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A IMAGINAGÁO HISTÓRICA DA SOCIOLOGIAl

The theory ol systems by Nildas Luhmalln 123


Caroline Morais Kunzler Theda SKOCPOL2
Richard MISKOLCP
The stray reaSOll alld the llew manifestatiolls
ol the criminal isslle 137
Fernando Tenório Tagle

Decentralizatioll, decisive process alld the local pllblic policies ... 151 "Toda ciencia social, oumclhor, todo cstudo social rcconhecido, rcquer uma
Maria Teresa Miceli Kerbauy cxtensao histórica de concepc,;ao e um uso completo de materiais históricos."
C. Wright Milis (1959, p.145)
DOSSIE OCT Á VIO IANNI
The llllversity that Ilever lades 167 De uma forma básica, a sociologia sempre foi uma empreita fundada e orien-
Marco Aurélio Nogueira tada historicamente. Como comentadores sábios apontaram várias vezes, todas as
ciencias sociais, e especialmente a sociologia, originalmente foram esfon;os para
A gifted inteliectllal 169 alcan~ar as raÍzes e os efeitos sem precedentes da comercializa~¡¡o e industrializa~ao
Maria Anrunda do Nascimento Arruda capitalista na Europa. O que levou ao dinamismo especial da Europa em rela~ao a
outras civiliza~5es e de algumas partes da Europa comparadas entre si? Como desi-
gualdades políticas, conflitos políticos, valores morais e vidas humanas foram afeta-
Ethical and illtellectual relerence 173
dos pelas mudancyassem precedentes na vida econ6mica? Sociedades capitalistas
Élide Rugai Bastos industriais fragmentar-se-iam ou gcrarial11navas formas de solidaricdade e satis fa-
<,:aopara seus membros? Como as mudan~as procederiam no resto do mundo sob o
REVIEWS impacto da expansao européia? As maiores obras daqueles que viriam a ser conside-
Political eCOllomy 01 colonization 179 rados os fundadores da sociologia moderna, especialmente as de Karl Marx, Aléxis
Alexandre Macchione Saes de Tocqueville, Emile Durkheim e Max Weber, lidavam com tais quest6es.4 Em graus
variados, todas ofereciam conceitos e explica~5cs para serem utilizados em análises
realmente históricas das estruturas sociais e da mudan<,:asocial.
Sociall1l0Vel1lents and actors 185
Daniel Soczek Estudos sociológicos realmente históricos tem algumas ou todas as caracterís-
ticas seguintes. De forma fundamental, eles Icvantam quest6es sobre estruturas soci-

Globalization, work and citzenship 189


Ricardo Sapia ,o original ingles Soci%gy's hislorica/ imaginafion foi publicado como introdu.;:áo a Version and Me/hod
in hislorica/ soci%gy. Cambridge: Cambridge Univ. Press, 1984, p. 1-21 . A Estudos de Socio/ogia agradece
a Theda Skocpol e a Cambridge University Press pela autoriza9áo para a publica9ao da tradu9áo.
2 Professora de Sociologia e Governo - Universidade de Cambridge - Cambridge - CB2 2RU - UK.
GRADUATE PROGRAM IN SOCIOLOGY (Agraciada com o Premio Wright Milis).
3 Tradu9áo - Departamento de Ciencias Sociais - UFSCar - 13565-905 - Sáo Carlos - SP
'Veja as discussóes em A. Giddens, Capi/alism and Modern Socia/ Theory, 1971; P. Abrams, Historica/
THESIS AND DISSERTATIONS 195 Soci%gy, 1982, cap. 1-4; R. Nisbet, The Soci%gica/ Tradilion, 1966; G. Poggi, /mages 01Sacie/y, 1972
e N. J. Smelser e R. S. Warner, Soci%gica/ Theory, 1976, parte 1.

Es/udos de Soci%gia, Araraquara, 16, 7-29, 2004 7


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Tbedo SkotpoJ ./1 illlagino({io birló/ica da SotioJogia

ais ou processos compreendidos como concretamente situados no tempo e no espaero. históricas foram parcialmente eclipsadas. Pesquisadores imp0I1antes como Robert
Segundo, eles se referem a piocessos no tempo e seguem seriamente seqUenciaslem- Bellah, Reinhard Bendix e Seymour Martin Lipset continuaram a fazer trabalho his-
porais em busca das conseqUencias. Terceiro, a maioria das amílises históricas acom- tórico na tradi9ao direta dos fllndadores,6 mas os paradigmas teóricos e empíricos
pan/la a inter-relaeraode aer6essignificativas e contextos estruturais de forma a permitir mais prestigiosos ramperam com a tradierao.O anti-historicisl11o da "grande teoria" e
a compreensiio das conseqUencias inesperadas e também das pretendidas nas vidas do "empiricislllo abstrato" foi lamentado por C. Wright Milis em A Imaginarao
individuais e nas transformaer6es sociais. Finalmente, estudos sociológicos históricos Sociológica, seu dissenso apaixonado das tendencias estabelecidas na sociologia nOlte-
evidenciam os detalhes particialarcs e variávcis de formas específicas de estruturas americana dos anos 1950.7 Ainda que Milis apontasse que investigaer6es qualitativas
sociais e padr6es de mudanera. As diferenerassociais e culturais,junto com processos de problemas sociais podiam exibir a mesma negligencia com relaerao aos contextos
temporais e contextos, sao intrinsecamente de interesse para sociólogos orientados temporais e estruturais, o anti-historicismo empiricista foi especialmente exemplificado
historicamente. Para e/es, o passado do mundo nao é visto como uma história de no relato de MilI de estudos quantitativos de padr6es sociais específLcos, nos quilis as
desenvo/vimento unificado ou um conjunto de seqUencias padronizadas. Ao contrá- realidades norte-americanas do momento eram tratadas ingenuamente fora de seus
. rio, compreende-se que grupos ou organizaer6es escolheram ou caÍram em ritmos contextos como modelos para toda a vida social humana. No lado oposto, ainda que
variados no passado. Escolhas "anteriores", por sua vez, limitarani e criaram possi- complementar, está Milis, com o extremo da pnítica sociológica de seu s días, segun-
bi/idades alternativas para mudaneras futuras levando a um determinado fLm. do qllem o anti -historicismo da grande teoria foi supremamente epitomizado em O
Certamen te, alguns dos fundadores da sociologia buscaram mais do que ou- Sistema Social, de Talcott Parsons, publicado em 1951 (PARSONS, 1951). Aquela
tros explicar seqUencias particulares de eventos históricos, e alguns fundadores, ou obra prestigiadl apresentou urna série de categorias abstratas pelas das quais todos
seus seguidores, voltaram-se mais prontamente do que outras para o estabelecimento os aspectos da vida social, sem considerar as eras e lugares, podiam ser classificados
de generalizaer6es transhistóricas e esquemas teleológicos. Assim, falando claramen- e supostamente explicados nos mesmos termos teóricos universais.
te, Tocqueville e Weber - e Marx em seus ensaios sobre eventos correntes - foram O Sistema Social elaborau um edifício teórico ilTesistivelmente devotado em
mais "históricos" no sentido que eu especifiquei do que Durkheim ou Marx em seus dar conta do equilíbrio social com pequenos acenos para os fenómenos da mudan~a
escritos filosóficos. De qualquer forma, cada um dos fundadores tinha o compromis- social. Mas Parsons era um teórico tao grunde, e o funcionalismo estrutural tao am-
so de compreender as mudaneras-chave e os contrastes de sua própria época de forma bicioso como visao de mundo e abordagem de pesquisa, que nao podia deixar de
que ele era um analista social historicamente orientado de acordo com ao menos levar cm conta mais diretamente aspectos da transformaerao social. Teorias
alguns dos critérios básicos mencionados acima.5 Nenhum dos fundadores jamais foi evolucionistas do "desenvolvimento" e da "modernizaerao" praliferaram no final dos
completamente levado por uma filosofia da evolueraouniversal, por urnaconceituaerao anos 1950 e nos anos 1960, todas eIas tratando a "diferencia~ao social" como a
formal ou por uma abstraerao teórica por ela mesma. Cada UIl1devotou-se repetida- chave principal para c1assificar e ordenar todos os tipos de sociedade e avalíar lrans-
mente em situar e expl icar as estruturas sociais eurapéias modernas e os processos de formaer6es de ordens sociais tradicionais para modernas.8 Dada a hegemonia dos
mudan era. Estados Unidos na ordem internacional após a Segunda Guerra Mundial, e dada a
rivalidade da Guerra Fria entre os EUA e a Uniao Soviética, tal vez nao tenha sido
o eclipse parcial da sociologia histórica
surpreendente que todas as teorias de mudanera social como modernizaerao mapearam
)inhas padronizadas de mudanera pelas quais, mais cedo ou mais tarde, viriam a pas-
sar todas as naer6esem desenvolvimento. No devido tempo, elas viriam a se parecer
Apesar das raÍzes nas obras de seus fundadores, na época em que asociologia com o que os Estados Unidos tinham felizmente conceituado ser nos anos 1950 e
se tornou completamente institucionalizada como uma disciplina academica nos Es- início dos anos t 960: crescendo economicamente e, em termos de inovaerao,altamen-
tados Unidos, depois da Segunda Guerra Mundial, sua orientaerao e sensibilidade

5Durkheim é o fundador mais freqüeniernente considerado a-histórico, mas veja Bellah, 1959, p.447-61. 6 Veja Bellah, 1970; Bendix, 1974 e Lipset, 1950.
Para discus!ioes dos outros fundadores como analistas historicamente orientados consulte especialmente 1 Milis, 1959, cap. 2 e 3.
Richter, 1969, p.129-60; Smelser, 1971, p.19-48; Warner, 1971, p.49-74; Krieger, 1960, p.355-78; 6Para exemplos importantes veja Smelser, 1963, p.32-54; Levy Jr, 1966; Parsons, 1964, p.339-57; Parsons,
Hobsbawm, 1973, p.265-83; Bendix, 1960; Roth, 1971, p.75-96 e Zaret, 1980, p.1180-201. 1966; Deutsch, 1961, p.493-514; Almond, 1965, p.183-214 e Almond & Powell Jr, 1966.

8 Es/udos de Socíología, Araraquara, 16,7-29,2004 Es/udos de Sociología, Araraquara, 16,7-29,2004 9


(

Tbeda Skocpol A illlagilla{{lo histórica da Sociologia

te educado e voltado para resultados, plural em termos políticos e, de forma pragmá- 1983, lan«ou lima nova se«ao da Associa«ao Sociológica Americana se dedicou a
tica, nao ideológico. . incenti val' a Sociologia Histórica e Comparativa, devotou seu s primeiros esfor«os a
Enquanto isso, na Uniao Soviética, leituras stalinistas da grande teoria mar- rcconsidera«ao de temas do COIPlIS teórico de Weber.
xista já tinham estabelecido um espelho invertido des se esquema evolutivo. Na
versao soviética da moderniza«ao o progresso economico inevitavelmente levou A essencia éO revival dos clássicos?

t~das as na«oe,s para estágios estabelecidos.9 Cada estágio era um modo de produ-
«ao c?m seu IlIvel tecnológico característico e padroes associados de domina«ao e Se as reconsidera«oes de Weber foram a esséncia do interesse crescente na
confllt~ de ~l~sse;,As na«oes passariam por estágios sucessivos em dire«ao a uma teoria e pesquisa historicamente orientadas na sociologia contemporiinea, es se in-
ordem SOCialista sem c1asses e chegaria, por fim, a uma utopia "comunista" livre
de conflitos. teresse poderia ser tratado simplesmente como um revival intelectual. O interesse
renovado nos escritos históricos de Weber poderia ser visto como acompanhado, e
~ste nao é o lugar para discutir em detalhes como e por que. Ainda entre os aprofundado, uma desparsoniza~ao de nossa compreensao das suas idéias, essenci-
anos ~mqüenta e sessenta e os anos oitenta, as visoes de mundo implícitas almente o tipo de projeto ao qual Anthony Giddens e Randall Collins devotaram
corponficadas nas versoes estática e desenvolvimentista do funcionalismo estrutural esfOl'\os significativos.1I Poderíamos falar, por um lado, de uma era de interpreta-
foram consideradas menos significativas pelas reverbera«oes dos conflitos políticos ~ao histórica weberiana tomando o bastao da explica,<ao macrossociológica de
dentro dos Estados Unidos e por todo o globo. Leituras economico-deterministas e Durkheim e Parsons e, por outro, de agarrá-Ia dos bra,<os dos vários neomarxistas.
evolucio~istas lineare.s ~o mar:,ismo também perderam qualquer apelo que elas já E assim seria.
t~nham tldo para a malOna dos mtelectuais'ocidentais. No entanto, ao mesmo tempo, Há comentadores capazes que advogam essa forma de compreensao sobre o
d~fe:e~tes versoes de idéias marxistas, expressando consciencia de c1asse, processos que significa o interesse crescente em trabalho histórico na sociologia.'2 Outros res-
hlstoncos e o papel variáve\ de estruturas culturais e políticas, se tornara m atraentes
ponderiam a esta identitica~ao da sociologia histórica com o legado de Weber cons-
par~ ~ovens pesquisadores procurando formas para criticar ortodoxias científicas truindo as sociologias históricas durkheiminiana e marxista como alternativas ou
SOClaIS.Nao apenas Antonio Gramsci, o marxista ocidental historicamente orienta-
suplementos.'3 No meu ponto de vista, a sociologia histórica é melhor compreendida
do, ganhou em visibilidade e popularidade, mas os próprios escritos de Marx tam-
como uma tradi~ao contínua de pesquisa, sempre renovada, devotada para a compre-
bém foram seletivamente reexaminados para canalizar suas fontes para lidar com
ensao da natureza e dos efeitos de estruturas de larga escala e processos fundamen-
questoes de consciencia e de luta política. 10
tais de mlldan~a. Os desejos de responder a questoes historicamente embasadas, e
Durante esse mesmo período, as idéias de Aléxis de Tocqueville e, especial- nao a paradigmas teóricos clássicos, sao a for~a diretivu. Com certeza, sempre houve
mente, de Ma~ Weber também alcan«aram um interesse renovado para estudantes da e sempre haverá sociólogos que nao questionam ou buscam responder questoes
mudan«a SOCiale das estruturas sociais comparativas. Colocado de forma simples, macroscópica:;, historicamente fundamentadas. Ainda que ninguém consiga ignorar
as pessoas v?lta~am-se p.ara as obras ou leituras de sociólogos c1ássicos que poderi- contextos estruturais e históricos, nem todos os sociólogos precisam investigar dire-
am melh.or aJuda-las a remtroduzir o interesse pela variedade sociológica, processos tamente assuntos como as origens e o desenvolvimento do capitalismo e das nac;oes-
temporals, eventos concretos e a dialética de a«oes significativas e determinantes Estado; a expansao de ideologias e religi6es; as causas e conseqüencias das revolu~6es,
estruturais em explica«oes macrossociológicas e de pesquisa. Para esses fins as idéi-
as metodológicas e as obras históricas de Max Weber sao particularmente rel~vantes 11 Veja: Giddens, '1980, p.945-52 e Collins, 1975.
entiío nao é nada surpreendente que a pequena coterie de sociólogos que, em 1982 ~. 12 Veja. em especial: Ra9in & Zaret, 1983. p.731-54. Mais adiante, no capítulo que conclui este Iivro
( Vis ion and Method in Hislorieal Sociology), eu discuto as posi¡;:6es de Ragin e Zare!.
13 Com efeito, Robart Bellah e aqueles que trabalharn corn ele estáo perseguindo urna espécie de sociología
histórica durkheiminiana e o ilvro de Jeffrey Alexander, Theorelieal Logie in Soei%gy, 1982-1984 pode
, Urna afim:a¡;:áo ortodoxa da teoria da "moderniza¡;:ao" soviética aparece em Stalin, 1940, que foi reirnpresso
estar estabelecendo as bases para outra vertente deste mesmo ernpreendimento. Sociologías históricas
~or ~ranklin, B. (Ed.) The E~senlla! Sta"~, 1972. Para um precursor, veja Bukharin, 1969. rnarxistas tém sido advogadas, entre outros. por Eric Hobsbawm, "From Social History to the History 01
O !Ivro de Perry An.derson. Con~/derallons on Western Marxism, 1976. discute o desenvolvirnento das
teonas marxistas oCldentals no seculo XX. Para urn dos textos rnais populares do marxisrno ocidental Society", 1971, p.20-45; e G. S. Jones, "From Historical Sociology to Theoreticai History", 1976, p.295-
consulte AntOniO Gr~.msci, Seleetions from Ihe prison notebooks, 1971. Sobre o revival das idéias marxista~ 304. AIguns considerariam Charles Tílly e seus colaboradores como praticantes de uma certa sociologia
entre os jovens soclologos, veja Michael Burawoy. 1982, p.1-30. histórica marxista.

11
10 Estvdos de Soeiologia, Araraquara, 16.7·29,2004 Estvdos de Soeiologia, Araraquara, 16, 7-29, 2004
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Theda Skocpol A il/ltlgilltl{rio histórica da S ocioloc~i{/

e a relaqao de transformaq6es .economicase geopolíticas com os destinos de comunida- por sociólogos com visao e vontade para compreender estruturas e transformac;oes
des, grupos e tipos de organizaq5es. Além disso, com certeza houve momentos em que sociais do ponto privilegiado de seu próprio tempo e lugar.
muitos pesquisadores interessados em quest5es macroscópicas tentaram utilizar modos Os nove pesquisadores cujos trabalhos de uma vida e maiores projetos consti-
anti-históricos de lidar com elas. A breve credibilidade do funcionaiismo estrutural tuem o foco dos capítulos nesse livro opera m no ten'eno compartilhado com os fun-
parsoniano como uma teoria abrangente da sociedade foi um desses momentos. dadores. A maior parte das principais obras dos pesquisadores discutidos aqui, de A
Mas as realidades da vida social moderna sao tiio fundamentalmente enraizadas Sociedade Fel/{/al eA História Rural Francesa de Marc Bloch a As Origens Sociais
em conflitos da época e mudanqas nas comunidades, regi5es, naqoes e no mundo da Ditadura e da Democracia de Barrington Moore, e de A Grande Transjonna"iio
como um todo que os sociólogos nunca pararam - e nunca quererao parar - de criar de Karl Polanyi a O Moderno Sistema Mundial de Immanuel WaIlerstein, continuam
teorias e interpretaqoes novas para enfatizar a variedade de estruturas sociais, as a explorar os antecedentes, a natureza e as conseqüencias das revoluqoes democráti-
limitaqoes da época e as possibilidades alternativas de muclanqa, as intersecqoes de cas originais da Europa.15 No entanto, os problemas específicos abordados sao
contextos estruturais e experiencias de grupo e o desdobramento de eventos e aqoes freqüentementc distintos daqueles dos fundadores e com certeza sao oferecidas res-
no tempo. Realmente, análises orientadas historicamente na sociologia tendem a ser postas no vas.
especialmente atraentes em períodos como o nosso em que no mund0 como um todo A industrializaqao inglesa, a Revoluqao Francesa e a burocratizaqao alema
- para os líderes e vitoriosos ¡elD fases anteriores de desenvolvimento e contlilo sao, alguém diria, os eventos e processos que preocuparam os fundadores. A preocu-
geopolítico assim como para as ilaq6es periféricas e recentemente industrial izadas _ paqao básica que eles compartilhavam era a de conceituar o ' specto distintivo e a
há tantas incel1ezas óbvias sobre a continuaqao de tendencias existentes e relaqoes no dinamica da industrializaqao capitalista e da democracia em contraste com outras
futuro. Análises concebidas de forma amplamente histórica prometem possibilidades ordens da vida social. Entre os estudiosos pesquisados aqui, Reinhard Bendix, Perry
para a compreensao de como padr5es passados e trajetórias alternativas podem ser Anderson, E. P. Thompson e Charles TilIy esboqaram suas questoes e suas respostas
relevantes, ou irrelevantes, para escolhas presentes. Assim, sociologia histórica feita quase'completamente nessa agenda clássica. Bendix e Anderson apóiam-se nos ar-
com excelencia pode falar realmente de forma mais significativa com relaqao a pre- gumentos de Weber sobre a burocratizaqíio e a transformac;íio dos regimes políticos.
ocupaq5es da vida real do que os estudos focados de forma mais estreita que se Thompson retrabalha as idéias marxistas essenciais sobre a industrializaqao e a for-
gabam de sua "relevancia política". 14 lIlaqao da classe trabalhadora na Inglaterra. Tilly prova a tensao entre as explicaqoes
oferecidas por Durkheim e Marx, para as formas mutáveis do conflito de grupos que
Agendas de Pesquisa na Sociologia Histórica acompanharam as revoluqoes européias, a criaqíio de Estados e o desenvolvimento
capitalista. Ainda assim, cada um desses sociólogos históricos contemporaneos ofe-
rece novas misturas e contrapulltos para os argunwlltos c1ássicos e cada 1I11lposiciulla
As quest5es e 'espostas cfássicas de Weber, Marx, Tocqueville, Durkheim e seu s métodos distintos para a mediaqao entre as teorias e os fatos históricos.
outros naturalmente vivem na empreita contemporanea da sociologia histórica. Jsso
Além desses quatro, os estudiosos do século vinte avanqam em suas questoes
acontece, em parte, porque as respostas dos fundadores para as questoes importantes
assim como argumentos e formas de chegar até eIes. A Grande Trmlsjol7lw"iio, de
que eles fizeram sobre seu próprio tempo e o anterior nao foram nunca corretas ou
completas. Ainda mais, acontece porque as idéias dos fundadores continuam a servir Karl Polanyi nao lida apenas com o estabelecimento da sociedade capitalista de mer-
cado na Inglaterra, mas também COI11 as crises nacionais e internacionais da ordem do
corretamente como marcas frutíferas para muito da teoria sociológica. Ainda é sinal
mercado, do inÍcio até meados do século XX. A agenda histórica de Marc Bloch foca
da vitalidade contínua da sociologia histórica, do século XX até o presente, que no-
vas quest6es e idéias, além da letra ou do espírito dos fundadores, sempre sao feitas " As citayóes completas dos livros que eu menciono estao nas notas e bibliografias dos capítulos que
lidam com o respeetivo autor (vide Skocpol, T. Vision and Me/hod in Historical Sociology, 1984). N. T. Em
portugués, encontram-se as seguintes ediyoes dos Iivros abordados por Skocpol: M. Bloch, A Sociedade
Feudal, 1987; B. Moore Jr, As Origens Sociais da Di/adura e da Democracia, 1983; K. Polanyi, A Grande
14 Por exemplo, a sociologia histórica de Charles Sabel sobre as relayóes industriais do século XIX ao Transforma¡;ao. 2000; 1. Wallerstein, O moderno sistema mundial, 1990; Perry Anderson, As Llnhagens
pre~ente oterece um sen:o vivo de possibilidades de politicas alternativas no presente para as democracias do Estado Absolutista, 1985; E. P. Thompson. A forma¡;ao da classe operária inglesa, 2002. Infelizmente,
capitalistas avanyadas, Inclulndo os Estados Unidos. Veja: C. Saber, Work and politics, 1982; e Piore & nao há nenhuma tradu9ao dos Iivros de Bendix e de Eisenstadt, também analisados por Skocpol. O
Sabel. The second industrial divide, 1985, primeiro livro de Charles Tilly traduzido para o portugués foi: Coer¡;ao, capital e Estados europeus, 1996.

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Esludos de Sociologia, Araraquara, 16, 7-29, 2004 Estudos de Sociologia, Araraquara. 16, 7-29, 2004
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Tbeda Jkocpof A illlagillardo bislóliCll dCI.I'ociofo,gia

principalmente os padroes feudais europeus e franceses como válidos para sua pró- tos al1igosteóricos ou quantitativos de Tilly, O Moderno Sistema Mundial de Wallerstein
pria compreensao. De tres fo;mas diferentes, S. N. Eisenstadt, Immanuel Wallerstein e As Origens Sociais da Ditadul"a e da Democracia de Moore.
e Barrington Moore Jr buscam abarcar e explicar nos mesmos termos conceituais Ainda mais, muitos desses pesquisadores tentaram e conseguirall1 obter gran-
boa parte da história nao ocidental com a história ocidental. O livro mais importante de inlluencia institucional dentro da Academia: Bloch ajudou a fundar a internacio-
de Eisenstadt The Political Systellls o/ Empires analisa a emergencia e os destinos de nalmente prestigiada escala francesa dos Annales e obteve o mais cobic;ado premio
longo prazo de impérios burocráticos históricos através da história. Wallerstein ex-
na vida académica francesa: uma cadeira professoral em Paris. Eisenstadt tem
plora as origens, a estrutura, a história e projeta o tim da economia capitalista mun- hegemonia germiinica na Universidade Hebraica, foi professor visitante nas mais
dial. Moore investiga os padroes e o significado moral dos caminhos alternativos que prestigiosas universidades do mundo ocidental e participa em toda conferencia inter-
estados agrários seguiram até o mundo moderno. Esses objetos grandes levara m nacional relacionada com seus interesses amplos. Bendix, um professor na Universi-
Eisenstadt, Wallerstein e Moore muito além das estratégias de Marx e (até) de Weber dade da Califórnia em Berkeley, é honrado por sociólogos estabelecidos, cientistas
de usar o mundo nao-ocidental·principalmente para validar, por contraste, os argu- políticos assim como historiadores e ganhou visibilidade profissional suficiente para
mentos sobre o dinamismo especial do Ocidente.
ser eleito presidente da Associac;aoSociológica Americana. Tilly atraiu grandes quan-
Os capítulos que seguem levam a sério os problemas particulares explorados tias em financiamento de pesquisas com o passar dos anos, construiu um importante
pelos nove pesquisadores, poi s seus argumentos e métodos certamente nao podell1ser centro de pesquisa na Universidade de Michigan e serve como um porteiro profissio-
compreendidos separados das questoes que eles colocam e de suas razoes individuais nal em tres ou quatro disciplinas. Wallerslein recebe amplo prestígio internacional
que explicam o interesse ell1 responder a essas questoes. Assim, os autores investi- comparável ao de Eisenstadt e tem manejado corporificar sua perspectiva do sistema
gam seu s assuntos de formas diferentes nao apenas porque autores escrevem sob mundial em um centro de pesquisa e em uma revista na Universidade Estadual de
seus pontos de vista particulares, mas de forma mais fundamental porque·cada soci- Nova York em Binghamton, em conferencias anteriores em um CÍrculode universida-
ólogo histórico impoltante é (ou foi) preocupado coni·umgrupo distintivo'de proble- des pelos Estados Unidos, e em uma sec;ao da Associac;ao Americana de Sociologia
mas que forma sua agenda de pesquisa durante a vida. Ainda, alguns temas em comum que controla várias sessoes para cada encontro anual.
emergem nos falando sobre as qualidades especiais compaltilhadas por esses pesqui- Apesar dessas evidencias de sucesso academico e profissional, cada um dos
sadores, e dos d~safios teóricos e metodológicos similares que todos eles encarara m nove estudiosos tem sido, em algum sentido, marginal ou oposto a formas academi-
em suas pesquisas e escritos.
cas de se fazer aS coisas, Suas marginalidades ou oposic;ao tem sido intimamente
relacionadas como causa e efeito ¡¡ habilidade deles formularem questoes maiores do
Pontos de observac;áo privilegiados para pensar grande que a maioria dos cientistas sociais jamais sonhou formular. Por sua vez, fazer gran-
des questoes os levou as várias misturas da teoria geral, análise histórica totalizadora
ou comparativa e sensibilidade a detalhes contextuais e de processos temporais que
No século XX, as ciencias sociais ocidentais centraram-se em universidades e
torna m seus feitos academicos tao interessantes.
associac;oes profissionais. Tanto a pesquisa quanto o ensino foram, como se diz,
institucionalizados em um conjunto de disciplinas especializadas e, com freqiiencia, em A conexao entre uma marginalidade oposicional genuína com relac;ao a acade-
compartimentos bem estreitos ou tecnicamente focados dentro dessas disciplinas. Ain- mia estabelecida, e a formulac;ao de grandes questoes e descobrimento formas nao
oItodoxas de buscar as respostas é mais óbvia - e certamente mais claramente subli-
da assim, as obras sem especialidade estrita de cada um dos nove homens aqui exami-
nados foram celebradas nos mundos institucionais da ciencia social academica. nhada nos capítulos subseqüentes - para aqueles pesquisadores que também foram
Associac;oes profissionais concederam seus mais altos premios para livros de Bendix, esquerdistas politicamente engajados. Karl Polanyi foi, e PelTY Anderson, E. P.
Eisenstadt, Anderson, Wallerstein e Moore e as listas de leilura de cursos de graduac;ao Thompson e Immanuel Wallerstein sao socialistas comprometidos de uma forma ou
e pós tem, repetidamente, dado lugar de honra aos livros A Sociedade Feudal de Bloch, de outra, ainda que, significativamente, nenhum desses quatro tenha sido permanen-
A Grande Transfo17naflio de Polanyi, Os Sistemas Políticos dos IllIpérios de Eisenstadt, temente associado com qualquer partido comunista ou socialista estabelecido. De
Trabalho e Autoridade na IndlÍstria de Bendix, As linhagens do Estado Absolutista de acordo com Bloch e Somers, Polanyi escreveu A Grande Transfol7nafiío, "o livro
Anderson, A FOl7l1ar.¡lioda Classe Operária Inglesa de Thompson, A Vendéia e mui- que uniu todos os temas de uma vida" para esse humanista socialista, como uma

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Esludos de Sociologia, Araraquara, 16,7-29,2004 Estudos de Sociología, Araraquara, 16, 7-29, 2004 15
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TI)f(/a Skorpol /1 ¡'I/(~~¡'/(/Fc/O hi.rfó,ica da Sociología

Bintervenc;ao política consci.ente ... para influenciar a forma do mundo pós-Segunda "crescentemente desagradável" e ele abandonou sua posic;ao lá. Desde 1975, a talvez
Guerra Mundial".16 E Polanyi completou essa ohra de mestre (mtes de mudar para inevitável relac;ao entre o pensamento grandioso politicamente esquerdista de
um nicho acadcmico mais especializado em antropología economica. Wallerstein e sua marginalidade em relac;ao aos centros mais ortodoxos da vida aca-
Anderson nao seguiuuma carreira academica regular em nenhum sentido. Como demica e profissional foi muito bem expressa por sua construc;ao semiperiférica atra-
Fullbrook e eu afinnamos, ele forrnulou suas quest6es e respostas "totalizantes" na vés do Braudel Center em Binghamton e através da Economia Política da Sec;ao
sociologia histórica de forma associada ao seu esforc;o para reorientar a vida intelec- Sistema Mundial da Associac;fio Sociológica Americana.
tual socialista revolucionária na Gra-Bretanha através da Nelv Lefi Review. Similar- De certa forma, a questao de como distancias sao ganhas das ortodoxias aca-
mente, como Kay Timberger elabora, E. P. Thompson nao se tornou um historiador demicas se torna ainda mais interessante quando nos distanciamos daqueles pesCjui-
com a pós-graduac;ao em uma universidade. Ele concebell todos os seus projetos de sadores que combinanuTI explicitamente o estudo e a política esquerdista para aqueles
estlldos mais importantes nao no curso de uma carreira professoral regular, mas sim cujos envolvimentos extra-academicos, ainda que freqlientemente impol1antes (pen-
com o en vol vimento na educac;ao de trabalhadores adultos e no Grupo de Historiado- sem no trabalho de Bloch na Resistencia Francesa), surgiram em formas mais aceitá-
res Comunistas de 1946-1956, seguido pela participac;ao na Nova Esquerda Britani- veis para seus establishments academicos nacionais. Participar do governo, Oll de
ca depois de seu rompimento com o Partido Comunista e culminando agora em sua atividades militares durante emergencias nacionais legítimas ou se engajarno jorna-
entrada na cruzada pelo desarmamento nuclear. Em geral, essa trajetória deixou li~mo intelectual e fazer discursos sobre aspectos de interesse geral para públicos
Thompson livre para perseguir assuntos intensos e politicamente relevantes com gos- educados sao, Minal de contas, formas inteiramente respeitáveis de envolvimento
to polemico e descompromissado, desafiando convenc;6es academicas estreitas. A político acadel11ico. Sem dúvida elas contribuem para urna certa amplidao de visao
Fonnarao da Classe Operária Inglesa refiete essa liberdade quer em ;eu formato academica, ma!: dificilmente nos dao urna visao suficiente dos pontos de observar,;ao
grandioso quer em seus argumentos detalhados. privilegiados alcanr,;ados por Bolch, Eisenstadt, Bendix, Tilly e Moore. Parece-me
Diferentemente de Polanyi, Anderson e Thompson, Immanuel WalIerstein se- que vários fatores relacionam-se para cada um desses estudiosos.
guiu urna carreira academica; assim, sua situac;ao é talvez a história mais reveladora As caneíras de Marc Bloch e Charles Tilly revelam os compromissos especi- .
de marginalidade entre os esquerdistas. A intenc;ao de WalIerstein em estudar e ais de um pensamento incomum para dois pesquisadores que eventualmente se torna-
conceituar o sistema mundial moderno do capitalismo tem sido, segundo Ragin e ram modelos bem sucedidos de projetos de pesquisa coletiva nos centros academicos
Chirot, fundamentalmente política. Eles contam a história fascinante do movimento estabelecidos. Bloch finalmente "chegou" a urna posic;fio em Paris, onde recebeu
de distanciamento, passo a passo, de Wallerstein da teoria da modernizac;ao e do originalmente sua formac;ao, mas Sllas idéias altamente nao ortodoxas sobre métodos
empiricismo em direc;ao a abordagem mais holística e histórica corporificada na pers- de historiografia e seu senso cosmopolita e transnacional incomlllll do escopo apro-
pectiva do sistema mundial. Para seu doutorado e seus primeiros livros, Wallerstein pl'iado para o estudo da Europa medieval germinaram enquanto es se homein de fa mí-
estudou as primeiras esperanc;as e as dores do parto das nac;6es africanas lia judia com raízes na Alsácia era um professor na Universidade de Estrasburgo,
descolonizadas, depois ele viveu algumas das batalhas mais intensas da rebeliao es- uma universidade alsaciana considerada completamente periférica no sistema acade-
tudantil dos anos 1960. Simultaneamente, ele trocou o papel de leal estudante de pós- mico frunces assim como fora antes no sistema alemao. Bloch, além disso, extraiu
graduac;ao de Columbia para a desconfortável posic;ao de um jovem professor associado (de forma seletiva e cuidadosa como mostrou Chirot) idéias sociológicas para ampli-
que (do ponto de vista do establishment de Columbia) simpatizava demais com estu- ar Slla agenda de quest6es e explica\6es históricas.
duntes novos esquerdistas. Assim, no próprio ponto intelectual em que ele chegou a Décadas mais tarde, nos Estados Unidos, como observa perspicazmente Lynn
sua visao do sistema mundial, lanc;ou seus projetos históricos mais importantes e Hunt, Charles Tilly criaria uma agenda ampla e temporalmente profunda para sua
"estabeleceu para si mesmo u tarefa de se tornar o porta-voz academico e promotor sociologia histórica usando simllltaneamente métodos de arquivo para fazer história
da visao da história mundial por trás das ideologias revolucionárias do Terceiro
francesa e técnicas estatísticas quantitativas para testar hipóteses sociológicas e de-
Mundo"; a vida universitária de Wallerstein na Columbia University se tamou senvolver urna teoria inovadora da violencia polltica coletiva. Além disso, enquanto
a base de pesquisa eventual de Tilly era em uma importante universidade americana
" Pa~a esta ~ita~o do capitulo de Block & Somers sobre Polanyi. assim como outras cital=oes dos capitulos e num departamento de sociologia líder, sua mistura de história francesa e sociologia
segUlntes. nao conSidero necessario dar as referencias (vide o livro do qual faz parte este texto de Skocpol).

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Es/udos de Sociologia, Araraquara, 16,7-29,2004 Es/udos de Sociología, Araraquara, 16.7-29,2004 17
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Theda Jkorpo/ /1 ¡'JI{~gil/tlrrlohistórictI da Joci%gitl

quantitativa o relegou a um qepartamento menor como primeiro emprego, depois ele Moore deixou O Departamento de Relac;oes Sociais há muitos anos e, portanto, se
fez pós-graduac;ao em Harvard durante a era de domínio de Talcott Parsons, nao soh tomou afiliado apenas nominalmente com o Departamento de Governo. O único com-
a supervisao de Parsons, mas sim de George Homan e Barrington Moore. (Mais promisso de Moore mantido com a pedagogia universitlíria em Harvard foi no Pro-
tarde, Harvard trouxe Tilly de volta como professor visitante, mas depois, para seu grama de Estlldos Sociais, um programa interdisciplinar de elite dedicado (como o
desapontamento, falhou em mante-Io como professor efetivo). Tilly tem sido o mais curso no qual muitos dos fundadores do programa ensinaram, "Soc. Sci. 2" na Gra-
próximo de uma vida academica normal entre todos os estudiosos avaliados neste duacrao na Universidade de Chicago) a ensinar os c1ássicos da teoria social moderna:
livro. Ainda assim, sua tentativa, desde o início de sua carreira, de combinar assun- Marx, Weber, Durkheim e Freud. Além disso, Moore sempre insistiu em uma vida
tos e métodos centrais para mais de uma disciplina o manteve nas margen s discipli- marcadamente privada.
mires quer da sociologia quer da história, mesmo que isso tenlla permitido a ele e scus A agend1 de estudos de Moore, como Dennis Smith mostra, tem sido tao desta-
estudantes se colocarem nos limites mais inovadores das ciencias sociais norte-ame-
cada por sua busca embasada de preocupacroes intelectuais e morais consistentes assim
ricanas das duas últimas décadas.
como por seu féilego. Os li vros de Moore sao escritos em profunda sol idao - por exem-
Hamilton e Rueschemeyer nao nos dizem praticamente nada sobre as biograti- plo, num ¡ate nas águas do Maine - com a crítica apenas de Elizaheth Moore e uns
as e carreiras de Eisenstadt e Bendix, preferindo se concentrar nas instancias intelec- poucos amigos ou associados. Pensando em si mesmo como lIm artesao intelectual em
tuais críticas que ejes desenvolveram com relac;50 ao funcionalismo estrutural, o uma era de pesquisa burocratizada, Moore trabalhou individualmente ou em pequenos
paradigma que dominou a macrossociologia americana para a gerac;ao intelectual grupos apenas (;om estudantes de pós e de graduacrao cuidadosamente seletionados. Eje
deles. Tanto Eisenstadt quanto Bendix se tornarahl professores estabelecidos; ainda apresentou a eles nao uma teoria Oll método, mas seus próprios padroes exatos de
assim, ambos extraíram conceitos de Weber e estudos históricos comparativos para pesquisa cuidadosa c seu senso de que a busca de respostas para quest5es grandes e
criticar Talcott Parsons. Buscando as raízes de seus exemplos críticos nao creio que humanamente significativas é tu do que interessa na vida da mente.
poderíamos ignorar o fato de qU~,ambos vieram de origens judias européias. Como o
outro grande centro-europeu, Polanyi, Eisenstadt e Bendix foram exilados políticos
Críticas Históricas do Funcionalismo, do Economicismo e do Evolucionismo
do que era antes da Segunda Guerra Mundial a arena mais civilizada da alta cultura
no Ocidente. Ambos também receberam educac;ao muito cosmopolita e variada em
estilo europeu de alto nível. POItanto, Eisenstadt e Bendix carregaram suas próprias Claro ql'le pensar grande e abordar análises soci¡lÍs historicamente nao preci-
compreensoes de idéias e história européias para os debates sociológicos internacio- sam necessariamente vir juntos. Durante as décadas em que nossos nove estudiosos
nais. Além disso, a posic;ao universitária mais impoltante de Eisenstadt tem sido em trabalharam, os grandes paradigmas do estruturalismo funcionalista parsoniano, a
Israel, aquele destacado lar de inte!cctuais que sao ao mesmo tempo cosmopolitas e economia liberal e o dclcrminismo-economico marxista domin¡lnun muito do d iscur-
familiarizados com as ortodoxias ocidentais e inescapavelmente conscientes de que so academico sobre estruturas sociais e lI1udancra socioeconomica. Repetidamente,
nem toda a história mundial acontece em nac;oes grandes e centrais. nos capítulos seguintes, vemos como os mais importantes estudiosos discutidos aqui
Finalmente, Barrington Moore nunca foi um emigrante internacional, mas ele moldaram seus argumentos em parte ou completamente como resposta crítica as
generalizacroes abstratas oferecidas por proponentes de uma ou mais dessas perspec-
se tornou, de celta forma, um outro tipo de exilado. Baseado no tipo de autoconfiancra
criada por origens privilegiadas, por uma associacrao segura com universidades de tivas. Para muitos desses pesquisadores, a própria forma de seus estudos históricos
elite e por uma educac;ao nos c1ássicos, incluindo grego e latim, Moore se torno u um parece ter sido determinada significativa mente por diálogos com teorias grandiosas
imigrante internacionallonge das distracroes da construc;ao de uma carreira na acade- existentes. Para outros, a preocupa~ao com problemas históricos em si tem sido bá-
mia norte-americana, deliberadamente desistiu da influencia profissional que ele tc- sica e seus diálogos críticos com as teorias gemis tem sido, dessa forma, mais
nuanciados.
ria tido se tivesse ansiado por cadeiras departamentais, construir seu próprio centro
de pesquisa, promover as carreiras dos orientandos e formular as agendas de revistas Os capítulos em Eisenstadt, Bendix, Anderson e Thompson fornecem um
e associacroes profissionais. Ainda que ten ha lecionado em Harvard e tenlla tido como fascinante conjunto de insights sobre as formas paralelas pelas quais esses estudi-
base o Centro de Pesquisa Russa naquela universidade até sua aposentadoria recente, osos tentaram introduzir variedade e particularidade histórica nas grandes teorias.

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Eisenstadt e Bendix orientaram a si mesmos para o funcionalismo estrutural en- A obra de Bendix se tornou, como 1l10stra Dietrich Rueschemeyer,
quanto Anderson e Thompson se engajaram em críticas do economicislllO e cresct:ntemente preocupada simplesmente com contrastur descritivamente casos his-
evolucionismo marxista. O que acho especialmente interessantc nao sao as simila- tóricos 1Il1Scom os out ros. De acordo com Bendix, o funcionalismo estrutural e as
ridad~s desses pares, mas os paralelos entre Eisenstadt e Anderson, por um lado, c teorias da moderniza"ao generalizam demais padroes de estrutura e mudan,<a apli-
Bendlx e Thompsbn, por outro. cando conceitas (freqlientemente vers6es dos conceitos de Weber) que sao etnocentricos
e que inevitavelmente falham em capturar a particularidade completa da história de
. Eisendstadt e Anderson sao críticos amig,lveis, respectivamente, do funciona-
cada país, mesmo dentro do ocidente. Portanto, Bendix advoga a transforma~ao de
IJs~:o est;~tural e do marxismo. Cada um está determinado a usar a perspectiva
idéias teóricas em tipos ideais otimamente, em pares polares de "concep~6es
teonca baslca para explicar estruturas de larga escala e desenvolvimentos de longo
contrastantes" como "autoridade contralual" versus "fidelidade individual". Tais
prazo e cada um está igualmen\e comprometido a usar a variedade do acervo históri-
conceitos podein ser utilizados como pontos de referencia para ajudar na caracteriza-
c~ mundial para criticar sobretudo as leituras lIsuais da teoria. Nao por acaso,
,<ao acurada de casos históricos. Desta forma, Bendix evita generaliza,<oes excessi-
Elsenstadt escolhe conceituar e explicar "impérios burocráticos históricos", o que
cabe mal em uma moldura simples de moderniza"ao que opoe sociedades tra"dicio- vas, e realmente alcan,<a explica,<uo como tal, em favor do uso de idéias teóricas
puramente como balizadoras sensíveis para cada caso de discussao histórica.
nais a. modernas. Similarmente, Anderson ¡ida com "o Estado absolutista", o qual
tem SIdo uma fonte de controvérsia para marxistas incapazes de decidir se ele era De formas análogas, E. P. Thompson usa idéiasteóricas como modelos em
feudal ou capitalista. s('u estudo A Fomw~'üo da Classe Operária Inglesa. No,<oes económico-
. Ambos os pesquisadores procedem para conceituar os períodos históricos par- deterministas de c1asse, ou de argumentos estreitamente económicos sobre como

ttcula.res e os regimes políticos que os interessam, assim como o que Gary Hamilton trabalhadores supostamente foram afetados pela industrializa,<ao, sao introduzidos
perspIcazmente chama de "configura,,6es na história". Essas sao construtos sistemicos por Thompson para dramatizar seus fracassos em capturar as dimensoes culturais,
políticas e "sut"~elivas dos eventos através dos quais a c1asse operária inglesa foi
defi.nid~; por Eis:nstadt em termos de "nível de diferencia"ao" e "modos de integra<;ao
socletal e defimdas por Anderson como "modos de produ,<ao" e padroes de "domi- criada e eriou a si mesma. Thompson nao tenta substituir velhas teorias gerais por
~a,<ao de c1asse e luta de c1asses". Depois de feito esse trabalho conceitual é possível uma nova e mais rigorosa, pois ele ve seus próprios conceitos teóricos como meios
hdar com aSJlectos da história mundial cm tcrmos das estruturas c dinftmicas postu- "ehísticos" para iluminar os purticulares de cada caso histórico. "Ejes nao impoem
ladas pelo funcionalismo ou pela teoria marxista. Eisenstadt lida com um importante uma regra, mas aceleram e facilitam a interroga,<ao da evidencia ainda que
tipo de regime sócio-político, o império burocrático. Anderson lida com a trajetória freqüentemente se constate que cada caso se inicia, neste ou naquele particular, a
dinftmica e central da história européia ocidental cm contmste com Olltras hi~tórias. partir da regra" (THOMPSON, 1978, p.237). Da mesma forma, a discussao de
No ent,tIlto, nem Eiscnstadt lIcm Andt:rson alirmam qut: toda a história ocidcntal Kay Trimherg'~r dos argul11~nl()S "dialélicos" dt: Thompsonlel11bra umu das prefe-
pode ser abarcada em um único esquema de estágios societais ou em uma única rencias de Bendix pelo uso de concep,<oes contrastantes para sensibilizar a si mes-
lógica de mudan,<a. mo para combina<;oes de tendencias opostas em casos particulares.
Assim, Eisenstadt e Anderson por um lado, e Bendix e Thompson pelo Olltra,
. PredOl~in~ntemente porque ambos sao, de forma incomum, sensíveis aos sig-
nIficados subJetIVOs e ii variedade cultural l1a história, Reinhard I3endix e E. P. reagiram de formas diferentes aos desatios de colocar frente a frente grandes teorias
Thompson sao mais céticos do que Eisenstadt e Anderson a respeito da utilidade do e variedade histórica. Nota-se, no entanto, que os quatro estudiosos permaneceram
funcionalimo estrutural e das teorias marxistas para explicar padroes históricos. bem engajados em seus respecti vos diálogos com as grandes teorias. Eles estiveram
Contudo, eu sustentaria que Bendix e Thompson também permanece m orientados tao engajados nesses diálogos, que os argumentos que desenvolveram sobre proble-
nas respectivas grandes teorias. Ejes procedem criticando casos históricos particula- mas históricos.nao foram especifica"oes ou recria"oes de idéias funcionalistas estru-
res dos conceitos teóricos, do que encontrando formas inteligentes para criar concei- turais e marxistas, nem asser"oes de que a complexidade, a particularidade e o

tos ~ ?raposi,<oes funcionalistas estruturais básicos e marxistas, para explicar tipos significado subjetivo de casos históricos nao podem ser abarcados pelas grandes
SOClalSe mudan,<a de longo prazo. teorias em questiío. Eu afirmaria que nenhum desses pesquisadores usou a confronta-

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Esludos de Sociologia, Araraquara, 16, 7-29, 2004 Esludos de Sociologia, Araraquara, 16,7-29,2004
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<;ao de teorias existentes como a história para gerar um novo conjunto de generaliza- tras desenvolvidas do modelo de "mobiliza<;ao política" para explicar a a<;iíocoletiva
<;6cs explicativas. imaginada pelo próprio Tilly (em parte com base em premissas marxistas).
Immanuel Wallerstein e Charles Tilly tem se mantido engajados em diálogos Especialmente nos últimos anos, Tilly teve mais uma grande batalha teórica
críticos com grandes teorias, assim como os quatro pesquisadores discutidos acima. - ao menos uma batalha de rótulos e conceitos - COI1l teorias da moderniza<;ao. Ele
Mas esses sociólogos históricos indubitavelmente tem usado a confronta<;ao da teoria come<;ou a insistir que nilo existe algo como mudan<;a social em geral quer para
com a história para gerar novos argumentos teóricos. na<;6es ou para sistemas mundiais. Ao contrário, há processos de época tais como
Wallerstein usou críticas históricas das teorias da moderniza<;iío e o os processos de cria<;ao de Estados e da acumula<;üo capitalista que refizeramo
evolucionismo marxista quase que exclusivamente para o propósito de imaginar um mundo moderno durante as últimas centenas de anos. A tarefa do sociólogo histó-
novo grande paradigma para substituir os velhos desacreditados. Essa visao surgiu rico é analisar as rela<;6es entre esses processos de época e testar suas conseqüen-
na discussao profunda de Ragin e Chirot da sociologia histórica de Wal!erstein do cias para formas de a<;ao de grupo (TILLY, r 19--D. No en tanto, até agora TilIy
sistema capitalista mundial. Determinado a substituir teorias generalizantes que mesmo só tentou isso para urna história nacional. Ele realmente nao generalizou a
conceituam a mudan<;a social como séries de estágios pelos quais todas as na<;6es respeito de estruturas macroscópicas ou tendencias através de análises históricas'
passam, e ainda nao querendo se render a uma história ou jornalismo puramente comparativas de formas cOll1paráveis a seu uso das comparacr6es intranacionais de
ideográficos, WalJerstein postulou o sistema mundial capitalista como urna única grupos, regi6es e períodos de tempo para chegar a generaliza¡;:6es sobre as causas
totalidade. Esta totalidade é para ser compreendida simultaneamente pela teorizacriío da acrao coletiva.
sobre sua estrutura e sua dinamica e pela reconstitui<;ao da história do sistema como Se olharmos em retrospecto para os seis pesquisadores que acabamos de abor-
um todo, de sua emergencia nos tempos modernos recentes até o presente. De acordo dar, é chocante como todo trabalho histórico deles foí pemleado por suas polemicas
com Wal1erstein, as v,lrias histórias das regi5es, nacr6es, c1asses e pessoas também com os funcionalistas estruturais e teóricos da ll10derniza<;ao ou com marxistas eco-
precisam ser completamente exploradas em todas as suas concretudes e variedaoes, nOll1ico-deterministas e evolucionistas. De formas variadas, todos esses sociólogos
mas nao com o uso de métodos da análise causal transnacional associada para ele históricos tem sido levados pela teoria. Talvez isso seja mais claro para Eisenstadt,
com a teoria da modernizacrao. Ao contrário, pesquisas e comparacr5es dessas histó- Anderson e Wallerstein, mas acho que também vale para os outros, mesmo que as
rias servem, como Ragin e Chirot colocam, "para ilustrar tra<;os gerais do sistema formas que ele~, respectivamente, escolheram para discutÍ[ com grandes teorias te-
mundial" como um todo. Para Wal1erstein, as antinomias entre generalizacriío teórica nha incitado Tilly 11 fazer análise quantitativa de dados e levado Bendix e Thompson
e análise histórica siío superadas de uma vez por todas com a perspectiva do sistema a renunciarem ao próprio objetivo da generaliza<;ao explicativa em nome de caracte-
mundial.
riza<;6es significantes e interpretacr6es de histórias particulares. Anderson, Bendix,
O fio da sociologia histórica de Charles Tilly durante as duas últimas décadas Eisenstadt, Thompson, Tilly e Wellerstein perseguiram seu s estudos históricos em
pode ser entendido como um diálogo com Durkheim e seu s sucessores intelectuais relacrao próxima, ainda que crítica, com os paradigmas macroteóricos dominantes da
modernos, os funcionalistas est~Jturais e teóricos da "priva<;iío relativa". A discus- sociologia contemporanea.
siío é sobre as conex6es entre processos de longa duracrao, como comercializa<;ao,
industrializa<;iío, urbaniza<;ao e a emergencia dos Estados nacionais, e as formas e
Desenvolvendo Explicartoes para Padroes Históricos
objetivos mutáveis da a<;ao coletiva, incluindo a<;6es violentas. Em outras palavras,
como Wal!erstein, Tilly tem disputado a sabedoria sociológica de seu tempo, mas
com certeza ele perseguiu es se objetivo de forma diferente. Ao invés de apresentar Diálogos críticos com grandes teorías a-históricas também sao importantes na
um novo grande paradigma teórico e fazer reinterpreta<;6es históricas em termos de obra de Karl Polanyi, Marc Bloch e Barrington Moore 11'., ainda que cada um desses
suas regras conceituais, como observa Lynn Hunt, Til1y montou bases de dados quan- tres pesquisadores pratiquem, antes de mais nada, análise social histórica de uma
titativos para longos períodos históricos, especialmente da história francesa. Ele bom- forma que eu chamaria de orientada por problemas. O objetivo básico nao é
bardeou as bases de dados com hipóteses causais alternativas, algumas delas retrabalhar nem revelar a inaplicabilidade de uma perspectiva teórica existente, nem
propositalmente deduzidas das premissas durkheiminianas e da modernizacriío, ou- gerar um paradigma alternativo para substituir tal perspectiva. Ao contrário, o obje-

22 Esludos de Sociologia, Araraquara, 16,7-29,2004 23


Esludos de Sociologia, Araraquara, 16, 7-29, 2004
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A illlagillarao histórica da S ocio/f{~ia

tivo básico é perceber padr6es históricos, usando no processo quaisquer fontes teóri- jam úteis sem se importar com quao na moda elas estejam. Para imaginar boas ques-
cas que pare«am úteis e válidas. t5es a serem feitas para a história, assim como boas respostas para explorar com
várias formas de evidencias, Bloch e Moore aceitam a ajuda de quaisquer proposi-
Como explicam Block e Somers, muito da pesquisa de Polanyi foi devotada
«5es teóricas que eJes possam emprestar de out ros, ou inventar eles mesmos, no
para criticar as excessivas generaliza«5es da economia liberal ou do determinismo
processo de suas investiga«5es históricas. Ambos usam a análise histórica compara-
economico de certos marxistas e, em seu lugar, para desenvolver conceitos que per-
tiva como uma de suas técnicas primárias para examinar hipóteses e explorar pa-
mitiriam anáJises de institui«5es economicas historicamente variadas nos contextos dr5es de causas históricas.
sociais completos em que elas funcionavam. No entanto, em The Grecll
TrallsjomUlfioll, a obra que Block e Somers denominam a mais importante contribui- Chirot escreve que o compromisso de Bloch "era dizer a nós o que aconteceu
«uo de PoJanyi para a sociologia histórica, o objeto de explica«ao foi um processo e explicar por que". Como um historiador, seu interesse reside em entender a socieda-
mundial-histórico específico: a emergencia e a crise eventual da "sociedade de mer- de medieval européia como uma totalidade significante encontrando as fronteiras
cado" capitalista do século dezenove, centrado na Grii-Bretanha. De forma similar a temporais e espaciais dentro das quais prevaleceram padr5es relativamente duráveis
Wallerstein, ainda que numa escala diferente, Polanyi deparou com o desafio de ex- e regulares da vida economica, social, política e cultural. Na visao de Bloch, a tarefa
plicar um único caso, uma única totalidade de estrutura e processo. Block e Somers das teorias era "apenas ajudar o historiador a procurar por melhores evidencias sobre
nos dizem que Polanyi uso u uma "metáfora orgfinica de desenvolvimento en'oneo" o passado", incluindo evidencia de fontes que nao sao usualmente encontradas por
historiadores. As compara«oes entre padr5es regionais ou nacionais poderiam ser tao
para ajudá-Io a conceitualizar~. emergencia e desenvolvimento-em-crise da so~ieda-
de de mercado. EJes ainda apontam que Polanyi constantemente avan«ou e retroce- úteis para rejeitar falsas explica«5es genéricas e adquirir um sentido acurado de se-
deu da metáfora para argumentos causais concretos referentes a seqüencias particulares qüencias causais particulares para casos dados assim como para gerar generaliza-
de eventos históricos na Gra-Bretanha e na cena internacional, pois ele sabia, nas «5es causais válidas que poderiam ser aplicadas para mais de urna instancia.
palavras de Block e Somers, que a "metáfOl:asó pode operar como uma heurística; Mais como um sociólogo do que um historiador, Barrington Moore é natural-·
ela nao pode ser usada para carregar o argumento", assim como o modelo do sistema mente mais il11eressadodo que Bloch em usar evidencias históricas para desenvolver
mundial de Wallerstein parece fazer com muita freqüencia. De qualquer forma, esse argumentos gerais. Ele procura generaliza«5es, por exemplo, sobre "rotas" alternati-
contraste entre Wallerstein e Polanyi é facilmente compreensível quando percebemos vas para estados agrários alcan<;arem o mundo moderno e sobre as rea«5es humanas
que o objeti vo de Wallerstein é o desenvolvimento de um paradigma capaz de substi- a situa«5es sociais injustas, mas mesmo quando ele coloca um objeto abstrato para
tuir a teoria da moderniza«ao, enquanto o objetivo de Polanyi em The Grea! investigar, tal como o último mencionado, Moore sempre se move rapidamente para
Tral/Sjormation era compreender de forma unificada um conjunto concreto de insti- ~ instancias históricas concretas. Como Bloch, ele afia seu senso de conexoes causais
tui<,:ikse eventos. particulares e gemis com a explonu¡:iiode casos históricos e de compura«5es de us-
O primeiro e o último pesquisador discutidos nos capítulos desse livro, Marc pectos relevantes de casos similares e diferentes. Dennis Smith observa que, em So-
Bloch e Barrington Moore, me parecem muito similares a Polanyi e, em especial, um cial Origins vI Dictaforslzip aml Del1locracy, "a discussiio de Moore de cada caso
ao outro, no espírito e nos métodos de suas obras históricas. Ambos suo teoricamente nacional é pontuada com referencias cruzadas detalhadas e sutis a outras sociedades.
bem informados e ec1éticos. Chirot aponta que Bloch conheceu e se baseou nas idéias Essas referencias sao trazidas nao como mero adorno, mas como material essencial
sociológicas da escola de Durkheim assim como em idéias marxistas sobre c1asses. para um argumento que está sendo construído diante dos olhos do leitor". Quando
Smith nos fala sobre o desejo de Moore de emprestar idéias do funcionalismo estru- Moore aborda um cuso particularmente difícil do ponto de vista de seu próprio argu-
tural e do evolucionismo assim como, de forma mais óbvia, de Marx e Weber. Além mento geral emergente, ele prefere despender tempo extra nele, por exemplo, com a
disso, como todos os OlltroSpesquisadores, Bloch e Moore sao críticos das teorias Índia, em Social Origins, do que o abordando de forma insatisfatória ouo ignorando
excessivamente abstratas e baseadas em um determinismo de fator único mesmo que como Olltras analistas poderiam fazer.
nenhum deles gaste muito esfor«o discutindo com, ou tentando substituir, tais teorias. Ambos; BIoch e Moore, estao mais interessadosno uso ou desenvolvimento de
Ao invés disso, ambos estao mais comprometidos em compreender realidades histó- generaliza«6es explicativas do que Bendix ou Thompson, ainda que possíveis ganhos
ricas importantes e, em geral, simplesmente ignoram totalmente teorias que nao se- teóricos do tipo de abordagem deles possam parecer muito mais modestos e restritos

24 Esludos de Sociologia, Araraquara, 16,7-29,2004


25
Esludos de Sociologia. Araraquara, 16,7,29,2004
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BELLAH, R. N. Tolmgawa rcligion: the values of pre-industrial Japan. Boston:


do que os obtidos por, digan)os, Wallerstein ou Eisenstadt. Essa impressao poderia
Beacon Press, 1970.
ser enganosa. Daniel Chirot argumenta que Marc Bloch foi capaz de sugerir "uma
regra geral importante da mudan<;a social" com o seu estudo comparativo do que BENDIX, R. J\.'IaxWeher: an intellectual ponrait. Garden City: Doubleday Anchor,
1960.
pode parecer um problema histórico muito secreto: as varia<;5esintra-européias das
cren<;as sobre o "toque real", it c-apacidade de curar atribuída aos reis. Ainda que o BENDlX, R. Work Hnelauthority in inelustry. Berkeley: California Univ. Press, 1974.
argumento de Bloch "nao tenha se prestado a constru<;iiode uma teoria carnal", ele é, BLOCH, M. A socieelaele feudal. Lisboa: Edi<;5es70,1987.
afirma Chirot, o mais"escrupuloso estudo de um caso de rotiniza<;iiodo carisma". BUKHARIN, N. Historical materialism. Ann Harbor: Michigan Univ. Press, 1969.
Chirot enfatiza que os resultados generalizáveis desse estudo podem "permitir aque-
BURAWOY, 1-1. Introduction: the resurgence ofMarxism in American sociology. In:
les que estudam outros períodos e tempos colocar quest5es interessantes e sugerir
BURAWOY, M. ; SKOCPOL, T. (Ed.). Marxist inquiries: studies of labor, class,
respostas experimentais". Com certeza, isso é o que qualquerteoria macrossociológica
and states. American Journal of Sociology, v.88, supplement, p.I-30, 1980.
deveria fazer. Também pode ser tudo o que ela pode aspirar fazer.
COLLlNS, R. Contlict sociology: toward and explanatory science. New York:
Na avalia<;aofinal, sociólogos que orientam suas problemáticas historicamen-
Academic Press, 1975.
te, como Marc 810ch e Barrington Moore, podem nos dizer mais sobre estruturas ,
sociais e mudan<;asocial do que sociólogos históricos que retrabalham, ou que argu- COLLlNS, R. Weber's last theory of capitalism: a systematization. American
Sodologieal Rcview, v.48,n.6, 1980.
mentam com, paradigmas teóricos excessivamente genéricos. Esta é minha percep-
<;aode uma das li<;5esmais importantes que podem ser aprendidas pela compara<;ao DEUTSCH, K.W. Social mobilization and political development. American Political
dos feitos dos pesquisadores. Quaisquerque sejam as avalia<;6esque alguém ven ha a Sciellce Review, v.55, p.493-514, 1961.
fazer de suas for<;ase defeitos, cada um dos estudiosos extraordinários que estamos GIDDENS, A Capitalism and modern social theory ..American Sociological Review,
prestes a encontrar encarou sem retroceder este desafio. Cada um, também, enfren- v.45,n.6, 1980.
tau o desafio com sucesso admirá ve!. Juntos, eles enriqueceram de forma incomensu-
GIDDENS, A. Capitalislll and Illodern social theory. Cambridge: Cambridge Univ.
rável a tradi<;aoduradoura da pesquisa sociológica baseada em "uma extensao histórica t Press, 1971. '
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