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Niterói
2012
ii
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
iii
Rosane dos Santos Cantanhede Kaplan
Aprovada por:
(Doutor PPGCA/UFF)
(Doutor PPGH/UFF)
(Doutora PPGCA/UFF)
Niterói
2012
iv
Dedico a todos os jovens, que de forma individual
ou coletiva vêm contribuindo com suas intervenções
para que a arte se construa nas ruas das cidades.
v
Agradecimentos
Ao meu orientador Luciano Vinhosa Simão pela dedicação e competência na condução deste
trabalho.
Aos meus colegas e diretores do IFRJ, Campus São Gonçalo, pelo estímulo e incentivo ao
meu aperfeiçoamento profissional. Agradeço ao Sérgio Guerra pela amizade na tradução deste
resumo.
Aos grafiteiros e pixadores que contribuíram para a execução deste projeto, em especial Davi,
Dee, Goaboy, Érika, Mamut, Ratão e Cripta Djan. E aos que anonimamente vêm contribuindo
para a arte de rua.
Obrigada também aos Professores do PPGCA Luiz Sérgio de Oliveira, Rosana Ramalho,
Leandro Mendonça, Pedro Hussak e Luciano Vinhosa Simão pelos diálogos e reflexões em
sala de aula.
Obrigada aos amigos do peito Roberto e Tatiana pela força, e aos meus sobrinhos Rodrigo e
Mônica pelo apoio constante.
Obrigada, por fim, a todos os amigos e parentes queridos que fizeram parte da minha vida ao
longo destes dois anos.
vi
_ Porque você fazia isso?
_ Para expressar minha natureza artística.
(diálogo entre dois policiais sobre graffiti no filme “Bomb the System”)
vii
Resumo
Este estudo tem como objetivo contribuir para a compreensão da origem das intervenções
urbanas através do grafite contemporâneo, sua expansão no Brasil e de que forma aporta ao
circuito das instituições oficiais da arte. Orientamos o escopo de nossa pesquisa no sentido de
acompanhar a expansão do fenômeno do grafite como arte de rua no Brasil desde anos 1970
até o presente momento; o processo de crescimento dos dois vieses do grafite (pichação e
grafite) nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro; de que forma o grafite se consagra como
um novo gênero artístico junto ao circuito institucional; e como o ensino do grafite vem sendo
vinculado a projetos sociais. Partindo desse recorte recorremos à análise da origem desse
movimento nos Estados Unidos; a expansão da pichação nas grandes cidades brasileiras a
partir de um contexto urbano, e o grafite como uma expressão juvenil que se impõe nesse
métodos de intervenção, técnicas, materiais e estilos; a análise histórica dos artistas pioneiros
no grafite na década de 1970 em São Paulo; assim como, o início do grafite no Rio de Janeiro
nos anos 1980. Por fim, procurou-se entender o propósito de iniciativas que visam a oferta de
cursos e oficinas de grafite em projetos destinados aos jovens de comunidades de baixa renda
viii
Abstract
interventions through the contemporary graffiti, its development in Brazil, and how it
contributes to the circuit of the official institutions of Art. We have decided to carry out our
research in order to monitor the expansion of the graffiti phenomenon as a street art in Brazil
from the 1970s up to the present time, the process of the growth of the two types of graffiti
(writings and picture graffiti) in São Paulo and in Rio de Janeiro; how graffiti has established
itself as a new artistic genre within the institutional circuit; and how the teaching of graffiti
has been connected to social projects. Considering the information collected, we have done an
analysis of the origin of this movement in the United States; the expansion of the graffiti in
big Brazilian cities from an urban context, and the graffiti as a youth expression which has
imposed itself in this scenario; as well as aspects of the writings (pichação) in São Paulo, and
and field research, we have attempted to point out the differences and contrasts between
writings and picture graffiti; which were the intervention methods, the techniques, the
materials, the styles; the historical analysis of the pioneer artists in the 1970s in São Paulo; as
well as the beginning of graffiti in Rio de Janeiro in the 1980s. Finally, we have tried to
understand the purpose of the initiatives which aim at offering courses and workshops about
graffiti in projects for young people from low-income communities in the state of Rio de
Janeiro.
ix
Índice de Figuras
Introdução................................................................................................................................01
Figura 0.1. “graffiti Marcelo ECO”, Lapa, Rio de Janeiro.....................................................02
1° Capítulo...............................................................................................................................06
Figura 1.1. Grafite grupo MÁFIA 44, entrada da ponte Rio-Niterói, 2011............................09
Figura 1.2. Grafite, Niterói, 2011............................................................................................10
Figura 1.3. MIN, DURO e SHY 147, metrô de Nova York, 1981..........................................14
Figura 1.4. FRED, “latas de sopa”, metrô de Nova York, 1980..............................................15
Figura 1.5. Graffiti, NOVA, Estilo Brooklyn...........................................................................19
Figura 1.6. Graffiti, SNAKE I, Estilo Manhattan.....................................................................19
Figura 1.7. Graffiti, PHASE II, Estilo Bronx...........................................................................20
Figura 1.8. Graffiti, STAY HIGH 149, Estilo Combo..............................................................20
Figura 1.9. RASTA, “Gato Felix e Pluto”, metrô de Nova York, 1981..................................23
Figura 1.10. Foto do New York Post, 8/12/1972…………………………………………….28
Figura 1.11. “Cenário para o Twyla Tharp’s Ballet”, 1973.....................................................29
Figura 1.12. “Capa do New York Magazine”, 1974.....................................................................30
2° Capítulo...............................................................................................................................32
Figura 2.1. Protesto Estudantil, Rio de Janeiro, 24 de julho 1968..........................................36
Figura 2.2. “Escaladas” PICHAÇÃO SP.................................................................................43
Figura 2.3. “Escaladas”, UNIÃO12 (Bst) - OPERAÇÃO (Wlr) - CRIPTA (Dj), Rua Don José
de Barros, Centro, São Paulo, 2009..........................................................................................44
Figura 2.4. “Escaladas” PICHAÇÃO SP.................................................................................45
Figura 2.5. “CRIPTA DJAN realizando um Pico”, Centro de São Paulo, 2007....................45
Figura 2.6. Pichação na estátua do Cristo Redentor, Rio de Janeiro, 2010............................46
Figura 2.7. “Pixo-protesto”, TUMULOS, São Paulo.............................................................48
Figura 2.8. Ataque à "Belas Artes", 2008...............................................................................52
Figura 2.9. “Ataque à 28ª. Bienal de SãoPaulo, 2008”..........................................................53
Figura 2.10. “Coleções de Assinaturas”, 29ª. Bienal de São Paulo, 2010..............................54
Figura 2.11. “Obra de Nuno Ramos pixada”, Bienal de São Paulo, 2010..............................55
Figura 2.12. “Foto de apresentação do coletivo PICHAÇÃO SP, site oficial da Bienal”, na
foto, “SURRA rudá, SEM MEDO juca, COMA wil”, 2010....................................................56
x
Figura 2.13. “CRIPTA DJAN - Bombardeio em SP”, Centro de São Paulo, 2003.................57
Figura 2.14. “CRIPTA - PIADAS - REAIS – LOS - Bombardeio em SP”, Av. 9 de Julho,
Centro de São Paulo, 2004........................................................................................................58
Figura 2.15. “CRIPTA - RAFAEL - REAIS – ROMERO - Bombardeio em SP”, Centro de São
Paulo, 2003...............................................................................................................................59
Figura 2.16. “BARUERI, Z/O, SP 2004”...............................................................................59
3° Capítulo...............................................................................................................................60
Figura 3.1. Keith Haring grafitando no metrô de Nova York, anos 1970...............................63
Figura 3.2. “Marie Rouffet”....................................................................................................64
Figura 3.3. Mauricio Villaça, Alex Vallauri e Eduardo Costro, SP........................................65
Figura 3.4. “A Rainha do Frango Assado”, Alex Vallauri, Nova York (EUA), 1983...........66
Figura 3.5. Rui Amaral, “Buraco da Paulista”, S.P.................................................................67
Figura 3.6. “grupo TupyNãoDá”, Buraco da Paulista, S.P.....................................................68
Figura 3.7. graffiti pictórico, Waldemar Zaidler, São Paulo, 1986.........................................69
Figura 3.8. Desenho pichado na cidade do Rio de Janeiro......................................................71
Figura 3.9. “Arte nas Ruas, obra de Cláudio Tozzi”, 1983.....................................................73
Figura 3.10. “Pinturas nos muros do Parque Lage”, 1985.....................................................74
Figura 3.11. “Painel de Ivan Freitas” pintado ao lado da Escola Nacional de Música no
centro do Rio de Janeiro, 1984..................................................................................................75
Figura 3.12. “Graffiti Marcelo ECO”, São Gonçalo, 2005......................................................77
Figura 3.13 e 3.14. “Método de Ensino do Graffiti e Sala de Aula”, Fábio EMA, 2010........80
Figura 3.15. “Oficina de Graffiti: Arte no Muro”, morro do Palácio, Niterói.........................82
Considerações Finais...............................................................................................................84
Figura “Grafite PAKATO e DAVI”, Centro, Niterói..............................................................84
Figura “Homenagem à Fellipe Fenix”, DAVI e GOABOY, Centro de São Gonçalo............86
xi
Sumário
INTRODUÇÃO................................................................................................................01
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................84
APÊNDICES......................................................................................................................90
Circuitos Locais - Galeria de Fotos.................................................................................91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................102
xii
INTRODUÇÃO
período em que o grafite pictórico começou a se alastrar pelo Rio de Janeiro, momento no
qual habitava o Bairro de Fátima, nas cercanias da Lapa, região do centro da cidade. Recordo-
promotor de arte e cultura das expressões da vanguarda carioca. Havia uma concentração de
shows e eventos que traziam os novos nomes da música e de outras manifestações artísticas,
resultando em intensa movimentação no entorno dessa área. Daí surgiu o “Zoeira hip hop”1,
reunindo a primeira geração de grafiteiros do Rio de Janeiro que ocuparam, com suas
pinturas, os muros nas imediações dos Arcos da Lapa. Como testemunha ocular dessa
transformação, pude observa ao longo do tempo a área da Lapa sendo tomada por essas
intervenções, sua gradual expansão às outras ruas mais desertas do centro da cidade e dos
bairros próximos. Costumava percorrer esses locais devido a um interesse pela arquitetura da
cidade, de onde extraía ideias expressas em minha produção artística (pinturas, desenhos,
instalações e fotografias). Foi nesse encontro, quando as superfícies dos prédios, muros e
edifícios se mostravam como suporte para essas intervenções, que comecei a acompanhar
mais de perto a transformação dessa paisagem tanto pela pichação (de caráter transgressor)
quanto pelo grafite (de formato pictórico). O que a princípio se deu de forma pontual, aqui e
ali, ganhou força e se tornou mais agressivo, tomando outros alvos e edificações no espaço
urbano. Assim, o grafite contemporâneo2 carioca foi expandindo suas redes de atuação,
chegando às instituições do circuito da arte, ganhando espaço nas mídias, integrando os livros
1
obviamente, chegando a outros locais vizinhos à cidade do Rio de Janeiro. O contato com
essas intervenções me suscitou questões que busquei responder ao longo desta dissertação.
Algumas indagações refletem meu interesse como artista e arte educadora, no sentido de
Figura 0.1: “graffiti Marcelo ECO”, Lapa, Rio de Janeiro. Fonte: foto do autor, disponível em:
www.flickr.com/photos/marceloeco, acesso em: 05/06/2012.
Atualmente, o grafite que ganhou visibilidade a partir do movimento hip hop, na década
de 1970, em Nova York, se mostra de forma bastante abrangente. Existem inúmeras variações
assinaturas, chegando aos grafites com desenhos de letras elaboradas, conhecido no Brasil
como grapixo e, finalmente, ao grafite pictórico em pinturas que se aproximam ao estilo dos
2
desse movimento, que inclui inúmeros artistas e estilos, que não constitui o objetivo central
desta dissertação.
buscamos traçar uma linha entre o crescimento dos dois vieses (pichações e grafites) desse
1970 - e sua chegada ao circuito das instituições do circuito da arte. Interessa-nos entender os
métodos de aprendizado e desenvolvimento dos estilos dos jovens grafiteiros e, a partir daí,
com base em entrevistas e depoimentos, investigarmos, ao longo desta pesquisa, de que forma
o grafite vem sendo ensinado e utilizado em projetos sociais no estado do Rio de Janeiro.
contato com nossos entrevistados através das redes de relacionamento (Orkut, Facebook,
Youtube, Fotolog e Flickr), onde conseguimos encontrar farto material para consulta
origem norte-americana e que se assume enquanto gênero de arte desde o final dos anos 1970,
em Nova York. Comumente se manifesta por meio de uma escrita urbana, conhecida no
Abordaremos ainda os meios, superfícies e técnicas utilizadas pelos grafiteiros, assim como
instauram no cenário urbano entre o governo local e os adeptos do grafite, vistos pela
sociedade como vândalos e marginais; a expansão nas mídias desse fenômeno, o que
contribuiu para sua difusão e comercialização; assim como as primeiras iniciativas para o
3
No segundo capítulo enfocaremos as interferências urbanas através das pichações, que
inicialmente se mostram em manifestações sociais e políticas a partir dos anos 1960, e sua
conflitos sociais; e o grafite como uma expressão juvenil que se impõe nesse cenário,
conforme visão do sociólogo José Manuel Valenzuela Arce. Iremos considerar os aspectos e
contribuindo para o surgimento de uma semiologia urbana a partir da ótica de Néstor Garcia
com base em entrevistas e depoimentos do pichador paulista CRIPTA DJAN, reputado pelo
oficial.
no Brasil que se inicia em São Paulo com a primeira geração de artistas paulistas - Alex
Vallauri, Celso Gitahy, Rui Amaral e outros -, apresentando aspectos das influências e
diálogos do grafite junto às instituições do circuito da arte oficial. Nesse capítulo, buscamos
responder algumas indagações sobre o surgimento do grafite carioca nos anos 1980, as
contraposição à pichação na cidade, assim como em outros projetos destinados aos jovens de
pesquisa de campo com o grupo de grafite MÁFIA 443, que atua desde 2007 no estado do Rio
3
A MÁFIA 44 é um grupo de grafite de Niterói e São Gonçalo que, desde 2007, foi se construindo com
grafiteiros de diversas linguagens e origens diferentes, procurando o máximo de interação e colaboração, para
que juntos possam um ajudar ao outro no aprendizado e na evolução pessoal. Os grafiteiros da MÁFIA 44 são:
Flavio BATA, DAVI, Julio DEE, Daniel GOABOY, Álvaro MUTANT, Gustavo GUT e Leonardo
PAKATO. Fazem parte do grupo os fotógrafos RATÃO Diniz e Joelma Capozzi, e o MC MAMUT, do grupo
4
de Janeiro e que faz do grafite pictórico seu principal objeto de intervenção. Vale ressaltar que
o MÁFIA 44 responde pelo maior número de grafites pictóricos em Niterói, fato que nos
atraiu para um contato com o grupo. A partir daí comparecemos primeiramente a um evento
de hip hop, realizado em abril de 2011, no SESC São Gonçalo, quando conhecemos e
grafite pictórico executado por DAVI, localizado na Rua José de Figueiredo, Centro de
Niterói, em fevereiro de 2012. O resultado deu origem a um vídeo de 1’33’’, disponível em:
http://youtu.be/g68JkXHeDOI.
colhidas ao longo de nossa pesquisa de campo. São grafites e pichações capturados nas ruas,
avenidas e transportes públicos de Niterói, São Gonçalo e Rio de Janeiro. Dispomos em uma
galeria de fotos os seguintes temas: coleções de tags, pichações em prédios, casas e edifícios,
grapixos, grafites do grupo MÁFIA 44, grafite DAVI, evento hip hop no SESC São Gonçalo,
íntegra, das entrevistas realizadas, via internet, com o pichador Cripta Djan, transcrições de
gravações em áudio das entrevistas concedidas por Davi, Gut e Goaboy, do grupo MÁFIA 44,
assim como trechos da fala de Homens Pizza Sam registrada no vídeo PIXOAÇÃO em 2011.
Soldados da Pista, pela importância na história da MÁFIA, colaboração e identificação com os ideais do grupo.
Disponível em: www.facebook.com MAFIA 44, acesso em: 05 jun 2012.
5
1° Capítulo
6
1.1. O Berço da Arte de Rua
Ao transitarmos pelas vias nas grandes cidades, sentimo-nos como que tomados pelas
imagens que se alastram sobre os muros, prédios e demais superfícies ao longo do espaço
urbano. Denominada como Arte de Rua, Arte Urbana ou Street Art, desde o final dos anos
1970 o grafite4 se assume enquanto um gênero de arte que comumente se manifesta por meio
de uma espécie de escrita urbana, conhecida no Brasil como pichação, ou através de grandes
pinturas murais intituladas grafites. Celso Gitahy observa que, “no singular, é usada para
significar a técnica (pedaço de pintura no muro em claro e escuro). No plural, refere-se aos
matizes, sotaques e etnias, alojados entre as áreas centrais e periféricas das grandes cidades
brasileiras e de outras partes do mundo. Suas inúmeras formas de atuação ombreiam uma
disputa pelos espaços públicos juntamente com letreiros e anúncios comerciais, cartazes de
Podemos dizer que grafites e pichações são como dois lados da mesma moeda, ora se
mostram em formas e pinturas elaboradas, ora sob a forma dos mais variados signos e marcas,
cidade, revelam ações em que a pintura e a escrita constituem a base de execução de suas
4
A etimologia da palavra grafitti tem origem no latim “graffio” e grego “graphein” e quer dizer “escrever” ou
“pintar”. Os termos graffiti, grafito (em inglês), grafite, grafito e graffiti (em português) têm sua raiz na palavra
italiana graffito (singular) e graffiti (plural) (FELISETTE, 2006). Esclareço, entretanto, que utilizarei o termo
grafite pictórico quando me referir aos que apresentam grandes pinturas murais e grafite logotípico ou
criptográfico aos que apresentam rabiscos, logos, letras e signos gráficos.
7
meios de comunicação ao mesmo tempo em que fazem uso do repertório visual das culturas
de massa e da história da arte. Seu método de criação permite que a cada momento se
rabiscos, arranhões e marcas inscritas em variados tipos de superfícies. Abrange uma enorme
incluindo as pinturas rupestres pré-históricas e ‘latrinália’ (escritos nas paredes dos banheiros)
internacionalmente conhecido como a Arte de Rua (Street Art) que emergiu “em meados da
década de 1960, nas ruas de Filadélfia, pelas mãos de gangues urbanas que assim
negociavam e demarcavam suas áreas de atuação” (STEWART, 2009 apud FERRO, 2010),
mas adquiriu visibilidade a partir das pinturas criadas nos trens do metrô e ruas de Nova York.
Fizeram parte desse movimento, adolescentes em uma faixa etária entre 12 e 18 anos,
e, apesar de ter sido criado e desenvolvido inteiramente por jovens, ao longo do tempo abriu-
se à participação de adultos de todas as idades. Eis porque sua iconografia ter sido construída
como, por exemplo, gibis, animações, capas de álbuns, caixas de cereais, brinquedos,
ressignificada, essa iconografia evoca uma mistura eclética de estilos. Imagens que,
criatividade individual e coletiva. Não só nas artes, mas também na vida cotidiana.”
8
Figura 1.1.: Grafite grupo MÁFIA 44, entrada da ponte Rio-Niterói, 2011.
Foto de autoria própria.
aberto imagens que brotam e se proliferam em uma inesgotável busca por projeção pública.
Nesse sentido, podemos dizer que o cenário urbano se apresenta como um espaço
Devido à rapidez com que são executadas, as intervenções através do grafite pictórico
ou logotípico nos trazem uma sensação de inacabamento, de suspensão, de uma ação em que
não houve tempo de terminar. Aliás, tempo é um dos fatores essenciais na execução dessas
ações quando intervir em espaço público é fator de risco. Talvez seja por esse motivo que a
9
tinta em aerossol, incorporada a outros meios, se preste melhor devido à sua fatura rápida e
cores fortes que permitem não só uma execução mais ligeira das intervenções, mas também
No entanto, existe um outro tempo, que é aquele necessário para entrarmos em contato
com essas expressões. Igualmente exíguo, manifesta-se como lapsos entre cada uma dessas
aparições, as quais se dão nos deslocamentos ao longo da cidade - seja através das janelas dos
10
A ilusão produzida na retina do observador articula um roteiro sequencial de imagens
que se movimentam e, aonde quer que nos desloquemos, aí encontraremos os vestígios dessas
ações.
de ontem, como observa Roland Barthes: “Sabe-se que o que faz o graffite não é, a bem dizer,
nem a inscrição nem a sua mensagem, é a parede, o fundo da mesa: é porque o fundo existe
Feito para durar até não se sabe quando, o grafite lança mão do efêmero, constituindo-
longo do tempo. Superexposto, mostra-se nas superfícies da cidade, congelado em gestos que
marcaram sua trajetória. Cada fragmento dessa experiência desempenha um papel importante,
a “obra” que se materializa dessas ações coletivas, que passa, então, a ser a nova “escrita”
caligrafia-gráfica, tomando outra forma e, como em um enigma, fica aguardando para serem
decifradas.
arte, são ações que dão origem a imagens de múltiplas significações. Em verdade, sua singular
inserida.
11
1.2. Filho dos Guetos5
A busca por uma visibilidade marcou o grafite logotípico que invadiu os trens do
e grafiteiros7 transitou pelas vias expressas, rompendo os limites da geografia urbana e das
fronteiras sociais. Foi quando jovens, individualmente ou em grupos, saíram às ruas e usaram
grassavam nos guetos habitados por uma população afrodescendente e latina. Como expressão
emergente, o fenômeno do grafite em Nova York partiu de grupos sociais residentes em locais
de baixa renda (notadamente nos bairros do Harlem, Brooklin e Bronx), onde a violência e a
Dentro dos quatro elementos que integram a cultura “hip hop”8, o grafite caracterizou-
se como uma das principais expressões desses jovens norte americanos que, com ousadia,
5
“Para fugir à pressão dos guetos” foi a resposta de um jovem grafiteiro ao fotógrafo Jon Naar quando indagado
sobre o porquê de realizar os grafites logotípicos nos vagões e plataformas do metrô de Nova York, em 1973.
6
A tradução mais aproximada para o termo brasileiro “pichador” é o “tagger”, apelido dado aos indivíduos que
seguem uma via transgressora e deixam suas marcas por toda parte. Geralmente consiste em uma forma
estilizada de letras em forma de logo ou monogramas monocromáticos, escritas em grande número a partir de
uma execução rápida com o uso de canetas pilot ou similar, ou ainda tinta aerossol.
7
O termo em inglês writer ou graffiti writer significa grafiteiro. Esses grafiteiros escreviam nomes próprios,
pseudônimos, logos (tags) ou realizavam letras elaboradas em diferentes formas e cores; faziam uso de tinta
aerossol; buscavam aprimorar seus estilos e técnicas com vistas a se destacarem entre os grupos e público em
geral.
8
O hip hop teve início na primeira metade dos anos 1970, nas áreas centrais de comunidades jamaicanas,
latinas e afro-americanas que habitavam na cidade de Nova York. Afrika Bambaataa, reconhecido como o
criador oficial do movimento, estabeleceu quatro pilares essenciais: o rap do inglês rhythm and poetry (ritmo e
poesia), que expressa a música falada; o MC (mestre de cerimônias); o breakdance (dança acrobática); e a escrita
do graffiti (desenhos e pinturas).
12
educador Anthony M. Deiulio, “a pintura em aerossol seja nos trens do metrô de Nova York,
como em rabiscos nas paredes dos banheiros, e arranhões em mesas escolares, revelam uma
forma dos adolescentes dizerem: estou aqui, eu existo, eu tenho algo a dizer”. Daí a forma
contundente dessa geração falar com toda a cidade apenas rabiscando e pintando imagens cujo
de ataque aos bens públicos como forma de serem notados, apropriando-se dos recursos da
cultura midiática e dos meios tecnológicos. Refletindo seu tempo, seguiram as regras de uma
mais, melhor”.
principal suporte para o grafite e, devido ao seu caráter móvel, consagrou-se como um meio
cidade. Se, por um lado, surgia um interesse público com a criação de projetos e de
associações que visavam ao aperfeitoamento artístico e técnico desses jovens e sua inserção
no circuito das artes, do ponto de vista das autoridades governamentais, o grafite continuava
Considerado por alguns como arte, para a maioria era um problema em expansão, um
poluindo a cidade9.
9
Edward Koch foi prefeito de Nova York, de 1978 a 1989. Antes dele, o então prefeito de Nova York, John V.
Lindsay, declarou guerra ao grafite, com a criação do Anti-Grafitti Task Force, sendo que sua violação estaria
13
Figura 1.3.: MIN, DURO e SHY 147, metrô de Nova York, 1981. Fonte: foto Martha Cooper; livro
Subway Art. 25th.
Desde o final da década de 1960 foi declarada uma “guerra” entre a prefeitura de Nova
dedicou crescentes esforços e quantias cada vez maiores de seu orçamento para a remoção
do grafite.” (1986:149).
enfrentava sérios problemas financeiros, de modo a precisar realizar uma série de cortes no
orçamento do município. Ainda assim, o governo local gastou uma soma considerável11 para
debelar a explosão do grafite que se concentrava no metrô da cidade. Como uma cortina de
sujeita a uma multa de 350 dólares. As autoridades reprimiram essas intervenções em toda a cidade, com a
suspensão da venda de tintas aerossol a menores de 18 anos (CASTLEMAN, 1982:138).
10
Departamento de Trânsito Municipal (The Metropolitan Transit Authority).
11
De acordo com Castleman, “Em 1970 os custos de remoção de grafite dos trens pelo MTA foram estimados
em 300.000 dólares; em 1971, 600,00 dólares; em 1972, 1,3 milhões de dólares e em 1973 2,7 milhões de
dólares, com ‘resultados insatisfatórios’” (1982:149).
14
fumaça, o prefeito Edward Koch justificou seu programa “anti-graffiti” declarando que “a
eliminação do grafite geraria uma psicologia de impacto positiva nos passageiros do metrô”
(1982:176).
Figura 1.4.: FRED, “latas de sopa”, metrô de Nova York, 1980. Fonte: foto Martha Cooper; livro
Subway Art. 25th.
Por certo que a atração pelos trens contribuiu para a disseminação do grafite na cidade
de Nova York, mas apesar disso sua escrita não se circunscreveu apenas aos territórios
demarcados pelas esferas sociais das áreas de baixa renda. Estampada no ir e vir dos trens,
diferentes classes sociais, etnias e países, que também aderiram ao grafite como forma de
15
1.3. Os Passos para a Fama
Desafiar normas sociais, transgredir a lei, correr riscos são parte dos processos
criativos dessas intervenções, cujo alvo é tornar-se visível, marcar presença, alcançar
prestígio, reconhecimento e, por que não, chegar à fama, tornar-se um “king” (rei)13. 1980 foi
uma década em que o fenômeno alcançou um grande crescimento, foi quando grupos se
organizavam no intuito de levar adiante suas assinaturas e marcas. Era comum reunirem-se
nas plataformas do metrô para trocarem ideias e comentários sobre as intervenções mais
recentes ou discutirem novas estratégias de ação, ou, ainda, sobre os que mais se destacavam
divulgadores.
uma linguagem cifrada que permitia a identificação dos que circulavam nesse circuito
underground, como uma senha de acesso que informava quem era quem. Traziam símbolos
12
"Nós finalmente triunfamos", frase pichada no trem de metrô de Nova York - documentário StyleWars, 1982.
13
Denominação para os que se destacavam, seja em número de tags, seja com grafites em estilos mais
sofisticados.
16
velados ou afetivos que podiam ser relacionados à própria pessoa, sua origem (número e rua
onde moravam), “índice de filiação ou dinastia: SNAKE I SNAKE II SNAKE III etc., até
escolha de alguns nomes: “BARBARA 62 morava na Rua 62 e seu nome era Barbara. (...)
CAT 2233. Todos o chamavam CAT porque ele normalmente gostava de roubar, e eles o
chamavam ‘gato’, ele também vivia na Rua 223 no segundo edifício, 223/2.” (1982:72).
Sair do anonimato e tornar-se famoso, em verdade, faz parte do modus operandi que
aonde a maioria desses jovens teria o acesso negado. O desejo de “aparecer” no espaço
público e de obter o reconhecimento de seu trabalho manteve a chama acesa por todas essas
determinada marca (signo gráfico) ou nome (nome próprio ou pseudônimo), mais rápido se
Dessa forma, aqueles que tivessem um grande quantitativo de tags reconhecidas nas
linhas do metrô eram eleitos “king of the line” (rei da linha de trem). Quem espalhasse sua
marca nas ruas seria “king of the streets” (rei das ruas); ou ainda “king of the kings” (rei dos
reis) para aquele que tomasse a cidade com sua marca. O título “king of style” (rei do estilo),
era conferido às pinturas murais – grafites - com maior grau de originalidade no estilo,
14
Baudrillard observa que “conforme o nome do totem, a afiliação totêmica é retomada por novos grafiteiros”
(2002:315).
15
Bombardeio foi a gíria para as intervenções urbanas através das pichações. Em português o termo “rolés” é
empregado pelos pichadores.
17
Na sequência, a escolha dos espaços para as intervenções encabeçava a lista das
estratégias para uma maior visibilidade. Nesse quesito privilegiavam-se locais de grande
circulação que permitissem uma superexposição no cenário urbano. Afinal, de que adianta
uma posição dos que almejavam chegar lá. Por certo que havia uma busca pelo
grafite proporcionava, ou seja, o de ver a si próprio e ser visto pelo maior número de pessoas
possíveis.
16
A expressão “getting up” significava essa busca pelo reconhecimento, além da
aceitação de seu trabalho por outros grafiteiros (e quiçá do público em geral). Certamente o
estilo era um fator importante aos que almejavam o reconhecimento e autoafirmação, mas não
garantia um lugar de destaque. Segundo TRACY 168, “estilo não significa nada, se você não
alcança sucesso (get up). Se as pessoas não veem seu trabalho, como elas vão saber que você
1.4.Guerras de Estilos
que se interessavam pelo grafite, assim como uma maior visibilidade, justamente pelo fato de
se concentrar em locais onde circulavam milhares de pessoas todos os dias. Como esclarecem
16
“Getting up” (chegar ao topo) era uma expressão utilizada entre os grafiteiros nova-iorquinos naquele
primeiro momento na década de 1970, sendo o título do livro de Craig Castleman, cujo tema é os primeiros
grafites expostos nos trens do metrô de Nova York.
18
Gastman e Neelon, “tudo isso veio de jovens adolescentes. No período mágico entre 1971 e
1975 em Nova York, quando a escrita do grafite cresceu das simples assinaturas e figuras
Cada região da cidade marcava sua presença através de seu estilo, caracterizando uma
disputa territorial. Dentre muitos que surgiram, Richard Goldstein, em artigo no New York
Brooklyn, Manhattan e a influência que veio da Filadélfia. O estilo Combo é uma mistura do
estilo Manhattan com o estilo da escola da Filadélfia, cujos desenhos apresentam letras bem
caracterizado por letras desenhadas em formato livre e por fazer uso de curvas espirais
Elegant, mostra cores fortes e contornos que realçam as formas, e foi desenvolvido por porto-
riquenhos. Por sua vez, o estilo Bronx possui um desenho de letras em formato bubble (bolha)
Figura 1.5.: grafite, NOVA, Estilo Brooklyn. Figura 1.6.: grafite, SNAKE I, Estilo Manhattan.
Fonte: New York Magazine, março de 1973, fotos: Tony Ganz.
19
Figura 1.7.: grafite, PHASE II, Estilo Bronx. Figura 1.8.: grafite, STAY HIGH 149, Estilo Combo.
Fonte: New York Magazine, março de 1973, fotos: Tony Ganz.
iniciantes, atuando, em alguns casos, como “professores”, repassando técnicas aos neófitos a
A partir daí as gerações seguintes engrossam as fileiras dos círculos do grafite e pouco
a pouco se observa a cidade sendo ocupada em seus espaços externos – playgrounds, quadras
Palco de conflitos e tensões, a cidade de Nova York buscou conter esse quadro
virótico que extrapolou o controle das instituições governamentais, “no caso particular de
Nova York, a prática do grafite foi destacada como destrutiva, violenta e vândala pelos
20
poderes públicos e midiáticos. A juventude é definida como problema urbano e o grafite
como início de uma grave crise urbana” (FERRO, apud AUSTIN, 2001:76). A contenção do
grafite se tornou um assunto de polícia e o número de jovens presos em flagrante não era
noticiado na mídia17.
representou, desde o início, um risco de vida para esses jovens. O crítico de arte Peter
Schjeldahl escreveu significativo artigo no New York Times, em 1973, no qual estabelece um
paralelo entre a estética do grafite com suas letras elaboradas e o Art-Nouveau. O crítico
No documentário de 1984 sobre a cultura hip hop, “Style War” (Guerra de Estilos)18,
podemos observar como se deu a ocupação dos trens e galerias do metrô novaiorquinos pelos
grafiteiros e pichadores. Henry Chalfant destaca que a cidade de Nova York possui uma
vocação natural para o grafite enquanto fenômeno, legado transmitido de uma geração a outra.
Em uma das cenas mostra um grupo de jovens trocando ideias e comentando sobre um dos
cartazes afixados em uma das plataformas. Apreciam os traços, admiram o estilo do desenho,
as cores e o acabamento. O cartaz em questão possui uma técnica que busca o realismo,
tridimensionalidade. Sob esses pressupostos irão se construir os modelos para a execução dos
estilos, na composição dos temas da pintura mural. O fotógrafo Jon Naar19 considera que “a
tipologia dos signos gráficos empregados pelos jovens grafiteiros trazia uma influência dos
17
Segundo Castleman, “no início de 1973, ao longo do ano, a polícia prendeu 1.562 jovens por vandalismo
nos metrôs e outros lugares públicos com pichações. Dos presos, 426, eventualmente, foram ao
tribunal e condenados a passar um dia nos pátios dos trens, esfregando as superfícies para a retirada dos
grafites” (1982:140).
18
Documentário dirigido por Tony Silver e produzido por Tony Silver e Henry Chalfant, em 1982.
19
Naar foi um dos primeiros fotógrafos profissionais a registrar o grafite em Nova York, no início da década de
1970.
21
elaboração sofisticada de alguns grafismos; uma vez que aqueles jovens20 não teriam acesso
aos espaços destinados às artes, tais como museus e galerias” (STUSSYVIDEO, 2011).
Com base em nossos estudos, podemos afirmar que o desenvolvimento dos processos
criativos dessa geração dedicada ao grafite aconteceu ao largo das instituições do circuito da
arte, como escolas de artes, museus e galerias. Na visão de Gastman e Neelon, “uma coisa é
certa, jovens grafiteiros como CRASH certamente não receberam inspiração em museus e
Quando você cresce em lugares como o sul do Bronx, museus de arte não entram em
sua vida, (...) você não pensa nisso (...). Eu cresci pobre o suficiente para ter que
compartilhar os tênis (...) de modo que crescer neste [meio ambiente], museus são a
última coisa que você pensa. Eu tenho uma irmã mais velha que quando ela recebia
o pagamento, ela me dava um dólar. E eu costumava ir comprar quadrinhos com
isso, e foi assim que aprendi a desenhar (GASTMAN, NEELON apud CRASH,
2011:23).
gráficas; suas imagens formam textos visuais que visam transmitir uma mensagem de forma
personagens como Dick Tracy, Popeye, Donald e Mickey Mouse e comporem o repertório do
20
Segundo Naar, a faixa etária desses jovens era de 10 a 12 anos.
21
“No início do século XX, os quadrinhos eram essencialmente humorísticos e essa é a explicação para o nome
que elas carregam: “comics” (cômico).” (JARCEM, 2007).
22
Figura 1.9.: RASTA, “Gato Felix e Pluto”, metrô de Nova York, 1981. Fonte: foto Martha Cooper;
livro Subway Art. 25th.
Daí a adoção da estética dos quadrinhos e identificação com seus heróis a partir das
histórias criadas por um rol de quadrinhistas, entre os quais podemos destacar Steve Ditko
(“Homem Aranha”, 1962), Don Heck (“Homem de Ferro”, 1978), Joe Simon e Jack Kirby
(“Capitão América”, 1941) e John Buscena (“Os Marvel”, 1960), que exerceram grande
23
1.5. A Expansão nas Mídias
divulgação do grafite entre as décadas de 1970 e 1980, dentro e fora do território norte-
americano, sendo que a imprensa escrita teve um papel importante na difusão do grafite como
uma nova forma de expressão juvenil. Foi em 1971 que o jornalista do New York Times Don
Hogan Charles escreveu o primeiro artigo sobre o assunto, no qual relatava as intervenções de
Taki é um jovem adolescente que escreve seu nome e endereço aonde vai. Ele diz
que isso é algo que ele simplesmente tem que fazer. Taki 183 apareceu nas estações
e trens do metrô e por toda a cidade, nas ruas ao longo da Broadway, no aeroporto
internacional Kennedy, em New Jersey, Connecticut, em estados próximos a Nova
York e outros lugares. Ele gerou centenas de imitadores, incluindo JOE 136,
BARBARA 62, EEL 159, YANK 135 e LEO 136 (CHARLES, 2012).
atraíram a atenção de outros jovens que descobriram no grafite uma via de expressão e
comunicação. Alguns shows de TV, assim como filmes produzidos e filmados na cidade de
Nova York, na época, expunham cenas com imagens de grafites e pichações que tomavam a
cidade. Na lista dos filmes mais conhecidos temos “Saturday Night Fever” (Os Embalos de
Sábado à Noite), de 1977, com John Travolta; “O Exorcista”, de 1973; e “Death Wish”
contribuição de publicações que objetivaram divulgar o grafite como arte: o livro The Faith of
Graffiti 22 (A Fé no Grafite), de 1974, com fotos de Mervyn Kurlansky e Jon Naar e texto do
jornalista e escritor Norman Mailer; e Subway Art (Arte do Metrô), de 1984, com fotos e
24
The Faith of Graffiti traça um mapa urbano, ilustrando as áreas ocupadas por
pichadores como A-1, CAY 161, TAKI 183, JUNIOR 161 e outros. Mailer reconheceu nessas
pseudônimos e logos que se espalhavam pela cidade. Seu texto buscava despertar um olhar
subjacente aos atos de vandalismo propagados pelas autoridades e pela sociedade nova-
iorquina. O autor discorre sobre artistas e estilos legitimados pela história da arte clássica e
Os registros fotográficos de Martha Cooper, Henry Chalfant e Jon Naar nos trazem
imagens das primeiras estrelas do grafite que circulavam nos trens de Nova York. As
Fazendo uso dos meios tecnológicos disponíveis na época, essa geração utilizou a
fotografia como forma de preservar as imagens de suas produções, devido ao caráter efêmero
contra o tempo a fim de poder fotografar esses grafites: “eu nunca tinha certeza se o trabalho
ainda estaria intacto por muito tempo. Alguém talvez pichasse em cima ou as autoridades
poderiam apagá-lo.” (2009:7). Tanto Chalfant como Cooper costumavam receber ligações
telefônicas dos grafiteiros, informando sobre o término de um trabalho para ser fotografado.
Cooper observa que naquele momento não havia uma ideia clara do alcance que o grafite iria
grafite em outros países. A fotógrafa comenta que, em 2006, quando esteve em São Paulo,
teve a oportunidade de encontrar os grafiteiros “Os Gêmeos”, e que eles teriam relatado o
25
momento quando, aos 13 anos de idade, entraram em contato com seu livro “Subway Art”, de
pudessem expressar suas ideias, mostrar suas produções e o desenvolvimento de seus estilos,
PINK representando seus próprios papéis em “Beat Street”; e DONDI, SNAKE, DAZE,
A luz das teorias de Walter Benjamin24, Lúcia Santaella analisa a era da cultura das
com seus interesses e preferências. A produção, registro e divulgação das produções artísticas,
consumo cultural, nos anos 1980, propiciadas pelas novas tecnologias - a indústria do
23
O grafiteiro LEE também teve participação (representando seu próprio papel) no filme “Bomb the System”
(Fúria dos Pixadores), produção norte-americana, com direção de Adam Bhala Lough, 2002.
24
“A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica” (1936).
26
1.6. O Mercado do Grafite
A explosão nas mídias da cultura hip hop e sua subsequente massificação conquistou o
público juvenil que se mostrou aberto ao consumo do “rap music” e do “breack dance”.
momento que o grafite comparece inserido em um pacote publicitário que incluía capas de
O viés comercial desenvolvido pelo “estilo grafite”, com suas letras elaboradas,
desses jovens que passaram a viver de sua arte ainda na década de 1970. Outro fator
redirecionamento das intervenções dos trens e muros da cidade para outros suportes
grafite sobre tela e em outros meios, com o objetivo de comercialização junto aos
27
dedicação a uma carreira em arte. Paralelamente, organizaram exposições no sentido de
inserirem o grafite no circuito oficial das galerias e museus. Promoveram encontros entre os
grupos de diferentes pontos de Nova York e levaram o grafite para fora da cidade através de
exposições.
Dentre as mais conhecidas destacam-se a UGA (United Graffiti Artists)25, que atuou de
1972 a 1975, e a NOGA (Nation of Graffiti Artists), que iniciou suas atividades em 1974,
Hugo Martinez26, na
a abrir um canal de
sociedade.
Figura 1.10.: Foto do New York Post, 8/12/1972 Fonte: Associated Press Wirephoto (arquivo Hugo
Matines), disponível em: martinezgallery.com/Press, acesso em: 19 abril 2012.
situação de risco social, no bairro do Queens, em Nova York, momento no qual entrou em
25
Associação de Artistas do Grafite.
26
Atualmente, Martinez é dono de uma galeria de arte e especialista em arte urbana, também dirige a fundação
ALL CITY, juntamente com Juan Tapia (grafiteiro, ex-membro da UGA que assinava CAT 87) que atualmente é
médico pediatra. Juntos, eles montaram uma rede de artistas, designers e profissionais de saúde para criar e
executar artes e programas de saúde em Nova York. A ALL CITY tem como missão desenvolver uma arte de
base comunitária e de saúde colaborativa codirigida por líderes comunitários e associados (MARTINEZ, H.
ALL CITY. Disponível em: http://allcity.info. Acesso em: 19/04/12).
27
Universidade da Cidade de Nova York.
28
contato com SITCH I, SNAKE I, CAT 87 e CO-CO, estrelas do grafite e os primeiros a fazer
parte do time. A associação se organizou com vistas a promover esses talentos através da
Como sociólogo, Martinez tinha uma proposta de “perceber o grande potencial dos
adolescentes porto-riquenhos e até onde eles poderiam chegar pela reconversão de suas
College, 1972), galeria de arte (Razor Gallery no Soho em Nova York, 1973) e museu
Nova York.
28
Os primeiros a integrarem o grupo foram: SNAKE I, STICH I, CAT 87 e CO-CO, seguidos de LEE 163,
FLINT 707, MICO, PHASE II, WICKED GARY, SJK 171, T-REX 131 E BAMA.
29
Museu de Ciência e Indústria.
29
Figura 1.11.: Foto “Cenário para o Twyla Tharp’s Ballet”, 1973. Fonte: Newsweek Magazine,
arquivos Hugo Matines, disponível em: martinezgallery.com/Press, acesso em: 19 abril 2012.
Graças à Martinez, a UGA ganhou espaço em alguns dos maiores jornais e revistas
estadunidenses, dentre os quais: Newsweek (1973), New York Daily News (1973), New York
design31.
Figura 1.12.: Foto “Capa do New York Magazine”, 1974. Fonte: New York Magazine, arquivos Hugo
Matines, disponível em: martinezgallery.com/Press, acesso em: 19 abril 2012.
currículo artístico que incluía a prática e o ensino nas áreas de pintura, artes cênicas e dança.
Despertou para o grafite após visita à exposição promovida por Martinez no City College, em
30
A UGA recebeu reportagem de capa e artigo de Richard Goldstein intitulado “This Thing Has Gotten
Completely Out of Hand” (Essa coisa ficou completamente fora do controle).
31
Encontramos farto material documental na internet sobre esses artistas: vídeos, participações em filmes,
entrevistas, exposições, fotos, artigos, publicações em livros e revistas, além de participações em exposições
dentro e fora do território norte-americano, revelando que esses grafiteiros obtiveram uma carreira artística bem
sucedida.
30
1972. Foi ele quem ofereceu à UGA seu apartamento para ser usado como estúdio e
associação, travando inclusive laços de amizade com alguns de seus membros. Não obstante,
Essa divergência fez com que Pelsinger decidisse fundar sua própria organização e,
em 1974, abriu as portas a todos os jovens que tivessem interesse em desenvolver um trabalho
em grafite. Sua missão, conforme declara à Castleman era, “não levar as crianças para
fora de sua comunidade no Soho, mas crescer com elas e participar de sua vida.” (1982:127).
Foi dessa forma que as adesões aconteceram, no boca a boca, sem discriminações ou critérios
jovens grafiteiros33 inexperientes da periferia que ainda não haviam percorrido o circuito da
fama dos trens do metrô. Mediou o acesso aos materiais de pintura, museus e galerias,
áreas de risco social. Estabeleceu parcerias para a realização de exposições, como no Central
Savings Bank, em 1974, e Bank Street College of Education Paintings, em 1976, ambos em
importantes, como o New York Post. Apesar de tudo, Pelsinger tinha pouca habilidade
34
empresarial, o que dificultou as chances do crescimento comercial da NOGA . Assim,
adolescentes, por acreditar que “todo mundo precisa ser alguém e se sentir importante
perante os outros. A arte é o meio mais rápido destes jovens conseguirem esta realização.”
32
Hugo Martinez enfocou seus interesses em jovens de origem hispânica, destinando uma pequena cota para a
admissão de membros negros.
33
CLIFF 159, STAN 153, IN, OZ, CHINO MALO, RIB 161 e KASE foram membros da NOGA.
34
Nossa pesquisa indicou que a Nação dos Artistas do Grafite, NOGA estendeu suas atividades até o início da
década de 1980, sendo que não encontramos nenhum registro do período de seu fechamento.
31
2° Capítulo
32
2.1. O Risco Vale a Pena
correm por entre as vias das cidades brasileiras e estão no sangue de inúmeros grupos de
diferentes idades, sexos e profissões. Criaram uma rede que se amplia com o passar do tempo,
estendendo seus raios de atuação aos indivíduos comuns, sejam eles estudantes, pais de
adolescentes de todas as classes sociais. Para não mencionar as carteiras e banheiros públicos,
quem não pichou em uma sala de aula ou uma casa no bairro, ou ainda em um muro próximo
diários e bloquinhos telefônicos são preenchidos por desenhos, mensagens e frases que falam,
pichações, vem se ampliando dia a dia, atraindo jovens e adultos de todas as classes sociais e,
por que não, incluindo indivíduos que atuam em cargos importantes, profissionais liberais,
autoridades e outros que saem às ruas para se expressarem em intervenções que se baseiam
e o perigo sustentam o vício do grafite nas ruas, manifesto no cheiro da tinta sobre a
superfície e na fisicalidade desafiadora que vaza aos sentidos, reagindo ao impulso de viver
em meio à transgressão. É desse modo que as mil faces do grafite buscam traçar seus
caminhos, mantendo-se fiel às suas origens, utilizando-se do acaso na prática de ações que
35
“Pixação, ou simplesmente o pixo, com 'x' mesmo, é a grafia usada por seus praticantes para diferenciar o
que fazem hoje em São Paulo das pichações político-partidárias, religiosas, musicais ou mesmo ligadas à
propaganda que há vários anos enchem os muros e paredes da cidade, a despeito do quão 'limpa' ela queira
apresentar-se.” (ANJOS, 2010).
36
Estima-se que a faixa etária para a iniciação à pichação gira em torno de 10 a 12 anos e para o grafite entre 16
a 18 anos, podendo variar de acordo com as habilidades e com os recursos técnicos e financeiros de cada jovem.
33
acontecem em meio aos trajetos perambulantes, ao ir e vir, em “rolés” que a toda hora
normas sociais. O espaço urbano é seu território, é onde a ação toma conta dos adeptos de
“famílias”, agem em coletivo, intercambiando experiências colhidas nos desafios do dia a dia
interferir em espaços públicos sempre fez parte de manifestações cuja abordagem incluía
declarações de amor, xingamentos etc. encontravam nos muros das cidades um suporte de
fácil comunicação e visibilidade, de modo que as superfícies dos muros passaram a ser um
espaço concentrador de frases, símbolos, signos e formas que ilustravam situações e temas de
comercial, assim como pinturas murais e pichações39 que davam vazão aos anseios e críticas
locais.
37
Forma de tratamento empregada entre os pichadores em São Paulo.
38
Frase pichada por “M’Boi Mirim” na cidade de São Paulo. Fonte: foto de Marcio Scavone, livro “A Cidade
Ilustrada”, pg. 130.
39
O termo pichação “trata-se de uma referência à técnica de pintar com piche e anterior à lata de tinta em jato,
‘spaycan’.” (KNAUSS, 2001:340).
34
Os emblemáticos muros que marcaram a revolta estudantil, em maio de 1968, na
França, outros que ficaram famosos na história como o “Muro de Berlim”40 e o “Muro das
Lamentações (em Jerusalém)”, por exemplo, são conhecidos por suas manifestações de cunho
social.
No Brasil não foi diferente. Desde as décadas de 1960 que se pichavam nos muros das
grandes capitais com frases de efeito (“O Petróleo é nosso”), palavras de ordem (“Abaixo a
slogans (“Pra não dizer que não falei das flores”) que tomavam as ruas durante o governo
militar de 1964, sob a influência dos militantes políticos, movimentos artísticos e da música
poder vigente.
A forma mais comum de externar esses protestos era expor, no espaço público,
ditadura. As intervenções aconteciam na calada da noite, sob o risco de severas punições por
A música, por sua vez, dava voz ao sentimento popular de insatisfação face aos
acontecimentos - sequestros, exílios e prisões dos que se opunham ao regime - e foi uma
1960 e 1980. Cidades como Rio de Janeiro e São Paulo apresentavam em seus muros
pichações de refrães das músicas de Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Chico Buarque e outros.
também utilizaram o recurso direto da pichação no espaço urbano para levar suas mensagens
40
O muro de Berlim representava uma barreira que dividia dois regimes políticos, cada um com sua face. O
lado oriental representava o regime socialista e se mantinha limpo, já o ocidental apresentava pichações,
pinturas, desenhos e frases ao longo de toda sua extensão.
35
Figura 2.1.: Protesto Estudantil, Rio de Janeiro, 24 de julho 1968. Autor desconhecido.
Fonte: livro: Graffiti Brasil (2010:13)
da participação social em espaços públicos e estímulo ao uso das mídias como veículo de
Néstor Garcia Canclini observa que “A mídia se transformou, até certo ponto, na grande
(2008:289). De modo que, ao longo da segunda metade do século XX, houve uma redução
transformação fez com que a mídia substituísse as passeatas, atos nas ruas e praças pelos
meios audiovisuais, deslocando o palco das manifestações da vida urbana para o espaço
virtual das mídias eletrônicas. Assim o “real” passa a ser o que é apresentado na televisão e
espaço publico às tecnologias eletrônicas. Como quase tudo na cidade ‘acontece’ porque a
mídia o diz e como parece que ocorre como a mídia quer (...)” (CANCLINI, 2008:290).
36
Foi durante esse processo midiático de massificação, possivelmente influenciado por
suas estratégias consumistas, que o grafite se projetou nas grandes cidades. É frente a esse
cenário que os novos atores, sob a forma de pichadores e grafiteiros, tomaram de assalto esse
palco. Segundo Baudrillard, “muros pintados como grafites nasceram após a repressão das
grandes revoltas urbanas de 1966/70. Trata-se de uma ofensiva tão ‘selvagem’ quanto as
revoltas, mas de outro tipo, uma ofensiva que mudou de conteúdo e de terreno.” (2002:315).
Observa-se que tanto as pichações das manifestações político-sociais que tomaram os muros a
partir dos anos 1960 quanto o grafite que surge nos trens do metrô nova-iorquino são
em suas intenções, seja nos conteúdos apresentados como nas áreas de atuação ou alvos.
Se por um lado os protestos sociais usam os muros da cidade como suporte para um
diálogo coletivo, manifestando suas opiniões de caráter político, econômico ou social, por
outro lado, de forma inversa, as intervenções através do grafite buscam no cenário urbano
signos de códigos inidentificáveis aos olhos do público. Apontados por Baudrillard como atos
terroristas, via de regra o grafite interfere na esfera pública destituído de quaisquer ideais,
valores, burlar a lei e até de agredir a sociedade. Expressa-se na ultrapassagem dos limites
dos guetos, que podem ser “gueto da televisão, da publicidade, o gueto dos
37
2.3. Caminhos na Contramão
proporções epidêmicas e, a exemplo do que aconteceu em Nova York, nos anos 1970, vem
sendo encarada como um problema insolúvel para os governos municipais. Os motivos desse
fenômeno apontam para o crescimento desordenado dos centros urbanos nos países da
O eixo Rio-São Paulo passou a abrigar uma população marcada por conflitos sociais e
por uma política excludente que veio provocar um crescimento caótico em áreas periféricas da
brasileira se encontrava abaixo do nível de pobreza absoluta. O autor ressalta que “as favelas
desenvolveram-se com a primeira década (do século XX), e a urbanização foi incorporando
de maneira crescente afro-brasileiros que haviam acabado de obter sua libertação com a
classes sociais, concentrando nessas áreas uma população que sobrevivia com baixas
1990, viveram a escalada do crime organizado que girava em torno do tráfico de drogas. O
38
problema da violência urbana e a intolerância da população face ao cenário de crescente
favelização geravam um clima de insegurança para a população jovem que, segundo Arce,
algumas expressões juvenis, dentre essas o grafite, que se destacam como uma resposta ao
cenário urbano marcado por problemas econômicos, pela violência e pela ausência de
jovens, onde os conflitos socioeconômicos e de violência, seja por parte do poder público,
fazem com que essa forma de expressão se manifeste de forma marginal, estendendo suas
ações para além dos limites de circunscrição, em busca por outros territórios da cidade.
paisagem é destituída de qualquer atrativo, fato que atrai ainda mais o interesse desses jovens
Diadema41, que picha desde 1991 e relatou no documentário “Escrita Urbana, 3” os motivos
A gente morava num lugar bem humilde e não tinha muito com o que se divertir, e
como na minha área tinha muito pichador, a gente ficava olhando e admirava. Para
nós, os desenhistas de hoje em dia, como o Maurício de Souza, na época eram os
pichadores. E na escola também havia muita pichação. Como sempre me interessei
por artes, me interessei pela pichação. Não só eu como vários amigos que hoje em
dia fez, faz, e outros pararam. Tem os que trabalham e ganham dinheiro com isso
por causa da pichação, e tem pessoas que tiveram muitos problemas por causa da
pichação, finados42... Eu sempre gostei de desenhar, mas não tinha curso, estudo,
nada, aí me interessei (ESCRITA URBANA, 3, 2007).
Como um grito que expõe à sociedade essa realidade, os jovens marcam o percurso de
seu pertencimento social, de forma a se fazer presente em áreas de maior fluxo urbano, como
41
Município localizado ao sul de São Paulo, pertence à Região do Grande ABC. De acordo com o IBGE, sua
população total é de 386.039 habitantes, sendo o 15° mais populoso do estado.
42
A palavra ‘finados’ é uma alusão aos pichadores que morreram durante as intervenções.
39
nas regiões centrais das grandes cidades, objetivando atrair o olhar do público, que
normalmente se mostra indiferente para essa realidade. Por sua vez, são encarados pela
sociedade como vândalos, marginais, selvagens, rebeldes, “a tribo dos guerreiros escribas
2011). Isso se deve ao fato de a pichação se manifestar como uma expressão visual com
Esporte, diversão, atração pelo perigo, “ibope”, fazer amigos ou integrar um grupo,
enfim, são muitos os motivos que levam os jovens a se interessar pela pichação. Nota-se que a
diversidade de interesses vem contribuindo para que essa forma de intervenção esteja em toda
que:
hj46 a molecada fode td mano, tem uns vacilão ai que se acham e tal, mas a forma de
pixar mudou tbm, os moekes grudam na janela e tal, a cada dia que passam
inventam algo nas ruas, pixador é foda a diferença é que hj em dia não tem mais
espaço, os caras estão pixando pra fora de sp, kkkkkkkkkkkkkkkkkk, ta foda
moleque.47 (ENTREVISTA DO CAIXÃO, TATEI, 2012).
43
Lei nº 12.408, de 25 de maio de 2011, art. 65: “ Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou
monumento urbano: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. § 1o Se o ato for realizado em
monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis)
meses a 1 (um) ano de detenção e multa”. (NR)
44
CHOQUE PHOTOS possui um acervo fotográfico dessas intervenções e teve suas obras expostas na 29ª.
Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 2010.
45
O termo XARPI significa PIXAR e faz uso de um tipo de linguagem intitulada ‘gualin da teteca’, muito
utilizada no universo juvenil. É uma fala que inverte a palavra sílaba por sílaba, de trás para frente.
46
TATEI utiliza uma linguagem coloquial comumente empregada em redes sociais na internet, “hj” significa
hoje, “td” tudo, “tbm” também, “moekes” moleques, “sp” São Paulo, “kkkkkkkkk” representação de gargalhada.
47
Sic.
40
Pichar no espaço urbano é, na definição dos próprios pichadores, uma “profissão
perigo”. Representa uma carreira que pode ser curta, que envolve muita adrenalina e um
estado de constante apreensão. Há uma linha frágil que separa as simples expressões urbanas
são pegos pela polícia, ou devido à morte em acidentes durante as intervenções. Perguntamos
a CRIPTA DJAN se ele considera curta a carreira de pichador e quais seriam os principais
CD: O que determina uma carreira curta na pixação é uma serie de fatores, o
primeiro pode se dizer que é a família, se o pixador tiver uma família muito
conservadora ou religiosa, a primeira vez que ele for pego pixando nunca mais vai
querer pixar. Tive muitos amigos que pararam cedo por causa disso, aqueles que
não têm esse tipo de empecilho ou que enfrentam a família são os que continuam,
mas em um determinado momento da nossa trajetória como pixador começamos a
nos deparar com uma linha estreita com o crime, devido à facilidade que temos
para subir em vários lugares, nos deparando muitas vezes com objetos de valores.
Muitos pixadores quando chegam nessa fase acabam migrando pro crime, começam
com os pequenos furtos, e com o tempo acabam virando assaltantes ou traficantes.
Vi muitos amigos irem por um caminho sem volta, os que não morreram ou estão
presos ou ganharam liberdade depois de muitos anos perdidos na cadeia, esses
dificilmente conseguem se reintegrar, alguns até tentam, mais são poucos que
conseguem.
Os pixadores que permanecem por mais tempo no role são os que conseguiram
conciliar a vida social com o role, esses são os que estudaram e tem um emprego, e
que só tiveram problemas com a justiça relacionados à pixação, pois quando se tem
algum outro artigo fora a pixação a situação fica mais complicada para pixar, esse
é um fator que atrapalha muitos pixadores a continuar, em outros casos alguns
acabam constituindo família muito cedo e se vêm obrigados a parar devido à
responsabilidade de sustentar uma família.
Mesmo assim com diversos problemas com a justiça e família muitos não
conseguem se afastar completamente do movimento, alguns se afastam por um
tempo, mais a maioria sempre acaba voltando, mesmo que seja só colando em
points e festas, e tem vários coroas de 30 a 40 que tá no rolé pixando até hoje48.
(Entrevista a autora, via e-mail, em: 24 jan. 2011).
início da década de 1970 aos dias atuais. Segundo Celso Gitahy, essa transformação se divide
em quatro fases, com entrelaçamentos entre essas etapas, ainda nos dias atuais.
48
Sic.
49
CRIPTA DJAN usa o termo “evolução”.
41
A primeira fase se caracteriza pela estratégia do “bombing”, que se apoia no maior
repetição, seja de signos ou de imagens, perpassa todas as quatro fases, tanto na pichação51
como no grafite52, sendo normativo para garantia de sucesso e reconhecimento dos que
ou crews (grupos), quando cada coletivo cria seu nome e desenvolve sua marca de
identificação a fim de se fazer reconhecer. São logos (tags) e letras com uma tipologia
especialmente elaborada com fins de marcar o estilo da assinatura do grupo. De modo que
cada área da cidade apresenta intervenções que identificam as “famílias” de pichadores locais,
cujos nomes quase sempre dizem respeito a fatos e vivências de seus membros fundadores.
Existe uma tradição na pixação paulista, cada turma tem uma letra padrão como
um slogan de uma empresa, então cada integrante que entra na turma tem que
seguir aquele padrão de letra, mas com o tempo cada integrante acaba deixando um
DNA dele naquela letra padrão da turma. Por exemplo, quem inventou a letra
padrão do CRIPTA foi o fundador da turma CBR, mas como ele parou por volta de
1999, eu continuei de 2000 pra cá, e todo processo criativo passa por minhas mãos,
e das minha mãos passara para os novos integrantes da turma. Esse também é um
ciclo natural da pixação, como um circulo vicioso que se renova a cada geração.
(DJAN, C. em entrevista a autora, via e-mail, em: 24 jan. 2011).
Cripta54, Tumulos, Homens Pizza, Agentes, C Tropa, Pavilhão, Os Gs, Ilários, Dino,
Grandulas, Lixomania, Punk de Guerra, Catch, Mestres, Psico, Collos, Loucos da 7, Friday
13, Mobi, Noix, Agentes, Jets, Lerdos, Os + Imundos, Brons, Yella, Admentes, BNP, RTD,
50
Alice Belfort Moren afirma que “no Rio de Janeiro o mais importante é o controle gráfico que o pichador
exerce sobre a sua pichação, sobre o seu tag.”, de modo que o mesmo signo é repetido em uma mesma área
várias vezes (2009).
51
A pichação se utiliza de repetições do mesmo signo gráfico (tag), desenho ou assinatura.
52
O grafite busca realizar o maior número de pinturas que podem trazer o mesmo tipo de imagens ou não e que
ocupam diferentes locais da cidade.
53
“Família” é uma forma de tratamento que significa grupo ou coletivo de pichadores. O termo gang é
considerado pejorativo entre alguns grupos.
54
O nome da família CRIPTA surgiu a partir do seriado “Contos da cripta” que era apresentado pela TV Globo,
na década de 1990.
42
Porões, Radar, SPR, Espião, Prese, Roots, Arrastão, Anônimos, Ágeis, Operação, União 12
são apenas alguns dos inúmeros grupos que compõem o cenário da pichação na cidade de São
Paulo.
Figura 2.2.: “Escaladas” PICHAÇÃO SP. Fonte: Foto de CHOQUE PHOTOS, disponível em:
www.facebook.com.Choque Photos, acesso em: 25/05/2012.
a evolução, surgiram as “escaladas” no primeiro andar das janelas, depois em cima das
janelas, também era raro o “pé nas costas”56. Hoje em dia já fazem ‘três em pé’”. DJAN
55
Denominação para as interferências no alto dos edifícios.
56
“Pé nas costas” é uma expressão usada para as escadas humanas nas quais o pichador apoia os pés nos ombros
de outro integrante do grupo ou em um parceiro para executar sua intervenção.
43
Existem vários alvos para pixadores na cidade, alguns preferem pixar em locais
menos arriscados como muros e portas, outros preferem se arriscar mais pixando
topos e fachadas de casas e prédios, ou escalando prédios e janelas pelo lado de
fora. No caso da CRIPTA nossa turma sempre se destacou mais pelo risco das
escaladas e janelas, e as invasões para pixar os topos dos prédios. Alguns alvos são
previamente estudados, outros acabam surgindo durante a madrugada, muitas vezes
vamos com mais de um alvo em mente no rolé, e quando um deles ou nenhum dá
certo acabamos improvisando e pixando o que aparecer pela frente. 57
(Entrevista a autora, via e-mail, em: 24 jan. 2011).
O caráter efêmero dessas intervenções não permite sua conservação no espaço público,
mesmo assim, alguns pichadores costumam datar suas intervenções para serem reconhecidas,
principalmente quando são executadas em locais perigosos e de difícil acesso. Para o pichador
MAX, “o bom da data é que o cara tá fazendo hoje, e vai colocar a data, amanhã ele passa, e
caramba, vai tá lá. Então é o passado que vai tá presente.” (ESCRITA URBANA 3, 2007).
Figura 2.3.: “Escaladas”, UNIÃO12 (Bst) - OPERAÇÃO (Wlr) - CRIPTA (Dj), Rua Don José de
Barros, Centro, São Paulo, 2009. Fonte: Foto de André Vieira, disponível em: www.facebook.com.
Djan Ivson Cripta, acesso em: 28/05/2012.
57
Sic.
44
Figura 2.4.: “Escaladas” PICHAÇÃO SP. Fonte: Foto de CHOQUE PHOTOS, disponível em:
www.facebook.com.Choque Photos, acesso em: 25/05/2012.
45
Sem medo dos riscos e das alturas, as escaladas também se estenderam às intervenções em
monumentos públicos, como, por exemplo, o ataque à estátua do Cristo Redentor, símbolo da
cidade do Rio de Janeiro e alvo de duas intervenções. A primeira aconteceu em 1991, quando
Fábio Luiz da Silva, o “Binho” e Ayres Monteiro de Araújo Neto, ambos de 17 anos, vieram
de São Paulo para o Rio e burlaram o esquema de segurança local, pichando ao pé da estátua
dia seguinte pelas passagens de ônibus encontradas no local e, ao que tudo indica, queriam ser
debate nos noticiários locais foi em 2010, quando, mais uma vez, pichadores paulistas
Figura 2.6.: Pichação na estátua do Cristo Redentor, Rio de Janeiro, 2010. Fonte: Disponível em:
www.blogln.ning.com, acesso em: 29/04/2012.
58
No local, Edmar Batista de Carvalho, de 24 anos, e Paulo Souza dos Santos, de 28 anos, picharam as seguintes
frases, “Quando os gatos saem, os ratos fazem a festa”, “Reage Rio”, “Cadê a engenheira Patrícia?” e “Cadê
Patrícia Belford?”.
46
Esses episódios geraram protestos por parte da população da cidade e reação das
flagrados no ato dessas intervenções. Além desse, inúmeros outros monumentos e prédios
públicos das grandes e pequenas cidades também tiveram suas superfícies maculadas. O
antropólogo Alexandre Barbosa Pereira, em entrevista a Roberto Kaz,59 diz que, muitas vezes,
os bens históricos são escolhidos como alvos de pichação justamente porque atraem a atenção
da imprensa:
Se você picha um edifício residencial, por exemplo, este fato vai ser notícia para um
grupo restrito de pessoas. Mas se a pichação é em uma estátua ou em um edifício
tombado, a relevância passa a ser muito maior. Assim, a mídia se interessa, publica
a notícia e a pichação é conhecida pela cidade inteira (2012).
Por fim, a quarta fase, que também integra as três anteriores, refere-se à expansão da
desafiadoras que agem estimulados pela ideia de reconhecimento e visibilidade nas mídias
impressas e telemáticas.
59
revistadehistoria.com.br
47
qual incluía a foto de uma pichação com os dizeres: “Aqui mora um torturador”, realizada em
frente à residência de um militar que atuou no regime da ditadura dos anos 1960. O
Um dos grupos mais conhecidos por esse tipo de intervenção é de São Paulo. Intitula-
protesto foi em razão dos escândalos de corrupção na prefeitura de São Paulo, quando
Figura 2.7.: “Pixo-protesto”, TUMULOS, São Paulo. Fonte: foto do autor, disponível em:
www.tumulos1989.blogspot.com.br, acesso em: 12/05/2012.
(1989), conta, em entrevista ao site do TÚMULOS, sobre outras intervenções realizadas por
(...) foram muitos viu, mas o mais foda mesmo foi a morte da pequena izabella
nardoni mano nesse caso o pai e a madastra jogaram a criança do 6ºandar mano,
quando vi essa materia chorei muito, mesmo pq tenho um casal de gemeos da idade
dela cara, ai eu o naldo fomos na casa deles pixamos o muro da frente, depois
48
levamos uma faixa e colocamos no portão da caso dos avós paternos dela, o povo
nos aplaudiram e foi foda viu cara, teve tambem a casa do lalau que roubou milhões
dos cofres publicos está livre, teve a casa do ex prefeito pitta, a casa do atual
prefeito kassab, a casa do serra, a do promotor thales que matou e está livres e o
pior ganhando 18 mil reais sem fazer nd, teve um outro caso em bragança mano que
os funcionarios queirmaram vivos todas as vitimas e no meio tinha um garotinho de
4 anos, viajamos ate bragança pra fazer esse protesto só com uma lata é mole,
foram no bang eu o meia do pensativos, o ivan do trolhas e o boca que pixa bereta
foda viu, esse tambem foi impactante60 (ENTREVISTA DO CAIXÃO, 2012).
Também CRIPTA DJAN nos revelou que suas pichações, com o tempo, assumiram
conotações político-sociais:
Jogando o jogo das mídias, essa modalidade de pichação estabelece um ciclo que
devolve na mesma medida as informações que chegam a domicílio, todos os dias, pelo rádio,
televisão são os que reencontramos nas ruas, e vice-versa: umas ressoam nas outras.”
(2008:290). O reflexo do modelo midiático se faz presente nas estratégias adotadas para
pichação, de forma mais acentuada, faz uso exaustivo da repetição da mesma marca, logo ou
60
Sic.
61
Grifo nosso. Atropelo que dizer pichar em cima de um grafite ou tag.
62
29ª. Bienal Internacional de São Paulo que aconteceu no ano de 2010.
49
território, região ou cidade, pode se estender a outras áreas fora dos limites de circunscrição
pichadores não são valorizados pela sociedade e sim por seus pares, sendo que seu sucesso é
que lhes pode garantir um lugar de destaque em seu círculo. E a pichação concede
reconhecimento mais rápido que o grafite, como se pode perceber com a história de Daniel
GOABOY63, que começou no grafite, onde permaneceu por dois anos, e decidiu migrar para a
pichação, onde continuou pelo período de cinco a seis anos, por considerar que o grafite não
iria lhe dar o reconhecimento desejado. A armadilha da fama pode tornar refém àqueles que
só visam o reconhecimento, pois tão logo deixem de executar suas ações perdem posição,
como uma opção por intervenções mais rápidas e diretas, que envolvem riscos, muita ousadia
A pixação em São Paulo (grafada aqui com “x” para diferenciá-la, como fazem
seus praticantes, da pichação política também presente na cidade) é uma
manifestação visual que traz embutida nas práticas e imagens criadas sobre muros
e edifícios, uma visão de mundo que não cabe nos acordos que regem e limitam a
vida urbana. A pixação fala de algo que de outro modo não seria visto e que, não
fosse justamente por meio da grafia aparentemente cifrada, dificilmente seria dito.
Por ser considerada, por seus praticantes, arte e simultaneamente ação política,
incluir a pixação no espaço institucional da Bienal como mera expressão gráfica,
mimetizando sua expressão nas ruas, seria destituí-la de sua originalidade e força
transgressora, razão pela qual está presente na exposição por meio de fotografias,
vídeos e coleções de tags. Se tais estratégias de documentação tampouco se
confundem com a pixação propriamente dita, já que essa só existe como tal no
63
GOABOY é um dos integrantes do grupo MÁFIA 44 (Niterói) e atualmente trabalha como desenhista gráfico
de produtos e web design.
50
espaço urbano em disputa, elas ajudam a compreender e ativar a complexa
inscrição física e simbólica da pixação em São Paulo. E mesmo a evocar o fato de
que nem tudo que é arte o campo institucional é capaz de abrigar ou de entender
plenamente64.
participação da pichação como expressão artística na 29ª Bienal de São Paulo (2010), cuja
proposta era discutir a ligação entre arte e política. Observa-se que, após quase três décadas da
participação da primeira geração de artistas que adotaram o grafite como meio de expressão65,
novamente a Bienal de São Paulo trouxe para suas salas o debate em torno das intervenções
urbanas, sendo que dessa vez apresentando a face desviante do grafite encarada como crime
A sequência dos fatos nos leva ao início desse debate, quando, em 2008, tais conflitos
tiveram início. Na ocasião, o aluno da Faculdade de Belas Artes, em São Paulo, Rafael
Artes Visuais.
CD: Estive envolvido sim, mais do que isso, liderei todas as ações, tudo começou
com o TCC do nosso amigo pixador Rafael Augustaitiz (PixoBomB) que estava
cursando o 4º ano de Artes Plásticas na Belas Artes, ele sacrificou seu diploma pra
defender sua tese que a pixação é o que tem de mais puro e libertária na
arte contemporânea, a intervenção na realidade foi uma demonstração prática da
pixação dentro do campo acadêmico, e para isso ser legitimo ele não comunicou a
64
Texto de apresentação do coletivo PICHAÇÃO SP, por Choque Photos, Cripta Djan e Rafael Pixobomb, para
a 29ª. Bienal de São Paulo, 2010.
65
O artista Alex Vallauri, precursor do movimento do grafite no Brasil, teve participações nas Bienais de São
Paulo, nos anos de 1971,1981 e 1985.
51
faculdade por que a pixação não demanda de autorização, o resultado disso, ele foi
expulso e reprovado.
Daí nos fomos adiante, o Rafael como o mentor intelectual e eu como líder nas
ações, o Rafael precisava de mim por causa da minha influencia com grande parte
dos pixadores aqui em SP, nessa primeira intervenção nos fizemos um comunicado
e soltamos no Point (ponto de encontro semanal de pixadores), o comunicado
convidava a todos para ser unirem em prol da pixação como movimento, foi a
primeira vez depois de muito tempo que os pixadores se uniram em prol apenas da
pixação, sem disputas de ego, todos pela pixação, foi um grito existencial dentro do
meio acadêmico renomado da arte contemporânea, e o mais positivo de tudo foi a
rejeição da instituição, que não se mostrou aberta para a discussão, e acabou
reprovando o TCC mais legitimo da historia da instituição.(...) Rafael fez o
caminho inverso no mundo das artes, passou do realismo para o graffiti
e consequentemente para a pixação, hoje em dia ele só pixa.66
Depois da Belas Artes e toda repercussão na mídia aqui de SP, veio a intervenção
na galaria Choque Cultural, tudo começou por causa de um debate em um
programa de TV chamado MTV debate, que o Lobão apresentava no canal MTV. O
tema do debate era sobre a pixação, e por incrível que pareça não tinha nenhum
representante legitimo nosso lá, formando a mesa de debate havia um representante
da Belas Artes, um policial, um advogado, e o Curador da Choque Cultural (Baixo
Ribeiro) com um de seus artistas da galeria conhecido por Zezão, no programa
Zezão se passou por pixador o que nos revoltou muito, já que ele não passa de um
charlatão do pixo. Zezão representa justamente o oposto do Rafael, um cara que
paga de pixador que evoluiu pro graffiti e consequentemente para as Artes
plásticas. Mas o que realmente ocasionou o ataque na galeria foi a declaração de
Baixo Ribeiro dizendo que a galeria Choque Cultural era a única representante da
66
Transcrevemos na íntegra o texto enviado pelo entrevistado.
52
arte de Rua no Brasil, e que eles não tinham preconceito com nenhum tipo de
expressão urbana, foi daí que tivemos a ideia de fazer a intervenção na galeria, no
mesmo contexto da Belas Artes. Fizemos o comunicado e entregamos no Point,
depois da intervenção a galeria deu queixa crime e fechou as portas para remover
as pixações, mostrando que a pixação só é legal no muro dos outros.
No mesmo ano aconteceria a 28º edição da Bienal, na época um pouco antes da
abertura da Bienal o curador Ivo Mesquita declarou no Jornal Nacional que a
Bienal daquele ano estava aberta para intervenções urbanas, dai pronto, nos
sentimos convidados rsrsrs, mas antes da intervenção na Bienal ainda
atropelamos vários painéis de graffiti autorizados e financiados, fizemos essas
intervenções como uma cobrança da postura marginal do graffiti que se perdeu nas
ruas (...).
Fizemos essas intervenções dois dias antes do ataque na Bienal, pra tudo vir à tona
na mídia de uma só vez. Pra piorar as coisas nosso ataque a Bienal vazou
na imprensa antes mesmo de acontecer, a própria curadoria declarou numa coletiva
de imprensa que estavam sabendo da nossa intenção de pixar a Bienal,
e já começaram a se contradizer antes mesmo que a intervenção acontecesse,
deixando bem claro que nossa intervenção não seria aceita.
Mesmo com a segurança reforçada e toda repercussão fizemos o ataque, que
acabou com a prisão de uma integrante do nosso grupo a Caroline Piveta da Motta
67
(Sustos Carol) , no começo achamos que a Carol seria liberada rapidamente,
como é comum na pixação, depois da ocorrência somos liberados, mas os dias
começaram a passar e nada da Carol ser liberada.
Figura 2.9.: “Ataque à 28ª. Bienal de SãoPaulo, 2008”. Fonte: Foto de Choque/Folha
Imagem/Folhapress, disponível em: www.veja.abril.com.br,
Acesso em: 28/05/2012
67
Caroline foi presa com base na Lei de Crimes Ambientais, nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, “Seção IV -
Dos Crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural; Artigo 62 - Destruir, inutilizar ou
deteriorar: I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial; II - arquivo, registro,
museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão
judicial: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. Parágrafo único - Se o crime for culposo, a pena é de seis
meses a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.” (Fonte:
<http://www.ibama.gov.br/leiambiental/home.htm#sec4> Acesso em: 21 Mai. 2012).
53
Com um mês presa na penitencial feminina de Santana nós começamos a fazer
intervenções pela cidade pedindo a liberdade da Carol, sempre acompanhados por
um veiculo da imprensa. Daí o caso começou a ganhar repercussão nacional, e foi
assim que conseguimos o apoio politico de dois ministros, Paulo Vanuchi dos
Diretos Humanos e Juca Ferreira da Cultura, Paulo declarou no parlamento dos
direitos humanos que era um absurdo a Carol estar presa por 50 dias por pixar
uma parede branca, em quanto Daniel Dantas banqueiro que roubou milhões dos
cofres públicos só havia passado somente dois dias na cadeia, já Juca fez um texto
defendo nossa intervenção na Bienal como algo legitimo e que estava dentro da
proposta do evento.
Depois disso o caso ganhou forte repercussão nacional, e depois de 54 dias presa e
com quatro habeas corpos negados conseguimos libertar a Carol. Mas até hoje ela
esta condenada a quatro anos de cadeia pelo Estado de São Paulo, e estamos
recorrendo em liberdade, se perdemos os próximos dois recursos que ainda restam
ela vai para a cadeia. Na real esse foi o preço por escrever na Bienal "FORA
SERRA" e "ABAIXO A DITADURA"
CD: Após Carol ser libertada fomos procurados por um dos assessores do ministro
de Cultura, o ministro queria entender qual era o motivo da série e intervenções que
nós vínhamos fazendo. Explicamos que as intervenções eram uma defesa da pixação
como parte da cultura Brasileira dentro do circuito artístico que sempre ignorou
nossa existência. O ministro achou legitima nossa defesa e dois anos depois a
pedido dele fomos convidados a participar da Bienal.
Procuramos uma maneira de participar na Bienal sem nos submetermos à eles, por
isso decidimos que nossa participação seria apenas através de fotos, vídeos, e
coleções de assinaturas de pixadores desde os anos 1980 até hoje, dessa forma
nossa participação foi apenas documental.
Além disso, escolhemos representar a pixação de uma forma coletiva, por isso
decidimos que o nome que seria apresentado na lista dos artistas seria PIXAÇÃO
SP, nosso trabalho lá dentro foi apenas uma representação coletiva da pixação
como um todo.
54
Com base em suas entrevistas na época, o que você quis dizer com “Entramos pela
porta da frente”? Como você vê sua participação em uma instituição que foi alvo de
intervenção ou “ataque”?
CD: Por que dessa vez a pixação estava integrada como parte da mostra, pra você
ter uma noção na festa de vernissage nos recebemos 100 convites, assim todos os
pixadores que participaram das intervenções nos anos anteriores poderiam entrar
no evento pela porta da frente, nos conseguimos promover uma inclusão social em
um evento que é feito com dinheiro publico e que sempre foi dominado pela elite.
Nossa presença causou claramente desconforto nos outros artistas, e todos tiveram
que nos engolir.
Mesmo incluído na mostra eu fiz questão de pixar a obra de Nuno Ramos no dia da
abertura pra mostrar que nosso papel vai ser sempre o de questionar os limites
impostos pelas instituições artísticas, mostrando que nós não estamos buscando um
espaço de conforto dentro do circuito, na realidade tudo que fizemos foi uma
demonstração de potência transgressora dentro do campo institucional. Esse é o
nosso papel, por isso aceitamos participar.
(Entrevista a autora via e-mail, em: 16 mai. 2012).
Figura 2.11.: “Obra de Nuno Ramos pichada”, Bienal de São Paulo, 2010.
Fonte: Foto de CHOQUE PHOTOS, disponível em: www.facebook.com. Djan Ivson Cripta, acesso
em: 28/05/2012.
55
Figura 2.12.: “Foto de apresentação do coletivo PICHAÇÃO SP, site oficial da Bienal”, na foto,
“SURRA rudá, SEM MEDO juca, COMA wil”, 2010. Fonte: Foto de Choque Photos, disponível em:
www.bienal.org.br, acesso em: 29/05/2012.
Durante o período em que a Bienal esteve aberta travou-se um debate acalorado entre
Acreditamos que a negação da pichação enquanto arte se deve muito mais pelo seu
intervenção invasiva -, do que por sua estética, ou seja, pelos signos gráficos e desenhos que a
na polêmica gerada a partir da intervenção na obra do artista Nuno Ramos, CRIPTA DJAN
56
2.6. Escrita Urbana
urbana transformando suas fachadas, reconstruindo-as em uma segunda pele que se forma,
descartando a informação de origem. Foi assim que surgiram as escritas de rua, inspiradas na
verticalidade da cidade de São Paulo, reforçadas pelos “picos” e pelas “escaladas” que ao
mesmo tempo desenvolveram uma maneira particular de interferir nos espaços verticais dos
prédios da cidade.
68
Segundo CANCLINI, as culturas populares se inserem nas categorias de pares de oposições convencionais
(subalterno/hegemônico, tradicional/moderno) usados para falar do popular (2006:283).
57
Figura 2.13.: “CRIPTA DJAN - Bombardeio em SP”, Centro de São Paulo, 2003. Fonte: Foto do
autor, disponível em: www.facebook.com. Djan Ivson Cripta, acesso em: 29/05/2012.
Não são poucos os que atravessam a cidade deixando suas inscrições adesivadas ao
longo das superfícies da arquitetura urbana. Colam-se às laterais dos edifícios, em seus tetos,
sacadas e janelas, agindo à maneira dos super-heróis, sem nenhuma rede de proteção, cordas
Perguntamos a CRIPTA DJAN como ele chegou a seu estilo, a sua maneira de criar,
CD: Todo pixador tem um estilo próprio que se desenvolve com a pratica continua
da pixação, por mais que ele se inspire em algum estilo de letras de outros
pixadores com o tempo ele acaba criando sua própria identidade, esse processo de
ter uma identidade própria faz parte do processo de visibilidade na paisagem
urbana da cidade, quanto mais diferente, mais fácil de destacar, cada pixador tem a
liberdade para criar sua letra da forma que quiser. Na realidade existem centenas
de alfabetos da pixação, pode se dizer que há um alfabeto por pixador.
58
No caso da CRIPTA nossa letra é uma das mais modernas e inovadora da pixação
paulista. Por muito tempo muitos pixadores não sabiam o seu significado, o estilo
de letras do CRIPTA foi influenciado em seu inicio por pixadores de um município
vizinho de onde morávamos aqui na zona oeste, mas a partir de 1998 CBR o criador
do CRIPTA e de nossa letra padrão voltou de uma viagem do nordeste com uma
letra totalmente inovadora. Segundo CBR ele se inspirou em alguns pixos que viu
por lá, essa influencia se misturou com seu estilo e acabou criando algo totalmente
novo e único na pixação, esse também é um fator que ajuda a destacar mais e mais
nosso pixo na disputa visual da paisagem da cidade.
(Entrevista a autora, via e-mail, em: 24 jan. 2011).
Figura 2.15.: “CRIPTA - RAFAEL - REAIS – ROMERO - Bombardeio em SP”, Centro de São Paulo,
2003. Fonte: Foto do autor, disponível em: www.facebook.com. Djan Ivson Cripta, acesso em:
29/05/2012.
Figura 2.16.: “BARUERI, Z/O, SP 2004”. Fonte: Foto do autor, disponível em: www.facebook.com.
Djan Ivson Cripta, acesso em: 29/05/2012.
59
3° Capítulo
60
3.1. Graffiti Made in Brasil
pichação foram se afirmando, desde o final da década de 1970, enquanto gênero de arte
espaço público, primeiramente por pichações, seguidas do grafite e de uma versão híbrida que
fundiu essas duas vertentes intitulada ‘grapixo’, permitiu o desenvolvimento dos diversos
vieses da arte de rua, não só em relação aos estilos das inscrições e pinturas, como na
pela via do hip hop. Ao longo do tempo foi se abrasileirando, fundindo-se com outras formas
vertentes que tiveram como base o “estilo americano”, com letras e frases excessivamente
coloridas, à base de tinta spray (spray art), demonstrando primorosa técnica (GITAHY,
primeiro momento o grafite brasileiro se apresenta mais próximo do modo francês de intervir
61
em espaços públicos, com a utilização de máscaras largamente utilizadas pela primeira
Paulo. Segundo Knauss, Haring e Basquiat chegaram ao grafite como criação artística
Kassel, sendo que a influência de Haring foi mais forte no Brasil, principalmente por haver
participado da Bienal de São Paulo, em 1983, e devido às constantes visitas ao país quando
costumava deixar registrados seus grafites na cidade. Gitahy observa que “vivendo no Times
Square, Haring observou e descobriu no metrô grandes painéis negros vazios (...). Optou
pelo giz branco e começou a fazer seus desenhos”, com figuras simplificadas aliadas a
padrões labirínticos (1999:37). Por sua vez, Jean-Michel Basquiat começou, em 1977,
intervindo nas ruas de Nova York, em parceria com Al Diaz, onde costumavam bombardear a
tag SAMO©70 em frases curtas de caráter poético e sarcástico e com a colaboração de alguns
amigos. Mais tarde, Basquiat, partindo para a carreira solo, utilizou por algum tempo a mesma
69
Gitahy observa que “o estilo americano começou realmente a ser realizado em grande escala em 1989, com
OS GÊMEOS (Gustavo e Otávio), SPETO, BINHO, TINHO e, ainda, o excelente grupo AEROSOL, que se
destacam entre outros.” (1999:47).
70
Pronuncia-se Same-Oh.
62
marca em desenhos e pinturas sobre tela e papel, sendo que em 1980 pôs um fim a sua
trajetória marginal grafitando pela cidade a frase: SAMO IS DEAD (SAMO está morto).
Figura 3.1.: Keith Haring grafitando no metrô de Nova York, anos 1970. Fonte: disponível em:
www.seismarias.com.br, acesso em: 26/05/2012.
Gitahy lista alguns artistas franceses que atuaram com o grafite parisiense desde 1981
(fazendo uso de cores fortes e fluorescentes) ou mesmo criadores da pop art).” Dentre esses
estão Blek Leraque, que “ficou famoso por suas figuras de homens e mulheres em tamanho
natural”, e Epsin Point, que “preferiu os heróis de histórias em quadrinhos (HO), como He
Man e o bárbaro Conan”, ambos com formação em belas-artes; além de Marie Rouffet, “que
63
Figura 3.2.: “Marie Rouffet”. Fonte: Foto de autor desconhecido, disponível em: www.theredlist.fr,
acesso em: 01/06/2012.
São Paulo, seguida do Rio de Janeiro, onde, não por acaso, os artistas se identificaram com a
Foi assim que, na década de 1970, em São Paulo, Alex Vallauri71 emergia como um
dos primeiros artistas a se expressar no espaço urbano por meio da técnica do ‘serigrafite’ ou
estêncil 72.
71
Alex Vallauri é de origem ítalo-etíope e chegou ao Brasil vindo de Buenos Aires, em 1964. Formou-se em
Comunicação Visual na Faap, onde também lecionou. Morreu em 27 de março de 1987. Em sua memória
comemora-se, nessa data, o Dia Nacional do Grafite no Brasil.
72
Estêncil (do inglês stencil) ou “pochoir” (em francês) consiste em uma técnica de molde vasado que pode ser
utilizada para impressão de desenhos, ilustrações, números, letras, símbolo tipográfico ou qualquer outra forma
ou imagem figurativa ou abstrata. A imagem é delineada por corte ou perfuração em papel, papelão, metal ou
outros materiais. O estêncil obtido é usado para imprimir imagens sobre inúmeras superfícies.
64
Vallauri imprimia seus serigrafites com uso da tinta aerossol. Tornou-se conhecido
espalhando pelos muros e postes da cidade imagens de uma botinha preta de salto agulha. É
considerado o principal precursor do grafite paulista. Apesar de ter livre trânsito no circuito
latina recheados de humor e sagacidade, fazem parte do stencil grafite de Vallauri, que
incorporou novas técnicas e materiais às suas intervenções, como, por exemplo, o rolinho de
espuma e a tinta látex. Seus grafites estiveram presentes em diversas exposições dentro e fora
do Brasil, na Galeria Alain Belau, em Nova York (1982), na Pinacoteca do Estado de São
Paulo (1981) e na Bienal Internacional de São Paulo, em 1971, 1977, 1981 e em 1985, quando
curadora da 18ª. Bienal Internacional de São Paulo, de 1985, comenta em seu texto de
apresentação: “Há a explosão inconformada da própria tela, que nega a parede, o muro, a
65
instituição, e cujos fragmentos grudam-se fortuitamente por toda parte estampando imagens.
Mas persistem também as instalações, a pintura mural (graffiti etc.)” (2006:340), integrando
O mercado aberto para o consumo dessa estética permitiu que suas obras deixassem o
suporte das ruas (muros e paredes) e fossem reproduzidas em outros meios, como bottons e
Na esteira do stencil grafite de Vallauri, surgiram outros artistas que também usaram o
espaço das ruas como campo de intervenção e realização artística, como Maurício Villaça (já
falecido), Carlos Matuck, Waldemar Zaidler, Hudinilson Jr73, Ozéas Duarte, Jorge Tavares e
John Howard fugiu à regra do uso do stencil grafite, sendo pioneiro na execução de
grandes grafites, à maneira dos outdoors, que representavam figuras e cenas de cores fortes e
vibrantes, pintadas à mão livre com tintas látex e spray. De origem norte-americana, também
influenciou outros artistas que aderiram ao grafite pictórico, como Rui Amaral, integrante do
73
Hudinilson Jr. foi aluno da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado) e integrou o grupo 3nós3,
realizando intervenções em espaços públicos desde o final da década de 1970.
66
grupo Tupinãodá, juntamente com Zé Carratu, Jaime Prades, Carlos Delfino e Ciro
Cozzolino74.
da Avenida Paulista, junto à Rua da Consolação, conhecido como “Buraco da Paulista”, que
possibilitava uma amplitude na execução das pinturas ao mesmo tempo em que atingia o
74
Ciro Cozzoino integrou o grupo TupiNãoDá, em 1981, ao retornar da França, onde estudou artes plásticas, e
grafitou pela cidade, principalmente no metrô (GITAHY, C. 1999).
67
Figura 3.6.: “grupo TupyNãoDá”, Buraco da Paulista, S.P. Fonte: disponível em:
www.fotolog.com.br/rui_amaral, acesso em: 01/06/2012
que aprofundava as formas e figuras herdadas de suas experiências nas ruas com o estêncil. O
resultado desse trabalho foi exposto em galerias do Rio de Janeiro e em São Paulo.
Zaidler adotaram outros suportes mais convencionais devido à complexidade das obras que
68
exigiam um tempo maior em sua elaboração, tais como telas e painéis para espaços internos.
De modo que, após algum tempo, abandonaram o cenário urbano, concentrando suas
Outras influências são sentidas no grafite paulista, ao longo dos anos 1990, uma delas
veio através de Barry MacGee, artista do grafite norte-americano que visitou o Brasil e que,
segundo Manco, irá influenciar muitos artistas brasileiros, principalmente pelo fato de ter
viajado pelo país e extraído referências da cultura nacional como inspiração para seu trabalho.
A abertura que ocorreu nessa década permitiu uma troca maior entre as produções nacionais e
Ainda assim, havia artistas pichadores que se mantinham em uma vertente desviante e
marginal. Gitahy comenta que “dentre os principais artistas de rua, geração 1980 do graffiti,
houve um, que além de assinar sua obra, passou a deixar também o número de seu telefone.
69
Era Ivan Sudbreck, que ficou conhecido como aquele das caras redondas (...)” (1999:23).
Ivan tinha por hábito assinar suas pichações e, além disso, incluir a frase “Associação
Paulista de Graffiti e Pichação”, que, de fato, não existia. Apesar de tudo, Sudbreck
costumava receber grupos de até 40 jovens adolescentes em sua casa, com a finalidade de
como uma expressão da delinquência juvenil, principalmente “pelo hábito de furtar latas de
tinta e pela organização em gangues, recobrindo o grafite com uma ordem de valores
militantes do mal”, de modo que aqueles que fazem dessas intervenções uma forma de
expressão são tratados como uma ameaça à sociedade. Para o autor, “(...) esse tratamento, que
primórdios nos anos 70, mas consagra-se ao longo dos anos 80 no século XX” (2001:345).
intervenções de rua na cidade do Rio de Janeiro desde o final da década de 1970. Apresentada
na mídia como uma expressão de vândalos, mendigos, traficantes de drogas e marginais que
sujavam a cidade, dia a dia se espalhava dos bairros da zona sul às regiões do centro da cidade
70
Tão misterioso como o grafite de “Taki 183” em Nova
York, as frases que se espalharam pela cidade do Rio de Janeiro no final da década de
1970 despertaram o interesse do público em saber qual o seu significado e quem estaria por
detrás desse enigma. O mistério em torno do assunto foi desvelado quando seu autor, Carlos
Alberto Teixeira (na época com 17 anos), veio a público relatar a origem de Celacanto.
Segundo Teixeira, “tudo passa pelo seriado chamado National Kid, exibido na década de 60,
propaganda dos produtos National, que depois virou Panasonic. Um dos episódios era sobre
2012).
outras frases surgiram provocativamente, como Lerfá Mú75, instaurando uma batalha nos
Figura 3.8.: Desenho pichado na cidade do Rio de Janeiro. Fonte: www.catalisando.com, visitado em
21/05/2012.
75
Nossas pesquisam indicam que Guilherme Jardim e Rogério Fornari eram os autores de Lerfá Mú.
71
Teixeira foi um dos primeiros pichadores a fazer uso da estratégia do bombing,
recrutando e treinando amigos para espalhar a frase pelos muros e paredes nos bairros da
cidade, admitindo que sozinho não poderia realizar tantas intervenções em vários locais ao
mesmo tempo. Foi a partir desse sistema que houve a expansão da marca, alcançando grande
É nesse momento que se instaura o debate em torno desses dois vieses do grafite: de
um lado o formato desviante e marginal das pichações, e do outro, artístico pictórico dos
grafites murais. O debate em torno do assunto se deve ao atravessamento dos limites da livre
expressão marginal que vinha das ruas para o circuito fechado do mundo da arte.
Em 1984, a convite da galeria Thomas Cohn Arte Contemporânea (uma das mais
importantes do cenário da arte carioca), o grafite paulista aportava pela primeira vez na cidade
trazendo interferências e obras dos artistas Carlos Matuck e Waldemar Zaidler.76 A galeria
Thomas Cohn também esteve à frente na promoção de artistas internacionais do grafite, como
Kenny Scharff e Keith Haring (1986). Em 1988, foi a vez de o grupo Tupinãodá realizar
347).
Ao mesmo tempo em que crescia o movimento do grafite nas ruas de São Paulo,
durante a década de 1980 muitos artistas que integravam o circuito das galerias e museus
também entraram na disputa pelos espaços públicos, através de projetos curatoriais sob o
76
Em entrevista ao Jornal do Brasil, o galerista Thomas Cohn afirma que “De certa forma o grafite, dentro da
galeria, perde um pouco da espontaneidade, que é um dos elementos do muralismo – diz Thomas Cohn – mas
também tem seu valor, porque o trabalho na galeria é basicamente de informação” (FIGUEIREDO, C. 1983).
72
patrocínio das instituições e empresas privadas. Como, por exemplo, o projeto “Arte nas
Ruas” (1983) que contou com o patrocínio das indústrias Bonfiglioli e da Central de Out-
Doors, sob a coordenação da crítica de arte e então diretora do Museu de Arte Contemporânea
Figura 3.9.: “Arte nas Ruas, obra de Cláudio Tozzi”, 1983. Fonte: Foto de Sérgio Moraes, disponível
em: www.veja.abril.com.br/acervodigital, Veja, 26/10/1983, pg. 82, acesso em: 30/05/2012.
direção de Marcus Lontra, expôs um conjunto de pinturas dispostas ao longo de seu muro,
principais artistas que compunham o cenário da arte carioca, como Jorge Guinle Filho, Beatriz
Milhazes e Chico Cunha, integrantes da famosa Geração 80, que despontava no circuito das
artes e expunha suas pinturas ao lado dos já renomados Rubens Guerchman e Ana Bella
Geiger79.
Com o apoio da iniciativa privada também surgiram projetos de painéis externos, com
77
Cláudio Tozzi, Luíz Áquila e Siron Franco estavam entre os artistas convidados.
78
A Escola de Artes Visuais do Parque Lage está situada na Rua Jardim Botânico, n° 414, Rio de Janeiro.
79
Atualmente observamos que nesse local se concentra um grande quantitativo de grafites pictóricos instalados
nos muros das instituições que margeiam a Rua Jardim Botânico, desde o início até o final.
73
muros e paredes dos edifícios da cidade. Eram iniciativas que faziam parte de uma estratégia
de marketing para atrair o público através da arte, possibilitando grande visibilidade a baixo
custo, principalmente por estarem localizadas em regiões de grande fluxo urbano, como o
Centro do Rio.
Figura 3.10.: “Pinturas nos muros do Parque Lage”, 1985. Fonte: foto de Fernando Pimentel,
disponível em: www.veja.abril.com.br/acervodigital, Veja, 02/01/1985, pg. 81, acesso em:
30/05/2012.
Diferentemente dos Outdoors do projeto “Arte nas Ruas”, em São Paulo, e das telas a
céu aberto do Parque Lage, no Rio, onde os artistas realizaram obras baseadas em sua própria
empresas e bancos visavam criar uma “boa” imagem pública, promovendo suas marcas
através da encomenda de pinturas com ênfase na representação de cenas e temas que em sua
da imaginação’, segundo a fórmula de um dos artistas. Mas justamente aí é que está o seu
limite. Eles jogam com a arquitetura, mas sem quebrar a regra do jogo.” (2002:321).
74
Figura 3.11.: “Painel de Ivan Freitas” pintado ao lado da Escola Nacional de Música no centro do Rio
de Janeiro, 1984. Fonte: Foto de Oscar Cabral, disponível em:
www.veja.abril.com.br/acervodigital, Veja, 09/03/1994, pág. 80, acesso em: 30/05/2012.
final dos anos 1990. Existe um consenso de que os primeiros grandes grafites pictóricos
surgiram na zona portuária da cidade, executados pelos grafiteiros Fábio EMA, Marcelo ECO
e AKUMA, todos oriundos de São Gonçalo. Em entrevista, ECO (05/06/12), que há 16 anos
vem trabalhando com a estética do grafite, nos revelou como começou esse movimento.
Tem 16 anos que eu faço grafite. Na época não existia grafiteiro, só quem pintava
era eu o EMA (Fábio) e depois veio o AKUMA, que são de São Gonçalo. Logo
depois vieram outros como SCRAU (Rio de Janeiro). O grafite se desenvolveu todo
em São Gonçalo. O pessoal das antigas começou na pichação mesmo. Eu iniciei nas
ruas, e nas pichações, que também eram desenhos.
Mas, você começou a grafitar, foi a partir do movimento hip hop? Teve alguma influência?
ME: Nessa época o hip hop estava começando no Rio de Janeiro. Nós nos
reuníamos na Lapa em um evento chamado “Zoeira” produzido pela Elza Cohen.
Logo depois que a prefeitura fechou o Circo Voador esse evento funcionou em uma
sinuca na Rua do Riachuelo, mas era uma iniciativa autônoma. Nesses eventos eu
fazia os grafites que era um dos elementos do hip hop.... éramos periféricos,
75
ninguém tinha formação nem faculdade, mas nós sabíamos desenhar...não tivemos
professores, na verdade nós é que começamos a ensinar o grafite. Logo depois
abrimos um espaço, uma casa onde formamos um atelier...e atrás tinha uma linha
de trem, na entrada de Trindade, e nesse espaço era onde concentrávamos vários de
nossos desenhos...as pessoas consideravam o Brooklyn do Rio de Janeiro pela
quantidade de grafites.
ME: A área do cais do porto foi a primeira. Por ser o local por onde transitava
várias pessoas, isso por volta de 1995/96. Atualmente existem muitos grupos que
grafitam como profissão, mas poucos se destacam. Tudo veio desse movimento de
periferia. A partir de 1998 surgiram mais grupos a partir dos eventos no “Zoeira”
com influência (do hip hop) como o Nação Crew, Flesh Back Crew. Foi quando o
pessoal da zona sul de classe média alta se interessou pelo grafite... (Entrevista a
autora em: 05 de jun. 2012).
apresentam uma temática diversificada, expressando cenas e figuras em grande escala, com
cores fortes, que tomam os grandes paredões, ladeando as vias próximas aos viadutos, túneis,
passagens e demais áreas das pequenas e grandes cidades brasileiras. Denys Riout80 nomeou
esse estilo de Picture Graffiti devido à sua forte influência pictórica: “São figurativos e estão
mais próximos das artes plásticas do que da escrita (traçado de letras da pichação)”
muralismos mexicanos. O caráter monumental dessas pinturas, com temáticas que exploram
um viés social, são alguns dos pontos em comum entre os grafites expostos por alguns grupos
que integram a cultura hip hop no Rio de Janeiro e as grandes pinturas de caráter realista dos
artistas mexicanos José Clemente Orozco, Diego Rivera e Davi Alfaro Siqueiros, cuja
intenção foi estabelecer um vínculo com as raízes da arte civil pré-colombiana na realização
80
Denys Riout é professor de História da Arte, na Université Paris-Sorbonne, e autor do Le Livre du Graffiti,
Éditions Alternatives, 1985 - 139 p.
76
Figura 3.12: “grafite Marcelo ECO”, São Gonçalo, 2005. Fonte: foto de Marcelo ECO,
disponível em: www.flickr.com/photos/marceloeco, acesso em: 05/06/2012
anos 1970, pela artista Judith F. Baca que fez uso da intervenção mural intitulada “Mi
Abuelita”, em uma área da cidade de Los Angeles onde aconteciam conflitos entre os jovens
de gangs rivais. Suzanne Lacy, em seu ensaio “Mapping the Terrain: New Genre Public
Art”, observa que a arte interativa proposta por Baca funciona como uma forma de
conflituosa, lutando para fundir suas habilidades artísticas (a partir da estética desenvolvida
nas escolas de arte) com a estética da cultura do local. Suas heranças étnicas abriram um canal
77
projetos de ações educativas que buscavam resgatar e valorizar as identidades desses
habitantes.
continuam acontecendo inúmeros conflitos nos bolsões de pobreza que se formaram nas
periferias de suas grandes cidades. De forma a contribuir para minimizar esses efeitos, alguns
inicialmente em São Paulo e, a partir da década de 1990, no Rio de Janeiro. Observa-se que
no final da década de 1980 e início de 1990, à medida que o grafite ganhava força e
reconhecimento em São Paulo, os artistas buscaram orientar suas produções em grafite mais
próximas das práticas artísticas institucionais, inclusive na oferta de cursos e oficinas, como
um movimento que visava divulgar a prática de um grafite de caráter mais artístico e que se
contrapunha à onda crescente da pichação entre os jovens nos grandes centros urbanos.
promover oficinas e cursos, segundo ECO, partiu dos próprios grafiteiros, juntamente com a
iniciativa privada. Com o tempo, na medida em que o grafite alcança as mídias, cresce o
78
interesse das instituições para a formatação de projetos com esse viés. Nota-se que, a partir
dessas iniciativas, “o grafite passou a ser usado pelo estado e a sociedade como
grafite em projetos que objetivam sanear áreas onde o poder público não consegue penetrar. A
mediação, com metodologia de ensino, permite a ida do grafite a essas comunidades, visando
despertar o interesse para a arte no sentido de promover a saída desses jovens da pichação,
Nova York, Toronto, Rio de Janeiro, São Paulo, Londres, Bruxelas, Berlim, Budapeste,
Moscou, Tóquio... E muitas outras urbes veem suas paredes diariamente pintadas por jovens
São Gonçalo, Rio de Janeiro, o qual considera que a prática do grafite é apreciada pelas
do meio urbano”. Não obstante, ressalta que a prática ainda continua sendo “confundida como
pichação” por uma boa parcela da população. Através de intervenções, o grafite desempenhou
o papel de mediador com jovens do Morro do Palácio, do Estado, Sabão, do Cavalão e nas
(2010:83).
inúmeros projetos na cidade, com foco em ações sociais através do ensino do grafite.
Podemos citar o projeto em escolas públicas “Tostão por Tostão” (2009/2010), que foi
estruturado “a fim de atender aos jovens das comunidades carentes dos morros do Falet,
Fogueteiro e Prazeres. Foi montada na escola pública Monteiros de Carvalho uma sala de
81
A autora vem desenvolvendo pesquisas sobre o grafite como mediador social nos diferentes quadros urbanos,
através do Programa Internacional de Doutoramento em Antropologia Urbana, vinculado ao Centro de
Investigação e Estudos de Sociologia – CIES/ISCTE.
79
aula que tem como objetivo passar técnicas de desenho e graffiti para que o jovem se
Graffiti”, na Fundição Progresso, na Lapa, que visa, através da arte do grafite, dispersar as
tensões entre os jovens de facções rivais que habitam as áreas de vulnerabilidade social; a
“Escola de Arte do Morro da Mangueira”, além da “Oficina de Arte para Jovens Presidiários”,
no subúrbio do Rio.
Figuras 3.13 e 3.14: “Método de Ensino do Grafite e Sala de Aula”, Fábio EMA, 2010. Fonte: fotos
Fábio EMA, disponível em: www.flickr.com/photos/ Fabio Ema, acesso em: 08/06/2012.
82
Sic.
80
Outro exemplo de projetos com essa finalidade, com financiamento de governo
municipal, fez parte da trajetória de CRIPTA Djan, que nos relatou sua experiência:
DAVI e DEE83, do grupo MÁFIA 44, de Niterói, declararam ter aprendido algumas
de uma oficina ministrada pelo grafiteiro ACME, um dos precursores do grafite. As oficinas
promovidas pelo Museu de Arte Contemporânea de Niterói têm como objetivo trabalhar com
83
DAVI e DEE são os fundadores e integrantes do grupo MÁFIA 44.
84
“Oficina de Graffiti: Arte no Muro”.
81
Os grafiteiros contam que, apesar de não pertencerem à comunidade do morro,
desfrutaram dos benefícios do projeto que oferecia farto material para a prática do grafite.
Esse workshop certamente ajudou no aperfeiçoamento de seus grafites, contudo, declaram que
Figura 3.15.: Oficina de grafite “Arte no Muro”, morro do Palácio, Niterói. Fonte: foto do projeto
“Arte e Ação Ambiental”, disponível em: http://modulodeacaocomunitaria.blogspot.com.br, acesso
em: 08/06/2012.
experientes agiam como professores para os novatos, colaborando para a difusão do grafite e
caso de DAVI que atualmente – estamos em 2012 – está concluindo o curso de Licenciatura em
Educação Artística, na UFRJ, trabalha como assistente da artista plástica Lucia Laguna e vem sendo
82
haver um grande interesse por parte dos grafiteiros em levar adiante a proposta do ensino do
grafite, existem alguns entraves que dificultam essas ações, como, por exemplo, o
desinteresse do governo em fomentar iniciativas com esse viés. Por outro lado, a iniciativa
privada geralmente preestabelece em seus projetos algumas metas que não estão em
conformidade com essas intervenções, tais como capacitação profissional e geração de renda.
complexo gigante, localizado no bairro, que fomenta projetos de inclusão em arte e cultura.
As atividades desenvolvidas por DAVI envolvem a realização de grafites para cobrir os muros
da fábrica que são normalmente pichados. O artista observa que “não adianta muito (...) a
pichação nunca vai acabar. As pessoas acham que o grafite vai resolver a pichação, mas não
vai, a pichação nunca vai ser resolvida” (Entrevista a autora, em 26 de fevereiro de 2012).
85
DAVI observa que o bairro Arsenal atualmente está se tornando muito violento.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São inúmeros os motivos que levam os jovens a se sentirem atraídos pelo grafite. Talvez
seja pelo prazer em pintar ao ar livre e se ver exposto, apreciado por todos os passantes. Isso
pode ser suficiente para que caravanas de adeptos carreguem mochilas e sacolas abarrotadas
com rolinhos de espuma, latas de tinta (látex e spray) de diferentes cores e marcas, pincéis,
blocos de desenhos, escadas e outros objetos utilizados na execução desses grafites que
tomam as grandes superfícies dos muros da arquitetura urbana. Muitas vezes são confundidos
com a arte de pinturas murais que saem das galerias e também circulam pela cidade. Mas seu
traço inconfundível e seu caráter marginal não deixam dúvidas quanto à sua natureza, que se
Figura: Grafite PAKATO e DAVI, Centro, Niterói. Fonte: foto MÁFIA 44, disponível em:
www.flick.com/photos/mafia44, acesso em: 25/05/2012.
pichações. A policromia das pinturas e as grandes áreas exigem uma diversidade de materiais
84
de maneira que o alto custo pode dificultar sua prática. Um dos meios para contornar esses
eventos (festivais, encontros, shows etc.) que, além de permitirem circulação e visibilidade de
Muitos grafiteiros se dividem entre a arte de rua e o trabalho formal, enquanto outros se
instituições. Como profissão, o grafite exige dedicação e investimento para que traga algum
pós-graduação) na área de artes. Já outros, preferem ter o grafite como hobby, para seus
momentos de lazer, quando participam das intervenções juntamente com os seus amigos e
outros grupos. O grafiteiro DAVI se inclui no primeiro caso. Relatou que durante algum tempo fazia
distinção entre a arte de rua e a arte da academia. Por fim, acabou entendendo que todas as duas formas de
86
expressão faziam parte do universo artístico. DEE, por sua vez, seguiu a segunda opção e no momento estuda
87
engenharia na UNIVERSO , em Niterói, e grafita com o grupo MÁFIA 44, por puro prazer.
Constatamos que os grafiteiros necessitam de tempo para realizar suas peças e que cada
intervenção é um acontecimento, um motivo para pintar juntos, comemorar algo ou, ainda,
para prestar uma homenagem a alguém. Os grafites em cidades como Rio de Janeiro, Niterói
e São Gonçalo surgem à luz do dia, mas nada impede que também sejam executados à noite.
Agindo sem disfarces, seguem divulgando suas ações na internet, em blogs e redes sociais, e,
uma vez nas ruas, não há como ficar invisível aos passantes, aos curiosos. Pintam em grupo e
86
Acredita-se que o grafite ainda não seja visto como uma forma de expressão artística. Abordaremos essa
questão mais à frente.
87
Universidade Salgado de Oliveira.
85
De maneira geral, a população se sente atraída pela pintura do grafite, a qual considera
uma expressão artística, possivelmente por constituir-se de pinturas que se expressam através
de cores vibrantes, com formas identificáveis, trazendo temas que retratam dramas sociais,
personalidades, pessoas comuns, por vezes paisagens ou ainda figuras retiradas dos gibis, dos
games, da TV e tudo mais que compõe um universo comum. Pode ser também pelo fato de os
área. Mas o fato é que hoje em dia as pessoas aceitam mais o grafite, inclusive outras formas
Figura: “Homenagem à Fellipe Fenix”, DAVI e GOABOY, Centro de São Gonçalo. Fonte: foto
MÁFIA 44, disponível em: www.facebook.com/mafia44, acesso em: 03/06/2012
De todo modo, não significa que essas intervenções tenham alcançado a plena aceitação
por parte da sociedade. Existem cidades brasileiras que encaram o grafite como contravenção
e investem na aplicação de multas à venda de tinta aos menores.88 Apesar das medidas
88
De acordo com a lei nº 12.408/11, sancionada pela Presidente Dilma Rousseff, no Art. 2o: “Fica proibida a
comercialização de tintas em embalagens do tipo aerossol em todo o território nacional a menores de 18
(dezoito) anos”.
86
repressivas, na prática nada mudou, continua-se comprando latas de spray em pequenas lojas
contravenção. A resposta foi sim, mas é mais aceito pela população devido ao aspecto bonito
e colorido dessas intervenções. Quanto à lei90, houve uma alteração abrindo um precedente
para a execução de grafites, desde que autorizados. 91 Ele nos relatou que pinta nas ruas desde
2007 e já foi interceptado pela polícia grafitando, mas que não teve maiores problemas. Pelo
menos com ele, a polícia sempre foi mais “educada”92 do que os seguranças particulares, “a
polícia já tem traficante, assassino e estuprador para prender, não tem porque implicar com
contribuíram para sua consolidação como um novo gênero de arte. Em um primeiro momento,
quando o movimento surge em Nova York pela via do hip hop, o apoio de intelectuais,
artistas e associações facilitaram o acesso ao circuito das galerias e museus, assim como a
contribuição das mídias trouxe um reconhecimento mais amplo que se refletiu no design e
89
Fizemos um teste comprando latas de tinta spray em uma rede de lojas de tintas no centro de Niterói, quando
nos foi exigida documentação para registro no sistema, em consonância com o Art. 3°, “O material citado no
art. 2o desta lei só poderá ser vendido a maiores de 18 (dezoito) anos, mediante apresentação de documento de
identidade. Parágrafo único. Toda nota fiscal lançada sobre a venda desse produto deve possuir identificação
do comprador”.
90
A lei supracitada.
91
Da lei supracitada, Art. 6°, § 2o “Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de
valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo
proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a
autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos
governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.”.
92
Grifos nossos.
87
Pautados em comportamentos desviantes e marginais, os dois vieses do grafite
São Paulo. Dia a dia nota-se a existência de um grande quantitativo de intervenções que se
apresentam de forma diferenciada em cada uma dessas cidades, mas que se tangenciam
quando funcionam como uma válvula de escape aos conflitos e às pressões sociais. De um
modo único e particular, a pichação em São Paulo vem se superando em graus de dificuldade.
limitações físicas e sociais, demonstrando aos nossos olhos atônitos que é possível criar,
apesar de tudo.
artistas que fizeram das ruas seu atelier e mediaram essa nova forma de intervenção urbana
aconteceu em Nova York, na década de 1970, a iniciativa de levar adiante esse movimento
partiu de jovens de periferia e de cidades próximas, como São Gonçalo. Formou-se uma
partir de encontros em eventos e prática nas ruas da cidade. Foi a partir daí que os grafiteiros
cariocas aderiram mais facilmente ao design e a projetos de ensino que garantiram uma
De modo que, devido ao particular apelo dessas expressões, nos foi possível constatar
que passaram a integrar a arquitetura urbana, presentes nesses dois grandes centros urbanos.
artística, os cartazes de propaganda com fins comerciais e outras manifestações que brigam
88
Cada vez mais, o cenário público vem canalizando os conflitos da cidade projetados
em interferências que expõem variadas intenções, que vão desde as excrescências das
89
APÊNDICES
90
Circuitos Locais - Galeria de Fotos
Percorrendo as áreas urbanas por entre os municípios de Niterói, São Gonçalo e Rio de
dessas cidades, que se destacam em meio às muitas que disputam os espaços do cenário
urbano. Movidos por essa atração e pelo apelo visual que tais intervenções nos despertavam,
fotografias com o resultado de imagens colhidas ao longo desses dois anos de nossa pesquisa
de campo. São grafites e pichações capturados nas ruas, avenidas e transportes públicos, nos
prédios, casas e edifícios, grapixos, grafites do grupo MÁFIA 44, grafite DAVI, evento hip
91
92
93
94
95
96
97
98
99
100
101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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