuno Ramos na
ultima Bienal 62 (Entrevista a autora, via e-mail, em: 24 jan. 2011).

Jogando o jogo das mídias, essa modalidade de pichação estabelece um ciclo que

devolve na mesma medida as informações que chegam a domicílio, todos os dias, pelo rádio,

televisão, jornais, revistas e internet. Canclini intitula esse processo de “circularidade

comunicacional”, quando “A publicidade comercial e os lemas políticos que vemos na

televisão são os que reencontramos nas ruas, e vice-versa: umas ressoam nas outras.”

(2008:290). O reflexo do modelo midiático se faz presente nas estratégias adotadas para

projeção e visibilidade, tanto em grupos de pichadores como grafiteiros. Sendo que a

pichação, de forma mais acentuada, faz uso exaustivo da repetição da mesma marca, logo ou

signo gráfico. O bombardeamento de uma determinada marca, quando esgotada em seu

60
Sic.
61
Grifo nosso. Atropelo que dizer pichar em cima de um grafite ou tag.
62
29ª. Bienal Internacional de São Paulo que aconteceu no ano de 2010.

49
território, região ou cidade, pode se estender a outras áreas fora dos limites de circunscrição

desses grupos, podendo chegar a outras cidades e inclusive a outros países.

Independentemente das categorias onde atuam, e ao contrário dos grafiteiros, os

pichadores não são valorizados pela sociedade e sim por seus pares, sendo que seu sucesso é

determinado pelos graus de dificuldades das intervenções ao longo do perímetro urbano, o

que lhes pode garantir um lugar de destaque em seu círculo. E a pichação concede

reconhecimento mais rápido que o grafite, como se pode perceber com a história de Daniel

GOABOY63, que começou no grafite, onde permaneceu por dois anos, e decidiu migrar para a

pichação, onde continuou pelo período de cinco a seis anos, por considerar que o grafite não

iria lhe dar o reconhecimento desejado. A armadilha da fama pode tornar refém àqueles que

só visam o reconhecimento, pois tão logo deixem de executar suas ações perdem posição,

caindo no anonimato e sendo imediatamente substituídos por outros.

A despeito do apelo da fama e visibilidade, o interesse pela pichação se apresenta

como uma opção por intervenções mais rápidas e diretas, que envolvem riscos, muita ousadia

e preparo físico. Mas, então, pichação é arte?

2.5. A Pichação Pela Porta da Frente

A pixação em São Paulo (grafada aqui com “x” para diferenciá-la, como fazem
seus praticantes, da pichação política também presente na cidade) é uma
manifestação visual que traz embutida nas práticas e imagens criadas sobre muros
e edifícios, uma visão de mundo que não cabe nos acordos que regem e limitam a
vida urbana. A pixação fala de algo que de outro modo não seria visto e que, não
fosse justamente por meio da grafia aparentemente cifrada, dificilmente seria dito.
Por ser considerada, por seus praticantes, arte e simultaneamente ação política,
incluir a pixação no espaço institucional da Bienal como mera expressão gráfica,
mimetizando sua expressão nas ruas, seria destituí-la de sua originalidade e força
transgressora, razão pela qual está presente na exposição por meio de fotografias,
vídeos e coleções de tags. Se tais estratégias de documentação tampouco se
confundem com a pixação propriamente dita, já que essa só existe como tal no

63
GOABOY é um dos integrantes do grupo MÁFIA 44 (Niterói) e atualmente trabalha como desenhista gráfico
de produtos e web design.

50
espaço urbano em disputa, elas ajudam a compreender e ativar a complexa
inscrição física e simbólica da pixação em São Paulo. E mesmo a evocar o fato de
que nem tudo que é arte o campo institucional é capaz de abrigar ou de entender
plenamente64.

De manifestação marginal e culturalmente demarcada, a pichação emerge como arte

urbana, e a mudança desse cenário se deve a um crescente interesse de pesquisadores, teóricos

e instituições do circuito da arte. O exemplo mais recente - estamos em 2012 - foi a

participação da pichação como expressão artística na 29ª Bienal de São Paulo (2010), cuja

proposta era discutir a ligação entre arte e política. Observa-se que, após quase três décadas da

participação da primeira geração de artistas que adotaram o grafite como meio de expressão65,

novamente a Bienal de São Paulo trouxe para suas salas o debate em torno das intervenções

urbanas, sendo que dessa vez apresentando a face desviante do grafite encarada como crime

pela lei e pela sociedade.

A sequência dos fatos nos leva ao início desse debate, quando, em 2008, tais conflitos

tiveram início. Na ocasião, o aluno da Faculdade de Belas Artes, em São Paulo, Rafael

Augustaitiz, ou PIXOBOMB, liderou um grupo de 50 pichadores na invasão e pichação das

dependências internas da faculdade, como parte de seu trabalho de conclusão de curso em

Artes Visuais.

Entrevistamos CRIPTA DJAN por e-mail, perguntando-lhe sobre seu envolvimento

nas intervenções à Bienal de 2008, Galeria Choque e à Escola de Belas Artes:

CD: Estive envolvido sim, mais do que isso, liderei todas as ações, tudo começou
com o TCC do nosso amigo pixador Rafael Augustaitiz (PixoBomB) que estava
cursando o 4º ano de Artes Plásticas na Belas Artes, ele sacrificou seu diploma pra
defender sua tese que a pixação é o que tem de mais puro e libertária na
arte contemporânea, a intervenção na realidade foi uma demonstração prática da
pixação dentro do campo acadêmico, e para isso ser legitimo ele não comunicou a

64
Texto de apresentação do coletivo PICHAÇÃO SP, por Choque Photos, Cripta Djan e Rafael Pixobomb, para
a 29ª. Bienal de São Paulo, 2010.
65
O artista Alex Vallauri, precursor do movimento do grafite no Brasil, teve participações nas Bienais de São
Paulo, nos anos de 1971,1981 e 1985.

51
faculdade por que a pixação não demanda de autorização, o resultado disso, ele foi
expulso e reprovado.
Daí nos fomos adiante, o Rafael como o mentor intelectual e eu como líder nas
ações, o Rafael precisava de mim por causa da minha influencia com grande parte
dos pixadores aqui em SP, nessa primeira intervenção nos fizemos um comunicado
e soltamos no Point (ponto de encontro semanal de pixadores), o comunicado
convidava a todos para ser unirem em prol da pixação como movimento, foi a
primeira vez depois de muito tempo que os pixadores se uniram em prol apenas da
pixação, sem disputas de ego, todos pela pixação, foi um grito existencial dentro do
meio acadêmico renomado da arte contemporânea, e o mais positivo de tudo foi a
rejeição da instituição, que não se mostrou aberta para a discussão, e acabou
reprovando o TCC mais legitimo da historia da instituição.(...) Rafael fez o
caminho inverso no mundo das artes, passou do realismo para o graffiti
e consequentemente para a pixação, hoje em dia ele só pixa.66

Figura 2.8: Ataque à "Belas Artes", 2008.


Fonte: Foto de CHOQUE PHOTOS, disponível em: www.flickr.com/photos/choquephotos, acesso
em: 28/09/201

Depois da Belas Artes e toda repercussão na mídia aqui de SP, veio a intervenção
na galaria Choque Cultural, tudo começou por causa de um debate em um
programa de TV chamado MTV debate, que o Lobão apresentava no canal MTV. O
tema do debate era sobre a pixação, e por incrível que pareça não tinha nenhum
representante legitimo nosso lá, formando a mesa de debate havia um representante
da Belas Artes, um policial, um advogado, e o Curador da Choque Cultural (Baixo
Ribeiro) com um de seus artistas da galeria conhecido por Zezão, no programa
Zezão se passou por pixador o que nos revoltou muito, já que ele não passa de um
charlatão do pixo. Zezão representa justamente o oposto do Rafael, um cara que
paga de pixador que evoluiu pro graffiti e consequentemente para as Artes
plásticas. Mas o que realmente ocasionou o ataque na galeria foi a declaração de
Baixo Ribeiro dizendo que a galeria Choque Cultural era a única representante da

66
Transcrevemos na íntegra o texto enviado pelo entrevistado.

52
arte de Rua no Brasil, e que eles não tinham preconceito com nenhum tipo de
expressão urbana, foi daí que tivemos a ideia de fazer a intervenção na galeria, no
mesmo contexto da Belas Artes. Fizemos o comunicado e entregamos no Point,
depois da intervenção a galeria deu queixa crime e fechou as portas para remover
as pixações, mostrando que a pixação só é legal no muro dos outros.
No mesmo ano aconteceria a 28º edição da Bienal, na época um pouco antes da
abertura da Bienal o curador Ivo Mesquita declarou no Jornal Nacional que a
Bienal daquele ano estava aberta para intervenções urbanas, dai pronto, nos
sentimos convidados rsrsrs, mas antes da intervenção na Bienal ainda
atropelamos vários painéis de graffiti autorizados e financiados, fizemos essas
intervenções como uma cobrança da postura marginal do graffiti que se perdeu nas
ruas (...).
Fizemos essas intervenções dois dias antes do ataque na Bienal, pra tudo vir à tona
na mídia de uma só vez. Pra piorar as coisas nosso ataque a Bienal vazou
na imprensa antes mesmo de acontecer, a própria curadoria declarou numa coletiva
de imprensa que estavam sabendo da nossa intenção de pixar a Bienal,
e já começaram a se contradizer antes mesmo que a intervenção acontecesse,
deixando bem claro que nossa intervenção não seria aceita.
Mesmo com a segurança reforçada e toda repercussão fizemos o ataque, que
acabou com a prisão de uma integrante do nosso grupo a Caroline Piveta da Motta
67
(Sustos Carol) , no começo achamos que a Carol seria liberada rapidamente,
como é comum na pixação, depois da ocorrência somos liberados, mas os dias
começaram a passar e nada da Carol ser liberada.

Figura 2.9.: “Ataque à 28ª. Bienal de SãoPaulo, 2008”. Fonte: Foto de Choque/Folha
Imagem/Folhapress, disponível em: www.veja.abril.com.br,
Acesso em: 28/05/2012

67
Caroline foi presa com base na Lei de Crimes Ambientais, nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, “Seção IV -
Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural; Artigo 62 - Destruir, inutilizar ou
deteriorar: I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; II - arquivo, registro,
museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão
judicial: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. Parágrafo único - Se o crime for culposo, a pena é de seis
meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.” (Fonte:
<http://www.ibama.gov.br/leiambiental/home.htm#sec4> Acesso em: 21 Mai. 2012).

53
Com um mês presa na penitencial feminina de Santana nós começamos a fazer
intervenções pela cidade pedindo a liberdade da Carol, sempre acompanhados por
um veiculo da imprensa. Daí o caso começou a ganhar repercussão nacional, e foi
assim que conseguimos o apoio politico de dois ministros, Paulo Vanuchi dos
Diretos Humanos e Juca Ferreira da Cultura, Paulo declarou no parlamento dos
direitos humanos que era um absurdo a Carol estar presa por 50 dias por pixar
uma parede branca, em quanto Daniel Dantas banqueiro que roubou milhões dos
cofres públicos só havia passado somente dois dias na cadeia, já Juca fez um texto
defendo nossa intervenção na Bienal como algo legitimo e que estava dentro da
proposta do evento.
Depois disso o caso ganhou forte repercussão nacional, e depois de 54 dias presa e
com quatro habeas corpos negados conseguimos libertar a Carol. Mas até hoje ela
esta condenada a quatro anos de cadeia pelo Estado de São Paulo, e estamos
recorrendo em liberdade, se perdemos os próximos dois recursos que ainda restam
ela vai para a cadeia. Na real esse foi o preço por escrever na Bienal "FORA
SERRA" e "ABAIXO A DITADURA"

Como aconteceu o convite para sua participação na Bienal de 2010?

CD: Após Carol ser libertada fomos procurados por um dos assessores do ministro
de Cultura, o ministro queria entender qual era o motivo da série e intervenções que
nós vínhamos fazendo. Explicamos que as intervenções eram uma defesa da pixação
como parte da cultura Brasileira dentro do circuito artístico que sempre ignorou
nossa existência. O ministro achou legitima nossa defesa e dois anos depois a
pedido dele fomos convidados a participar da Bienal.
Procuramos uma maneira de participar na Bienal sem nos submetermos à eles, por
isso decidimos que nossa participação seria apenas através de fotos, vídeos, e
coleções de assinaturas de pixadores desde os anos 1980 até hoje, dessa forma
nossa participação foi apenas documental.
Além disso, escolhemos representar a pixação de uma forma coletiva, por isso
decidimos que o nome que seria apresentado na lista dos artistas seria PIXAÇÃO
SP, nosso trabalho lá dentro foi apenas uma representação coletiva da pixação
como um todo.

Figura 2.10.: “Coleções de


Assinaturas”, 29ª. Bienal de
São Paulo, 2010.
Fonte: Foto da autora,
disponível em:
www.facebook.com. Djan
Ivson Cripta, acesso em:
28/05/2012.

54
Com base em suas entrevistas na época, o que você quis dizer com “Entramos pela

porta da frente”? Como você vê sua participação em uma instituição que foi alvo de

intervenção ou “ataque”?

CD: Por que dessa vez a pixação estava integrada como parte da mostra, pra você
ter uma noção na festa de vernissage nos recebemos 100 convites, assim todos os
pixadores que participaram das intervenções nos anos anteriores poderiam entrar
no evento pela porta da frente, nos conseguimos promover uma inclusão social em
um evento que é feito com dinheiro publico e que sempre foi dominado pela elite.
Nossa presença causou claramente desconforto nos outros artistas, e todos tiveram
que nos engolir.
Mesmo incluído na mostra eu fiz questão de pixar a obra de Nuno Ramos no dia da
abertura pra mostrar que nosso papel vai ser sempre o de questionar os limites
impostos pelas instituições artísticas, mostrando que nós não estamos buscando um
espaço de conforto dentro do circuito, na realidade tudo que fizemos foi uma
demonstração de potência transgressora dentro do campo institucional. Esse é o
nosso papel, por isso aceitamos participar.
(Entrevista a autora via e-mail, em: 16 mai. 2012).

Figura 2.11.: “Obra de Nuno Ramos pichada”, Bienal de São Paulo, 2010.
Fonte: Foto de CHOQUE PHOTOS, disponível em: www.facebook.com. Djan Ivson Cripta, acesso
em: 28/05/2012.

55
Figura 2.12.: “Foto de apresentação do coletivo PICHAÇÃO SP, site oficial da Bienal”, na foto,
“SURRA rudá, SEM MEDO juca, COMA wil”, 2010. Fonte: Foto de Choque Photos, disponível em:
www.bienal.org.br, acesso em: 29/05/2012.

Durante o período em que a Bienal esteve aberta travou-se um debate acalorado entre

a sociedade civil, entidades governamentais, artistas e instituições do circuito da arte oficial,

acadêmicos, pesquisadores e os próprios pichadores.

Acreditamos que a negação da pichação enquanto arte se deve muito mais pelo seu

caráter transgressor, na forma como é executada - por constituir-se fundamentalmente em uma

intervenção invasiva -, do que por sua estética, ou seja, pelos signos gráficos e desenhos que a

caracterizam. Contudo, ao contrário do que os próprios organizadores da Bienal esperavam,

na polêmica gerada a partir da intervenção na obra do artista Nuno Ramos, CRIPTA DJAN

reafirmou a postura transgressora da pichação que subjaz a essas representações.

56
2.6. Escrita Urbana

Signos gráficos repetem-se em curtos espaços sobre as superfícies da arquitetura

urbana transformando suas fachadas, reconstruindo-as em uma segunda pele que se forma,

descartando a informação de origem. Foi assim que surgiram as escritas de rua, inspiradas na

verticalidade da cidade de São Paulo, reforçadas pelos “picos” e pelas “escaladas” que ao

mesmo tempo desenvolveram uma maneira particular de interferir nos espaços verticais dos

prédios da cidade.

Qual a origem desse alfabeto? Onde encontrar

referência que nos ajude a entender essas manifestações

que não se enquadram no erudito ou no popular68, que

atravessam esses limites ou estão ao largo? Canclini traz

luz a esses questionamentos ao tecer uma análise dos

processos de hibridação intercultural a partir de um

estudo sobre a “cultura urbana”. Segundo o autor, esse

processo de hibridação acontece na quebra e mescla das

coleções organizadas pelos sistemas culturais, que se dão

a partir da desterritorialização dos processos simbólicos

e da expansão dos gêneros impuros reconhecidos nas

expressões do grafite e dos quadrinhos. O rompimento

desses limites permitiu o desenvolvimento de uma

semiologia urbana com seus códigos (símbolos e signos

gráficos) que identificam e representam os diferentes

grupos que atuam no tecido urbano.

68
Segundo CANCLINI, as culturas populares se inserem nas categorias de pares de oposições convencionais
(subalterno/hegemônico, tradicional/moderno) usados para falar do popular (2006:283).

57
Figura 2.13.: “CRIPTA DJAN - Bombardeio em SP”, Centro de São Paulo, 2003. Fonte: Foto do
autor, disponível em: www.facebook.com. Djan Ivson Cripta, acesso em: 29/05/2012.

Não são poucos os que atravessam a cidade deixando suas inscrições adesivadas ao

longo das superfícies da arquitetura urbana. Colam-se às laterais dos edifícios, em seus tetos,

sacadas e janelas, agindo à maneira dos super-heróis, sem nenhuma rede de proteção, cordas

ou cintos de segurança. No ato de escalar, marcam seus nomes ou desenham signos

indistintamente em todas as direções,

construindo, através da escrita, seus

percursos e atravessamentos. É dessa

maneira que visam ao topo dos edifícios ou

“picos”, que em um sentido simbólico

representa a ascensão, o chegar lá. Superam-

se em um esforço sobre-humano, para além

dos limites físicos, de modo a deixar suas

assinaturas de ponta-cabeça, como forma de

se imortalizarem e de dizerem “estive aqui”.

Figura 2.14.: “CRIPTA - PIADAS - REAIS –


LOS - Bombardeio em SP”, Av. 9 de Julho,
Centro de São Paulo, 2004. Fonte: Foto do
autor, disponível em: www.facebook.com. Djan
Ivson Cripta, acesso em: 29/05/2012.

Perguntamos a CRIPTA DJAN como ele chegou a seu estilo, a sua maneira de criar,

se existem referências ou inspiração de algum pichador, ou ainda letras de alguma cultura.

CD: Todo pixador tem um estilo próprio que se desenvolve com a pratica continua
da pixação, por mais que ele se inspire em algum estilo de letras de outros
pixadores com o tempo ele acaba criando sua própria identidade, esse processo de
ter uma identidade própria faz parte do processo de visibilidade na paisagem
urbana da cidade, quanto mais diferente, mais fácil de destacar, cada pixador tem a
liberdade para criar sua letra da forma que quiser. Na realidade existem centenas
de alfabetos da pixação, pode se dizer que há um alfabeto por pixador.

58
No caso da CRIPTA nossa letra é uma das mais modernas e inovadora da pixação
paulista. Por muito tempo muitos pixadores não sabiam o seu significado, o estilo
de letras do CRIPTA foi influenciado em seu inicio por pixadores de um município
vizinho de onde morávamos aqui na zona oeste, mas a partir de 1998 CBR o criador
do CRIPTA e de nossa letra padrão voltou de uma viagem do nordeste com uma
letra totalmente inovadora. Segundo CBR ele se inspirou em alguns pixos que viu
por lá, essa influencia se misturou com seu estilo e acabou criando algo totalmente
novo e único na pixação, esse também é um fator que ajuda a destacar mais e mais
nosso pixo na disputa visual da paisagem da cidade.
(Entrevista a autora, via e-mail, em: 24 jan. 2011).

Figura 2.15.: “CRIPTA - RAFAEL - REAIS – ROMERO - Bombardeio em SP”, Centro de São Paulo,
2003. Fonte: Foto do autor, disponível em: www.facebook.com. Djan Ivson Cripta, acesso em:
29/05/2012.

Figura 2.16.: “BARUERI, Z/O, SP 2004”. Fonte: Foto do autor, disponível em: www.facebook.com.
Djan Ivson Cripta, acesso em: 29/05/2012.

59
3° Capítulo

Museu A Céu Aberto – A Pintura em Vias Públicas

60
3.1. Graffiti Made in Brasil

A partir da reivindicação do espaço público pelos manifestantes, os


artistas começaram a usar os espaços da cidade para expressões
políticas e culturais. Isso levou a uma explosão do grafite e das intervenções
urbanas nas grandes cidades. A pichação se tornou mais ousada e irreverente, e o
uso do jogo de palavras levou muitas pessoas a descrevê-las como poesia
urbana. Por outro lado, o inicio do grafite, um novo movimento baseado em
imagens multicoloridas começou a se desenvolver (MANCO; ART; NEELON,
2010:13-14).

Militando em estradas distintas que eventualmente se cruzavam, tanto o grafite como a

pichação foram se afirmando, desde o final da década de 1970, enquanto gênero de arte

urbana, junto ao circuito oficial das instituições artístico-culturais brasileiras. A tomada do

espaço público, primeiramente por pichações, seguidas do grafite e de uma versão híbrida que

fundiu essas duas vertentes intitulada ‘grapixo’, permitiu o desenvolvimento dos diversos

vieses da arte de rua, não só em relação aos estilos das inscrições e pinturas, como na

descoberta de novos alvos para intervenções, técnicas e estilos.

Nossas pesquisas apontam para a entrada do grafite no Brasil como um produto

cultural importado em livros, filmes, revistas estrangeiras, artistas visitantes e, principalmente,

pela via do hip hop. Ao longo do tempo foi se abrasileirando, fundindo-se com outras formas

de expressões locais. Esse processo de hibridação permitiu a consolidação dessas duas

vertentes que tiveram como base o “estilo americano”, com letras e frases excessivamente

coloridas, à base de tinta spray (spray art), demonstrando primorosa técnica (GITAHY,

1999:39) e o estilo francês, que utilizava a técnica de máscaras recortadas (pochoir). No

primeiro momento o grafite brasileiro se apresenta mais próximo do modo francês de intervir

61
em espaços públicos, com a utilização de máscaras largamente utilizadas pela primeira

geração de grafiteiros paulistas69.

Os artistas estadunidenses Keith Haring e Jean Michel Basquiat, conhecidos

internacionalmente, também influenciaram a produção do grafite brasileiro, sobretudo em São

Paulo. Segundo Knauss, Haring e Basquiat chegaram ao grafite como criação artística

percorrendo caminhos inversos:

Keith Haring (1958-1990), nascido em Pittsburg, chegou em Nova York, no final da


década de 1970, onde cursou por dois anos a School of Visual Arts. Inspirado na
obra do francês Jean Dubuffet e nas reflexões de Umberto Eco, Haring iniciou seu
percurso de grafiteiro nas paredes do metrô de Nova York (...). O caso de Jean-
Michel Basquiat (1960-1986) representa exatamente o percurso inverso, de alguém
que saiu das ruas e ganhou consagração das galerias e museu da arte
contemporânea. (...) especialmente a partir de sua relação com Andy Warhol (ver
Basquiat, 2001:339).

Durante a década de 1980, esses artistas estiveram presentes na 7ª Documenta de

Kassel, sendo que a influência de Haring foi mais forte no Brasil, principalmente por haver

participado da Bienal de São Paulo, em 1983, e devido às constantes visitas ao país quando

costumava deixar registrados seus grafites na cidade. Gitahy observa que “vivendo no Times

Square, Haring observou e descobriu no metrô grandes painéis negros vazios (...). Optou

pelo giz branco e começou a fazer seus desenhos”, com figuras simplificadas aliadas a

padrões labirínticos (1999:37). Por sua vez, Jean-Michel Basquiat começou, em 1977,

intervindo nas ruas de Nova York, em parceria com Al Diaz, onde costumavam bombardear a

tag SAMO©70 em frases curtas de caráter poético e sarcástico e com a colaboração de alguns

amigos. Mais tarde, Basquiat, partindo para a carreira solo, utilizou por algum tempo a mesma

69
Gitahy observa que “o estilo americano começou realmente a ser realizado em grande escala em 1989, com
OS GÊMEOS (Gustavo e Otávio), SPETO, BINHO, TINHO e, ainda, o excelente grupo AEROSOL, que se
destacam entre outros.” (1999:47).
70
Pronuncia-se Same-Oh.

62
marca em desenhos e pinturas sobre tela e papel, sendo que em 1980 pôs um fim a sua

trajetória marginal grafitando pela cidade a frase: SAMO IS DEAD (SAMO está morto).

Figura 3.1.: Keith Haring grafitando no metrô de Nova York, anos 1970. Fonte: disponível em:
www.seismarias.com.br, acesso em: 26/05/2012.

Gitahy lista alguns artistas franceses que atuaram com o grafite parisiense desde 1981

e que “podem ser considerados artistas plásticos primitivos, surrealistas, neofauvistas

(fazendo uso de cores fortes e fluorescentes) ou mesmo criadores da pop art).” Dentre esses

estão Blek Leraque, que “ficou famoso por suas figuras de homens e mulheres em tamanho

natural”, e Epsin Point, que “preferiu os heróis de histórias em quadrinhos (HO), como He

Man e o bárbaro Conan”, ambos com formação em belas-artes; além de Marie Rouffet, “que

começou a grafitar as ruas de Paris sempre usando a técnica de máscaras (pochoir),

imprimindo figuras repetitivas (...)” (1999:41).

63
Figura 3.2.: “Marie Rouffet”. Fonte: Foto de autor desconhecido, disponível em: www.theredlist.fr,
acesso em: 01/06/2012.

3.1.1 Artistas do Grafite

No Brasil, a movimentação em torno do grafite alcançou primeiramente a cidade de

São Paulo, seguida do Rio de Janeiro, onde, não por acaso, os artistas se identificaram com a

possibilidade de fazer do território urbano um espaço para criação, projeção de ideias,

visibilidade, críticas e afirmação de seu pertencimento.

Foi assim que, na década de 1970, em São Paulo, Alex Vallauri71 emergia como um

dos primeiros artistas a se expressar no espaço urbano por meio da técnica do ‘serigrafite’ ou

estêncil 72.

71
Alex Vallauri é de origem ítalo-etíope e chegou ao Brasil vindo de Buenos Aires, em 1964. Formou-se em
Comunicação Visual na Faap, onde também lecionou. Morreu em 27 de março de 1987. Em sua memória
comemora-se, nessa data, o Dia Nacional do Grafite no Brasil.
72
Estêncil (do inglês stencil) ou “pochoir” (em francês) consiste em uma técnica de molde vasado que pode ser
utilizada para impressão de desenhos, ilustrações, números, letras, símbolo tipográfico ou qualquer outra forma
ou imagem figurativa ou abstrata. A imagem é delineada por corte ou perfuração em papel, papelão, metal ou
outros materiais. O estêncil obtido é usado para imprimir imagens sobre inúmeras superfícies.

64
Vallauri imprimia seus serigrafites com uso da tinta aerossol. Tornou-se conhecido

espalhando pelos muros e postes da cidade imagens de uma botinha preta de salto agulha. É

considerado o principal precursor do grafite paulista. Apesar de ter livre trânsito no circuito

institucional, com participações em

exposições e bienais de arte, concentrou

sua produção no espaço urbano da cidade

de São Paulo, onde desenvolveu o

conjunto de sua obra a partir da expressão

do grafite por “ser mais direta como

acontece no outdoor” e acreditava que “o

grafite precisava ser entendido pelas

pessoas que andam de carro, de ônibus”

(STENCIL BRASIL, 2012).

Figura 3.3.: Mauricio Villaça, Alex Vallauri e Eduardo Costro, SP.


Fonte: disponível em: www.artederuabrasil.blogspot.com.br, acesso em 09/04/2012.

A preocupação com o movimento e a distância entre a imagem e o observador, a

repetição e um repertório visual iconográfico beirando o kitsch, com estereótipos da cultura

latina recheados de humor e sagacidade, fazem parte do stencil grafite de Vallauri, que

incorporou novas técnicas e materiais às suas intervenções, como, por exemplo, o rolinho de

espuma e a tinta látex. Seus grafites estiveram presentes em diversas exposições dentro e fora

do Brasil, na Galeria Alain Belau, em Nova York (1982), na Pinacoteca do Estado de São

Paulo (1981) e na Bienal Internacional de São Paulo, em 1971, 1977, 1981 e em 1985, quando

apresentou a famosa instalação intitulada “A Rainha do Frango Assado”. Sheila Leirner,

curadora da 18ª. Bienal Internacional de São Paulo, de 1985, comenta em seu texto de

apresentação: “Há a explosão inconformada da própria tela, que nega a parede, o muro, a

65
instituição, e cujos fragmentos grudam-se fortuitamente por toda parte estampando imagens.

Mas persistem também as instalações, a pintura mural (graffiti etc.)” (2006:340), integrando

o projeto expositivo de Lerner, denominado de “A Grande Tela”, Vallauri dialoga com a

geração do retorno à pintura e à figuração em telas de grandes formatos.

O mercado aberto para o consumo dessa estética permitiu que suas obras deixassem o

suporte das ruas (muros e paredes) e fossem reproduzidas em outros meios, como bottons e

camisetas, através das indústrias de confecção, como as marcas Levi’s e Fiorucci.

Figura 3.4. “A Rainha do


Frango Assado”, Alex
Vallauri, Nova York (EUA),
1983. Fonte: Foto de autoria
desconhecida, disponível em:
www.itaucultural.org.br,
acesso em: 21/05/2012.

Na esteira do stencil grafite de Vallauri, surgiram outros artistas que também usaram o

espaço das ruas como campo de intervenção e realização artística, como Maurício Villaça (já

falecido), Carlos Matuck, Waldemar Zaidler, Hudinilson Jr73, Ozéas Duarte, Jorge Tavares e

Celso Gitahy que continuam atuando até hoje.

John Howard fugiu à regra do uso do stencil grafite, sendo pioneiro na execução de

grandes grafites, à maneira dos outdoors, que representavam figuras e cenas de cores fortes e

vibrantes, pintadas à mão livre com tintas látex e spray. De origem norte-americana, também

influenciou outros artistas que aderiram ao grafite pictórico, como Rui Amaral, integrante do

73
Hudinilson Jr. foi aluno da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) e integrou o grupo 3nós3,
realizando intervenções em espaços públicos desde o final da década de 1970.

66
grupo Tupinãodá, juntamente com Zé Carratu, Jaime Prades, Carlos Delfino e Ciro

Cozzolino74.

O Tupynãodá e o John Howard foram os precursores em pintura à mão livre nas


ruas de São Paulo. Antes só havia o pessoal do “stencil” (máscara). Usávamos
spray e até mesmo látex. Fazíamos grandes grafites. Esta nova forma de pintar a
cidade facilitou a ocupação de grandes espaços como o Buraco da Paulista e o
Beco do Batman, na Vila Madalena. Foi esse pequeno grupo que deu origem a todo
este movimento de arte de rua que ocupa São Paulo hoje, com grandes painéis
feitos à mão livre (AMARAL, R., 2012).

Esses artistas intervieram inicialmente na via expressa do túnel Rebouças, na entrada

da Avenida Paulista, junto à Rua da Consolação, conhecido como “Buraco da Paulista”, que

possibilitava uma amplitude na execução das pinturas ao mesmo tempo em que atingia o

público da grande cidade.

Figura 3.5.: Rui Amaral, “Buraco da Paulista”, S.P.


Fonte: disponível em: www.fotolog.com.br/rui_amaral, acesso em: 09/04/ 2012.

74
Ciro Cozzoino integrou o grupo TupiNãoDá, em 1981, ao retornar da França, onde estudou artes plásticas, e
grafitou pela cidade, principalmente no metrô (GITAHY, C. 1999).

67
Figura 3.6.: “grupo TupyNãoDá”, Buraco da Paulista, S.P. Fonte: disponível em:
www.fotolog.com.br/rui_amaral, acesso em: 01/06/2012

Dessa geração de artistas do grafite, Matuck e Zaidler dedicaram-se a uma pesquisa

que aprofundava as formas e figuras herdadas de suas experiências nas ruas com o estêncil. O

resultado desse trabalho foi exposto em galerias do Rio de Janeiro e em São Paulo.

Carlos vinha de uma minuciosa pesquisa com carimbos e colagens, em linha


contrária ao caráter chapado e sumário das silhuetas obtidas por moldes
rudimentares. Aderindo à atração dos graffiti, pôs-se a preparar, no entanto,
estênceis altamente pormenorizados, que não se prestavam mais, por exemplo, à
multiplicação desenfreada da Bota. (...), ainda em 81, o Waldemar também entra na
dança. Como, pessoalmente, ele não gostasse de pichar (correria, cheiro forte da
tinta, sujeira geral), a solução foi entregar-se, junto com Carlos, a uma pesquisa
profunda em torno da preparação dos estênceis, ou seja, das matrizes a utilizar
para a execução final dos graffiti. O avanço técnico resultou enorme, conduzindo-os
ao estêncil de traço contínuo e à aplicação de fundos de cores diferentes. Com isto,
a área ocupada podia aumentar bastante, do que decorreu pouco a pouco um certo
jeito de mural (PONTUAL, 1984).

Atraindo o interesse de críticos, curadores e colecionadores, com o tempo Matuck e

Zaidler adotaram outros suportes mais convencionais devido à complexidade das obras que

68
exigiam um tempo maior em sua elaboração, tais como telas e painéis para espaços internos.

De modo que, após algum tempo, abandonaram o cenário urbano, concentrando suas

produções artísticas no circuito das galerias e museus.

Figura 3.7.: grafite pictórico, Waldemar Zaidler, São Paulo, 1986.


Fonte: Foto do autor, disponível em: http://www.stencilbrasil.com.br, acesso em: 27/05/2012.

Outras influências são sentidas no grafite paulista, ao longo dos anos 1990, uma delas

veio através de Barry MacGee, artista do grafite norte-americano que visitou o Brasil e que,

segundo Manco, irá influenciar muitos artistas brasileiros, principalmente pelo fato de ter

viajado pelo país e extraído referências da cultura nacional como inspiração para seu trabalho.

A abertura que ocorreu nessa década permitiu uma troca maior entre as produções nacionais e

internacionais através de revistas especializadas, vídeos e intercâmbios entre cidades. Os

grafiteiros paulistas OS GÊMEOS, NINA, VITCHÉ e outros alcançaram grande sucesso e

visibilidade, consolidando um gênero de expressão artística da arte de rua (2005:16).

Ainda assim, havia artistas pichadores que se mantinham em uma vertente desviante e

marginal. Gitahy comenta que “dentre os principais artistas de rua, geração 1980 do graffiti,

houve um, que além de assinar sua obra, passou a deixar também o número de seu telefone.

69
Era Ivan Sudbreck, que ficou conhecido como aquele das caras redondas (...)” (1999:23).

Ivan tinha por hábito assinar suas pichações e, além disso, incluir a frase “Associação

Paulista de Graffiti e Pichação”, que, de fato, não existia. Apesar de tudo, Sudbreck

costumava receber grupos de até 40 jovens adolescentes em sua casa, com a finalidade de

manter viva a pichação nos espaços da cidade.

Vista de forma negativa, de acordo com Knauss, a sociedade considera a pichação

como uma expressão da delinquência juvenil, principalmente “pelo hábito de furtar latas de

tinta e pela organização em gangues, recobrindo o grafite com uma ordem de valores

militantes do mal”, de modo que aqueles que fazem dessas intervenções uma forma de

expressão são tratados como uma ameaça à sociedade. Para o autor, “(...) esse tratamento, que

associa impureza e patologia no tratamento do grafite urbano, perdura desde os seus

primórdios nos anos 70, mas consagra-se ao longo dos anos 80 no século XX” (2001:345).

3.2. O Grafite com Sotaque Carioca

Como forma de expressão marginal, a pichação já compunha o cenário das

intervenções de rua na cidade do Rio de Janeiro desde o final da década de 1970. Apresentada

na mídia como uma expressão de vândalos, mendigos, traficantes de drogas e marginais que

sujavam a cidade, dia a dia se espalhava dos bairros da zona sul às regiões do centro da cidade

e da zona norte, em intervenções sob a forma de frases que transmitiam recados e em

desenhos de assinaturas, pseudônimo ou tags.

Em 1977, um estranho e intrigante grafite começou a aparecer nos muros de


Ipanema, no Rio de Janeiro: CELACANTO PROVOCA MAREMOTO. Com o passar
do tempo, foi pipocando em outros lugares e, do Rio, Chegou à América do Norte e
Europa. Mas até hoje seu significado e propósito continuam um mistério
(CATALIZANDO.COM, 2012).

70
Tão misterioso como o grafite de “Taki 183” em Nova

York, as frases que se espalharam pela cidade do Rio de Janeiro no final da década de

1970 despertaram o interesse do público em saber qual o seu significado e quem estaria por

detrás desse enigma. O mistério em torno do assunto foi desvelado quando seu autor, Carlos

Alberto Teixeira (na época com 17 anos), veio a público relatar a origem de Celacanto.

Segundo Teixeira, “tudo passa pelo seriado chamado National Kid, exibido na década de 60,

propaganda dos produtos National, que depois virou Panasonic. Um dos episódios era sobre

os seres abissais, e um deles era o peixe chamado celacanto.” (CATALIZANDO.COM,

2012).

Ao mesmo tempo em que Celacanto Provoca Maremoto ganhava espaço na cidade,

outras frases surgiram provocativamente, como Lerfá Mú75, instaurando uma batalha nos

muros e tapumes dos bairros da zona sul.

Coincidência ou não, e ao contrário do que a mídia

impressa noticiava, tanto Celacanto Provoca

Maremoto quanto Lerfá Mú nasceram de dois jovens

estudantes da PUC, que começaram uma disputa nos

banheiros da universidade, sem saber quem era quem.

Com o tempo, outras pichações desafiadoras nas

áreas do Jardim Botânico e Leblon fizeram com que

esses dois se aliassem para juntos lutar contra outros “opositores”.

Figura 3.8.: Desenho pichado na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: www.catalisando.com, visitado em
21/05/2012.

75
Nossas pesquisam indicam que Guilherme Jardim e Rogério Fornari eram os autores de Lerfá Mú.

71
Teixeira foi um dos primeiros pichadores a fazer uso da estratégia do bombing,

recrutando e treinando amigos para espalhar a frase pelos muros e paredes nos bairros da

cidade, admitindo que sozinho não poderia realizar tantas intervenções em vários locais ao

mesmo tempo. Foi a partir desse sistema que houve a expansão da marca, alcançando grande

projeção e reconhecimento público até os dias atuais.

Ensinei alguns amigos a fazer a pichação CELACANTO PROVOCA MAREMOTO,


pois havia um estilo que indicava que era eu quem estava fazendo, e não uma mera
cópia. O grande salto foi usar spray e aí começou a se formar uma equipe que
chegou a totalizar 25 pessoas, com gente pichando até em Washington e em Paris.

É nesse momento que se instaura o debate em torno desses dois vieses do grafite: de

um lado o formato desviante e marginal das pichações, e do outro, artístico pictórico dos

grafites murais. O debate em torno do assunto se deve ao atravessamento dos limites da livre

expressão marginal que vinha das ruas para o circuito fechado do mundo da arte.

Em 1984, a convite da galeria Thomas Cohn Arte Contemporânea (uma das mais

importantes do cenário da arte carioca), o grafite paulista aportava pela primeira vez na cidade

trazendo interferências e obras dos artistas Carlos Matuck e Waldemar Zaidler.76 A galeria

Thomas Cohn também esteve à frente na promoção de artistas internacionais do grafite, como

Kenny Scharff e Keith Haring (1986). Em 1988, foi a vez de o grupo Tupinãodá realizar

performances em áreas da cidade e expor na galeria Cândido Mendes (KNAUSS, 2001:345-

347).

Ao mesmo tempo em que crescia o movimento do grafite nas ruas de São Paulo,

durante a década de 1980 muitos artistas que integravam o circuito das galerias e museus

também entraram na disputa pelos espaços públicos, através de projetos curatoriais sob o

76
Em entrevista ao Jornal do Brasil, o galerista Thomas Cohn afirma que “De certa forma o grafite, dentro da
galeria, perde um pouco da espontaneidade, que é um dos elementos do muralismo – diz Thomas Cohn – mas
também tem seu valor, porque o trabalho na galeria é basicamente de informação” (FIGUEIREDO, C. 1983).

72
patrocínio das instituições e empresas privadas. Como, por exemplo, o projeto “Arte nas

Ruas” (1983) que contou com o patrocínio das indústrias Bonfiglioli e da Central de Out-

Doors, sob a coordenação da crítica de arte e então diretora do Museu de Arte Contemporânea

de São Paulo, Aracy Amaral, que reuniu 75 artistas de todo o Brasil77.

Figura 3.9.: “Arte nas Ruas, obra de Cláudio Tozzi”, 1983. Fonte: Foto de Sérgio Moraes, disponível
em: www.veja.abril.com.br/acervodigital, Veja, 26/10/1983, pg. 82, acesso em: 30/05/2012.

No Rio de Janeiro, em 1985, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage78, sob a

direção de Marcus Lontra, expôs um conjunto de pinturas dispostas ao longo de seu muro,

com a participação de 66 artistas. Em formato de telas, a grande galeria pública incluiu os

principais artistas que compunham o cenário da arte carioca, como Jorge Guinle Filho, Beatriz

Milhazes e Chico Cunha, integrantes da famosa Geração 80, que despontava no circuito das

artes e expunha suas pinturas ao lado dos já renomados Rubens Guerchman e Ana Bella

Geiger79.

Com o apoio da iniciativa privada também surgiram projetos de painéis externos, com

o propósito de “embelezamento” da paisagem urbana no Rio de Janeiro, que ocuparam os

77
Cláudio Tozzi, Luíz Áquila e Siron Franco estavam entre os artistas convidados.
78
A Escola de Artes Visuais do Parque Lage está situada na Rua Jardim Botânico, n° 414, Rio de Janeiro.
79
Atualmente observamos que nesse local se concentra um grande quantitativo de grafites pictóricos instalados
nos muros das instituições que margeiam a Rua Jardim Botânico, desde o início até o final.

73
muros e paredes dos edifícios da cidade. Eram iniciativas que faziam parte de uma estratégia

de marketing para atrair o público através da arte, possibilitando grande visibilidade a baixo

custo, principalmente por estarem localizadas em regiões de grande fluxo urbano, como o

Centro do Rio.

Figura 3.10.: “Pinturas nos muros do Parque Lage”, 1985. Fonte: foto de Fernando Pimentel,
disponível em: www.veja.abril.com.br/acervodigital, Veja, 02/01/1985, pg. 81, acesso em:
30/05/2012.

Diferentemente dos Outdoors do projeto “Arte nas Ruas”, em São Paulo, e das telas a

céu aberto do Parque Lage, no Rio, onde os artistas realizaram obras baseadas em sua própria

produção artística em diálogo com a arte contemporânea, os painéis patrocinados por

empresas e bancos visavam criar uma “boa” imagem pública, promovendo suas marcas

através da encomenda de pinturas com ênfase na representação de cenas e temas que em sua

maioria retratavam figuras e paisagens ilusionistas “trompe-l’oeils”, que, segundo

Baudrillard, “recriam a ilusão de espaço e de profundidade, ‘ampliam a arquitetura através

da imaginação’, segundo a fórmula de um dos artistas. Mas justamente aí é que está o seu

limite. Eles jogam com a arquitetura, mas sem quebrar a regra do jogo.” (2002:321).

74
Figura 3.11.: “Painel de Ivan Freitas” pintado ao lado da Escola Nacional de Música no centro do Rio
de Janeiro, 1984. Fonte: Foto de Oscar Cabral, disponível em:
www.veja.abril.com.br/acervodigital, Veja, 09/03/1994, pág. 80, acesso em: 30/05/2012.

3.2.1 Grafite de Periferia

No Rio de Janeiro, o grande boom do grafite pictórico acontece da primeira metade ao

final dos anos 1990. Existe um consenso de que os primeiros grandes grafites pictóricos

surgiram na zona portuária da cidade, executados pelos grafiteiros Fábio EMA, Marcelo ECO

e AKUMA, todos oriundos de São Gonçalo. Em entrevista, ECO (05/06/12), que há 16 anos

vem trabalhando com a estética do grafite, nos revelou como começou esse movimento.

Tem 16 anos que eu faço grafite. Na época não existia grafiteiro, só quem pintava
era eu o EMA (Fábio) e depois veio o AKUMA, que são de São Gonçalo. Logo
depois vieram outros como SCRAU (Rio de Janeiro). O grafite se desenvolveu todo
em São Gonçalo. O pessoal das antigas começou na pichação mesmo. Eu iniciei nas
ruas, e nas pichações, que também eram desenhos.

Mas, você começou a grafitar, foi a partir do movimento hip hop? Teve alguma influência?

ME: Nessa época o hip hop estava começando no Rio de Janeiro. Nós nos
reuníamos na Lapa em um evento chamado “Zoeira” produzido pela Elza Cohen.
Logo depois que a prefeitura fechou o Circo Voador esse evento funcionou em uma
sinuca na Rua do Riachuelo, mas era uma iniciativa autônoma. Nesses eventos eu
fazia os grafites que era um dos elementos do hip hop.... éramos periféricos,

75
ninguém tinha formação nem faculdade, mas nós sabíamos desenhar...não tivemos
professores, na verdade nós é que começamos a ensinar o grafite. Logo depois
abrimos um espaço, uma casa onde formamos um atelier...e atrás tinha uma linha
de trem, na entrada de Trindade, e nesse espaço era onde concentrávamos vários de
nossos desenhos...as pessoas consideravam o Brooklyn do Rio de Janeiro pela
quantidade de grafites.

E, no Rio de Janeiro, em quais locais vocês começaram a colocar o grafite?

ME: A área do cais do porto foi a primeira. Por ser o local por onde transitava
várias pessoas, isso por volta de 1995/96. Atualmente existem muitos grupos que
grafitam como profissão, mas poucos se destacam. Tudo veio desse movimento de
periferia. A partir de 1998 surgiram mais grupos a partir dos eventos no “Zoeira”
com influência (do hip hop) como o Nação Crew, Flesh Back Crew. Foi quando o
pessoal da zona sul de classe média alta se interessou pelo grafite... (Entrevista a
autora em: 05 de jun. 2012).

O grafite brasileiro é caracterizado pelas pinturas de estilo livre (freestyle) que

apresentam uma temática diversificada, expressando cenas e figuras em grande escala, com

cores fortes, que tomam os grandes paredões, ladeando as vias próximas aos viadutos, túneis,

passagens e demais áreas das pequenas e grandes cidades brasileiras. Denys Riout80 nomeou

esse estilo de Picture Graffiti devido à sua forte influência pictórica: “São figurativos e estão

mais próximos das artes plásticas do que da escrita (traçado de letras da pichação)”

(GITAHY,1999:40). Reconhece-se nesses grafites uma estética que se aproxima dos

muralismos mexicanos. O caráter monumental dessas pinturas, com temáticas que exploram

um viés social, são alguns dos pontos em comum entre os grafites expostos por alguns grupos

que integram a cultura hip hop no Rio de Janeiro e as grandes pinturas de caráter realista dos

artistas mexicanos José Clemente Orozco, Diego Rivera e Davi Alfaro Siqueiros, cuja

intenção foi estabelecer um vínculo com as raízes da arte civil pré-colombiana na realização

de pinturas engajadas com os ideais da revolução nacional de 1910, franqueando o acesso do

povo à arte para a qual o movimento se voltava.

80
Denys Riout é professor de História da Arte, na Université Paris-Sorbonne, e autor do Le Livre du Graffiti,
Éditions Alternatives, 1985 - 139 p.

76
Figura 3.12: “grafite Marcelo ECO”, São Gonçalo, 2005. Fonte: foto de Marcelo ECO,
disponível em: www.flickr.com/photos/marceloeco, acesso em: 05/06/2012

3.3. Antídoto contra a Pichação

A arte mural, como manifestação destinada ao espaço público, é retomada durante os

anos 1970, pela artista Judith F. Baca que fez uso da intervenção mural intitulada “Mi

Abuelita”, em uma área da cidade de Los Angeles onde aconteciam conflitos entre os jovens

de gangs rivais. Suzanne Lacy, em seu ensaio “Mapping the Terrain: New Genre Public

Art”, observa que a arte interativa proposta por Baca funciona como uma forma de

“humanizar” e revitalizar regiões onde aumentavam os problemas sociais (1996:21).

Intitulados “community artists” (artistas de comunidades), Judith Baca e Yolanda Lópes

trabalhavam em guetos e bairros com uma configuração multirracial e especificamente

conflituosa, lutando para fundir suas habilidades artísticas (a partir da estética desenvolvida

nas escolas de arte) com a estética da cultura do local. Suas heranças étnicas abriram um canal

de aproximação com essas comunidades. Através da arte, essas artistas desenvolveram

77
projetos de ações educativas que buscavam resgatar e valorizar as identidades desses

habitantes.

Estabelecendo um paralelo com a realidade brasileira, constatamos que atualmente

continuam acontecendo inúmeros conflitos nos bolsões de pobreza que se formaram nas

periferias de suas grandes cidades. De forma a contribuir para minimizar esses efeitos, alguns

grafiteiros e artistas plásticos, de forma individual ou coletiva, também vêm sendo

requisitados a participar de projetos que buscam dispersar essas tensões.

A exemplo dos projetos murais de Baca e Lopes, as intervenções em espaço público e

em comunidades de risco social são a base de inúmeros projetos que se desenvolveram

inicialmente em São Paulo e, a partir da década de 1990, no Rio de Janeiro. Observa-se que

no final da década de 1980 e início de 1990, à medida que o grafite ganhava força e

reconhecimento em São Paulo, os artistas buscaram orientar suas produções em grafite mais

próximas das práticas artísticas institucionais, inclusive na oferta de cursos e oficinas, como

um movimento que visava divulgar a prática de um grafite de caráter mais artístico e que se

contrapunha à onda crescente da pichação entre os jovens nos grandes centros urbanos.

Fascinados pelas múltiplas possibilidades plásticas que a arte do graffiti oferecia,


muitos jovens artistas sofrem influências e acabam formando o que se chamou da
“geração de grafiteiros dos anos 90”. Junto com o “boom” do graffiti, surge uma
geração de jovens da periferia da cidade que, com uma latinha de spray na mão,
passa a se expressar, pichando os monumentos e obras arquitetônicas da cidade.
Preocupados com esta avassaladora onda de pichação, mortes e perseguições que
estes “pichadores” passam a enfrentar, Maurício Villaça, Ozéas Duarte, Eduardo
Castro, Hudinilson Jr, e muitos dos artistas da geração 90 passam a oferecer
oficinas de graffiti para estes jovens. A iniciativa traz resultados. Muitos deixam de
lado a pichação e passam a fazer parte do universo da arte do graffiti,
surpreendendo com sua criatividade e técnica (VILLAÇA, BRASIL, 2012).

O Rio de Janeiro apresenta um cenário diferente daquele de São Paulo. A iniciativa de

promover oficinas e cursos, segundo ECO, partiu dos próprios grafiteiros, juntamente com a

iniciativa privada. Com o tempo, na medida em que o grafite alcança as mídias, cresce o
78
interesse das instituições para a formatação de projetos com esse viés. Nota-se que, a partir

dessas iniciativas, “o grafite passou a ser usado pelo estado e a sociedade como

um antídoto contra pichação, se tornado um bem privado.” (DJAN, C., 2012).

Organizações não governamentais, empresas e instituições públicas integraram o

grafite em projetos que objetivam sanear áreas onde o poder público não consegue penetrar. A

mediação, com metodologia de ensino, permite a ida do grafite a essas comunidades, visando

despertar o interesse para a arte no sentido de promover a saída desses jovens da pichação,

vista pela sociedade como uma manifestação criminosa.

Para Lígia Ferro81, “o graffiti é praticado em cidades variadas e distantes: Filadélfia,

Nova York, Toronto, Rio de Janeiro, São Paulo, Londres, Bruxelas, Berlim, Budapeste,

Moscou, Tóquio... E muitas outras urbes veem suas paredes diariamente pintadas por jovens

grafiteiros” (2010:76). A autora apresenta o exemplo de CZS, grafiteiro nascido e criado em

São Gonçalo, Rio de Janeiro, o qual considera que a prática do grafite é apreciada pelas

camadas populares devido ao reconhecimento de seu valor como instrumento de “reabilitação

do meio urbano”. Não obstante, ressalta que a prática ainda continua sendo “confundida como

pichação” por uma boa parcela da população. Através de intervenções, o grafite desempenhou

o papel de mediador com jovens do Morro do Palácio, do Estado, Sabão, do Cavalão e nas

comunidades da Vila Operária, do Salgueiro e da Vila Esperança, entre outros lugares

(2010:83).

Fábio EMA, da primeira geração de grafiteiros no Rio de Janeiro, vem executando

inúmeros projetos na cidade, com foco em ações sociais através do ensino do grafite.

Podemos citar o projeto em escolas públicas “Tostão por Tostão” (2009/2010), que foi

estruturado “a fim de atender aos jovens das comunidades carentes dos morros do Falet,

Fogueteiro e Prazeres. Foi montada na escola pública Monteiros de Carvalho uma sala de

81
A autora vem desenvolvendo pesquisas sobre o grafite como mediador social nos diferentes quadros urbanos,
através do Programa Internacional de Doutoramento em Antropologia Urbana, vinculado ao Centro de
Investigação e Estudos de Sociologia – CIES/ISCTE.

79
aula que tem como objetivo passar técnicas de desenho e graffiti para que o jovem se

introduza no mercado de trabalho”82 (EMA, 2012). Há também o projeto “Escola de

Graffiti”, na Fundição Progresso, na Lapa, que visa, através da arte do grafite, dispersar as

tensões entre os jovens de facções rivais que habitam as áreas de vulnerabilidade social; a

“Escola de Arte do Morro da Mangueira”, além da “Oficina de Arte para Jovens Presidiários”,

no subúrbio do Rio.

Figuras 3.13 e 3.14: “Método de Ensino do Grafite e Sala de Aula”, Fábio EMA, 2010. Fonte: fotos
Fábio EMA, disponível em: www.flickr.com/photos/ Fabio Ema, acesso em: 08/06/2012.

82
Sic.

80
Outro exemplo de projetos com essa finalidade, com financiamento de governo

municipal, fez parte da trajetória de CRIPTA Djan, que nos relatou sua experiência:

Eu comecei a pixar com 12 anos em 1996. No ano de 1997 a cidade em que eu


morava Barueri estava tão pixada que o prefeito da época pediu arrego para os
81ichadores cidade. Após alguns contatos com um pessoal da secretaria da cultura
o prefeito propôs uma reunião com principais 81ichadores da cidade em seu
gabinete, onde ele próprio nos recebeu. Eu participei dessa reunião também, mesmo
novinho com 13 anos já estava envolvido. Foi ai que o então prefeito Gil Arantes
resolveu propor um acordo os 81ichadores, ele nos convidou para trabalhar com a
prefeitura do município reembelezando os órgãos públicos da cidade, além disso,
nós teríamos show de Rap todo ultimo Domingo do mês, instrução de arte com
artistas plásticos para desenvolver os trabalhos, e ainda seriamos pagos por todos
os trabalhos que realizássemos. Então resolvemos aceitar o convite, e por sete anos
essa parceria se manteve, com todas as promessas cumpridas. Mesmo com o acordo
nós não paramos de pixar, apenas nossos trabalhos não eram pixados, além disso
tínhamos nosso dinheiro não precisando mais viver de pequenos furtos, tinta para
pixar o centro de São Paulo que sempre foi à grande vitrine da pixação, e proteção
política caso sofrêssemos alguma agressão policial dentro da nossa cidade. Então
dos 13 aos 20 anos eu e mais alguns manos trabalhamos com a secretaria de
cultura de Barueri decorando órgãos públicos e até privados da cidade, nesse
período desenvolvemos técnicas de ilustração somente com látex pincel e rolinho,
ganhamos um bom dinheiro, mas depois descobrimos que fomos usados pelo
secretario de cultura para superfaturar todos os trabalhos que realizamos (...).
(Entrevista a autora, via e-mail, em: 24 jan. 2011).

DAVI e DEE83, do grupo MÁFIA 44, de Niterói, declararam ter aprendido algumas

técnicas de grafite em um desses projetos do MAC Niterói, em 2006. Na época, participaram

de uma oficina ministrada pelo grafiteiro ACME, um dos precursores do grafite. As oficinas

promovidas pelo Museu de Arte Contemporânea de Niterói têm como objetivo trabalhar com

os jovens da comunidade do morro do Palácio e integram um projeto intitulado “Arte Ação

Ambiental” que existe desde 1999:

Ele nasceu da preocupação do Museu de Arte Contemporânea em ampliar sua


atuação junto a diferentes grupos sociais. O objetivo do projeto é possibilitar aos
jovens desta comunidade profissionalização, educação artística e ambiental. Isso
acontece por meio das oficinas de Papel Artesanal, de Jogos Neoconcretos, de
Texto, das oficinas temporárias como de jornalismo comunitário, de grafite84, entre
outras, e através de ações educativas desenvolvidas para atender ao projeto, como
o programa Trânsitos Culturais (ARTE AÇÃO AMBIENTAL, 2012).

83
DAVI e DEE são os fundadores e integrantes do grupo MÁFIA 44.
84
“Oficina de Graffiti: Arte no Muro”.

81
Os grafiteiros contam que, apesar de não pertencerem à comunidade do morro,

desfrutaram dos benefícios do projeto que oferecia farto material para a prática do grafite.

Esse workshop certamente ajudou no aperfeiçoamento de seus grafites, contudo, declaram que

foi nas ruas que aprimoraram seus estilos.

Figura 3.15.: Oficina de grafite “Arte no Muro”, morro do Palácio, Niterói. Fonte: foto do projeto
“Arte e Ação Ambiental”, disponível em: http://modulodeacaocomunitaria.blogspot.com.br, acesso
em: 08/06/2012.

Constatamos que os métodos de mediação pedagógica não formal se apoiam, de um

lado, em artistas profissionais que adotaram o grafite como expressão e, de outro, se

assemelham ao método aplicado pelos grafiteiros norte-americanos, no qual os mais

experientes agiam como professores para os novatos, colaborando para a difusão do grafite e

manutenção dessa tradição. Apesar dessas diferenças, atualmente já existe certa

“institucionalização” da prática que contribui na profissionalização desses grafiteiros. É o

caso de DAVI que atualmente – estamos em 2012 – está concluindo o curso de Licenciatura em

Educação Artística, na UFRJ, trabalha como assistente da artista plástica Lucia Laguna e vem sendo

requisitado para participar de projetos de cunho artístico-cultural destinados a jovens

residentes em áreas de vulnerabilidade socioeconômica. O artista observa que, apesar de

82
haver um grande interesse por parte dos grafiteiros em levar adiante a proposta do ensino do

grafite, existem alguns entraves que dificultam essas ações, como, por exemplo, o

desinteresse do governo em fomentar iniciativas com esse viés. Por outro lado, a iniciativa

privada geralmente preestabelece em seus projetos algumas metas que não estão em

conformidade com essas intervenções, tais como capacitação profissional e geração de renda.

Seu currículo inclui o projeto “Arsenal do Bem”, no bairro Arsenal, em São

Gonçalo85, no qual DAVI participou sob o patrocínio do laboratório industrial B. Braun, um

complexo gigante, localizado no bairro, que fomenta projetos de inclusão em arte e cultura.

As atividades desenvolvidas por DAVI envolvem a realização de grafites para cobrir os muros

da fábrica que são normalmente pichados. O artista observa que “não adianta muito (...) a

pichação nunca vai acabar. As pessoas acham que o grafite vai resolver a pichação, mas não

vai, a pichação nunca vai ser resolvida” (Entrevista a autora, em 26 de fevereiro de 2012).

85
DAVI observa que o bairro Arsenal atualmente está se tornando muito violento.

83
CONSIDERAÇÕES FINAIS

São inúmeros os motivos que levam os jovens a se sentirem atraídos pelo grafite. Talvez

seja pelo prazer em pintar ao ar livre e se ver exposto, apreciado por todos os passantes. Isso

pode ser suficiente para que caravanas de adeptos carreguem mochilas e sacolas abarrotadas

com rolinhos de espuma, latas de tinta (látex e spray) de diferentes cores e marcas, pincéis,

blocos de desenhos, escadas e outros objetos utilizados na execução desses grafites que

tomam as grandes superfícies dos muros da arquitetura urbana. Muitas vezes são confundidos

com a arte de pinturas murais que saem das galerias e também circulam pela cidade. Mas seu

traço inconfundível e seu caráter marginal não deixam dúvidas quanto à sua natureza, que se

revela em imagens que fundem e mesclam culturas.

Figura: Grafite PAKATO e DAVI, Centro, Niterói. Fonte: foto MÁFIA 44, disponível em:
www.flick.com/photos/mafia44, acesso em: 25/05/2012.

Quanto aos materiais, as intervenções em grafites envolvem um custo maior do que em

pichações. A policromia das pinturas e as grandes áreas exigem uma diversidade de materiais

84
de maneira que o alto custo pode dificultar sua prática. Um dos meios para contornar esses

obstáculos por parte dos grafiteiros é a participação em projetos socioeducacionais e em

eventos (festivais, encontros, shows etc.) que, além de permitirem circulação e visibilidade de

seu trabalho, garantem uma estocagem de tintas para uso próprio.

Muitos grafiteiros se dividem entre a arte de rua e o trabalho formal, enquanto outros se

dedicam inteiramente ao ensino, comércio e reconhecimento do grafite por parte das

instituições. Como profissão, o grafite exige dedicação e investimento para que traga algum

retorno financeiro. Alguns conseguem se destacar e investem em seu aprimoramento técnico e

conhecimento artístico, ingressando em cursos livres e acadêmicos (cursos de graduação e

pós-graduação) na área de artes. Já outros, preferem ter o grafite como hobby, para seus

momentos de lazer, quando participam das intervenções juntamente com os seus amigos e

outros grupos. O grafiteiro DAVI se inclui no primeiro caso. Relatou que durante algum tempo fazia

distinção entre a arte de rua e a arte da academia. Por fim, acabou entendendo que todas as duas formas de
86
expressão faziam parte do universo artístico. DEE, por sua vez, seguiu a segunda opção e no momento estuda
87
engenharia na UNIVERSO , em Niterói, e grafita com o grupo MÁFIA 44, por puro prazer.

Constatamos que os grafiteiros necessitam de tempo para realizar suas peças e que cada

intervenção é um acontecimento, um motivo para pintar juntos, comemorar algo ou, ainda,

para prestar uma homenagem a alguém. Os grafites em cidades como Rio de Janeiro, Niterói

e São Gonçalo surgem à luz do dia, mas nada impede que também sejam executados à noite.

Agindo sem disfarces, seguem divulgando suas ações na internet, em blogs e redes sociais, e,

uma vez nas ruas, não há como ficar invisível aos passantes, aos curiosos. Pintam em grupo e

consideram importante a colaboração e apoio de amigos (fotógrafos, músicos), parceiros,

namoradas (ou namorados) e familiares que auxiliam fisicamente e emocionalmente na

execução das intervenções.

86
Acredita-se que o grafite ainda não seja visto como uma forma de expressão artística. Abordaremos essa
questão mais à frente.
87
Universidade Salgado de Oliveira.

85
De maneira geral, a população se sente atraída pela pintura do grafite, a qual considera

uma expressão artística, possivelmente por constituir-se de pinturas que se expressam através

de cores vibrantes, com formas identificáveis, trazendo temas que retratam dramas sociais,

personalidades, pessoas comuns, por vezes paisagens ou ainda figuras retiradas dos gibis, dos

games, da TV e tudo mais que compõe um universo comum. Pode ser também pelo fato de os

grafites se apresentarem em espaços deteriorados, contribuindo para o embelezamento da

área. Mas o fato é que hoje em dia as pessoas aceitam mais o grafite, inclusive outras formas

de arte de rua que já fazem parte da programação de museus e galerias.

Figura: “Homenagem à Fellipe Fenix”, DAVI e GOABOY, Centro de São Gonçalo. Fonte: foto
MÁFIA 44, disponível em: www.facebook.com/mafia44, acesso em: 03/06/2012

De todo modo, não significa que essas intervenções tenham alcançado a plena aceitação

por parte da sociedade. Existem cidades brasileiras que encaram o grafite como contravenção

e investem na aplicação de multas à venda de tinta aos menores.88 Apesar das medidas

88
De acordo com a lei nº 12.408/11, sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, no Art. 2o: “Fica proibida a
comercialização de tintas em embalagens do tipo aerossol em todo o território nacional a menores de 18
(dezoito) anos”.

86
repressivas, na prática nada mudou, continua-se comprando latas de spray em pequenas lojas

dos bairros e segue-se a todo o momento intervindo pela cidade89.

Perguntamos a DAVI se no Rio de Janeiro e em Niterói o grafite é considerado uma

contravenção. A resposta foi sim, mas é mais aceito pela população devido ao aspecto bonito

e colorido dessas intervenções. Quanto à lei90, houve uma alteração abrindo um precedente

para a execução de grafites, desde que autorizados. 91 Ele nos relatou que pinta nas ruas desde

2007 e já foi interceptado pela polícia grafitando, mas que não teve maiores problemas. Pelo

menos com ele, a polícia sempre foi mais “educada”92 do que os seguranças particulares, “a

polícia já tem traficante, assassino e estuprador para prender, não tem porque implicar com

um cara que tá pintando (...)”.

Observamos que, do nascedouro do movimento do grafite aos dias atuais, houve um

processo de institucionalização e comercialização dessa prática, sendo que alguns fatores

contribuíram para sua consolidação como um novo gênero de arte. Em um primeiro momento,

quando o movimento surge em Nova York pela via do hip hop, o apoio de intelectuais,

artistas e associações facilitaram o acesso ao circuito das galerias e museus, assim como a

contribuição das mídias trouxe um reconhecimento mais amplo que se refletiu no design e

subsequente comercialização desse estilo. O grafite disseminou-se através de uma rede

ampliada que ao longo do tempo se organizou através de grupos conectados em diversos

pontos do planeta, promovendo trocas, intercambiando ideias, agenciando e divulgando suas

próprias produções à maneira das estratégias midiáticas.

89
Fizemos um teste comprando latas de tinta spray em uma rede de lojas de tintas no centro de Niterói, quando
nos foi exigida documentação para registro no sistema, em consonância com o Art. 3°, “O material citado no
art. 2o desta lei só poderá ser vendido a maiores de 18 (dezoito) anos, mediante apresentação de documento de
identidade. Parágrafo único. Toda nota fiscal lançada sobre a venda desse produto deve possuir identificação
do comprador”.
90
A lei supracitada.
91
Da lei supracitada, Art. 6°, § 2o “Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de
valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo
proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a
autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos
governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.”.
92
Grifos nossos.

87
Pautados em comportamentos desviantes e marginais, os dois vieses do grafite

contemporâneo encontraram meios de conviver, tanto na cidade do Rio de Janeiro quanto em

São Paulo. Dia a dia nota-se a existência de um grande quantitativo de intervenções que se

apresentam de forma diferenciada em cada uma dessas cidades, mas que se tangenciam

quando funcionam como uma válvula de escape aos conflitos e às pressões sociais. De um

modo único e particular, a pichação em São Paulo vem se superando em graus de dificuldade.

Construiu na prática um modo de intervir no espaço público a partir da superação de

limitações físicas e sociais, demonstrando aos nossos olhos atônitos que é possível criar,

apesar de tudo.

Acompanhamos a entrada do grafite no Brasil dos anos 1970, recebendo a adesão de

artistas que fizeram das ruas seu atelier e mediaram essa nova forma de intervenção urbana

junto às instituições do circuito das artes. Já no Rio de Janeiro, à semelhança do que

aconteceu em Nova York, na década de 1970, a iniciativa de levar adiante esse movimento

partiu de jovens de periferia e de cidades próximas, como São Gonçalo. Formou-se uma

geração de grafiteiros recém-saídos da pichação que ajudaram a construir o estilo local a

partir de encontros em eventos e prática nas ruas da cidade. Foi a partir daí que os grafiteiros

cariocas aderiram mais facilmente ao design e a projetos de ensino que garantiram uma

projeção pública, além da expansão e manutenção do grafite.

De modo que, devido ao particular apelo dessas expressões, nos foi possível constatar

a constante alteração na paisagem urbana, a crescente expansão de signos gráficos e imagens

que passaram a integrar a arquitetura urbana, presentes nesses dois grandes centros urbanos.

Paralelamente, observamos o convívio dessas interferências com outras manifestações, nas

quais se incluem as esculturas e os monumentos instalados para exaltação cívica e apreciação

artística, os cartazes de propaganda com fins comerciais e outras manifestações que brigam

por espaços que se mostram pequenos demais para essa disputa.

88
Cada vez mais, o cenário público vem canalizando os conflitos da cidade projetados

em interferências que expõem variadas intenções, que vão desde as excrescências das

desigualdades sociais ao simples movimento individual de se expor publicamente em uma

atitude que reivindica o direito de se expressar. Nos cruzamentos entre as diferentes

modalidades de intervenções se originam os processos híbridos em que culturas, expressões,

estilos e modos de ser se cruzam e mesclam-se incessantemente, influenciando e sendo

influenciados, permitindo-se contaminar em um espaço que “pretende” ser democrático.

89
APÊNDICES

90
Circuitos Locais - Galeria de Fotos

Percorrendo as áreas urbanas por entre os municípios de Niterói, São Gonçalo e Rio de

Janeiro, observamos a presença de muitas intervenções em diferentes superfícies e locais

dessas cidades, que se destacam em meio às muitas que disputam os espaços do cenário

urbano. Movidos por essa atração e pelo apelo visual que tais intervenções nos despertavam,

passamos a registrar em fotografias e vídeos os grafites, pichações e grapixos que surgiam ao

longo de nossos percursos e deslocamentos habituais, de forma que foi se construindo

gradativamente um acervo fotográfico. Anexamos a essa dissertação uma coleção de

fotografias com o resultado de imagens colhidas ao longo desses dois anos de nossa pesquisa

de campo. São grafites e pichações capturados nas ruas, avenidas e transportes públicos, nos

municípios de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro.

Dispomos em uma galeria de fotos os seguintes temas: coleções de tags, pichações em

prédios, casas e edifícios, grapixos, grafites do grupo MÁFIA 44, grafite DAVI, evento hip

hop no SESC São Gonçalo, pichações em transportes públicos e outros grafites.

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