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PROIBIDA REPRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO.

PROTEGIDO POR DIREITOS AUTORAIS.

Saúde em Debate 113


direção
Gastão Wagner de Sousa Campos
Maria Cecília de Souza Minayo
José Ruben de Alcântara Bonfim
Marco Akerman
Marcos Drumond Jr.
Yara Maria de Carvalho
ex-diretores
David Capistrano Filho
Emerson Elias Merhy

É por certo a saúde coisa mui preciosa, a única


merecedora de todas as nossas atenções e cuidados
e de que a ela se sacrifiquem não somente todos os
bens mas a própria vida, porquanto na sua ausên-
cia a existência se nos torna pesada e porque sem
ela o prazer, a sabedoria, a ciência, e até a virtude
se turvam e se esvaem.
M ICHEL E YQUEM DE M ONTAIGNE
(1533-1592).
Ensaios. “Da semelhança dos pais com os filhos”.
Trad. Sérgio Milliet
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Saúde em Debate
TÍTULOS PUBLICADOS APÓS JANEIRO DE 2010
Atenção em Saúde Mental para Crianças e Adolescentes no SUS, Edith Lauridsen-Ribeiro & Oswaldo Yoshimi
Tanaka (orgs.)
Dilemas e Desafios da Gestão Municipal do SUS: Avaliação da Implantação do Sistema Municipal de Saúde
em Vitória da Conquista (Bahia) 1997-2008, Jorge José Santos Pereira Solla
Semiótica, Afecção e o Trabalho em Saúde, Túlio Batista Franco & Valéria do Carmo Ramos
Adoecimento Crônico Infantil: um estudo das narrativas familiares, Marcelo Castellanos
Poder, Autonomia e Responsabilização: Promoção da Saúde em Espaços Sociais da Vida Cotidiana, Kênia Lara
Silva & Roseli Rosângela de Sena
Política e Gestão Pública em Saúde, Nelson Ibañez, Paulo Eduardo Mangeon Elias & Paulo Henrique
D’Angelo Seixas (orgs.)
Educação Popular na Formação Universitária: Reflexões com Base em uma Experiência, Eymard Mourão Vas-
concelos & Pedro José Santos Carneiro Cruz (orgs.)
O Ensino das Práticas Integrativas e Complementares: Experiências e Percepções, Nelson Filice de Barros, Pamela
Siegel & Márcia Aparecida Padovan Otani (orgs.)
Saúde Suplementar, Biopolítica e Promoção da Saúde, Carlos Dimas Martins Ribeiro, Túlio Batista Franco,
Aluisio Gomes da Silva Júnior, Rita de Cássia Duarte Lima, Cristina Setenta Andrade (orgs.)
Promoção da Saúde: Práticas Grupais na Estratégia Saúde da Família, João Leite Ferreira Neto & Luciana
Kind
Capitalismo e Saúde no Brasil nos anos 90: as Propostas do Banco Mundial e o Desmonte do SUS, Maria Lucia
Frizon Rizzotto
Masculino e Feminino: a Primeira Vez. A Análise de Gênero sobre a Sexualidade na Adolescência, Silmara Conchão
Educação Médica: Gestão, Cuidado, Avaliação, João José Neves Marins & Sergio Rego (orgs.)
Retratos da Formação Médica nos Novos Cenários de Prática, Maria Inês Nogueira
Saúde da Mulher na Diversidade do Cuidado na Atenção Básica, Raimunda Magalhães da Silva, Luiza Jane Eyre
de Souza Vieira, Patrícia Moreira Costa Collares (orgs.)
Cuidados da Doença Crônica na Atenção Primária de Saúde, Nelson Filice de Barros (org.)
Tempos Turbulentos na Saúde Pública Brasileira: Impasses do Financiamento no Capitalismo Financeirizado,
Áquilas Mendes
A Melhoria Rápida da Qualidade nas Organizações de Saúde, Georges Maguerez
Saúde, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação, Ana Luiza d’Ávila Viana, Aylene Bousquat &
Nelson Ibañez
Tecendo Redes: os Planos de Educação, Cuidado e Gestão na Construção do SUS. A Experiência de Volta Redonda
(RJ). Suely Pinto, Túlio Batista Franco, Marta Gama de Magalhães, Paulo Eduardo Xavier Mendonça,
Angela Guidoreni, Kathleen Tereza da Cruz & Emerson Elias Merhy (orgs.)
Coquetel. A Incrível História dos Antirretrovirais e do Tratamento da Aids no Brasil, Mário Scheffer
Psicanálise e Saúde Coletiva: Interfaces, Rosana Onocko Campos
A Medicina da Alma: Artes do Viver e Discursos Terapêuticos, Paulo Henrique Fernandes Silveira
Clínica Comum: Itinerários de uma Formação em Saúde (orgs.), Angela Aparecida Capozzolo, Sidnei José
Casetto & Alexandre de Oliveira Henz
Práxis e Formação Paideia: Apoio e Cogestão em Saúde, Gastão Wagner de Sousa Campos, Gustavo Tenório
Cunha & Mariana Dorsa Figueiredo
Intercâmbio Solidário de Saberes e Práticas de Saúde: Racionalidades Médicas e Práticas Integrativas e Comple-
mentares, Marilene Cabral do Nascimento & Maria Inês Nogueira (orgs.)
Depois da Reforma: Contribuição para a Crítica da Saúde Coletiva, Giovanni Gurgel Aciole
Diálogos sobre a Boca, Carlos Botazzo

AS DEMAIS OBRAS DA COLEÇÃO “ SAÚDE EM DEBATE ” ACHAM - S E NO FINAL DO LIVRO .


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A ERA DO
SANEAMENTO
As bases da política
de Saúde Pública
no Brasil
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GILBERTO HOCHMAN

A ERA DO
SANEAMENTO
As bases da política
de Saúde Pública
no Brasil

♦♦♦

TERCEIRA EDIÇÃO

HUCITEC EDITORA
São Paulo, 2013
PROIBIDA REPRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO.
PROTEGIDO POR DIREITOS AUTORAIS.

© Direitos autorais, 2011, de


Gilberto Hochman.
Direitos de publicação reservados por
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Hucitec Editora Ltda.,
Rua Águas Virtuosas, 323
02532-000 São Paulo, SP.
Telefone (55 11 2373-6411)
www.huciteceditora.com.br
lerereler@huciteceditora.com.br

Depósito Legal efetuado.

Coordenação editorial
MARIANA NADA
Assessoria editorial
MARIANGELA GIANNELLA
Circulação
comercial@huciteceditora.com.br / jmrlivros@gmail.com
Tel.: (11)3892-7772 – Fax: (11)3892-7776

Foto da primeira capa:


Inauguração do trecho aberto do rio Sarapuhy, entre Mesquita e Engenheiro Neiva
(Nova Iguaçu), Estado do Rio de Janeiro. Departamento de Saneamento e Profilaxia
Rural, 8-1-1922. Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz.

Foto da última capa:


Serviço do Profilaxia Rural, Subposto de Itacuruçá, Estado do Rio de Janeiro, 1919?
Acervo Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz

A primeira edição deste livro (1998) foi feita em coedição com a


Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs)

PRIMEIRA REIMPRESSÃO , 2013


SEGUNDA REIMPRESSÃO , 2015

CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

H618e
3.ed.
Hochman, Gilberto, 1960-
A era do saneamento : as bases da política de saúde pública no Brasil /
Gilberto Hochman. – 3.ed. – São Paulo : Hucitec, 2012.
253p. : 21 cm (Saúde em Debate ; 113)
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-64806-08-5
1. Saúde pública – Brasil – História. 2. Política de saúde – Brasil –
História. 3. Saneamento – Brasil – História. I. Título. II. Série.
12-4003. CDD: 362.10981
CDU: 614.2(81)
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Por todas e quaisquer razões


este livro é dedicado aos meus pais
Samuel e Clara.
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SUMÁRIO

♦♦♦

13 Apresentação

15 Introdução

Capítulo 1
21 Quando a saúde se torna pública: formação do Estado e polí-
ticas de saúde no Brasil
21 1. Introdução
25 2. Aspectos teóricos e metodológicos
39 3. Argumento geral, estratégia de análise e estrutura do livro.
39 3.1. Argumento
40 3.2. Análise
45 3.3. Estrutura do livro

Capítulo 2
48 O micróbio da doença e o poder público: o movimento sanita-
rista brasileiro e o surgimento de uma consciência da inter-
dependência
48 1. Introdução
50 2. A sociabilidade da doença: externalidades, consciência e co-
munidade
59 3. Brasil = Sertões + Hospital: A equação do movimento pela
reforma sanitária na Primeira República
59 3.1. Apresentação

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62 3.2. Doença e abandono: um diagnóstico dos males do Brasil


70 3.3. Federação, doença e ausência: uma interpretação sobre o Brasil
78 4. A doença que pega questiona os limites do Poder Público
85 5. Considerações finais

Capítulo 3
88 A reforma da saúde pública ou quem deve ser o responsável pela
“doença que pega”?
88 1. Introdução
92 2. A responsabilidade governamental em saúde pública e sanea-
mento nas primeiras décadas da República
106 3. A reforma dos serviços de saúde pública na agenda nacional:
propostas, crises sanitárias e decisões
106 3.1. Repercussão pública da campanha pelo saneamento
110 3.2. Propostas, debates e decisões I — Os círculos profissionais
115 3.3. Propostas, debates e decisões II — O Legislativo federal
124 3.4. Um interregno trágico e uma ameaça permanente: a auto-
ridade pública sob o impacto das epidemias
130 3.5. Propostas, debates e decisões III — Depois da epidemia
137 4. Considerações finais

Capítulo 4
141 Sobre o encontro da consciência com o interesse: uma política pú-
blica e nacional de saúde
141 1. Introdução
145 2. O poder central como solução dos problemas sanitários
145 2.1. Sobre ineptos e incautos ou o perigo mora ao lado
151 2.2. Sobre os benefícios e os custos da coletivização: uma inter-
pretação
160 3. Dos custos, das oportunidades e das regras: o saneamento
rural como política nacional de saúde pública
160 3.1. Os benefícios do poder central, a regra de adesão e os cus-
tos tangíveis da estatização
168 3.2. A reforma sanitária: benefícios do Estado, custos externos
e custos do Estado

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172 4. A reforma da saúde pública em marcha: indicadores e im-


pactos
173 4.1. A adesão dos estados e a adição de atribuições
177 4.2. Preenchendo o mapa do Brasil: a dilatação do Poder Público
179 4.3. Os benefícios do custeio e custo dos benefícios
183 5. Nos estados ou dos estados? Constituição de autoridade e a
redistribuição de responsabilidades
193 6. Considerações finais

Capítulo 5
196 À exceção de São Paulo: autonomia política, interdependência
sanitária
196 1. Introdução
199 2. Políticas de saúde pública em São Paulo uma breve exposição
207 3. A excepcionalidade paulista: da constatação ao problema
213 4. A excepcionalidade paulista como interpretação
213 4.1. Cada um que cuide de si: uma proposta paulista para a saúde
do Brasil
218 4.2. São Paulo cuida de si e dos outros: a internalização dos custos
da interdependência
222 4.3. São Paulo cuida de si e o Governo Federal dos outros: uma po-
lítica viável de saúde pública
225 5. Considerações finais

Capítulo 6
228 Considerações gerais

233 Bibliografia e fontes


233 1. Arquivos Privados e Institucionais
233 2. Periódicos
234 3. Legislação e Anais
234 4. Documentos, textos e relatórios Brasileiros do período
1890-1940
240 5. Referências bibliográficas

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APRESENTAÇÃO
♦♦♦

S
ob que condições os pobres, os destituídos, os doentes, os iletrados e as
vítimas em geral da adversidade e do infortúnio passam a ser objeto de
proteção pública? Como se dá, em termos históricos e analíticos, o processo
de “coletivização da proteção a destituição humana”? Perguntas graves, com
certeza. Mais do que isso, talvez: perguntas que sugerem um certo desencontro
com os tempos que correm, marcados pelo predomínio de políticas e de concepções
que parecem decorrer de perguntas simetricamente opostas. Para falarmos nos
termos de Karl Polanyi, a “religião do mercado”, assumida como imperativo
categórico da modernidade, está a indicar o trajeto oposto e as perguntas que
dele decorrem: sob que condições a adversidade e o infortúnio podem/devem
deixar de ser percebidos como efeitos de processos de geração de males públicos?
Como se dá – deve dar – o processo de “comodificação” (com o perdão de Esping-
-Andersen. . .) da proteção social? Mas, seria um equívoco supor que A era do
saneamento permanece nos limites de um belo e competente exercício de história,
devotado a exibir um contraste: o da combinação entre consciência da necessidade
pública de um sistema nacional e coletivizado de saúde e um conjunto de interes-
ses específicos com os valores e as políticas vinculados ã naturalização do mercado.
Se esse fosse o limite do trabalho de Gilberto Hochman, já estaríamos, com
certeza, saciados. Alas não é esse o caso. O que está em jogo é mais do que isso.
A era do saneamento pretende demonstrar a centralidade assumida pe-
las políticas de saúde e saneamento, no Brasil da Primeira República, no proces-
so de construção do Estado Nacional. Em termos mais diretos, aquelas políticas
são apresentadas como cruciais para o alargamento da presença do Estado na so-
ciedade e no território brasileiros. Trata-se de, portanto, indicar a complexidade

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da esfera pública e estatal no Brasil oligárquico. Por esse caminho, o livro de Gil-
berto Hochman pode ser lido, ainda, como um corajoso e brilhante experimento
analítico que indica o tema da complexidade do Brasil anterior a 1930. A ex-
periência política e institucional da Primeira República brasileira é percebida,
não raro até hoje, como uma espécie de hiato na formação do Estado Nacional.
Tanto o universo da política imperial, como o da vida política posterior a 1930
são tidos como legíveis a partir da perspectiva estratégica da construção do
Estado. O domínio parentético da República Velha segue desinteressante: ele
não passaria de abrigo de uma ordem política tida como simples – já que tra-
duz no plano político as hierarquias do predomínio social e regional – e como
hospedeira preferencial do folclore coronelista e da truculência oligárquica.
Através de um ângulo específico, porém decisivo, Gilberto Hochman nos
persuade que a transformação da saúde em um bem público interage de maneira
intensa com a constituição de uma comunidade nacional e com o próprio forta-
lecimento da esfera pública e estatal. A escolha desse ponto de observação é um
dos pontos brilhantes da análise: dados os padrões de complexidade e interde-
pendência social crescentes, o fenômeno da doença transmissível e da insalubri-
dade é um objeto privilegiado para tratar das relações entre público e privado
e entre poder local e poder central. O que se está indicando é, em termos mais
diretos, a presença de uma tradição republicana, anterior mesmo a 1930, que
associa consciência, valores e interesses no processo de geração de bens públicos e
de políticas de combate à destituição. Mesmo em um oceano de oligarcas cíni-
cos, foi possível, graças ao esforço de persuasão do movimento sanitarista bra-
sileiro, perceber o país como um “imenso hospital”, cuja letalidade é função
direta da ausência de poder público.
Mas, a meu juízo, aqui fica registrado o mérito principal desse livro: o
de nos sugerir o quanto que nossa experiência civilizatória recente, e desde as
duas décadas que antecedem a Revolução de 1930, está marcada pela capaci-
dade de integração promovida por políticas sociais públicas e nacionais. Com
todos os problemas contidos nessa tradição, trata-se de um legado que parece
não estar à altura da perspectiva contábil e da mercadofilia dos reformadores
contemporâneos.

— R ENATO L ESSA
Professor titular da UFF.

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INTRODUÇÃO
DESTA TERCEIRA EDIÇÃO
♦♦♦

A
primeira edição deste livro (1998) foi resultado do Prêmio José
Albertino Rodrigues concedido pela Anpocs à melhor tese
de doutorado em ciências sociais no ano de 1996. Ganhou uma
nova edição em 2006 que rapidamente se esgotou. Ao longo de uma
década A era do saneamento ingressou e circulou em diferentes circuitos
acadêmicos tais como as ciências sociais, a história, a saúde coletiva, a
educação e a engenharia ambiental. Tenho consciência de que este livro,
associado a outros trabalhos publicados no mesmo período, consolidou
uma interpretação original sobre as relações entre políticas de saúde e
formação do Estado no Brasil e forneceu pistas e atalhos para uma produ-
ção crescente na área de ciências sociais e da saúde coletiva. Inúmeras
leituras têm sido feitas dos argumentos centrais do livro, algumas surpre-
endentes e diversas do que originalmente pensei. Como filhos em um
dado momento da vida, livros seguem caminhos independentes do autor.
Ao apresentar uma nova edição a novos leitores alerto que poucas modi-
ficações foram feitas no texto. Sua ampla e positiva recepção e inúmeras
citações indicam que sua base teórica e empírica resistiu, e sua interpre-
tação continua ajudando a reflexão sobre políticas públicas, história da
saúde e pensamento social no Brasil. O livro reeditado, como todo traba-
lho acadêmico, precisa ser continuamente desafiado. Meus próprios arti-
gos e capítulos de livros posteriores têm reelaborado visões e perspectivas
nele contidos. Reeditar esse livro em 2011 é renovar meus compromissos
intelectuais de cientista social com a saúde da população brasileira e con-
tinuar refletindo e debatendo sobre seu passado e futuro

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Se o livro continua essencialmente o mesmo, a vida do autor mu-


dou muito. Não só intelectualmente. John Lennon cantou que “a vida é
aquilo que acontece enquanto fazíamos outras coisas”. E a vida foi acon-
tecendo enquanto pessoas liam esse trabalho. Novos e outros amigos (al-
guns por meio do contato com esta obra), novos desafios pessoais e inte-
lectuais, alegrias renovadas, algumas tristezas e uma nova e intensa vida
amorosa e familiar. Minha mãe, Clara Cohen Hochman, educadora sa-
nitária e a quem dediquei o livro nos deixou em 2010. Saudades eu terei
sempre e esse livro continua sendo em homenagem a ela e ao meu pai
Samuel. E por fim, e o mais importante, essa primeira década do século
XXI foi atravessada de mãos dadas com minha adorável Simone Kropf e
com nossa filha Ana Clara. Nada seria possível sem o afeto e amor de
Simone e Aninha.
Como o passado enferruja porém não se apaga retomo aqui parte
da introdução escrita em junho de 1998, ainda no final do século XX.
Este livro é uma versão revista de minha tese de doutorado em Ciência
Política apresentada ao Iuperj em dezembro de 1996. É um estudo sobre
a formação de políticas públicas e nacionais de saúde e o seu foco princi-
pal são as políticas de saneamento rural no Brasil das duas últimas déca-
das da Primeira República. Nesse período, que denomino de a era do
saneamento, a saúde pública, envolvida numa ideologia de cunho marca-
damente nacionalista, foi alçada ao topo da agenda política nacional. Desse
lugar privilegiado foram lançadas as bases de uma política estatal de saúde
e saneamento de amplitude nacional. Os anos 20 ofereceram oportunida-
des políticas únicas para uma reforma sanitária ampla. Elas não se repe-
tiriam na história brasileira. Este é um trabalho sobre essas oportuni-
dades, sobre essa reforma, sobre alguns de seus sucessos e fracassos. A
pergunta que o orienta é quando, por que e como a saúde se torna pública?
O objetivo é mostrar que as políticas de saúde e de saneamento
tiveram um papel importante no incremento substancial da penetração
do Estado na sociedade e no território do país. Enquanto um estudo
sobre a coletivização da proteção à destituição humana, ou sobre a gênese
de políticas sociais, o livro indica que esse processo depende da forma
pela qual as elites enfrentaram os dilemas e impasses gerados pela
interdependência social. A interpretação apresentada é que, primeiro, as

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políticas de proteção social emergem a partir de uma articulação entre


consciência social das elites e seus interesses materiais a partir de oportu-
nidades por elas vislumbradas com a coletivização do bem-estar. Segun-
do, o formato organizacional e os conteúdos substantivos dessas políticas
são objetos de cálculo e barganha em torno dos custos e benefícios da
estatização vis-à-vis os custos impostos pela interdependência social. Um
dos principais atores na conformação das políticas nacionais de saúde e
saneamento foi, justamente, aquele que desenvolveu uma política sanitá-
ria autônoma porém interdependente em relação aos resultados das ações
dos demais estados e do Governo Federal: o estado de São Paulo.
Uma política nacional de saúde pública no Brasil foi possível e viá-
vel a partir do encontro da consciência das elites com seus interesses, e
suas bases foram estabelecidas a partir de uma negociação entre os estados
e o poder central, tendo o federalismo como moldura político-institucional.
Esse encontro foi promovido pelo movimento sanitarista brasileiro que
buscou redefinir, entre 1910 e 1920, as fronteiras entre os sertões e o litoral,
entre o interior e as cidades, entre o Brasil rural e o urbano em função do
que consideravam o principal problema nacional: a saúde pública. Esse
movimento divulgou exaustivamente uma definição essencialmente polí-
tica desses limites: os sertões dos médicos-higienistas caracterizavam-se pela
concomitante ausência de poder público e onipresença das doenças que pegam,
em especial das chamadas grandes endemias rurais. Por meio de uma
intensa campanha de opinião pública, o movimento pelo saneamento
rural buscou convencer as elites políticas de que esses sertões, ausência e
doença, estavam mais próximos e eram mais ameaçadores do que elas
imaginavam. Afinal, como advertiu Afrânio Peixoto, os sertões do Brasil
começavam no final da avenida Central. Tão perto, ainda que tão longe.
Gostaria de agradecer às instituições e pessoas que deram apoio ao
meu trabalho de tese e a publicação deste livro.
Em primeiro lugar, agradeço à Casa de Oswaldo Cruz, unidade da
Fundação Oswaldo Cruz na qual trabalho desde 1987 e onde a pesqui-
sa de minha tese foi realizada. Liberdade intelectual, condições de traba-
lho e suporte ao meu projeto de pesquisa nunca me faltaram. Agradeço
aos pesquisadores, bibliotecárias, staff administrativo e à diretoria pelo
ambiente criativo e desafiador que tem caracterizado a COC.

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Muito mais do que colegas de trabalho, Nísia V. Trindade Lima,


Cristina M. Oliveira Fonseca, Marcos Chor Maio e Maria Rachel F.
da Fonseca foram os amigos queridos, generosos e incondicionais que
me incentivaram e apoiaram afetiva e intelectualmente. Nísia, em es-
pecial, foi a parceira intelectual mais constante nestes últimos anos. Par-
te deste trabalho resultou de nossas conversas e esforços de produção
acadêmica. Com Cristina participei de projetos e discussões que gera-
ram muitas das questões deste livro. Marcos foi um interlocutor perma-
nente e fraterno. A Nísia, Cris, Marcos e Rachel os meus agradecimen-
tos. De coração.
Credito ao Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro a
minha formação intelectual e identidade profissional. Em poucas pala-
vras, se sou um cientista social devo isso ao Iuperj. Agradeço aos profes-
sores, bibliotecárias, funcionários e alunos pelo intenso convívio intelec-
tual e pessoal de mais de uma década.
No desenvolvimento de minha tese de doutorado tive o privilégio
de contar com a orientação da professora Elisa Pereira Reis. Parte im-
portante de meu curso de doutorado foi realizado por meio de conversas
e discussões que tive com minha orientadora em torno dos meus papers,
projetos e capítulos de tese. A professora Elisa ajudou a transformar meu
interesse geral por políticas de saúde pública em uma questão analítica
com estratégias de pesquisa e de argumentação mais definidas. Com rigor
teórico, objetividade, espírito crítico, respeito intelectual e sem imposi-
ções, Elisa apontou-me caminhos, balizou escolhas e apoiou minhas deci-
sões. Por tudo isso, registro aqui o meu reconhecimento e o meu especial
agradecimento.
Em 1992, os professores Maria Regina Soares de Lima e Renato
R. Boschi ministraram um excelente curso sobre política social no Iuperj,
no qual tive a oportunidade de ler trabalhos e discutir questões aqui
presentes. O trabalho de final de curso foi o primeiro esforço de sis-
tematização das ideias desenvolvidas na tese e acabou sendo publicado
na revista Estudos Históricos, n.o 11, 1993. A minha tese e este livro fo-
ram imensamente beneficiados pelos comentários, pelas sugestões e pelo
apoio de Maria Regina e de Renato. A Regina e a Renato o meu muitís-
simo obrigado.

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Sou grato aos demais membros da banca examinadora da tese, pro-


fessores Luiz Antônio de Castro Santos, Argelina Cheibub Figueiredo e
Fabiano Guilherme Mendes Santos, pelas críticas e pelos comentários
que foram incorporados neste livro. Luiz Antônio, sempre aberto ao diá-
logo, fez sugestões fundamentais ao meu trabalho ainda em sua fase pre-
liminar e me incentivou a realizá-lo. Seus artigos e sua tese formam o
conjunto obrigatório de leituras para aqueles que, como eu, se aventuram
no estudo da gênese e do desenvolvimento das políticas de saúde no
Brasil. Fabiano, além de um interlocutor frequente nestes últimos anos,
reapresentou-me, em um momento decisivo, autores indispensáveis que
já tinham sido por mim sepultados em anotações amareladas de um curso
de teoria política. De Argelina tive todo apoio e o entusiasmo pelo meu
trabalho. Por tudo isso agradeço, muito, a Luiz Antônio, Argelina e Fabito.
Gostaria de registrar o meu reconhecimento àquele que, desde o
meu ingresso no Iuperj como aluno do mestrado, influenciou e marcou a
minha formação intelectual e a minha trajetória profissional: Wanderley
Guilherme dos Santos, professor.
O Departamento de Sociologia do Boston College recebeu-me
como pesquisador visitante durante o ano de 1994 e forneceu-me todos
os recursos e facilidades para que eu tivesse tranquilidade para ler, pesquisar
e escrever. Nada me faltou. Diante de tamanho desafio profissional aca-
bei me sentindo como se estivesse em casa. Foi um dos anos mais felizes
e produtivos de minha vida. Devo isso ao profissionalismo e à generosi-
dade do professor John B. Williamson, que tão bem me recebeu e com
quem tive o privilégio de trabalhar. Contei, também, com o auxílio ines-
timável de Brodwyn M. Fischer tanto na minha chegada e instalação em
meio a um terrível inverno bostoniano, como no acesso a bibliotecas e a
informações importantes. Sou grato a John, Brodie e aos membros do
Departamento de Sociologia do BC.
Agradeço à CAPES e ao CNPq pelos auxílios financeiros que re-
cebi no Brasil e nos Estados Unidos e à Anpocs pelo reconhecimento ao
meu trabalho e pela oportunidade de divulgá-lo por meio de sua publica-
ção. Tema Pechman (in memoriam) tornou a tese inteligível. Igualmente
eficiente foi a revisão dos originais do livro realizada por Luiz Antônio
Aguiar e Marisa Sobral. Obrigado.

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Agradeço o apoio incondicional, a ajuda inestimável e o afeto ili-


mitado de duas amigas muitíssimo queridas, Wilma Mangabeira e Helena
Bomeny. A Paulo Wrobel e a Christopher J. Ballantyne, amigos próxi-
mos. Rogério Hochman, meu irmão, tem sido uma intensa e afetiva pre-
sença em minha vida, enquanto Marcia Sobral me apoiou e me acompa-
nhou durante a realização da tese que se transformou neste livro.

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Capítulo 1
QUANDO A SAÚDE SE TORNA PÚBLICA:
FORMAÇÃO DO ESTADO E
POLÍTICAS DE SAÚDE NO BRASIL
♦♦♦

1. Introdução
Interesses sem [. . .] elevação espiritual
são frágeis e ineficazes; por outro lado,
ideias só podem ser bem-sucedidas na
história quando e na medida em que se
vinculam a interesses tangíveis
— O TTO H INTZE, 1931.1

O
objetivo deste trabalho é analisar a formação de políticas de
saúde pública no Brasil. Parto da associação indicada pelo his-
toriador alemão Otto Hintze, entre ideias e interesses tangí-
veis da ação humana, pretendendo apropriar-me dessa articulação de ele-
mentos e operacionalizá-la no exame da constituição de soluções para os
problemas sanitários. Tais soluções revelam a combinação bem-sucedida
que explica a decisão que tornou a saúde não somente pública, mas estatal
e nacional. Se a relação entre ideias e interesses é o ponto de partida mais
geral, minha investigação sobre a coletivização e a nacionalização dos
cuidados com a saúde e suas consequências busca o ponto de encontro
entre a consciência e o interesse ou em que condições ocorre essa combi-
nação que movimenta os atores relevantes e possibilita a gênese de cuida-
dos estatais com saúde pública.

1
Publicado em Gilbert (1975). As traduções de textos em inglês ao longo do livro
são minhas.

21

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Procuro construir uma interpretação plausível sobre quando, por


que e como, em um determinado contexto histórico, surgem arranjos
coletivos, nacionais e compulsórios, para cuidar da saúde, e quais as suas
consequências políticas. Algumas questões orientam esse empreendimento
analítico. A primeira trata de quando a saúde se torna pública ou por que
se torna objeto de interesse público e de iniciativas políticas. Uma segun-
da questão diz respeito às condições que tornam possível e viável trans-
formar o interesse público em políticas públicas, ou quais são as condi-
ções para que indivíduos decidam transferir responsabilidades para o
Estado. Uma terceira pergunta, derivada da anterior, refere-se às relações
entre o conteúdo das políticas que se tornaram públicas e o arranjo legal
e institucional constituído para sua execução. Em outras palavras, como
essas políticas públicas refletem e/ou alteram as relações entre Poder
Público, elites políticas e sociedade? Por último, quais seriam as relações
entre o processo de coletivização e nacionalização da saúde e o processo
de constituição do Estado? As minhas respostas são análises dos proces-
sos decisórios cruciais de estatização, inseridos em uma moldura históri-
co-sociológica, a qual contextualiza e restringe essas escolhas e decisões,
e dos seus impactos sobre essa moldura.
Pretendo explicar por que, em determinado momento, indivíduos
decidem colaborar na constituição de um arranjo público e compulsório
para lidar com os problemas sanitários, que não necessariamente os atin-
gem. De certo modo, esse movimento também articula-se à maneira como
são transferidas responsabilidades para o Poder Público, ou como se cons-
titui a autoridade sanitária. Inclui-se aqui a observação do impacto dessa
decisão relativa ao aumento da capacidade e da amplitude da ação do
Estado sobre as bases que fundamentaram a decisão inicial e sobre os
seus participantes.
Para realizar esse empreendimento, apresentarei um argumento
lógico e formal que explique a decisão sobre a coletivização da saúde e, ao
mesmo tempo, remeta-a ao caráter histórico do processo de constituição
da autoridade pública. Ao longo do texto, pretendo demonstrar que o
argumento que fundamenta e organiza minha análise e narrativa gera
uma interpretação plausível sobre as relações em questão que, por sua
vez, não é incompatível com explicações sobre causas gerais do surgimento

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de políticas sociais, apontadas pela vasta literatura sobre o tema. A com-


binação entre argumento lógico e histórico permite observar as condi-
ções que promovem o encontro entre interesses e ideias na ação dos ato-
res relevantes, presentes nesses processos, assim como os impactos desse
encontro. Procurarei analisar a estatização do bem-estar em uma deter-
minada sociedade, em um certo período do tempo, observando por que e
como determinadas opções foram feitas e decisões tomadas, as quais aca-
baram por produzir políticas, instituições, legislação, burocracia, etc. Res-
salte-se que essas escolhas e decisões estão inseridas em processos histó-
ricos amplos, mas que ao mesmo tempo os evidenciam. Portanto, os pro-
cessos históricos são pano de fundo e conteúdo de um argumento teórico
e formal que os organiza e interpreta.
A política, o contexto nacional e o período em que essas questões
serão discutidas correspondem às políticas de saúde pública e saneamento
rural no Brasil da Primeira República. Essa escolha é motivada pela opor-
tunidade de verificar interpretações mais gerais que afirmam, ao contrá-
rio de alguns trabalhos e do senso comum, que, primeiro, nem a República
Velha foi um interregno no processo de formação do Estado, situado en-
tre o Império e o período pós-1930, nem este Estado já estava formado
ao final do Império. Segundo, que a dominação oligárquica que caracteri-
zou o primeiro período republicano não foi obstáculo, mas, ao contrário,
foi compatível com um crescente processo de centralização e intervenção
estatal (cf. Reis, 1979; 1982; 1991). Essas interpretações consideram que
o processo de construção do Estado não é um evento discreto no tempo,
não tem um ponto de chegada nem uma direção única, e que não há ne-
cessariamente incompatibilidade entre criação do Poder Público e reforço
dos interesses privados (Reis, 1991, pp. 43-4). Na realização de seus inte-
resses, as oligarquias, em especial as vinculadas à cafeicultura, recorreram
à autoridade pública para regular atividades econômicas em face da alterna-
tiva do mercado. Essa opção pelo intervencionismo estatal teve impactos
na construção do Estado e no lançamento de suas bases autoritárias (Reis,
1979; 1991). Portanto, corroborando tais interpretações, mostro que, neste
período, ocorreu, efetivamente, constituição de Poder Público, e não um
congelamento, puro e simples, das capacidades administrativas e regula-
tórias do Estado nacional, por força da República dos Fazendeiros.

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Os trabalhos de Castro Santos (1985; 1987) discorrem sobre o


significado e o impacto do movimento sanitarista da Primeira República
e das políticas de saúde pública, em especial nas décadas de 1910 e 1920,
sobre a construção de uma ideologia da nacionalidade e sobre a consti-
tuição de Estado, através do surgimento de aparatos públicos, nos planos
nacional e estadual, encarregados de executar políticas de saúde e sa-
neamento. Nesse sentido, não haveria uma relação causal, simples, entre
interesses econômicos e criação de políticas de saúde na Primeira Repú-
blica, conforme estabelecida, de maneira geral, por vários dos trabalhos
sobre saúde pública. Além disso, torna-se possível avaliar positivamente
o período, utilizando como critério a criação de autoridade pública e de
uma infraestrutura sanitária correspondente, e não apenas os resultados
de curto prazo dessa atuação do Poder Público sobre a saúde da popula-
ção, procedimento que, em geral, produz avaliações desfavoráveis.
A partir dos trabalhos de Reis e Castro Santos, este estudo enfoca
o aparecimento de políticas nacionais de saúde no primeiro período re-
publicano brasileiro. Deve-se observar que, ao longo desse período, e a
partir de várias decisões e ações que contaram com a anuência e o inte-
resse das elites políticas, houve um crescimento do ativismo estatal na
área de saúde e saneamento, e de sua capacidade de implementar políti-
cas em todo o território nacional. Verifica-se, portanto, um desenvolvi-
mento da consciência pública e da responsabilidade governamental para
com as condições sanitárias do país e a saúde da população — sem que
isso signifique um julgamento sobre o desempenho do Poder Público, ou
sobre alternativas que possam parecer superiores. Contudo, não devemos
tomar esse processo como uma inevitabilidade histórica, já que tal pers-
pectiva esclarece pouco acerca da forma e conteúdo que as instituições e
políticas estatais adquiriram. Estas são, na verdade, resultados moldados,
porém não antecipados, das metas, conflitos, estratégias e opções de ato-
res definidos e imersos em instituições e mobilizados por uma consciên-
cia social entrelaçada com interesses materiais.
A seguir, discuto a literatura que considero pertinente para este
trabalho, apresento o argumento básico — e a estratégia analítica a ser
adotada — e indico como desenvolverei esse argumento ao longo do
livro.

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2. Aspectos teóricos e metodológicos

Ao relacionar problemas de saúde com a criação de Poder Público


e, de maneira mais instrumental, com o surgimento de políticas públicas
e agências estatais para tratar desses problemas, pretendo analisar a trans-
formação da saúde em um bem público e a criação de arranjos coletivos e
amplos para produzi-lo. Para tanto, é importante indicar o caráter histó-
rico da coletivização de um bem — ou como a saúde se torna pública —
e como se deu efetivamente essa coletivização, com a criação e penetra-
ção do Poder Público em todo o território nacional, materializado por
estruturas administrativas, instrumentos legais e funcionários. Nesse sen-
tido, sugiro que a transformação da saúde em um bem público interage
fortemente com a constituição de uma comunidade nacional e com a
formação do Estado no Brasil.
Discorrerei sobre escolhas e decisões cruciais em um processo de
transformação no tratamento das deficiências e das adversidades huma-
nas, que, segundo Abraam De Swaan (1990), pode ser dividido anali-
ticamente em três etapas de coletivização do bem-estar: inicialmente eram
cuidados individuais, depois passaram a ser coletivos — porém de cará-
ter voluntário, comunitário e local —, e, ao final, tornaram-se cuidados
estatais. Um processo que, cabe advertir, não é tão linear, evolutivo e
inevitável quanto a exposição dessas etapas pode insinuar.
Para De Swaan, o processo de coletivização da saúde, assim como
o do cuidado com os pobres, o da educação e o da seguridade social —
isto é, o caráter histórico dos bens coletivos — tem sido negligenciado
pelas teorias formais. Partindo da análise de Norbert Elias (1993) sobre a
sociogênese do Estado, De Swaan propõe um esquema analítico e uma
interpretação sobre o surgimento dos Estados de Bem-Estar, o qual, jun-
tamente com a contribuição de outros autores, serão retidos, criticados e
reelaborados no desenvolvimento da minha análise.
Em primeiro lugar, um elemento-chave para a compreensão da
coletivização do bem-estar é a ideia de configuração, emprestada de
Norbert Elias (1980; 1993), que pode ser definida como um padrão
estruturado e mutante de dependências recíprocas entre seres humanos

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(Elias, 1980). A configuração seria um instrumento conceitual, com o


qual se escaparia do antagonismo indivíduo versus sociedade, e a interde-
pendência de indivíduos, grupos e instituições, a condição prévia para a
formação e identificação de uma configuração (ibidem).
Na passagem do mundo tradicional para o moderno, marcada pelo
surgimento dos Estados nacionais e pelo desenvolvimento do capitalis-
mo (industrialização, urbanização e secularização), ocorreu um alarga-
mento da complexidade das cadeias de interdependência, a ponto de se
tornarem opacas e incontroláveis por qualquer indivíduo ou grupo. Isso
tornou impossível explicar uma configuração, a partir das propriedades
dos seus componentes (ibidem, pp. 73 e 78). Nessa perspectiva, como
um primeiro ponto crucial, temos que o desenvolvimento e a dinâmica
histórica dessas cadeias de interdependência social geraram, e geram,
consequências sociais não planejadas ou mesmo não desejadas por qual-
quer indivíduo ou grupo que as componham. No entanto, ao mesmo
tempo, são resultado do entrecruzamento das motivações e ações desses
mesmos indivíduos e grupos (ibidem, p. 103; Elias, 1993, p. 194). Um
segundo ponto importante a ser ressaltado é que a caracterização e a
análise de configurações complexas só podem ser feitas por meio dos elos
de interdependência que as constituem (Elias, 1980, p. 143).
Para De Swaan (1990), seguindo Elias, a análise do aparecimento
das políticas sociais é, também, a análise do processo histórico da genera-
lização da interdependência humana e das respostas aos problemas daí
gerados, resultantes do surgimento dos Estados nacionais e do desenvol-
vimento do capitalismo. A coletivização do bem-estar e a formação do
Estado são processos mais específicos de mudança e rearranjo nos elos da
interdependência humana e de seus impactos, contidos em um curso mais
geral e de longa duração. Desse modo, é possível afirmar que a coletivização
da proteção social cria tanto Poder Público como coletividades humanas.
A própria formação de uma comunidade nacional está associada à exten-
são das cadeias de dependência recíproca.
Os elos de interdependência que fundariam a necessidade da
coletivização do cuidado com os pobres, destituídos, desnutridos, doen-
tes, iletrados ou quaisquer outros indivíduos que sofram adversidades
temporárias ou permanentes, são os efeitos externos ou externalidades.

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Ou seja, as consequências indiretas das deficiências e adversidades de uns


indivíduos sobre outros, que são imediatamente atingidos, apesar de não
sofrerem dos mesmos problemas. Por exemplo, a ameaça da doença, do
crime, da improdutividade e da rebelião causada pela pobreza e pela des-
tituição de alguns, sobre os demais membros da sociedade.
De Swaan propõe a combinação de uma teoria formal sobre deci-
sões individuais em sociedade — apresentada sob a rubrica de welfare
economics —, que procura identificar e analisar as razões e condições para
a intervenção e a regulação estatal em situações de interação e interde-
pendência humana (a existência de bens públicos, das externalidades ne-
gativas e os problemas de ação coletiva), com a sociologia histórica, que
analisa como a interdependência afeta o desenvolvimento da sociedade.
O intuito do autor seria introduzir a ideia de processo na análise das
interações e escolhas individuais (ibidem, 1990, pp. 2-4). Por caminhos
diversos, ambas indicam que as ações e decisões individuais geram resul-
tados agregados não antecipados. A sugestão de uma combinação entre
argumento formal e histórico será explorada quando forem discutidos os
efeitos negativos da interdependência humana, e suas possíveis soluções,
como parte de um processo histórico e sociológico mais amplo.
O crescimento da interdependência humana trouxe a ampliação e
a intensificação dos efeitos externos da ação, ou da própria existência, de
uns, pobres, sobre outros, ricos. A transição para uma sociedade urbana e
industrial, ao potenciar problemas da dependência mútua, promoveu o
abandono gradual tanto de soluções individuais — fugir do contato com
os destituídos e/ou deixá-los ao sabor da sorte ou do mercado, por exem-
plo — quanto de soluções voluntárias — como as organizações filantró-
picas, de caridade e auxílio mútuo —, devido à sua ineficácia diante da
extensão do problema. As políticas de bem-estar contemporâneas, como
o próprio Estado que as produz, seriam resultados históricos, não previs-
tos, dos esforços das elites, e dos conflitos intraelites, para explorar, ad-
ministrar, controlar e remediar os progressivos efeitos externos da desti-
tuição, diante do crescente insucesso das soluções individuais e da preca-
riedade das soluções voluntárias.
De Swaan, a partir de Mancur Olson Jr. (1965), chama a atenção
para o fato de que, em sociedades cada vez mais complexas, as organizações

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voluntárias vão se tornando instáveis devido não só às dificuldades de


coordenação, mas também aos dilemas da ação coletiva — pela dificul-
dade de se controlarem os caronas (free riders) que se beneficiam desses
arranjos (considerados bens públicos) sem contribuírem para produzi-
-los ou mantê-los. O problema seria como constituir um bem coletivo e
como distribuir os custos de sua produção quando, pela sua própria na-
tureza, nenhum membro da coletividade pode ser excluído do seu con-
sumo ou usufruto. A solução tenderia a ser a obrigatoriedade da con-
tribuição e a produção de proteção social via autoridade pública. Nesse
processo, emerge uma consciência social, uma consciência da inter-
dependência, fundamental na formação de uma identidade coletiva e
nacional, definida como a “consciência do crescimento intensivo e exten-
sivo da interdependência, junto com a disposição de contribuir com os
remédios para as adversidades e deficiências que afetam os outros” (De
Swaan, 1990, p. 10).
Esse senso de responsabilidade, que não eliminou a ação voluntá-
ria, requer cada vez mais cuidados estatais e recursos que serão extraídos
coercivamente da sociedade, beneficiando a todos, contribuintes ou não.
O Estado constituiu-se como organização legítima, a partir da formação
dessa consciência social, capaz de regular os efeitos negativos das inter-
dependências sociais que, ao longo do tempo, tenderam a ser reduzidas a
soluções legais e administrativas, sob a responsabilidade de uma burocra-
cia (Elias, 1980, p. 33).
Segundo De Swaan (1990), esse processo de coletivização e
estatização dos remédios para a destituição, deficiência e adversidade
apresenta três características distintas:
1. a escala do processo: da inclusão de alguns indivíduos à incorpo-
ração de grupos ou de todos os cidadãos de um país;
2. seu caráter coletivo: acesso aos benefícios, condicionados ou não
à contribuição e/ou mais ou menos dependente da condição dos indiví-
duos e
3. seu caráter estatal: aumento do consentimento ao exercício da
autoridade, da coercitividade e da burocratização (ibidem, p. 7).
Para desenvolver-se, esse processo dependeria, e este é um ponto
importante, de três condições. Duas delas, o aumento dos graus de in-

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certeza sobre o momento e a magnitude da adversidade, e sobre a eficácia


das soluções existentes, promoveriam a coletivização, porém não neces-
sariamente a estatização. A terceira condição, a tendência à ampliação do
alcance e extensão dos efeitos externos da adversidade, impulsionaria a
estatização porque implicaria problemas de tal magnitude, envolvendo
tal número de pessoas, que não haveria solução possível, via mercado ou
através de arranjos cooperativos, em razão dos sucessivos dilemas de ação
coletiva a serem enfrentados.
Especificamente em relação à saúde pública, os fluxos migratórios
para a cidade e os processos de urbanização e de industrialização criaram
adversidades e deficiências até então desconhecidas, que atingiam tanto
imigrantes como os moradores da cidade. A densidade urbana e as cres-
centes conexões econômicas entre ricos saudáveis e pobres doentes in-
tensificaram e ampliaram os efeitos externos das adversidades indivi-
duais, a ponto de tornar-se quase impossível o simples isolamento das
ameaças da vida urbana, por exemplo, através da segregação espacial ou
da exclusão de outros dos benefícios de serviços passíveis de contrato
privado, como coleta de lixo e o abastecimento de água. Assim, a saúde,
ou a doença, é um dos melhores exemplos dos problemas da interde-
pendência humana e de suas possíveis soluções.
A epidemia pode ser vista como paradigma da interdependência, ou
seja, ilustra os efeitos externos das adversidades individuais, que alcan-
çam toda a sociedade, e da incerteza quanto à eficácia de qualquer solu-
ção individual e localizada (Fraser, 1984, cap. 3). Partindo dessa perspec-
tiva, sugiro que a epidemia, ou a doença transmissível, seja tratada como
um mal público, pois atinge a todos os membros de várias coletividades,
independentemente de terem contribuído ou não para o seu surgimento
e disseminação. Segundo Santos, se “[. . .] ninguém pode ser impedido
de consumir um bem coletivo, se assim o quiser; [. . .] ninguém poderá
abster-se de consumir um mal coletivo, mesmo contra a sua vontade”
(Santos, 1993, p. 52).
A experiência das epidemias de cólera do século XIX, na Europa e
nos Estados Unidos, que atingiram a ricos e pobres, e disseminaram-se
independente de fronteiras — cidades, regiões, países —, explicitou para
as elites os problemas da interdependência social e a necessidade de criação

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de organizações e políticas permanentes, amplas, coletivas, compulsórias


e supralocais, com funções preventivas, para combater os riscos da in-
fecção e do contágio em massa. Foi dessa forma, mobilizando as elites
políticas e intelectuais, que o tema da reforma urbano-sanitária passou a
compor a agenda pública, o que gerou resultados políticos concretos
(Briggs, 1961; Duffy, 1971; Fraser, 1984; Rosenberg, 1987). A constitui-
ção de um sistema sanitário e de uma política de cuidados com a saúde,
primeiro em base privada e voluntária, depois, compulsória e pública,
representaria um capítulo especial na formação do Estado de Bem-Estar
(De Swaan, 1990, p. 131).
A partir dessa discussão, destacam-se alguns argumentos. A com-
plexidade crescente das configurações sociais — mais indivíduos, mais
interdependência e mais externalidades — forma uma consciência da
mútua dependência e da necessidade de se contribuir para remediar seus
efeitos negativos, o que requer a constituição da autoridade pública, ca-
paz tanto de extrair coercivamente recursos da sociedade, como de pro-
duzir políticas de largo alcance para solucionar ou remediar os efeitos da
interdependência social, superando os problemas de organização e fi-
nanciamento da provisão de bens coletivos. As etapas fundamentais na
constituição das políticas de proteção social seriam função das disputas
entre as elites sobre como administrar os efeitos externos, controlar os
destituídos e explorar as oportunidades que tais políticas gerariam. Essa
preocupação não se restringiu às elites, mas se iniciou com elas e teve
nelas os principais atores na discussão em torno de soluções e oportuni-
dades. Assim, o Estado contemporâneo seria o resultado da necessidade
de regulação das externalidades negativas e da produção de bens públicos
e das oportunidades advindas da coletivização dos cuidados com a saúde,
da educação e da manutenção de renda.
A abordagem proposta por De Swaan apresenta alguns problemas,
e deve ser submetida a qualificações e modificações necessárias, em espe-
cial, a sua perspectiva de dar historicidade às teorias formais sobre a pro-
visão de bens públicos, diante dos dilemas da ação coletiva. O objetivo é
ajustar uma interpretação inovadora e de grande amplitude, a um estudo
da formação de uma política específica, em uma dada experiência na-
cional. Minha análise, de alcance intermediário, pretende percorrer o

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caminho inverso: compreender um processo histórico a partir de um ar-


gumento lógico.
Como um primeiro limite da perspectiva em questão, aponto que,
no limite, De Swaan considera o desenvolvimento das políticas sociais
como um processo cumulativo, evolutivo e crescentemente indiferenciado.
O autor refere-se a uma expansão hiperbólica das políticas de bem-estar,
que provocou uma convergência dos vários países que a experimentaram.
Processos históricos e sociais tornaram insuportáveis os custos externos,
e inevitável a coletivização e os seus resultados, em várias experiências
nacionais, não previstos, porém muito semelhantes.2 Essa leitura sobre o
processo de estatização dificulta a percepção de que cada uma das etapas
de coletivização, e seus respectivos arranjos institucionais, conviveram
com outros arranjos durante um longo período, no qual nem os arranjos
individuais e nem os voluntários foram eliminados, e essas combinações
foram diferentes nas diversas experiências nacionais. A variabilidade do
fenômeno estatal indicada por Nettl (1968) seria uma advertência sobre
os limites da perspectiva em questão. Sugiro que o formato adquirido
pelas políticas estatais contemporâneas dependeria fundamentalmente
das decisões e escolhas específicas realizadas na passagem de um arranjo
a outro e da forma pela qual conviveram entre si.
A meu ver, e esse é um segundo problema, o que induz à ilação
sobre o caráter inexorável da estatização e seus resultados convergentes é,
sim, o background histórico desse processo (urbanização, industrialização,
crescimento populacional, etc.), mas, também, os supostos do argumen-
to formal de De Swaan — fundado em abordagens da escolha racional
—, que se baseia na percepção da presença e extensão dos efeitos exter-
nos (ou a consciência da interdependência), como motivação principal
para a consequente coletivização do bem-estar. Com o aumento de sua
complexidade — mais externalidades, mais pessoas envolvidas —, a so-
ciedade, diante da necessidade de produzir bem-estar, enfrentaria o dilema
da ação coletiva. Incentivos seletivos e coerção seriam os instrumentos

2
Trata-se de um argumento presente em parte da literatura que indica uma ten-
dência de aproximação e semelhança entre vários países no tocante a gastos públicos,
políticas e arranjos institucionais (cf. Mishra, 1982, pp. 39-49).

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de promoção da cooperação e, por conseguinte, de produção do bem


público (cf. Olson, 1965). O Poder Público seria a entidade capaz de agir
coercitivamente sobre todos os indivíduos, em uma dada sociedade, e
oferecer incentivos através de suas atividades, diante da tentação coleti-
va de pegar carona, dada a impossibilidade de qualquer pessoa ser excluí-
da do consumo de um bem público. Assim, a extensão dos elos de in-
terdependência — a partir de processos históricos, econômicos e sociais
— teria como consequência necessária a coletivização e estatização do
bem-estar.
Também a qualificação a ser feita refere-se aos mesmos pressupos-
tos do modelo formal utilizado pelo autor, a partir dos quais é plausível
afirmar que não bastam consciência das externalidades e incentivos para
se coletivizar ou transferir uma atividade para o setor público. A partir
dos argumentos de Buchanan & Tullock (1965), poder-se-ia considerar
a possibilidade de que indivíduos tolerariam custos externos que lhes
fossem impostos. Para esses autores, as externalidades não seriam razão
necessária nem suficiente para a coletivização (ibidem, p. 61). A transfe-
rência de atividades da esfera individual para a coletiva voluntária, e de-
pois para a esfera coletiva pública, dependeria da avaliação de cada uni-
dade com atributos decisórios sobre os custos externos e, também, sobre
os custos da promoção do acordo para essa transferência, além dos que,
presumivelmente, adviriam de decisões adversas da organização coletiva.
Esse terceiro custo é extremamente relevante, na medida em que pode
alterar direitos fundamentais dessas unidades com capacidade decisória,
como liberdade e propriedade. A decisão sobre a organização de uma
atividade no setor público (e seus custos) dependeria da escolha das re-
gras de tomada de decisão. A combinação desses custos é denominada de
custos de interdependência (ibidem, pp. 45-6).
O postulado individualista que fundamenta a dimensão formal da
interpretação de Abraam De Swaan não o autoriza a afirmar que, gene-
ralizando-se a interdependência social (ou a consciência), haveria provi-
são pública de bem-estar, nem que a estatização seria a única solução
para eliminar os caronas, via coerção e benefícios relativos. Essa afirma-
ção resulta, como assinalei, da base histórica de seu argumento. Utilizan-
do a mesma lógica da ação coletiva, haveria pelo menos um caso em que

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seria racional para um indivíduo custear a produção de um bem público,


mesmo beneficiando os caronas: quando sua não produção (o consumo
de um mal público) seria considerada mais onerosa do que sua produção
(cf. Santos, 1993, pp. 51-9).
A partir de Buchanan & Tullock, e diante dos problemas de
interdependência assinalados por De Swaan, sugiro que a estatização de
uma atividade ou de um bem dependeria da avaliação dos custos de ma-
nutenção dessa atividade na esfera individual ou local (custos externos,
que, percebidos socialmente, estabeleceriam a consciência da inter-
dependência) e dos custos e restrições impostos pela execução dessas ati-
vidades pelo Poder Público (custos da estatização). O cálculo em torno
de custos e benefícios da coletivização e das regras que organizam essa
decisão é um elemento importante na organização de uma análise de
escolhas e decisões cruciais. Mais do que constatar um aumento do
intervencionismo estatal, este trabalho pretende analisar o conteúdo subs-
tantivo das decisões tomadas, as ideias e estratégias das unidades decisórias
relevantes e os impactos das escolhas realizadas sobre a atividade cole-
tivizada, sobre os próprios responsáveis pelas decisões e sobre as relações
entre Estado e sociedade.
A perspectiva aqui adotada difere de supostos de parte da literatura
da escolha racional, já que os interesses e preferências dos atores não são
definidos abstrata ou teoricamente. Instituições não seriam apenas um
contexto estratégico no qual indivíduos racionais e maximizadores bus-
cariam a realização de seus objetivos; esses atores estariam imersos em
contextos institucionais mais amplos, nos quais seus interesses e prefe-
rências seriam moldados (Immergut, 1992, pp. 18-33; Thelen & Stein-
mo, 1992). Assim sendo, sugiro que consciência, interesses, a avaliação
dos custos e decisões no processo de estatização da saúde na experiência
brasileira, e os próprios atores relevantes, só possam ser compreendidos
no arcabouço político-institucional da Primeira República.
Uma questão importante na discussão sobre a coletivização do bem-
-estar diz respeito à própria concepção de Estado como resultado de pro-
cessos societários de longo prazo, que conseguem explicar o aparecimen-
to de agências estatais e políticas públicas, mas, com certeza, não a sua
continuidade e desenvolvimento. É fundamental o reconhecimento da

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distinção dos atributos do Estado em relação aos da sociedade, para que


o primeiro possa ser compreendido, também, como uma resposta eficien-
te a problemas que se tornaram insolúveis no âmbito da sociedade. Afi-
nal, por que o Poder Público seria a solução e/ou a alternativa a outros
arranjos societários? Quais seriam seus atributos distintivos, que o elege-
riam como tal?
Partindo de uma definição bastante ampla, Michael Mann sugere
que o Estado é um locus de poder autônomo diferenciado, irredutível a
um simples resultado ou a um instrumento das condições, preferências e
demandas sociais (Mann, 1992). Evitando uma definição funcional (o
que o Estado faz), acrescenta uma definição institucional de Estado: Es-
tado é um conjunto diferenciado de instituições e pessoas, dotado de
uma centralidade, ou seja, as relações políticas se irradiam do/para o cen-
tro, cobrindo uma área territorialmente demarcada, sobre a qual exercita
sua autoridade no cumprimento de regras e leis, escoltadas por formas
organizadas de força física (Mann, 1993, p. 55).
Para Mann, os mecanismos de poder empregados pelo Estado não
se diferenciam daqueles utilizados pela sociedade. O elemento-chave,
nessa definição, seria a centralidade territorial, o atributo distintivo do
qual deriva o poder autônomo do Estado. Assim, a centralidade territorial
seria “uma base potencialmente independente de mobilização de poder”,
exclusiva do Estado (Mann, 1992, p. 186). Esta definição segue uma
tradição que considera o Estado como um conjunto de instituições di-
ferenciadas, reivindicando a centralidade, a soberania e o controle coerci-
tivo sobre um território e sua população, procurando defendê-la e esten-
dê-la na competição com outras instituições sociais e outros Estados
(Hall & Ikenberry, 1990, pp. 12-4; Hintze, in Gilbert, 1975; Rokkan,
1975; Tilly, 1975, pp. 70-1; Weber, 1964, pp. 1047-59). Portanto, na
constituição da organização estatal, devemos observar a concentração
de poder na esfera central, a penetração institucional sobre o território a
partir do centro, a centralização da autoridade no plano nacional e a
sua especialização.
Pode-se dizer que poder/coercitividade e penetração/territorialidade
definem o Estado e lhe conferem autonomia. Para arguir a natureza es-
pecífica do poder autônomo do Estado em relação à sociedade, Michael

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Mann propõe separá-lo em duas dimensões analiticamente distintas: uma


distributiva (poder/coercitividade) e outra coletiva (penetração/territo-
rialidade), que não necessariamente se reforçam nem são alternativas.
Uma primeira dimensão seria o poder despótico, “a extensão das ações
que a elite [estatal] é capacitada a empreender sem a negociação de roti-
na, institucionalizada, com os grupos da sociedade civil”, poder derivado
do fato de que apenas o Estado é territorialmente centralizado (Mann,
1992, p. 168; 1993, p. 59). A segunda, o poder infraestrutural, define-se
como “a capacidade do Estado central, despótico ou não, penetrar seus
territórios e implementar logisticamente as decisões” (Mann, 1992, p.
169; 1993, p. 59). Esta expressaria a capacidade do Estado de coordenar
a vida social por meio de infraestruturas estatais e, simultaneamente, a
possibilidade de ser controlado pela sociedade.
Assim, o processo de formação do Estado, dada a centralidade
territorial como recurso distintivo, conteria tensões entre o Poder Públi-
co e as elites sociais que podem ser expressas por uma continuada tenta-
tiva de conversão da capacidade infraestrutural em poder despótico e
pelos esforços da sociedade em controlar as infraestruturas estatais. A
pergunta central seria como variaram e se combinaram essas duas di-
mensões de poder na constituição e no desenvolvimento do Estado. A
organização dessas variações e combinações sugere trajetórias hipotéti-
cas na formação dos Estados modernos e de suas formas políticas. Com
base no quadro apresentado por Mann (1993, pp. 60-1), e adaptado para
a discussão desta seção, podem-se estabelecer quatro tipos ideais:

Quadro I

Dimensões do poder do Estado Coordenação infraestrutural


(penetração/territorialidade)

Poder Despótico (poder coercivo) baixo alto


baixo Feudal (1) Democrático (4)
alto Absolutista (2) Autoritário (3)

Os modernos Estados nacionais significaram o crescimento do


poder infraestrutural. No entanto, a intensidade do poder distributivo

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(despótico) seria uma questão em disputa que definiria a forma política


adquirida pelo Estado. Partindo de um estágio hipotético inicial (1) —
um mundo de organizações autárquicas —, os conflitos e barganhas en-
tre Poder Público e elites sociais, e intraelites, se daria em torno da com-
binação em questão. Isso pode resultar em formas autoritárias, quando o
aumento do intervencionismo estatal agrega mais poder despótico
(sequência 1-2-3). A tendência à conversão da capacidade infraestrutural
em poder despótico deve-se à incapacidade das forças sociais de contro-
larem essas formas de centralização territorial (Mann, 1992, p. 187).
Cabe afirmar que decisões e escolhas cruciais feitas durante o pro-
cesso de estatização do bem-estar têm implicações importantes sobre as
relações Poder Público/sociedade. O cálculo entre os custos externos e os
benefícios e custos da estatização, que baliza a decisão sobre a transferên-
cia de atividades para o Estado, está fortemente relacionado a uma possí-
vel combinação entre infraestrutura estatal (custos externos e benefícios
da estatização) e seu poder coercivo (custos da estatização), ressalvando
que os resultados desse cálculo, a longo prazo, geram uma combinação
não prevista pelos atores relevantes no momento de sua decisão.
Um ponto importante na análise dessas escolhas são as relações
entre os governos central e local no processo de coletivização, objeto de
pouca atenção no trabalho de De Swaan, que se refere à formação de
Poder Público em geral, vis-à-vis a sociedade, sem discutir em que esfera
ocorre. Em algumas de suas análises, especialmente sobre a lei dos po-
bres (De Swaan, 1990, pp. 13-51), mostra que a esfera local seria equiva-
lente ao estágio inicial e “natural” (por analogia com o indivíduo no mer-
cado), e que dificuldades inerentes à cooperação no enfrentamento dos
efeitos externos levariam à nacionalização do problema. Se a formação
de políticas públicas de bem-estar requer o desenvolvimento de infra-
estruturas estatais, uma pergunta que me parece legítima é sobre onde se
estabeleceram, uma vez que parte considerável do processo de constitui-
ção de Estados modernos ocorreu mediante conflitos entre os poderes
central e local. Assim como externalidades não redundam necessaria-
mente em coletivização (cf. Buchanan & Tullock, 1965), esta também
não implicaria, necessariamente, a transferência de atividades para o Po-
der Público no âmbito central.

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A distribuição e localização das infraestruturas estatais que se ex-


pandem no percurso 1-2-3 ou 1-2-4 (Quadro 1) dependem, de um lado,
da análise dos custos e benefícios por parte das unidades decisórias e das
regras que organizam a decisão sobre a coletivização; de outro, do amplo
contexto institucional que emoldura essa decisão. De novo, recorro a um
quadro de Mann (1993, p. 85), para indicar a importância da distribuição
de poder infraestrutural entre diferentes esferas de governo na constitui-
ção do Estado.

Quadro II

Coordenação infraestrutural Governo central

Governo local baixo alto


baixo Estado pré-moderno (a) Estado centralizado (d)
alto Confederação (b) Estado federativo (c)

Como já assinalado, o desenvolvimento da capacidade infraes-


trutural dos Estados, a trajetória 1-2-3 ou 1-2-4, deixaria a cela (a) vazia.
As formas de organização do Estado (b, c e d) resultam do modo como o
poder infraestrutural se desenvolve e é distribuído entre as esferas local e
central. Paralelamente, a alocação dessas atividades públicas foi determi-
nada por conflitos e acordos políticos motivados por diversos interesses
(religiosos, étnicos, econômicos, etc.) (ibidem, pp. 84-5). Algumas expe-
riências nacionais, como a norte-americana, transitaram da forma (b)
para (c). Sugiro esvaziar essas celas de seus formatos organizacionais,
para poderem representar sequências hipotéticas (a-c ou a-d), em um
experimento de estatização e/ou nacionalização, em que essas formas se-
jam tomadas como contexto institucional. A relação entre infraestruturas
local e nacional é importante na análise da formação de políticas públicas
em ordenamentos federativos, como os da Primeira República brasileira.
Uma última consideração a ser feita diz respeito ao impacto das
políticas estatais sobre a própria capacidade do Estado de continuar
implementando-as, sobre o sistema político previamente existente e so-
bre os grupos envolvidos na questão, crucial na explicação do desenvolvi-
mento de políticas de proteção social depois de “sua instauração (cf.

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Skocpol & Amenta, 1986; Skocpol, 1992). Partilhando da definição ge-


ral de Estado formulada acima, Skocpol propõe uma abordagem insti-
tucionalista do desenvolvimento da provisão de proteção social. A políti-
ca é vista como o locus primário da ação, e as atividades de burocratas,
políticos e grupos sociais, como condicionadas pelas configurações insti-
tucionais dos governos e do sistema político (Skocpol, 1992, p. 41).
Essa abordagem implica o exame de alguns tipos de processos. O
mais importante é a perspectiva de que “políticas públicas modificam a po-
lítica” (ibidem, p. 58). Os esforços de implementação de novas ações esta-
tais podem transformar e expandir as capacidades do Estado e do sistema
político, afetando o desenvolvimento posterior dessas políticas e as possi-
bilidades de inovações. Esse processo também atua sobre as “identidades
sociais, metas e capacidades dos grupos que estarão em conflito ou aliança
no processo político subsequente” (ibidem). Para a autora, uma política
pública é bem-sucedida quando incrementa a capacidade de o Estado e o
sistema político promoverem seu desenvolvimento futuro, estimulando in-
divíduos, grupos e alianças na defesa de sua continuação e expansão, crian-
do e politizando interesses e identidades. Ela propõe que a avaliação de
uma política pública seja feita com base no processo político em andamen-
to (feedback process), e não apenas por critérios econômicos externos ou por
valores morais retirados de algum padrão normativo (ibidem, pp. 58-9).
Tendo em vista essa perspectiva e os objetivos de minha análise,
caberia destacar os impactos institucionais da implementação de uma
política pública, antecipando que não se trata de transformar os efeitos
das políticas públicas em suas causas, conforme crítica de Pierson (1993),
mas de verificar os constrangimentos institucionais causados pelo fun-
cionamento dessas políticas sobre os atores relevantes e sobre o próprio
Estado, já que poderiam alterar os fatores que fundamentam o cálculo
considerado básico para o seu surgimento. A avaliação do sucesso de
uma política em termos do reforço à própria continuidade decorre dessa
perspectiva institucional específica; entretanto, é excessivamente endógena
e toma a centralidade estatal não apenas como instrumento teórico-ana-
lítico e/ou constatação histórica, mas a partir de uma valorização positiva
da ações do Estado. Na prática, para essa perspectiva, não há distinção
clara entre a constatação do crescimento do ativismo governamental e o

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julgamento inerentemente positivo dos benefícios desse crescimento. Um


dos esforços deste livro é, justamente, equilibrar o tema da criação de
Poder Público com avaliações sobre os resultados da atividade estatal.
A discussão do trabalho de De Swaan e as adaptações, críticas e
qualificações feitas com base nos trabalhos de outros autores apresenta-
dos ao longo deste segmento, fornecem os elementos para a apresentação
do argumento geral do livro e da estratégia analítica a ser adotada.

3. Argumento geral, estratégia de análise e estrutura do livro

3.1. Argumento

Ao arguir as relações entre políticas de saúde e Poder Público, as-


sumo a hipótese mais ampla de que as políticas de saúde pública no Bra-
sil da Primeira República tiveram papel importante na criação e no au-
mento da capacidade do Estado de intervir sobre o território nacional.
Minha investigação sobre a formação das políticas sanitárias no Brasil
tem como base os seguintes pressupostos:
1. A transmissibilidade de uma doença, em suas manifestações in-
dividuais, endêmicas e epidêmicas, é análoga à concepção de efeitos ex-
ternos (externalidades). A defesa contra o contágio e a produção de con-
dições salubres enfrentam problemas de cooperação e ação coletiva (ma-
les públicos e produção de bens coletivos). A doença transmissível (ou
considerada como tal), em uma sociedade que se torna mais complexa, é
um objeto privilegiado, uma vez que expõe as fronteiras entre Poder Pú-
blico e privado, e poder central e local.
2. Políticas públicas e nacionais de saúde (e autoridade sanitária)
resultam da difusão da consciência da interdependência (consciência dos
efeitos externos), dos dilemas e problemas impostos pelo consumo de
males públicos e pela produção de bens públicos e das oportunidades
vislumbradas de obtenção de benefícios com a regulação estatal desses
efeitos negativos.
3. A consciência da interdependência social é um elemento crucial
na constituição de uma coletividade, na percepção da existência de laços
com uma comunidade nacional.

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4. A existência de externalidades, ou a sua percepção (consciência),


não é suficiente para a transferência dos cuidados com saúde e sanea-
mento, de arranjos individuais e/ou voluntários para arranjos públicos,
ou da esfera local para o governo central.
5. Essa decisão depende do cálculo dos custos de tomada de deci-
são e dos custos que serão impostos pela organização pública sobre os
participantes.
6. Consciência, interesses, escolha e decisão dos atores estão imersos
em uma moldura político-institucional. A coletivização é uma negocia-
ção política que, ao mesmo tempo que cria Poder Público, é por ele
balizada. As relações entre as dimensões do poder do Estado (despótico
e infraestrutural) e entre poder local e central são o pano de fundo inicial
e conteúdos desse processo.
7. A combinação específica entre consciência social, interesses e
custos gerados pela criação de Poder Público, e as regras de decisão que
organizarão tanto a transferência como as próprias atividades do setor
público, determinam o desenho institucional-legal da organização, a qual
não se encontra definida a priori, mas é negociada entre as unidades rele-
vantes, informadas por interesses e ideias.
8. O funcionamento desse desenho inicial modifica tanto as bases
de cálculo de que partem as instâncias decisórias quanto essas próprias
unidades. A longo prazo, os resultados políticos e institucionais desse
processo são bastante diversos dos que foram considerados quando da
decisão sobre a coletivização, e distantes das ideias e dos interesses dos
que a forjaram. No caso a ser estudado, esses resultados foram o aumento
da capacidade de ação coerciva do Estado e sua penetração infraestrutural
em todo o território nacional.

3.2. Análise

No desenvolvimento da minha interpretação da experiência brasi-


leira, o que denomino de era do saneamento tem dois significados interli-
gados. Primeiro, é o período da história brasileira que será analisado,
iniciado na década de 1910 e encerrado com o crepúsculo da Primeira
República. Trata-se de um período de crescimento de uma consciência

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entre as elites em relação aos graves problemas sanitários do país e de um


sentimento geral de que o Estado nacional deveria assumir mais a res-
ponsabilidade pela saúde da população e salubridade do território. Isso
significava aumentar as suas atribuições, restritas até então ao Distrito
Federal e à defesa sanitária marítima. A partir das demandas de um mo-
vimento sanitarista ativo e de caráter nacionalista — que vinculava a cons-
tituição da nacionalidade à superação das doenças endêmicas — e de
grandes debates e decisões políticas em torno de soluções dos problemas
sanitários, considerando a ordem político-constitucional pactuada em
1891, os serviços sanitários foram reformulados e ampliados.
Franqueou-se, então, aos estados, a possibilidade de obter auxílio
federal mediante acordos para ações de saúde e saneamento. Esses con-
vênios viabilizavam a ação do poder central nos estados, sem ferir suas
respectivas autonomias. Ao longo do tempo, houve o crescimento das
atividades públicas em saúde e saneamento em todo o território nacional,
tanto do Governo Federal como de governos estaduais, que começaram a
desenvolver seus próprios serviços.. São Paulo foi praticamente o único
estado que se dedicou a uma ampla política sanitária desde o início da
República, e que se manteve autônomo em relação aos serviços federais.
A era do saneamento não significou a solução de todos os complexos
problemas de saúde pública, mas legou uma infraestrutura estatal, com a
autoridade sanitária presente em grande parte do território brasileiro.
Num segundo significado, a era do saneamento é a construção ló-
gica que organiza a narrativa histórica resumida acima. É habitada por
inúmeros atores que gravitam em torno da questão sanitária, como os
círculos médicos, científicos e profissionais, funcionários dos serviços
sanitários e intelectuais em geral. Em conjunto, esses personagens são
capazes de transformar os efeitos externos da doença em consciência da
interdependência social, difundindo socialmente o caráter público da
doença e um diagnóstico sobre as condições sanitárias do país. São atores
politicamente relevantes, capazes de pressionar, convencer e formular
políticas de saúde, mas não detêm os atributos de decidir sobre a estatização
de uma atividade. As unidades calculadoras e decisórias relevantes são os
estados da Federação e o Governo Central. Os loci de decisão são o Go-
verno Federal e o Congresso Nacional. O contexto institucional formal é

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dado pela Constituição de 1891 que define as atribuições dos governos


central e estaduais, do Legislativo federal e o ordenamento político do
país. O informal é dado pela política dos governadores e pela distribuição
desigual de poder político e econômico entre os estados.
A autonomia estadual e os problemas nacionais e interestaduais
causados pelas endemias e epidemias (chamados de problemas de in-
terdependência sanitária) constituem a tensão e o dilema que envolvem
as unidades decisórias. No arranjo formal prescrito em 1891, cada unida-
de deveria cuidar de si, o Governo Federal das interações com o mundo
exterior, e o resultado ideal dessa cooperação entre autarquias seria um
país hígido. Em um país que se tornava mais complexo, a transmissibilidade
da doença (externalidades) foi percebida como um problema nacional,
não contido na moldura constitucional. O recurso ao Governo Central
seria uma alternativa tanto para a regulação da interdependência (ter-
ritorialidade) e para o enfrentamento dos males públicos, quanto para
impedir a ação dos caronas e os efeitos dos ineptos (coercividade).
Por que, quando e como transferir atribuições para o poder central
dependeria de uma avaliação dessas unidades sobre os custos externos (os
custos das péssimas condições sanitárias de uns, impostos sobre outros),
sobre os custos da estatização (custos das restrições à autonomia esta-
dual, pela interferência do poder central) e sobre os benefícios da es-
tatização (benefícios diretos e indiretos da ação do Governo Central). A
opção pela coletivização dar-se-ia quando os custos externos fossem
maiores do que os custos de estatização, e estes menores do que os bene-
fícios da estatização. A avaliação e decisão no sentido da coletivização
estaria condicionada pela regra que organiza a decisão e pelo conteúdo
do que seria nacionalizado. Regra e conteúdo garantiriam a negociação,
com aceitação ou veto, das unidades que considerassem os custos da
estatização superiores aos custos externos e aos seus benefícios. As deci-
sões tomadas transformaram-se em políticas, que no seu funcionamento
modificaram o contexto institucional e as unidades relevantes. A direção
dessas mudanças seria determinada, em grande parte, pela escolha dos
conteúdos dessas políticas.
A era do saneamento, ao mesmo tempo história e construção
analítica, denota um ciclo de estatização da política de saúde no Brasil

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Republicano. Em um primeiro estágio, marcado pelo ordem estabelecida


em 1891, haveria uma combinação da saliência do poder coercivo da
autoridade sanitária com a timidez territorial (infraestrutural).3 O se-
gundo estágio (1910-1930) significaria uma continuidade nos acúmulos
despóticos do Estado, mas agora combinados com a constituição territorial
do Poder Público ou com o aumento do poder infraestrutural, principal-
mente na década de 20. O processo de coletivização e nacionalização da
saúde, ao longo da Primeira República, revela a criação de Poder Público,
tanto no que diz respeito a sua capacidade infraestrutural, quanto ao seu
poder despótico. Assim, readaptando os quadros apresentados na parte 2
aos limites da minha análise teríamos:

Quadro III

Autoridade sanitária penetração/territorialidade

compulsoriedade inferior superior*


inferior 1891 (1) (3)
superior* (2) 1930 (4)
* Obs.: superior ao estágio anterior, em crescimento.

O Quadro III reflete minha interpretação sobre a trajetória — e as


combinações que a informam — de constituição da autoridade no campo
da saúde pública, ao longo da Primeira República. A era do saneamento
corresponderia fundamentalmente ao percurso (1)-(4). Minha hipótese,
baseada em trabalhos de Reis (1982; 1991), é que esse percurso se deu
por meio de (3), isto é, da ampliação do alcance territorial da autoridade
pública e da conversão de suas infraestruturas em poder coercivo.
Na trajetória (1)-(3)-(4), foram feitas escolhas pelas unidades
decisórias sobre desenvolver individualmente políticas sanitárias e/ ou
transferir algumas outras para o Governo Central, para além daquelas
definidas no pacto constitucional. No caso, o desenvolvimento da autorida-
de pública implicaria constituição de infraestrutura sanitária e de capacida-
de coerciva. O Quadro IV esclarece os resultados possíveis dessa escolha:

3
Saliency of the state ou stateness são termos utilizados por Nettl (1968, p. 579).

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Quadro IV

Infraestrutura + coercividade Governo Central

estados inferior superior


inferior 1891 (a) centralização sanitária (b)
superior (d) federalismo sanitário (c)

Considerando inexistente a cela inferior direita (d), os cálculos na


era do saneamento levaram a maioria dos estados à decisão de transitar
de (a) para (b), porque avaliaram que os custos externos eram superiores
aos custos da estatização e estes inferiores aos seus benefícios. São Paulo
foi o único estado que insistiu na solução (c), desenvolvendo uma infra-
estrutura sanitária independente de idêntico movimento da União. Para
São Paulo, os custos da interferência do Governo Central seriam muito
elevados. A decisão de estatizar a saúde só seria possível se São Paulo
ocupasse a cela (c) e os demais dezenove estados, a cela (b). Reorganizan-
do o Quadro IV, a interação entre São Paulo e as demais unidades da
Federação, em torno da questão da transferência ou não das responsabi-
lidades com saúde e saneamento para o poder central, pode ser apresen-
tada da seguinte maneira:

Quadro V

Demais estados Não transferem Transferem



São Paulo

Não transfere 1891 (I) 1920 (II)

(statu quo) (Políticas de Saneamento e


Profilaxia Rural

Transfere (IV) Política Nacional de Saúde


Pública (III)

Uma política centralizada de saúde pública, como solução para os


impasses da interdependência sanitária gerados pelo statu quo federativo,

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era o ideal dos médicos sanitaristas brasileiros, e uma solução racional


para os estados, na sua grande maioria privados de recursos e imersos em
problemas. Para estes, a coletivização da saúde traria benefícios que supe-
rariam os custos da perda de autonomia política; para São Paulo, um esta-
do importante e cioso de sua autonomia, os custos que lhe seriam impos-
tos por uma política mais centralizada poderiam ser muito superiores aos
benefícios obtidos. Contudo, interessava aos paulistas cooperar com uma
solução que diminuísse os custos externos impostos pelos demais estados.
Entre o mundo que se tornava crescentemente inexequível (I) e o
idealizado e aspirado pela maioria (III), negociou-se uma fórmula coo-
perativa que viabilizou politicamente o arranjo (II) que permitia a São
Paulo excluir-se dos custos da estatização e, ao mesmo tempo, benefi-
ciar-se da diminuição das externalidades negativas. Isso significa dizer
que a estatização da saúde não foi um processo natural, mas resultado de
conflito e barganha política. O arranjo (II) discutido e decidido entre
1916 e 1919, e implementado a partir de 1920, significou o início de
uma política federal de saúde e saneamento rural nos estados e balizou a
trajetória do Poder Público nessa área.
Esses cálculos, escolhas, negociações e arranjos institucionais são
cruciais para a compreensão da gênese e características da política de
saúde pública no Brasil Republicano. Sugiro que o processo mais amplo
de formação do Estado esteja contido na solução (II) apresentada no
Quadro V e nas trajetórias sugeridas nos Quadros III e IV, que explicitam
as bases da política de saúde pública no Brasil. O valor heurístico do
modelo exposto ao longo do capítulo evidencia-se ao permitir uma inter-
pretação plausível sobre por que e como a saúde se tornou coletiva, públi-
ca e nacional.

3.3. Estrutura do livro

A sequência do livro está organizada em cinco capítulos, ao longo


dos quais será discutida a literatura específica que trata de saúde pública
e de políticas de saúde no Brasil da Primeira República. Cabe ressaltar a
grande dificuldade de se encontrarem dados quantitativos e informações
organizados, sobre as políticas federais de saúde e saneamento no período

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enfocado, entre 1919-1930. Optei por utilizar fontes primárias de tipos


bastante diversos e recorrer a informações organizadas por outros analis-
tas, e em fontes secundárias, dando-lhes sentido e conectando-as a partir
dos objetivos e estratégias pretendidas.4
No Capítulo 2, procuro mostrar que, ao longo da chamada Primei-
ra República, houve uma crescente identificação dos problemas de saúde
como um dos principais elos de interdependência da sociedade brasileira,
e a constituição de uma consciência entre suas elites sobre as externalidades
negativas, geradas pelas condições sanitárias do país e precariedade da
saúde de sua população. Essa consciência da interdependência social,
política e territorial será analisada como uma etapa na constituição de
um sentimento de comunidade nacional. O foco principal recairá sobre o
movimento sanitarista do período 1916-1920, suas concepções, diag-
nósticos e propostas de reforma, baseados nas relações entre doença trans-
missível, sociedade e autoridade pública, que desafiavam a ordem consti-
tucional estabelecida em 1891.
No Capítulo 3, analiso o processo político que resultou, em 1920,
na primeira grande modificação nos serviços sanitários federais, desde o
início do século. Descrevo, inicialmente, o desenvolvimento da organiza-
ção sanitária federal do início da República até meados da década de
1910, e analiso as suas principais características. Indico que a consciência
da interdependência sanitária passou a ser compartilhada por amplos se-
tores das elites políticas. Apresento as principais propostas de reforma
sanitária, os debates nas arenas profissionais, na imprensa e no Legislativo
e as decisões de criação e ampliação da responsabilidade federal em saúde
e saneamento, entre 1918 e 1920.

4
Essa dificuldade foi reconhecida por dirigentes do setor nos anos 30. No relató-
rio do ano de 1930 do Departamento Nacional de Saúde Pública, órgão máximo da saúde
na esfera federal, seu diretor lamentava “[. . .] que a história da evolução recente dos
nossos serviços sanitários esteja fadada a grandes lacunas devido ao fato de não se ter
encontrado, nem em nossos arquivos, nem nos arquivos do antigo Ministério da Justiça e
Negócios Interiores, vestígio algum dos relatórios anuais do diretor-geral do Departa-
mento de Saúde Pública, de 1920 para cá, a não ser o relativo a 1927 [. . .]” (Arquivo
Belisário Penna, COC/Fiocruz). Comentários semelhantes sobre a ausência de informa-
ções organizadas sobre o período foram feitos por J. P. Fontenelle, importante médico e
funcionário dos serviços sanitários federais nos anos 20 e 30, autor de numerosos traba-
lhos sobre saúde pública (ver Fontenelle, 1937, p. 1).

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No quarto e quinto capítulos, detalho e testo os rendimentos


analíticos do modelo proposto e a plausibilidade de sua interpretação.
Analiso detalhadamente as decisões sobre a ampliação das políticas de
saúde e saneamento, as escolhas feitas, seus conteúdos e impactos. Foca-
lizo, também, o momento imediatamente posterior, o da implementação
dessas políticas, e a interação estados/Governo Federal nessa fase. O quinto
capítulo é dedicado à análise da chamada exceção na área de saúde na
Primeira República: o estado de São Paulo. Sugiro que a experiência
paulista não deva ser interpretada como um caso à parte, mas como um
elo fundamental, integrante do processo de formação de políticas de saú-
de pública, no plano federal. Nestes dois capítulos, pretendo responder
por que e como a saúde se torna pública e nacional e, com isso, concluir o
desenvolvimento do meu argumento central. Num capítulo final, faço
considerações gerais sobre as relações entre a análise das políticas de saú-
de pública da era do saneamento e o processo de construção e de reforma
do Estado no Brasil.

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Capítulo 2
O MICRÓBIO DA DOENÇA
E O PODER PÚBLICO:
O MOVIMENTO SANITARISTA BRASILEIRO E O
SURGIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA
DA INTERDEPENDÊNCIA
♦♦♦
1. Introdução
O meu vizinho adoeceu por vontade própria; foi a
um laboratório e injetou-se uma cultura viva de ba-
cilos coléricos. Se ele se houvesse simplesmente ati-
rado do telhado à rua ou arrebentado os miolos com
uma bala ou ingerido um grama de estricnina, isso
só afetaria a sua pessoa e eu tinha que limitar-me a
lamentar a ocorrência. Com os bacilos do cólera o
caso muda de figura — eles se vão difundir aos
milhões e milhões pelos objetos que terei que tocar,
pelos encanamentos da água que terei que beber,
pelos esgotos que vão passar por minha casa. E terei
que resignar-me, pois as medidas ao meu alcance
isolado seriam improfícuas, visto ascenderem a tal
importância e complexidade, que só o Estado as
poderia executar. Mas o Estado não deve tolher a
liberdade do meu vizinho de querer adoecer e mor-
rer, ainda que seja para proteger a minha de aspirar
à saúde e à vida. E o mal se há de propagar pela
cidade inteira, e as cidades vizinhas e os campos
serão contaminados, o país todo sofrerá o flagelo, e
milhares e milhares de vidas serão sacrificadas.
— SEBASTIÃO B ARROSO, 1919, pp. 10-1.

S
ebastião Barroso foi médico, político fluminense e dirigente de
serviços federais de saneamento no início dos anos 20. Seu co-
mentário expressa com clareza as relações entre doença trans-

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missível e o papel do Poder Público. O cólera estabelecia elos de mútua


dependência entre indivíduos, vizinhanças, cidades e regiões, que
inviabilizavam soluções isoladas. Essa configuração, fundada no caráter
contagioso da doença, impunha a necessidade de uma autoridade capaz
de agir sobre todo o território e sobre todos os seus indivíduos, impedin-
do que localidades e pessoas imputassem custos aos demais, necessitan-
do assim restringir liberdades individuais, alterar direitos de propriedade
e violar autonomias políticas. O tom irônico de Barroso refere-se, justa-
mente, às resistências de muitos ao aumento do poder do Estado, no
campo da saúde pública. Para ele, a criação de Poder Público deveria ser
vista como resultado natural da compreensão dessa nova sociabilidade
fundada na comunicabilidade da doença.
Neste capítulo, mostrarei que, ao longo da Primeira República, os
problemas de saúde foram — de maneira crescente — identificados como
um dos principais elos de interdependência da sociedade brasileira. Mos-
trarei também que se construiu uma consciência, entre as elites, sobre os
efeitos negativos gerados pelas condições sanitárias do país e sobre a pre-
cariedade da saúde de sua população. A consciência da interdependência
social, política e territorial significou uma etapa na constituição de um
sentimento de comunidade nacional, que implicou uma reflexão e um
debate sobre os arranjos institucionais e as políticas eficazes para solucionar
os efeitos negativos da interdependência. Para entender a relação entre
transmissibilidade da doença e sociedade, demanda-se uma discussão sobre
a capacidade de ação da autoridade pública e sua amplitude.
Procurarei demonstrar que a doença foi identificada como um dos
principais laços constituintes da sociedade brasileira durante a Primeira
República, interpretação essa difundida cada vez mais, e compartilhada
por segmentos importantes das elites. Abordarei também o conteúdo
mais preciso dessa interdependência social, política e territorial, gerada
pela doença e por suas consequências. Esse processo pode ser compreen-
dido mediante a análise das concepções e propostas de um amplo movi-
mento conhecido como a campanha pelo saneamento rural ou pelo sanea-
mento do Brasil. Nas décadas de 1910 e 1920, o movimento sanitarista
difundiu sua interpretação sobre as bases da comunidade nacional e ofe-
receu soluções políticas e institucionais para transformar uma comunidade

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fundada nos efeitos negativos da transmissibilidade da doença em uma


sociabilidade sustentada na saúde e na higiene de sua população. Para
operar essa transformação, propunha políticas de saneamento e saúde
pública que alcançassem todos os membros da comunidade. O movi-
mento sanitarista na Primeira República entendia que a doença trans-
missível caracterizava e moldava a sociedade brasileira, desafiando suas
elites e suas instituições políticas e exigindo um aumento da responsabi-
lidade do Poder Público, o que significava a rediscussão da moldura po-
lítico-legal inaugurada pela Constituição de 1891.
Este capítulo está dividido em quatro partes. Na primeira, discuto
os aspectos analíticos das relações entre transmissibilidade da doença,
interdependência social e Poder Público, chamando a atenção para o pro-
cesso de constituição de uma consciência social, enquanto consciência
dos efeitos negativos da doença. A ideia de uma comunidade nacional é
forjada nesse processo junto com a certeza de que apenas o Poder Públi-
co poderia administrar as relações de dependência recíproca dentro dessa
comunidade, agora ampliada. Também operacionalizo alguns conceitos e
indico ideias importantes para o desenvolvimento de meu argumento.
Na segunda parte, abordo o movimento sanitarista brasileiro na Primeira
República, como veículo de expressão, elaboração e difusão de uma cons-
ciência da interdependência. O foco recairá no diagnóstico sobre o Bra-
sil, elaborado na década de 1910, baseado em um amplo movimento que
redescobre o Brasil a partir da onipresença da doença. Dado esse diag-
nóstico, na terceira parte discuto os fundamentos que sustentavam as
propostas de reforma dos serviços sanitários e que desafiavam as frontei-
ras da autoridade pública, definidas no texto constitucional de 1891, as-
sim como a própria ordem política vigente. Na última parte, resumo os
argumentos desenvolvidos no capítulo.

2. A sociabilidade da doença: externalidades, consciência


e comunidade

Sob o sugestivo título de “O micróbio como nivelador social”, o


médico norte-americano Cyrus Edson, superintendente sanitário da
cidade de Nova York, publicou um artigo, em 1895, entusiasmado com

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as então recentes conquistas do conhecimento bacteriológico. Edson anun-


ciava que a igualdade entre os homens, tão desejada pelos socialistas,
estava sendo alcançada não mais por projetos políticos ou por revoluções,
mas por organismos vivos infinitamente pequenos, invisíveis ao olho
humano: os micróbios, causadores de doenças infectocontagiosas. Os seres
humanos seriam iguais ante a ameaça da doença, porque, afinal, “o micróbio
da doença não é respeitoso para com as pessoas” (Edson, 1895, p. 425),
pouco se importando com o status, a classe, a raça ou o gênero de quem
atacava. A doença acabara por igualar e conectar todos os seres humanos
e suas comunidades, em uma ampla cadeia de mútua dependência.
Argumentava, ainda, que a possibilidade do contágio tornara
indissociáveis pobres e ricos, sãos e doentes, palácios e cortiços, regiões
diversas de um mesmo país e do planeta, etc. Ninguém, em nenhum
lugar, poderia escapar da ameaça da doença e, por isso mesmo, ninguém
poderia ser indiferente à sorte, má sorte, de outros indivíduos, estejam
onde estiverem, na mesma rua, na mesma cidade ou país, ou em um
outro e longínquo lugar. Afinal, o que aproximaria um americano próspero
de um pobre camponês russo? O micróbio causador de doenças (ibidem).
Para Cyrus Edson, ações públicas de saúde, alcançando todas as
comunidades, seriam uma decorrência necessária desse infinito encadea-
mento de seres humanos e sociedades. Esta seria “a dimensão socialista
do micróbio” (ibidem, pp. 425-6). A ação revolucionária desses seres in-
visíveis tornou os homens mais semelhantes, ou pelo menos igualmente
frágeis, e os interligou em uma enorme rede de relações de interde-
pendência, que resultou na percepção da existência de uma comunidade
nacional, e mesmo de uma comunidade internacional.
Esse pequeno artigo discorre sobre um fenômeno cuja importân-
cia foi destacada desde meados do século XIX por profissionais vinculados
à saúde pública, reformadores políticos e observadores da vida quotidiana,
antes mesmo do triunfo da bacteriologia, com os trabalhos e descobertas
de, entre outros, Louis Pasteur (1822-1895) e Robert Koch (1843-1910).1

1
Bacteriologia: “[. . .] estudo sistemático dos microrganismos é uma área da
microbiologia e tem grandes afinidades com várias disciplinas médicas, notadamente a
imunologia, epidemiologia e saúde pública. Como desciplina independente, a bacteriolo-
gia surgiu no terceiro quarto do século XIX quando estabeleceu as provas para a «teoria

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Os processos de industrialização, urbanização e crescimento populacional


tinham constituído uma sociedade na qual um dos elos principais seria a
doença, em especial quando se apresentava à sociedade sob a forma epi-
dêmica. A extensão do fenômeno também estava vinculada à constitui-
ção de Estados nacionais — com a definição do espaço político e territorial
onde esses problemas eram percebidos e ao qual seriam demandadas so-
luções — e à crescente convicção da perda de eficácia das soluções indi-
viduais e locais, então vigentes, para um problema que se tornava crescen-
temente coletivo e nacional. Meu argumento tem como base, justamente,
a descoberta desses elos de interdependência social.
Nesta interpretação, a preocupação dos ricos e sadios para com os
menos afortunados e doentes e a decisão de agir para combater esse estado
de coisas não derivariam apenas de uma concepção ética e moral, mas,
principalmente, da percepção de que a ameaça da doença os tornara solidá-
rios e reorganizava a sociedade, certamente, a contragosto, para muitos.
Definitivamente, as elites percebiam que tinham perdido a sua imunida-
de social, diante de um problema do qual dificilmente alguém poderia se
eximir. Nesse sentido, a consciência social das elites corresponderia à per-
cepção de que não estavam mais isentas dos efeitos negativos produzidos
pelos membros menos afortunados da sociedade (cf. De Swaan, 1990).
Aqui, a ideia de consciência social será operacionalizada como cons-
ciência da interdependência social, isto é, a percepção das elites quanto à
ampliação dos elos de interdependência social, que pode, ou não, ser acom-
panhada da sua disposição em contribuir com as soluções para as adver-
sidades e deficiências que afetariam potencialmente tanto as elites quan-
to outros segmentos sociais. Tal disposição estaria condicionada a que as
elites se dessem conta da amplitude territorial e da extensão do caráter
coercitivo do arranjo necessário à administração dos efeitos da mútua
dependência.
Do ponto de vista histórico, o surgimento dessa consciência social
foi um capítulo significativo do processo de descoberta da comunidade

do germe» [«microrganismos são responsáveis pela doença, infecção, putrefação e fer-


mentação»], provavelmente o mais importante conceito individual para a história da me-
dicina moderna, e assim contribuiu para a compreensão das reações imunológicas e para
a descoberta das sulfas e antibióticos” (McGrew, 1985, p. 25).

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nacional, ou de construção do Estado-nação. A percepção da generaliza-


ção da interdependência e de seus efeitos seria marcada por um senso
abstrato de responsabilidade e pelo debate em torno de soluções, que
melhorariam a situação daqueles que estavam em estado de privação e,
consequentemente, atenuariam a ameaça aos poderosos, ricos e sadios.
Se a consciência da interdependência social diz respeito à constituição da
comunidade nacional, as soluções para os efeitos externos referem-se ao
lugar da autoridade pública.
Ao longo do tempo, a necessidade de administração dessas exter-
nalidades gerou cada vez mais demandas por cuidados coletivos e compul-
sórios, uma vez que as saídas individuais e voluntárias tornaram-se pouco
eficazes no tratamento das consequências diretas e indiretas das deficiên-
cias ou adversidades de alguns indivíduos e grupos, sobre terceiros, atin-
gidos por elas, imediatamente ou não. Ao interligarem em uma grande
cadeia tanto indivíduos como regiões, ao coletivizarem o problema da
saúde, os micróbios e as epidemias desafiavam quaisquer tentativas de se
promoverem arranjos individualizados e localizados de proteção. Se as
configurações complexas, como sugere Norbert Elias (1980, p. 143), de-
vem ser abordadas indiretamente e compreendidas mediante uma análise
dos seus elos de interdependência, a análise da constituição dessa cons-
ciência é um instrumento importante para se observar o processo de for-
mação da comunidade nacional e de formação do Poder Público.
Uma consciência da interdependência significou a identificação dos
elos que tornavam os indivíduos social e politicamente interdependentes
e a possibilidade de regular os seus efeitos negativos. O médico Cyrus
Edson identificava esse elo como o micróbio causador de doenças. Sugi-
ro que o elo de interdependência percebido pelas elites é menos o micró-
bio (o germe) e mais uma característica absolutamente visível de doenças
causadas por tais agentes patogênicos, invisíveis aos olhos das elites: a
sua transmissibilidade. Assim, a transmissão de uma doença tem analo-
gias com os efeitos externos do comportamento individual em sociedade.
Sem me deter na complexidade das definições e na historicidade
dos conceitos de contágio e infecção, cabe destacar que adquiriram um
sentido muito amplo e comum, distante de seus conteúdos exclusivamente
médico-científicos. Mesmo estes estiveram, durante séculos, vinculados

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intimamente às dimensões religiosa, cultural, política e econômica da


sociedade ocidental (Pelling, 1993; Temkin, 1953). Seguindo uma con-
cepção mais geral, contágio refere-se à ideia de que doenças podem ser
transmitidas diretamente de uma pessoa para outra ou, indiretamente,
por ar, água, seres vivos e outros meios e objetos contaminados (Dwork,
1988, pp. 75-7; McGrew, 1985a, pp. 77-9). Já o termo infecção pode ser
definido como a “invasão do corpo por germes que se reproduzem e
multiplicam causando doenças [. . .]” (The Mosby Medical Encyclopedia,
1992, p. 413). Sempre houve certa dificuldade em distinguir-se entre o
agente que é transmitido por pessoas ou via meio ambiente, mais associado
à ideia de contágio, e o processo de transmissão, mais vinculado à ideia de
infecção (Pelling, 1993, pp. 314-5).
De qualquer forma, parece consensual entre vários autores que es-
ses conceitos têm sido entendidos e utilizados de maneira bastante livre e
indiferenciada pela grande maioria das pessoas leigas (ibidem, p. 309).
Efetivamente, a concepção que foi incorporada socialmente, e que me
interessa aqui reter, seria menos a caracterização do agente causal ou do
mecanismo de transmissão, e sim que existem doenças que se pegam.2
Para mencionarmos um exemplo brasileiro, Sebastião Barroso, em um
livro de educação sanitária, indicava o critério popular para identificar o
que denominou de “as doenças que pegam”: “[. . .] o indivíduo são pega a
doença do indivíduo doente, pouco devendo importar as peripécias de-
correntes para essa pegada” (Barroso, 1938, p. 14).
Para alguns autores, o século XIX teria completado o longo pro-
cesso de secularização do conceito de infecção, iniciado na Antiguidade
clássica, superando tanto versões religiosas quanto a perspectiva que ali-
mentou e movimentou as primeiras reformas da saúde pública: a de que
epidemias resultavam de condições ambientais, tais como fatores atmos-
féricos e climáticos, circunstâncias locais, ausência de tratamento de es-
goto e lixo, suprimento de água precário, habitações sem ventilação e su-
perlotadas, etc. (Temkin, 1953, p. 144). Para o que se convencionou cha-
mar de teoria miasmática, as doenças seriam transmissíveis através de
miasmas, humores que surgiam de matéria orgânica em decomposição,

2
Neste livro, utilizarei indistintamente comunicação e transmissão.

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vegetal ou animal, resultantes de condições ambientais específicas, e não


através de micróbios (Hannaway, 1993; Pelling, 1993).
Ao longo do século XIX, ou pelo menos até sua comprovação pela
bacteriologia, a aceitação, ou não, da ideia de infecção e contágio através
de microrganismos, conhecida como teoria do germe, esteve sempre asso-
ciada ao intenso debate e invariável conflito em torno das medidas a
serem tomadas para que se evitassem doenças, em especial aquelas para
combater e evitar a difusão de epidemias. A dramaticidade e o pânico
produzidos pelas epidemias tornaram-nas eventos privilegiados para análi-
ses dos problemas de interdependência. Epidemias como a da febre ama-
rela (Duffy, 1971), a de cólera — para muitos autores “o paradigma da
interdependência social” (De Swaan, 1990, pp. 124-8; Fraser, 1984, pp.
59-60) — e a da gripe espanhola (Crosby, 1989) são os exemplos mais
citados em análises sobre os impactos sociais, culturais e políticos da doen-
ça entre meados do século XIX e as primeiras duas décadas do XX.3
As ações de combate às epidemias tiveram sérias implicações de
comércio, autoridade pública, liberdade individual e ordem política, que
se traduziram nas posições anticontagionistas e contagionistas. De for-
ma sintética, a concepção anticontagionista sugeria medidas de caráter
local, ações concretas sobre as condições sociais e ambientais geradoras
dos miasmas causadores de epidemias. Esse programa ambientalista ou
ecológico foi o motor das primeiras reformas sanitárias na Europa e nos
Estados Unidos, no século XIX. Recusando a chamada teoria do germe,
políticas públicas de saúde baseadas em concepções anticontagionistas
ganharam efetividade ao chamarem a atenção e promoverem um progra-
ma de remoção dos elementos locais, considerados agentes difusores de
doenças epidêmicas: lixo, esgoto, água poluída, habitação superlotada e
pouco ventilada, etc. (Rosen, 1993). Esse programa, iniciado em meados
do século XIX, mesmo fundado em concepções médico-científicas que

3
Para alguns historiadores da medicina, o medo coletivo seria a mais poderosa força
social para o surgimento de ações públicas contra a doença. Para Richard H. Shryock, o
medo viria da violência e do caráter inesperado de uma epidemia, do desconhecimento
sobre as causas da doença e dos modos de transmissão e dos desagradáveis sintomas e
manifestações públicas da doença (Shryock, 1972, p. 141). No entanto, nessas interpreta-
ções, as forças sociais não são centrais, mas complementos aos pré-requisitos médicos e
científicos de combate a uma doença.

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se mostraram equivocadas, em décadas posteriores, acabou por produzir


dois resultados importantes: associou doenças às péssimas condições de
vida vigentes nas cidades e gerou os primeiros serviços públicos urbanos,
como esgotamento sanitário, suprimento de água, coleta de lixo, controle
de alimentos e do leite, etc., que tiveram impacto positivo na coletivização
do bem-estar (De Swaan, 1990, pp. 131-7).
A perspectiva contagionista, que atribuía a difusão das doenças
entre seres humanos aos microrganismos, e sobre a qual, até fins do sécu-
lo XIX, não se tinham evidências científicas claras, gerava um programa
de ação que procurava evitar o contato de indivíduos doentes com indiví-
duos saudáveis, reforçando o papel da autoridade pública na regulação de
inúmeras atividades e, especialmente, na imposição de isolamento e qua-
rentenas regionais ou nacionais, para impedir que navios suspeitos de
conduzirem doentes fizessem contato com os portos.
A imposição de quarentenas tornava político um debate aparente-
mente científico, já que interferia no fluxo comercial, no comércio inter-
nacional e no deslocamento populacional. A concessão de mais poderes
às autoridades estatais e burocráticas também causava mal-estar em um
período em que o liberalismo se difundia. Por isso, alguns autores suge-
rem que a polaridade contagionismo versus anticontagionismo também
foi uma polarização entre despotismo e liberalismo. O anticontagionismo
e o movimento contra as quarentenas teriam encontrado maior aceitação
na segunda metade do século XIX, associados ao liberalismo emergente,
justamente no período imediatamente anterior ao do reconhecimento
dos equívocos dos seus pressupostos e da comprovação da teoria do ger-
me, através dos avanços da bacteriologia (Ackerknecht, 1948).4
Esta apresentação, apesar de simplificadora, é importante para cha-

4
Apresento de forma simplificada as versões da teoria do germe e da teoria
miasmática; no entanto, estou consciente da enorme complexidade e da longa evolução
histórica das teorias anticontagionistas e contagionistas. O texto de Ackerknecht (1948)
é o clássico, por excelência, sobre o embate na Europa entre essas duas interpretações, ao
longo do século XIX, sobre a origem e forma de transmissão de doenças. Uma referência
para esses debates e suas implicações nos EUA, em especial em torno das epidemias de
febre amarela, pode ser encontrada em Pernick (1985); e, para o tema das quarentenas
nacionais e regionais no contexto do federalismo americano, ver os trabalhos sobre a febre
amarela no Sul dos EUA, de Humphreys (1992) e Ellis (1992).

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mar a atenção para o fato de que os debates em torno da comunicabilidade,


ou não, das doenças jamais foram exclusivamente científicos. Os concei-
tos de contágio e infecção poderiam ser tratados como relações entre
indivíduos em sociedade e entre estes e o meio circundante, por sinal,
concepção não muito distante daquela proposta pelos higienistas, a par-
tir de meados do século XIX, e que se manteve ao longo do tempo (Murard
& Zylberman, 1985). Muitas dessas concepções, baseadas em supostos
que se mostraram cientificamente equivocados, foram, também, efica-
zes, ao buscarem diminuir os efeitos negativos gerados pelas condições
ambientais em que essas interações sociais ocorriam (De Swaan, 1990, p.
134). Para Schwartz (1977, p. 128), uma hipótese etiológica não precisa-
ria ser correta para servir de base a um programa de saúde pública com
impactos positivos.
A hegemonia da bacteriologia significou a ênfase no diagnóstico,
no combate pontual a doenças específicas causadas por agentes determina-
dos, porém universalmente encontrados, na produção de vacinas, soros e
remédios, na ação preferencial sobre o indivíduo doente e, principalmen-
te, na tendência a prescindir de mudanças externas ao conhecimento
científico como requisito para o seu sucesso. Essa perspectiva tornava a
sociedade um mero fator contextual. Porém, um programa ambientalista
reformulado, preocupado com as condições de vida que favoreciam o
circuito micróbio–seres humanos, continuou sendo aplicado, o que signifi-
cava a sobrevivência de um modelo de causação múltipla da doença, pelo
qual as condições sociais poderiam ser tratadas como variáveis indepen-
dentes ou, pelo menos, não serem consideradas como simples contexto
(Kramer, 1948, pp. 245-7; Kunitz, 1987; 1988). Para alguns autores, uma
perspectiva ambientalista favorece mais claramente a responsabilidade
governamental em saúde pública (Schwartz, 1977).
Cabe destacar algumas ideias. Primeiro, a descoberta de que certas
doenças têm causas necessárias (o micróbio) não elimina por completo o
reconhecimento da existência de outras variáveis externas à interação hu-
manos-germes, que poderia facilitar ou impedir esse encontro. Segundo,
os atores relevantes decidem e agem de acordo com o conhecimento cien-
tífico vigente, não importando se posteriormente este se mostre equivo-
cado ou incompleto. E terceiro, continuou presente a consideração da

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sociedade como uma variável independente. Para Murard & Zylberman


(1985, pp. 60-1), a higiene pública tem aliado, historicamente, um pro-
grama positivo em saúde com a ambição de reorganizar a sociedade, en-
fim, tem-se apresentado como uma ciência social aplicada.
A pergunta mais ampla que acabou sendo socialmente comparti-
lhada, e que independe de grandes exercícios conceituais, é se uma enfer-
midade pode ser pega (Pelling, 1993, p. 309). O desafio principal seria
evitar o encontro entre o ser humano e o micróbio causador da doença
(Temkin, 1953, pp. 146-7), entre indivíduos saudáveis e doentes, ou, se
esse encontro for inevitável, como administrar e reduzir suas consequências
negativas. A convicção de que esse encontro pode ser evitado, ou trans-
formado em uma interação menos nociva, indica a necessidade de agir
tanto sobre os indivíduos portadores de microrganismos patogênicos,
curando-os, se possível, e/ou impedindo-os de transmiti-los a outros in-
divíduos, quanto sobre os mecanismos que possibilitam que esses mi-
crorganismos infectem os seres humanos.
A consciência de uma dependência recíproca, via percepção da
comunicabilidade das doenças, através da qual todos os indivíduos esta-
vam inexoravelmente interligados, seja pela ameaça, seja pelos benefícios
da prevenção, criava efetivamente a ideia de comunidade, na qual a res-
ponsabilidade pela profilaxia e cura da doença tornava-se uma obrigação
moral e política (ibidem, 1953, p. 147). Há inúmeras evidências de que a
consciência da transmissibilidade da doença e do papel dos micróbios na
conexão entre seres humanos e entre diferentes localidades foi desenvol-
vida mais rapidamente pela sociedade, pelos leigos, do que pelos círculos
de sanitaristas e médicos, pelo menos no que se refere às experiências
norte-americana e inglesa (Kramer, 1948; McClary, 1990; Richmond,
1954; Tomes, 1990).
A consciência da ameaça pública dos “germes [que] estão em toda
parte” (McClary, 1990), ou “[d]os doentes estão por toda a parte” (Bar-
roso, 1938, p. 53), implica perceber a falácia da autossuficiência indivi-
dual e das possíveis soluções voluntárias e compartimentadas, diante desse
mal público, e dos seus efeitos externos impostos pela condição ou ação
de uns (indivíduos e localidades) sobre outros.
Emerge daí a consciência de se pertencer a uma comunidade mais

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ampla, que pode ser estendida até a ideia de comunidade nacional, for-
mada por seres, cidades e regiões que se percebem como interdependentes.
São indivíduos e espaços, agora, interligados, ou igualados, pelos germes,
pelos mosquitos, moscas, ratos, lixo não tratado, esgoto despejado ao longo
dos rios, viajantes e imigrantes que se deslocam portando doenças, falta
de controle sobre alimentos que, produzidos em determinado lugar, são
consumidos em diversas localidades, etc. (Marcus, 1979).
Assim, desenvolveu-se a percepção de que a situação sanitária de
uma localidade — por ações equivocadas, por inação ou por quaisquer
outros motivos — poderia, por mecanismos diretos e indiretos de trans-
missão, atingir negativamente as demais, que não contribuíram para que
tal ocorresse. O conhecimento médico estabelecido deveria ser utilizado
para impedir ou sanar os efeitos negativos da doença que pega. Tal cons-
ciência da interdependência social significaria a consciência da necessi-
dade de administrar os elos de interdependência social, demandando, ao
final, algum arranjo supralocal que desse conta da extensão e complexi-
dade vinculadas a esse novo sentimento comunitário. O resultado mais
geral da sociabilidade gerada pelo micróbio da doença seria um senti-
mento de comunidade nacional, associado a demandas pelo aumento das
responsabilidades do Poder Público.

3. Brasil = Sertões + Hospital: a equação do movimento pela reforma


sanitária na Primeira República

3.1. Apresentação

O movimento pela reforma da saúde pública nas duas últimas dé-


cadas da Primeira República foi caracterizado por Castro Santos (1980;
1985; 1987) como um dos elementos mais importantes no processo de
construção de uma ideologia da nacionalidade, com impactos relevantes
na formação do Estado brasileiro. Essa percepção tem sido incorporada
por vários trabalhos que abordaram direta ou indiretamente o tema, e
constitui, a meu juízo, o ponto de partida para qualquer reflexão sobre
saúde pública no Brasil Republicano (Albuquerque et alii, 1991; Britto,
1995; Lima & Britto, 1996; Lima & Hochman, 1996).

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Outros autores, apesar de partilharem da interpretação mais geral


sobre o caráter nacionalista do sanitarismo dos anos de 1910-1920,
destacam as políticas de saúde na Primeira República como resultado
de estratégias das classes dominantes e abordam seu desenvolvimento
associado à dinâmica do capitalismo, tanto do ponto de vista doméstico
como internacional. Além disso, consideram os principais atores públi-
cos, especialmente os sanitaristas e dirigentes da saúde pública, como
intelectuais subordinados aos interesses dos grupos dominantes, nacio-
nais e estrangeiros (Costa, 1985; Labra, 1985; Iyda, 1994, Merhy, 1985;
Ribeiro, 1993). A interpretação proposta pelos trabalhos de Castro San-
tos (1987) tem o mérito de abordar as questões de saúde pública, apon-
tando para uma dinâmica na qual diversos e complexos condicionantes
das políticas podem ser tratados em tempos e espaços diferentes, rejei-
tando quaisquer determinismos e explicações monocausais, muitas vezes
presentes nos trabalhos sobre o tema.
A maioria dos trabalhos divide o movimento sanitarista em dois
períodos fundamentais. O primeiro, correspondente à primeira década
deste século, seria marcado pela gestão de Oswaldo Cruz à frente dos
serviços federais de saúde, entre 1903-1909, basicamente restritos ao
Distrito Federal e aos portos. A principal característica dessa fase seria a
ênfase no saneamento urbano da cidade do Rio de janeiro e o combate às
epidemias de febre amarela, peste e varíola. Para Castro Santos, assim
como para a maioria dos autores, o fator determinante das políticas pú-
blicas de saúde, nesse primeiro período, seria a necessidade de livrar o
país dos prejuízos causados ao comércio exterior pelas péssimas condi-
ções sanitárias da Capital Federal e de seu porto (ibidem, caps. 2 e 3;
Costa, 1985, cap. 2). Cabe adiantar que o governo do estado de São Pau-
lo havia implementado ações de saneamento na cidade portuária de San-
tos e na capital estadual que, dentro da mesma lógica econômica, acres-
cida da ênfase na política de imigração da cafeicultura paulista, precede-
ram os esforços de saneamento do Distrito Federal (Blount, 1971; 1972;
Castro Santos, 1993; Ribeiro, 1993).
A segunda fase do movimento sanitarista — décadas de 1910 e
1920 — teria como característica fundamental a ênfase no saneamento
rural, em especial o combate a três endemias rurais (ancilostomíase, ma-

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lária e mal de Chagas), a partir da descoberta dos sertões, dos seus habitan-
tes abandonados e doentes e da possibilidade de curá-los e de integrá-los
à comunidade nacional. Diferentemente do período anterior, a reforma
sanitária se apresentava mais como um caminho para a construção da
nação, no bojo de uma corrente nacionalista que recusava o determinismo
racial e climático como explicação do Brasil e dos brasileiros (Castro
Santos, 1985; 1987, cap. 3). Para essa linha de interpretação, as medidas
decorrentes da campanha pelo saneamento do interior do Brasil tiveram
como consequência a constituição de agências e políticas governamen-
tais em saúde pública e saneamento (Castro Santos, 1987, cap. 6).
Uma vez de acordo com os aspectos mais gerais dessa interpreta-
ção, meu objetivo será qualificar a dimensão sociológica dos argumentos
do movimento pela reforma da saúde pública, integrar analiticamente os
dois períodos de reforma sanitária apontados, e identificar as relações
entre doença, sociedade e Poder Público, elaboradas e divulgadas por esse
movimento, entre 1916 e 1920. A base desse empreendimento é o en-
tendimento da interdependência sanitária enquanto dimensão social e
política. Para tanto, qualificarei os argumentos sobre o papel da saúde
pública no processo de construção do Estado nacional: a doença trans-
missível ao mesmo tempo que auxiliava a constituição de uma bem
estruturada noção de comunidade nacional, desafiava os limites estabele-
cidos na ordem política brasileira à ação do Poder Público.
Essa compreensão já estava presente entre os médicos e em parte
da elite, desde o início da República, e permaneceu depois da criação dos
novos órgãos federais de saúde pública a partir de 1920, o que revelaria
mais continuidades ao longo das quatro primeiras décadas republicanas
do que o sugerido pela bibliografia. O mesmo pode ser dito em relação às
propostas de reforma e de expansão dos serviços federais de saúde. As-
sim, o movimento sanitarista deve ser tratado como a expressão de uma
lenta, porém crescente, identificação, pela sociedade brasileira, dos pro-
blemas sanitários como problemas de interdependência. Contudo, existe
um fator diferenciador que justifica uma análise privilegiada do período
1910-1930, e, especialmente neste capítulo, dos anos de 1916 a 1920:
nunca essas relações foram tão radicalmente elaboradas e tão claramen-
te expostas e apresentadas à sociedade brasileira. A enorme capacidade

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de persuasão dessas ideias ou, no mínimo, a capacidade de promoção de


grandes polêmicas, deve-se ao fato de essas relações serem apresenta-
das como, e com base em, uma interpretação mais geral sobre o Bra-
sil, além de um dramático diagnóstico sobre as condições de existência
dos brasileiros.
O sucesso desse esforço pode ser avaliado pelo fato de setores sig-
nificativos das elites políticas e intelectuais terem passado a compartilhar
dessa interpretação e de que saúde e saneamento foram incluídos na agenda
política nacional. Esse curto período caracterizou-se por aumento ex-
ponencial da consciência pública sobre a responsabilidade governamen-
tal em saúde e acelerou o processo de crescimento das atividades do Es-
tado brasileiro, a partir da transformação da doença transmissível em um
problema político.

3.2. Doença e abandono: um diagnóstico dos males do Brasil

No Brasil da década de 1910, a intensificação do debate sobre saú-


de e saneamento acontece no contexto do surgimento de inúmeros mo-
vimentos de caráter nacionalista. De fato, o período correspondente à
Primeira Guerra Mundial e ao imediato pós-guerra foi, no exterior e no
Brasil, marcado por intensa atuação de movimentos nacionalistas, que
pretendiam descobrir, afirmar e reclamar os princípios da nacionalidade
e realizá-los através do Estado ( Joll, 1982, cap. VIII; Hobsbawm, 1991).
Além disso, há inúmeras indicações de como as guerras — em geral pro-
blemas de recrutamento e derrotas militares — geraram debates e polê-
micas sobre determinismo e melhoria racial, nos quais as condições de
saúde tiveram um papel relevantes.5
A guerra na Europa também gerou problemas de imigração, higi-
ene, controle sanitário das importações e exportações etc. Várias confe-
rências internacionais foram organizadas para discutir e criar regras e
estratégias de controle sanitário, que tinham sérias implicações para um

5
Existem vários exemplos internacionais. Um dos mais citados foi o impacto cau-
sado pela mobilização e fracasso das tropas britânicas na Guerra dos Bôers, no grande
debate da Inglaterra eduardiana sobre as condições físicas da raça, que iria culminar com o
National Health Insurance Act de 1911. Ver Porter (1991, pp. 161, 172-4; 1993, p. 1256).

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país exportador de matérias-primas e receptor de imigrantes, como o


Brasil. A Primeira Guerra foi, igualmente, um marco no que se refere à
mortalidade da população civil e de tropas, devido às condições sanitárias
nos campos de batalha da Europa. Seu término foi acompanhado pela
pandemia da gripe espanhola, cujo impacto, também no Brasil, pode ser
avaliado pelas estimativas que apontam trinta milhões de mortes em todos
os continentes, entre março de 1918 e janeiro de 1919 (cf. Patterson &
Pyle, 1991).
No caso brasileiro, os movimentos e organizações nacionalistas,
como a Liga de Defesa Nacional e a Liga Nacionalista, vislumbraram
diversos caminhos para a recuperação e/ou fundação da nacionalidade:
saúde, educação, civismo e valores nacionais, serviço militar obrigatório,
etc. (Skidmore, 1989; Oliveira, 1990). Um desses movimentos, a Liga
Pró-Saneamento do Brasil, fundada em 11-2-1918, no primeiro aniver-
sário da morte de Oswaldo Cruz, pretendia alertar as elites políticas e
intelectuais para a precariedade das condições sanitárias e obter apoio
para uma ação pública efetiva de saneamento no interior do país ou, como
ficou consagrado, para o saneamento dos sertões. Em um contexto no qual
prosperava a ideia de salvação nacional, o sanitarismo encontrava-se sin-
tonizado com as tendências gerais das correntes nacionalistas brasileiras,
sendo tributário das observações de Euclides da Cunha sobre o sertão e
os sertanejos (Castro Santos, 1985; 1987; Oliveira, 1990).
O marco cronológico deste capítulo, 1916-1920, é dado por qua-
tro eventos significativos, que serão, também, objeto de análise. Primei-
ro, a enorme repercussão de um discurso — tomado como inaugurador
do movimento pelo saneamento — de Miguel Pereira, pronunciado em
outubro de 1916, caracterizando o país como um imenso hospital. Se-
gundo, o impacto público da divulgação, também em 1916, do relatório
da expedição médico-científica do Instituto Oswaldo Cruz, chefiada por

6
O Instituto Oswaldo Cruz sucedeu o Instituto Soroterápico, criado em 1900, na
Capital Federal, durante a epidemia de peste bubônica. Na gestão do cientista Oswaldo
Cruz (1903-1917), tornou-se um importante centro de pesquisas e de formação de pro-
fissionais especializados em saúde pública. Foi dirigido até 1917 por Oswaldo Cruz, e por
Carlos Chagas até 1934. Sobre o papel desse instituto na ciência brasileira, ver Benchimol
(1990a); Benchimol & Teixeira (1993); Chagas Filho (1993); Luz (1982); Schwartzman
(1979); e Stepan (1976).

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Belisário Penna e Artur Neiva, ao interior do Brasil, em 1912, que reve-


lava um país com uma população desconhecida, atrasada, doente, impro-
dutiva e abandonada, e sem nenhuma identificação com a pátria (Al-
buquerque et alii, 1991; Neiva & Penna, 1916, pp. 74-224).6 Terceiro, a
repercussão dos artigos de Penna sobre saúde e saneamento, publicados
na imprensa carioca, entre 1916 e 1917, e depois reunidos em 1918, sob
o título de O saneamento do Brasil. Por último, a própria atuação da Liga
Pró-Saneamento, entre 1918 e 1920, quando se inicia a implementação
da reforma dos serviços de saúde federais.
No que se refere ao primeiro evento, a emblemática frase de Miguel
Pereira fazia parte de um discurso muito citado, pouco conhecido, do
qual destaco o trecho principal:

[. . .] fora do Rio ou de S. Paulo, capitais mais ou menos saneadas,


e de algumas ou outras cidades em que a previdência superintende
a higiene, o Brasil é ainda um imenso hospital. Num impressionan-
te arroubo de oratória já perorou na câmara ilustre parlamentar
que, se fosse mister, iria ele, de montanha em montanha, despertar
os caboclos desses sertões. Em chegando a tal extremo de zelo
patriótico uma grande decepção acolheria sua generosa e nobre inicia-
tiva. Parte, e parte ponderável, dessa brava gente não se levantaria;
inválidos, exangues, esgotados pela ancilostomíase e pela malária;
estropiados e arrasados pela moléstia de Chagas; corroídos pela
sífilis e pela lepra; devastados pelo alcoolismo; chupados pela fome,
ignorantes, abandonados, sem ideal e sem letras ou não poderiam
estes tristes deslembrados se erguer da sua modorra ao apelo toni-
truante de trombeta guerreira, [. . .] ou quando, como espectros, se
levantassem, não poderiam compreender por que a Pátria, que lhes
negou a esmola do alfabeto, lhes pede agora a vida e nas mãos lhes
punha, antes do livro redentor, a arma defensiva (Pereira, 1922, p. 7).

O discurso, uma saudação ao professor Aloysio de Castro, diretor


da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (FMRJ), foi feito no con-
texto de um debate de cunho nacionalista, em torno do recrutamento e
serviço militar obrigatório, e dialogava com a pregação de Olavo Bilac,

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dirigida aos estudantes de Direito e Medicina.7 Miguel Pereira criticava


a ingenuidade e a ignorância sobre o Brasil do deputado federal mineiro
Carlos Peixoto, que declarara estar disposto, em caso de invasão, a ir aos
sertões e convocar os caboclos para defender o país. Lembrava que foi
justamente no estado natal desse deputado, na cidade de Lassance, que
Carlos Chagas, em 1909, havia descoberto a doença que leva o seu nome
— mal de Chagas ou tripanossomíase americana —, uma doença que
idiotizava e debilitava milhões de brasileiros, tornando-os imprestáveis
tanto para o trabalho quanto para servir à pátria (ibidem, p. 7). A realida-
de sanitário-educacional no interior do país desmentia a retórica român-
tico ufanista sobre o caboclo e o sertanejo.8
Devido ao seu prestígio como professor da FMRJ e presidente da
Academia Nacional de Medicina (ANM), Miguel Pereira provocou uma
enorme polêmica na imprensa e nos círculos médicos e políticos, com
moções de apoio e solidariedade, de um lado, e acusações de ter exagera-
do em suas afirmações, até mesmo pondo em dúvida seu patriotismo, de
outro. O impacto desse discurso transforma-o no ato fundador de um
amplo movimento de opinião pública que diagnosticava a doença como
o principal problema nacional, e o descaso das elites, a razão pela qual
pouco se fizera para solucioná-lo.
Pereira havia-se inspirado no relatório da expedição científica or-
ganizada pelo Instituto Oswaldo Cruz, em 1912, que, chefiada por
Belisário Penna e Artur Neiva, percorreu o norte da Bahia, sudoeste
de Pernambuco, sul do Pará, cruzando Goiás de norte a sul.9 Esse rela-
tório foi peça fundamental para um diagnóstico, ou melhor, para uma

7
Para o debate em torno das Forças Armadas e do serviço militar obrigatório no
Brasil, no contexto da Primeira Guerra Mundial, ver Oliveira (1990, pp. 119-22); Carva-
lho (1985, pp. 193-5); e Skidmore (1989, pp. 170-91).
8
No dia seguinte, em jantar em homenagem ao cientista Carlos Chagas, Miguel
Pereira discursou reafirmando e esclarecendo os seus argumentos, que aparecem um tan-
to mais otimistas em relação ao futuro do país (apud Jornal do Comércio, 22-10-1916,
Arquivo Carlos Chagas, COC/Fiocruz). Esse segundo discurso também teve grande re-
percussão na imprensa (Britto, 1995, pp. 21-3).
9
Percorrendo o Brasil nas duas primeiras décadas do século XX, as expedições
científicas do Instituto Oswaldo Cruz destacaram-se na produção de conhecimentos sobre
a incidência de doenças, alimentando de informações o debate dos problemas nacionais.
Estiveram intimamente associadas à construção de ferrovias, às avaliações da viabilidade

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redescoberta do Brasil, que mobilizou intelectuais e políticos, e impulsio-


nou a campanha pelo saneamento. Além disso, o retrato do país apresen-
tado nesse documento foi comentado e reproduzido em jornais e em
debates acadêmicos e parlamentares, tendo convencido e convertido par-
te da opinião pública ao seu cruel diagnóstico.
Ao percorrer durante sete meses uma extensa área onde predomi-
navam regiões periodicamente assoladas pela seca, visando à elaboração
de estudo preliminar para a construção de açudes pelo Governo Federal,
a expedição realizou amplo levantamento, também fotográfico, das con-
dições climáticas, socioeconômicas e nosológicas (Albuquerque et alii,
1991). As regiões visitadas eram muito pouco conhecidas e, em alguns
casos, como certas áreas entre Goiás e Piauí, praticamente privadas de
registro feito por naturalistas estrangeiros ou brasileiros.
O relatório ressaltava a necessidade de ações profiláticas que impe-
dissem a associação perversa entre disponibilidade de água e foco de doen-
ças, especialmente a malária. Continha também informações sobre cli-
ma, fauna e flora, registrando, em detalhes, as doenças que afetavam os
habitantes daquelas regiões, suas condições de vida e suas atividades eco-
nômicas, além de apresentar sugestões às autoridades públicas (ibidem).
Um argumento importante do relatório é que se estava diante de
uma população abandonada e esquecida, que, mesmo vitimada por doen-
ças, ainda poderia, em algumas regiões, como constataram em certas lo-
calidades da Bahia e de Pernambuco, apresentar-se robusta e resistente.
De qualquer forma o cenário geral era descrito como “dantesco”, sendo
alarmante o número de portadores da doença de Chagas, especialmen-
te em Goiás. Os médicos Belisário Penna e Artur Neiva ressaltam o
contraste entre ó que observaram e a retórica romântica sobre o caboclo
e o sertanejo, descrevendo o povo como ignorante, abandonado, isolado,
com instrumentos primitivos de trabalho, desconhecendo o uso da moe-
da, tradicionalista e refratário ao progresso. Esse quadro de isolamen-
to era responsável pela ausência de qualquer sentimento de identidade
nacional. Desconheciam qualquer símbolo ou referência nacional, ou

de utilização de potencial econômico de rios, como o São Francisco, e aos trabalhos da


Inspetoria de Obras contra as Secas (Albuquerque et alii, 1991).

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melhor, “[. . .] a única bandeira que conhecem é a do divino” (Neiva &


Penna, 1916, p. 121).10
A ausência absoluta de qualquer identificação com o Brasil era
acentuada, de acordo com Neiva & Penna, pelo abandono por parte do
Governo Federal, presente apenas para extrair recursos de uma popula-
ção que quase não os possuía:

Vivem eles abandonados de toda e qualquer assistência [. . .] sem


proteção de espécie alguma, sabendo de governos porque se lhes
cobram impostos de bezerros, de bois, de cavalos e burros (ibidem,
p. 199).

Apesar de a descrição da população, no relatório, muitas vezes, asse-


melhar-se a uma imagem negativa corrente no período, a grande mudança
está na atribuição de responsabilidade pela apatia e pelo atraso. Seria o
governo, e não mais a natureza, a raça ou o próprio indivíduo, o grande
culpado pelo abandono da população à própria sorte.11 As autoridades pú-
blicas, em todos os níveis, são apontadas como as verdadeiras responsáveis
pela situação vigente no interior do país, cujo abandono deixa como legado
as endemias rurais e suas funestas consequências. No auge da repercussão
de seu relatório, Artur Neiva relembrava que tinha encontrado as popula-
ções “dos geraes [. . .] vivendo ao Deus dará [. . .]” (Neiva, 1917, p. 23).

10
A referência e grande influência foi a obra de Euclides da Cunha, Os sertões
(1963) [1902]. Nela, sobressaem-se elementos de força e de fragilidade — o sertanejo é
um forte, mas é também rude e carente de civilização. Os sertões também destacam a
importância do conhecimento empírico do país, fundamental nos textos e reflexões do
movimento sanitarista. Ver Lima & Hochman (1996).
11
Um exemplo de imagem negativa, fundada no indivíduo ou talvez na raça, está
no primeiro Jeca-Tatu de Monteiro Lobato, caipira naturalmente preguiçoso. Em artigos
publicados no jornal O Estado de S. Paulo, em 1914, Lobato argumentava ser o caboclo a
principal praga nacional e o descreve como “funesto parasita da terra [. . .] homem baldio,
inadaptável à civilização” (Lobato, 1957, p. 271). A campanha pelo saneamento do Brasil
fez com que Lobato se convertesse a uma posição não fatalista. Em 1918, ele escreveria:
“O Jeca não é assim, está assim”; e tornaria central o papel da saúde na famosa “ressurrei-
ção do Jeca”: um caipira doente, por isso preguiçoso, pobre e atrasado, que, ao passar a
acreditar na medicina e seguir suas prescrições, livra-se da opilação e, como consequência,
do estado permanente de desânimo, tornando-se um fazendeiro e um homem saudável,
por isso empreendedor, próspero e moderno (Lobato, 1956, pp. 329-40). Ver Castro San-
tos (1985); Lima & Hochman (1996); e Ribeiro (1993).

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Em um primeiro movimento de qualificação, o termo sertões passa


a ser sinônimo de abandono, ausência de identidade nacional e difusão
de doenças endêmicas. O movimento sanitarista classificou o isolamento
do sertanejo, destacado por Euclides da Cunha em 1902, como um esta-
do de abandono da população rural pelas autoridades governamentais.
Esse diagnóstico não só embasava demandas por ações positivas do go-
verno em matéria de saneamento e saúde pública e pelo aumento da
presença do Poder Público em vastas áreas desassistidas do país como,
também, apresentava a possibilidade de conformar uma identidade de
ser brasileiro distinta daquela fornecida pela doença. Nesse diagnóstico,
os sertões continham um grande hospital: eram ao mesmo tempo abando-
no e doença.
Esse esforço de reconhecer o Brasil buscava descartar tanto a visão
ufanista (Oliveira, 1990, pp. 95-109), quanto o pessimismo derivado dos
determinismos climático, físico e racial que condenavam o país à barbárie
e que levavam ao debate sobre miscigenação e imigração (Castro Santos,
1985; Skidmore, 1989, pp. 192-226). O diagnóstico de um povo doente
significava que, em lugar da resignação, da condenação ao atraso eterno,
seria possível recuperá-lo, mediante ações de higiene e saneamento, fun-
dadas no conhecimento médico e implementadas pelas autoridades pú-
blicas. Não bastava ter encontrado este “[. . .] povo que ainda há de vir”
(Neiva & Penna, 1916, p. 198), era urgente transformar esses estranhos
habitantes do Brasil em brasileiros. A medicina, aliada ao Poder Público,
era instrumento fundamental para operar essa transformação. A ciência,
em especial a medicina, propiciaria um alívio para intelectuais, que, até
então, não enxergavam alternativas para um país que parecia condenado,
dada sua composição racial.12
Os sertões, cenário de tristes encontros com esses brasileiros doen-
tes, não se localizavam apenas nas regiões Norte e Nordeste do país.
Onde quer que se dessem, os relatos, suas descrições e prescrições, eram

12
A sensação de alívio oferecida pela ciência médica foi bem destacada por um
dos que melhor expressaram as angústias dessa geração de intelectuais: “Respiramos hoje
com mais desafogo. O laboratório dá-nos o argumento por que ansiamos. Firmados nele
contraporemos à condenação sociológica de Le Bon a voz mais alta da biologia” (Lobato,
1956, p. 298). Para mais detalhes, ver Lima & Hochman (1996).

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muito semelhantes. Em agosto de 1917, perante a Sociedade de Medici-


na do Paraná, o médico Souza Araújo leu o relatório de sua viagem aos
sertões paranaenses, a serviço do Governo Estadual. Este relato se apro-
ximava muito das observações de Neiva & Penna sobre a onipresença das
endemias rurais, só que agora no norte do Paraná, área de expansão agrí-
cola onde grassava a malária (ou impaludismo). O mais interessante des-
sa exposição pública é que nela se observa claramente a relação de causa-
lidade estabelecida entre a presença da doença e a ausência do Poder
Público. Para além das condições precárias de vida, da ignorância, dos
fatores ambientais — como a derrubada das matas —, dos fatores econô-
micos — como a cultura “anacrônica” do arroz —, o principal fator que
explicaria a situação sanitária dos sertões tanto do Paraná, como os de
Goiás, seria “a criminosa indiferença” das três esferas de governo em re-
lação ao caráter endêmico da malária (Souza Araújo, 1917, p. 75).
Não era apenas o Brasil que estava povoado de doenças, mas tam-
bém os corpos de sua população pobre e abandonada. Cada brasileiro era
habitado por mais de uma infecção e/ou infestação, como afirmava es-
pantado um sanitarista, durante a implantação dos serviços federais de
saneamento rural na Paraíba dos anos 20:

Cada homem é um parque zoológico sendo que a cada região do


corpo corresponde uma fauna especial.13

Os sertões, para a campanha pelo saneamento, eram mais uma cate-


goria social e política do que geográfica.14 Sua localização espacial depen-
deria da existência do binômio abandono e doença. Na verdade, os sertões
do Brasil não estariam tão longe assim daqueles a quem se demandavam
medidas de saneamento, nem seriam apenas uma referência simbólica ou
geográfica ao interior do país. Na instigante percepção de Afrânio Peixoto,

13
Citado em correspondência de Acácio Pires, chefe do Serviço de Saneamento e
Profilaxia Rural no estado da Paraíba, a Belisário Penna, diretor de Saneamento e Profilaxia
Rural, em 7-7-1921, Arquivo Belisário Penna, COC/Fiocruz.
14
Apesar de não fazer menção às relações entre sertões e saúde pública, desenvol-
vidas nos anos de 1910, utilizo como referência a revisão sobre as diferenças existentes na
categoria sertões em Amado (1995).

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os “sertões do Brasil” começavam no fim da avenida Central (Rio Bran-


co).15 A doença, o verdadeiro elo da Federação, redefiniria o próprio mapa
do Brasil. Em um comentário de José Maria Bello, o país não mais esta-
ria divido em estados e municípios, e sim em três regiões (periferia do
DF, litoral e interior), definidas não por critérios geopolíticos, mas pela
presença das três grandes endemias rurais:

Às portas da capital a ancilostomose dizima a população da baixa-


da, como mais além, por todo o litoral e margens de rios, o impalu-
dismo, e pelos sertões, a tripanossomíase americana colhem as suas
vítimas [. . .] (Bello, 1918, pp. III-IV).

Ao identificarem os sertões como expressão de doença e abando-


no, tais diagnósticos ampliavam as suas fronteiras até a capital do país,
sede do poder central. Para a campanha pelo saneamento rural, esse pe-
daço de Brasil doente não era nem pequeno nem longínquo, para conti-
nuar esquecido pelas autoridades públicas e idiotizado pelas endemias.
Se as consequências do abandono e da doença tinham chegado aos calca-
nhares da elite brasileira, ao final da avenida Central, teriam ainda de
alcançar suas consciências.

3.3. Federação, doença e ausência: uma interpretação sobre o Brasil

Os argumentos de quem melhor expressou o movimento sanita-


rista no período em questão, o médico Belisário Penna, são fundamentais
para a compreensão de como a saúde se tornou uma questão nacional
entre 1916 e 1930. Líder da Liga Pró-Saneamento do Brasil, como um

15
O texto de Peixoto é o seguinte: “[. . .] Se raros escapam à doença, muitos têm
duas ou mais infestações [. . .] Veem-se, muitas vezes, confrangido e alarmado, nas nos-
sas escolas públicas crianças a bater os dentes com o calafrio das sezões [. . .] E isto, não
nos `confins do Brasil’, aqui no Distrito Federal, em Guaratiba, Jacarepaguá, na Tijuca
[. . .] Porque, não nos iludamos, o «nosso sertão» começa para os lados da Avenida” (Peixoto,
1922, pp. 31-2, ênfases minhas). Não coincidentemente, essa citação, que teve enorme
repercussão, é parte de um discurso de Afrânio Peixoto em homenagem a Miguel Pereira
em 19-5-1918. De forma semelhante, um importante divulgador da campanha, Monteiro
Lobato, enfatizava mais a periferia dos núcleos urbanos como alvo prioritário de uma
campanha de saneamento (Lobato, 1956, pp. 313-4).

70

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missionário e polemista, Penna discursou e escreveu onde lhe deram es-


paço: na imprensa, em fóruns profissionais e de classe e em quaisquer
eventos políticos. A repetição e o exagero — estratégia que impunha aos
seus inúmeros textos e palestras, reproduzidos e copiados pelo país afora
— tornam possível analisar o trabalho de Penna como um instrumento
de expressão e divulgação de um diagnóstico sobre as condições de saúde
da população brasileira, que acabou por se tornar corrente entre setores
significativos das elites. Além disso, seus textos e sua ação foram vitais
para dar visibilidade aos problemas de saúde que, se não foram assumidos
totalmente pelas elites, passaram a integrar a agenda política nacional.
O livro O saneamento do Brasil é o mais importante e conhecido
esforço de divulgação do sanitarismo brasileiro na década de 1910, ou,
pelo menos, o que melhor elabora e expõe as proposições discutidas aci-
ma.16 Nele, Penna propõe uma interpretação das relações entre doença,
sociedade e política, no Brasil, e a modificação do papel do Governo
Federal nos campos do saneamento e saúde pública. Tudo isso, a partir
de uma crítica contundente ao federalismo e ao descaso das elites go-
vernantes. O que torna importante a exposição do seu argumento geral é
que as ideias de Belisário Penna, repetidas em centenas de outros artigos
e palestras publicados no período, tiveram expressivo impacto público,
tendo convertido ao credo sanitarista diversos políticos e intelectuais,
como Monteiro Lobato, que amplificaram a campanha, mas, certamente
criado também muitos opositores, notadamente às suas recomendações
de políticas públicas.
Criticando a República e, principalmente, o federalismo, a quem
devemos “todos os males que nos atingem”, Penna afirmava que o país
estava dividido entre pequenos tiranos locais, sem escrúpulos e desaten-
tos aos interesses da população. A República brasileira nada mais era que
uma reunião de “vinte pátrias”, dominada por “três ou quatro” estados,
que correspondiam a uma oligarquia central, efetivamente no comando
do país (Penna, 1923, p. 122). Segundo ele, em 1891, o Brasil teria

16
Este livro, publicado por Belisário Penna em 1918, e republicado em 1923,
reúne trabalhos editados pelo O Correio da Manhã entre novembro de 1916 e janeiro
1917, e expõe o programa da Liga Pró-Saneamento do Brasil. A publicação também
tinha como objetivo arrecadar fundos para a campanha.

71
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promulgado uma “constituição licenciosa” (ibidem, p. 157), na qual se


perdera uma das principais virtudes do Império, a unidade de comando e
a solidariedade nacional (ibidem, p. 158). O fim da escravidão teria sido,
também, mal conduzido, ao jogar um enorme contingente populacional
desprotegido e não qualificado nas periferias das cidades, fomentando
enormes problemas de educação, habitação e saneamento e, ao mesmo
tempo, despovoando o interior e diminuindo a disponibilidade de mão
de obra para a lavoura.
Seguindo a tradição de Alberto Torres, Penna também atacou a
artificialidade da indústria e do urbanismo, e o descaso pela indústria
natural do Brasil, a agricultura (ibidem, p. 149). Segundo o autor, a po-
pulação rural, alicerce da nacionalidade, tornara-se vítima preferencial da
doença, da ignorância e do alcoolismo, exploradas pelo “industrialismo
urbano [. . .] forçado”, uma prioridade nacional que só sobreviveria gra-
ças à proteção aduaneira que favorecia a uns poucos (ibidem, p. 150). Em
última instância, esse artificialismo seria sustentado pela população rural
e pela agricultura. Projetos de modernização da agroindústria, expresso
em textos, como, por exemplo, sobre a experiência de Delmiro Gouveia
nas Alagoas (Cavalcanti, 1918), ou sobre o empresário capitalista de tipo
americano, no que se transformou o Jeca ressurreto de Monteiro Lobato
(1956), são indicações difusas do tipo de economia agrícola que estava na
base da concepção do movimento sanitarista.17 Por último, o aumento
dos elos de comunicação entre a cidade e o campo, sem políticas públicas
consequentes, legou o pior dos mundos: despovoamento dos sertões, via
migrações para os centros urbanos que, inchados, geravam mais pobreza
e doença; e, na direção inversa, o povoamento dos sertões com a sífilis, o
alcoolismo, a tuberculose e a “imoralidade” (Penna, 1923, pp. 149-50).
Tomando-o de uma perspectiva mais geral, o argumento de Penna
permite compreender o lugar da doença na sociedade brasileira. O país
encontrava-se diante de dois problemas fundamentais interligados: a pre-
17
Esse argumento está em Lima & Britto (1996) e em Lima & Hochman (1996).
Uma visão sobre o papel central da agricultura na economia nacional está expressa nas
relações do movimento com a Sociedade Nacional da Agricultura, que serviu como sede
da Liga e foi palco de muitas de suas reuniões. Mais do que o simples saneamento ru-
ral, Penna propunha uma “Política Agrossanitária de Salvação Nacional” (Penrna, 1923,
p. 329).

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sença avassaladora de doenças atingindo populações urbanas e rurais e o


despovoamento de grande parte do seu território. O abandono da popu-
lação rural e do interior seria consequência do descaso gerado por políti-
cas promotoras de uma “indústria artificial” e, principalmente, do forma-
to político adotado pela Constituição de 1891, o federalismo. A autonomia
das unidades federativas implicaria distintas e incompletas práticas judi-
ciais, administrativas, de educação e saneamento em diferentes regiões
do país, minando qualquer possibilidade de solidariedade e cooperação
(ibidem, p. 158). Para os membros da campanha pelo saneamento, a doen-
ça seria resultado da ausência inoperância do Poder Público e da des-
centralização das políticas governamentais, quando existentes. Ao mesmo
tempo, a doença transmissível era um fator potencial de integração nacio-
nal e territorial, ao reconstruir a solidariedade social através de sua pre-
sença e ameaça. Para os missionários do saneamento, qualquer solução
para os problemas apontados passaria pela conscientização das elites brasi-
leiras sobre os riscos e os custos crescentes (sanitários, sociais e políticos)
de manutenção do statu quo sanitário. A centralização das ações públicas
era tida como a solução para o combate às endemias e para a promoção
da saúde. Os exemplos das então recentes revoluções mexicana e russa
eram lembrados para ajudar nesse convencimento (ibidem, p. 137).
As endemias rurais deveriam ser o foco principal dessa ação esta-
tal, em especial a opilação ou amarelão (ancilostomíase), o impaludismo
(malária) e o mal de Chagas (tripanossomíase americana). Males se não
curáveis, pelo menos evitáveis. A presença da doença, causada pelo aban-
dono das autoridades públicas, e não sua proclamada indolência seria o
elemento que explicaria o brasileiro, em especial sua improdutividade.18
Com o conhecimento então vigente, não poderia haver recurso ao argu-
mento de cunho racial ou climático para explicar a situação do país e o

18
Além do caráter simbólico e demonstrativo do combate a essa doença, Penna
chamava a atenção para o fato que “[. . .] é incalculável o dano que à nação causa a
ancilostomose, doença que não impressiona as massas como a varíola, a peste ou a febre
amarela, porque tem a marcha crônica, efeitos progressivos lentos, [. . .], não tem enfim
as manifestações violentas das moléstias agudas, embora prejudique e sacrifique muito
maior número de pessoas do que outras” (ibidem, p. 218). Porém, os governos estariam
dispostos a agir apenas em caso de epidemias “[. . .] que alarmam, porque atacam muita
gente a um tempo e matam em poucos dias” (Penna, 1918, p. 19).

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caráter nacional (ibidem, pp. 165-6). A ancilostomíase, que, segundo cal-


culava Penna, infestaria 70% da população rural, deveria ser o primeiro
alvo de uma campanha nacional de saneamento e educação higiênica.19
Por agir lentamente, não assustando nem matando imediatamente,
a permanência endêmica da opilação levava ao enfraquecimento da po-
pulação, tornando-a suscetível à aparição de outras doenças, minando a
economia nacional. O brasileiro tornara-se um trabalhador improdutivo,
que acumulava mais de uma enfermidade, um entrave ao progresso e ao
desenvolvimento do país. Penna calculava que seis milhões de brasileiros
produziriam apenas um terço do que deveriam produzir se comparados
com trabalhadores estrangeiros, implicando prejuízos pessoais e nacio-
nais, causados exclusivamente pela presença de doenças absolutamente
evitáveis (Penna, 1923, pp. 71-2). Esse país doente e improdutivo tam-
bém seria um obstáculo para qualquer política de imigração. Em um
interessante comentário, Penna sugere que o imigrante, logo ao chegar
ao país, seria “abrasileirado” pelas verminoses (ibidem, p. 55). Para ser
brasileiro não era preciso nascer no Brasil nem se naturalizar legalmente,
bastava compartilhar da doença que o identificava.20

19
A ênfase nas endemias rurais, em especial a ancilostomíase, não é privilégio do
sanitarismo brasileiro. A opilação foi também objeto de ampla campanha sanitária pro-
movida em escala mundial pela Fundação Rockefeller, que teve participação expressiva
também nas campanhas de combate à ancilostomose, e depois à febre amarela, realizadas
no Brasil entre 1915-1930 (Faria, 1994). As análises sobre a atuação da Rockefeller no
Sul dos Estados Unidos revelam uma preocupação com a representação popular muito
próxima da que encontramos no Brasil, frequentemente associando à precariedade física
e à improdutividade dessas populações esta verminose causada pelo germe da preguiça.
Mais ainda, chamando a atenção para os dilemas colocados pela existência de uma vasta
população indolente e improdutiva para a constituição de uma identidade nacional ame-
ricana. De certa maneira, a polêmica e o desconforto causados pelo encontro da Améri-
ca urbana com os seus estranhos compatriotas, quase estrangeiros, do Sul rural durante a
Era Progressiva antecedem e guardam muitas semelhanças com a perplexidade das elites
brasileiras ao serem apresentadas pelos sanitaristas aos habitantes dos sertões do Brasil.
Nesse sentido, o fator distintivo tanto do sul-americano quanto dos sertões brasilei-
ros seria a doença. Essas sugestões comparativas se baseiam em Boccaccio (1972); Bree-
den (1988); Cassedy (1971); Ettling (1981); Link (1988); Marcus (1988; 1989); Sullivan
(1930, pp. 290-332).
20
Surgem no período números de todo tipo sobre a improdutividade do brasileiro
causada pela doença. Afrânio Peixoto, no seu compêndio Higiene (1917), calculava que,
por exemplo, um italiano valeria 2.100 contos de réis, um americano 10.500, um francês
3.600 e um inglês 2.400. Considerando a demanda por mão-de-obra no Brasil e

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O esforço para demonstrar que a doença gerava trabalhadores im-


produtivos e, portanto, constituía um entrave às atividades econômicas,
produziu a melhor, mais conhecida e, talvez, mais eficaz propaganda do
movimento sanitarista, a figura do Jeca-Tatu, que em escritos anteriores
era condenado por sua insuperável indolência (Lobato, 1957). A ênfase
no combate às endemias rurais, em especial a ancilostomíase, serviria
para evidenciar a eficácia da ação da ciência sobre o indivíduo, a proprie-
dade de uma ação educativa, prevenindo comportamentos que acabariam
por gerar a reinfestação e a infestação de outros indivíduos, e de uma
ação sobre o meio ambiente, isto é, sobre as condições promotoras da
presença e expansão da doença.21
Com Belisário Penna à frente, a campanha pelo saneamento rural
buscava unificar um enorme e heterogêneo grupo de intelectuais, e con-
vencer as elites políticas e a sociedade brasileira da gravidade do proble-
ma, apresentando um diagnóstico dramático sobre os males do Brasil,
associado a uma interpretação persuasiva sobre suas causas. O mais difí-
cil, porque menos consensual, seria a adesão a uma proposta concreta de
políticas públicas de saneamento e saúde. O objetivo seria “incutir no
espírito dos dirigentes” a necessidade de uma política sanitária (Saúde,
1918, n.os 4-5-6, p. 247).
Ao divulgar o diagnóstico de que o Brasil era um grande sertão e
um vasto hospital, e reivindicar políticas de saneamento como instru-
mento de recuperação e integração do país, a Liga Pró-Saneamento do
Brasil passou a contar com o apoio de grande número de intelectuais, que
se dedicavam a fazer palestras e demonstrações de ações de prevenção e
educação higiênica, apresentar estatísticas sobre o quadro sanitário do
país, escrever livros e artigos sobre o tema, fazer propaganda onde quer

sua relativa escassez, Peixoto calculou que um brasileiro valeria 9.600. Isso significava que
a recuperação de um brasileiro doente e improdutivo seria menos custosa e mais lucrativa
do que a importação de um trabalhador imigrante (pp. 12-3).
21
O efeito diferencial da saúde no desenvolvimento também é utilizado, em um
outro livro, para explicar por que Minas Gerais, apesar de suas terras férteis e minérios, da
sua enorme população e extensão territorial e de sua importância política tornou-se “o
mais infeliz dos estados”. O Rio Grande do Sul, que nem de longe teria a pujança de
Minas, seria um estado muito mais próspero. Para Penna “[. . .] a saúde foi, é, e será a
principal fonte econômica, o fator principal da riqueza e do progresso” (Penna, 1918, p. 22).

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que encontrassem espaço e acolhida, além de publicar um periódico ofi-


cial denominado Saúde.22 E, sobretudo, procuravam pressionar o Poder
Legislativo no sentido de produzir uma legislação sanitária e levar a au-
toridade pública, em todos os níveis, a assumir mais a responsabilidade
pela saúde da população.
Entre outros, foram seus sócios fundadores membros da Acade-
mia Nacional de Medicina, catedráticos da Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro e da Bahia, cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, antro-
pólogos do Museu Nacional, funcionários dos serviços federais de saúde
pública, militares, educadores, juristas, políticos e o próprio presidente
da República, então em exercício, Wenceslau Brás. As inúmeras adesões
ao movimento em vários estados da Federação, ao longo dos anos de
1918 e 1919, com a formação de delegações regionais em nove deles,
refletem um certo assentimento das elites intelectuais, e de parte das
elites políticas, à demanda por uma ação mais vigorosa do Poder Público
no combate às doenças, em especial às três endemias rurais ou “a trindade
maldita” (Penna, 1919, p. 223). O próprio livro de Lobato, O problema
vital (1918), que reunia seus artigos publicados em O Estado de S. Paulo,
foi editado pela Liga Pró-Saneamento e pela Sociedade de Eugenia de
São Paulo como instrumento de campanha.
Em um balanço das atividades da Liga, Belisário Penna indica que,
entre 1918 e 1920, teriam sido distribuídos vinte mil exemplares do pan-
fleto Opilação ou amarelão, entre outros folhetos educativos; proferidas
“mais de uma centena de palestras e preleções de higiene” em escolas,
quartéis, praças públicas etc.; publicados “mais de cem artigos em revis-
tas e jornais diários”, além de ter sido prestado auxílio a lavradores no
campo da higiene, incluídos serviços profissionais gratuitos a fazendas
no estado do Rio (Penna, 1922, pp. 10-1). Tudo isso sem contar as pró-
prias atividades profissionais e institucionais dos membros da campa-
nha, como médicos, professores e funcionários públicos, consideradas
intrínsecas ao movimento.
Contando com alguns poucos recursos públicos e filantrópicos, a
instalação de alguns postos de profilaxia e combate à malária e à
22
Para uma análise de seu conteúdo, ver Labra (1985); e Lima & Britto (1996).

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ancilostomíase, na periferia do Distrito Federal, era considerada parte


dos objetivos e estratégias da campanha para combater as endemias, edu-
car a população e chamar a atenção da opinião pública. E uma visita de
Wenceslau Brás ao posto de profilaxia da Penha, em abril de 1918, teria
sensibilizado o presidente da República a promover ações concretas de
combate às endemias rurais, ao verificar “[. . .] a verdade cruel da [. . .]
situação mórbida, às portas da Capital do país” (Fraga, 1926, p. 528) e
“[. . .] formar uma pálida ideia da calamidade devida às endemias rurais
[. . .]” (Fontenelle, 1922, p. 52). A própria visita do presidente seria re-
sultado da expressiva repercussão da campanha pelo saneamento na im-
prensa, em fóruns científicos, de classe e profissionais e nos debates no
Congresso Nacional e em várias assembleias estaduais (Britto, 1995;
Castro Santos, 1987; Labra, 1985).23
Caberia, então, averiguar a abrangência e localização desse tão de-
sejado incremento de Poder Público. No caso da campanha da Liga — a
expressão organizada do sanitarismo brasileiro —, o objetivo mais geral
seria a criação de uma agência pública de âmbito federal que uniformi-
zasse os serviços, realizasse e coordenasse ações de saúde em todo o territó-
rio nacional e superasse os limites constitucionais impostos à ação da
União, restrita na área de saúde pública ao Distrito Federal e aos portos.
O instrumento legal que viabilizaria essa ação seria um código sanitário
válido em todo o país e executado pela autoridade sanitária federal, o que
não eliminaria, todavia, a necessidade de os estados e municípios criarem
seus próprios serviços sanitários. A autonomia desses serviços, que deve-
riam ser exclusivamente técnicos, seria a garantia da prevalência da ciên-
cia contra os interesses políticos, alvo das críticas do movimento. A po-
pulação doente e esquecida desse imenso sertão chamado Brasil era a
grande vítima, quando havia conhecimento científico disponível para a
prevenção e, às vezes, cura.
23
Para que não se exagere na avaliação dessa experiência inicial na periferia do
DF, cabe lembrar, utilizando trecho de carta de Penna a Getúlio Vargas, de 1931, que
esses postos e seus serviços eram bastante precários: “Fundei o primeiro posto de profilaxia
rural, eu e um guarda sanitário, em Vigário Geral, em casa cedida graciosamente, transfe-
rido mais tarde para Parada de Lucas e depois para a Penha, sempre só e em prédios
cedidos graciosamente, bem como mobiliário e material necessário” (Carta de Belisário
Penna a Getúlio Vargas, 2-6-1931, Arquivo Belisário Penna, COC/Fiocruz).

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Em resumo, o Brasil era um país doente, isto é, caracterizava-se


pela onipresença de doenças endêmicas, contrapartida da ausência do
Poder Público em grande parte do território nacional, para impedir a
ação do micróbio da doença que pega. O nacionalismo do movimento sani-
tarista, apontado pela literatura, deve ser entendido como a descoberta
da nação a partir da consciência da interdependência social promovida
pela doença. O movimento sanitarista saturou a sociedade brasileira com
uma interpretação sobre o Brasil a partir de dois eixos complementares
que o definiriam: o hospital e os sertões. O hospital indicava a onipresença
da doença e sua difusão; os sertões significavam o abandono e a ausência
da autoridade pública. Desta lógica, o desenvolvimento da consciência
da transmissibilidade da doença geraria proposições que almejavam a
inversão dessa caracterização do Brasil: presença da autoridade pública,
ausência de doenças.

4. A doença que pega questiona os limites do Poder Público

Em face do conhecimento estabelecido sobre sua prevenção ou


cura, a ameaça ou presença insistente da doença que pega — ou o encontro
dos seres humanos com o micróbio —, apresentar-se-ia como um fenô-
meno fundamentalmente social. Daí o clamor do movimento sanitarista
para que a autoridade pública, utilizando todos os recursos da medicina,
impedisse que esses hábitos e práticas e/ou que sua manutenção por uns,
além de torná-los doentes, ameaçasse e prejudicasse a saúde e a vida de
outros que não compartilhassem desses hábitos, estando, porém, de al-
guma forma, a eles vinculados. Além disso, era preciso convencer e edu-
car o homem comum para comportamentos individuais e coletivos fun-
dados no conhecimento médico existente. Isto significava agir no sentido
de modificar práticas e hábitos sociais arraigados, como o consumo de
álcool, a prostituição, a não utilização de calçados e latrinas, o despejo de
lixo em rios e vias públicas, a manutenção de focos de moscas, ratos e
mosquitos, a fraude no leite e nos alimentos, etc.
A partir dessa percepção sobre a interdependência social, as ações
mais consequentes do sanitarismo brasileiro na Primeira República fo-
ram: primeiro, expressar e divulgar com sucesso o sentimento de

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interdependência gerado pelas doenças transmissíveis, em uma interpre-


tação de que a saúde pública era o principal problema nacional, cons-
truindo, com isso, uma poderosa ideia de comunidade nacional entrelaçada
pela doença. Segundo, e mais inovadora, a transformação da ordem polí-
tica em variável independente. A solução para o problema seria uma re-
forma que possibilitasse a unificação e centralização das políticas de saú-
de e saneamento nas mãos do Governo Federal. A equação reformista
seria: consciência sanitária + mudanças políticas e constitucionais = política
nacional de saúde pública.24
Para o movimento sanitarista, a moldura constitucional de 1891,
em especial o federalismo, não conteria os efeitos negativos da interdepen-
dência social, política e territorial imposta pelo micróbio da doença, que de-
safiaria qualquer tentativa de solução individual ou territorialmente localiza-
da para os problemas de saúde pública. Com isso, os efeitos negativos da
doença também punham em questão a liberdade do indivíduo vis-à-vis a
comunidade e, assim, os limites do Poder Público. Essa formulação fun-
damentou uma proposta de reforma política (portanto, sanitária) na de-
fesa dos interesses da comunidade contra arranjos institucionais que agre-
diam a natureza. Assim, os sanitaristas transformavam metas desejáveis
de organização de políticas públicas em incontestáveis necessidades do
público, o que refletia forte tendência autoritária em parte do movimento.
A explicitação dos problemas da interdependência social aparece
em várias manifestações do movimento sanitarista ao longo da República
Velha. A necessidade de centralização e unificação dos serviços sanitários
já tinha sido manifestada por muitos, particularmente a partir da compre-
ensão das demandas impostas ao Poder Público pela comunicabilidade
da doença. Em conferência na Biblioteca Nacional, o médico Carlos Seidl,

24
A afirmação sobre o caráter inovador dessa formulação é sugerida por leituras
de fontes secundárias sobre o movimento sanitarista norte-americano. Parece-me que o
sanitarismo norte-americano, enfrentando igualmente a problemática relação entre auto-
nomia estadual e efeitos externos da interdependência sanitária, mesmo no seu período
de maior mobilização, entre 1878, ano da grande epidemia de febre amarela nos estados
do Sul, e 1912, data de criação do Public Health Service, nem de longe propôs uma
formulação semelhante à do movimento brasileiro dos anos 1910-1920. Esta comparação
impressionista me foi sugerida pelos trabalhos de Duffy (1990); Ellis (1992); Kagan (1961);
Marcus (1979); Tobey (1978); Warner (1984) e Waserman (1975).

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diretor dos serviços sanitários federais de saúde entre 1913-1918, lem-


brava que, no relatório de 1895 do Ministério dos Negócios Interiores,
constava a reivindicação para que o Congresso Nacional unificasse e cen-
tralizasse os serviços de higiene pública. Seidl apresentava com suas pa-
lavras o argumento-chave desse relatório:

[. . .] salientando que uma moléstia transmissível, pelo fato de o


ser, perde o seu caráter local, desde que era possível serem invadi-
dos territórios fora da alçada daquele em que teve origem, [. . .]
eram justificadas por parte do Governo Federal as providências
necessárias a evitar a disseminação de tais moléstias, mormente
quando nem todos os estados da União estão em condições de
poder montar serviços de higiene por sua natureza dispendiosíssi-
mos, tendentes a impedir que uma moléstia contagiosa epidêmica
transponha os limites e invada outros estados (Seidl, 1916, p. 67).

A partir de 1916, esse argumento se torna um desafio à Constitui-


ção de 1891, ou pelo menos à sua interpretação corrente, e obtém reper-
cussão nacional. Uma pergunta de Belisário Penna esclarece a compre-
ensão da extensão do problema da dependência recíproca:

Dada a hipótese, apenas para argumentar, que algum município se


impressione e execute com rigor medidas terapêuticas contra a
ancilostomose, por exemplo, e consiga mesmo eliminá-la ou redu-
zi-la ao mínimo de casos, bastará isso para resolver o grande pro-
blema? (Penna, 1923, p. 111).

Por definição, não haveria solução simplesmente individual e local


para os problemas de saúde e saneamento. Portanto, mesmo que um in-
divíduo cuidasse de sua saúde ou que algumas elites locais mais conscientes
resolvessem agir para sanear suas cidades, tanto esse indivíduo quanto
essas cidades continuariam ameaçados pelas condições sanitárias de ou-
tros indivíduos e cidades que não agiam, por inércia, incompetência ou
falta de recursos. Desse ponto de vista, a saúde era uma questão pública e
nacional, não porque assim desejassem alguns políticos e governantes e

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muitos médicos, mas uma imposição do fato de que várias enfermidades


eram transmissíveis. A interdependência sanitária demandaria a consti-
tuição de uma autoridade capaz de implementar políticas em todo o país,
desconhecendo as fronteiras estaduais, sobre toda a população, restrin-
gindo quando necessário a liberdade individual e o direito de proprieda-
de. Em outras palavras, o que se demandava era o incremento de elemen-
tos fundamentais constitutivos e distintivos do poder do Estado: amplitude
e centralidade territorial e coercitividade.
A proposta do movimento sanitarista foi, em grande parte, sinteti-
zada no Programa da Liga Pró-Saneamento (Penna, 1919, pp. 101-2;
1923, pp. 293-351). Primeiro, apresentava os “trinta anos de vida autôno-
ma” como o atestado de incompetência dos estados para tratar de saúde e
saneamento (ibidem, 1919, p. 101); segundo, indicava que a modificação
necessária para minorar os efeitos negativos da interdependência seria
aumentar a capacidade de penetração do poder central em todo o país:

Não compreendemos autonomias estaduais e municipais em matéria


de saúde pública [. . .]. Neste assunto não pode, nem deve haver sim-
ples interesse regional ou local, porque ele é nacional, devendo haver
uma só orientação e uma só ação [. . .] (Penna, 1923, pp. 293-4).

De acordo com esse argumento, o princípio constitucional da au-


tonomia estadual e municipal em matéria de saúde manteria o país em
estado de permanente crise sanitária. A solução proposta implicaria a
criação de um órgão federal com jurisdição sobre todas as regiões, “inde-
pendente de requisições e caprichos dos Estados” (ibidem, p. 295). Na
verdade, os caprichos eram de alguns poucos estados, já que a maioria, e
quase todos os municípios, carecia de recursos suficientes para promover
saúde e saneamento (ibidem). E mesmo que alguns estados fossem, ou se
achassem capazes de cuidar da saúde da sua população e do saneamento
de seu território, continuariam sendo ameaçados e invadidos por doenças
e doentes, pois não poderiam obrigar legalmente as demais unidades fe-
derativas a fazerem o mesmo.
As epidemias se apresentavam como o melhor exemplo dos pro-
blemas da interdependência sanitária. No mais citado estudo sobre

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constitucionalidade da expansão dos serviços federais de saúde, Sebastião


Barroso (1919) procurava ampliar o conceito de calamidade pública, para
incluir as epidemias e tornar o seu combate atribuição da União, sem
necessidade de autorização dos governos estaduais, conforme estabeleciam
os artigos 5.o e 6.o da Constituição.25 Epidemias diziam respeito ao inte-
resse da coletividade, portanto, não eram, conforme os artigos 65 e 68, do
peculiar interesse, isto é, exclusivo, de estados e municípios:26

Quando essa calamidade só e exclusivamente afete ao Estado, o Go-


verno Federal não poderá intervir sem solicitação do estadual. Não é
esse, como erradamente se tem compreendido, o caso de uma epide-
mia que, embora na ocasião limitada a um estado, corra, no entanto
a possibilidade de difundir-se, invadir outros estados, tornando-se
uma ameaça geral, afetando os interesses da Nação inteira. E se o
interesse é geral ao país, se não é privativo do estado, porque comum
a vários outros, a União pode sobre ele providenciar, decretar leis a
que governos locais se não poderiam opor (Barroso, 1919, p. 24).27

A doença que pega tornava naturalmente interdependentes suas uni-


dades federativas e, solidários, seus habitantes, mesmo contra suas von-
tades. A doença desafiaria e reorganizaria a ordem política derivada do
pacto federativo. Para proteger cada uma das unidades constituintes do

25
Pelo artigo 5.o da Constituição de 1891: “Incumbe a cada Estado prover, a
expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração; a União, porém, pres-
tará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública os solicitar”. O artigo 6.o
estabelecia as únicas condições pelas quais a União poderia intervir nos estados: repelir
invasão estrangeira ou de outro estado; manter a República Federativa; restabelecer a
ordem e a tranquilidade, nesse caso por requisição do governo estadual. Este artigo foi o
mais alterado, pela emenda constitucional de 3-7-1926, que expandiu sensivelmente o
poder de intervenção do Governo Federal. A emenda foi resultado dos conturbados acon-
tecimentos da Presidência Artur Bernardes (1922-1926).
26
Artigo 65: “E facultado aos Estados: [. . .] §2. Em geral todo e qualquer poder,
ou direito que lhes não for negado por cláusula expressa ou implicitamente contida nas
cláusulas expressas da Constituição”. Artigo 68: “Os Estados organizar-se-ão de forma que
fique assegurada a autonomia dos municípios, em tudo o que for de seu peculiar interesse”.
27
Outro argumento utilizado era o direito privativo da União na celebração de tratados
e acordos com outros países (artigo 48). De fato, como a União poderia assinar os acordos
sanitários internacionais relativos à febre amarela, peste e mal de Chagas, se não é conside-
rada a responsável pelas ações necessárias para cumpri-los? (Barroso, 1919, pp. 34-5).

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país, e suas populações, e mesmo o país como um todo o solução evidente


seria a ampliação da autoridade federal para promover políticas de sanea-
mento e saúde pública em todo o território nacional.
A dimensão territorial do Poder Público é percebida como intima-
mente associada à sua dimensão coercitiva. Mais uma vez, recorro ao
programa da Liga Pró-Saneamento: “[. . .] Não se pode deixar à vontade
do indivíduo, lançar suas fezes à flor da terra, sabendo-se de modo posi-
tivo que isso constitui sério perigo para a saúde e para a comunidade”
(Penna, 1923, p. 293).
Este argumento, exaustivamente repetido e aparentemente óbvio,
sempre encontrou dificuldades de aceitação. Um dos problemas centrais
enfrentados pelos serviços sanitários em qualquer esfera de governo sempre
foi o questionamento sobre a sua legitimidade, por exemplo, para isolar
navios e seus passageiros, quando suspeitos de estarem contaminados
por doenças contagiosas, para obrigar indivíduos a se vacinarem ou para
realizar ações de combate a vetores transmissores de doenças, em proprie-
dades particulares. A resistência ao caráter coercitivo da autoridade sani-
tária, em nome do direito individual, acompanharia a evolução da legis-
lação pertinente no Brasil, tendo sido muito mais intensa, porém, em
outros países, como a França (Shapiro, 1980; Berge, 1992). Esse ques-
tionamento muitas vezes se fazia através do judiciário, como, por exem-
plo, a obtenção de habeas corpus contra a vacina obrigatória, ou contra a
violação de residência para ações de combate aos mosquitos transmisso-
res da febre amarela. Assim, a noção de contágio mostrou-se crucial na
demanda pelo incremento da dimensão coerciva do Poder Público:

Cada portador de moléstia transmissível é uma ameaça e um peri-


go para quem se aproxime. Sobre ele deve o Estado exercer vigi-
lância e agir de modo a impedir que possa contaminar aos que
ainda não sejam portadores do mal (Barroso, 1919, pp. 14-5).28

28
Não tão conhecidos quanto a revolta contra a vacinação obrigatória em novem-
bro de 1904, na cidade do Rio de Janeiro, há inúmeros relatos sobre constrangimentos
físicos e legais impostos aos serviços de saneamento em nome da inviolabilidade da resi-
dência, tanto nas capitais como em cidades do interior do Norte e Nordeste. Os casos de
recurso à justiça tornaram-se menos frequentes, à medida que o Supremo Tribunal

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A consciência da interdependência social, a consciência de que um


indivíduo doente poderia causar danos aos demais, significava a percep-
ção de que as condições de saúde de um indivíduo não eram um assunto
privado, muito menos um direito natural, como a liberdade individual. O
Estado deveria intervir sobre a liberdade do indivíduo e sua propriedade
para proteger a comunidade. O poder de polícia da autoridade sanitária
estaria definido pela necessidade de agir contra os poluidores do solo e da
água, os vendedores de produtos contaminados ou fraudados, os dissemi-
nadores, conscientes ou não, de germes, entre outros, cujos comporta-
mentos por quaisquer razões produzissem efeitos externos negativos. Para
os médicos sanitaristas, a legislação sanitária não seria uma tirania insupor-
tável, mas uma forma de coerção não só legítima como “[. . .] necessária
à proteção da saúde do maior número [. . .]” (Seidl, 1916, pp. 54-5).
As várias propostas de reforma da saúde pública derivadas desses
argumentos divergiam-se na avaliação da oportunidade de sua implanta-
ção e no formato organizacional, tendiam a convergir na demanda de
mais coercividade e abrangência territorial para o Poder Público, em to-
dos os níveis. A proposição mais radical prescrevia uma organização que
centralizasse no Governo Federal, e unificasse em um órgão exclusiva-
mente técnico, todas as ações e serviços de combate a doenças epidêmi-
cas e endêmicas, incluídas as medidas de saneamento e profilaxia. Tal
órgão deveria assistir e estimular os estados e municípios no estabeleci-
mento ou ampliação de seus serviços de higiene. Ao mesmo tempo, rei-
vindicava-se uma legislação, um código sanitário, capaz de estabelecer
regras gerais para todo o país e que regulasse todas as atividades que, de
alguma forma, ameaçassem a saúde da população. Todas essas demandas

firmava jurisprudência sobre as restrições às liberdades individuais em benefício da saúde


pública, desde que prescritas em lei e não em regulamento (ver Almáquio, 1929, pp. 9 e
16). Em 1926, a imprensa se espantava com o fato de um juiz federal do Maranhão ainda
conceder habeas corpus contra a obrigatoriedade da vacina antivariólica a um grupo de
indivíduos que alegava estarem sendo constrangidos pelo diretor de saneamento rural,
uma vez que a lei que a criara (n.o 1.261, 3-10-1904) não tinha sido regulamentada. O
Supremo Tribunal cassou a decisão (A Noite, 21-1-1926, Arquivo Carlos Chagas, COC/
Fiocruz). Há notícias sobre a concessão de habeas corpus contra as atividades dos mata-
-mosquitos na profilaxia da febre amarela na Bahia, em 1921, também cassadas pelo Su-
premo (carta de Sebastião Barroso a Belisário Penna, Bahia, 31-/7-1921, Arquivo Belisário
Penna, COC/Fiocruz).

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estavam endereçadas, principalmente, ao Congresso Nacional, que tinha


competência quase exclusiva para legislar sobre os poderes da União.
Dado o diagnóstico do Brasil doente, e o fato de que todos — indi-
víduos e estados — eram iguais diante da ameaça da doença, o suposto
era que a extensão da consciência da dependência mútua, da compreen-
são das relações entre doença transmissível e sociedade, levaria as elites
políticas a reestruturar o arranjo federativo vigente para enfrentar de for-
ma eficaz os graves problemas de saúde. Um dos mais eminentes cientis-
tas brasileiros e dirigente dos serviços sanitários federais entre 1919-1926,
chamava a atenção da opinião especializada para o absurdo de se impor
limites à ação do poder central, a partir de “preceitos legais modificáveis”,
em face do quadro sanitário nacional e da fragilidade técnica e financeira
da maioria dos estados. À vista da realidade, modifique-se, ou reinterprete-
-se, a Constituição e as leis (Chagas, 1919, p. 17).
Tanto o diagnóstico quanto a proposta de reforma ganharam den-
sidade política, uma vez apresentados como a única alternativa possível
para o que seria o mais dramático problema nacional. Ao se compreender
a política da doença que pega, os dilemas entre liberdade individual e pro-
teção da comunidade ou entre autonomia e centralização não deveriam
mais fazer sentido. A ampliação da capacidade de agir do Poder Público
não seria uma proposta, mas uma imposição, da transmissibilidade da
doença, ao sistema político brasileiro. A ordem político-institucional
deveria adequar-se às exigências da natureza.

5. Considerações finais

Neste capítulo, parto da sociabilidade do micróbio, passo pelo diag-


nóstico de um país doente e termino com os fundamentos políticos da
doença transmissível. A doença seria uma mal público, que demandaria
ações públicas de saúde e saneamento, as quais enfocariam os elos de
comunicabilidade entre indivíduos de uma mesma comunidade e entre
diferentes comunidades. A ideia mais geral da transmissibilidade de cer-
tas doenças poderia reorganizar as percepções sobre as relações entre gru-
pos distintos, tornados, agora, mutuamente dependentes, em que a pri-
vação de uns poderia impor custos aos demais. Imposição, também, de

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severos custos econômicos, uma vez que, em uma expressão popular, as


doenças gastavam gente, impedindo a produtividade do trabalho e o pró-
prio desenvolvimento do país. A percepção do risco real ou potencial das
péssimas condições de saúde de uma parcela da sociedade, pelo seu seg-
mento sadio, implicaria a demanda por uma solução cujo resultado deve-
ria ser a capacidade de agir sobre várias comunidades e seus territórios e
impor coercitivamente leis e padrões de comportamento.
A partir do movimento sanitarista brasileiro e do seu diagnóstico
de um Brasil doente, busquei mostrar a expressão e a difusão de uma cons-
ciência social baseada em uma interpretação na qual a doença é identificada
como elo de interdependência social. As propostas derivariam da desco-
berta da natureza das relações entre saúde, sociedade e política, fundadas
na ideia de transmissão da doença. Esta forjaria a comunidade nacional e
sentimentos de união, temor e responsabilidade. O movimento sanita-
rista inovou ao aproximar a categoria sertões da ideia de hospital, relacio-
nando ausência de Poder Público e doença transmissível, e ao interpelar
diretamente a política brasileira e o poder do Estado. De sua perspectiva,
o pré-requisito para políticas públicas eficazes de saúde e saneamento
seriam alterações na ordem político-constitucional, no sentido do incre-
mento da autoridade pública. A doença transmissível transformou-se em
problema político.
Por consequência, o diagnóstico e as proposições da campanha pelo
saneamento do Brasil desafiavam noções correntes de liberdade indivi-
dual e, fundamentalmente, o pacto federativo vigente. As propostas de
minimização dos efeitos negativos da interdependência indicam que a
centralização administrativa e a autonomia técnica eram consideradas
soluções lógicas para o problema. Dado o grave estado sanitário nacional
equacionável ou amenizado pelo conhecimento médico-científico, e
estabelecida uma consciência social entre as elites, a condição para a re-
forma sanitária seriam mudanças na ordem política. A saúde pública de-
veria ser gerida de acordo com a política da doença que pega. Revelada e
divulgada a tragédia nacional, compartilhada enquanto consciência social,
as soluções naturais seriam, naturalmente, adotadas.
Essa convicção era tão forte e presente entre os médicos sanita-
ristas que, sintomaticamente, uma publicação dos serviços sanitários

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federais lançou mão de Macbeth para concluir um texto sobre higiene


pública:

Oh! Pobre pátria


Quase sem poder ser reconhecida
Não a chamai nossa mãe e sim nosso túmulo,
Onde só pode sorrir quem de nada sabe.29

29 William Shakespeare, apud A Profilaxia Rural, ano I, n.o 1, 1922, p. 16.

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Capítulo 3
A REFORMA DA SAÚDE PÚBLICA:
OU QUEM DEVE SER O RESPONSÁVEL PELA
“DOENÇA QUE SE PEGA”?
♦♦♦

1. Introdução

Eu disse de fato que o Brasil é um vasto hospital. Não


disse que ele era um imenso hospício. Esperamos, por-
tanto, e nesta esperança nos alentamos, que o são enten-
dimento do diretor deste hospital, o Ex.mo Sr. Presidente
da República, ajudado [. . .] por todos nós, simples e
humildes enfermeiros, inicie quanto antes, o tratamento
desse gigante [. . .].
— M IGUEL P EREIRA, 1916.1

E
sta afirmação de Miguel Pereira, pouco tempo depois de sua
polêmica frase, manifestava a convicção dos que reivindicavam
uma reforma sanitária: uma vez reveladas as mazelas do país,
apresentadas as soluções, e estando disponíveis os recursos para implemen-
tá-las, os governantes iriam tomar as providências adequadas, urgentes e
necessárias. Sim, o Brasil era um hospital, mas, acreditavam, sua elite não
era constituída por insanos. Para os membros da campanha pelo sanea-
mento, loucos seriam aqueles que, conhecedores do diagnóstico do Brasil
doente, e participantes das arenas capazes de produzir decisões que modi-
ficassem o quadro sanitário do país, pouco ou nada fizessem; mais ainda,
se não adequassem a ordem político-constitucional às exigências da nova
sociabilidade criada pela doença transmissível.
1
Discurso parcialmente transcrito em “Miguel Pereira e os formandos de 1916”.
A Profilaxia Rural, ano 1, vol. 1, 1922.

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Se o capítulo anterior tratou de sertões e de hospitais, o objetivo


deste é a política de reforma das políticas de saúde pública e de sanea-
mento. Essa política denota a existência de um espaço vazio entre a cons-
ciência social produzida pela interdependência sanitária e a disposição
das elites para agir no sentido de diminuir os efeitos negativos impostos
sobre elas e a sociedade, em geral. O conteúdo e o sentido da política
pública a ser adotada, e a estrutura organizacional que a sustentará, serão
objeto de disputa e negociação. Assim, sugiro que o espaço vazio será
preenchido pela atividade política. A consciência social não seria suficiente
para promover arranjos públicos, compulsórios e de âmbito nacional, que
viessem a regular os efeitos negativos da mútua dependência. A política
da doença que se pega derivava da sociabilidade do micróbio, mas era um
processo que envolvia atores, instituições, interesses e regras.
Meu objetivo aqui é compreender o processo político-decisório que
produziu instituições, legislação e interesses. Mesmo se tratando da aná-
lise de um evento limitado no tempo, a política de reforma da saúde
pública é um episódio relevante, no processo de constituição de Poder
Público. Como veremos, posteriormente seu resultado materializou-se
em formatos institucionais que emolduraram escolhas, decisões e políti-
cas futuras. A política de saúde pública no Brasil resultou de várias refor-
mas ao longo do tempo, algumas certamente mais importantes do que
outras. Para entendê-la, é preciso analisar mais acuradamente a dinâmica
política que produziu essas reformas.
Como recurso analítico e expositivo, cabe esclarecer que, primeiro,
o processo político que levou à reforma dos serviços sanitários está apre-
sentado de modo a concentrar, em um curto espaço de tempo, uma varie-
dade de posições, propostas e eventos ordenados em função da exposição
do argumento. A centralidade alcançada pela questão sanitária, entre 1916
e 1920, facilita esse empreendimento. Segundo, os personagens citados
são importantes, menos como expressões de individualidades, e mais como
veículos da manifestação de ideias, interesses e propostas de segmentos
profissionais, instituições e grupos políticos, ou mesmo difusas na opinião
pública. Dada a ausência de demandas populares explícitas, a definição
do conteúdo das políticas de saúde restringiu-se às elites políticas e seus
representantes, aos círculos profissionais da medicina e da saúde pública

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e às elites estatais e burocracia, grupos que mantinham uma estreita rela-


ção, além da enorme interseção, entre si.
Neste capítulo, analisarei o processo político que resultou, em 1920,
na primeira grande modificação nos serviços sanitários federais, desde o
início do século. Mostro que a consciência da interdependência, percebida
através da revelação de um país doente e de um Estado ausente, passou a
ser compartilhada por amplos setores das elites políticas. Concretamente,
isso significou a passagem da noção de responsabilidade puramente indivi-
dual e local em assuntos de saúde para uma concepção mais coletiva e
nacional. Apresento as principais propostas de reforma e os debates em
torno delas, nas arenas profissionais, na imprensa e no Legislativo Federal,
e as decisões sobre a criação e ampliação de agências federais para tratar
dos problemas sanitários do país em fins da década de 1910, sem ignorar
que possuíam antecedentes e que prosseguiriam no decorrer dos anos 20.
Abordo a epidemia de gripe espanhola e a constante ameaça de rein-
trodução da febre amarela, a partir de focos endêmicos no Norte-Nordeste,
ambas importantes para a discussão política sobre os rumos da reforma.
Relato, também, como a organização sanitária federal do início da Repú-
blica foi sendo desafiada pelos problemas da interdependência, modifican-
do-se ao longo do tempo. Cada mudança significativa criava Poder Público
e estabelecia as bases, as possibilidades e os limites para reformas futuras.
O capítulo está dividido em duas partes. Na primeira, procuro resu-
mir a evolução histórica da responsabilidade pública e federal em relação à
saúde da população, ao longo das duas primeiras décadas republicanas.
Apresento, ainda, informações sobre o desenvolvimento do desenho
institucional e político, alvo das críticas destacadas no capítulo anterior e
das propostas de mudança que, aqui, serão submetidas à análise. O argu-
mento principal é que nesse período houve desenvolvimento da autorida-
de pública, na área de saúde pública, mais acentuadamente da sua dimen-
são coercitiva. A amplitude territorial da autoridade sanitária foi, justamente,
o objeto central de discussão sobre a reforma dos serviços sanitários, a partir
da década de 1910.
A segunda parte está subdividida em cinco seções. Em todas, pro-
curo mostrar a efetiva difusão de uma consciência da interdependência
entre as elites brasileiras e analisar o debate, as soluções apresentadas

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para os problemas de saúde e saneamento e as decisões tomadas. Busco


também distinguir os argumentos e as propostas mais vinculados aos
círculos médicos e sanitaristas — que operaram mais como grupos de
formulação, pressão e assessoria —, daqueles discutidos no Legislativo
Federal, onde efetivamente se decidiriam os rumos da reforma sanitária.
As epidemias de gripe espanhola e de febre amarela foram introduzidas
como recurso para discutir o impacto político de experiências extremas
de interdependência sanitária.
O argumento mais geral dessa segunda parte é que, primeiro, esta-
va em questão a dimensão territorial do Poder Público e a sua capacidade
para regular os efeitos da mútua dependência. Segundo, a consciência
social, e mesmo experiências paradigmáticas de interdependência, como
as epidemias, impulsionaram o debate sobre a reforma das políticas de
saúde pública e saneamento, mas, por si só, não definiram seu sucesso
nem conteúdo. O resultado final foi produzido pela política, sob um de-
senho institucional preexistente, e afastava-se tanto das propostas centra-
lizadoras do movimento sanitarista quanto das que propugnavam o ape-
go puro e simples à autonomia estadual e municipal. Esse resultado denota
uma mudança no ordenamento político-institucional que emoldurou os
debates sobre as responsabilidades governamentais em saúde pública. Na
terceira e última parte, resumirei os argumentos desenvolvidos.

2. A responsabilidade governamental em saúde pública e saneamento


nas primeiras décadas da República

Segundo a literatura sobre o tema, durante o Império o desenho


institucional da saúde pública moveu-se lentamente rumo à unificação
administrativa, buscando corresponder à eclosão frequente de epidemias
de febre amarela, peste e varíola nas cidades litorâneas e em zonas de
expansão econômica e de imigração, a partir de meados do século XIX.2

2
“Nesse período de tempo vimos a realização integral de dois esforços antagôni-
cos: partindo da organização despoticamente centralizadora criada pelo príncipe D. João,
chegou-se à municipalização de todas as atividades sanitárias; depois, em movimento
contrário, progressivamente desenvolvido voltou-se a uniformização administrativa dos
trabalhos de higiene pública inteiramente nas mãos do Governo Central, e apenas sepa-
rada no que se referia aos serviços terrestres e marítimos” (Fontenelle, 1922, p. 27).

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Essas ações não tinham grande alcance territorial; em geral tratava-se de


intervenções emergenciais sobre o meio ambiente. Na verdade, a última
grande reformulação dos serviços sanitários no Império ocorreu em 1886,
a Reforma Mamoré, com a criação do Conselho Superior de Saúde Públi-
ca. Os serviços sanitários foram, então, divididos em duas inspetorias
gerais: uma de higiene, encarregada da higiene terrestre, com ênfase na
capital imperial; e outra de saúde dos portos, responsável pela higiene
marítima, que se organizava ao longo dos portos do país. Esse arranjo,
restrito territorialmente e possuindo um conjunto limitado de prerroga-
tivas, ainda que unificado nas mãos do poder central, foi legado ao Go-
verno Provisório da República, que buscou, em 1890, ampliar o poder da
Inspetoria Geral de Higiene sobre os estados e adicionar-lhe mais atri-
buições, “desmunicipalizando a higiene” (Barbosa & Rezende, 1909;
Fontenelle, 1922, pp. 1-27, 77-8).
Essa tendência foi revertida na Constituição promulgada em 24 de
fevereiro de 1891. Ainda que não haja nenhuma menção à saúde e ao
saneamento no texto constitucional, estabeleceu-se a interpretação, por
meio dos artigos 5.o e 6.o, de que esses assuntos caberiam aos municípios
e estados. Além disso, pelo artigo 34, era privativo do Congresso Nacio-
nal legislar sobre os poderes da União, sobre seu exercício e orçamento,
significando que modificações para a ampliação das atribuições do poder
central demandariam a formação de maioria entre os representantes das
oligarquias estaduais.
Sancionada em dezembro de 1891, a lei orçamentária referente às
despesas de 1892 confirmou essa interpretação, indicando que todos os
serviços sanitários da Capital Federal caberiam ao governo do Distrito
Federal, enquanto os estados passariam a assumir todas as despesas com
os serviços de higiene terrestre, em seus respectivos territórios. Sob a
responsabilidade do Governo Federal, ficariam atividades vinculadas à
defesa sanitária do país que, em grande parte, se referiam aos serviços
sanitários marítimos (Fontenelle, 1922, pp. 28-9). Em janeiro de 1892,
um parecer do Conselho Superior de Saúde Pública acabou consolidando
esse modelo, “[. . .] em face da descentralização administrativa e da sobe-
rania dos governos locais”, conforme a interpretação vigente do texto
constitucional (Gazeta Médica da Bahia, n.o 10, abril de 1892, p. 423-5).

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Consagrou-se, assim, que, no arranjo federativo brasileiro, caberia


aos poderes locais o cuidado com a saúde da população. Ao Governo
Federal competia, no final da década de 1890, basicamente, ações de
saúde no Distrito Federal (DF), a vigilância sanitária dos portos e assistir
os estados em casos previstos constitucionalmente. O órgão federal respon-
sável era a Diretoria-Geral de Saúde Pública (DGSP). Criada em 1896,
regulamentada em 1897, e vinculada ao Ministério da Justiça e Negócios
Interiores, a DGSP tinha como atribuições principais e específicas: a
direção dos serviços sanitários dos portos marítimos e fluviais; a fiscali-
zação do exercício da medicina e farmácia; estudos sobre doenças infecto-
contagiosas; a organização de estatísticas demográfico-sanitárias; e o au-
xílio aos estados, mediante solicitação dos respectivos governos, em situações
especiais, como em uma epidemia, por exemplo (Brasil, 1907, vol. I, pp. 3-
11; Fundação Casa de Rui Barbosa, 1985, pp. 183-4).
As primeiras grandes modificações aconteceram entre 1902-1904,
durante a Presidência Rodrigues Alves. A extensão da autoridade públi-
ca federal ocorreu em um contexto de pressão dado o enorme obituário
causado pelas epidemias, como as de febre amarela, peste e varíola, que
ameaçavam constantemente o Brasil e a Capital Federal, desorganiza-
vam a economia nacional e manchavam a imagem da cidade e do país.3
Esses problemas evidenciavam a incapacidade e timidez dos serviços sa-
nitários na Capital da República, agravados por uma divisão considerada
ineficaz entre os serviços de higiene federais e os serviços municipais, e
pela sua quase inexistência nos estados, à exceção de São Paulo.4 A com-
petência coube à DGSP, paralelamente à legislação sanitária, incorpo-
rando os serviços de higiene defensiva no DF (Decreto n.o 1.151, 5-1-
-1904) — a polícia sanitária, a profilaxia geral e a higiene domiciliar no
DF —, além de criar o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela (Decreto

3
Um histórico sobre a presença de doenças epidêmicas no Brasil, em especial a
febre amarela, e as ações para combatê-las estão em Cooper (1967; 1975); e Barbosa
(1929).
4
O Serviço Sanitário do estado de São Paulo vinha sendo organizado e realizava
com sucesso campanhas antiamarílicas e contra a peste bubônica desde o fim da década
anterior. O presidente do estado de São Paulo, nesse período, era justamente Rodrigues
Alves, que, como presidente da República, daria suporte às campanhas sanitárias no Dis-
trito Federal (Blount, 1971; 1972; Stepan, 1976).

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n.o 5.157, 8-5-1904) e o Regulamento Processual da Justiça Sanitária


(Decreto n.o 5.224, 30-5-1904). O novo regulamento sanitário (Decreto
n.o 1.156, 8-3-1904) era bastante abrangente, com 316 artigos, e reorga-
nizava e ampliava os serviços no DF e nos portos nacionais.5
A vigilância sanitária marítima e dos portos é um dos melhores
exemplos da emergência e rápida evolução de um arranjo público para
coordenar o controle sanitário sobre os vários portos do país e o fluxo de
navios, passageiros e mercadorias. O poder central deveria regular e im-
plementar políticas gerais, não deixando a critério de autoridades locais a
liberação de passageiros e mercadorias que pudessem ameaçar a salubri-
dade do resto do país ou que, obstando uma atracagem e desembarque
em um determinado porto, enviassem esse navio para outros portos, re-
solvendo o seu problema imediato, transferindo-o para outros. Essa di-
nâmica poderia se dar entre cidades portuárias e, também, entre portos e
localidades não litorâneas, que seriam atingidas pela inépcia das autorida-
des sanitárias das cidades do litoral. No limite, essa situação colocava-se
para portos de diferentes países, o que impunha um relacionamento en-
tre Estados a ser normatizado por tratados internacionais. Na maioria
dos países, e não foi diferente no Brasil, o serviço sanitário dos portos e
embarcações encontra-se nos primórdios dos cuidados estatais com a
saúde, e foi uma das atividades sanitárias que mais rapidamente se desen-
volveram (Rosen, 1993).
A partir da legislação sanitária de 1904, ficaram sob responsabili-
dade da União todos os serviços de higiene, até então na esfera da muni-
cipalidade do DF, incluídos médicos do município e funcionários da
limpeza urbana, e todas as ações de profilaxia de doenças infecciosas. A
legislação autorizava a negociação com a municipalidade do DF visando
à transferência do Instituto Soroterápico Federal (mais tarde Instituto
Oswaldo Cruz) para o controle federal. Este Instituto ficaria encarregado
de fornecer os soros e as vacinas que produzia para os estados e municípios
que solicitassem. Em âmbito nacional, e ampliados, ficaram a cargo da

5
Para mais detalhes sobre as reformas sanitárias do período, ver Benchimol (1990,
pp. 294-305; 1990a, pp. 22-6); Castro Santos (1987, pp. 100-21); Costa (1985, pp. 57-
-79); Fontenelle (1922, pp. 35-42).

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DGSP: o serviço sanitário dos portos marítimos e fluviais, com hospitais de


isolamento em cada um dos principais portos; auxílio aos estados quando
demandado; atividades de fiscalização do exercício profissional de médicos
e farmacêuticos; atividades de fiscalização dos laboratórios oficiais e privados
e seus produtos (vacinas, soros, etc.); promoção de estudos sobre doenças
transmissíveis; organização de estatísticas demográfico-sanitárias; e confec-
ção de um Código Sanitário Brasileiro a ser observado em todo o território
nacional, com as infrações sendo julgadas pelas justiças locais.6
O Governo Federal ampliou sensivelmente sua atuação no âmbito
da capital da República, pondo fim à separação administrativa entre ações
defensivas e agressivas em saúde pública, além de aumentar sua capacidade
de regulação sobre assuntos de saúde pública e higiene da população. Três
exemplos devem ser destacados. Primeiro, ainda em 1902, a imposição
da notificação compulsória de doenças como tifo, cólera, febre amarela,
peste, varíola, difteria, febre tifoide, tuberculose e lepra, com enqua-
dramento no código penal daqueles que não cumprissem essa determina-
ção (Fontenelle, 1922, pp. 34-5). Segundo, a instauração de uma justiça
sanitária com competência para atuar em ações e processos civis e crimi-
nais em saúde e salubridade pública, referentes à execução das leis e regu-
lamentos sanitários, e garantir a ação das autoridades sanitárias (Brasil,
1907, vol. 1, pp. 3-11). Por último, a aprovação da lei de vacinação obri-
gatória contra a varíola em todo o país (Lei n.o 1.261, 31-10-1904), cujo
projeto de regulamentação foi o estopim para uma rebelião popular na
Capital, em novembro do mesmo ano, a chamada Revolta da Vacina.

6
Nesse período, o Governo Federal também assumiu compromissos internacio-
nais no que diz respeito ao controle da importação de doenças, como a peste, o cólera e a
febre amarela, com países sul-americanos, principalmente Argentina, Uruguai e Paraguai.
A Convenção Sanitária Internacional, de 1904 acordava os direitos de cada país em dis-
ciplinar as medidas profiláticas a serem utilizadas em embarcações suspeitas de transpor-
tarem indivíduos ou objetos contaminados ou de serem provenientes de portos com alta
incidência dessas doenças. O acordo abandonava medidas, como as quarentenas, e bene-
ficiava o Brasil, que tinha seu comércio exterior prejudicado por medidas restritivas adotadas
por esses países (Fontenelle, 1922, p. 40). Vários navios evitavam parar em portos brasi-
leiros, considerados inseguros, do ponto de vista sanitário, preferindo aportar na Argenti-
na e no Uruguai (Castro Santos, 1987, p. 107). O Brasil assinou duas outras convenções
sanitárias internacionais, a de Montevidéu (1914) e a de Paris (1912), comprometendo-
-se a manter bem aparelhados os serviços sanitários dos portos.

95
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Esse período foi marcado por intensa agitação política em torno da


questão sanitária, especialmente na Capital Federal, com a saúde ocupando
lugar central na agenda pública. A reforma sanitária comandada por
Oswaldo Cruz, que dirigiu a DGSP de 1903 a 1909, deu-se em um
contexto político e social extremamente complexo, e também foi parte da
grande reforma urbana da cidade do Rio de Janeiro na gestão de Pereira
Passos (Benchimol, 1990; Costa, 1985). Ainda que a coalizão de forças
contra a vacinação obrigatória reunisse os mais diversos e complexos in-
teresses (Castro Santos, 1987, pp. 108-17; Meade, 1986), as interpreta-
ções sobre o conflito em torno da vacinação obrigatória contra a varíola e
da campanha de erradicação da febre amarela acentuam o dado de resis-
tência da população do DF contra a ação arbitrária do Estado (Benchimol,
1990; Costa, 1985; Sevcenko, 1984) ou a enfocam dentro da discussão
sobre os direitos civis no Brasil (Carvalho, 1987).
Ressalto uma dimensão desse conflito: aquela que se dá em torno
dos limites da ação do Poder Público vis-à-vis os direitos individuais,
incluído o direito de propriedade, em uma situação de risco diante de um
mal considerado público. Refiro-me à ação coercitiva visando ao cum-
primento da lei, atributo fundamental da autoridade pública. No caso em
questão, a imposição de regulamentos draconianos para implementar a
obrigatoriedade da vacinação e a campanha contra a febre amarela e a
peste em estilo militar seriam ações da autoridade pública para impedir
os efeitos negativos da doença de alguns sobre os demais, por transmis-
são direta ou indireta, protegendo a todos. Isso só poderia tornar-se efi-
caz se aplicado a todos, sem exceção, sem opção. Para tal, foram criados
instrumentos legais e de ação que aumentaram de forma considerável o
poder estatal na área.
Nessa fase inicial, a consciência da interdependência sanitária en-
contrava-se pouco difundida socialmente, e restrita aos círculos médicos
e higienistas. Mesmo entre estes, havia os que mantinham uma concep-
ção pré-bacteriológica sobre a difusão da doença. Segundo os protago-
nistas e observadores dessas campanhas sanitárias, o sucesso no combate
às epidemias e a melhoria da salubridade na cidade do Rio de Janeiro
estariam comprometidos, enquanto reinasse a febre amarela e a peste, em
diversas partes do país, em especial nas regiões Norte e Nordeste. Esta

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ameaça era mais clara na medida em que a maioria dos juristas e das elites
políticas entendiam que a DGSP só excepcionalmente e mediante autori-
zação poderia agir fora dos limites do DF, e além de seus serviços sanitários
marítimos, no restante do país.
Apesar do sucesso das campanhas sanitárias, com a extinção da
febre amarela no Rio de Janeiro, e do prestígio de Oswaldo Cruz, o con-
senso político sobre os limites constitucionais para a ação federal estava
bastante sedimentado, a ponto de impedir uma ampla atuação dos servi-
ços sanitários federais nos estados. Foi mantida a dualidade entre a res-
ponsabilidade federal sobre os portos e o DF e a dos estados sobre seus
respectivos territórios, e a convicção do caráter excepcional da ação da
DGSP sobre estes últimos. Mesmo as reformas de 1903 e 1904 eram
consideradas provisórias, carecendo de organização definitiva e orçamento
adequado, sendo muitas vezes entendidas como emergenciais, para pro-
ver a autoridade estadual ou municipal de instrumentos para combater
epidemias. Uma vez debeladas, poder-se-ia prescindir do auxílio federal
(Barbosa & Rezende, 1909; Fontenelle, 1922, pp. 41-5).7
Ainda nesse período, a constituição do Poder Público deu-se no
sentido da ampliação da sua capacidade de ação coercitiva, mesmo conside-
rando as dificuldades apontadas acima. Ao fazer face à liberdade individual
e ao direito de propriedade, a política de saúde pública acabou sendo
colocada na agenda pública do país. A legislação e os arranjos institucionais
produzidos entre 1902-1909, ano em que Oswaldo Cruz deixou a DGSP,
firmaram a base sobre a qual se dariam as reformas sanitárias iniciadas no
fim da década de 1910. Por exemplo, lentamente cresceu o número de
moléstias de notificação obrigatória — de dez, em 1902, para dezessete,
em 1914 — e o número de regulações sobre as condições de salubridade

7
Fato importante, mas pouco comentado, é que a lei da vacina obrigatória, que
tantos conflitos gerou, nunca foi regulamentada definitivamente, apesar da existência de
um anteprojeto. Como indiquei em nota no capítulo anterior, isso permitiu por muito
tempo o recurso à Justiça Federal, para impedir a exigência de atestado de vacinação. O
problema da falta de regulamentação está exposto por Carlos Seidl, diretor da DGSP, em
seu relatório relativo ao ano de 1916, enviado ao MJNI (ver Seidl, 1917, pp. 3-10). A
dificuldade de implementação da vacinação obrigatória, tanto no DF como no resto do
país, ao longo da década de 1910, e os surtos de varíola que ocorreram no DF, em São
Paulo e na Bahia são comentados por Castro Santos (1987, p. 118).

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dos imóveis urbanos, além de se ter ampliado o poder fiscalizador das


autoridades sanitárias sobre habitações, estabelecimentos produtores e
comercializadores de alimentos, o exercício da medicina e da farmácia e o
número de funcionários e profissionais empregados pelos serviços sani-
tários. O resultado foi o crescimento dos aparatos legais, institucionais e
de recursos humanos sobre os quais se fundava a autoridade sanitária.8
O que se manteve restrita foi a base territorial sobre a qual o poder
central era capaz de legislar e agir, sem negociar com os poderes locais. O
desafio à configuração política da Constituição de 1891, especificamente
ao pacto federativo, continuava a ocorrer, dada a presença de doenças
endêmicas e de epidemias em várias partes do país que, no limite, torna-
vam frágeis os bons resultados das campanhas sanitárias restritas ao DF
e a São Paulo. A modificação do arranjo de 1891 dependeria de uma
reorganização de forças intelectuais e políticas no sentido da ampliação
do campo de ação do poder central.
A década de 1910 significou uma inflexão no processo de consti-
tuição de poder na área de saúde pública. Governos estaduais começaram
a solicitar auxílio federal — técnico, financeiro e de recursos humanos —
para debelar focos de febre amarela e peste, além do envio de comissões
de estudos sobre condições sanitárias para estados do Norte do país, e em
áreas de fronteira econômica do Sudeste-Sul, incluídas aqui as já citadas
expedições do Instituto Oswaldo Cruz (Albuquerque et alii, 1991;
Benchimol, 1990a, p. 46-57; Fontenelle, 1922, p. 45-9).
Em 1910, após acordo com o governo paraense, uma comissão lide-
rada por Oswaldo Cruz combateu em Belém a febre amarela, endêmica na

8
Resumo das atribuições gerais da DGSP, definidas entre 1897-1904: estudo da
natureza, etiologia e tratamento e profilaxia de doenças transmissíveis (em qualquer parte
do país); socorros médicos e de higiene às populações dos estados, mediante solicitação
dos respectivos governos, em caso de calamidade pública, preparo de culturas e soros
antitóxicos e curativos; fiscalização do exercício da medicina e farmácia; organização das
estatísticas demográfico-sanitárias; direção dos serviços sanitários dos portos marítimos e
fluviais; confecção do Código Farmacêutico Brasileiro e do Laboratório de Bacteriologia.
A estas foram adicionados, entre 1902 e 1904, os serviços de higiene defensiva do DF e as
atividades de higiene domiciliar; polícia sanitária dos domicílios, lugares e logradouros
públicos; a profilaxia geral e específica das moléstias infecciosas. No âmbito da Capital
Federal, foram ainda criados o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela e a Justiça Sanitá-
ria (Fundação Casa de Rui Barbosa, 1985, pp. 183-4).

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maioria dos estados do Norte e Nordeste.9 Em 1913, o governo do Ama-


zonas solicitou intervenção federal para a extinção da febre amarela em
Manaus e na fronteira com o Peru. A comissão federal foi dirigida por
um importante quadro, e futuro diretor da DGSP (1918-1919), Teófilo
Torres. Em seu relatório, Torres ressaltava o sucesso da intervenção federal,
dada a inexistência de casos suspeitos da doença por três anos, desde o
início dos serviços (Torres, 1917, p. 219). Este médico sanitarista dirigiu,
em 1917, uma outra comissão sanitária federal, desta vez no Espírito Santo,
também encarregada de dar combate a uma epidemia de febre amarela em
Vitória que, pela proximidade, ameaçava a capital da República (Torres,
1919). Em 1912 e 1913, alguns estados, como Rio Grande do Norte, Paraíba
e Rio de Janeiro, solicitaram intervenção sanitária federal para combater
surtos de peste (Fontenelle, 1922). Como indicarei mais à frente, em
1919, o Governo Federal empreenderia um esforço conjunto com vários
estados nordestinos para debelar focos de febre amarela (ibidem).
Uma experiência importante, em fins de 1911, foi o início de uma
campanha sistemática de combate à ancilostomíase, patrocinada pelo
governo do estado do Rio de Janeiro, através da Inspetoria de Higiene e
Saúde Pública. Apesar de ter sido uma campanha precária, em recursos,
e descontinuada em 1915, foi considerada pioneira no Brasil. Também
serviu como embrião para experiências posteriores — como, por exemplo,
a criação, em 1916, de postos de profilaxia rural em subúrbios do Distri-
to Federal, onde Belisário Penna trabalhava desde 1914, como inspetor
sanitário da DGSP — e para a expansão dos serviços federais de profilaxia
rural, a partir de 1918 (Fontenelle, 1922, pp. 49-52, Penna, 1922, p. 175).
Foi no estado do Rio de Janeiro, em 1917, que se iniciou a coope-
ração do International Health Board (IHB) da Fundação Rockefeller
com governos estaduais e com o Governo Federal, visando à realização
de estudos para a demonstração prática da importância da profilaxia da
ancilostomíase e para a criação de serviços de profilaxia geral. A funda-
ção norte-americana trazia a experiência de combate à opilação no sul

9
Essa comissão se segue, imediatamente, aos estudos de Oswaldo Cruz sobre as
condições nosológicas da região de Rondônia, onde se construía a Estrada de Ferro Ma-
deira–Mamoré, e o trabalho de profilaxia da malária que atingia em torno de 80% dos
trabalhadores (Benchimol, 1990a, p. 51; Costa, 1985, p. 73).

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dos Estados Unidos, no Caribe e América Central. Tal cooperação foi


logo estendida ao Distrito Federal e ao estado de São Paulo, e atingiu
áreas de ensino, formação profissional e pesquisa. Os acordos com o IHB
alcançaram escala nacional nos anos 20, quando foi realizada uma grande
campanha de combate à febre amarela no Norte e Nordeste do país, o
mesmo ocorrendo no final dos anos 30, contra a malária (Castro Santos,
1987; Cueto, 1996; Faria, 1994; Labra, 1985). Esses experimentos ini-
ciais de cooperação em profilaxia rural deram suporte institucional e cien-
tífico ao Poder Público e auxiliaram a legitimação do discurso do movi-
mento pelo saneamento rural.10
As manifestações iniciais e mais evidentes da ampliação do poder
dos serviços sanitários estaduais e federais expressaram-se, basicamente,
em função da ameaça da febre amarela nos estados do Sudeste-Sul e suas
principais cidades e portos. Ela está nos primórdios da formação de uma
consciência social — a febre amarela apresenta-se como o nosso paradigma
da interdependência territorial — e das primeiras ações federais, inicial-
mente curtas e emergenciais, e depois mais longas, fora do Distrito Federal.
Alguns estados com importantes focos endêmicos da doença, como Bahia
e Pernambuco, mesmo recusando ou aceitando ajuda federal apenas parcial
começaram a organizar serviços antiamarílicos com recursos próprios.
Apesar da ênfase posterior na profilaxia rural, grande parte dos esforços do
Poder Público em todos os níveis, e de organismos internacionais como a
Fundação Rockefeller, dirigiram-se no sentido de debelar a doença.11 Ao

10
São os trabalhos de inspeção sanitária de uma comissão do IHB, no estado do
Rio de Janeiro e em São Paulo, que forneceram a informação de que haveria em torno de
90% de indivíduos opilados entre a população das áreas visitadas (Fontenelle, 1922, p. 51;
Perna, 1919, pp. 219-22). Este dado transformou-se na estimativa de que 70%-80% da
população do país tinha ancilostomíase. Tal informação, proveniente do trabalho científi-
co de uma prestigiosa, benemérita e experiente fundação estrangeira, ajudou a legitimar o
alarme sobre as condições da população rural brasileira. Monteiro Lobato alertava os
governantes que existiam “Dezessete milhões de opilados [!]” em uma população de 25
milhões de habitantes (Lobato, 1956, pp. 232-7). Para análise e mais detalhes da atuação
da Fundação Rockefeller no Brasil entre 1915 e 1930, ver Faria (1994).
11
Uma comissão do IHB, chefiada pelo general William Crawford Gorgas, que
atuara na extinção da febre amarela em Havana no início do século, chegara ao Brasil em
outubro de 1916 para estudos e contatos com autoridades nacionais, no sentido de uma
colaboração para a erradicação da febre amarela no litoral brasileiro (Faria, 1994; Fontenelle,
1922; pp. 54-5). Cabe informar que só na década de 1930 ficou comprovada a existência

100
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longo da Primeira República, a febre amarela foi uma preocupação perma-


nente de presidentes da República e dos estados, além de dirigentes dos
serviços sanitários, sendo por estes percebida como um dos elos de depen-
dência recíproca que desafiava o federalismo ou, no mínimo, exigia uma
reinterpretação da Constituição de 1891.
Em 1912, a mensagem de Hermes da Fonseca ao Congresso Na-
cional sugeria de maneira clara, porém ainda tímida, que os legisladores
concedessem ao Executivo instrumentos eficazes para a extinção da fe-
bre amarela do território nacional. Esse pronunciamento do presidente
da República recolocava na agenda de discussão a presença da febre ama-
rela no país, depois que o sucesso da sua extinção no DF praticamente
aboliu o tema das mensagens presidenciais:

O Governo, considerando a imensa vantagem da extinção da febre


amarela em todo o território da República, tem se prontificado a
auxiliar os estados nessa obra meritória. Seria conveniente talvez
que armásseis o Executivo Federal dos precisos meios de poder
prestar a esses estados maiores auxílios de forma a poder ser feita
uma campanha sistemática e assim definitivamente varrido do ter-
ritório da República um mal que tanto descrédito acarreta ao país.
Seria uma obra de extraordinário relevo, [. . .] demonstrando que
o que se fez na Capital da União pode e deve ser feito em todo o
território nacional (apud Seidl, 1917, pp. 5-6).12

Esses primeiros passos da autoridade pública, que enfatizava mais


as epidemias ou manifestações endêmicas que ameaçavam os centros urba-
nos, precedem a campanha pelo saneamento a qual, a partir da redescoberta

da variedade silvestre da febre amarela, em que primatas podem ser hospedeiros do vírus
ao serem picados pelo mosquito Aedes aegypti (único vetor da variedade urbana da doen-
ça) ou outros mosquitos. As estratégias antiamarílicas, entre 1900-1930, centravam es-
forços nos centros urbanos e consideravam como dado que apenas seres humanos pode-
riam ser hospedeiros (Cooper & Kiple, 1993, pp. 1100-7; McGrew, 1985b, pp. 356-7).
12
Lembro que esse período, que corresponde à eleição, à Presidência e sucessão de
Hermes da Fonseca (1910-1914), foi bastante atribulado no que diz respeito às relações
entre o Governo Federal, o Congresso Nacional e os Executivos estaduais (ver Bello,
1956, pp. 278-304).

101
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do país via endemias rurais, estabeleceu as bases para um novo patamar no


processo de constituição da autoridade sanitária. Ainda que tenha havido
descontinuidades, as ações desenvolvidas pela DGSP, na cidade do Rio de
Janeiro, e pelas comissões federais, nos estados, foram experimentos de
treinamento de quadros, de adoção de regulamentos sanitários federais
pelos contratantes, de auxílio na organização de serviços de saúde locais, de
efeito demonstração das possibilidades e êxitos da medicina pública, con-
forme a mensagem presidencial supracitada assinala, de educação higiêni-
ca da população como um todo e de colaboração sanitária entre diferentes
esferas de governo. Por último, lentamente, a DGSP e os serviços estaduais
esboçaram sistemas de estatísticas vitais — considerados imprescindíveis
pelos analistas da evolução histórica dos sistemas de saúde pública —,
muitas delas dependentes da capacidade do Poder Público de obrigar
médicos, hospitais, paróquias e cemitérios a fornecerem informações (Rosen,
1993, pp. 148-52 e pp. 235-9; Schwartz, 1977).
A última grande modificação desse período ocorreu em 1914. A
reformulação da DGSP naquele ano (Decreto n.o 10.821, 18-3-1914,
com 357 artigos) alterou alguns itens do esquema montado por Oswaldo
Cruz, no início do século, adaptando certas medidas aos avanços do co-
nhecimento médico e à diminuição das epidemias que visitavam a cidade
do Rio de Janeiro. Para alguns, isso significou um refluxo da capacidade
de ação da DGSP em algumas áreas. No que diz respeito à inspeção das
construções e habitações e à justiça sanitária, a primeira prerrogativa foi
devolvida à municipalidade do DF, enquanto a justiça sanitária privativa
foi extinta, transferindo-se todo o processo judiciário relativo a questões
sanitárias para a justiça comum (Brasil, 1916, vol. 1, p. 934).13
Quanto à relação dos serviços sanitários federais com os estados,
poucas alterações foram feitas no desenho que prevalecia desde o início

13
Comentários de então e trabalhos posteriores incorrem em um mesmo proble-
ma interpretativo. Consideram negativo qualquer retrocesso no processo de centralização
estatal, mesmo que isto signifique a manutenção de atividades, como as citadas, na esfera
pública, porém local. Considerando a centralização como uma marcha natural e triunfal,
esse tipo de análise não consegue trabalhar com a possibilidade de a descentralização, em
alguns casos, significar um rearranjo mais eficiente das atribuições do Poder Público,
depois de sua institucionalização (ver, por exemplo, Fontenelle, 1922, pp. 48-9). Para a
íntegra desse novo regulamento, ver Brasil (1916, pp. 860-944).

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da República. Muitas atividades governamentais pertinentes à área de


saúde pública continuaram dispersas em outros órgãos e ministérios, em
especial, no da Agricultura. Apesar das solicitações do Executivo e do
desejo dos médicos sanitaristas, manteve-se corrente a interpretação do
caráter excepcional da atuação da DGSP nos estados, prescrita unica-
mente por razões compreendidas como de “calamidade pública” ou por
requisição dos respectivos governos.
Houve, porém, três alterações importantes, com essa reforma: a
primeira, semântica, referia-se às atribuições da DGSP no socorro às
“populações dos estados” e não aos governos estaduais, o que deslocava o
objeto sobre o qual se intervinha; a segunda tinha a ver com a operação
de auxílio sanitário aos estados. O novo regulamento indicava que, neste
caso, a DGSP assumiria todos os serviços sanitários locais, que passariam
a se submeter à autoridade federal, e, como inovação, que o governo esta-
dual perderia a capacidade de decidir sobre quaisquer atos referentes ao
objeto da intervenção; por último, como a organização dos serviços sani-
tários locais era considerada competência dos estados, estes, ao pedirem
intervenção sanitária federal, não poderiam alegar falta de recursos como
motivo da solicitação. O Governo Federal deveria até mesmo ser indeni-
zado pelos tesouros estaduais, em caso de combate a doenças evitáveis
que tivessem “tomado desenvolvimento exagerado” (Brasil, 1916, vol. 1).
Portanto, haveria uma responsabilização, ou mesmo uma punição, aos
estados que descuidassem de suas atribuições. Essas mudanças esboçam
um relacionamento entre o poder central e os estados, que se explicitará
na década seguinte.
Por outro lado, houve um substancial incremento na regulação da
profilaxia das doenças infectocontagiosas, abrangendo desde a sua noti-
ficação compulsória até o isolamento do doente, a desinfecção e a vigi-
lância médica, cuja implicação foi o aumento do poder da autoridade
sanitária (Brasil, 1916, vol. 1, pp. 905-25). No que se refere às ações de
defesa sanitária dos portos, houve uma considerável ampliação como res-
posta às ameaças de invasão de epidemias e às pressões e acordos interna-
cionais. A nova legislação acabara de criar dezenove inspetorias de saúde
para controlar portos, embarcações e lazaretos. Cada inspetoria deveria
administrar um hospital de isolamento, uma estação de desinfecção e um

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laboratório anexo, além da ampliação de suas funções, tudo isso acompa-


nhado de um detalhamento técnico e legal. As ações sanitárias perma-
nentes contra moléstias infecciosas estavam limitadas à cólera, à febre
amarela e à peste. A estrutura do serviço de profilaxia dos portos
estabelecida por essa reforma, em especial no combate à febre amarela,
não sofreria modificações importantes por ocasião das reformas da déca-
da seguinte.14
O legado desse primeiro ciclo de formação da autoridade sanitária
foi o crescimento da dimensão coercitiva do poder estatal. Duas décadas
republicanas significaram a estruturação das bases de ação do Poder Pú-
blico na área de saúde pública e saneamento. O país, contudo, continuava
a conviver com graves problemas sanitários, já que a atuação dos órgãos
competentes se restringia ao DF e aos portos, além de possuir limitada
capacidade legal e técnica para agir. Permanecia a ênfase nas áreas urba-
nas e o vezo da ação mais reativo às ameaças ou presença concreta da
varíola, da febre amarela e da peste. Isso significava que, atingida a meta
da intervenção, os serviços tendiam a ser desmobilizados. Pouca atenção
se deu ao foco principal do movimento político que se alinhavara ao
longo dos anos de 1910, às endemias rurais e a doenças que, como a
tuberculose, a difteria, a lepra e as doenças venéreas, não se manifestavam
na forma epidêmica, mas eram responsáveis por um grande número de
mortes nas cidades.
Todavia, ensaiaram-se movimentos, primeiro, mais efetivos, de
expansão da capacidade de agir coercivamente e, segundo, tímidos, de
presença de serviços federais em outras partes do território brasileiro,
tendo como base os elos de interdependência sanitária. Essa presença
federal, ou sua simples alternativa, motivou o início da organização de
serviços sanitários em alguns estados e em suas principais cidades. O
próprio modelo de base municipal, propugnado em 1891, era um
natimorto, ou pelo menos só serviu até a década de 1900 para a
municipalidade do DF. Em São Paulo, a unidade considerada vanguardista

14
Na regulamentação da reforma dos serviços sanitários, na década de 1920 (De-
cretos n.o 14.354, de 1920 e n.o 16.300, de 1923), os artigos pertinentes aos portos eram
remetidos diretamente ao decreto de 1914.

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em saúde pública, o processo de organização dos seus serviços sanitários


tendeu para uma forte centralização na esfera estadual (Telarolli Jr., 1996).
O argumento aqui sugerido é que a autoridade sanitária foi se consti-
tuindo de forma mais centralizada, reescrevendo, na prática, as cláusulas
constitucionais que inicialmente a alocavam na esfera municipal.15
Essa centralização não significou a unificação de todos os serviços
de saúde em uma só agência, seja no âmbito estadual ou federal, mas sim
a afirmação da responsabilidade pública para com a saúde, em especial na
contenção das doenças infectocontagiosas e na proteção dos sãos, e o
início da constituição de uma rede de instituições, regulamentações e de
profissionais com atribuições coercitivas e poder de polícia, que se dilata-
rá nos anos 20, sob uma nova organização da saúde pública de abrangência
nacional.
Analítica e cronologicamente, essa é a herança institucional e legal
com a qual a consciência social discutida no capítulo anterior dialoga e a
qual desafia. As possibilidades e os rumos das reformas da saúde pública
nas duas décadas seguintes dependeriam, em muito, desse encontro. Re-
tomando a citação inicial de Miguel Pereira, uma reforma sanitária era a
solução natural, caso o hospital não fosse também um hospício. Sua dire-
ção e conteúdo é que não seriam tão óbvios quanto os militantes do mo-
vimento sanitarista, baseados em seu diagnóstico, acreditavam. Confor-
mar a política às demandas da natureza da doença comunicável seria uma
tarefa difícil de ser empreendida; ao contrário, seria mais viável acomodar
a natureza aos interesses políticos.
Assim, duas décadas depois, o legado do desenvolvimento dos ser-
viços sanitários não mais correspondia ao que fora pactuado em 1891.
Tomando como base critérios mencionados no primeiro capítulo (cf. Nettl,
1968, pp. 579-89), observa-se um desenvolvimento incipiente do apare-
lho administrativo centralizado, autonomia setorial e de capacidade de

15
Um trabalho de análise das constituições estaduais no período, realizado pelo
médico Sebastião Barroso, no que se referem à saúde pública, a competência dos executivos
e legislativos municipais e estaduais, indica que, apesar da enorme diferença entre elas,
apenas as do Rio Grande do Sul e Pernambuco não reconheciam explicitamente o direito
do Poder Público de intervir nessa área. A maioria das constituições, excetuando as do
Espírito Santo, Mato Grosso e Santa Catarina, tendia a considerar a higiene “[. . .] mais
geral do que local, mais do centro do que da periferia [. . .]” (Barroso, 1919, p. 26-30).

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implementar políticas e fazer cumprir a lei, o que significa dizer que a


dinâmica política da reforma da saúde pública se dá em torno de um
Poder Público já mais saliente.

3. A reforma dos serviços de saúde pública na agenda nacional:


propostas, crises sanitárias e decisões

3.1. Repercussão pública da campanha pelo saneamento

A campanha pelo saneamento rural, iniciada de forma não organi-


zada, ao longo dos anos de 1910, e ampliada com a criação da Liga Pró-
-Saneamento do Brasil, teve impacto significativo na sociedade brasilei-
ra. Desde a publicação do relatório de Neiva e Penna e da divulgação da
frase de Miguel Pereira, os temas do saneamento e da saúde pública ga-
nharam as páginas dos jornais e dos periódicos médicos, os fóruns pro-
fissionais, como a Academia Nacional de Medicina (ANM) e as Facul-
dades de Medicina, as organizações de classe, como a Sociedade Nacio-
nal de Agricultura, acabando por alcançar a tribuna do Congresso Na-
cional. Os próprios livros de Belisário Penna e Monteiro Lobato, ambos
editados em 1918, resultaram de artigos publicados, respectivamente, no
Correio da Manhã e em O Estado de S. Paulo. Já o trabalho de Sebastião
Barroso (1919) fora publicado em O Paiz. Esses livros objetivavam reu-
nir trabalhos dispersos em jornais para melhor divulgar e financiar a cam-
panha pelo saneamento do Brasil. A saúde pública passou a ocupar lugar
de destaque no debate político nacional, que expressava a preocupação de
setores das elites com o quadro sanitário vigente e a dificuldade de obter
consenso a respeito de soluções politicamente viáveis.
Ao longo do tempo, foi se constituindo uma rede de indivíduos,
instituições e órgãos públicos que compartilhavam uma interpretação geral
sobre a centralidade da doença e das endemias rurais na compreensão
dos problemas do país. Essa rede reunia instituições, como a ANM, o
Instituto Oswaldo Cruz, as Faculdades de Medicina, a DGSP e seus
serviços, os serviços sanitários federais e os que começaram a surgir nos
estados, etc. Seus membros — acadêmicos, professores, pesquisadores,
dirigentes e funcionários públicos — em muitos casos, pertenciam si-

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multaneamente a várias dessas instituições. Isso considerando apenas o


campo da medicina. Uma leitura dos nomes dos membros da Liga Pró-
-Saneamento do Brasil, publicados em seu órgão de divulgação, Saúde,
revela que políticos e outros profissionais, como engenheiros, advogados,
jornalistas e militares, filiaram-se ao movimento em suas várias repre-
sentações estaduais. Cada um desses membros divulgava de alguma for-
ma, as concepções e propostas gerais do movimento pelo saneamento do
Brasil, nas instituições e organizações às quais pertenciam. Essa rede,
onde parece ser difícil estabelecer uma distinção clara entre elites profis-
sionais, políticas e estatais, foi, ao mesmo tempo, mecanismo e resultado
da ampliação de uma consciência da interdependência.
Os jornais cariocas, como O Paiz e o Correio da Manhã, deram
grande cobertura ao tema, tornando-se fóruns de debate sobre o sanea-
mento rural. Uma leitura deles, a partir de 1916, revela a presença diária
da saúde pública, tanto em noticiários quanto em colunas e textos dos
membros mais ativos da campanha, assim como de médicos, juristas,
políticos, etc. Divulgavam também o debate legislativo sobre a reforma
e as decisões do Executivo, influenciando a opinião pública (Lima &
Britto, 1991).
A imprensa auxiliava, evidenciava e, literalmente, reconhecia a pe-
netração da campanha pelo saneamento nas várias esferas da vida públi-
ca, como nesta passagem:

[. . .] o patriótico brado de alarma lançado por Miguel Pereira,


Artur Neiva, Belisário Penna, com o sentimento de responsabili-
dade que a investidura médica impõe na defesa da saúde pública,
produziu o seu efeito salutar. [. . .] No congresso fala-se em ques-
tões sanitárias. A imprensa tem mantido o assunto em foco e a
opinião pública já vai sendo infiltrada pela ideia lançada, há dois
anos, pelos iniciadores dessa campanha benemérita (O Paiz, 28-7-
-1918, apud Lima & Britto, 1991).

Os temas da saúde e do saneamento frequentavam as páginas dos


jornais e periódicos especializados desde o início da República. No período
das reformas urbanas e das campanhas de Oswaldo Cruz (1903-1904), a

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saúde pública mobilizava a opinião da população. Mas, passada essa fase


agitada, só retornava às manchetes quando da ameaça de epidemias, fi-
cando confinada a médicos, suas instituições e publicações. Mesmo do
ponto de vista oficial, foram raras as manifestações do Executivo Federal
sobre a questão, entre 1908 e 1918; a mais importante encontra-se
supracitada. Uma leitura das mensagens presidenciais ao Congresso Na-
cional revela que, depois de a febre amarela ter sido considerada extinta
no DF, o Executivo se limitava a rápidas considerações sobre as “sa-
tisfatórias” condições sanitárias na Capital da República, silenciando so-
bre o restante do país, em concordância com os limites do poder central,
na ordem federativa. Contudo, foi a partir da campanha pelo saneamen-
to rural e da divulgação de seu diagnóstico, que o debate sobre as condi-
ções sanitárias brasileiras ganhou audiência maior e novos interlocutores.
Os postos de profilaxia rural, que começaram a ser instalados na
periferia do Distrito Federal, os esforços iniciais de alguns estados, como
Bahia, Pernambuco e Minas Gerais, na organização de serviços sanitá-
rios, e um inédito código sanitário rural promulgado por São Paulo, em
1917, são tratados como experiências positivas pela imprensa. Além do
mais, ao chegarem ao conhecimento da opinião pública, contribuíam para
legitimar o papel do Governo no campo do saneamento. O foco nas
endemias rurais tornou-se lugar-comum a partir da qualificação de que
os sertões brasileiros começavam nos subúrbios da cidade do Rio de Ja-
neiro. Como ressaltava a imprensa, a meta do Governo deveria ser a ex-
pansão dos serviços de profilaxia por todo o país:

A profilaxia vai assim ganhando terreno e por toda parte se dissemi-


nando nessa capital como um acontecimento digno de registro espe-
cial. Resta portanto que ultrapasse a imensa área das zonas suburba-
nas do Rio de Janeiro e estenda a sua ação protetora pelas regiões
de todos os sertões brasileiros (Correio da Manhã, 31-5-1918 apud
Lima & Britto, 1991).

Mesmo um velho problema nacional, a febre amarela, ganharia des-


taque renovado no contexto da campanha pelo saneamento. Na verdade,
essa doença explicitava o dilema dos que estavam empenhados em pro-

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pagar e implementar políticas sanitárias no Brasil. A febre amarela era


considerada evitável e o conhecimento científico para combatê-la estava
disponível, tendo sido aplicado com sucesso por profissionais brasileiros,
além de contar com o interesse da Fundação Rockefeller.
Os jornais denunciavam constantemente a presença endêmica da
febre amarela na Bahia, e em outras partes do Norte e Nordeste do Bra-
sil, como uma ameaça permanente aos portos do Sudeste e Sul e ao co-
mércio exterior da República. Essas denúncias ganhavam força ao serem
incorporadas ao diagnóstico do Brasil doente, e as soluções institucionais
teriam de dar conta tanto da campanha antiamarílica quanto da profilaxia
das endemias rurais. A febre amarela implicava, sempre, a discussão das
responsabilidades dos governos estaduais no campo da higiene pública.
Ao mesmo tempo, questionava-se a capacidade de o Governo Federal,
através da DGSP, de cumprir sua atribuição de inspecionar e barrar o
ingresso de pessoas infectadas nos diferentes portos do país (Correio da
Manhã, abril-junho de 1919, apud Lima & Britto, 1991; Fontenelle, 1922,
pp. 49-57).
Apareciam como imperativos mais gerais: 1.o) fazer com que o Po-
der Público ultrapassasse os limites da periferia da Capital, estendendo
as políticas públicas a todo o território nacional; 2°) tornar eficaz a ação
da DGSP, na sua indiscutível atribuição de defesa sanitária dos portos
brasileiros, considerada bastante precária. A DGSP deveria impedir, atra-
vés do controle dos portos, que epidemias identificadas em um determi-
nado lugar atingissem outros estados, a própria Capital da República e
cidades que houvessem sido alvo de campanhas sanitárias, ao longo da
década de 1910, como Belém, Manaus e Vitória; 3.o) fazer com que os
governos estaduais se tornassem mais responsáveis para com seus pro-
blemas sanitários, visando manter ou recobrar a saúde de seus habitantes,
não permitindo que o bem-estar dos demais estados fosse ameaçado.
A repercussão que os problemas sanitários alardeados pela campa-
nha pelo saneamento rural alcançou ao longo da década de 1910 indicava
que se estava constituindo uma consciência da interdependência. Já os
debates sobre a reforma dos serviços sanitários revelavam tanto deman-
das crescentes por autoridade pública, com ênfase na sua dimensão ter-
ritorial, como uma forte oposição a esses pleitos. Havia a desconfiança de

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que um aumento do poder das autoridades sanitárias federais geraria em-


preguismo e mais despesas, sem aumentar sua eficiência. Assim, a cam-
panha pelo saneamento rural e a crescente concordância sobre um país
doente e um Estado ausente não resultavam em um consenso prévio em
torno de propostas concretas de reforma dos serviços sanitários federais.

3.2. Propostas, debates e decisões. I — Os círculos profissionais

A disputa sobre qual esfera de Governo deveria concentrar a auto-


ridade sanitária e qual o modelo de organização a ser adotado surge com
a Constituição de 1891. No segundo semestre de 1891, uma polêmica
travada entre Azevedo Sodré e Nina Rodrigues, conceituados médicos e
professores e personagens muito influentes na ciência médica brasileira,
revelava a falta de consenso entre as elites médicas e profissionais sobre o
impacto na saúde pública do texto constitucional, promulgado em 24 de
fevereiro daquele ano. Criticando a nomeação de um médico baiano para
o cargo de inspetor-geral de higiene pública da cidade do Rio de Janeiro,
o fluminense Azevedo Sodré considerava infeliz o fato de o indicado,
apesar de competente, não conhecer a complexa realidade sanitária do
Rio de Janeiro (Sodré, in Brasil-Médico, 8-6-1891, p. 152). O baiano
Nina Rodrigues fez reparos aos comentários de Sodré, uma vez que, para
ele, o ocupante do cargo em questão deveria se voltar para todo o país e
não apenas para o DF, declarando-se partidário da “unidade de ação na
administração sanitária”, para que não se continuasse condenando os es-
tados ao desprezo (Rodrigues, in Gazeta Médica da Bahia, julho de 1891,
pp. 46-7). Em sua réplica, Sodré declarava ser impossível para um inspe-
tor-geral, residindo no Rio de Janeiro, agir eficazmente sobre problemas
de outros estados e longínquos municípios. Para ele, a centralização seria
útil e indispensável no Serviço de Saúde dos Portos, a ser dirigido pelo
Governo Federal. Porém, em matéria de higiene terrestre

[. . .] cada Estado deve possuir sua repartição de higiene autôno-


ma e independente [. . .]; ainda mais, cada município deve ter o
seu delegado de higiene, com atribuições especiais (Sodré, in Bra-
sil-Médico, 22-8-1891, p. 252).

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Uma longa tréplica de Nina Rodrigues foi publicada, defendendo o


objetivo de uma organização sanitária centralizada nas mãos do Governo
Federal, rejeitando a organização estadual proposta por Sodré. Para
Rodrigues, a organização descentralizada estaria mais sujeita a pressões
políticas de grupos que tivessem seus interesses contrariados; tradicio-
nalmente, contaria com parcos recursos e seria desprovida de quadros
técnicos habilitados, escassos na maioria dos estados e municípios. E, no
caso de uma epidemia, considerava que um sistema descentralizado de
base municipal não seria capaz de coordenar de forma harmônica as ações
de seus vários componentes (Rodrigues, in Brasil-Médico, 8-11-1891,
pp. 331-2).
O “exagero descentralizador de ocasião” estaria ameaçando o que
deveria ser a meta futura para a saúde pública: a unificação da política
sanitária nas mãos do Governo Federal. A organização em bases esta-
duais, nos moldes da proposta Sodré, seria aceitável apenas como uma
etapa desse processo. Porém, a licenciosidade na autonomia concedida não
garantiria que todas as unidades implementariam medidas higiênicas. O
resultado disso seria que os estados com mais recursos teriam um serviço
sanitário regular, outros teriam serviços precários, e, talvez, a maioria nada
ofereceria (Rodrigues, in Brasil-Médico, 15-11-1891, p. 337). A dificul-
dade de se perceber imediatamente e de forma tangível os resultados das
ações de higiene e saneamento faria com que fosse mais difícil convencer
os poderes locais de financiar esses serviços. Portanto, para Nina Rodri-
gues, a tarefa dos médicos-sanitaristas brasileiros era preparar o terreno
para a futura unificação dos serviços de saúde.16
Esse debate é importante e modelar porque, criticando uma Cons-
tituição que acabara de ser promulgada, seus contendores antecipavam
de forma arguta argumentos e propostas que se explicitariam ao longo
das décadas seguintes. Se, por um lado, revelavam um consenso mínimo

16
Em 1892, Nina Rodrigues teceria duras críticas ao parecer do Conselho Supe-
rior de Saúde Pública do Brasil, apoiando um modelo de organização sanitária descen-
tralizado e de base municipal no qual caberia ao Governo Federal apenas os serviços
marítimos. Para Rodrigues, “A organização municipal autônoma e completamente inde-
pendente tem provado mal em toda parte; entre nós será um desastre completo” (Rodrigues,
1892, p. 421).

111
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sobre a inviabilidade da completa municipalização da organização sanitá-


ria, por outro, disputavam em que esfera ela deveria se localizar. Azevedo
Sodré alinhavou os argumentos que fundamentavam a defesa da
descentralização dos serviços de saúde no âmbito estadual, enquanto Nina
Rodrigues indicou problemas estruturais da provisão de saúde pública, a
partir do arranjo federativo pactuado em 1891. Ironicamente, Rodrigues
não viveu o suficiente para assistir seu contendor, como deputado fede-
ral, juntamente com parte considerável da elite médica, rever suas posi-
ções de 1891, e apresentar, em 1918, uma proposta de reforma dos servi-
ços sanitários cuja base seria sua centralização na esfera federal.
Ainda que proposições de reforma dos serviços sanitários estives-
sem presentes desde o início da República, foi a repercussão pública da
campanha pelo saneamento rural que as tirou dos círculos exclusivamen-
te médico-científicos e deu-lhes novo conteúdo e compromissos forte-
mente políticos. Não obstante, as instituições profissionais e científicas
ligadas à medicina continuaram a ter papel importante como formuladoras
de propostas e como grupos de pressão sobre o Executivo e o Legislativo
federal. Em 1917, uma comissão foi nomeada pela Academia Nacional
de Medicina para estudar e propor um projeto de reorganização dos ser-
viços sanitários que subsidiasse o governo. A comissão era composta pelo
que havia de mais significativo na elite médica. Seus membros eram pro-
fessores e dirigentes de instituições e órgãos públicos, fundadores e mili-
tantes da campanha pelo saneamento.17
Ainda em 1917, o relatório da comissão foi apresentado ao presi-
dente Wenceslau Brás, que teria até mesmo tido vários encontros com a
comissão. Foi dado a esse relatório um caráter quase oficial, uma vez que
foi enviado à Câmara dos Deputados como parte de uma mensagem na
qual o ministro Carlos Maximiliano solicitava mais verbas. A principal
conclusão da comissão foi que, para sanear o interior do Brasil, conside-

17
Os membros dessa comissão eram Miguel Pereira, Carlos Chagas (diretor do
IOC), Miguel Couto (presidente da ANM), Afrânio Peixoto (professor da FMRJ), Carlos
Seidl (diretor da DGSP) e Aloysio de Castro (diretor da FMRJ). Informações sabre a
comissão estão em Couto (1919, pp. 383-4). O relatório da comissão está reproduzido na
mensagem do ministro da Justiça e Negócios Interiores, Carlos Maximiliano, à Comissão
de Finanças da Câmara, de 4-7-1917, publicada nos Anais da Câmara dos Deputados,
sessão de 10-9-1917, pp. 364-7.

112
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rando o caráter técnico do empreendimento, a complexidade do país, uma


população espalhada pelo imenso território nacional e altamente infestada
pelas doenças endêmicas, o mecanismo aconselhado era uma agência fe-
deral técnica, independente e autônoma. Para a comissão, a solução seria
um Ministério da Saúde Pública, a ser organizado pela fusão dos vários
serviços de higiene e assistência pública e dirigido por um profissional de
competência reconhecida.
Sensível às dificuldades de ordem política, tanto no sentido de
ampliar os poderes da União como de subtrair do Ministério da Justiça e
de outros ministérios os vários órgãos que tratavam de assuntos relativos
à saúde, unificando-os em um novo ministério, a comissão sugeriu como
recurso provisório a criação do Conselho Superior de Higiene, que teria
como atribuição coordenar as ações de saúde e saneamento em todo o
país, cabendo-lhe interessar os governos estaduais na promoção de cam-
panhas sanitárias.18
Cabe mais uma vez salientar que, para a elite médica e para a sua
instituição mais poderosa, com estreitos vínculos com a elite política brasi-
leira, a solução ideal seria uma centralização administrativa, com autono-
mia política, técnica e financeira, o Ministério da Saúde Pública. Todavia,
essa solução deveria ser alcançada paulatinamente, evitando que temores
de conflitos de jurisdição constitucional de alguns estados inviabilizassem
mudanças, por menores que fossem. Por sinal, temores “ilusórios, irrisó-
rios e ofensivos” diante da gravidade do estado sanitário do país, segundo
o presidente da ANM (Couto, 1923, p. 37).
Uma outra proposta importante, e mais elaborada, era fazer desse
novo órgão o responsável pela administração da distribuição da quinina,
medicamento considerado crucial para o combate e tratamento da malária.

18
O Conselho Superior de Higiene a ser criado — composto por cinco médicos
—, teria poderes e autonomia nas áreas de recursos humanos, fiscalização, orçamento e
autorização de despesas, além de franquias postais, aduaneiras e de transporte para pro-
dutos, publicações e pessoal. Esse Conselho coordenaria os serviços das áreas endêmicas
e negociaria com estados e municípios um plano geral de saneamento. As doenças esco-
lhidas como de sua responsabilidade eram a malária, a ancilostomíase, leishmaniose, doença
de Chagas, febre amarela e a sífilis, percebidas como as que mais afligiam as populações
rurais do país. O novo órgão também teria como atribuição realizar estudos e divulgá-los,
além de educar a população nos assuntos de higiene (ibidem).

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O governo deveria adquirir a matéria-prima no exterior, manipulá-la em


laboratórios oficiais como os do IOC, fiscalizar a sua venda e distribuí-la
a preço de custo, por todo o país, ou de graça, para as populações pobres.
Segundo um dos participantes da Comissão da ANM, os sinais de
dificuldade apareciam na alegação de Wenceslau Brás de que, por estar
em final de mandato, “[. . .] não podia e nem lhe convinha arcar com as
dificuldades resultantes da adoção dela” [proposta da Comissão] (Couto,
1919, p. 383). Entretanto, em um contexto de preocupação crescente da
opinião pública com o tema da saúde, o prestígio dos integrantes da Co-
missão e da instituição que a avalizava fez de sua proposta a etapa inicial
de uma ampla disputa sobre a reforma sanitária. A intensificação do deba-
te e o surgimento de diferentes alternativas, mesmo moderadas, de
reformulação da organização sanitária do país indicava que a saúde se
tornara um tema público e que a moldura constitucional que balizava as
relações entre poder central e governos estaduais estava definitivamente
em questão.
Embora o desejado Ministério da Saúde Pública estivesse longe de
ser concretizado, passos importantes para a reforma dos serviços sanitá-
rios foram dados em função da repercussão que alcançara a campanha
pelo saneamento, das propostas das organizações profissionais e de um
presidente sensibilizado após visita a um posto de profilaxia rural. Dois
decretos (n.o 13.000 e n.o 13.001, de 1-5-1918) viabilizaram esses pri-
meiros e efetivos passos (Brasil, 1919, vol. II, pp. 533-5). O primeiro,
baseado fortemente nas recomendações da ANM, criava o Serviço dos
Medicamentos Oficiais, por intermédio do qual o Governo Federal com-
praria a quinina; através do Instituto Oswaldo Cruz, fabricaria comprimi-
dos e injeções e os venderia ou distribuiria para o tratamento da malária.
O segundo decreto, chamado de “decreto de ouro do Governo
Wenceslau” (Souza Araújo, 1919, p. 15), criava as bases para a presença
de serviços federais de saneamento rural nos estados, postos de profilaxia
da malária e ancilostomíase no DF e áreas limítrofes, e mais um posto
antimalárico sob a responsabilidade da Fundação Rockefeller.19 Sob a
cobertura desse decreto, ainda em 1918, foram celebrados os primeiros

19
Esse decreto foi regulamentado pelo de n.o 13.055 de 6-6-1918.

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acordos de cooperação entre o Governo Federal e alguns governos esta-


duais (Maranhão, Minas Gerais e Paraná) para o combate às endemias
rurais. Os acordos com os estados exigiam que estes financiassem parte
dos serviços.20
Ambos os decretos foram viabilizados, aproveitando uma autori-
zação de despesas existente no orçamento de 1918, do MJNI, através da
rubrica socorros públicos, que dispensava autorização legislativa, dimi-
nuindo com isso os custos de negociação com o Legislativo (Brasil, 1919;
1919a; Fontenelle, 1922, pp. 52-3; Fraga, 1926, p. 528).
Em mensagem ao Congresso, fixando as despesas do MJNI para
1919, Wenceslau Brás, mesmo considerando um certo exagero o diag-
nóstico do movimento sanitarista, respondia positivamente a ele, aumen-
tando os gastos com os serviços de profilaxia rural que começavam a ser
implantados e reconhecendo a responsabilidade pública para com a saú-
de da população:

É possível que haja alguma coisa a objetar ao vivo e enérgico pro-


testo com que alguns dos nossos profissionais da higiene e da me-
dicina exageram o perigo público [. . .] Seja como for, porém, a
triste verdade é que ainda precisamos de todo o cuidado dos gover-
nos para a defesa sanitária do povo (Anais da Câmara dos Deputa-
dos, 39.a sessão, 12-7-1918).

3.3. Propostas, debates e decisões. II — O Legislativo federal

Essas primeiras modificações, que indicavam uma ampliação do


poder da autoridade sanitária, foram realizadas a partir, e nos limites,
da competência e dos recursos do Executivo Federal e de alguns gover-
nos estaduais. Os apelos do Executivo e do movimento sanitarista por
uma reforma sanitária ampla, com implicações constitucionais, eram

20
A legislação sobre a produção de medicamentos estava vinculada à forma pela
qual se realizariam os serviços de saneamento rural. A legislação sobre o quinina oficial e
a profilaxia rural foi sensivelmente ampliada pelos Decretos n.o 13.139, de 16-8-1918, e
n.o 13.159 de 28-8-1918 (Brasil, 1919a, vol. III). Os detalhes sobre os decretos da profilaxia
rural serão objeto de discussão no próximo capítulo.

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dirigidos ao Legislativo Federal. A centralidade deste se justifica por dois


motivos: primeiro, dada sua competência para legislar sobre as atribui-
ções da União e sobre a execução da Constituição, orçar receitas e fixar as
despesas federais, e emendar o texto constitucional, entre outras com-
petências privativas estabelecidas pelo seu artigo 34. Além do que, todas
as discussões nacionais repercutiam obrigatoriamente no Congresso, re-
velando interesses, conflitos e acordos entre as elites políticas ali repre-
sentadas.
Segundo, em uma perspectiva mais específica, o Legislativo Fede-
ral também era sensível ao tema da saúde e saneamento devido, princi-
palmente, à presença de um número expressivo de deputados que tinham
a medicina como formação e atuação profissional — em torno de 15% na
10.a legislatura (1918-1920), um percentual elevado do ponto de vista
comparativo. Eleitos como membros e representantes das oligarquias es-
taduais, é possível verificar que parte desses deputados médicos nem sem-
pre se mostraram entusiastas do movimento pelo saneamento dos ser-
tões, e quando eram, tinham restrições às demandas por centralização e
criação de novos órgãos. De qualquer forma, demonstraram-se sensíveis
ao problema, tendo desempenhado papel importante no Legislativo e na
Comissão de Saúde Pública da Câmara dos Deputados. Participaram
ativamente dos debates e decisões sobre os rumos da saúde pública que
foi, sem dúvida, a partir de 1916, uma das questões mais importantes na
agenda do Legislativo na Primeira República.21
Para a minha análise do debate legislativo, parto da interpretação
de Lessa (1988) sobre o modelo Campos Sales, em que o Legislativo seria o
espaço de encontro dos representantes das oligarquias estaduais ungidos
por um processo eleitoral fortemente controlado por mecanismos insti-

21 Identifiquei 32 médicos de um total de 210 deputados, dos quais de dez não foi
possível conhecer a formação profissional. Os bacharéis eram 122 e 20, os engenheiros.
No Senado Federal, identifiquei nove médicos de um total de 63 senadores (ver Anais da
Câmara dos Deputados, anos de 1917 a 1920; Abranches, 1918; Castro & Castagnino,
1927; e Leite Neto, 1986). Esses números são superiores à média francesa de 11,2% de
médicos sobre o total de deputados nas seis legislaturas entre 1889 e 1914. Jack Ellis
chama a atenção que a França seria o país com maior percentual de médicos deputados no
legislativo nacional, se comparada, para o mesmo período, a outros países europeus e aos
Estados Unidos (Ellis, 1990, pp. 3-6).

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tucionais que barravam a entrada de dissidentes ou quaisquer elementos


que escapassem ao controle da elite no poder em cada estado. Esses me-
canismos tornavam a Câmara dos Deputados “a expressão de uma quali-
dade: a direção política dos chefes estaduais” (ibidem, p. 107). Portanto,
além das suas atribuições legais e formais, as bancadas estaduais no
Legislativo Federal eram a representação da elite dominante de seus es-
tados, o que fazia do Congresso um espaço privilegiado de discussão de
temas caros às chefias estaduais ali representadas: as relações entre esta-
dos, e entre estes e o Governo Central.22
O diagnóstico de um país doente teve impacto e repercussão no
Congresso Nacional. Para alguns deputados, o grande hospital seria um
exagero retórico a ser compreendido, dado o propósito de chamar a aten-
ção do país e das autoridades para a melhoria das condições de vida da
população. Ainda assim, para muitos, esse diagnóstico causaria pânico,
além de comprometer a imagem do Brasil no exterior, com efeitos ne-
gativos sobre o comércio e o fluxo de imigração. Por vezes, a ênfase nos
sertões era considerada equivocada, já que o foco das atenções deveria ser
as áreas urbanas. Apesar disso, não há registro de pronunciamento ne-
gando por completo o quadro sanitário do país, descrito pelos militantes
sanitaristas e estampado na imprensa. Mesmo aqueles que comungavam
de uma certa restrição às descrições apocalípticas sobre o interior do país
concordavam com um ponto crucial do diagnóstico, a ausência do Poder
Público, como nesta passagem do deputado Dionysio Bentes (PA),

[. . .] o nosso sertanejo padece mais do abandono em que o gover-


no tem lhe deixado a existência do que propriamente da infecção
daqueles parasitas (Anais da Câmara dos Deputados, 74.a sessão, 27-
-8-1918).

22
Alguns trabalhos que abordaram o tema da reforma sanitária dos anos 1910-
-1920 sobrevalorizaram os argumentos e as propostas dos médicos e suas instituições,
dando pouca atenção ao locus decisório fundamental que era o Legislativo. Mesmo quan-
do o fazem, aderem de tal maneira ao discurso do movimento sanitarista, que as suas
avaliações sobre sucesso e fracasso das propostas ficam contaminadas pela avaliação da
época. Perdem, assim, a perspectiva da interação política que produziu resultados diversos
dos pretendidos inicialmente (ver, por exemplo, Labra, 1985, pp. 88-172).

117
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O que dividia as elites políticas eram as propostas de reorganização


dos serviços sanitários que apontavam para o crescimento da autoridade
sanitária federal, como esse argumento de Raul Alves (BA) bem expressa:

[. . .] o problema da saúde pública em todos os povos sempre foi


considerado local, [. . .] não pode ser colocado, portanto, na linha
de ordem dos problemas gerais (AC, 67.a sessão, 19-8-1918).23

Na verdade, o que balizou o debate legislativo foi à proposta de


criação de um Ministério da Saúde Pública, apresentada, justamente, pelo
deputado Azevedo Sodré (RJ), que defendera posição oposta vinte e sete
anos antes. Ao longo do ano de 1918, em uma série de discursos, Sodré,
médico, membro e ex-presidente da ANM, professor da Faculdade de
Medicina do Rio de Janeiro e membro da Liga Pró-Saneamento do Bra-
sil, tentou convencer as elites representadas no Legislativo da necessida-
de de modificar e ampliar o papel do Governo Federal nos campos da
saúde e saneamento.24
Em discurso pronunciado em agosto de 1918, Azevedo Sodré pro-
pôs a criação do Ministério da Saúde Pública, reorganizando todas as
estruturas do Governo Federal relacionadas à saúde, até mesmo aumen-
tando suas atribuições e alcance. Os argumentos utilizados para justificar
a proposta sintetizavam e traduziam para a política, interpretações sobre
as relações entre doença, sociedade e autoridade pública.
Em primeiro lugar, questionava a Constituição de 1891, que, se-
gundo ele, nada versava sobre defesa sanitária. Não haveria eficácia pos-
sível em matéria de saúde pública, mantida a interpretação vigente de
que as atribuições do Governo Federal deveriam se limitar ao serviço
sanitário marítimo e à profilaxia de defesa do DF (AC, 69.a sessão, 21-8-
-1918). Além disso, criticava a dispersão dos serviços relacionados à saú-
de, distribuídos entre várias autoridades, em especial no DF, como, por
exemplo: os Ministérios do Interior (a quem se subordinava toda a estru-

23
A partir daqui utilizarei AC quando me referir aos Anais da Câmara dos Deputados.
24 Os principais discursos e propostas de Azevedo Sodré estão publicados em
Sodré (1918; 1920).

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tura da DGSP), da Agricultura e da Fazenda (ambos com laboratórios


para a fiscalização de alimentos), da Viação (rede de esgotos do DF) e a
Prefeitura do DF (fornecia o habite-se, além de contar também com um
laboratório). Os problemas da saúde pública eram muito mais derivados
dessa desorganização do que da falta de recursos (ibidem). Não obstante,
havia um consenso entre partidários e inimigos da reforma, que não se
alterou ao longo do tempo: a assistência hospitalar e os socorros públicos
aos pobres e indigentes eram consideradas atividades que competiam às
municipalidades.
Dois argumentos devem ser destacados na proposta de nacionali-
zação dos cuidados públicos com a saúde, e que correspondem às elabo-
rações do movimento sanitarista. Em primeiro lugar, a convicção de que
o saneamento não poderia ter caráter local, mas seria uma tarefa nacional
que exigiria tempo e recursos para ser realizada — nesse caso, os estados
não estariam preparados para tal empreendimento, à exceção de São Paulo.
Azevedo Sodré expressava também uma percepção corrente de que não
haveria como resolver os problemas sanitários do país de maneira com-
pletamente descentralizada, devido ao completo despreparo financeiro e
técnico dos estados. As relações entre um estado sempre cioso de sua
autonomia, que individualmente aprofundara os cuidados sanitários em
seu território, e os demais, que pouco ou nada faziam, seria crucial na
dinâmica política da reforma sanitária.
Um segundo argumento era a tentativa de reinterpretar a Consti-
tuição a partir dos problemas colocados pela saúde pública. Esta releitura
combinava argumentos jurídicos e médicos. Sendo a Constituição omis-
sa no assunto, entendia-se que uma lei ordinária poderia redefinir as atri-
buições dos estados e do Governo Federal. A convicção sobre o caráter
público e nacional da saúde e do saneamento implicaria acabar com o
sistema híbrido adotado em 1891 e reorientar os serviços sanitários do
país, tornando-os indivisíveis. Por esse argumento, não poderia haver
reivindicação de autonomia local sobre uma política que, por sua nature-
za, era eminentemente nacional.
No decorrer desse debate, médicos tornaram-se constitucionalistas,
e juristas foram buscar no conhecimento biomédico existente as bases
constitucionais para as suas reivindicações de unificação e centralização

119
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dos serviços sanitários na esfera federal. Esses aliados deslocavam as aten-


ções dos artigos 5.o e 34.o da Constituição, trunfo da posição autonomista
e das prerrogativas do Congresso, para o artigo 35.o do capítulo sobre as
atribuições do Legislativo, que indicava caber ao Congresso Nacional
legislar sobre assuntos de caráter federal, mas não privativamente. Isso
permitiria, segundo alguns, que a União também legislasse sobre matéria
de higiene, porque a doença transmissível seria um problema que ultra-
passaria as fronteiras dos estados. Vários juristas, como Mário Vianna,
reforçaram esses argumentos, a partir das implicações que as relações
entre doença contagiosa e sociedade impunham:

Da natureza do serviço, porque ninguém dirá que é de caráter local


a necessidade de manter a saúde de um povo, interessando ela à
vida nacional; da possível extensão dos seus efeitos, porquanto, re-
cusar à União tal competência importaria em submetê-la, talvez, a
assistir impassível a destruição nacional pelo contágio mórbido não
evitado pelos estados da Federação (apud Penna, 1923, p. 311).25

Caso isso não fosse suficiente para convencer as elites de que am-
pliar o alcance e a capacidade do Poder Público na esfera federal não
violava a Constituição, além de ser uma necessidade diante da natureza
contagiosa das principais doenças que afligiam o país, o próprio Sodré
indicava um outro argumento também originário da campanha pelo sa-
neamento. A onipresença de endemias e a ameaça permanente de epide-
mias indicavam que a situação sanitária do país correspondia à figura
constitucional da calamidade pública, situação que impossibilitaria tam-
bém o cumprimento dos vários tratados internacionais assinados pelo
país (AC, 69.a sessão, 21-8-1918). A interpretação sobre as consequências

25
Argumentos de juristas como Prudente de Morais Filho, Mário Vianna, Silva
Marques e de ministros do STF como Pedro Lessa e Pires de Albuquerque estão expostos
em Penna (1923, pp. 309-12) e comentados em Perna (1922, pp. 8-11). Esses juristas se
basearam nos argumentos desenvolvidos por Sebastião Barroso, alguns já discutidos no
capítulo anterior, sobre a competência da União e dos estados. Para Sebastião Barroso, o
Governo Federal não deveria esperar a requisição de auxílio dos estados para dar combate
às epidemias. Essa condição “[. . .] seria negar que uma moléstia transmissível possa inte-
ressar a todos onde essa transmissão esteja em condições de dar-se” (1919, p. 35).

120
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da calamidade pública tenderiam a ser ampliadas para que o poder central


pudesse intervir nos estados sem ter de esperar por uma autorização,
quando já poderia ser tarde, e trágico, demais.
Apesar do arcabouço jurídico favorável ao incremento do poder do
Governo Federal à disposição do movimento pelo saneamento do Brasil,
o projeto apresentado por Azevedo Sodré era moderado e realista, por
saber das resistências dos adversários a qualquer insinuação de intervenção
federal nos estados. Previa a criação de uma secretaria de estado com a
denominação de Ministério da Saúde Pública. A justificativa da criação
de um ministério próprio para a saúde é, a meu ver, importante: a certe-
za da incompatibilidade entre saúde pública e política. O Ministério da
Justiça era considerado por todos os engajados na campanha pelo
saneamento como eminentemente político. Dessa perspectiva, o novo
Ministério da Saúde estaria a salvo da privatização dos seus recursos por
interesses que não os da redenção dos sertões. A saúde seria um bem públi-
co que seria oferecido fora da política, seguindo os ditames da técnica,
ainda que a demanda fosse feita através da política institucionalmente
estabelecida.26
O Ministério proposto reuniria todos os serviços de higiene do
DF, os serviços sanitários marítimos e fluviais existentes no país e servi-
ços pertinentes de outros ministérios. Porém, no que se refere às obras de
saneamento e profilaxia rural no estados, estas deveriam ser realizadas
mediante acordo prévio, com mecanismos específicos de financiamento.
Um dos mecanismos de financiamento propostos para as ativida-
des de saneamento e profilaxia rural estabelecia um padrão de relaciona-
mento e um contencioso entre União e estados. Seria dada preferência às
obras de saneamento em estados e municípios que pudessem arcar com a
metade das despesas. Aqueles que não dispusessem desses recursos po-
deriam fazer acordos, desde que criassem uma taxa de valorização sobre
os terrenos saneados ou um adicional sobre o imposto territorial, além de
se comprometerem a indenizar, no futuro, a metade das despesas realizadas

26
Para Sodré, o novo Ministério não deveria, necessariamente, ser dirigido por
um médico, mas teria um conselho técnico para assessorá-lo. As proposições vindas da
ANM e de médicos vinculados aos serviços públicos reivindicavam o monopólio do cargo
de ministro para um médico que tivesse reconhecimento de seus pares.

121
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pela União. Variações dessa fórmula estavam presentes nos vários decretos
que regulamentaram o Serviço de Profilaxia Rural, em 1918, e iriam ser
propostas em projetos de reforma dos serviços sanitários que se seguiram
ao de Sodré. Uma forma de financiamento incorporada por projetos futuros
foi a da formação de um fundo para o saneamento rural, constituído pelo
imposto sobre bebidas alcoólicas, uma taxa sobre o produto dos jogos de
azar, saldo nas verbas do Ministério da Saúde, venda de selo sanitário e
renda dos laboratórios oficiais. Portanto, os recursos propostos para o sane-
amento rural seriam sempre obtidos fora do orçamento do novo ministé-
rio.27
Esses mecanismos de financiamento dos convênios entre estados e
Governo Federal foram cruciais, uma vez que definiram as possíveis coa-
lizões políticas as quais, em alguns momentos, vetariam, e, em outros,
viabilizariam, ao longo do tempo, o aumento das atribuições federais em
saúde e saneamento. De modo geral, representantes de estados não cen-
trais no pacto oligárquico, e com poucos recursos disponíveis, considera-
vam que a divisão dos recursos e das responsabilidades inviabilizava os
convênios. Além disso, a falta de recursos de toda ordem tornava-os bem
menos ortodoxos no que se refere à autonomia dos estados vis-à-vis a
União, levando-os a aderir às interpretações supracitadas dos dispositi-
vos constitucionais relativos ao tema. Os representantes dos estados não
centrais no pacto oligárquico adotaram mais rapidamente uma leitura da
Constituição que seria mais generosa para com as atribuições da União
em matéria de saúde pública e saneamento. O difícil seria convencer to-
das as bancadas sobre os custos dessa generosidade.
Reações de todo tipo ao projeto de Sodré apareceram na tribuna da
Câmara. Além de alguns apoios, repetiram-se as críticas de sempre: que
a campanha pelo saneamento denegria o país, que o diagnóstico era exa-
gerado, que a saída não era a ênfase nem na saúde nem nos sertões. O

27
O projeto também contemplava o financiamento de obras especiais através de
um fundo formado pela cobrança de 2% sobre os impostos de importação arrecadados
pelo estado em que fossem realizadas. Constitucionalmente um imposto que, mesmo
quando arrecadado pelo estado, deveria ser transferido para o Tesouro Nacional (artigos
7.o e 9.o, § 3.o). As reformas dos serviços sanitários, em 1919 e 1920, não incorporaram
essa ideia. A íntegra do projeto está em Sodré (1918).

122
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projeto teve enorme repercussão no Congresso, na imprensa e nos periódi-


cos especializados.
Após tramitar nas Comissões de Finanças e de Saúde Pública, da
qual Azevedo Sodré era membro, o projeto recebeu, de ambas, parecer
negativo, o que determinava sua rejeição. Em um longo discurso, Sodré
indicou claramente o problema da reforma: o fato de todos se solidariza-
rem com seu diagnóstico sobre a saúde pública, mas rejeitarem sua pro-
posta para modificar as condições de saúde da população (AC, 117.a ses-
são, 11-11-1918).
O presidente da Comissão de Saúde Pública, deputado Teixeira
Brandão (RJ), médico, professor da Faculdade de Medicina, membro da
ANM, foi o principal artífice da rejeição do Projeto Sodré. Falando ao
plenário da Câmara, explicou as razões do voto contrário ao Ministério
da Saúde, com um trecho do seu parecer:

Atribuir ao governo da União semelhante tarefa seria inverter a ordem


natural das coisas e destruir pela base o edifício político que construiu
a revolução republicana. De acordo com esse modo de pensar, não
podemos, com pesar, dar o nosso assentimento à reforma projetada
nos termos em que é proposta (AC, 120.a sessão 18-11-1918).28

Em poucas palavras, para a maioria da Comissão de Saúde Pública,


o saneamento do Brasil e todos os serviços de saúde públicos não relacio-
nados diretamente com a defesa sanitária marítima, deveriam ficar a cargo
dos governos estaduais e municipais. Além disso, havia o temor, compar-
tilhado com alguns médicos sanitaristas, de que, ao reunir tantos serviços
em um só órgão, produzia-se uma enorme burocracia incapaz de resolver
os problemas para os quais fora criado. Apesar de reconhecerem o senti-
do público do projeto, as comissões que o analisaram indicaram que ele
ofendia a autonomia estadual e usurpava algumas competências dos es-
tados e do Congresso Nacional. Este foi um dos argumentos utilizados

28
Eram membros da Comissão, além de Brandão e Sodré, Palmeira Ripper (SP),
Rodrigues Lima (BA), Zoroastro Alvarenga (MG), Otacílio Camará (DF), Domingos
Mascarenhas (RS), Alexandrino Rocha (PE) e Afonso Barata (RN), todos médicos.

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incansavelmente por todos os inimigos da centralização da saúde. Para


estes, a questão não deveria ser resolvida a partir de argumentos substan-
tivos, mas constitucionais.
A resposta de Sodré ao veto do projeto pode ser entendida como
uma tentativa de conciliação diante da impossibilidade de uma reforma
nos moldes pretendidos pelo movimento sanitarista. Em relação à vastidão
dos serviços de saúde, deixa claro que não se propunha centralizar em um
único órgão todos os serviços, alguns seriam preservados nas esferas lo-
cais. Quanto à autonomia dos estados, diria que, para constituir o novo
ministério, o projeto reuniria apenas os serviços dispersos e sujeitos a
autoridades diferentes no DF, e qualquer ação federal nos estados seria
implementada “mediante prévio acordo” e exclusivamente para o sanea-
mento rural. Ainda segundo Sodré, o projeto garantia que, somente nos
estados que não fossem capazes de se opor à disseminação das doenças
transmissíveis, haveria intervenção federal. E, seguindo o caminho da
comissão da ANM, afirmava ser aceitável a troca do Ministério da Saúde
Pública por um Departamento de Higiene vinculado ao Ministério da
Justiça e Negócios Interiores (AC, 129.a sessão, 29-11-1918).
Porém, nem a difusão do diagnóstico do Brasil doente, nem o apoio
das entidades médicas, nem as tentativas de negociação de uma reforma
mais tímida pareceram persuadir o Legislativo. Tudo isso antecede ime-
diatamente a epidemia de gripe espanhola que atacou o país, em especial
a cidade do Rio de Janeiro. Poucos meses depois, a velha ameaça da febre
amarela reaparece com suspeitas de um surto em estados do Nordeste,
aumentando a insegurança das cidades do Sudeste e Sul do país.

3.4. Um interregno trágico e uma ameaça permanente:


a autoridade pública sob o impacto das epidemias

Entre setembro e dezembro de 1918, o país era atacado pela gran-


de pandemia deste século: a gripe espanhola ou influenza. A capital do
país, entre outubro e dezembro, desorganizou-se completamente. Além
do grande número de mortes, a epidemia paralisou a vida da cidade, veri-
ficando-se a falta de alimentos e remédios, carestia e a completa incapa-
cidade das autoridades públicas para responder adequadamente a uma

124
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doença pouco conhecida que atingiu a Europa e os EUA, no mesmo perí-


odo, com ainda maior intensidade.29
As descrições dos jornais, que foram submetidos à censura, eram
aterrorizantes. Faltavam coveiros e caixões para tantos mortos. Essa
experiência de terror, causada por uma epidemia que atingiu as cidades
sem muita distinção de classe social, ocupação ou região, com a autori-
dade pública revelando-se impotente e despreparada, significou uma
inflexão nas respostas até então dadas pelo Poder Público. O Congresso
Nacional pouco funcionou, devido à falta de quórum. No Distrito Fede-
ral, calcula-se que mais da metade da população tenha contraído a gripe,
com estimativas de 12.000 a 18.000 mortos entre outubro e novembro
de 1918 (Fontenelle, 1922, p. 59; Torres, 1919a, pp. 37-48). Na cidade de
São Paulo, as cifras são de cinco mil mortos, e 65% da população infectada
(Bertolli Filho, 1989, p. 31). Por isso, para alguns jornais, a gripe espanho-
la teria sido uma gripe democrática, colhendo suas vítimas, infectados e
mortos em todas as classes sociais (Britto, 1997). Essa epidemia foi uma
experiência coletiva singular da população dos centros urbanos mais atin-
gidos, e teve impacto significativo sobre a percepção coletiva das relações
entre doença e sociedade e sobre o papel da autoridade pública. O medo
do retorno da gripe permaneceu por algum tempo, a ponto de a imprensa
solicitar o adiamento do carnaval de 1920, para evitar grandes aglomera-
ções que facilitassem uma nova epidemia (O Paiz, 12-2-1920).30
A doença também afetou a sucessão presidencial. Reeleito em 1.o-
-3-1918 para um segundo mandato, o paulista Rodrigues Alves adoeceu,

29
Alguns autores calculam 550.000 mortes nos EUA e 2,3 milhões na Europa,
entre setembro e outubro de 1918. Estima-se de 30.000 (Fontenelle, 1922, p. 22) a 180.000
mortes no Brasil (Patterson & Pyle, 1991, p. 14). Para o mundo inteiro, as cifras estima-
das por vários autores variam entre 15 e 50 milhões. Patterson & Pyle (ibidem),
retrabalhando essas estimativas, apontam 30 milhões de óbitos como o número mais apro-
ximado. Hoje, sabe-se que não era possível prevenir ou curar uma doença altamente con-
tagiosa pelo ar, e resistente aos métodos de desinfecção e isolamento então disponíveis
(Tomkins, 1992).
30
O relato do diretor-geral de Saúde Pública está em Torres (1919a). Para deta-
lhes sobre a epidemia na imprensa carioca, ver Britto (1997). Para um relato dos serviços
emergenciais na cidade do Rio de Janeiro organizados por Carlos Chagas, ver Chagas
Filho (1993, pp. 147-58), para a epidemia em São Paulo, ver Bertolli Filho (1989). Este
autor contesta o caráter democrático da epidemia, mostrando que o índice de mortalida-
de em bairros pobres foi o dobro do índice das áreas mais abastadas.

125
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vitimado pela gripe, e seu vice, o mineiro Delfim Moreira, tomou posse
em 15 de novembro. Esse mandato presidencial, de um homem já setua-
genário e com a saúde precária, fora arduamente costurado em um período
conturbado por disputas internas, pelo conflito mundial e as dificuldades
econômicas daí advindas.31 Mesmo sobrevivendo à doença, veio a falecer
em 16-1-1919. A epidemia, atingindo até mesmo o presidente eleito, fa-
miliares de ministros e membros das elites políticas, demonstrava, de forma
trágica, que representantes de ambos os lados do debate sobre a reforma
sanitária tinham razões suficientes para desconfiar dos serviços sanitários
existentes. Ao atingir também as elites, a epidemia produziu um consenso
mínimo sobre a necessidade urgente de mudanças na área de saúde públi-
ca. Afinal, todos pareciam ser iguais perante algumas doenças o que certa-
mente aumentou a sensibilidade de muitos parlamentares às propostas de
reorganização dos serviços sanitários.32
Um acirrado debate público em torno da competência dos órgãos
federais e de seus dirigentes, que se demitiram, foi travado durante e
depois da epidemia. Para os defensores da centralização, as estruturas
públicas existentes não se mostraram capazes de resolver problemas ele-
mentares de saúde pública. Portanto, fazia-se necessária uma revisão com-
pleta nessa área. Já os seus adversários acreditavam que não se poderia
ampliar o poder de uma autoridade que se mostrara incapaz de defender
o país. Incompetência dos dirigentes, inexistência de governo, falta de
recursos para o setor, descaso das autoridades que demoraram a agir, ou
mesmo a resignação em relação a uma fatalidade, são as acusações, argu-
mentos e desculpas que ressaltam no debate parlamentar (AC, sessões de
outubro e novembro de 1918). Portanto, se havia um consenso mínimo
sobre a falência dos serviços sanitários existentes isto não significava um
acordo sobre a solução para o problema.33

31
As informações sobre esse processo sucessório, adoecimento e morte de Rodrigues
Alves, estão em Franco (1973, vol. 2). A dinâmica política do final do Governo Brás e da
eleição e sucessão de Alves estão em Bello (1956, pp. 316-22).
32
O ministro da Viação e Obras Públicas, Afrânio de Melo Franco, perdera filho
e esposa (Chagas Filho, 1993; Franco, 1973). Em São Paulo, o prefeito da cidade, Wa-
shington Luís, e o diretor dos serviços sanitários estaduais, Artur Neiva, adoeceram.
33
Ao contrário dos dirigentes dos serviços sanitários, que perderam prestígio com
a epidemia, como Carlos Seidl, que se demitiu depois de cinco anos como diretor da

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Um segundo elemento importante é a crescente preocupação, naci-


onal e internacional, com o caráter endêmico da febre amarela nas regiões
Norte-Nordeste, com eventuais surtos epidêmicos. A ameaça da febre
amarela revelou sérios problemas de relacionamento político-sanitário en-
tre estados.
Nesse contexto, o deputado Azevedo Sodré fez um requerimento
pedindo informações ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores so-
bre a presença da febre amarela no litoral brasileiro e sobre as medidas
que haviam sido tomadas pelo governo (AC, 18.a sessão, 27-5-1919). O
caso da Bahia era grave porque, segundo o noticiário, o governo estadual
insistia em negar a existência de focos de febre amarela e em recusar
auxílio federal. A resposta do MJNI reconhecia a presença endêmica da
febre amarela e notificava o envio de comissões médicas a alguns estados,
além de ter declarado suspeito o porto da Bahia em 25-4-1919, e de
preparar o combate à febre amarela, simultaneamente, em vários estados
do Norte e Nordeste, na perspectiva de erradicá-la. Cabe frisar que a
resposta do Ministério reconhecia a complexa rede de interdependência
criada por uma doença que, historicamente, apavorava o país e tornava
cada vez mais pública a responsabilidade para com a saúde:

É certo que, pelo nosso direito escrito, o serviço de higiene nos


Estados é da competência destes, mas não é menos certo que essa
questão da febre amarela assume no momento um caráter que lhe
faz perder a feição particularista para assumir um aspecto mais ge-
ral, visto como afeta interesse interestadual e até internacional. Daí,
o deixar de ser um caso de interesse puramente local para envolver
um interesse nacional a cujo respeito cabe a União providenciar
(AC, 26.a sessão, 9-7-1919).

DGSP, os médicos ganharam a estima de parlamentares por terem trabalhado abnegada


e graciosamente nos serviços de atendimento à população, montados emergencialmente
no DF, no que foram auxiliados por profissionais de outros estados, vindos ao Rio para
um congresso médico (Chagas, 1919; Chagas Filho, 1993, Fontenelle, 1922). O senador
Alfredo Ellis homenageou em discurso os mais de cinquenta médicos mortos entre outu-
bro e novembro de 1918 (AC, 18-11-1918).

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A impossibilidade de soluções locais, dado o caráter endêmico da


febre amarela, reescrevia, na prática, a configuração constitucional de 1891.
Mesmo que a intervenção federal fosse tratada como episódica, na ver-
dade, ela foi se constituindo ao longo do tempo, como ação permanente.
Isso se tornou crescentemente desejável para uma incipiente, porém emer-
gente, burocracia da saúde pública, mas também, e decisivamente, para
algumas unidades da Federação que não tinham recursos materiais e téc-
nicos para resolver seus problemas sanitários, assim como para aquelas
que, mesmo dispondo desses recursos, se viam ameaçadas pelas péssimas
condições sanitárias de outros estados.
A situação era considerada tão grave que, mesmo para alguns de-
putados da Bahia — um estado que se orgulhava de sua tradição médica
—, como o médico e professor Rodrigues Lima, dever-se-ia “abandonar
essas pequenas superstições de autonomia” e apoiar a intervenção federal
nos estados em matéria de saúde e saneamento.34 O problema era que os
próprios serviços sanitários federais estavam desaparelhados, além de não
receberem recursos adequados (AC, 2-7-1919). O maranhense Luís
Domingues, ao discorrer sobre o trágico quadro sanitário de seu estado,
afirmava que o problema era nacional:

[. . .] não temos a lepra maranhense, a febre amarela baiana, a tu-


berculose carioca, a cura interessa por igual a todo o país (AC, 98.a
sessão, 11-10-1919).

Este argumento era compartilhado pelos representantes dos elos


mais frágeis da Federação: a política de combate às endemias e epidemias
deveria ser implementada pela União, independentemente de quanto cada
estado pudesse contribuir, já que justamente seriam os mais pobres os
mais afetados (ibidem). As regiões mais atingidas pelas endemias entra-
vam em um círculo vicioso de doença e miséria econômica. A condição
para romper com essa situação seriam ações de saneamento realizadas e
financiadas pelo Governo Federal.
34
Para uma discussão sobre a tradição médica baiana e o seu papel como um dos
fatores de inibição de movimentos de inovação científica e institucional em saúde públi-
ca, ver Castro Santos (1987, cap. V).

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O então diretor-geral da DGSP, Teófilo Torres, reconhecia que a


palavra “intervenção” era um tanto pesada, para ser aceita pelos estados.
Tudo seria mais simples se, como sugeriu, a substituíssem por “auxílio”.
Para tanto, solicitou ao Legislativo providências para que a União pudes-
se cooperar com os estados (Torres, 1919b, pp. 82-3). Ainda em 1919,
todos os estados do Nordeste, à exceção de Pernambuco e Piauí, reivin-
dicaram auxílio federal para combater a febre amarela, nos moldes da
comissão federal enviada ao Espírito Santo, em 1917, e a Bahia requereu
um auxílio mais limitado (Fontenelle, 1922, p. 55-6).
O episódio da gripe espanhola e a permanente ameaça da febre
amarela revelam duas dimensões do problema da interdependência. A
tragédia causada pela influenza, em fins de 1918, foi um evento único,
mas, porque dramático, acentuou a percepção da interdependência so-
cial e da fragilidade individual diante de uma epidemia. A ameaça
da febre amarela por conta da sua presença endêmica em certas áreas do
país aguçava a compreensão das elites estaduais da interdependência
territorial e do perigo do problema continuar sob a responsabilidade dos
estados.
A falência dos serviços sanitários significaria, nessa linha de argu-
mentação, a necessidade de sua reforma e ampliação, e a extensão de sua
autoridade. Historicamente, epidemias como a de cólera e a de febre
amarela impulsionaram fortemente movimentos de reforma sanitária em
vários países (Duffy, 1971; Fraser, 1984; Rosenberg, 1987). Mas seu im-
pacto, por si só, não assentaria nem o conteúdo nem a direção da reforma,
nem mesmo garantiria o crescimento do Poder Público. Isso seria defini-
do não apenas pela experiência da tragédia mas, e principalmente, pela
política.35

35
A aparição de epidemias gera também enormes desconfianças em relação à
capacidade do Poder Público de proteger a sociedade. Isso manifestou-se no supracitado
debate parlamentar sobre a gripe espanhola. Judith W. Leavitt (1976), analisando a epi-
demia de varíola em 1894, doença evitável por vacinação, na cidade de Milwaukee,
Wisconsin (EUA), mostrou que uma epidemia gera insatisfação social e reações políticas
que podem acabar por reduzir os poderes da autoridade sanitária. Este foi o caso do
Departamento Municipal de Saúde de Milwaukee, que caiu em descrédito. O efeito des-
sa epidemia de varíola foi a reversão na tendência de ampliação do poder da autoridade
sanitária municipal (pp. 553-4).

129
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3.5. Propostas, debates e decisões. III — Depois da epidemia

Durante a curta presidência de Delfim Moreira (15-11-1918–28-


-7-1919), foram efetuadas importantes modificações nos serviços sani-
tários federais. Pelo Decreto n.o 13.358 (9-4-1919), foi criado o Serviço
de Profilaxia Rural (SPR), subordinado ao MJNI e não mais à DGSP,
cujas atribuições eram mais amplas do que as previstas pelos decretos de
1918. Por seu intermédio, os estados poderiam receber mais auxílio do
poder central, uma reivindicação dos representantes das unidades mais
pobres da Federação (Brasil, 1920, vol. II, pp. 393-7). Aplaudida pela
ANM e pela Liga Pró-Saneamento, a retirada desse serviço da órbita da
DGSP foi considerada uma aberração por médicos envolvidos com os
serviços sanitários e por algumas instituições profissionais, como a Socie-
dade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro (Labra, 1985, p. 119).
Esse formato seria tolerável como uma estratégia para implementação de
serviços de saneamento e profilaxia rural, sem ter de esperar por uma
reforma geral da saúde pública (Fontenelle, 1922, p. 64).
O ministro da Justiça e Negócios Interiores do Governo Delfim
Moreira, Urbano Santos, nomeou uma nova comissão — que agora dei-
xava de ser exclusivamente médica — para estudar a organização dos
recém-criados serviços de profilaxia rural.36 Esta comissão voltou a suge-
rir ao Governo a criação do Ministério de Saúde Pública, citando ainda
trechos do relatório de 1917, da comissão da ANM. Havia diferenças
entre as duas comissões — a recém-criada acentuava ainda mais a neces-
sidade de autonomia técnica e financeira, para que os novos serviços sa-
nitários federais exercessem sua autoridade eficientemente, o que seria,
segundo ela, impossível, com a saúde pública subordinada ao MJNI. Pela
segunda vez, o Executivo federal solicitava estudos e recebia a recomen-
dação de criar um Ministério da Saúde Pública.

36
Incluía o professor de engenharia sanitária da Escola Politécnica, Domingos da
Silva Cunha, e um jurista, Clóvis Beviláqua. Outros membros eram o presidente da ANM,
Miguel Couto, o diretor do Instituto Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, os professores Ro-
cha Faria (presidente da comissão) e Afrânio Peixoto, o diretor da Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro, Aloísio de Castro, e o diretor da DGSP e inspetor sanitário federal,
Teófilo Torres. Ver Couto (1919) e Fontenelle (1922).

130
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Em seguida ao decreto que criou o SPR, a Liga Pró-Saneamento do


Brasil divulgou um plano mais objetivo de “organização sanitária nacional”,
em comparação às demandas gerais por mais Poder Público, de anos ante-
riores. A Liga pleiteava um Ministério da Higiene e Saúde Pública ou,
como este parecia ser pouco viável politicamente, um Departamento Naci-
onal de Saúde, “técnico e autônomo” e “com largas atribuições e vastos
elementos de ação em todo país” (Penna, 1919a, pp. 101-2). O Serviço de
Profilaxia Rural seria a primeira etapa para uniformização e unificação de
todos os serviços de saúde pública no país. Inicialmente se padronizaria os
serviços que, em seguida, seriam agrupados em um de-partamento nacional
e, mais à frente, em um ministério, que teria mais e maiores atribuições.
Essa organização nacional não seria empecilho para que estados e municí-
pios criassem seus serviços sanitários e um regulamento federal estabele-
ceria a relação entre eles. O mais importante não era mais a estrutura
organizacional a ser escolhida, mas a sua amplitude.
Essas manifestações por reforma sanitária e por inovações nos ser-
viços sanitários, que já vinham ocorrendo ao longo da década, e que ga-
nharam saliência com o diagnóstico do Brasil doente, com as epidemias
ou ameaças de surtos epidêmicos, encontraram uma nova perspectiva a
partir da posse de Epitácio Pessoa — oriundo de um estado não central
no pacto oligárquico, a Paraíba — como presidente da República, em 28-
-7-1919. Seu mandato foi palco da primeira grande reforma na saúde
pública, desde 1903, e inaugurou um novo ciclo de ampliação do Poder
Público.37
Em mensagem enviada ao Congresso, em setembro de 1919, Pes-
soa propôs uma reorganização geral dos serviços de saúde, certamente
inspirado nas ideias que vinham sendo apresentadas ao Congresso e ao

37
Sobre a eleição de Epitácio Pessoa, como “fórmula de compromisso”, e seu man-
dato (1919–1922), ver Bello (1956) e Carone (1974). Os problemas econômicos e finan-
ceiros do governo estão em Fritsch (1989, pp. 41-50). É importante assinalar que as
políticas de saneamento, que se ampliaram nacionalmente no período, têm íntima relação
com o enorme empenho de Pessoa em realizar obras contra as secas na região Nordeste,
entre 1920 e 1922, principalmente a construção de açudes, estradas e portos, com a
contratação de empresas norte-americanas que tiveram, também, problemas com a febre
amarela e a malária. Segundo Robert Levine, esse teria sido o único esforço relevante de
gastos com obras públicas na região, durante a Primeira República (Levine, 1985, p. 151).

131
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Governo Federal, desde 1916, pela imprensa e por grupos de pressão,


como a Liga Pró-Saneamento, pela ANM e suas comissões, e pelos re-
presentantes das oligarquias das unidades federativas sem capacidade téc-
nica e financeira para lidar com os problemas de saúde pública, entre as
quais o seu próprio estado, a Paraíba. Foi a primeira e mais detalhada
manifestação de um presidente sobre saúde pública, desde Rodrigues
Alves. O texto presidencial é o melhor resumo dos muitos argumentos
que vinham sendo expostos desde a frase de Miguel Pereira e das várias
propostas de reforma que se seguiram. É, também, uma evidência do
sucesso da difusão de um diagnóstico sobre o país e sobre a necessidade
de uma reforma sanitária. Ele consagrou o tema da saúde pública nas
preocupações e intenções expressas publicamente pelo Executivo em suas
mensagens ao Legislativo.38
O recém-empossado presidente solicitou ao Congresso Nacional
autorização para uma reforma geral dos serviços sanitários com a criação
de um Ministério da Saúde e Instrução Pública. Mais do que uma sim-
ples modificação organizacional, a proposta de Pessoa significava a uni-
formização, unificação e centralização da saúde pública, diante do fra-
casso do arranjo existente, que se mostrava insuficiente para fazer face
aos enormes problemas de saúde pública. Todavia, sabedor das dificulda-
des que enfrentaria, ressalvava indispensabilidade de se ampliar os pode-
res da autoridade sanitária federal, independente do formato institucional
a ser adotado (AC, 85. a sessão, 24-9-1919).
Segundo o presidente, não haveria sobrecarga no orçamento da
União, já que a estratégia era reunir os serviços dispersos em vários mi-
nistérios no novo órgão, além da possibilidade de criação de um fundo
sanitário e de financiamento nos moldes do projeto de Sodré. Ainda con-
forme o presidente, a ampliação da competência das autoridades sanitá-
rias demandaria mais recursos que, por sua vez, poderiam ser gerados em

38
O espaço dedicado à saúde e ao saneamento em mensagens presidenciais cres-
ceu de um ou dois parágrafos, ao longo dos anos de 1910, tratando quase exclusivamente
de febre amarela e das condições sanitárias do DF, para uma posição de destaque, abor-
dando inúmeros temas e problemas relativos à saúde e ao saneamento, especialmente as
de Epitácio Pessoa e Artur Bernardes. Ver Brasil (Presidente, 1919-1922 (Delfim Moreira
e Epitácio Pessoa), 1978; Presidente, 1923-1926 (Artur Bernardes), 1978.

132
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parceria com os estados ou por qualquer outro mecanismo sugerido pelo


Congresso.
Epitácio Pessoa resumiu, assim, a dificuldade enfrentada pelo país
para se proteger da doença que se pega a partir de políticas locais:

Os estados da União, ou pelo menos a sua grande maioria, ainda


quando possuam a necessária capacidade técnica em assuntos sa-
nitários, não dispõem de recursos financeiros que autorizem medi-
das largas e eficazes. Além disto, sem unidade de métodos científi-
cos, sem ação uniforme em todo o país, muitos dos problemas não
poderão senão encontrar soluções incompletas e transitórias. Qual
seria, por exemplo, o alcance de medidas profiláticas locais contra
uma doença infectocontagiosa, se em zonas limítrofes, com vias fá-
ceis de comunicação, a mesma doença pudesse grassar sem o obstá-
culo dessas medidas? (ibidem).

Ao final de sua mensagem, o presidente da República sugeria um


arranjo que poderia viabilizar a reforma. Lembrando que alguns estados
já tinham percebido as vantagens de se estabelecer acordos com o poder
central para “a defesa de seus interesses sanitários”, afirmava ter certeza
de que os chefes dos demais estados colaborariam ou pelo menos não se
oporiam a “uma solução racional, em todo território nacional, dos graves
problemas de saúde pública” (ibidem). Isto dependeria das relações a se-
rem estabelecidas pela reforma entre a União e os estados.
A iniciativa presidencial levou alguns deputados a afirmar, como o
amazonense Monteiro de Souza, que “a ideia está vencedora e não há
pois necessidade de ser justificada” (AC, 100.a sessão, 14-10-1919). A
mensagem presidencial transformou-se no Projeto n.o 576, que criava
um Ministério de Instrução e Saúde Pública. Seu relator, o deputado
sergipano Rodrigues Dória, também professor da Faculdade de Medici-
na da Bahia, apresentou um entusiasmado parecer positivo à Comissão
de Saúde Pública (AC, 22-10-1919).
O projeto, aprovado pela Comissão de Finanças, encontrou obstá-
culos na Comissão de Saúde Pública, em particular a proposta de criação
de um Ministério. A negativa se fez, também, com um voto em separado

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de Teixeira Brandão. Segundo ele, seria impossível, dada a complexidade


do empreendimento, centralizar todos os serviços vinculados à saúde
pública em um único departamento administrativo. Mesmo para um jor-
nal como O Paiz, que manifestara apoio à campanha pelo saneamento,
não havia lógica em vincular uma política de saneamento à “[. . .] criação
de um novo núcleo burocrático no aparelho administrativo da União”
(apud AC, 18-11-1919).
O voto e parecer contrário de Brandão baseava-se na necessidade
de respeito à Constituição e na complexidade dos serviços de saúde. Além
disso, acreditava que o caráter coercitivo da legislação de higiene faria
com que o melhor fosse a sua manutenção no Ministério da Justiça, en-
quanto o Legislativo não deveria abdicar de sua prerrogativa de legislar
sobre higiene e saúde. Este era um ponto importante para o seu argu-
mento. A legislação sanitária implica coerção e restrição do direito indi-
vidual, em nome da coletividade, por isso, mesmo as medidas de higiene
(contra as moléstias infectocontagiosas) deveriam ser “impostas pelo
Congresso, sob a forma imperativa da lei, e fiscalizadas pelas autoridades
federais” (AC, 29-11-1919).
Os votos contrários dos demais membros da Comissão de Saúde
Pública expressavam que, com a reforma sanitária, estava em jogo a pe-
netração do poder central, via política de saúde e saneamento, em redu-
tos representados no Legislativo Federal. Isto é sugerido quando surgem
críticas à incongruência de um projeto que incorporaria os serviços sani-
tários urbanos ao novo ministério. Afinal, o objetivo principal era sanear
o interior. Também preocupava a possibilidade de se criar uma enorme
organização burocrática, com muitos cargos a serem preenchidos e com
larga capacidade de ação nas cidades e no interior, sem exigência para que
consultasse os poderes locais e o Congresso Nacional (AC, 138.a sessão,
29-11-1919).
Entretanto, vários membros da comissão que acompanharam o voto
de Teixeira Brandão contra o projeto Pessoa-Dória apresentaram proje-
tos substitutivos — entre eles o próprio Brandão —, para reorganizar e
ampliar os serviços de saúde pública. A proposta de Teixeira Brandão foi
justificada como uma alternativa de reforma: dever-se-ia encontrar um
ponto de equilíbrio em que se pudesse garantir a autonomia estadual e,

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ao mesmo tempo, a ampliação dos serviços sanitários federais. Alguns


poucos deputados, como o gaúcho Domingos Mascarenhas, insistiram, e
foram derrotados, na tentativa de introduzir no corpo da reforma dos
serviços sanitários federais uma salvaguarda de que ações terapêuticas e
profiláticas não seriam impostas contra a vontade dos cidadãos e suas
crenças, preservando, assim, a liberdade individual garantida pela Cons-
tituição (AC, 129.a sessão, 18-11-1919). De certa forma, Mascarenhas
repetia um argumento de cunho positivista que ecoara durante as refor-
mas da legislação sanitária no início do século. Entretanto, quase duas
décadas mais tarde, a tentativa de limitar a ação coerciva da autoridade
em relação a doenças infectocontagiosas não encontraria muitos adeptos
no Congresso Nacional. De um lado, o Estado avançara na sua capaci-
dade de agir coercivamente sobre a sociedade, de outro, a consciência da
interdependência sanitária encontrava-se difundida entre as elites políti-
cas. A questão central da política de saúde pública seria não tanto como
lidar com o caráter compulsório do exercício do Poder Público, mas com
a sua dimensão territorial.
Apesar da oposição à criação de um ministério, ao aumento da
burocracia, ao crescimento da competência do Governo Federal e à perda
de poder do Congresso para legislar sobre saúde e saneamento, a reforma
dos serviços sanitários tornou-se um tema nacional, com crescente apoio
no Legislativo e na opinião pública.39 Ampliavam-se as manifestações
defendendo que caberia ao Poder Público a responsabilidade de prote-
ger a saúde da população. As propostas de solução continuaram polêmi-
cas porque diziam respeito às relações entre diferentes esferas de gover-
sno, entre o Poder Executivo e o Legislativo e entre autoridade pública e
sociedade.
Os substitutivos ao projeto Pessoa-Dória indicavam que a reforma
não seria aquela sonhada pelo Executivo e pelos militantes do saneamen-
to rural, mesmo porque os que demandavam a reforma da saúde, e um
ministério, logo perceberam que um arranjo específico não se deveria

39
Uma leitura dos Anais da Câmara dos Deputados, a partir de 1916, não deixa
dúvidas de que o diagnóstico sobre as condições sanitárias do país foi deixando de ser
polêmico para ser compartilhado pela maioria do Legislativo Federal.

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constituir em um obstáculo à reorganização dos serviços sanitários federais.


Ao mesmo tempo, se os projetos substitutivos não concordavam com mais
um ministério, com a inclusão de alguns serviços e atividades no novo órgão
e com o grau de autonomia em relação ao Legislativo e aos chefes estadu-
ais, tinham muitas semelhanças entre si e em relação ao projeto Pessoa-
Dória, notadamente no que diz respeito às bases de financiamento dos
serviços de profilaxia e saneamento rural, objeto de discussão do próximo
capítulo. Essas propostas também convergiam porque não se deram sobre
um arranjo institucional estático, mas incorporavam mudanças institucionais
e de percepção do problema que já vinham ocorrendo ao longo da década.
Os mesmos deputados que rejeitaram os projetos de Azevedo Sodré
e do Executivo de criação de um Ministério da Saúde Pública convergi-
riam na sugestão de fundar um novo organismo federal com poderes
bem mais amplos que a DGSP, revertendo também a municipalização
dos serviços de higiene do DF, implementada pela legislação de 1914.
Com parecer positivo da Comissão de Saúde Pública, foi encaminhado
para votação em 24-12-1919 um substitutivo criando o Departamento
Nacional de Saúde Pública (DNSP), subordinado ao Ministério da Jus-
tiça e Negócios Interiores, aprovado pelo plenário da Câmara por 112
votos a favor e nenhum contra. Depois de vários pedidos de urgência,
algumas emendas e rápida votação no Senado, a redação final do projeto
foi aprovada no penúltimo dia do ano de 1919, transformando-se no
Decreto n.o 3.987, publicado em 2-1-1920. Esse novo departamento inau-
gurava uma nova etapa no desenvolvimento de políticas de saúde pública
e de saneamento no Brasil.40

40
O projeto aprovado organizava o DNSP com uma diretoria-geral (médico no-
meado pelo presidente da República) e três diretorias: de Serviços Sanitários Terrestres
na Capital Federal; de Defesa Sanitária Marítima e Fluvial e de Saneamento e Profilaxia
Rural, reincorporada ao órgão sanitário federal. O DNSP abrangeria as seguintes ativida-
des: serviços de higiene no DF (profilaxia geral e específica das doenças transmissíveis);
providências visando à higiene domiciliária; polícia sanitária das habitações, fábricas, ofi-
cinas, colégios, estabelecimentos comerciais, hospitais, matadouros, lugares públicos, ho-
téis, etc.; serviços sanitários dos portos marítimos e fluviais; profilaxia rural no DF, no
território do Acre e, mediante acordo, nos estados; estudo e pesquisa científica da nature-
za, etiologia, profilaxia e tratamento das doenças transmissíveis; fornecimento de soro,
vacinas e remédios para o tratamento das doenças e epidemias, em qualquer região do

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4. Considerações finais

Meu objetivo neste capítulo foi analisar o processo político que re-
sultou na reorganização dos serviços sanitários federais em 1920. Os mili-
tantes do saneamento esperavam que a reforma fosse uma decorrência
natural da descoberta de que o país era um imenso hospital e da completa
ausência de Poder Público. Essa reforma implicaria unificação e centraliza-
ção dos serviços de saúde pública, na esfera federal, alterando as relações
entre estados e Governo Federal, estabelecidas pela Constituição, adap-
tando-as às exigências da natureza infectocontagiosa da maior parte das
doenças que assolavam o país.
Indiquei que a percepção da interdependência sanitária se difundi-
ra entre as elites políticas, que passaram a reconhecer a responsabilidade
governamental para com os mais variados problemas de saúde pública e
não apenas para com ações emergenciais de combate a epidemias. Toda-
via, isso não significou uma adesão à reforma demandada pelos médicos
e suas instituições, e que teria como forma organizacional preferencial o
Ministério da Saúde Pública e como principal virtude a franquia para
agir sobre todas as regiões do país.
Por outro lado, ao ficar manifesto que ninguém mais poderia ale-
gar ignorância em relação ao quadro sanitário nacional, descontados quais-
quer exageros retóricos, cresceu a pressão por ações governamentais, em
especial na área de saneamento rural. Foram desenvolvidas interpreta-
ções menos ortodoxas do texto constitucional, em especial um desapego
à abordagem fundamentalista de seu artigo 5.o que tratava das atribuições

país; fiscalização do preparo desses produtos nos laboratórios particulares; fornecimento


dos medicamentos oficiais por intermédio do Instituto Oswaldo Cruz; exame químico
dos gêneros alimentícios nacionais e de procedência estrangeira; inspeção médica de imi-
grantes e passageiros que se destinassem a portos da República; assistência aos doentes
que, no DF, devessem ser isolados; organização das estatísticas demográfico-sanitárias e
publicação dos respectivos boletins; fiscalização de esgotos e novas redes no DF; fiscaliza-
ção de produtos farmacêuticos, soro, vacinas e qualquer outro produto biológico exposto à
venda; fiscalização do exercício da medicina, farmácia e odontologia; organização do Código
Sanitário Nacional, que deveria ser submetido à aprovação do Congresso Nacional (Bra-
sil, 1921, vol. I, pp. 1-7). Comparando com a DGSP (ver nota 8 deste capítulo) fica
evidente a ampliação da autoridade sanitária federal.

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dos estados e da União. Surgiram proposições de mudanças, que partiam


da reinterpretação da Constituição ou que buscavam mecanismos para
simplesmente contorná-la, evitando as alterações constitucionais ou a ne-
cessidade de beneplácito do Legislativo, como os decretos do Executivo
criando a Quinina Oficial, o Serviço de Profilaxia Rural e instituindo a
possibilidade de acordos com os estados para o saneamento rural. Se a
Constituição de 1891 manteve-se intacta até a emenda constitucional de
1926, na prática estava sendo reescrita ao longo da Primeira República,
pelas respostas dadas aos desafios impostos pela interdependência.
Procurei mostrar aqui o desenvolvimento da responsabilidade pú-
blica, no que tange à saúde e ao saneamento ao longo das duas primeiras
décadas republicanas, em especial, a ênfase na dimensão compulsória do
Poder Público. O processo político objeto de minha análise já encontrava
a autoridade sanitária insinuando-se no sentido de ampliar seu campo de
ação. Se o debate no início do século deu-se em torno dos limites do
poder coercitivo do Estado, na década de 1910, centrou-se em como
administrar os efeitos negativos da interdependência, em face de uma
interpretação constitucional sobre a responsabilidade local em saúde e
saneamento. Aos poucos, foram perdendo força as interpretações jurídi-
cas e as demandas mais radicais, tendo em vista produzir um arranjo
nacional que não ameaçasse a Federação, mas que pudesse agir nos esta-
dos que fossem incapazes de organizar seus próprios serviços sanitários
ou onde, se organizados, seriam tão precários que não conseguiriam con-
ter epidemias e endemias, podendo ainda exportá-las para outros lugares.
A febre amarela e a pandemia da gripe atualizaram essa percepção de
mútua dependência e facilitaram uma coalizão reformista. O que antes
parecia impensável, uma ampliação dos poderes da autoridade sanitária
federal, foi viabilizada pela iniciativa do Executivo e através da institui-
ção que reunia a representação das elites políticas estaduais. Ao final do
processo, o Legislativo autorizou o Governo Federal a promover uma
reforma na saúde pública.
A reforma foi o resultado de um acordo político que envolveu um
grande número de pactuantes, os quais abriram mão, gradativamente, de
suas posições dogmáticas iniciais, fossem baseadas na Constituição, no
conhecimento médico ou na penúria financeira. Considerando a inexis-

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tência de votos em contrário, as manifestações de que o desenho insti-


tucional seria irrelevante e as propostas de criação de um Departamento
Nacional que não violaria a constituição e a convergência das propostas,
todos — Executivo Federal, bancadas e governos estaduais, movimento
sanitarista e entidades médicas — acreditavam terem sido contemplados
por esse acordo. Alguns apostavam que essa era apenas mais uma etapa
do inevitável processo de unificação e centralização dos serviços sanitá-
rios na esfera federal; outros acreditavam que tinham evitado o aumento
exagerado da capacidade de intervenção da União e a perda de prerroga-
tivas do Legislativo. No confronto entre os interessados houve uma de-
cantação política das posturas iniciais.
Importantes militantes da campanha pelo saneamento foram alça-
dos aos principais cargos da nova organização sanitária federal. Carlos
Chagas, que tinha sido nomeado para a DGSP, em 1.o-10-1919, e parti-
cipara ativamente da negociação no Legislativo, foi indicado para ser o
diretor-geral do novo Departamento, acumulando com a direção do Ins-
tituto Oswaldo Cruz. O líder da Liga Pró-Saneamento, Belisário Penna,
delegado de saúde da finada DGSP, assumiria, justamente, a Diretoria de
Saneamento e Profilaxia Rural. Já Raul de Almeida Magalhães, que tra-
balhara com Penna nos postos de profilaxia do DF, foi nomeado para a
Diretoria de Serviços Sanitários Terrestres. Teófilo Torres e Plácido Bar-
bosa são outros dois nomes importantes do movimento que assumiram
cargos em Inspetorias do DNSP. Mesmo que o DNSP não fosse a solu-
ção desejada inicialmente, acreditavam que poderiam pôr suas ideias em
prática, a partir da direção da nova agência federal. Assim, declararam
encerradas, nesse ponto, as atividades da Liga Pró-Saneamento do Bra-
sil, uma vez que o seu programa tinha sido “adotado pela nação” (Penna,
1922, p. 11; 1923).
Ressalto que, assim como esses debates e conflitos tiveram início
com a própria República, e se intensificaram com a campanha pelo sanea-
mento rural, certamente não terminaram com a criação do DNSP. Trata-
va-se de uma etapa, significativa, na constituição de arranjos nacionais e
compulsórios para lidar com as externalidades das doenças transmissíveis.
A contenda em torno da autoridade sanitária federal ganhou uma outra
qualidade, justamente com a ampliação de seus poderes, a partir de 1920.

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A coalizão inicial que possibilitou a decisão legislativa de reformar os servi-


ços sanitários não resistiria à sua implementação. O desenvolvimento dos
serviços de profilaxia rural em várias partes do país imporia novos desafios
ao Poder Público.
Observando as manifestações do período, somos levados a acreditar
que se produziu um inesperado resultado político em que todos se consi-
deraram vitoriosos. Todos assumiram a paternidade da nova estrutura. Assim
sendo, sugiro que a compreensão da lógica e conteúdo da decisão, e o seu
impacto político, revelará a ponte que une a consciência social a uma coali-
zão de interesses que sustenta a decisão de produzir proteção social por
intermédio da autoridade pública. Isso significa compreender quais foram
as escolhas possíveis, as decisões tomadas e as avaliações que as funda-
mentaram. Afinal, como a política da doença que se pega gerou essa ampla
coalizão em torno dessa reforma específica, tão longe da idealizada e agra-
dando a tantos? Como foi possível ampliar os serviços sanitários federais,
apesar do apego à Constituição e do desinteresse, quando não da resistên-
cia, de bancadas mais ciosas da autonomia de seus estados? Nos termos de
Miguel Pereira, por que o Brasil não seria um hospício? As respostas a
essas perguntas são os empreendimentos dos dois próximos capítulos.

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Capítulo 4
SOBRE O ENCONTRO DA CONSCIÊNCIA
COM O INTERESSE: UMA POLÍTICA PÚBLICA
E NACIONAL DA SAÚDE
♦♦♦

1. Introdução
[. . .] a facilidade com que os estados do
Amazonas, Pará, Maranhão, Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco,
Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Santa
Catarina e Mato Grosso aceitaram acor-
dos, para os serviços de saneamento e
profilaxia rural, prova como o terreno
está preparado para a organização de
uma repartição unitária de Saúde Pública
— J. P. F ONTENELLE, 1922.

A
rápida adesão dos estados à política de saneamento e profilaxia
rural dirigida pelo, então, recém-reformado serviço sanitário
federal era motivo de alento para José Paranhos Fontenelle, um
importante médico dos serviços de saúde pública. Na verdade, em ape-
nas dois anos de reforma, os argumentos sobre autonomia estadual,
burocratização, ineficiência e desperdício, correntes no Legislativo fede-
ral, foram substituídos pela presença da Diretoria de Saneamento e
Profilaxia Rural, do DNSP, em três quartos das unidades da Federação.
Este capítulo pretende responder à seguinte questão: Como e por que se
deu essa rápida conversão que, segundo entusiastas da reforma sanitária,
seria mais um passo para a futura unificação e centralização dos serviços
sanitários em todo o país?

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Para iniciar esse empreendimento recorro a um conto de Charles


Dickens. Em Nobody’s story, Dickens descreve o relacionamento entre
um trabalhador pobre e o seu patrão, tendo como pano de fundo uma
epidemia, provavelmente de cólera. Como terceiro elemento, a vizinha
família Bigwig, que parlamentava muito sobre as condições de vida do
trabalhador, porém nada fazia para modificá-las.
A epidemia matara parte da família desse trabalhador para, logo
depois, vitimar a jovem esposa e o único filho do patrão. De forma exem-
plar, Dickens descreve a conversa dos enlutados. Ao receber a solidarie-
dade de seu empregado, o patrão culpa-o pela tragédia, devido às suas
precárias condições de vida e à sua moralidade duvidosa. O trabalhador
responde que calamidades e epidemias ocorreriam enquanto não lhe
fossem dados os meios para que ele superasse a ignorância, a miséria, a
sujeira, etc. As terríveis consequências da situação de carência continuariam
atingindo muitas outras pessoas em numerosos e longínquos lugares, até
o dia em que a família Bigwig resolvesse agir, em vez de apenas falar.
Para o trabalhador pobre e iletrado, um ninguém como ele só seria
notado quando os seus problemas tivessem consequências para os vizi-
nhos. Sentindo-se ameaçados pela epidemia que grassava ao seu lado, e
sensibilizados pelos argumentos do trabalhador, os Bigwigs resolveram
agir para combater a pestilência. A história termina de forma melancóli-
ca: passados o medo e a ameaça da epidemia, tudo ficou esquecido sem
que nada de prático houvesse sido realizado. A família vizinha retornou
às suas intermináveis e infrutíferas discussões, até que uma nova epide-
mia por fim abatesse sobre eles. Mesmo assim, narra Dickens, os mem-
bros da família Bigwig que foram vitimados morreram acreditando que
nada tinham a ver com o ocorrido. E o trabalhador viveu e morreu da
“velha maneira”, como um ninguém (Dickens, 1971).
Este conto, escrito em meados do século XIX e tendo como con-
texto uma das epidemias de cólera que afligiram a Europa e os Estados
Unidos, revela de forma exemplar uma situação triangular, na qual uma
epidemia estreita a relação entre destituídos, elites sociais e elites políti-
cas. Especialmente a partir do século XIX, as doenças contagiosas e suas
epidemias estimularam políticas emergenciais, surtos de solidariedade e

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ações públicas mais permanentes. A percepção de que as péssimas con-


dições de vida de alguns tinham efeitos sobre outros mais afortunados
passa a ser acompanhada da demanda por ações de prevenção e proteção,
que removessem ou remediassem a situação produtora desses efeitos ne-
gativos. A epidemia seria uma situação extrema, na qual se ouvia falar
daqueles desconhecidos, dos que nada possuíam. Porém, a solidariedade
promovida pelos efeitos externos de um surto epidêmico, por si só, não
garantiria a produção de ações públicas. E, mesmo que isso ocorresse,
também não haveria garantias de sua continuidade. A consciência social
poderia, ou não, gerar políticas e instituições. Observador das mazelas
sociais de seu tempo, Charles Dickens indica quando um problema indi-
vidual se torna um problema coletivo: a combinação que abriria as portas
para o Poder Público seria a coincidência entre obrigação cívica das elites
com os seus interesses materiais (Dickens, cf. Wohl, 1983, pp. 5-6).
Meu objetivo aqui é discutir como, por que, e em que circunstân-
cias, os atores relevantes assentiram com uma reforma sanitária contra a
qual resistiram por muito tempo, com bastante intensidade e tendo a
Constituição republicana a seu favor. A pergunta é: como se deu o en-
contro entre a preocupação social das elites políticas e seus interesses
particulares? A combinação entre consciência da interdependência social
e ciência das oportunidades gerou a adesão dos estados à política de sa-
neamento rural patrocinada pela autoridade sanitária federal e, conse-
quentemente, a ampliação da capacidade do poder central de agir sobre o
conjunto do país.
Como indiquei no capítulo anterior, a relação entre consciência
e/ou interesses e política pública não é mecânica, mas bastante mediada.
Nesse sentido, irei discutir por que, diante de determinadas políticas,
certas decisões se mostraram viáveis, e quais os seus conteúdos e impactos;
procurarei indicar como se deu o encontro entre consciência e oportuni-
dades, o qual viabilizou o surgimento de uma política de saúde pública.
Desenvolverei aqui o seguinte argumento: a formação de uma cons-
ciência social implicava a percepção coletiva da impossibilidade de uma
solução individualizada para os males públicos. Tal consciência emergiria
de diferentes dilemas cooperativos, enfrentados pelas unidades decisó-
rias relevantes de minha análise — os estados e seus representantes. Os

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custos percebidos do consumo de externalidades negativas estimularam a


discussão sobre a inviabilidade de formas de proteção exclusivamente
locais e a constituição de um arranjo cooperativo sob a coordenação do
poder central. Este se tornou possível porque foi organizado de forma a
oferecer incentivos — oportunidades de ganhos materiais e políticos, vis-
lumbrados a partir das novas atividades estatais — a todas as partes en-
volvidas. A viabilidade política do novo arranjo estaria depositada nas
regras específicas sobre como esses benefícios seriam distribuídos, ou
seja, no acordo sobre os custos que as partes cooperantes estariam dis-
postas a pagar para obtê-los, mediante recurso ao Poder Público federal,
e sobre como operacionalizar essa transferência de responsabilidades.
Assim, para todos aderirem a uma forma de proteção pública e
nacional, os custos dessa coletivização deveriam ser percebidos como in-
feriores aos custos da interdependência, ou menores do que os benefícios
da intervenção estatal. A política federal de saneamento e profilaxia rural
iniciada em fins da década de 1910 e ampliada nos anos 20 foi, ao mes-
mo tempo, instrumento e solução possível para os problemas de inter-
dependência sanitária da Federação brasileira. Uma das mais importan-
tes consequências dessa política, implementada pelo poder central, foi a
constituição e ampliação do poder da autoridade sanitária. Grada-
tivamente, esse processo alteraria por completo o contexto no qual se
dera a adesão dos estados, permitindo uma reordenação das relações en-
tre poder central e estados, e entre Estado e sociedade.
Na próxima parte, elaboro e apresento uma interpretação, derivada
da discussão empreendida no Capítulo 1, sobre as soluções para os pro-
blemas e impasses da interdependência sanitária e as condições necessá-
rias para a transferência de atividades públicas da esfera local para a na-
cional. Na terceira parte, testo a adequação do modelo interpretativo apre-
sentado, discutindo a reforma da saúde pública do final da década de
1910 e seus impactos a curto prazo. Na parte seguinte, ainda sob os
auspícios desse modelo, analiso os impactos da reforma da saúde pública
e os indicadores de expansão do poder central. Na quinta parte seguinte,
abordo as relações entre poder central e estados como consequência da
coletivização e nacionalização da saúde. Ao final, reviso os argumentos
gerais desenvolvidos no capítulo.

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2. O poder central como solução dos problemas sanitários

2.1. Sobre ineptos e incautos ou o perigo mora ao lado

Em 1918, uma política de prevenção do contágio, de isolamento e,


se possível, de tratamento de doentes com lepra, é apresentada no relató-
rio da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP). De forma bem clara e
breve, esse documento apontava para o enorme problema cooperativo
suscitado pela necessidade premente de construção de hospitais de isola-
mento para leprosos, ou, nos termos da época, as leprosarias. Que pro-
blema era esse? Seria necessário que todos os estados criassem seus le-
prosários, para evitar o trânsito de enfermos portadores da hanseníase
entre as unidades federativas. Do contrário, mesmo que apenas alguns
poucos governos estaduais falhassem nessa atribuição, os leprosos de es-
tados que, por inépcia ou incúria, não dispusessem de hospitais e serviços
especializados, procurariam e sobrecarregariam os dos estados que tives-
sem criado leprosários. Mais grave ainda seria o fato de que

[. . .] qualquer leprosaria fundada nesta Capital [DF] seria ime-


diatamente procurada pelos leprosos de todo o território nacional,
transformando-a assim em hospedaria de lázaros do Brasil (Tor-
res, 1919a, pp. 34-5).

Quase uma década depois dessa observação, o diretor do Departa-


mento Nacional de Saúde Pública de 1926-1930, o médico, professor e
político baiano Clementino Fraga, informava que metade dos leprosos da
Capital Federal não era ali domiciliada, aumentando os custos e os riscos
para a população local. Em geral, eram provenientes de estados vizinhos,
que não haviam cumprido a determinação do regulamento sanitário se-
gundo a qual doentes não poderiam ser transferidos de localidade sem
autorização das autoridades sanitárias de seu destino. Assim, reclamava

[. . .] que dos Estados nos são continuamente enviados novos


doentes, além dos muitos que espontaneamente se dirigem a esta

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capital, sem que disponha a Inspetoria [de Profilaxia da Lepra e


das Doenças Venéreas, do DNSP] de recursos para fazê-los voltar
à localidade de onde provieram (Fraga, 1928, pp. 9-10).

Essas citações revelam o dilema que envolvia as unidades compo-


nentes da Federação brasileira, em face de uma doença que, ao longo de
séculos, carregava fortes preconceitos e incompreensões, além de não ter
naquela época a sua etiologia, forma de transmissão e cura conhecidas.
Diante desse problema, em grande parte extensivo a outras doenças con-
sideradas transmissíveis, se uma, e apenas uma, parte cooperante falhasse
ou se sentisse isenta de cooperar, o resultado seria a imposição de custos
adicionais às demais e o desmoronamento de qualquer arranjo coopera-
tivo com prejuízos generalizados. Afinal, seria racional para uma unida-
de não colaborar e transferir os seus custos, isto é, os seus doentes, para
outras unidades que promovessem esses cuidados, ficando a primeira com
o benefício líquido. Porém, se todas as partes operassem com essa mesma
racionalidade, nenhuma política pública seria implementada ou, como
advertem as citações acima, os custos totais recairiam sobre os serviços
sanitários federais e sobre a capital do país, o que, em lugar de solucionar,
agravaria o problema. Diante disso, a solução aventada seria obrigar os
estados a desenvolverem políticas de cuidados com a hanseníase ou trans-
feri-los para o Governo Federal que já arcava, no Distrito Federal, com
grande parte desses custos.1

1
Em várias experiências nacionais, como por exemplo a dos EUA, a hanseníase
foi a primeira enfermidade a ser nacionalizada e submetida aos serviços federais, devido à
dificuldade explícita (e falta de vontade) dos estados de agir para isolar e tratar os enfer-
mos. A criação de uma leprosaria nacional na Luisiana foi autorizada em fins da década
de 1910, para abrigar e impedir a circulação de doentes de todo o país (Soviero, 1986). No
Brasil, houve um intenso debate a respeito de como isolar os doentes e impedir o seu
trânsito pelo território nacional. Ainda no final dos anos 20, a circulação de doentes
continuava sendo considerada um grave problema. Duas soluções estiveram em debate: a
criação de uma grande leprosaria nacional, para isolar todos os doentes em um mesmo
lugar, no estilo norte-americano (o lugar mais sugerido era a ilha Grande, no litoral do
Rio de Janeiro), ou a instalação de hospitais de isolamento em várias regiões do país,
dividindo espacialmente os doentes em várias lazarópolis. Algo próximo da segunda alter-
nativa começou a ser implementado sob a responsabilidade federal no esforço de nacio-
nalização das políticas de saúde pública, a partir de fins da década de 1910 (Araújo, 1927;
Sodré, 1920, pp. 39-43).

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Questão semelhante apareceria mais adiante, com o tema do contro-


le sobre a qualidade dos alimentos. Como os alimentos consumidos nos
centros urbanos, em especial na Capital Federal, eram crescentemente
importados de outros municípios e estados, colocava-se o problema da
capacidade fiscalizadora destes últimos em suas áreas produtoras. Não
havia garantias de que essa vigilância estivesse sendo exercida eficazmente,
em todos os lugares, e, assim, o produto de um estado ameaçaria a saúde
dos consumidores de outro. Como um estado não poderia exercer seu
poder fiscalizador em território alheio, nem à União seria facultado, sem
autorização, fazê-lo fora dos limites da Capital Federal, as autoridades
encontravam-se diante de um impasse, agravado pela constatação de que
estados e municípios, mesmo que o desejassem ou fossem obrigados, não
tinham capacidade técnica para fiscalizar a qualidade dos alimentos que
produziam. Essa fiscalização, além de ser uma atribuição municipal, tam-
bém estava a cargo de vários órgãos federais, como o Ministério da Agri-
cultura, o que dificultava ações coordenadas. A reivindicação apresentada
como solução natural pelos sanitaristas e dirigentes dos serviços sanitários
federais era que o Congresso unificasse e estendesse a autoridade fiscali-
zadora do Governo Federal para todo o país (Brasil-MJNI, 1923, p. 211).2
Dilemas não eram privativos da hanseníase nem do controle sobre
os alimentos. A febre amarela, citada aqui como o paradigma brasileiro

2
Uma situação específica ocorria com o controle do leite e da carne. Com o cresci-
mento das principais cidades do país, estábulos e abatedouros foram se transferindo para
municípios vizinhos, ou mais distantes, em geral menos aparelhados do que as grandes mu-
nicipalidades, para fiscalizar seu funcionamento. Os mesmos problemas de cooperação que
ocorriam no âmbito federal podiam ser encontrados nas relações intermunicipais, uma das
razões para uma estadualização das ações de saúde e higiene. A questão, já assinalada, é que
poucos estados tinham recursos técnicos e financeiros para exercer a fiscalização necessária,
e mesmo poder político para interferir nas áreas controladas por chefes locais. No Brasil, a
preocupação com o tema só ganharia atenção nacional na década de 1920, mesmo assim
de forma muito lenta e precária, tanto na regulamentação como na execução da reforma da
saúde pública, e muito mais a partir de um crescente destaque nas mensagens do Executivo
e de declarações e demandas de dirigentes e médicos dos serviços sanitários federais, nada
comparável, porém, ao movimento pelo saneamento rural. Esse caso se distancia bastante
da experiência norte-americana, em que o Congresso regulamentou, precocemente em
relação a outras políticas sanitárias, a produção e fiscalização de alimentos através do Food
and Drug Act, de 1906, responsabilidade entregue ao Departamento de Agricultura. Essa
legislação resultara de forte movimento de opinião pública, que incluía interesses comerciais,
reivindicando regulação federal do comércio interestadual de alimentos (Young, 1989).

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de interdependência sanitária, revelava outras faces de um complexo pro-


blema que documentos da época assinalavam a seu modo. O combate à
febre amarela, considerado crucial para a saúde pública brasileira, encontra-
va obstáculos e gerava impasses, tanto pela necessidade de solicitação
formal dos governos estaduais para que os serviços sanitários federais
pudessem agir sobre os focos da doença, como pela falta de cooperação
desses mesmos governos, que procuravam sistematicamente negar a exis-
tência de casos locais. A culpa era sempre do vizinho, como relatava o
diretor da DGSP em 1918:

Indagai de um por um dos dirigentes dos estados do Norte da


República e de todos eles ouvireis que não há foco algum de febre
amarela nos respectivos territórios, mas todos eles dirão que ela
existe nos estados próximos (Torres, 1919b, p. 74).

A complexidade dessa dinâmica fica ainda mais evidente no deba-


te entre representantes de estados nordestinos no Legislativo Federal,
em torno da origem da febre amarela e das medidas tomadas pelos respec-
tivos governos. Deputados baianos procuravam defender os governantes
de seu estado da acusação de negligência feita pelos jornais, quando do
aparecimento de um foco da doença, em meados de 1918, e considera-
vam um vexame desnecessário a indicação de Salvador como porto sujo
(ou contaminado), pelas autoridades federais.
Para os baianos, a febre amarela era endêmica em alguns estados
do Norte, que se comunicavam por via terrestre e marítima; portanto, a
Bahia não deveria ser tratada como a única exportadora da doença para
o restante do país (AC, 18.a sessão, 27-5-1919). Sugeriram, então, que
pelo menos um caso teria sido importado de Sergipe, o que causou pro-
testos da bancada desse estado. Menos ciosos de sua autonomia, dada a
dimensão dos seus problemas e carência de recursos, e sem uma tradição
médica da qual se orgulhar, deputados sergipanos solicitaram a ação con-
junta dos estados e da União para sanear os portos e eliminar a febre
amarela. Para os representantes da Bahia, Sergipe, ao pedir e receber aju-
da federal, assinava a sua confissão como o foco original da febre amare-
la (ibidem).

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A percepção de que a inércia de uns impunha custos aos demais


não era somente inter-regional, com a anteposição entre regiões e esta-
dos mais atrasados, ameaçando regiões e estados mais desenvolvidos, ou a
Capital Federal. Esse problema também era percebido intrarregional-
mente, e muitas vezes baseava-se em outras oposições, como lembra o
diretor de saúde pública de Pernambuco, um dos estados importantes da
Federação que iniciara serviços estaduais na década de 1910 e que sem-
pre resistira ao auxílio federal:

[. . .] o nosso estado em íntimas conexões ferroviárias e marítimas


com outros estados do Norte e Sul do país, e onde os governos respec-
tivos se desinteressavam desse problema [sanitário], obrigavam-nos
a um constante sobressalto pelas possibilidades, muitas vezes, verifica-
das, da reinfecção amarílica de nossa capital (Barros, 1920, pp. 27-8).

Esta passagem revela a preocupação com a irresponsabilidade de


outros governos, ao norte e ao sul, que não agiam para impedir o ingresso
e a difusão da febre amarela, ameaçando vizinhos que procuravam me-
lhorar suas condições sanitárias. Portanto, a divisão intrarregional é per-
cebida não apenas como política, geográfica ou econômica, mas também,
e principalmente, como uma distinção entre maior ou menor responsa-
bilidade pública para com a questão sanitária. Para Barros, Pernambuco
não era um problema, e talvez não precisasse de ajuda, mas aqueles com
quem mantinha relações, certamente, sim. Os esforços pernambucanos
seriam infrutíferos devido à incúria alheia.3

3
“Varíola: Nós devemos contraí-la para nos ajustar aos nova-iorquinos(!)”. Essa
exclamação de um jornal da cidade de Chicago, em 1882, continha a demanda por um
órgão federal de saúde com serviços de inspeção contra a varíola exercidos em todo o
território norte-americano, contra o qual resistiam as autoridades de Nova York. Os habi-
tantes de Chicago, situada à beira do lago Michigan, razoavelmente distante dos principais
portos atlânticos, reclamavam dos custos que lhes eram impostos pela irresponsabilidade
das autoridades das cidades litorâneas, que deixariam ingressar e circular variolosos (apud
Warner, 1984, pp. 427-8). A experiência norte-americana revela também que as percepções
de interdependência sanitária não se davam apenas no sentido geográfico e econômico,
isto é, Norte mais desenvolvido versus Sul mais atrasado, como tradicionalmente é apre-
sentado. Uma outra clivagem seria cidades litorâneas com mais problemas sanitários, me-
nos responsáveis e menos sensíveis a cooperar com uma solução nacional versus cidades
interioranas (Ellis, 1992; Humphreys, 1992; Warner, 1984).

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Para indignação de muitos sanitaristas, eram os presidentes de estado


e chefes locais, e não os serviços sanitários, que, invariavelmente, delibe-
ravam sobre a existência, ou não, de um surto epidêmico. Em consequência,
decidiam sobre a necessidade de agir e/ou pedir auxílio à União. Ao não
admitirem a presença da doença, por conseguinte, não procediam no sen-
tido de evitar sua exportação ou solicitar a presença dos serviços federais
para auxiliá-los (Penna, 1923, p. 294; Torres, 1919b). Diante de uma
doença cuja eliminação os médicos consideravam apenas uma questão de
“decisão e numerário” (Seidl, 1917, p. 22), os governos optavam pela so-
lução política mais fácil: sentenciar que a culpa era do vizinho.
Diante das ameaças impingidas por doenças que se pegam, em espe-
cial nas suas manifestações epidêmicas e endêmicas, e de outras questões
de saúde pública, verificar-se-ia o seguinte problema: cada parte imple-
mentaria voluntariamente sua política de leprosários, confiando que as
demais fizessem o mesmo. Bastaria uma falha para que a confiança mútua
desaparecesse e outros pactuantes também se desobrigassem da política,
resultando em despesas para todos, maiores para aqueles que já custea-
vam a política acordada. Mesmo que uma das partes resolvesse manter o
compromisso e impusesse barreiras aos doentes exportados pelas demais,
nunca conseguiria coibir por completo a entrada destes em seu território
e o consequente usufruto dos benefícios de sua política pública. Assim,
ao falhar tanto o esforço individual como qualquer arranjo coletivo de
base voluntária, a solução seria a injunção de uma autoridade externa,
com capacidade de coordenação e coerção para impedir que uma ou mais
partes deixasse de cooperar, ou mesmo para intervir diretamente sobre as
partes e implementar as ações necessárias.
A extinção da febre amarela era considerada importante não apenas
porque fosse gerar benefícios para a região Norte-Nordeste, mas porque
garantiria a tranquilidade definitiva do resto do país, em especial da Capital
Federal, obrigada a despender vultosos recursos (Brasil-MJNI, 1923, pp.
198-9). Uma política antiamarílica e antipestosa poderia ser implementada
por cada um dos estados individualmente, ou mesmo de forma cooperativa,
sob coordenação federal. Porém, a inércia de uns e a incúria de outros
facilitaria que mosquitos, ratos e doentes continuassem existindo em seus
territórios e circulassem por outros estados que, por sua vez, não poderiam

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impor barreiras inexpugnáveis à doença nem poderiam, constitucional-


mente, obrigar os incautos a cuidarem de seus assuntos sanitários.
Além disso, a imposição de barreiras e o controle sanitário sobre
pessoas, meios de transportes e produtos afetavam negativamente as re-
lações entre as partes envolvidas. A existência de obstáculos ao livre trânsito
de pessoas e mercadorias geraria um grave conflito, equivalente à criação
de um imposto interestadual, considerado inconstitucional (artigo 11.o).
Conflitos e desconfiança mútua e dificuldades de coordenação levariam,
consequentemente, ao fracasso de ações cooperativas e voluntárias de
âmbito regional ou nacional. Essa situação demandaria uma polícia sanitá-
ria interestadual, agindo sobre o caráter nacional da doença transmissível.4
Os exemplos expostos nesta seção evidenciam os dilemas e impasses
que levaram ao processo de estatização e nacionalização dos cuidados
com a saúde, em detrimento das soluções individuais, em um país cada
vez mais interdependente. Uma questão central é por que e como as uni-
dades individuais preferiram aderir a um arranjo cooperativo, abando-
nando comportamentos de tipo autárquico, de simples carona ou de ex-
portador de custos.

2.2. Sobre os benefícios e os custos da coletivização: uma interpretação

Ao tomar a organização federativa como uma configuração, como


um padrão estruturado e mutante de interdependência entre as suas unida-
des, e entre estas e o poder central, estou sugerindo que os problemas
sanitários devam ser tratados como importantes elos de interdependência

4
No caso norte-americano, parte da legitimidade da atividade federal em saúde
pública foi estabelecida pelas interpretações da Suprema Corte e por revisões judiciais de
decisões do Congresso, em torno da cláusula do comércio interestadual e internacional
(artigo 1, seção 8 da Constituição dos EUA). O poder de polícia dos estados (em saúde e
em outras áreas da atividade governamental) estaria limitado, quando da sua interferência
sobre o comércio interestadual, cujo melhor exemplo é a imposição de quarentenas e o
fechamento de fronteiras estaduais para impedir o ingresso e a circulação de mercadorias
e pessoas oriundas de áreas suspeitas de epidemias. Esse poder seria crescentemente con-
siderado uma atribuição constitucional da União. Analogias entre problemas de saúde
pública e seus impactos (por exemplo, contágio) e as relações econômicas supraestaduais
permitiram o crescimento, via Judiciário, do papel regulador do governo americano nessa
área (Kagan, 1961; Tobey, 1978, pp. 48-60).

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entre os estados. Isso porque a comunicabilidade das doenças e das condi-


ções sanitárias são externalidades. Como assinalei no Capítulo 2, e explorei
na seção acima, as doenças comunicáveis, nas suas manifestações endê-
micas e epidêmicas, tendem a transpor as fronteiras da unidade federativa
onde teriam tido condições de surgir, atingindo, por exemplo, através da
água, de vetores ou de contatos interpessoais, via relações sociais e econô-
micas, outras unidades territorialmente mais próximas, toda uma região
ou mesmo todo um país. Portanto, os problemas sanitários de uma locali-
dade podem produzir efeitos externos negativos sobre outras localidades,
independentemente de qualquer ação ou desígnio delas. Seriam constituintes
da interdependência de diferentes porém contíguas unidades territoriais.
Uma epidemia, e mesmo uma endemia, ou a simples ameaça de
transmissibilidade de uma doença, é um mal público do qual, por definição,
ninguém pode excluir-se — nem do seu consumo nem de aceitar seus
custos (cf. Santos, 1993, p. 52). Do mesmo modo, ninguém pode ser excluído
de se beneficiar da solução do problema, independentemente de ter contri-
buído ou não para isso. Uma segunda característica do bem/mal público, o
consumo comum (jointness of consumption), implica que o uso de um bem
por um indivíduo não impede que outros também o façam nas mesmas
quantidades e com a mesma qualidade (Mueller, 1989, pp. 9-15; Ostrom,
1991, pp. 164-6). Essas duas características (não exclusão e consumo co-
mum) são atributos independentes que podem variar em grau, e cujas combi-
nações significariam tipos de bens diferentes (Ostrom, 1991, pp. 166-72).
Nos vários exemplos utilizados, a característica mais acentuada da
ameaça de uma doença que pega é a de não exclusão, uma espécie de tenta-
ção para um tipo de comportamento não cooperativo (Mueller, 1989, p.
11). O outro atributo pode aparecer de forma mais ou menos acentuada,
dependendo do tipo de ação sanitária. O controle de vetores (mosquitos,
ratos) é um dos exemplos utilizados de combinação entre consumo co-
mum e não exclusão: trata-se de um bem público, em relação ao qual o
indivíduo tem poucos graus de escolha entre consumi-lo/utilizá-lo ou
não (Ostrom, 1991, p. 168-9). Em geral, a saúde pública, combinando os
dois atributos acima, é considerada um bem público — especialmente a
proteção contra uma doença comunicável por meio de medidas preventi-
vas — que, em grande parte, só pode ser provido pelo Estado, por ser

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muito difícil organizar e financiar um programa preventivo de massa, em


bases puramente voluntárias (Samuelson & Nordhaus, 1993, p. 886;
Schwartz, 1977, pp. 125-6).
A característica de não exclusão está diretamente vinculada aos dile-
mas de ação coletiva na provisão de bens públicos ou na proteção contra
os males públicos: os consumidores dos males públicos tenderão a não
colaborar voluntariamente em arranjos coletivos que visem à produção
de soluções/bens públicos do consumo dos quais não poderão ser excluí-
dos. Esse comportamento racional — diminuição de custos e maximização
de benefícios — transformaria os indivíduos em caronas (free riders) na
ação coletiva, o que tornaria improvável ou ineficaz um arranjo coletivo
de caráter cooperativo para a produção de um bem público como, por
exemplo, a organização e financiamento de um programa preventivo de
saúde em bases voluntárias (De Swaan, 1990; Olson, 1965). A coerção e
os benefícios laterais são os mecanismos utilizados para desestimular a
carona e incentivar a participação dos envolvidos no problema coletivo
(Olson, 1965). O Estado seria um resultado, numa perspectiva individu-
alista, ou o ator organizado com atributos distintivos, em uma perspecti-
va histórico-estrutural, capaz de administrar os efeitos negativos da
interdependência social e solucionar os problemas de ação coletiva.
A criação de Poder Público apareceria como a solução eficaz para
administrar esses males e produzir bens coletivos, na medida em que
seria, ao mesmo tempo, uma forma pela qual as elites se poderiam prote-
ger — suas vidas, seus interesses econômicos, etc. — diante de um mal-
-estar que se tornava coletivo e, também, um incentivo ou uma oportuni-
dade de obter vantagens oriundas da própria atividade reguladora, exercida
pela autoridade pública (De Swaan, 1990).
Tais argumentos fundam-se em uma concepção na qual o indivíduo
é a unidade de decisão e escolha inserida no mercado. Minha análise
considera os estados da Federação brasileira como as unidades relevantes,
baseando-se no já referido modelo Campos Sales. Segundo Lessa (1988),
prevalecia na Primeira República o reconhecimento do domínio de um
chefe estadual detentor do monopólio da representação do seu estado, no
relacionamento com o poder central e com o Legislativo Federal, com
mecanismos de controle sobre a sua bancada federal, que eliminavam

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dissensões. A interação dos estados e destes com o Executivo Federal e o


Congresso tinha lugar através de um condomínio oligárquico extra consti-
tucional, formado pelos chefes estaduais (ibidem). A partir dessa inter-
pretação, sugiro que cada estado seja tomado como um indivíduo calcu-
lador e participante da decisão sobre a necessidade e/ou conveniência da
transformação de uma atividade que originalmente lhe competiria em
uma atividade coletiva, voluntária ou compulsória, considerando como o
estágio inicial desse processo a ordem federativa, fundada na autonomia
de cada uma das unidades decisórias, uma situação equivalente à do mer-
cado, na formulação original desse modelo.
A partir dessas considerações, haveria três possibilidades hipotéti-
cas para a administração dos efeitos negativos da interdependência sani-
tária. Uma primeira possibilidade seria (I) a ação individual de uma uni-
dade na solução de seus problemas sanitários e a defesa contra os efeitos
externos causados pelas outras. Esse esforço ocorreria independentemente
da existência de uma ação semelhante, por parte das demais, ou de qual-
quer arranjo de cooperação ou mecanismo de coordenação, tendo como
pressuposto, porém, que as demais unidades agiriam da mesma forma.
Seria a internalização dos custos de defesa diante de um mal público,
operada por cada um dos estados, e da produção de um bem para suas
populações, nos respectivos limites territoriais alcançados por sua autorida-
de. Esta possibilidade supõe uma relação autárquica entre as unidades.
Em uma segunda possibilidade poder-se-ia ter (II) uma ação indi-
vidualizada, porém simultânea e coordenada, de todos os componentes
da Federação, para solucionar ou remediar os efeitos dessa relação de
dependência recíproca. Cada unidade seria responsável por administrar e
solucionar seus problemas sanitários, impedindo que atingissem as de-
mais e não permitindo que os problemas de outras unidades a alcanças-
sem. Esta solução implicaria compromisso e cooperação entre os envol-
vidos, não excluindo um mecanismo acordado de normatização mais geral
que regulasse as relações entre as várias unidades cooperantes. Seria um
arranjo fundamentalmente voluntário.
Uma terceira situação seria (III) a transferência da administração
das relações de interdependência sanitária para um organismo supralocal,
capaz de agir sobre todas as partes envolvidas, legislando e implementando

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políticas públicas de caráter compulsório. Isso significaria a estatização


da administração e regulação dos custos impostos, reais ou presumíveis,
pelas condições sanitárias de algumas unidades sobre outras. O recurso a
um poder externo é a busca de uma combinação de características, que
singularizam essa autoridade: poder coercivo, amplitude e centralidade
territorial.
Essas possibilidades de arranjos para produzir políticas de prote-
ção à saúde de uma coletividade são alternativas analíticas aos problemas
de ação coletiva, quando da produção de um bem coletivo ou defesa diante
de um mal coletivo. A história do caráter público das políticas sanitárias
seria a história da descoberta da ineficácia crescente das alternativas I e
II. A sociedade moderna, cada vez mais, limita a existência autárquica de
suas partes, uma vez que é impossível internalizar todos os custos de
produção de um bem público e de defesa contra as externalidades, além
de não haver garantias de que, ao longo do tempo, todos os envolvidos
em arranjos cooperativos de caráter voluntário cumprirão sua parte no
acordo. O aumento das atribuições do Poder Público supralocal é perce-
bido como o meio mais eficaz para enfrentar os efeitos externos da des-
tituição, diante dos dilemas de ação coletiva.
As três alternativas analíticas, se transformadas em etapas cronoló-
gicas, podem ser apresentadas como a história do surgimento de políticas
de saúde de caráter público e nacional. A sequência I-II-III é histórica
por ter sido a trajetória que correspondeu às soluções dadas pelas elites
aos problemas derivados do crescimento exponencial da interdependência
social. A observação dessa sequência em diferentes experiências nacionais
não significa, necessariamente, que se encontrem arranjos institucionais
semelhantes, nem que esses arranjos não possam conviver entre si, até
que um arranjo se torne hegemônico. Todas as etapas dessa sequência são
compatíveis com a ação de instituições não governamentais e órgãos su-
pranacionais, aqui considerados como recursos disponíveis às elites.
Essa sequência refletiria a trajetória mais geral dos países que ins-
tauraram políticas públicas de bem-estar, entre meados do século XIX e
o início do século XX. Todas as experiências de aparecimento da pro-
vi-são estatal de proteção social enfrentaram, simultaneamente, dois de-
safios, diante da generalização da interdependência: impedir ou regular

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a imposição de externalidades negativas e superar os problemas de ação


coletiva com o estabelecimento de políticas públicas de caráter supralo-
cal, coletivo e compulsório. Para a etapa III, tenderam os países indus-
trializados, depois de transitarem das soluções individuais e locais para
os arranjos coletivos, porém voluntários. Diante dos caronas na produ-
ção de bens públicos e na proteção aos males públicos, dos incautos e
ineptos que produzem externalidades negativas, a criação de Poder Pú-
blico (local e nacional) teria sido percebida como a solução mais eficaz,
porque associada à dimensão compulsória. Indo além da análise de De
Swaan, no caso da provisão pública no plano nacional, objeto da minha
preocupação, a solução III está associada à centralidade territorial, um
elemento distintivo do Estado nacional (cf. Mann, 1992; 1993).
A transição de um estágio para outro da sequência apresentada
dependeria da existência de uma consciência social, mas também das
oportunidades oferecidas pela coletivização de um bem e de sua provisão
pelo Estado. O processo de coletivização resultaria da combinação da
consciência da interdependência com o conhecimento das oportunidades
pelos estados. A opção por uma solução coletiva e estatal vislumbraria
como positivo o resultado da soma dos benefícios gerais advindos de
políticas públicas de saúde, mais os benefícios específicos da atividade
reguladora do Estado.
Ocorre que não bastam consciência das externalidades e incentivos
para se transferir uma atividade para o setor público. Em primeiro lugar,
como assinala Santos, seria racional para um indivíduo custear a produ-
ção de um bem público, mesmo que isso beneficie os caronas, quando os
custos da sua não produção — mal público — fossem superiores aos de
sua produção (Santos, 1993, pp. 51-9).
Em segundo lugar, a partir dos argumentos de Buchanan & Tullock
(1965) discutidos no Capítulo 1, pode-se considerar a hipótese de que
algumas unidades decisórias nesse processo poderiam preferir internalizar
os custos externos. Assim, as externalidades não seriam razão necessária
nem suficiente para a coletivização (ibidem, p. 61). A sequência I-II-III
ou, na linguagem desses autores, a transferência de atividade da esfera
individual para a coletiva voluntária e depois para a coletiva pública, de-
penderá da avaliação de cada unidade decisória sobre os custos externos

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e, também, sobre os custos incorridos para promover o acordo sobre essa


transferência e sobre os custos esperados de decisões adversas, advindas
da organização coletiva (ibidem, pp. 45-6). A imposição desse último
custo pode significar a alteração de direitos fundamentais das unidades
decisórias, no caso, a sua autonomia constitucional.
A condição para que uma unidade decisória autorizasse a estatização
de uma atividade seria que os custos externos fossem maiores do que os
custos da ação estatal, ou que os benefícios esperados fossem superiores a
esses custos. A chave desse cálculo são as regras pelas quais uma ativida-
de é transferida para o setor público. Tais regras determinam os custos de
tomada de decisão e de organização da ação coletiva, impostos aos parti-
cipantes. Seria racional escolher uma regra que minimizasse os custos
esperados de participação (e de barganha), na decisão, e de decisões pú-
blicas adversas (ibidem, pp. 74-5).
A minha análise trata o condomínio oligárquico como um mecanis-
mo de diminuição dos custos de barganha, tornando mais claras as avali-
ações dos custos externos e de decisões adversas, e da fórmula que orga-
nizaria a coletivização. Assim, o percurso I-II-III dependeria de uma
avaliação de cada condômino sobre a nacionalidade de se migrar de um
nível e forma de governo (local e descentralizado), para níveis superiores
(estadual ou federal e centralizados) (ibidem, pp. 113-5).
O modelo federativo adotado na Constituição de 1891 estabelecera
princípios, que indicavam a prevalência dos estados e municípios nos as-
suntos de saúde e saneamento, legando ao Governo Federal a defesa sanitária
dos portos brasileiros e, posteriormente, a higiene pública do Distrito Fede-
ral. A Carta Constitucional significava uma configuração inicial que se
modificou ao longo do tempo, com reconhecimento de formas de dependên-
cia mútua entre os elementos pactuantes e da impossibilidade de soluções
individualizadas, isto é, com o surgimento de uma consciência social. Tais
modificações acabaram por desafiar na prática o próprio arranjo inicial.
Para compreender o surgimento no Brasil de arranjos estatais e
nacionais, podemos tomar o quadro constitucional de 1891 como a etapa
I. De um lado, a responsabilidade pela higiene e saneamento era das
esferas estadual e municipal; de outro, cabia à União os cuidados com os
portos marítimos e fluviais, além da prerrogativa de intervir, em caso de

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calamidade sanitária. Portanto, a primeira etapa já incorporava mecanis-


mos de gerenciamento das relações interestaduais, difíceis de serem ad-
ministradas de forma cooperativa e coordenada.
Em face dos problemas da interdependência, a continuidade desse
arranjo I tinha como obstáculo a reconhecida fragilidade técnica e finan-
ceira da maioria dos estados e municípios, que resolviam seus problemas
pela inércia ou como caronas. A seu favor havia a consideração de que o
custo da perda de autonomia — leia-se intervenção sanitária — seria su-
perior aos custos externos. Essa situação tornava todos potencialmente
produtores e consumidores de males públicos (custos externos). Uma
mudança na comparação entre custos externos e custos da estatização
por parte das unidades relevantes permitiria a transição para formas de
provisão de proteção supraestaduais, ressaltando-se que a velocidade da
mudança podia variar entre os estados.
A presença do poder central foi ampliando-se ao longo das duas
primeiras décadas deste século, desenvolvendo, primeiro, a sua dimensão
coerciva e, depois, a sua territorialidade, conforme descrito no Capítulo
3. Um dos primeiros passos significativos foi a transferência da higiene
do Distrito Federal na primeira década deste século, para os cuidados do
Governo Federal, na tentativa de sanear e defender a Capital da Repúbli-
ca, centro do poder político, cujos problemas sanitários afetavam o resto
do país e as relações dele com o exterior. A penetração do poder central
continuou através das comissões federais de combate à febre amarela e
com os primeiros acordos para programas de saneamento e profilaxia
rural entre a União e os estados. O Governo Federal chamava a si a res-
ponsabilidade de combater as epidemias de febre amarela e peste, com
recursos próprios, em várias partes do país, isto é, expandia sua capacidade
de atuar sobre eventos potencialmente supraestaduais ou mesmo nacio-
nais, uma vez que mosquitos e ratos nem sempre respeitavam fronteiras.
Por conseguinte, o arranjo movia-se na direção das etapas II e III.
Ao mesmo tempo, a partir de meados da década de 1910, vários
estados começaram a responder, lenta porém positivamente, ao diagnósti-
co de um Brasil doente. O crescimento e a difusão entre as elites da per-
cepção da doença transmissível como elo de interdependência, fruto da
campanha pelo saneamento do Brasil, foram elementos importantes para

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alterar a consciência social das elites e sua percepção sobre os chamados


custos de interdependência social. Alguns dos estados mais importantes
da Federação (Minas Gerais, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro) e
mesmo outros estados não centrais, como o Paraná, começaram a estabe-
lecer códigos sanitários e legislação pertinente, e a desenvolver políticas
de saúde pública e saneamento rural individualmente ou, como veremos,
em associação com o Governo Federal e a Fundação Rockefeller. Assim,
os custos do recurso ao poder central (perda de autonomia) começavam a
ser percebidos por alguns como inferiores aos seus benefícios (obtenção
de recursos técnicos e financeiros e diminuição das externalidades).
Em pelo menos um caso, o do estado de São Paulo, no período
1889-1930, prevaleceu uma solução individual para os problemas de ação
coletiva. Esta alternativa foi implementada ao longo da Primeira Repú-
blica, quando São Paulo desenvolveu largamente seus serviços sanitários,
procurando internalizar os custos externos e preservar a autonomia esta-
dual em face da ingerência do poder central. O estado de São Paulo foi
praticamente o único capaz de formular uma estratégia sanitária e imple-
mentar permanentemente políticas de saúde pública. Com isso, melho-
rava as condições sanitárias de sua população e território, e diminuía os
impactos negativos sobre outras unidades, o que significava um benefício
coletivo custeado por São Paulo. A dificuldade paulista seria como manter
sua opção autárquica (I) diante de todos os custos externos impostos por
vizinhos caronas, ineptos e incautos, impossíveis de serem internalizados,
e minimizar os custos do recurso ao poder central, como solução para o
problema da interdependência sanitária (III).
Dado o exposto, quatro perguntas podem ser agora respondidas:
1. Como garantir que todos cumprissem suas responsabilidades
em saúde pública e não impingissem custos aos demais, ou como ajudar
os ineptos, eliminar os caronas e agir sobre os incautos?
2. Como administrar os possíveis efeitos negativos da interdepen-
dência e proteger a todos da existência de um mal público, diante do
fracasso de arranjos individuais ou coletivos de caráter voluntário?
3. Quais foram os benefícios e custos que balizaram o cálculo e a
decisão de coletivizar a saúde e quais as consequências do engenho
institucional que emergiu dessa decisão?

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4. Como seria possível a um pactuante de 1891 colaborar para um


arranjo coletivo compulsório que reduzisse os custos externos, sem arcar
com aqueles da estatização, em outras palavras, como cooperar na
coletivização e resguardar a autonomia política?
Para as duas primeiras perguntas, a resposta foi o aumento da ca-
pacidade de ação da instituição que tem como atributo distintivo a com-
binação entre ação coerciva e centralidade territorial. Ao tornarem-se
públicos pela cláusula da não exclusão, pelos efeitos externos da
comunicabilidade da doença e pela ineficácia das soluções individuais
e voluntárias, os problemas de saúde apontaram para o Estado nacio-
nal como a organização provida de poder para implementar políticas sa-
nitárias em todo o território nacional. A resposta à terceira pergunta,
extensiva a todas as outras, implica apresentar os incentivos e as regras
que possibilitaram a emergência de uma política nacional de saúde pú-
blica, diante dos amplamente difundidos custos externos da doença e
das dificuldades de administrá-los. É preciso esclarecer os mecanismos
de adesão dos estados ao deslocamento da saúde pública para a esfera
federal, os quais permitiram que esse processo não fosse visto como
ofensivo aos seus interesses e que não importasse em uma custosa altera-
ção constitucional. Para a quarta questão, a resposta foi a constituição de
um mecanismo que possibilitasse a manutenção de uma solução autár-
quica, como a do estado de São Paulo, mas que obtivesse a sua concor-
dância com um arranjo coletivo e nacional, para os demais. No restante
deste capítulo, discuto as três primeiras questões. No Capítulo 5, analisa-
rei a experiência paulista, à luz do modelo proposto.

3. Dos custos, das oportunidades e das regras:


o saneamento rural como política nacional de saúde pública

3.1. Os benefícios do poder central, a regra de adesão


e os custos tangíveis da estatização

Fixada a consciência da interdependência, isto é, a percepção da


existência de custos externos na interação federativa, e dos dilemas coo-
perativos, a questão central seria estabelecer os custos e benefícios de

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uma transferência para o poder central de parte ou da totalidade das ativi-


dades de saneamento e saúde pública que estavam alocadas inicialmente
nos estados e municípios. A meu ver, essa passagem do statu quo (I) para
uma organização nacional formuladora e coordenadora e/ou executora
de políticas públicas em todo o país (II e III) estava inscrita em mecanis-
mos presentes nos decretos de 1918 e 1919, que criavam e regulavam as
ações federais de saneamento e profilaxia rural, tendo sido consagrados e
ampliados com a instalação do Departamento Nacional de Saúde Pública
em 1920. Eles esclarecem os benefícios e os custos do recurso ao poder
central e as formas e regras de adesão a um arranjo público.
As ações de profilaxia e saneamento rural são especialmente ade-
quadas para explorar o modelo exposto na seção anterior, por não se carac-
terizarem por respostas emergenciais, como as de controle de epidemias,
estas mais facilmente percebidas como de responsabilidade de autorida-
des federais, dado os seus impactos imediatos, visíveis e nacionais. A rá-
pida adesão dos estados aos acordos com o serviço sanitário federal pode
ser uma evidência do quanto seria conveniente para os estados, para não
dizer desejável, atividades da autoridade federal, em seus territórios.
Conforme apontado no Capítulo 3, o Decreto de 1919 (n.o 13.538,
9-4-1919) ampliava e reestruturava o Serviço de Profilaxia Rural, criado
em 1918, mantendo-o autônomo em relação à DGSP. Se, no Distrito Fe-
deral e no Território do Acre, as ações de combate a endemias e epidemias
continuavam sob responsabilidade da União, as inovações do decreto esta-
vam justamente no relacionamento do Governo Federal com os estados.
A exposição de motivos do ministro da justiça, Urbano Santos,
apresentava o decreto que criava o Serviço de Profilaxia Rural como a
solução ao mesmo tempo eficaz e constitucional para ampliar os serviços
públicos de higiene. De maneira geral, não desafiava o discurso prevale-
cente no Congresso Nacional, que discutia e relutava em criar um Minis-
tério da Saúde Pública ou qualquer órgão com poder de intervenção nos
estados (Saúde, n.o 2, 1919, p. 173).
Para não violar a Constituição, sem deixar de promover políticas
de saneamento rural consideradas urgentes, o mecanismo proposto pelo
Governo estabelecia convênios entre a União e os estados. Este mesmo
mecanismo já aparecera no decreto de 1918 e fora esboçado nas campanhas

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antiamarílicas federais, ao longo da década de 1910. De certa forma, os


convênios operacionalizariam a cláusula constitucional que permitia a
intervenção federal nos estados, nos casos de calamidade pública, a pedi-
do do interessado. O dado mais importante é que esses acordos resulta-
riam de atos voluntários dos governos estaduais, além de contar com
recursos de ambas as partes.
Os alvos prioritários dos convênios seriam as endemias rurais (ma-
lária, ancilostomíase e doença de Chagas), mas outras doenças de caráter
endêmico e epidêmico poderiam ser contempladas. Um serviço contra a
lepra deveria ser instituído, obedecendo a regras especiais (artigo 1.o),
mas o objetivo mais geral seria o estabelecimento de colônias de leprosos
nos estados, para evitar o trânsito de doentes. Isso significava uma enor-
me ampliação das atividades dos serviços sanitários, já que, nos decretos
de 1918, ações contra qualquer outra moléstia que não essas três endemias
eram consideradas secundárias. Alguns serviços federais organizados para
combater endemias rurais incorporaram outras tarefas, como campanhas
de vacinação contra a varíola, e auxiliaram emergencialmente os serviços
sanitários estaduais na epidemia da gripe espanhola, em fins de 1918
(Souza Araújo, 1919).
A ideia de convênios parecia tão viável, que um diretor da DGSP
já havia solicitado ao Legislativo que os mecanismos de acordo entre
União e estados fossem ampliados, para viabilizar uma campanha nacio-
nal contra a febre amarela. E que, no caso da febre amarela, todas as
despesas corressem por conta do Governo Federal, dado que, de outra
forma, sua extinção seria irrealizável, considerando que diversos estados
estavam “à míngua de recursos” (Torres, 1919b, p. 82).
Segundo esse decreto, os acordos possíveis com a União variavam
conforme a divisão de responsabilidades entre os contratantes.5 Os esta-
dos que criassem e se encarregassem dos seus serviços de profilaxia rural
deveriam custear dois terços do total das despesas, cabendo o restante ao
Governo Federal. Caso desejassem que o Governo Federal organizasse e
executasse esses serviços, as despesas seriam divididas igualmente. A no-
vidade era a possibilidade de um governo estadual contratar não com o

5
A íntegra do Decreto n.o 13.538 está em Brasil (1920, pp. 393-7).

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Governo Federal, mas com a Fundação Rockefeller, para a organização e


implementação de um serviço de profilaxia de pelo menos duas endemias
rurais, a ancilostomíase e a malária. Nesse caso, se o estado participasse
com, no mínimo, metade das despesas, poderia solicitar ao Governo um
quarto da despesa total. Além disso, o Governo Federal continuava a
manter as atividades dos seus laboratórios, que produziam medicamen-
tos para as necessidades da profilaxia das endemias rurais, como a quini-
na, arcando também com as despesas dos hospitais regionais, destinados
a assistência e isolamento dos doentes nas unidades federativas que ins-
talassem os serviços de profilaxia e saneamento rural (artigo 9.o).
Outros benefícios da presença do poder federal seriam a possibi-
lidade de organização dos próprios serviços sanitários estaduais, a partir
do treinamento de pessoal, o estabelecimento de rotinas de trabalho e
a “educação sanitária” de governos, de chefes locais e da população, com
os resultados positivos da presença da autoridade pública que, além de
onerosa, se faria, muitas vezes, de forma coercitiva. Colhidos os primei-
ros resultados e com a conclusão dos acordos, a União se retiraria, dei-
xando as ações sanitárias sob a responsabilidade das autoridades locais.
Nessa perspectiva, compartilhada por ambos os pactuantes, o recurso ao
poder central seria provisório, constituindo-se em um instrumento de
constituição de autoridade na esfera estadual. Igual expectativa existia
com relação aos convênios, bem mais limitados, com a Fundação
Rockefeller.
Com essas modalidades de acordo, o Governo Federal apresentava
aos estados a conveniência de obterem serviços sanitários, mantendo for-
malmente suas respectivas autonomias. Seria uma solução para a enorme
dificuldade técnico-financeira da maioria dos estados para realizar o com-
bate às epidemias e endemias rurais e, assim, proteger e recuperar sua
população e território sem impor custos aos demais. Essa solução resul-
tava no estabelecimento de políticas de saúde pública, em conjunto com
o Governo Federal, que, ao mesmo tempo, beneficiava e desonerava os
estados de parte dos custos e responsabilidades. Significava o reconheci-
mento formal da inaptidão da maioria deles e da inviabilidade da manu-
tenção de uma solução puramente autárquica. Um convênio com a União
captaria recursos financeiros de, no mínimo, um terço do orçamento anual

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dos serviços de profilaxia a serem instalados, além do ingresso de recursos


técnicos, científicos e organizacionais. Mesmo um convênio mais limita-
do com a Fundação Rockefeller traria um aporte federal de 25% do total
das despesas previstas. Na interpretação aqui proposta, a Fundação
Rockefeller, através da seção nacional de seu International Health Board
(IHB), independentemente de suas razões e motivações, seria mais um
recurso posto à disposição dos estados e do próprio Governo Federal.6
Na medida em que se tratava de uma fórmula baseada na adesão
voluntária das unidades federativas, os custos de negociação para o seu
estabelecimento eram bem mais baixos do que qualquer alternativa mais
centralizadora e intervencionista, além de eximir os negociadores de um
custo ainda maior, qual seja, reescrever o texto de 1891. O arranjo que
surgiu em 1918, modificado em 1919 por meio de decretos federais, foi
aprovado e ampliado, naquele mesmo ano, pelo Congresso Nacional, ao
ser criado o DNSP.
Assim, por livre iniciativa, um estado poderia enfrentar seus pro-
blemas sanitários, como o combate às endemias rurais, obtendo, via acor-
dos, benefícios da autoridade sanitária federal e recursos variados, que
seriam tanto maiores quanto maior fosse a transferência de suas res-
ponsabilidades para o poder central, ou quanto menor fosse a respon-
sabilidade do contratante. Com essa fórmula, os estados estavam sendo
estimulados a transferir voluntariamente responsabilidades para o go-
verno central.
Essa transferência foi feita rapidamente. Por exemplo, o estado do
Paraná, que vinha organizando seus serviços sanitários desde 1916, soli-
citou ao Governo Federal a criação de serviços de profilaxia rural uma
semana depois da assinatura do primeiro decreto do presidente Wenceslau

6
Como ilustração, o estado de Pernambuco tentara organizar campanhas de com-
bate a endemias rurais sem a participação do Governo Federal. Em 1919, o governo
estadual recém-empossado teria constatado a impossibilidade de implementar tal estra-
tégia. Assim sendo, propôs um acordo à Fundação Rockefeller, para que esta dirigisse os
serviços de profilaxia do estado, além de buscar o restante dos recursos necessários junto
ao Governo Federal. O acordo proposto seria no valor de 140 mil dólares (cf. carta de L.
Hackett, diretor do IHB no Brasil a W. Rose, diretor-geral do IHB, datada de 5-2-1920,
Arquivo Rockefeller: Banco de Dados, Uerj/IMS). Dois anos depois, Pernambuco contava
com seis postos de profilaxia da ancilostomíase e verminoses, em seis municípios organi-
zados mediante convênio com o IHB (Folhetos de Higiene, LXIV, 1922, p. 42).

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Brás (n.o 13.001, 1.o-5-1918). Segundo o chefe da Comissão Sanitária


Federal nomeado para implementar o acordo, o Paraná deixou a direção
dos serviços a cargo da União “para poder gozar dos favores nele [decre-
to] estipulados” (Souza Araújo, 1919, p. 15). Certamente, pelos mesmos
motivos, fizeram-no Minas Gerais e o Maranhão, ainda em 1918.
Se o esquema de acordos poderia ser apresentado como a melhor
solução possível para os estados — leia-se recursos federais para políti-
cas de saúde pública e autonomia estadual —, alguns detalhes sobre
a contrapartida exigida pelo Decreto n.o 13.538 merecem destaque,
uma vez que sua aceitação pelos governos estaduais criava poder na es-
fera federal.
Em primeiro lugar, em qualquer tipo de acordo, o Executivo Fede-
ral indicaria o diretor de profilaxia rural responsável pela organização do
serviço no estado (artigo 6.o). Este deveria ser, necessariamente, funcio-
nário da DGSP ou do Instituto Oswaldo Cruz, portanto, vinculado dire-
tamente ao Governo Federal e com uma série de vantagens pecuniárias
(artigo 13.o). Caso o estado optasse por entregar os serviços ao Governo
Federal, a condição inicial seria determinar a dotação destinada ao pri-
meiro ano de trabalho e colocá-la à disposição do Executivo Federal.
Aprovada a solicitação, o MJNI faria recolher à Delegacia Fiscal do esta-
do contratante os recursos referentes tanto à participação estadual quan-
to à parcela federal, os quais ficariam à disposição do chefe nomeado pela
União, que também expediria instruções relativas à organização do servi-
ço e à estrutura de pessoal (artigo 5.o). Portanto, qualquer acordo impli-
cava para a União o controle das atividades a serem realizadas e dos re-
cursos financeiros oriundos da própria unidade contratante. Isso sugere
que a legislação promovia uma transferência de recursos financeiros e
políticos para os serviços sanitários federais.
O poder da autoridade sanitária federal torna-se ainda mais evi-
dente quando se examina a questão da regulamentação geral dos serviços
de profilaxia rural. Caberia ao Governo Federal expedir instruções gerais
e prescrever medidas de ordem administrativa e métodos profiláticos para
todo o país — todas seriam de execução obrigatória no DF e no Acre.
Para os estados que desejassem obter auxílio da União, a aceitação dessas
instruções seria uma condição prévia, o que na prática as tornava obrigató-

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rias para quem desejasse o acordo (artigos 11.o e 12.o).7 O estado contra-
tante deveria também estabelecer um código sanitário rural com medidas
obrigatórias, como a construção de latrinas, como ação profilática contra
a ancilostomíase, e o MJNI poderia fiscalizar os serviços em qualquer
parte do país (artigo 14.o). Assim, os serviços de profilaxia rural iniciariam
um processo de uniformização das ações sanitárias do Poder Público, em
âmbito nacional, incrementando a capacidade do poder central de agir
coercivamente, e ampliando o espaço sobre o qual poderia ser exercida.
O exemplo paranaense é, mais uma vez, ilustrativo desse processo.
Sendo um dos estados pioneiros no estabelecimento de convênios com o
Governo Federal, em dois anos adequou toda a sua legislação e serviços
às exigências federais, com a abertura de dois créditos anuais de 100 con-
tos de réis (idêntico ao valor que deveria ser creditado pela União) e a
criação, até o início de 1919, de quatro postos sanitários no interior e um
posto central na capital do estado, afora um contrato com a Fundação
Rockefeller, para verificação da frequência de verminoses na população
rural e seu tratamento (Souza Araújo, 1919).
Os custos da presença federal podem ser atestados, por exemplo,
pelo fato de que parte considerável da regulamentação dos serviços de
profilaxia rural realizados em território paranaense passou a ser estabelecida
por portarias do MJNI. Na portaria de 5-6-1919, que instrui os serviços
paranaenses, seguindo a determinação do artigo 5.o do Decreto n.o 13.538,
fica clara a concentração de poder nas mãos do chefe do serviço indicado
pelo Governo Federal, e que somente a ele responde e consulta. O Ser-
viço de Profilaxia Rural, através do seu chefe, poderia mudar a localiza-
ção dos postos de profilaxia, propor a organização e escolher a localiza-
ção de hospitais, fiscalizar a comercialização da quinina e definir os casos
de sua gratuidade, fazer acordos com fazendeiros e lavradores para reali-
zar serviços em suas propriedades, requisitar do governo estadual as me-
didas necessárias para suas ações, controlar os funcionários, a folha de
pagamento e a contabilidade, etc. (ibidem, pp. 39-42). As multas por
infração ao regulamento sanitário rural do Paraná poderiam ser impostas

7
Essa condição estava presente nas ações das comissões federais de combate à
febre amarela no norte do país, no início da década de 1910 (Frahia, 1972, pp. 35-6).

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tanto pela autoridade federal como estadual. Contudo, a receita seria


revertida para o Serviço de Profilaxia Rural (ibidem, pp. 44-5). Ainda
que os acordos iniciais variassem, dependendo do estado, os custos ime-
diatos do recurso ao poder central eram bastante evidentes e podiam ser
bem avaliados.8
Ao introduzir inovações nas relações entre os poderes local e cen-
tral, essa legislação deve ser compreendida como uma etapa-chave no
processo de organização de uma política nacional de saúde pública. Sem
incorrer nos custos de alteração do statu quo, dado o caráter voluntário
da adesão aos convênios, estes ao mesmo tempo viabilizavam o en-
frentamento dos problemas sanitários de unidades federativas, que pro-
duziam externalidades e não podiam custear a produção de seu bem-
-estar nem a proteção contra o mal-estar de outras unidades. O resultado
mais imediato foi o crescimento das atividades dos serviços sanitários
federais nos estados.
A aceitação voluntária dessas provisões legais significava julgar que
os custos da alocação de atividades de saúde pública no Governo Central
— a perda de autonomia — poderiam ser toleráveis, diante dos benefí-
cios advindos dela — saneamento e profilaxia rural — e dos custos da
doença transmissível. Com isso, acelerava-se um processo de concentra-
ção de poder na esfera federal, com considerável aumento de sua capaci-
dade de regulação e intervenção no território nacional, em questões de
saúde e saneamento, que, por sua vez, atingiam diversas outras áreas da
vida social e econômica do país. Trata-se de consequência de longo prazo
que não podia ser calculada pelas unidades decisórias no ato de transfe-
rência de suas responsabilidades.

8
Seria ingênuo desconhecer que a indicação federal do chefe do Serviço de
Profilaxia Rural de um estado era negociada com o presidente do estado, principalmente
quando, dadas as suas atribuições, esse chefe exercia de fato a direção dos serviços sanitá-
rios estaduais. Muitas vezes, o indicado era um funcionário federal, oriundo do próprio
estado ou que nele tinha fortes laços pessoais e políticos. Isto organizava a interação,
muitas vezes conflituosa, dos serviços federais com o poder local. O estado do Paraná é,
mais uma vez, ilustrativo. O médico Souza Araújo, que implantou o SPR no estado, em
1918-1919, era um paranaense vinculado ao IOC. Para as relações entre os serviços fede-
rais e estaduais na Bahia, desde o início deste século, ver Castro Santos (1987).

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3.2. A reforma sanitária:


benefícios do Estado, custos externos e custos do Estado

O debate, reproduzido no Capitulo 3, em torno da proposta de


criação de um Ministério da Saúde Pública e reformulação dos serviços
sanitários, revela as dificuldades encontradas para a centralização e unifi-
cação dos serviços sanitários nas mãos do Governo Federal. Para alguns
dos participantes do debate e da decisão, o DNSP era a derrota de um
projeto mais centralizador; para outros, seria um ato conciliatório entre
duas posições extremadas ou, para um terceiro grupo, apenas uma etapa
de uma inevitável reforma sanitária.
O que parece importar é menos o rótulo institucional e mais o
conteúdo e a direção das mudanças iniciadas e implementadas pelo Exe-
cutivo federal e alguns estados, como indiquei acima, e depois incorpora-
das, ampliadas e aprovadas pelo Legislativo Federal para serem iniciadas
em 1920. Mudanças que dilataram a coalizão reformista, aumentando os
benefícios diante dos custos mais evidentes da estatização — que não
diferiam muito dos custos impostos pelo decreto de 1919 — e diminuin-
do os custos de barganha.
Em agosto de 1918, um deputado maranhense, José Barreto, cha-
mava a atenção para o fato de que vários estados poderiam ficar alijados
dos convênios oferecidos pelo Governo Wenceslau Brás, por não dispo-
rem dos recursos exigidos como contrapartida ao auxílio federal. Essa
contrapartida, segundo ele, constituía uma iniquidade, ao beneficiar os
estados que dispunham de recursos e

[. . .] os pequenos Estados [. . .] muito assolados pelas endemias,


mas que nos seus parcos orçamentos não teriam talvez recursos
para contribuir, deixariam de ser socorridos pela União (Saúde, 20-
-8-1918, n.o 2, p. 155).9

9
Para José Barreto, São Paulo, que tinha um serviço sanitário estadual já organi-
zado, se quisesse, dispondo facilmente de seis mil contos poderia obter mais um terço
desse valor dos cofres federais, ao passo que os “estados do Norte” talvez não pudessem
investir 200 contos no SPR (ibidem).

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José Barreto sugeria que esse serviço de combate às endemias ru-


rais ficasse sob a total responsabilidade do Governo Federal, sem o con-
curso financeiro e administrativo dos estados. Como o Tesouro Nacional
tinha recursos limitados, o serviço deveria ser realizado preferencialmen-
te nas regiões mais atingidas pelas endemias. Assim, reivindicava que,
em lugar de se dar preferência aos estados que dispunham de recursos,
dever-se-ia apoiar os mais atingidos pelas endemias rurais. Nesse senti-
do, o deputado apresentou um projeto de lei ao Congresso Nacional,
propondo que o SPR deveria combater as grandes endemias rurais nos
estados, com todas as despesas com material e pessoal pagas pela União,
sugerindo que o financiamento destas se desse mediante uma sobretaxação,
considerada “insignificante”, de 10% sobre o consumo de bebidas, fumo,
perfumes, vinhos importados, cartas de jogar e bengalas (ibidem, pp. 158-
60). A contrapartida aos benefícios do poder central seria, como os vários
artigos do projeto revelam, abrir mão de qualquer interferência em rela-
ção ao saneamento rural local e assuntos afins. Isso parecia não ser pro-
blema para parte considerável dos estados, que, na sua maioria, não dis-
punham de recursos para superar seus gravíssimos quadros sanitários.
Ainda que não tenha prosperado, como projeto de lei, a ideia de dar
prioridade às regiões mais afetadas pelas endemias, embora associada à
densidade populacional e à riqueza, acabou incorporada na reforma dos
serviços sanitários federais, em 1920.
A proposta do deputado maranhense também revelava a demanda
dos elos mais frágeis da Federação por uma reforma sanitária na direção
da ampliação da responsabilidade do Governo Central. Uma demanda
nordestina se expressou no contexto já citado da presença da febre amarela
em estados do Norte e Nordeste, em 1919. Solicitaram auxílio federal para
o combate à febre amarela os estados do Maranhão, Ceará, Rio Grande do
Norte, Paraíba, Alagoas e Sergipe, para onde foram enviadas comissões
chefiadas por inspetores sanitários federais. As intervenções seriam realiza-
das nos moldes da que se fizera no Espírito Santo, em 1917, sendo estas
as primeiras tentativas de uma ação ampliada, sob controle do serviço sa-
nitário federal. Apenas dois estados, os mais importantes da região, não
aderiram a esse esforço. Pernambuco simplesmente não solicitou auxílio,
enquanto, na Bahia, considerada a situação sanitária mais grave, e que já

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possuía o seu serviço sanitário, o pessoal e o material enviado ficaria su-


bordinado ao Serviço Estadual (Fontenelle, 1922, pp. 55-6). A presença
da febre amarela ressaltava como nenhuma outra o caráter geral e nacio-
nal da doença transmissível e os seus efeitos nas relações interestaduais e
internacionais, reforçando e legitimando o papel do Governo Federal,
junto àqueles que não tinham recursos para ter ambições de autonomia.10
Os decretos que criaram e regulamentaram o DNSP, e as propos-
tas que os antecederam, revelavam o que estava em jogo para os represen-
tantes dos estados e para o Executivo Federal. Para ser sucinto, todos
buscavam desonerar ainda mais os governos estaduais, no que dizia res-
peito ao saneamento rural regulado pelos decretos de 1918 e 1919.
Esses decretos, na parte referente ao saneamento e profilaxia rural,
davam preferência a obras em estados ou municípios que pudessem con-
tribuir com, pelo menos, metade das despesas. Ressaltavam que, caso
contrário, as obras seriam realizadas, desde que os estados estabeleces-
sem uma taxa de valorização sobre os terrenos saneados ou um adicional
sobre o imposto territorial, comprometendo-se a indenizar mais tarde a
União, em metade das despesas realizadas (respectivamente artigo 9.o do
Decreto n.o 3.987, 2-1-1920 e artigo 990.o do Decreto n.o 14.354, 15-9-
-1920).11 Com esses decretos, extinguia-se a pouco atraente alternativa
de três quartos de recursos estaduais para um quarto de recursos federais.
Na prática, permitia o ingresso de recursos federais em qualquer estado
ou município sem contrapartidas financeiras imediatas. Os governos es-
taduais penhoravam simplesmente uma promessa de, no futuro, ressarcir
o Governo da República.
O fundo especial para financiar obras de saneamento, presente em
várias propostas, acabou sendo incluído na reforma dos serviços sanitários.

10
Segundo observadores do período, essas comissões foram sendo desmobilizadas
por ocasião da reorganização dos serviços sanitários federais durante os anos de 1920 e
1921. Um novo esforço de combate à febre amarela viria logo depois, através dos serviços
federais de profilaxia rural em estados nordestinos, seguido, em 1923, da criação do Ser-
viço de Febre Amarela e de um grande acordo firmado entre o Governo Federal e a
Fundação Rockefeller, no qual esta última ficava responsável pelos esforços de erradicação
da febre amarela no Nordeste (ibidem; Cueto, 1996, pp. 188-96; Faria, 1994, pp. 117-9;
Peryassu, 1927, pp. 50-2).
11 Ver Brasil (1921, vol. I, pp. 1-7) e Brasil (1921a, vol. III, pp. 244-484).

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Este fundo seria composto por imposto de consumo sobre bebidas alcoó-
licas destiladas, venda de selo sanitário, renda dos laboratórios e institu-
tos de pesquisa federais, saldos apurados nas diversas verbas do MJNI e
taxa de 15% sobre o produto dos jogos de azar (artigo 12.o do Decreto n.o
3.987). Os vários mecanismos de financiamento e operação dos serviços
de profilaxia rural indicavam a transferência de responsabilidades para a
autoridade sanitária federal e a desoneração dos estados. Se, nos decretos
federais de 1918 e de abril de 1919, o convênio implicava, necessariamente,
que parte dos recursos seriam financiados pelos estados, agora, com o
DNSP, essa condição era apenas retórica, já que na prática todos pode-
riam contar com recursos federais para obras de saneamento, ressarcindo,
um dia, a metade dos gastos federais. E, dessa forma, a profilaxia rural foi
incluída no Departamento Nacional de Saúde Pública como Diretoria
de Saneamento e Profilaxia Rural (DSPR).
A partir de iniciativa independente do Executivo, as ações de sa-
neamento rural das autoridades sanitárias federais nos estados foram am-
pliadas pelo Legislativo, em 1919, e regulamentadas e organizadas nos
dois anos seguintes. Estavam contidas em uma reforma mais ampla da
política de saúde pública, implementada ao longo dos anos 20. A inten-
ção dos contratantes era que, alcançadas as metas de saneamento e en-
cerrados os trabalhos e/ou acordos, a autoridade federal se retirasse, dei-
xando a sua continuidade a cargo das autoridades sanitárias estaduais e
municipais existentes.
Contudo, as ações de profilaxia de endemias rurais implicavam uma
presença mais longa e organizada do poder central nos estados — dife-
rentemente das respostas emergenciais requeridas pelas epidemias, que
mais rapidamente eram percebidas como problemas nacionais —, uma
vez que os resultados dessas ações eram menos imediatos do que os obti-
dos pelo controle de uma epidemia, além de serem politicamente mais
delicadas, uma que visavam prioritariamente às áreas rurais e de expan-
são econômica. Os representantes do Governo Central, imbuídos dos
poderes que lhes eram concedidos pelos acordos, relacionavam-se cotidia-
namente, através de variadas ações de tratamento e prevenção de doenças,
com a população do interior do país, com os governos e seus represen-
tantes e com chefes locais. Tudo isso, na verdade, significava a penetração

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do Poder Público em territórios onde a doença era diagnosticada como


resultado justamente de sua ausência.
Evitadas as questões constitucionais, e, portanto diminuindo os
custos de barganha, tornaram-se disponíveis, com grandes incentivos,
recursos financeiros, organizacionais, humanos e técnico-científicos, para
as unidades federativas que, por livre e espontânea vontade, desejassem o
concurso da União para enfrentar os custos impostos pelos seus pro-
blemas sanitários. Os custos tangíveis da transferência dessas atividades
para a União (a perda de autonomia) seriam percebidos pela maioria como
menores do que os custos da sua manutenção na esfera estadual, e inferio-
res aos benefícios vislumbrados pelos acordos. O caráter voluntário da
adesão de cada unidade seria a condição para o aval daqueles que con-
siderassem elevados os custos da presença federal em seu território, mas
que concordavam com essa presença em outros territórios. E para os que
pouco podiam fazer diante da ordem de grandeza de seus problemas
sanitários, a adesão voluntária deveria ser entendida como obrigatória.
Ao contrário do simples ajuste da política à natureza da doença
transmissível, tão desejado pelo movimento sanitarista, a política da doença
que pega se converteria em um processo de barganha, de escolhas in-
dividuais e de ajustes coletivos, que revelam uma trajetória possível da
coletivização da saúde, tornada viável em função de constrangimentos
políticos e restrições econômicas. Em face desses cálculos, regras e esco-
lhas contingentes, foi possível a formação de uma ampla coalizão que
viabilizou a reforma dos serviços sanitários federais e inaugurou uma
etapa de institucionalização e nacionalização das políticas de saúde e
saneamento.

4. A reforma da saúde pública em marcha:


indicadores e impactos

A decisão pela reforma, isto é, a aquiescência das elites à política


coordenada e executada pelo poder central, baseava-se na consciência da
impossibilidade de uma solução individual para os males públicos e da
crescente produção e consumo de externalidades negativas. Os incentivos
aos estados — onde praticamente inexistiam serviços de saúde até fins da

172

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década de 1910 —, com as novas atividades federais e os seus benefícios,


eram bem maiores do que os custos vislumbrados, como a perda da auto-
nomia e da independência.
O Executivo Federal fora autorizado pelo Congresso a regulamen-
tar e organizar o novo Departamento Nacional de Saúde Pública e dar
início ao seu funcionamento. O resultado dessa regulamentação foi um
decreto de 1.195 artigos, que ampliava muito as atribuições da autorida-
de federal (Decreto n.o 14.354, 15-7-1920).12 Seria o esforço regulador
do Governo Central, alargando os limites e condições previamente acor-
dados e contando com o interesse dos pactuantes, que daria conteúdo às
suas próprias atividades e redefiniria as fronteiras da sua autoridade sani-
tária. O meu objetivo aqui é indicar consequências mais imediatas das
escolhas feitas e das decisões tomadas a partir de 1920.13

4.1. A adesão dos estados e a adição de atribuições

A dinâmica de adesão aos acordos para o saneamento rural é reve-


ladora do sucesso e do caráter pouco voluntário do arranjo. Entre o de-
creto inicial de 1918 e o decreto criando o DNSP em 1920, firmariam
acordos para ações de saneamento rural três estados (Paraná, Minas Ge-
rais e Maranhão), além do Distrito Federal. Ao deixar a Presidência da
República, em novembro de 1922, Epitácio Pessoa informava ao Con-
gresso Nacional que quinze estados contavam com a presença da DSPR.
Em 1924, segundo ano do mandato de Artur Bernardes, esse número se
elevara para dezessete. Os únicos que ainda não tinham feito acordos
para o saneamento rural com o Governo Federal eram Goiás, São Paulo
e Rio Grande do Sul (Brasil-MJNI, 1923; Brasil. Presidente, 1919-1922
[Delfim Moreira e Epitácio Pessoa], 1978; Brasil. Presidente, 1923-1926
[Artur Bernardes], 1978; Fraga, 1926, p. 529).

12
Esse decreto foi modificado algumas vezes, até 1923, quando o Decreto n.o 16.300
(31-12-1923) aprovou o regulamento que vigoraria até o final da Primeira República.
13
O ano de 1920 foi um período de organização do DNSP, cujo regulamento só
foi decretado em 15-8-1920, entrando em execução em 1.o-10-1920. Os serviços de
profilaxia rural nos estados só foram efetivamente iniciados em 1921 (ver carta de Belisário
Penna, diretor do DSPR, a Carlos Chagas, diretor-geral do DNSP, de 8-4- 1921, Arqui-
vo Belisário Penna, COC/Fiocruz).

173

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Enquanto agente executor de políticas federais presente em todo


país com independência em relação ao contratante, a DSPR teria suas
funções ampliadas de acordo com as necessidades e as conveniências do
poder central ou dos estados. O decreto que criara o DNSP abrira novas
possibilidades para o combate à lepra e doenças venéreas, com o estabe-
lecimento de uma Inspetoria específica vinculada diretamente à Direto-
ria-Geral.14 A Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas,
conforme suas atribuições básicas executaria os trabalhos no Distrito
Federal e no território do Acre. Esses serviços de profilaxia poderiam ser
estendidos aos demais estados, mediante acordos com a Inspetoria, que
daria orientação técnica e os fiscalizaria, mas seriam realizados pelos ser-
viços federais de profilaxia e saneamento rural instalados nos estados
(artigos 133 e 134, Decreto n.o 14.354, 15-7-1920). Os recursos que
financiariam a profilaxia da lepra, incluindo a instalação de leprosarias,
hospitais e dispensários, viria do mesmo fundo especial, criado para o
saneamento rural (artigo 12.o, Decreto n.o 3.987, 2-1-1920). O controle
federal sobre esses serviços se daria sob as mesmas bases dos serviços de
saneamento rural.
A regulamentação da profilaxia da varíola, em especial a vacinação
e revacinação obrigatórias e as penalidades e restrições aos não vacinados
e recalcitrantes (artigos 354 a 370, Decreto n.o 14.354), prescrevia que
essas ações seriam realizadas nos estados, mediante acordos, e executadas
tanto pelas autoridades estaduais quanto federais, tanto pelos inspetores
de saúde dos portos dos serviços sanitários marítimos quanto pelos mé-
dicos dos serviços de profilaxia rural (artigo 370).
Ao se instalarem nos estados, os serviços federais poderiam ser um
instrumento de implementação de políticas outras, que não apenas o com-
bate às endemias rurais. Uma vez celebrados os acordos e a base técnica e
administrativa instalada pelos serviços de profilaxia rural, não seria difícil
ampliar a responsabilidade federal e os benefícios estaduais, dados os
inesgotáveis problemas de saúde pública. A presença efetiva do poder

14
A hanseníase e as doenças venéreas, especialmente a sífilis, vinham atraindo a
atenção dos sanitaristas e da opinião pública e de filantropos, como Eduardo Guinle, que
começou a colaborar com o DNSP na construção de hospitais e enfermarias no Distrito
Federal (Araújo, 1927).

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central abriria as portas para novas e potenciais atividades da autoridade


pública, e os serviços de saneamento rural seriam a chave. Isto é sugerido
pela informação de que, entre 1920 e 1924, os dezessete estados que
haviam feito acordos para o saneamento rural estenderam-nos para a
profilaxia da lepra, sífilis e doenças venéreas. Estados importantes, como
a Bahia e Pernambuco, tradicionalmente reticentes à presença federal,
mas considerados problemáticos, em termos sanitários, acabaram por
aderir. O Rio Grande do Sul fez um acordo direto com a Inspetoria de
Profilaxia da Lepra. Em meados da década de 1920, a autoridade sanitá-
ria federal estava ausente apenas em Goiás e São Paulo.15
No caso de surtos epidêmicos, em especial de peste bubônica e de
febre amarela, os serviços de profilaxia rural instalados em zonas epidê-
micas poderiam se encarregar do seu combate, como sempre, com a res-
salva da necessidade de autorização dos governos estaduais. Em 1922, a
Diretoria de Saneamento e Profilaxia Rural dava combate à febre amare-
la no estado da Bahia e à peste, no Maranhão, Ceará, Rio Grande do
Norte, Pernambuco e Alagoas (Folhetos de Higiene, LXIV, 1922). O efei-
to da campanha pelo saneamento foi, certamente, tornar fato consumado
a responsabilidade federal no combate a epidemias. A regulamentação
do DNSP prescrevia que, se os surtos epidêmicos não fossem contidos
nas suas origens e ameaçassem outras regiões, as providências federais
seriam imediatas, custeadas pelo Governo Federal e prescindindo de au-
torização prévia do governo estadual (artigo 1.104). De fato, as ações
antiamarílicas e antipestosas dos serviços sanitários eram realizadas com
recursos federais. A partir de 1923, e até o final da década, como já cita-
do, essa tarefa foi partilhada com a Fundação Rockefeller.
Várias atribuições da municipalidade do Distrito Federal foram
transferidas para o DNSP — grande parte dos serviços de higiene, a
fiscalização dos gêneros alimentícios, do comércio de leite e seus deriva-
dos e das carnes —, além de ter sido recriada uma procuradoria privativa
para auxiliar o exercício da autoridade sanitária. Isto revertia, sem dúvida

15
Podemos dizer que, à semelhança da experiência norte-americana, a lepra tor-
nou-se a enfermidade que mais rapidamente foi transferida para a responsabilidade fede-
ral; certamente uma resposta ao problema dos caronas, apontado na primeira seção da
segunda parte deste capítulo.

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alguma, a tendência da legislação de 1914, desmunicipalizando a higiene


pública na Capital Federal.
Manifestações presidenciais e de médicos-sanitaristas indicavam
uma inclinação para aditar novas preocupações e responsabilidades aos
serviços federais nos estados (Brasil-MJNI, 1923; Brasil. Presidente,
1919-1922 [Delfim Moreira e Epitácio Pessoa], 1978; Brasil. Presi-
dente, 1923-1926 [Artur Bernardes], 1978). Em primeiro lugar, a fisca-
lização de alimentos — carne e leite — em especial, os que seriam consu-
midos nos grandes centros, produzidos cada vez mais longe deles e fora
do seu alcance fiscalizador, poderia ser realizada via acordos semelhan-
tes aos de saneamento rural. A mesma possibilidade poderia ser esten-
dida a um novo problema de saúde pública, até então objeto de preocu-
pação apenas de algumas organizações filantrópicas e não muito visível
na agenda pública, a higiene infantil. É interessante notar que alguns
documentos ministeriais sugeriam que se controlasse não só a qualidade
do leite, essencial para a alimentação infantil, mas também o seu preço
para que se tornasse acessível, permitindo à autoridade sanitária inter-
vir no mercado e nas atividades econômicas, para defender e promover a
saúde coletiva (Brasil-MJNI, 1923, p. 212). Ainda que não se tenha
chegado tão longe, o regulamento de 1920 criou uma Seção de Higie-
ne Infantil e Assistência à Infância, com atribuições no Distrito Federal,
e um novo regulamento do DNSP (Decreto n.o 16.300, 31-12-1923)
ampliou o seu status, estabelecendo uma Inspetoria de Higiene Infantil
e a possibilidade de acordos com a DSPR para serviços de assistência,
orientação e fiscalização nessa área (artigo 317). Pelo mesmo decreto de
1923, duas outras responsabilidades foram adicionadas ao DNSP: a
organização de um Serviço de Propaganda e Educação Sanitária (ar-
tigos 108 a 119) e de uma Inspetoria de Higiene Industrial e Profissio-
nal, no âmbito do DF (artigos 1.019 a 1.067). Ambas refletiam novos e
diferentes desafios da agenda sanitária, a educação da população em
assuntos de saúde e, politicamente mais sensível, as condições do tra-
balho industrial.16

16
Para as atribuições do DNSP, por ocasião de sua criação em 1920, conferir nota
40 do Capítulo 3. O regulamento de 1923 (Decreto n.o 16.300) está em Brasil (1924).

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Passados cinco anos dos primeiros decretos sobre profilaxia rural, a


maioria dos estados havia aderido aos convênios e novas atribuições ha-
viam sido adicionadas à autoridade sanitária, distantes do foco central
que empolgara as opiniões pública e profissional: as endemias rurais e as
epidemias. O Poder Público se constituía ampliando seu território, suas
responsabilidades e sua capacidade de implementar políticas sanitárias.

4.2. Preenchendo o mapa do Brasil: a dilatação do Poder Público

Coligindo e organizando as informações existentes sobre a política


de saneamento e profilaxia rural, pode-se constatar que esta rapidamente
se fez presente em quase todo o país. Já em 1922, estavam em funciona-
mento 88 postos sanitários rurais, em quinze estados e no DF, sendo
alguns itinerantes no Amazonas e no Pará, visando atender populações
ribeirinhas. Havia mais dezesseis postos-sede dos serviços nas capitais e
33 subpostos. Ainda que todos os estados contratassem no mínimo dois
postos (como o MT), o número variava de três a quatro, para a maioria
(AM, PA, MA, CE, RN, PB, PE, AL, BA, ES, RJ, SC), concentrando-
-se quase a metade do número total em Minas Gerais (dezoito), Paraná
(oito) e Distrito Federal (dezessete), números que excluem os postos-
-sede. Uma possível explicação para isso é que as áreas suburbanas do
DF foram pioneiras nessa política, sob a inequívoca responsabilidade fe-
deral, sem a necessidade de negociações e acordos, e Minas Gerais e o
Paraná foram os primeiros a firmar convênios para a profilaxia rural, pre-
viamente, até mesmo, à criação do DNSP. Portanto, teriam chegado a
1922 com os serviços estabelecidos e mais organizados, além do fato de
Minas Gerais ter sido o estado que inverteu mais recursos nos acordos. Já
haviam sido criados sete hospitais regionais, vinculados aos serviços fe-
derais, (PA, MA, PB e quatro em MG) e 27 dispensários para o trata-
mento da sífilis e doenças venéreas, pelo menos um em cada uma das
capitais de catorze estados (AM, PA, MA, CE, RN, PB, PE, AL, BA,
MT, RJ, MG, PR, SC), que tinham estabelecido acordos para a profilaxia
da lepra e doenças venéreas, fora os do DF. Leprosários no Pará e
Maranhão estavam em construção em 1922 (Araújo, 1927; Brasil-MJNI,
1921; Brasil-MJNI, 1923; Brasil. Presidente, 1919-1922 [Delfim Moreira

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e Epitácio Pessoa], 1978; Folhetos de Higiene, LXIV, 1922; Arquivo


Belisário Penna, COC/Fiocruz).
Além dos postos federais, havia 58 postos de profilaxia da anci-
lostomíase e verminoses, em cooperação com a Fundação Rockefeller,
em 56 municípios de onze estados: MA (dois), PE (seis), AL (dois), BA
(três), MG (seis), ES (dois), RJ (dez), PR (três), SC (quatro), RS (cinco),
SP (doze) e mais o DF (três) (Faria, 1994, p. 117; Folhetos de Higiene,
LXIV, 1922, p. 42). Note-se que dois estados, RS e SP, que não fizeram
acordos com a DSPR, fizeram-no com a Fundação Rockefeller.17 Além
de manter quatro postos para combate à malária, no estado do Rio de
janeiro, o IHB no Brasil auxiliava o estabelecimento de serviços perma-
nentes de higiene municipal, em Minas Gerais e São Paulo (Folhetos de
Higiene, LXIV, 1922, p. 44). Iniciadas em estados com mais recursos e
limitadas à profilaxia da ancilostomíase, mas expandindo-se para os esta-
dos do Norte e Nordeste e para áreas de ensino, pesquisa, profilaxia da
malária e da febre amarela (Faria, 1994, p. 105), as atividades da Funda-
ção Rockefeller acompanharam a interiorização e a diversificação do pró-
prio Estado brasileiro, no campo da saúde pública.
Ainda que os momentos de adesão dos estados, os recursos dis-
poníveis e as bases dos acordos fossem diferentes, é possível afirmar que,
em pouco tempo, a autoridade sanitária foi se fazendo presente em todo
o território nacional, através, principalmente, das ações de profilaxia das
endemias rurais, da lepra e doenças venéreas, e da prevenção e combate a

17
Retornarei a essa questão quando tratar do caso paulista, no próximo capítulo.
Os postos de profilaxia das verminoses tinham objetivos restritos. Não se tratava de estru-
turas permanentes, não se constituíam em alternativa aos serviços federais, estaduais ou
municipais, nem dispunham da autoridade destes. Entretanto, representavam recursos
adicionais, à disposição dos estados, para dar combate às verminoses e educar a população
em práticas de higiene, aliviando também o orçamento federal. As metas das ações de
profilaxia da ancilostomíase foram assim resumidas: “[. . .] o objetivo claramente estabe-
lecido pela Fundação, desde o começo [. . .], não é erradicar a uncinariose [ancilostomíase
ou opilação], pois lhe falta naturalmente autoridade para obter das populações uma das
medidas profiláticas essenciais, que é a construção de latrinas. [. . .]. A norma de sua
atividade nesse terreno tem sido: estabelecer os índices de infestação das localidades, de-
monstrando assim, com bases irrefutáveis, a disseminação do mal; tratar pelos vermífugos,
em grande massa, as populações rurais, de maneira que elas tenham, com os efeitos da
cura, a noção íntima do valor da saúde; despertar a atenção das administrações locais e
gerais para esses resultados” (Folhetos de Higiene, LXIV, 1922, p. 40 e 44).

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epidemias. Uma infraestrutura nacional de saúde pública insinuava-se


lentamente pelas portas abertas pelos acordos para o saneamento rural,
preenchendo os espaços vazios de autoridade e repletos de doenças.

4.3. Os benefícios do custeio e o custo dos benefícios

Os termos não financeiros dos acordos assinados revelam a exten-


são do poder da autoridade sanitária federal nos estados, estabelecido
pela legislação do período. Considerando que os acordos realizados nos
anos de 1920 e 1921 continham condições semelhantes, tomarei como
exemplo o firmado com o Pará, estado habituado a receber comissões
sanitárias federais, como a da febre amarela, e que tinha como principal
problema sanitário a onipresença da malária. Assinado em dezembro de
1920, para o combate às endemias rurais pela DSPR no Pará, o acordo
tinha como condição primeira a aceitação pelo estado “de todas as leis
sanitárias, disposições e instruções” da autoridade sanitária federal, além
de “promover” esta aceitação pelos municípios. Uma outra condição (3.a)
era que os serviços seriam organizados no estado, “a exclusivo critério” do
DNSP, instalando-os, “de preferência”, nas regiões mais atingidas pelas
endemias, mais densamente povoadas e mais importantes do ponto de
vista econômico. Os serviços previstos por esse acordo seriam executados
por comissões organizadas pelo DNSP, “sem intervenção de qualquer
autoridade estadual ou municipal” (4.a condição), mas estas deveriam pres-
tar “apoio moral”, auxiliar e facilitar os trabalhos dos serviços federais
(16.a condição). Uma cláusula mais específica seria que o Governo Fede-
ral construiria por conta própria uma leprosaria onde seriam internados,
preferencialmente, doentes domiciliados no estado, que pagaria uma taxa
pelo tratamento (12.a e 13.a) (Souza Araújo, 1922, pp. 22-5).
Os termos gerais do acordo com o município de Belém, celebrado
dois anos depois (11/1/1922), eram semelhantes aos do acordo com o
estado, em especial no que dizia respeito à independência e poder da
autoridade sanitária federal. Alguns detalhes relativos às atribuições mu-
nicipais são importantes. Por exemplo, a fiscalização de gêneros alimentí-
cios seria feita pela municipalidade, mas obedecendo à legislação federal
sobre o assunto (4.a condição); os serviços de polícia sanitária e higiene

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de habitações, nos quais a ação coerciva do Poder Público se fazia sentir


mais fortemente, seriam realizados conjuntamente pelo serviço de pro-
filaxia rural e pelos serviços municipais, com multas e penalidades regidas
pela legislação federal (5.a condição); uma cláusula financeira específica
previa que parte da contribuição do município seria destinada à compra
de sais de quinina para tratamento itinerante da malária, ao longo de uma
via férrea que atravessava o município (2.a condição) (ibidem, pp. 34-6).
Por ocasião de uma revisão do regulamento do DNSP (Decreto n.o
15.003, 15-9-1921), foi firmado, em 1922, um acordo específico com o
Serviço Sanitário Estadual, que explicitava as responsabilidades federais
no estado e afirmava a autoridade do novo regulamento sobre todo o
território paraense. O acordo estipulava as responsabilidades federais no
estado. O Serviço de Saneamento e Profilaxia Rural, além das suas atribui-
ções básicas, ficava responsável: pela fiscalização do exercício da medicina,
farmácia, odontologia e obstetrícia e de produtos farmacêuticos, soros,
vacinas e outros itens biológicos em todo o estado; pela polícia sanitária
em geral e profilaxia geral de doenças transmissíveis e específica das doen-
ças de notificação compulsória, câncer e doenças venéreas nas áreas subur-
banas e rurais; e, quando necessário, pela vigilância do isolamento dos
doentes menos no caso de tuberculose. No perímetro urbano, essas ações
caberiam ao serviço estadual, à exceção da lepra e de doenças venéreas, a
cargo exclusivamente da autoridade sanitária federal. Também caberia à
autoridade estadual os serviços de higiene escolar e a assistência pública
e hospitalar. A polícia sanitária e os serviços de higiene das habitações
ficariam a cargo dos serviços federais, podendo o estado reservar-se o
direito de fiscalizar residências particulares, à exceção de prostíbulos e
habitações de pessoas suspeitas de doença venérea (ibidem, pp. 36-8).
O extenso regulamento do DNSP de 1920 e o de 1923 (que per-
durou até o fim da década) e a legislação sanitária franqueavam ao Poder
Público a intervenção direta em muitos aspectos da vida social e em inúme-
ras atividades econômicas. Nesse sentido, é possível afirmar que, com o
beneplácito dos governos estaduais, as atribuições dos serviços federais
de saneamento rural tinham sido ampliadas e se tornado mais complexas,
se comparadas com os seus primeiros experimentos no Distrito Federal e
com os decretos de 1918 e 1919.

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Um elemento importante são as fórmulas de custeio dos acordos


para implementação dos serviços de profilaxia rural que, na verdade, es-
clarecem a dinâmica de adesão a eles. Havia duas fórmulas de acordo
entre estado e a União, derivadas do decreto que criara o DNSP (artigo
9.o, Decreto n.o 3.987). Pela primeira fórmula, o estado depositava meta-
de dos recursos acordados, com igual contrapartida da União, para o pe-
ríodo de tempo estabelecido para realização dos serviços. Na segunda,
caso o estado não dispusesse desses recursos, poderia contratar os servi-
ços federais, pagando em prestações anuais por um período a ser estipu-
lado, tornando-se devedor do Governo Federal, com a condição de esta-
belecer uma taxa de valorização sobre os terrenos saneados ou um adicional
sobre o imposto territorial. Os prazos dos acordos variavam de dois a
quatro anos e o prazo de pagamento da metade das despesas seria em
torno de dez anos. Por exemplo, no caso do Pará, o acordo firmado em
1920 correspondia a três anos de trabalho, no valor total de 900 contos
de réis. Os 450 contos de réis de responsabilidade estadual seriam amor-
tizados anualmente, ao longo de dez anos (45 por ano), a partir de 1922
(Souza Araújo, 1922, pp. 22-5).
Segundo o diretor de Saneamento e Profilaxia Rural do DNSP,
dos quinze estados que contrataram os serviços federais, um terço havia
optado pela primeira fórmula (MA, MG, PE, RJ, RN) e os demais (AM,
PA, CE, PB, AL, BA, ES, PR, SC, MT) pela alternativa de indenizar a
longo prazo a União. Portanto, a maioria dos acordos exigia imediatamente
cem por cento de recursos federais. Não é surpreendente que todos os
que optaram por indenizar a União em dez anos tivessem firmado acor-
dos com despesas anuais superiores às contraídas por aqueles que prefe-
riram pagar imediatamente as suas partes, excetuando-se Minas Gerais.18
Essa lógica de obter o máximo do poder central é confirmada pela
revelação de que, mal haviam sido iniciados os serviços, vários estados já

18
Todos esses dados estão nos comentários datilografados de Belisário Penna so-
bre o orçamento de despesa da DSPR, aprovado pela Câmara Federal para o ano fiscal de
1922, sem data, provavelmente segundo semestre de 1921 (Arquivo Belisário Penna, COC/
Fiocruz). Parte dessas informações estão incorporadas na exposição de Epitácio Pessoa ao
deixar a presidência, em 15/11/1922 (Brasil. Presidente, 1919-1922 (Delfim Moreira e
Epitácio Pessoa), 1978).

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manifestavam o desejo de aumentar os valores totais de seus acordos, o


que significava mais recursos do orçamento da União. Esse movimento
ocorreu tanto entre aqueles que tinham optado pela primeira fórmula
(MA, RN, PE, MG), quanto entre os que escolheram a segunda (PA,
AL, PR). Minas Gerais à parte, todos solicitaram acréscimos de 70 a
100% dos valores inicialmente estabelecido.19 A expectativa seria que os
recursos federais viriam de um fundo especial, criado para financiar as
obras de saneamento que, segundo previsões otimistas iniciais, arrecada-
ria um milhão de dólares no seu primeiro ano.20
Todos buscavam o máximo de benefícios no presente, procrasti-
nando o pagamento da conta. Ainda que eu não disponha de informa-
ções precisas sobre o pagamento das dívidas dos estados, sugiro que seria
muito difícil, na década de 20, que a maioria das unidades federativas e as
municipalidades, no estado de penúria em que se encontravam, tivessem
uma estrutura de arrecadação capaz de coletar a taxa de valorização sobre
terrenos saneados ou o adicional sobre imposto territorial que eram obri-
gadas a criar para firmar os acordos, com o fato adicional de que essa
tributação atingiria propriedades rurais, o que por si só gerava um pro-
blema político difícil de ser administrado.
Dadas as dificuldades do próprio Governo Federal para estabe-
lecer o imposto de renda, instituído em 1922 (Pena, 1992), suponho que
dificilmente essas taxas tenham sido cobradas por estados e municípios,
que, assim, dispunham de poucos recursos para ressarcir a União, adian-
do o pagamento de sua dívida enquanto puderam renegociá-la e con-
tinuar contando com recursos federais. Um exemplo: nos termos do acor-
do assinado pela Bahia para estender os serviços de profilaxia rural e

19
Belisário Penna preocupava-se com a pressão sobre o seu orçamento, temendo
não efetivar os serviços contratados, também porque as despesas fixas no DF, área de
competência exclusiva da DSPR, correspondiam, aproximadamente, a 20% do total de
seu orçamento (Arquivo Belisário Penna, COC/Fiocruz).
20
Previsão feita quinze dias depois do início da execução do regulamento do DNSP
por L. W. Hackett, em carta a W. Rose, em 15-10-1920, Arquivo Rockefeller: Banco de
Dados, Uerj/IMS. Belisário Penna, em correspondência a Carlos Chagas, datada de 8-4-
-1921, revelava-se menos otimista com a capacidade do Governo Federal de estabelecer o
fundo. Em pleno processo de ampliação do número de estados que optavam pelos acor-
dos, o Governo ainda não sabia estimar quanto arrecadaria, dificultando o planejamento
dos serviços da DSPR (ver Arquivo Belisário Penna, COC/Fiocruz).

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da lepra por mais três anos, a partir de 1925, havia uma cláusula (7.a)
que permitia ao estado pagar a dívida contraída, nos acordos anterio-
res, em dez parcelas anuais a partir de 1926.21 Enquanto as dívidas pude-
ram ser negociadas e o orçamento permitiu, a política de saneamento
rural e outras ações de saúde pública foram executadas e custeadas pelo
poder central.
Em resumo, há indícios suficientes para afirmar que a reforma da
saúde inaugurou um novo ciclo de expansão do Poder Público. A adesão
da maioria dos estados evidencia que os benefícios dessa presença eram
avaliados como superiores aos seus custos. Parte considerável desses cus-
tos e benefícios não foram definidos pelo Legislativo e pela dinâmica
política do período 1918-1919, mas pela própria autoridade sanitária
federal, nos acordos com os estados e no processo de implementação dos
serviços de saneamento. Nesse sentido, a política de saneamento e pro-
filaxia rural foi, a partir de acordos voluntários, regulamentações e ações
federais e conveniências locais, o instrumento de transformação da saúde
em uma atividade cada vez mais pública e nacional. Na implementação
de políticas públicas — mediante um processo lento e desigual, porém
contínuo, a autoridade sanitária foi se constituindo, assumindo gradual-
mente novas e maiores atribuições, ocupando o país com prédios públi-
cos, instituições, exames, médicos, vermífugos, funcionários, fossas, pa-
lestras e folhetos educativos, cadastros de residências, estatísticas, vacinas
e regulamentos.

5. Nos estados ou dos estados? Constituição de autoridade


e a redistribuição de responsabilidades

A rápida expansão dos serviços federais de saneamento e profilaxia


rural pode ser acompanhada através de duas interpretações sobre o papel
do poder central e o futuro de suas atividades nos estados e municípios.

21
Acordo reproduzido em Revista de Saúde Pública, vol. 1, n.o 4, 1925, pp. 72-3.
Esse acordo contou com a intermediação do influente médico e deputado federal baiano,
Clementino Fraga, que representou o Governo Estadual na sua assinatura. Fraga substi-
tuiria Carlos Chagas na direção-geral do DNSP em 1926 e ficaria no cargo até 1930
(ibidem).

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A coalizão resultante do encontro da consciência com as oportunidades,


pela qual todos se acreditavam aquinhoados, não resistiria muito tempo à
sua implementação enquanto política pública.
Numa primeira perspectiva, expressa principalmente pelo Execu-
tivo federal, parte das novas atividades federais nos estados teriam um
caráter transitório, voltadas para os problemas sanitários considerados
mais urgentes, auxiliando e muitas vezes organizando os serviços locais.
Segundo essa orientação, os estados e municípios deveriam ir constituin-
do seus serviços sanitários e aumentando sua participação financeira, até
se responsabilizarem integralmente pelas ações ordinárias de saúde pú-
blica. O aumento do poder da autoridade central seria um desvio neces-
sário, porém transitório, de uma distribuição original do poder.
Esses argumentos aparecem repetidamente em mensagens dos pre-
sidentes Epitácio Pessoa e Artur Bernardes ao Congresso Nacional (1920
a 1926), nas quais o tema da saúde pública ocupou espaço de destaque se
comparado com as mensagens de períodos anteriores. Em 1923, Bernardes
relatava que a opção pela centralização dos serviços sanitários era uma
resposta, ao mesmo tempo, à “difusão e intensidade” das endemias e à
“deficiente capacidade técnica ou financeira” de alguns estados. A meta
seria tornar possível, no futuro, a substituição desse regime transitório
por um mais estável e permanente, sob a responsabilidade das adminis-
trações estaduais e municipais (Brasil Presidente, 1923-1926 [Artur
Bernardes], 1978, pp. 32-6). Dessa perspectiva, os serviços de saneamento
rural nos estados, como eram designados oficialmente, deveriam trans-
formar-se em serviços dos estados, diminuindo a pressão sobre o orça-
mento federal e evitando o desgaste político do governo nas suas atividades
cotidianas, que implicavam ações coercitivas, nomeações que desagrada-
vam chefes locais, etc. Em 1924, o presidente da República esclarecia
essa posição diante do Congresso:

A modalidade administrativa atual desses serviços [. . .] constitui


regime transitório, que deverá ser oportunamente substituído por
outro definitivo, quando os resultados dos próprios serviços e a
consciência de sua rara utilidade levarem os municípios a realizá-
-los, com orientação acertada às suas próprias expensas. Deve ser

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esse o objetivo a atingir pelas administrações estaduais, pois só


da organização regular e efetiva da higiene municipal resultará o
saneamento geral e permanente do nosso vasto interior (ibidem,
p. 212).22

Desse ponto de vista, a resposta ao binômio sertão-hospital (ou


ausência-doença), discutido no Capítulo 2, seria a presença dos serviços
públicos de saúde. Porém, a imensidão do país e a vastidão do problema
indicavam que os esforços deveriam ser feitos de modo coordenado pelas
três esferas de governo. O Governo Federal tinha um papel inicial de
implantação e organização das atividades de saneamento e saúde, neces-
sário para enfrentar os impasses da interdependência em uma situação
considerada emergencial. Em uma segunda etapa, superados esses proble-
mas e organizados os serviços, as atividades regulares e permanentes deve-
riam ser executadas por estados e municípios, cabendo ao poder central o
papel de coordenação e normatização dos serviços, de regulação dos
problemas interestaduais e internacionais e de execução de atividades
emergenciais.
De uma outra perspectiva, quando da implantação dos serviços
federais de saneamento rural nos estados, algumas vozes importantes já
reivindicavam que o Governo Central assumisse de uma vez por todas as
despesas com essas atividades, sem exigir nenhuma contrapartida de
estados e municípios, muito menos qualquer indenização futura. Essa
orientação provinha daqueles que perseveravam na opinião de que o sanea-
mento rural era um problema nacional e que a reforma de 1920 era mais
uma etapa para que o Estado assumisse completa e definitivamente a
responsabilidade para com a saúde da população brasileira. Essa demanda
foi bastante veiculada pelos médicos sanitaristas que ocupavam as princi-
pais posições nos serviços federais de saneamento rural, vinculadas à DSPR,

22
Ressalto que o período 1922-1926 foi conturbado, politicamente, e presenciou
uma reforma da Constituição que aumentava os poderes federais vis-à-vis os estados e o
Legislativo Federal (Bello, 1956; Carone, 1974). A presença e as atividades dos serviços
sanitários certamente foram afetadas pelas revoltas políticas e intervenções que ocorre-
ram em alguns estados. Há também indicações sobre o crescimento dos problemas de
financiamento federal dos serviços de saneamento rural e o abandono das obras contra as
secas iniciadas no Governo Pessoa.

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pelos chefes das comissões federais nos estados, em geral funcionários


públicos e militantes da campanha pelo saneamento na década anterior.23
No entendimento daqueles que executavam os serviços de sanea-
mento em áreas onde eram, muitas vezes, os primeiros e/ou principais
representantes do Poder Público, os dilemas da interdependência sanitá-
ria nem de longe estariam equacionados com soluções de caráter volun-
tário. Ao contrário, os acordos como política transitória apenas reforça-
riam a necessidade da mais completa estatização e nacionalização dos
serviços de saneamento. Desconheço melhor formulação do problema
do que a transcrita a seguir com três situações hipotéticas:

Suponhamos o Estado A limitando-se ao norte com o Estado B, e


ao sul com o Estado C. A e C contratam serviços de saúde com a
União, mas B recusa-se a isso, embora no seu território grassem
endêmica e epidemicamente as verminoses, o impaludismo, a pes-
te e a febre amarela. Ou A e C mantêm um serviço permanente e
dispendioso de vigilância nas suas fronteiras com B, para impedir a
invasão dessas doenças transmissíveis, ou, esgotado o prazo do acor-
do, e impossibilitados de renová-lo por motivo de ordem financei-
ra, abandonam a vigilância e deixam-se invadir pelas doenças, sa-
crificando todo o esforço e dinheiro até então despendidos. [. . .]
Vamos, porém, supor o caso do estabelecimento do serviço sanitá-
rio nos três estados limítrofes, por acordo com a União, pelo prazo
de dois anos, decorridos os quais, por esse ou aquele motivo, não
sejam renovados. [. . .] Terminado os acordos, fecham-se os hos-
pitais, os dispensários e os Postos Sanitários? Deixam-se em meio
do tratamento e incuradas, as pessoas que os frequentavam? (Penna,
1922, pp. 15-6).

Portanto, dessa perspectiva, exigir que os estados continuassem


participando financeiramente dos serviços executados pela União seria

23
Publicações oficiais da DSPR deixam claro que se tratava de serviços nos esta-
dos e nos municípios, mas não pertenciam a eles (ver, por exemplo, Barros Barreto, 1923;
Brasil-DNSP/DSPR, 1922; Souza Araújo, 1922; Torres, 1924 e Arquivo Belisário Penna,
COC/Fiocruz).

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permanecer negando o caráter nacional do problema e condenar essa


política pública à descontinuidade e aos mesmos dilemas iniciais tão
logo problemas financeiros, ou mesmo idiossincrasias, impedissem a
renovação dos convênios. Bases mais sólidas de financiamento do Go-
verno Federal para ações permanentes de saúde e saneamento nos es-
tados teriam de ser garantidas tanto pelo orçamento federal quanto por
um fundo especial previsto nos decretos que criaram e regulamentaram o
DNSP, embora, segundo todas as indicações, nunca efetivamente imple-
mentado.24

A contraposição dessas duas orientações conflitantes no período é


um expediente para introduzir a consideração de que a atuação do poder
central viabilizou a presença da autoridade pública em todo o território
nacional, independentemente da caracterização dessa atuação como tran-
sitória ou não. Nem o Governo Central seria capaz política, técnica e
financeiramente de se encarregar da saúde pública em o todo país nem
havia a possibilidade de retornar a uma situação inicial, modificada justa-
mente pela atuação do Poder Público. Decisões baseadas em cálculos
contextualizados pelo ordenamento de 1891 produziram políticas esta-
tais que o alteraram. A necessidade de atividades regulares de saúde pú-
blica e o enfrentamento de novos e infindáveis problemas demandariam
novas relações entre a autoridade federal e os estados. Porém, o equilíbrio
entre o poder central e o dos estados fora alterado na questão sanitária
em favor do primeiro.
Um elemento importante na relação entre Governo Federal e esta-
dos tinha a ver com a incapacidade política de muitos deles executar

24
Esse dado teria sido um dos motivos que levaram a defecções no movimento
sanitarista. Sua unidade, garantida por objetivos muito gerais como saneamento do Brasil,
não resistiu aos conflitos pessoais, técnicos e políticos que ocorreram a partir do momento
em que suas lideranças foram alçadas ao controle dos principais postos do DNSP, em
1920. Belisário Penna deixou a DSPR em 15-11-1922. Suas cartas ao diretor-geral do
DNSP, Carlos Chagas, e as cartas recebidas de seus subordinados nos estados, no período
1921-1922, revelam conflitos em torno de questões orçamentárias, da orientação política
mais geral do DNSP e das relações com políticos estaduais. Esse desencanto de Penna
significava a rejeição da política e da barganha que, necessariamente, produziriam políticas
públicas diversas daquelas imaginadas como respostas científicas aos problemas da natu-
reza (ver Arquivo Belisário Penna, COC/Fiocruz e Arquivo Carlos Chagas, COC/Fiocruz).

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ações que interferissem com o poder local. Em estados, como a Bahia


nos anos 20, onde a chefia estadual tinha dificuldades de controlar e agir
coercivamente sobre as várias facções locais, os serviços sanitários encon-
travam resistências para agir fora das capitais. O chefe dos serviços de
saneamento rural na Bahia no início da década, Sebastião Barroso, rela-
tou em cartas os enormes entraves impostos aos serviços federais por
potentados municipais, em especial aos trabalhos de polícia de focos contra
vetores, que implicavam entrar nas habitações e propriedades, e às ações
fiscalizadoras e punitivas (Arquivo Belisário Penna, COC/Fiocruz; Bar-
roso, 1923). Havia, no entanto, uma diferença crucial entre os serviços
estaduais e federais. Quando ocorria resistência excessiva, os responsá-
veis pelos últimos apelavam para as tropas federais e para ameaças de
intervenção da União.25 Barroso indicava que:

Nos Estados do norte, a política é muito tensa e um amigo ou


adversário político é sustentado ou combatido por todos os meios.
A lei é geralmente letra morta e os governos locais não a podem
geralmente fazer cumprir. Só há um elemento que se faz respeitar
e valer: é a ação federal (carta reservada de Sebastião Barroso a
Belisário Penna, circa outubro de 1921, Arquivo Belisário Penna,
COC/Fiocruz).26

Nesse sentido, a importância da presença sanitária federal, para


além de todos os benefícios já discutidos, era a efetiva presença do Poder
Público, no seu sentido primeiro: fazer cumprir a lei. Com isso, os servi-
ços federais tornavam-se muito mais efetivos, uma vez que contavam
com o recurso à maior capacidade de coerção do poder central. Dessa

25
Há várias informações sobre uma razoável interação do Exército com os servi-
ços de saneamento, em áreas do interior do Nordeste, principalmente com a cessão de
imóveis e infraestrutura militares para a instalação dos serviços (ver Arquivo Belisário
Penna, COC/Fiocruz).
26
De maneira distinta, e mais extensamente, Castro Santos analisou as dificuldades
do estabelecimento de políticas estaduais de saúde na Bahia, a partir, entre outros fatores,
da ausência de unidade entre as elites estaduais e do facciosismo regional, em contraste
com a coesão das elites paulistas, como facilitadoras da instauração de políticas públicas
de saúde (Castro Santos, 1987, cap. 5).

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forma, auxiliavam no estabelecimento da autoridade pública em áreas


não alcançadas pelos governos estaduais.
Ao longo do tempo, os estados aumentaram suas responsabilida-
des em saúde pública, ainda que com ritmos diferenciados, organizando
seus próprios serviços sanitários e legislação pertinente, aumentando suas
dotações orçamentárias e substituindo parcialmente a presença federal
em várias atividades. Em alguns estados, como na Bahia, começou a ocor-
rer uma superposição entre as chefias dos serviços federais e estaduais,
que buscava racionalizar as ações sanitárias e indicava o crescimento da
responsabilidade estadual. Outros estados, no decorrer da década de 20,
simplesmente não renovaram seus convênios para a profilaxia rural, da
lepra e de doenças venéreas, por motivos financeiros, por desavenças po-
líticas ou por não os considerarem mais necessários (Araújo, 1927; Fraga,
1928). Observadores do período chamaram a atenção para o fato de que
quase todos os estados aumentaram suas despesas anuais com saúde e
assistência pública, independente dos valores invertidos nos acordos com
o Governo Federal. Em alguns casos, isso significou percentuais mais
expressivos do total de seus orçamentos.27
Não obstante, os serviços sanitários federais continuaram respon-
sáveis por várias ações nos estados — que permaneciam com sérios pro-
blemas financeiros —, em especial as de profilaxia das endemias rurais,
da lepra e doenças venéreas, vacinação contra a varíola e de combate a

27
Em 1926-1927, catorze dos vinte estados gastaram mais de 2% dos seus orçamen-
tos em saúde e assistência, dado considerado significativo pelo chefe dos Serviços de Sa-
neamento Rural na Bahia, diante dos muitos anos de desprezo para com o problema (Barreto,
1927). Os estados com percentuais maiores do que 4% eram, por ordem crescente, PR
(4%), AM (4,1%), SP (4,4%), MT (4,5%), PE (6,4%), BA (6,6%) e RN (7,7%), ao passo
que os que gastavam menos de 2% eram RS (1,9%), GO (1,7%), CE (1,3%), RJ (1,1%),
ES (0,8%), SC (0,5%) e PI (0,4%). Em termos absolutos, os estados que mais despendiam,
pela ordem decrescente, eram SP, BA, MG, PE, RS e PR. O total das despesas desses
estados correspondia a quase 90% do total dos gastos pelos vinte estados, com saúde. Os
gastos de São Paulo correspondiam, aproximadamente, a 50% desse total, e equivaliam a
cerca de 60% do total da despesa orçamentária dos serviços federais reunidos no DNSP
em 1926 (cf. informações sobre o DNSP em Labra, 1985, p. 154). Os menores valores
eram os do PI, GO, SC e CE (ibidem, pp. 122-3). Comparativamente eram PE, BA e PR
que, com orçamentos muito menores que SP, MG e RS, combinavam os maiores valores
absolutos e os maiores percentuais. Apesar do entusiasmo com que Barreto organizou e
apresentou esses dados, como indicadores do crescente envolvimento dos governos esta-
duais com a questão sanitária, é flagrante a desigualdade entre os estados da Federação.

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surtos epidêmicos.28 As despesas orçamentárias para o custeio do DNSP


tiveram um crescimento expressivo nos anos 20, refletindo a tendência
de incorporar novas ações, mais funcionários e transformar-se em uma
estrutura mais complexa.29
A formação de profissionais em saúde pública, com a criação de
cursos e escolas especializadas para médicos e enfermeiras, a fiscalização
da prática profissional e a organização de serviços de estatísticas para o
país como um todo eram as novas metas do DNSP, enquanto os serviços
sanitários mantinham a tradição da campanha pelo saneamento do Bra-
sil, popularizando as práticas de higiene e conscientizando as elites na
capital e nos estados. Os instrumentos tradicionais eram as palestras e os
panfletos, porém novas atividades apareceram, como os cursos populares
de higiene e os programas educativos de rádio, esforços que buscavam
alcançar um número mais expressivo de pessoas.30
Em 1923, com financiamento da Fundação Rockefeller, foi criada
a Escola de Enfermagem Ana Nery, no Rio de Janeiro, vinculada à Supe-
rintendência de Serviços de Enfermagem do DNSP. Os estados envia-
vam alunas que, formadas, retornavam aos serviços estaduais. Havia tam-
bém a possibilidade de bolsas de estudos nos EUA (Brasil-MJNI, 1923;
Faria, 1994; Fraga, 1928). No campo médico, um curso de especialização
em higiene e saúde pública fora inaugurado na FMRJ, em 1926, sendo
ministrado em parceria com o Instituto Oswaldo Cruz. Segundo palavras

28
O retorno de surtos de varíola e de febre amarela, entre 1926 e 1928, no Distrito
Federal, alertava o Governo Federal sobre a necessidade de garantir a compulsoriedade
da vacinação antivariólica, no plano nacional, e o lembrava da fragilidade do país em
relação à ameaça da febre, alvo de ações da Comissão de Febre Amarela sob comando da
Fundação Rockefeller. Segundo vários autores, o retorno da febre amarela teria sido um
importante fator no abalo do prestígio da fundação norte-americana (Barros Barreto,
1929; Cueto, 1996; Faria, 1994).
29
Os recursos do Tesouro alocados no DNSP tiveram incremento de cerca de
180%, entre 1920 e 1925, e de aproximadamente 50%, entre 1925 e 1930, isso sem contar
os créditos extraordinários, destinados a combater surtos epidêmicos em vários estados
(cf. percentuais obtidos de informações coletadas e organizadas por Labra, 1985, p. 154).
30
Segundo dados de João de Barros Barreto, entre 1919 e 1926 foram realizadas
4.137 conferências (45 em 1919 e 2.189 em 1926), pelo pessoal dos serviços de sanea-
mento nos estados, e por estes distribuídos cerca de 590.000 impressos educativos (ver
Saneamento, ano 2, n.o 3, 1927). Os Cursos Livres de Higiene em 42 lições eram ministrados
sob os auspícios da Diretoria de Saneamento (ver Saneamento, ano 1, n.o 2, 1926), e várias
conferências sobre higiene eram transmitidas pela Rádio Clube do Brasil (Autran, 1926).

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do presidente Bernardes, seu objetivo era a criação de “[. . .] um corpo de


higienistas de carreira, devotado exclusivamente a funções sanitárias [. . .]”
(Brasil. Presidente, 1923-1926 [Artur Bernardes], 1978, p. 628).31
Uma implicação significativa desse processo foi a formação de uma
identidade profissional no interior dos quadros técnicos, criados para diri-
girem e atuarem nos serviços públicos de saúde. Assim, deu-se um lento,
porém evidente, processo de diferenciação entre os médicos clínicos e os
higienistas/sanitaristas, por exemplo. Se a reivindicação, inicialmente, era
que os cargos fossem monopólio de médicos, em 1929 a demanda se par-
ticularizava: não seriam destinados a quaisquer médicos, mas somente para
os formados e especializados em saúde pública. Esse movimento de consti-
tuição de diferentes identidades profissionais, que começou no final do
século XIX, sofre o impacto do crescimento do Estado na área de saúde.32
A partir de meados da década de 1920, houve um esforço para
produzir, normatizar e publicar informações demográfico-sanitárias o qual,
no entanto, esbarrou na ausência de serviços de estatísticas na maioria
dos estados e municípios, ou mesmo de qualquer forma regular de orga-
nização e publicação dessas informações. Foram os inspetores de saúde
dos portos e os chefes dos serviços de saneamento rural nos estados —
servidores federais — que passaram a receber as informações, nos locais
onde se encontravam organizadas, e a enviá-las à Inspetoria de Demografia
Sanitária do DNSP. Nos lugares onde isso não ocorria, os funcionários
federais relacionavam-se diretamente com os Juizados de Paz e cartórios,
para coligir informações sobre óbitos, nascimentos, natimortos, etc. Tra-
tava-se de um esforço para montar uma base de informações nacional,
não restrita apenas ao DF e aos estados que tinham serviços sanitários
mais organizados, como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia

31
Essa formação de médicos sanitaristas era feita com o auxílio da Fundação
Rockefeller, que concedeu em torno de setenta bolsas de estudos nos EUA (para a The
Johns Hopkins University) e incentivou a criação do Instituto de Higiene na Faculdade
de Medicina de São Paulo (Cueto, 1996; Faria, 1994; Labra, 1985).
32
Nas propostas da ANM e da Liga Pró-Saneamento do Brasil entre 1917 e
1920, reivindicava-se simplesmente os principais cargos para os médicos. Em 1929, du-
rante o V Congresso da Sociedade Brasileira de Higiene, defendia-se a criação do Minis-
tério da Saúde, assegurando o monopólio dos cargos de ministro e de diretores a sanitaris-
tas de profissão, além da adoção da dedicação exclusiva em regime de tempo integral para
os médicos sanitaristas (Barreto, 1929).

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e Pernambuco. Por exemplo, acordos entre chefes dos serviços nos estados
e respectivos governos foram celebrados para que estes adotassem o mode-
lo de declaração de óbito utilizado pelo DNSP, na Capital Federal (Fra-
ga, 1928). Enfim, estabelecia-se um primeiro passo na produção nacio-
nal de informações essenciais para a tomada de decisões políticas, para a
alocação de recursos e para o planejamento das ações de saúde pública.33
O estabelecimento da autoridade sanitária permitiu que, continua-
mente, novos e velhos problemas fossem reintroduzidos na agenda sani-
tária, alargando as preocupações, as responsabilidades e as atividades da
autoridade pública em todos os níveis e em todo território nacional. Do
ponto de vista analítico, o importante é ressaltar a expansão do Poder
Público, independentemente do seu locus. A esfera para a qual foram
transferidas as responsabilidades sanitárias dependeu de um acordo cujas
bases foram sendo modificadas no decorrer do próprio processo. Analitica-
mente, seria possível afirmar que, em um dado momento, os custos exter-
nos poderiam declinar, até pelos benefícios das ações da autoridade sani-
tária, podendo ser superados pelos custos da presença do poder central.
Assim, sugiro fortemente que as ações de saúde e saneamento fo-
ram veículos importantes no processo de constituição do Poder Público
no Brasil da Primeira República. O começo da transformação dos servi-
ços nos estados em serviços dos estados, ao invés de significar um recuo e
o descompromisso do Governo Central, ou uma vitória das posições au-
tárquicas e um retorno ao mundo de 1891, seria um indício de sucesso da
formação da autoridade pública. A diferença é que o poder central esta-
beleceu uma enorme capacidade de definir e executar políticas de largo
alcance, a qual, pelas suas características institucionais, não teria concor-
rentes. A consciência e os interesses geraram decisões políticas que, nesse
processo, ao serem implementadas, modificaram os fatores do cálculo
inicial e alteraram as próprias unidades decisória relevantes.

33
Parece-me pertinente observar que, nas experiências inglesa e norte-americana,
o movimento pela responsabilidade governamental na área de saúde teve como elemento
importante a consolidação institucional e legal das chamadas estatísticas vitais (Metz,
1984; Schwartz, 1977, pp. 8-20). No caso brasileiro, a necessidade de organização e
normatização dessas estatísticas é uma demanda posterior, uma consequência da amplia-
ção da autoridade pública. As estatísticas demográfico-sanitárias de muitos estados fo-
ram, no início, organizadas a partir de acordos com a União.

192

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6. Considerações finais

Ao longo deste capítulo, busquei exemplificar os principais pro-


blemas da interdependência sanitária, e os benefícios e os custos — per-
cebidos e experimentados — pelos estados brasileiros na estatização da
saúde. Propus um modelo interpretativo sobre as razões e a forma pela
qual seria possível transferir para o Governo Central atividades que cons-
titucionalmente estavam sob a responsabilidade da esfera local. Verifi-
quei os rendimentos analíticos desse modelo, discutindo a execução da
reforma dos serviços sanitários federais iniciada em fins da década de
1910 e ampliada no início da década seguinte.
Partindo do estágio I, a relação autárquica entre as unidades, a per-
cepção dos efeitos externos negativos e a característica da não exclusão
vinculadas às condições sanitárias e à produção de bem-estar, implicaram
a consciência da dificuldade de formas de proteção exclusivamente locais
e a indicação, pelos principais observadores, de que a solução ideal seria a
transferência de responsabilidades para o Estado nacional, reconhecido
como o único capaz de agir sobre os elos de interdependência sanitária.
A constituição de um arranjo ampliado sob a coordenação do poder cen-
tral e/ou de um arranjo simplesmente compulsório (II e/ou III) não de-
penderia somente da consciência dos custos externos, mas também dos
custos e benefícios percebidos das ações do poder central, advindos dessa
transferência vis-à-vis os custos externos.
Uma política nacional de saneamento e profilaxia rural aprovada
pelo Legislativo e executada pelo Executivo foi possível porque continha
mecanismos e regras que faziam com que os custos do recurso ao poder
central fossem inferiores tanto aos custos externos quanto aos seus be-
nefícios. Sua implementação aumentou os benefícios e os custos conse-
quentes da nacionalização, com resultados percebidos como positivos
por quase todas as unidades com atribuição de decisão que aderiram
aos convênios com a União. A cooperação resultou do estabelecimento
de uma consciência sanitária e, principalmente, dos incentivos mate-
riais oferecidos às partes envolvidas. As novas atividades governamen-
tais significavam recursos financeiros, humanos e organizacionais e

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possibilitavam que o poder central impedisse os caronas, agisse sobre os


incautos e ajudasse os ineptos.
A viabilidade de uma política pública e nacional como o sanea-
mento rural estava assentada nas condições específicas para se obter be-
nefícios mediante recurso ao poder central. Estabelecidos os custos ex-
ternos, a adesão dependeria da avaliação de cada unidade sobre o ônus da
presença da autoridade federal, evitando, assim, possíveis questionamentos
de ordem constitucional. A coalizão reformista seria possível, desde que
essa política não fosse compulsória, mas dependente de um ato voluntá-
rio, condicionado a uma avaliação de seus custos e benefícios. Portanto,
dependia da regra que organizava a transferência de responsabilidades
dos estados para a União. Desses cálculos iniciais, resultou que dezoito
estados da Federação concluíram que os custos externos eram maiores do
que os custos de uma intervenção do poder central, e que estes eram
menores que os seus benefícios. A estatização da saúde pode ser expressa
pela seguinte notação: reforma sanitária = custos externos > custos da
estatização < benefícios do Estado.
A implementação da política de saúde pública ganhou uma dinâmi-
ca própria, cujos resultados mais imediatos denunciavam a disposição das
partes para incrementar os benefícios do poder central atribuindo-lhe mais
funções e mais independência. Com o tempo, isso foi modificando os
fatores de cálculo que informavam o acordo inicial. Nessa dinâmica, es-
paços vazios e novos espaços foram sendo preenchidos pelo Poder Públi-
co, avalizado pela consciência e pelos interesses das elites estaduais. O
sucesso na constituição da autoridade sanitária fez com que, ao longo do
tempo, muitas atividades pudessem ser executadas por outras esferas de
governo. Sob o impacto da reforma da saúde pública, os anos 20 presen-
ciaram a formação de uma rede nacional de instituições, regulamentos,
leis, burocratas e serviços públicos que, se não realizaram as propostas
centralizadoras mais radicais do movimento sanitarista, por outro lado,
inviabilizaram qualquer tentativa de regresso ao mundo pré-reforma.
O estabelecimento da autoridade sanitária seria um aspecto do pro-
cesso de concentração e centralização de autoridade em âmbito nacional
e sua penetração sobre o território e de normatização da vida social (cf.
Rokkan, 1975). A atuação dos serviços federais promoveu o Poder Público,

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com ações de saneamento (como obras de drenagem, construção de fos-


sas, etc.), educação sanitária (panfletos, palestras), vacinação, práticas médi-
cas (diagnóstico, exames, medicação, internação, etc.), organização e divul-
gação de estatísticas demográficas e sanitárias, implantação da legislação
sanitária e seu cumprimento (inspeção de habitações, polícia de focos de
mosquitos e ratos, isolamento e tratamento compulsório de doentes, fisca-
lização e autuação de atividades domésticas e comerciais, etc.) e construção
de imóveis públicos (que também simbolizavam instituições), como postos
sanitários fixos e itinerantes, dispensários, leprosarias, hospitais regionais
e de isolamento. Todas essas atividades, cada vez mais específicas, rotineiras
e especializadas, demandavam a presença de um conjunto de profissionais
e burocratas, representantes do Poder Público na execução de atividades
que interferiam no direito de propriedade e na liberdade individual.
A autoridade sanitária tornou-se cada vez mais autônoma na formu-
lação, decisão e implementação de políticas de saúde, ante os interesses
políticos e econômicos que motivaram sua criação. A implementação de
uma política pública de âmbito nacional teve impactos importantes na po-
lítica que a emoldurava (cf. Skocpol, 1992). A era do saneamento assistiu
ao crescimento do Estado, ao aumento do seu poder infraestrutural, de-
sigualmente distribuído entre Governo Central e governos estaduais e
municipais.
Nesse sentido, o cálculo dos custos e benefícios da estatização e das
condições de adesão gerava um arranjo promotor do encontro entre a
consciência social e os interesses tangíveis. A implementação desse ar-
ranjo modificaria tanto a ambiência da Federação quanto os seus próprios
membros e suas relações. Uma política pública e nacional não foi o sim-
ples resultado das imposições da natureza da doença transmissível, mas
de um acordo e decisão política que continham mecanismos que benefi-
ciavam muitos, com impactos sobre todos, e eram capazes de incorporar
uma importante unidade considerada pelas demais — e que considerava
a si própria — uma exceção no panorama nacional da saúde pública: o
estado de São Paulo.

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Capítulo 5
À EXCEÇÃO DE SÃO PAULO: AUTONOMIA
POLÍTICA, INTERDEPENDÊNCIA SANITÁRIA
♦♦♦

1. Introdução
Enquanto no Rio a ideia do saneamento
gira no ciclo da propaganda pela pala-
vra, em São Paulo gira no terreno dos
fatos.
— M ONTEIRO L OBATO, 1918.

A
afirmação do escritor Monteiro Lobato (1956, p. 300), mili-
tante e publicista da campanha pelo saneamento rural, revela
uma interpretação do processo de formação das políticas sani-
tárias no Brasil: a singularidade, excepcionalidade e anterioridade da expe-
riência paulista em saúde pública vis-à-vis o restante do país, aí incluída
a sede do Governo Federal. Definitivamente, para Lobato, a realidade pau-
lista contrastaria com a retórica carioca. Mais ainda, as realizações dos ser-
viços sanitários paulistas serviriam como exemplo e estímulo para o desen-
volvimento de políticas de saúde em outras partes do país. São Paulo não
poderia parar, porque, se parasse, diria um então diretor do serviços sani-
tários paulistas, “[. . .] o pouco que se faz em outra, paragens brasileiras
cessará” (Neiva, 1940, p. 25). O pioneirismo e a liderança paulista foram
constatados também por algumas análises mais recentes, que apontam os
esforços paulistas em saúde pública como sem paralelo na América Lati-
na e difíceis de serem observados, no período, até mesmo em países mais
avançados da Europa e América do Norte (Blount, 1971, p. 2).
Uma política estadual de saúde pública tão destacada não deve ser
compreendida separadamente da concepção que conferiu a São Paulo

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um lugar privilegiado, autônomo e diferenciado na política nacional. A


política de saúde pública e saneamento foi parte constitutiva desse dis-
curso, e, ainda, a origem da melhor de suas imagens sobre as relações
entre São Paulo e a Federação: São Paulo como a locomotiva do país.1
A meu ver, parte considerável das análises sobre as políticas de
saúde no Brasil da Primeira República incorre no seguinte problema: ao
tomarem São Paulo como o caso mais bem-sucedido na implantação de
serviços sanitários estaduais, discutiram a especificidade paulista, sem
relacioná-la com os dilemas nacionais que a tornaram possível. Muitas
vezes, acabaram aderindo aos julgamentos de época, que separavam São
Paulo dos vinte pesados vagões que se dizia obrigado a puxar. Minha
hipótese é que São Paulo foi singular não porque se tenha alijado volun-
tariamente da questão sanitária nacional, mas justamente por se ter cons-
tituído como uma resposta aos problemas de interdependência sanitária
enfrentados pelas elites brasileiras. O caso paulista seria a exceção que
confirma e reforça as ilações tiradas da interpretação apresentada no ca-
pítulo anterior.
A reforma dos serviços federais de saúde pública, iniciada entre
1918 e 1920, e ampliada no início dos anos 20, contava com a aquiescên-
cia paulista aos arranjos nacionais nas mãos do Governo Federal. O re-
sultado foi o aumento da presença do poder central nos estados, enquan-
to São Paulo implementava sua própria reforma sanitária, a partir de
1917, preservando-se da intervenção sanitária da União. Na interpreta-
ção aqui proposta, a vitória de uma solução mais nacional sobre uma
alternativa puramente autárquica, como a desenvolvida por São Paulo,
revelava a inviabilidade crescente da manutenção de soluções individuais
para enfrentar os impasses da interdependência sanitária. Essa solução,

1
Essa imagem tem sido atribuída a Artur Neiva, ativo militante da campanha
pelo saneamento e diretor dos serviços sanitários paulistas de 1917 a 1920. Desconheço o
texto onde aparece pela primeira vez, mas reproduzo aqui um trecho onde Neiva a desen-
volve e se atribui a autoria: “Aliás, de há muito observo que a consciência da responsabi-
lidade que cabe a S. Paulo em relação ao Brasil, ele já a tomou sobre os seus ombros, co-
rajosamente. De há tempos a esta parte, já o disse uma vez, S. Paulo é a locomotiva que arrasta
20 vagões, constituídos pelos estados, e cujos passageiros bramam e reclamam da máquina,
quando esta solicita dos poderes centrais combustível para arrastar o trem pesadíssimo
que ela, a arfar, vai puxando em rampa forte” (Neiva, 1940, p. 26, ênfases minhas).

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todavia, só seria viável se tivesse como suposto que qualquer unidade


estava livre para optar por não realizar convênios com o governo central.
Na prática, o direito de opção somente poderia ser exercido por São Pau-
lo. A exceção paulista estava inscrita na fórmula que construía uma ponte
entre autonomia política e interdependência sanitária.
Minha interpretação sobre a exceção paulista corrobora as análises
que indicam que não haveria conflito entre o regionalismo e o processo
de integração nacional e que apontam para o crescimento das atribuições
do Poder Público, nas suas várias esferas, nas duas últimas décadas da
Primeira República, muito antes do período pós-30, considerado um
marco da centralização e integração (Love, 1982; 1985; Reis, 1982; 1991).
Para Love, a integração nacional resultou, de um lado, do processo de
interpenetração social, política e econômica e, de outro, da transferência
de decisões e recursos para o governo central (Love, 1982, pp. 12-3). Se
na política econômica, em especial as relativas à cafeicultura, as elites
paulistas recorriam ao Governo Federal, utilizando e ocupando o Execu-
tivo Federal para a provisão de mão de obra e valorização do café, via
políticas de imigração, câmbio e endosso de financiamentos externos, o
mesmo não ocorria com obras públicas, especialmente na área de saúde
pública e saneamento. Obras públicas e cargos eram recursos mais utili-
zados pelos mineiros (Love, 1982; Wirth, 1985). Na verdade, apenas os
paulistas encaravam o poder central como uma opção seletiva, depen-
dendo das prioridades, da reciprocidade exigida e dos custos envolvidos
(Love, 1982, pp. 274-6).2
Para Reis (1982; 1991), o resultado da opção pela autoridade para
regular a economia, em contraposição ao mercado, fez com que fossem
lançadas as bases da centralização e do intervencionismo estatal caracte-

2
Segundo Love, “[. . .] entre 1889 e 1937 os líderes paulistas puseram todo
empenho em controlar as orientações financeiras e fiscais do Governo Federal em todos
os aspectos em que a ação do governo estadual não fosse possível ou fosse insuficiente.
Entre tais aspectos contavam-se a política monetária e cambial, o endosso de emprés-
timos externos, a legislação referente a tarifas e à imigração, a representação diplomá-
tica, crucial na condução de transações financeiras e econômicas. Os políticos paulistas
não buscavam obter favores clientelísticos ou recursos para a realização de obras públi-
cas (o que acabava criando obrigações recíprocas), ganhos esses essenciais à estratégia
dos mineiros. Dentro da Federação, somente São Paulo podia tomar a iniciativa de
intervir na dinâmica da economia [. . .]” (ibidem, p. 363).

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risticamente autoritário. A partir do argumento desenvolvido neste capítu-


lo e no anterior, sugiro que a concordância interessada de São Paulo com a
presença dos serviços sanitários federais nos outros estados teve como efei-
to não previsto o aumento substancial da capacidade de intervenção esta-
tal sobre o território nacional e a sociedade. Os trabalhos de Love e Reis,
por diferentes percursos, auxiliam a compreensão do isolamento paulista,
rompendo a dicotomia entre autonomia e interdependência, sugerida em
trabalhos específicos sobre saúde pública, e das consequências mais gerais
dessa combinação.
Neste capítulo, fechando o argumento central, discutirei a excep-
cionalidade paulista. Na próxima parte, resumirei o desenvolvimento da
política de saúde pública em São Paulo, chamando a atenção para suas
principais características. A seguir, indicarei de que forma personagens
importantes da República Velha e análises mais recentes constataram a
excepcionalidade paulista, acentuando sua singularidade, para, na penúl-
tima parte, apresentar minha interpretação baseada nos argumentos abor-
dados nos Capítulos 1 e 4. Por último, resumirei o argumento desenvol-
vido, vinculando-o às questões centrais do livro.

2. Políticas de saúde pública em São Paulo: uma breve exposição

Indicarei as linhas gerais das reformas sanitárias paulistas, consi-


deradas mais importantes na Primeira República para, em seguida, dis-
cutir como esse enfrentamento dos problemas de saúde pública estava
vinculado a uma solução nacional, para os desafios postos pela interde-
pendência sanitária.3
A maioria dos autores aponta a política estadual de importação de
trabalhadores estrangeiros, visando suprir de mão de obra a lavoura do
café paulista, a partir das duas últimas décadas do século XIX, como uma
das principais responsáveis pelo desenvolvimento dos serviços sanitários
paulistas (Merhy, 1985; Costa, 1985; Castro Santos, 1987; 1993; Ribeiro,

3
A narrativa desta parte utiliza fontes secundárias sobre São Paulo, em especial os
trabalhos de Blount (1971; 1972) e Castro Santos (1987; 1993). Um trabalho que serve
de fonte para quase todas as análises mais recentes é o de Mascarenhas (1949).

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1993, Telarolli Jr., 1996).4 A proteção ao fluxo migratório, principalmen-


te de trabalhadores italianos, era vital para o setor cafeeiro, que empreen-
dia a sua expansão para o Oeste paulista. A cidade portuária de Santos e
a cidade de São Paulo, duas paradas obrigatórias para qualquer imigran-
te, antes de se dirigir para as fazendas do interior, foram objeto das ações
iniciais de saneamento e de controle sanitário. Ali, dever-se-ia barrar o
ingresso de doenças que pudessem gerar epidemias ou alojar-se ende-
micamente no estado. Buscavam evitar ameaças à mão de obra nacional e
também à estrangeira, e melhorar as condições de salubridade nas cida-
des, para que a importação de mão de obra não fosse restringida por
pressões dos países exportadores e para que não surgissem epidemias que
desorganizassem o principal setor da economia estadual. A peste bubô-
nica e a febre amarela foram alvos prioritários das ações sanitárias, além
da varíola e da malária. Nesse sentido, a saúde pública em São Paulo esta-
ria fortemente vinculada aos interesses da elite cafeicultora.
Para além do problema de mão de obra, Santos era o centro do
comércio exterior do café e a cidade de São Paulo despontava como cen-
tro do poder político-econômico da economia agroexportadora. A insa-
lubridade de ambas ameaçava e afetava seriamente toda uma infraestrutura
que sustentava as bases da economia paulista e suas relações com o exte-
rior (Ribeiro, 1993, pp. 21-63 e 99-148). Ao longo da Primeira Repúbli-
ca, a agenda sanitária precisou incorporar os temas da habitação popular,
dos cuidados materno-infantis, da tuberculose e das doenças venéreas.
Nas reformas de seus serviços sanitários, São Paulo teve de responder à
complexidade crescente da expansão da lavoura cafeeira para o Oeste e,
ao mesmo tempo, tratar de suas áreas decadentes e dos novos problemas
sociais gerados pela urbanização e pela industrialização. Várias dessas
reformas anteciparam medidas que seriam tomadas posteriormente pelo
Governo Federal, como a obrigatoriedade da vacinação antivariólica.
A expansão da economia cafeeira e os esforços de industrializa-
ção produziam uma configuração que demandava ações públicas perma-
nentes, capazes de promover políticas coercivas e amplas de proteção à

4
Além desse fluxo, Castro Santos também chama a atenção para a importante
corrente migratória interna na direção de São Paulo (1993, pp. 364-5).

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saúde da população no território paulista. A crescente estadualização


dos serviços sanitários, a partir da década de 1890, convenceu os fazen-
deiros e seus representantes no Legislativo Estadual de que os gastos
com saúde pública os beneficiariam, estabelecidos os limites de interfe-
rência sobre suas propriedades (Blount, 1971) ou, em outras palavras, o
seu pragmatismo na defesa de seus interesses políticos e econômicos
(Telarolli Jr., 1996). Os problemas de mútua dependência enfrentados
no plano nacional tinham sua correspondência na relação entre o Gover-
no Estadual e os poderes municipais e oligarquias locais. O mesmo se
dava em torno das relações entre Poder Público e liberdade individual. A
experiência de criação de autoridade pública no âmbito estadual repre-
sentava, em São Paulo, capacidade de agir coercivamente sobre a popula-
ção e intervir no território das elites locais, mantendo-se independente
do Governo Federal. A difícil convivência entre autonomia municipal e
dependência financeira e, portanto, política, indicava, prematuramente,
que a competência para lidar com saúde pública estaria consolidada nas
mãos da chefia estadual (ibidem).5
O trabalho de Blount (1971, cap. III) enfatiza os conflitos políti-
cos, no período que vai de 1889 a 1896, em torno dos limites da autori-
dade pública e da competência dos municípios e do estado para agir em
saúde e saneamento. A crítica à autonomia municipal nessas áreas se fez
crescentemente em torno da inexistência e ineficácia de políticas e da
demanda por aumento das prerrogativas do serviço sanitário estadual
que, no período, agia em campanhas de higiene e de combate às várias
epidemias que atingiam o estado (ibidem). De qualquer forma, há um
reconhecimento de que os serviços sanitários estaduais obtiveram avanços
e que a oposição ao seu alargamento se enfraqueceu, gradativamente. O
ponto relevante é que não se registraram mudanças no que diz respeito à
extensão do poder da autoridade pública estadual sobre as fazendas e plan-
tações. Nenhuma provisão legal na área de saúde e saneamento atingiu

5
A autonomia local, base do Federalismo brasileiro, encontrava dificuldades le-
gais mesmo no estado que, a princípio, seria seu maior defensor. A Constituição de São
Paulo dava ao Congresso estadual competência expressa, mas não privativa, para legislar
sobre saúde pública, mas era completamente omissa em relação à competência municipal
no assunto (Barroso, 1919, p. 27).

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de 1910 (ibidem, p. 97; Castro Santos, 1993, pp. 381-6). A legislação


cuidava basicamente das áreas urbanas, o que limitava a jurisdição dos
agentes públicos. Ainda assim, a regulação das condições de trabalho nas
fábricas, proposta por alguns deputados estaduais, só teria começado a
ser considerada seriamente, a partir das movimentações operárias de 1917
(Blount, 1971, p. 92).
As reformas dos serviços estaduais de saúde, entre 1896 e 1917,
significaram avanços não só na capacidade da autoridade pública de re-
gular os inúmeros aspectos da vida social vinculados à questão de saúde,
mas também na abrangência territorial dessas ações. A reforma de 1896
teria refletido a demanda pelo aumento de poder dos serviços sanitários
estaduais em relação ao das autoridades municipais e a aceitação crescen-
te do papel do Poder Público, em assuntos de saúde pública (ibidem, pp.
87-95). As dificuldades técnicas e financeiras das municipalidades em
promover políticas sanitárias acabaram por demandar e legitimar a ação
da autoridade estadual, no sentido de prevenir que localidades com con-
dições sanitárias precárias gerassem problemas que se alastrariam por
outros municípios, e, caso isto acontecesse, de atuar coordenando ações
em todo o estado.6
No período 1898-1911, os serviços sanitários paulistas obtiveram
sucesso na luta contra a peste bubônica e a febre amarela, em especial no
controle sobre o porto de Santos e fronteiras estaduais. A colaboração
entre autoridades públicas estaduais e federais no combate a epidemias
sempre foi motivo de tensão, variando da cooperação à sua recusa, como
por exemplo, em torno de medidas preventivas contra a peste, em 1899 e
1901 (Blount, 1971, pp. 101-2 e 106-7; Stepan, 1976, pp. 65-7). Para estes
autores, tais problemas de colaboração refletiam rivalidade e competição
entre as duas esferas de governo, na área de saúde, a intenção de São
Paulo de manter sua autonomia política e de seus serviços saitários —
ainda que coubesse ao Governo Federal a defesa sanitária dos portos —
6
O desenvolvimento da organização sanitária do estado de São Paulo também foi
facilitado pela baixa rotatividade e longevidade dos ocupantes do cargo de diretor dos
serviços sanitários estaduais no período. Primeiro Emílio Ribas, de 1896 a 1917, depois
Artur Neiva, de 1917-1920, garantiram unidade e continuidade às ações governamentais.
Na década de 1920, os serviços paulistas tiveram praticamente apenas dois diretores:
Geraldo de Paula Souza, 1922-1927, e Waldomiro de Oliveira, 1927-1930.

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e os conflitos políticos internos das elites paulistas, em relação às políti-


cas do Governo Federal, presidido pelo também paulista Campos Sales
(1898-1902) (Blount, 1971, Stepan, 1976).
É importante ressaltar que, ao longo da Primeira República, São
Paulo buscou organizar sua própria base de pesquisa e produção de soros,
vacinas e medicamentos, que serviria de apoio às ações sanitárias locais,
independente dos órgãos federais. Institutos de pesquisa e produção de
medicamentos são estabelecidos nesse período, como o Instituto Butantã
(1901) e o Instituto Pasteur de São Paulo (1903) que se somariam ao
Instituto Bacteriológico fundado em 1892. No final da década de 1910,
a Fundação Rockefeller patrocinou a criação da cadeira de Higiene, na
Faculdade de Medicina Paulista, instituída em 1912. Destaque-se o im-
pacto positivo da construção de uma rede de centros de pesquisa e pro-
dução em saúde pública, pelo governo paulista, os quais passaram a cola-
borar com os serviços sanitários federais, formando uma base científica
que poderia garantir a independência eficácia dos serviços estaduais (Cas-
tro Santos, 1993, p. 378; Stepan, 1976, pp. 134-56).7
Um outro fato importante para o prestígio e a consolidação das polí-
ticas estaduais de saúde pública foi a campanha contra a febre amarela no
interior do estado, no início do século, baseada em conhecimentos e téc-
nicas então muito recentes — em especial sobre o papel do mosquito
como agente causal da transmissão —, produzidos pelos trabalhos da
Comissão Médica do Exército norte-americano, em Cuba. Esse sucesso
destacava o pioneirismo de São Paulo em saúde pública e pesquisa cien-
tífica, no Brasil, antecipando, ainda, o modelo de campanha sanitária
implementado Distrito Federal, na gestão de Oswaldo Cruz na DGSP
(Blount 1972, p. 42; Castro Santos, 1993, p. 117; McGrew, 1985b, pp.
361-2; Stepan, 1976, pp. 142-4).
A reforma realizada em 1906 teve como resultado a concentração
de poder nos serviços sanitários estaduais, retirando atribuições municipais
mantidas pela reforma anterior. Uma novidade era o estabelecimento de

7
Sobre o Instituto Pasteur, ver Teixeira (1995), sobre o Instituto Butantã, ver
Benchimol & Teixeira (1993). Para a atuação da IHB da Fundação Rockefeller São Paulo
na penetração da medicina experimental e na consolidação do ensino da saúde pública no
currículo médico, ver Faria (1994, pp. 97-102 e 127).

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mantidas pela reforma anterior. Uma novidade era o estabelecimento de


uma comissão para a prevenção e tratamento do tracoma, na população
rural, infecção ocular que alcançava caráter epidêmico, em especial entre
os imigrantes e trabalhadores estrangeiros. Essa comissão esteve em ati-
vidade por apenas dois anos, e pode ser uma evidência das tentativas e
dificuldades de penetração dos serviços sanitários, em áreas rurais. Hou-
ve ensaios fracassados de restabelecê-la, no início da década de 1910.
Segundo os analistas, a reforma de 1911 significou um recuo dos servi-
ços sanitários estaduais, em relação aos municipais, transferindo para es-
tes a responsabilidade pela vacinação, manutenção de hospitais de isola-
mento e geração de estatísticas para o serviço estadual, além de aumentar
as obrigações municipais na produção de equipamentos sanitários e de
assistência pública, e na regulação e inspeção de construções e fábricas
(Castro Santos, 1993, pp. 127-9). Enfim, ampliaram-se as responsabili-
dades e as despesas das autoridades municipais. Por outro lado, essa re-
forma estabeleceu um código sanitário amplo e geral, cobrindo quase
todas as dimensões da vida urbana e, por isso mesmo, de difícil execução
(Blount, 1971, p. 130). Mesmo assim, expandia legalmente o poder coer-
civo da autoridade pública, com o aumento da regulação da vida social e
econômica da população paulista. No período que se prolonga de 1911 a
1917, os serviços sanitários paulistas promoveram campanhas contra a
varíola, febre tifoide e lepra (ibidem, pp. 134-7). Parte da literatura res-
salta os resultados positivos obtidos com o desenvolvimento da ação pú-
blica em saúde, nas áreas urbanas, nesse período.
A reforma dos serviços sanitários paulistas, em 1917, realizada sob
o comando de Artur Neiva, um dos nomes mais importantes da campa-
nha pelo saneamento rural, introduziu uma inovação importante: serviços
de higiene voltados para as áreas rurais e um código sanitário rural. Essa
novidade em saúde pública resultou de uma intensa negociação política,
uma vez que encontrou forte oposição na Câmara Estadual. Essa reforma
foi imediatamente anterior ao início dos serviços federais de profilaxia
rural, instaurados em 1918. Portanto, uma política estadual que, mais
uma vez, antecipava-se à política nacional e lhe corria em paralelo.
A introdução de um código sanitário rural e a criação do Serviço
Geral de Profilaxia, ainda que menos abrangente que o urbano, dilatava o

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Poder Público, para abranger as áreas rurais do estado. Esse serviço pas-
sou a implementar políticas de combate à malária e à ancilostomose,
endemias rurais, por excelência, além de ações contra o tracoma que, ao
incidir intensamente sobre os trabalhadores imigrantes e, portanto, sobre
a economia do café, sensibilizava os representantes das oligarquias. De-
pois de acirrado debate político, declinaram, em parte, as resistências dos
representantes da economia do café às ações governamentais (Blount,
1971, pp. 143-51; Castro Santos, 1993; Ribeiro, 1993). Cabe adiantar
que o serviço sanitário paulista, desde 1917, concordara com a colabora-
ção da Fundação Rockefeller, inicialmente para trabalhos de profilaxia
da ancilostomíase, posteriormente estendendo o acordo para o ensino
médico e a pesquisa (Fontenelle, 1922, p. 51; Faria, 1994).
A aceitação do papel da autoridade pública nas áreas rurais foi pos-
sível graças a acordos previamente estabelecidos sobre os limites da sua
interferência. O exemplo mais claro é a determinação de que a autori-
dade dos serviços sanitários estaduais estaria restrita às fazendas estabele-
cidas depois da entrada em vigor da lei de 1917 (Blount, 1971, p. 141).
Apesar das suas limitações, a fixação de postos rurais de saúde, as políti-
cas de saneamento em fazendas e de controle sobre a saúde dos trabalha-
dores rurais, além de políticas para as áreas urbanas, consolidaram o po-
der dos serviços públicos de saúde e de saneamento do estado de São
Paulo, em face das chefias locais e sua posição de destaque vis-à-vis o
restante do país (Blount, 1971; 1972; Castro Santos, 1993). Castro San-
tos (1993, p. 384) assinala que, ao longo do tempo, os próprios fazendei-
ros solicitaram obras de saneamento rural, legitimando e consolidando a
autoridade pública estadual, quando a ação pública era percebida como
vantajosa para os interesses privados.
Calcula-se que, em 1920, mais da metade dos municípios paulistas
possuía sistemas de esgotos, e que a grande maioria contava com serviços
públicos de distribuição de água (Love, 1982, p. 39). Alguns autores in-
dicam que a saúde pública dispunha de recursos suficientes para suas ati-
vidades e os gastos com saúde pública per capita eram comparáveis com
os de cidades norte-americanas (Blount, 1971, pp. 166-7).
Segundo Castro Santos, a consolidação do Poder Público estadual
no campo da saúde e do saneamento permitiria uma certa descentralização,

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quando da reforma dos serviços sanitários, em 1925. Dado o crescente


sucesso no controle das doenças transmissíveis, alvo das ações das três
primeiras décadas, essa reforma tinha como objetivo o enfrentamento de
novas questões de saúde pública, oriundas do desenvolvimento urbano,
populacional e econômico do estado. Questões como controle do leite e
de alimentos, assistência materno-infantil e doenças venéreas ganharam
lentamente a atenção do Poder Público, além de problemas relativos às
condições do trabalho industrial. Também se confirmava como uma ten-
tativa de novas respostas a alguns velhos e grandes problemas não resol-
vidos, como a tuberculose. Era uma reforma organizacional baseada na
instalação de centros de saúde regionais, que visavam ampliar o trata-
mento de saúde oferecido à população até então pelos postos de saúde,
em áreas rurais (Castro Santos, 1993; Ribeiro, 1993; Merhy, 1992). Essa
reformulação dos serviços sanitários paulistas, a última grande reforma
do primeiro período republicano, seria o início da passagem para um
formato organizacional, cujo pressuposto era a promoção de ações de
saúde permanentes, menos voltado, portanto, para ações emergenciais de
combate a doenças específicas.
Finalizando, a direção do desenvolvimento dos serviços sanitários
estaduais é semelhante à dos serviços federais, abordados no Capítulo 3.
Inicialmente, constitui-se com a criação de legislação sanitária e de ações
de caráter coercitivo, mas com baixo alcance espacial, para, ao longo de
duas décadas, ir penetrando e se estabelecendo em todo o estado. A auto-
ridade pública consolidou-se, aumentando suas responsabilidades e as-
sentando estruturas mais duradouras de serviços, para tratar problemas
sanitários sobre uma base geográfica mais ampla, abandonando paulatina-
mente ações tópicas, localizadas e eventuais. A cronologia da experiência
estadual de formação da política sanitária é ligeiramente diferente da
experiência federal. Os primeiros esforços federais de ampliação da base
de ação de sua autoridade foram antecedidos por um movimento mais
rápido na esfera estadual. O crescimento do poder do Governo Federal,
nos anos 20, já encontrou as autoridades sanitárias paulistas consolidan-
do-se sobre sua base espacial de poder e com crescente capacidade de
implementação de políticas públicas. O descompasso cronológico seria
resultado de uma estratégia racional.

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3. A excepcionalidade paulista: da constatação ao problema

O reconhecimento da singularidade paulista, verificada nas análi-


ses mais recentes, já era contemporâneo das reformas sanitárias paulistas
da Primeira República. À exceção de São Paulo, talvez tenha sido a expres-
são mais utilizada nos debates sobre saúde pública e saneamento, nas
décadas de 1910 e 1920. Qualquer pronunciamento, mensagem presi-
dencial, debate legislativo e publicação que discutisse as relações entre
poder central e estados ressaltava essa diferença. A repetição dessa ideia
transformou-se em uma simples e inquestionável constatação.
Ainda no alvorecer da República, as relações entre zelo, autonomia
centralização e fortalecimento dos serviços sanitários geravam comentá-
rios e discussões. O médico baiano Nina Rodrigues, ao analisar o regula-
mento dos serviços sanitários paulistas decretado em 1890, reconhecia
que a tendência à estadualização dos serviços sanitários era um bom exem-
plo para as demais unidades federativas. Ressaltava que

[. . .] sobressaem claramente [. . .] a poderosa centralização a que


está sujeita a administração da higiene pública, a autonomia das
autoridades sanitárias [. . .] disposições essas todas da mais alta
conveniência e dignas de serem imitadas [. . .] (Rodrigues, 1892a,
p. 445).

Para Rodrigues, a consideração da saúde pública como de compe-


tência municipal foi rapidamente abandonada pelo Estado mais “[. . .]
zeloso da sua autonomia e mais entusiasta do regime republicano fede-
ral” (ibidem).
Três décadas mais tarde, no crepúsculo da Primeira República, afir-
mação da independência sanitária paulista continuava sendo importante.
Quando um inesperado retorno da febre amarela à Capital Federal, em
1928, causou pânico e ameaçou o restante do país, o diretor de Saúde
Pública de São Paulo destacou o resultado positivo de suas ações, que
impediram a propagação da doença no estado, apesar de sua intensa co-
municação com o Distrito Federal. E, com orgulho, não deixou de frisar

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que o sucesso fora obtido pelo serviço sanitário paulista, “[. . .] que é
absolutamente autônomo em relação ao Departamento Nacional de Saúde
Pública [. . .]” (Oliveira, 1928, p. 37, ênfases minhas).
A experiência paulista em saúde pública e saneamento é percebida,
desde o início da República, como um exemplo de construção de um
serviço sanitário sem paralelo no país. Desde essa época, São Paulo vinha
realizando reformas que aprimoravam e expandiam esses serviços. Tal
constatação trazia embutida a assunção de que qualquer rearranjo nos
serviços federais de saúde e saneamento não poderia avançar sobre o ter-
ritório paulista. Isto não seria necessário, porque o Governo Estadual se
apresentava, e era reconhecido, como técnica e financeiramente capaz de
implementar políticas públicas de saúde.
O mais ardoroso defensor do saneamento do Brasil e da centrali-
zação administrativa e técnica da saúde pública reconhecia que São Pau-
lo, por desenvolver ações em saúde e educação, se constituía em “[. . .]
um povo à parte na comunhão nacional” (Penna, 1923, p. 30). O próprio
diretor dos serviços sanitários paulistas, Artur Neiva, em texto redigido
para o então candidato à Presidência da República Rodrigues Alves, es-
crevia orgulhoso que

[. . .] o Brasil, com exceção de São Paulo, onde o serviço de hi-


giene se acha muito adiantado, vive desamparado, pois nos restan-
tes Estados pouco ou nada se faz em matéria de higiene (Neiva,
1918, p. 22).

A absolvição de São Paulo da acusação de irresponsabilidade e in-


competência sanitária dificultava qualquer solução que implicasse a reor-
ganização das relações federativas, no sentido do aumento da capacidade
de intervenção do Governo Federal, presidido por chefes estaduais pau-
listas, em grande parte do período. Como qualquer arranjo nacional de-
veria contar com o aceite paulista, seria preciso transformar essa exceção,
até aqui uma constatação, em elemento constitutivo de uma comunidade
nacional, cujo alicerce seria a ameaça da doença que se pega.
A constatação da excepcionalidade paulista é na maior parte das
vezes, o reconhecimento da eficácia de uma solução local para os problemas

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de saúde pública, independente do Governo Federal e dos demais esta-


dos. Todavia, um problema surge a partir dessa constatação. Por mais
eficientes que fossem os serviços sanitários paulistas, não podiam, no
limite, impedir o ingresso de enfermidades transmissíveis oriundas de
outros lugares, assim como não tinham poder para obrigar outros estados
a promover ações da saúde pública. A ideia da excepcionalidade paulista
torna-se questionável, ao ser tratada de forma isolada do restante do país.
Assim, proponho seu abandono para analisá-la como uma alternativa
aos problemas de interdependência sanitária enfrentados nacionalmente.
Em geral, os trabalhos sobre as políticas de saúde pública do esta-
do de São Paulo analisam-nas no contexto da política oligárquica. No
entanto, não desenvolvem as relações entre a política sanitária paulista e
os problemas sanitários enfrentados pelo Governo Federal e demais es-
tados, nesse mesmo contexto. Nessas análises, a política oligárquica fica-
ria restrita à sua dinâmica estadual (Blount, 1971; 1972; Merhy, 1985;
1992; Ribeiro, 1993; Telarolli Jr., 1996).
Por outro lado, alguns autores justificam o objeto a ser analisado
— as reformas sanitárias paulistas — por uma razão: São Paulo seria o
espaço onde mais rapidamente se desenvolveriam as relações de produ-
ção capitalistas (Iyda, 1994; Merhy, 1985; 1992; Ribeiro, 1993).8 Nesse
sentido, a política de saúde seria uma questão paulista, por estar vincula-
da ao tema do trabalho e da produção, além de ser considerada, por mui-
tos, uma resposta às demandas do capitalismo internacional (Costa, 1985,
cap. II; Labra, 1985, cap. I; Iyda, 1994, pp. 33-53). Analisar o caso paulista
seria como dissertar sobre a saúde pública no Brasil, a ser explicada, em
grande parte, a partir da dinâmica do capitalismo (Iyda, 1994; Merhy,
1985; 1992). O Estado e a política oligárquica seriam considerados ex-
pressões da dominação burguesa (Merhy, 1985, pp. 60-3).
Esses mesmos trabalhos pouco esclarecem sobre as relações entre a
política paulista de saúde pública, o movimento pelo saneamento do Brasil
e as decisões sobre a reforma dos serviços sanitários federais. Afinal, o

8 Para Merhy, São Paulo é escolhido como caso por ser “um lugar estratégico para
que a sociedade brasileira — no período que vai de 1920 a 1945 — se dirigisse para o
processo de formação do capitalismo no Brasil, calcado no processo de industrialização”
(1992, pp. 24-5).

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que São Paulo teria a ver com tudo isso? Pouco, se o critério for o espaço
dedicado pelos autores a essas relações, talvez com a mesma certeza de
Monteiro Lobato de que o saneamento do Brasil se realizava na prática
em e a partir do estado de São Paulo.
Um trabalho detalhista como o de Blount (1971) documenta a
mudança de percepção de brasileiros e estrangeiros sobre as condições
sanitárias de São Paulo, na Primeira República. Inicialmente considera-
do um lugar desaconselhável para viver e visitar, devido aos problemas de
saúde pública, transforma-se aos poucos em um modelo de organização
sanitária na América Latina (ibidem, pp. 177-84). O problema, mais
uma vez, é que os observadores do período são citados para constatar o
caráter progressista da saúde pública em São Paulo e sua singularidade
dentro do país. Continuariam sem merecer maiores atenções as relações
entre a política sanitária paulista e as políticas federais.
De outro lado, alguns trabalhos que analisam o movimento sanita-
rista da Primeira República não incorporaram a experiência paulista como
elemento importante e constituinte, ainda que diferenciado, da formação
de uma política nacional de saúde e saneamento. Assim, de maneira in-
versa, esses trabalhos trataram a saúde pública no Brasil, enfocando, prin-
cipalmente, as ações do Governo Federal na Capital da República (Cos-
ta, 1985; Labra, 1985).
Por fim, uma vez que esses trabalhos não pretendem questionar
essas relações, mesmo que de forma secundária, suas análises e escolhas
acabam convergindo para um consenso tácito de que as experiências
paulista e federal não se comunicam. Quando essa relação aparece, acaba
acentuando uma disputa e conflito entre indivíduos pelo controle da saú-
de pública — Artur Neiva versus Carlos Chagas — ou de instituições e
projetos científicos — Instituto Butantã versus Instituto Oswaldo Cruz
—, insinuando a tradicional oposição entre São Paulo e Rio de Janeiro
(Benchimol & Teixeira, 1993).
Uma segunda questão enfatizada pela literatura diz respeito a algu-
mas diferenças nas avaliações sobre o sucesso paulista na área de saúde.
Alguns autores consideram fracassadas as reformas sanitárias paulistas, ao
longo da Primeira República, porque assumem como critério central de
avaliação a permanência de problemas sanitários pós-reformas (Ribeiro,

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1993, pp. 269-70). O mesmo acontece com algumas avaliações sobre a


atuação do Departamento Nacional de Saúde Pública, a partir de 1920
(Labra, 1985). Os trabalhos de Blount (1971; 1972) avaliam positiva-
mente a experiência paulista, no período, utilizando como critérios a cria-
ção de instituições e serviços, a melhoria das condições sanitárias e queda
da mortalidade por doenças transmissíveis; se bem que inúmeros proble-
mas de saúde pública, evidentemente, não tenham desaparecido e até mes-
mo, eventualmente, houvessem aumentado (cf. Blount, 1971, cap. V).9
O trabalho de Castro Santos (1987) relaciona as reformas sanitá-
rias paulistas ao contexto do movimento sanitarista nacional e explica a
experiência bem-sucedida de São Paulo, comparativamente ao atraso da
Bahia na implementação de uma política sanitária na esfera estadual.
Castro Santos diferencia-se dos demais autores ao concentrar sua análise
no processo de criação institucional e de autoridade pública, o que lhe
permite uma avaliação positiva do caso paulista, a curto e longo prazo.
Ao desmembrar o movimento sanitarista e as políticas de saúde em fases
distintas que exigem interpretações mais específicas e complexas, o autor
diferencia cronológica e geograficamente o movimento sanitarista, ao
longo do primeiro período republicano, procurando superar as limita-
ções impostas por análises deterministas, que relacionam diretamente
interesses de classe e pressões internacionais, sem mediações, à produção
de políticas estatais de saúde, ou que tratam a política sanitária de forma
completamente indiferenciada. A força do movimento sanitarista paulista
pode ser avaliada pela construção de aparatos burocráticos, pela organi-
zação de um conjunto de leis sanitárias, pela criação e implementação de
uma política sanitária e pelo desenvolvimento científico na área de saúde
pública (ibidem, p. 223).
Ainda para Castro Santos, o sucesso desses empreendimentos de-
veu-se a uma conjugação específica de forças não encontrada em outros
estados: políticas (coesão das elites), econômicas (demanda por mão de
obra nacional e imigrante para a cafeicultura) e ideológicas (ausência de
uma tradição médica arraigada e consequente sensibilidade à inovação
9
Um outro critério mais específico, que aparece para avaliar positivamente São
Paulo, já mencionado, foi o desenvolvimento de um complexo de instituições de pesquisa
e produção na área de saúde pública (Blount, 1971; Castro Santos, 1987; Stepan, 1976).

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médico-científica; ambiente intelectual voltado para questões nacionais


e presença de uma concepção de progresso que favorecia a ação da auto-
ridade pública) (ibidem, pp. 163-84). É importante ressaltar que, em sua
análise, Castro Santos, e Blount, de forma não tão explícita, indicam que
o caso paulista não poderia ser explicado simplesmente como uma res-
posta às demandas da economia agroexportadora, que na maioria dos
trabalhos é transformada em variável independente.
Em artigo sobre o pioneirismo do sanitarismo paulista, Castro
Santos (1993) trata da reforma sanitária de São Paulo como um caso
concreto e bem-sucedido de modernização conservadora ou “pelo alto”, e
um instrumento de “mudança controlada” (ibidem, p. 361). Assim, a re-
forma sanitária paulista seria parte constitutiva do processo de moderni-
zação conservadora, liderada pelas elites governantes paulistas, respon-
dendo a demandas e interesses estaduais, além de contribuir para mu-
danças estruturais controladas, como a construção do estado, alteração
do perfil demográfico e desenvolvimento urbano e agrícola de São Paulo
(ibidem, pp. 386-7). Ao transferir essa moldura analítica geral — uma
virtude de seus trabalhos — do plano em que foi concebida teoricamente
(Estado nacional) para a dimensão estadual (no âmbito de uma Federa-
ção), Castro Santos reforçaria, a meu ver, nesse artigo, a ideia de uma
excepcionalidade de São Paulo. Esse deslocamento conceitual sugeriria
mais o isolamento do que a integração da experiência paulista no contex-
to nacional.
Minha proposta é analisar de forma mais integrada a reforma dos
serviços sanitários paulistas e a dos serviços sanitários federais, a partir
da interpretação, desenvolvida no capítulo anterior, sobre os arranjos
institucionais e legais que emergiram ao longo das décadas de 1910 e
1920. A moldura analítica que serve para explicar o restante do país é a
mesma que explica São Paulo, assim como a solução nacional só pode ser
entendida na sua relação com a experiência paulista. A particularidade de
São Paulo, na constituição das políticas públicas, deve ser encarada como
uma solução para os efeitos negativos da interdependência sanitária den-
tro da Federação brasileira. Desse modo, assim como o modelo interpre-
tativo deste trabalho não é incompatível com as várias explicações sobre
as causas da emergência das políticas de saúde, o mesmo se pode dizer

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sobre os fatores econômicos, políticos e culturais apontados, corretamente,


por todos os autores, como delineadores das políticas paulistas. Sugiro,
porém, que foi a relação entre São Paulo e os demais estados que deu o
conteúdo mais preciso e a extensão das políticas sanitárias paulistas e da
política nacional de saúde surgida nos anos 20.

4. A excepcionalidade paulista como interpretação

O ponto central para a interpretação aqui proposta é que esse de-


senvolvimento excepcional do Poder Público em uma esfera estadual não
ocorreu independentemente do que acontecia no restante do país. Quan-
do uma solução individual se mostrou crescentemente ineficaz, para lidar
com o crescimento exponencial, ou da sua percepção dos custos de uma
dependência sanitária recíproca, São Paulo moveu-se para colaborar com
uma solução que minimizaria seus custos de defesa sanitária, em um
arranjo que garantiria a sua autonomia. A tão proclamada exceção seria,
na verdade, parte de uma solução coletiva.
Elaborarei esta interpretação a partir de três situações que, ordena-
das analiticamente, representariam as principais etapas e problemas da
transição paulista para cooperar com um arranjo público e nacional. Essas
etapas teriam correspondência com a sequência I-II-III do Capítulo 4.

4.1. Cada um que cuide de si: uma proposta paulista


para a saúde pública do Brasil

Um elemento importante para a análise das relações entre o proje-


to sanitário paulista e as demandas públicas e nacionais por centralização
das políticas de saúde está na proposta de reforma dos serviços sanitários
federais feita por Artur Neiva, então diretor de Saúde Pública de São
Paulo, para a campanha de Rodrigues Alves à Presidência da República
em 1918. A morte de Alves, em janeiro de 1919, teria abortado tanto a
investidura de Neiva na direção dos serviços sanitários federais, quanto o
projeto por ele desenvolvido e aprovado pelo presidente eleito (Neiva,
1918). A posse do vice, Delfim Moreira, a eleição de Epitácio Pessoa e a
nomeação do diretor do Instituto Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, para

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dirigir os serviços sanitários federais, em 1919, diminuíram as chances e


a viabilidade das propostas de Neiva. Para fins do meu argumento, sugi-
ro que seu programa, mesmo derrotado, deve ser tratado como expres-
são da concepção e da proposta paulista para uma política federal de
saúde pública.
A reforma proposta era bastante tímida, se tomados como critérios
a organização da DGSP, os próprios serviços sanitários paulistas e as
políticas implementadas pelo Governo Federal, a partir de 1919. A esfe-
ra de atuação corrente da Diretoria-Geral seria mantida basicamente res-
trita ao Distrito Federal e aos portos. As proposições de melhorias nos
hospitais, lazaretos, esgotamento, coleta de lixo, entre outras, referiam-se
à cidade do Rio de janeiro, com pouca ênfase no restante do país. Dois
itens aparecem com bastante destaque na proposta de Neiva, e não se
limitam a referir-se ao DF: o combate à febre amarela e a remodelação
dos serviços de portos.
A febre amarela, ao manter-se endêmica no litoral, entre a Bahia e
o Ceará, continuava ameaçando o Rio de Janeiro e o restante do país.
Portanto, seria tarefa da segunda gestão de Rodrigues Alves “[. . .] extin-
guir em todo o país o mal que foi eliminado do Rio de Janeiro, durante o
seu governo anterior [1902-1906]” (ibidem, p. 2). Quanto a este propó-
sito, Neiva chamava a atenção para a grande dificuldade de aceitação,
pela Bahia, de que o auxílio financeiro para esse fim viesse acompanhado
de intervenção técnica do Governo Federal. O serviço de saúde pública
baiano ter-se-ia demonstrado incapaz de acabar com a febre amarela,
além da ocorrência de apropriação indébita dos recursos federais:

Por várias vezes a Diretoria-Geral de Saúde Pública ofereceu-se


para extinguir o mal, porém os poderes locais aceitavam o ofereci-
mento, mas o queriam transformar em moeda, a fim de o empre-
garem na profilaxia específica, coisa que nunca conseguiram por se
saber, de antemão, que tais recursos seriam desviados dos seus ver-
dadeiros fins (ibidem, p. 3).

A febre amarela continuava sendo uma ameaça tão grande para o


país que justificaria uma ação federal mais enérgica sobre os estados re-

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fratários, mesmo porque, segundo Neiva, se o Brasil não a eliminasse, os


norte-americanos o fariam, aludindo às experiências de Cuba e do Pa-
namá (ibidem, p. 1).
Quanto aos portos, dois comentários sobre o programa paulista.
Em primeiro lugar, um certo destaque dado à proposição de aumento
do controle sobre os portos onde embarcavam os estrangeiros que imi-
gravam para o Brasil, em especial no Japão e na Itália (ibidem, pp. 4-5).
Essa era uma demanda importante, porque implicava o controle das
condições de saúde da mão de obra imigrante, em especial a que se
direcionava para São Paulo, evitando também que imigrantes rejeitados
em outros países, por razões de saúde, encontrassem facilidades de in-
gressar no Brasil. Em segundo lugar, a proposta de remodelação dos ser-
viços sanitários dos portos e dos lazaretos. De maneira geral, Neiva res-
saltava a necessidade de superar as dificuldades enfrentadas pelos inspe-
tores no controle das embarcações e passageiros nos portos brasileiros:
baixos salários e falta de equipamentos. Para completar, propunha remo-
delar os lazaretos para abrigar navios e viajantes enfermos ou suspeitos.
Essas estações de controle e quarentena, que já existiam, mas se encon-
travam abandonadas, eram barreiras para o ingresso de doenças, evitando
também que navios impedidos de atracar em determinados portos se-
guissem para outros, ou simplesmente que o navio ficasse vagando pelo
mar (ibidem, pp. 15-20).
Resumindo, o programa paulista era tímido, destacava questões
prementes da agenda estadual paulista, sem propor grandes alterações
nas responsabilidades federais delineadas na legislação e organização da
DGSP, ao longo da década de 1910: a necessidade de agir com maior
eficiência sobre os elos de comunicação entre os portos brasileiros e entre
estes e os do exterior, sobre o fluxo de mão de obra estrangeira e sobre
uma doença que continuava ameaçando desorganizar o fluxo do comér-
cio nacional e internacional.
Artur Neiva, que começara a implementar o código sanitário rural
em São Paulo em 1917, dedicou não mais do que um parágrafo à pers-
pectiva de um código sanitário rural para todo o país, concentrando-se
nos limites da Capital Federal (ibidem, p. 7). Ao tratar da reforma do
setor de profilaxia geral da DGSP, revelava mais fortemente o projeto

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paulista para uma política sanitária nacional. Logo de início, Neiva esta-
belecia uma ponte entre a reforma sanitária realizada em São Paulo e as
necessidades do restante do país:

A obra a realizar é a de ampliar o que foi efetuado no estado de São


Paulo durante a minha gestão, isto é, a profilaxia do impaludismo,
da ancilostomose, da sífilis, estas três em plena execução, e a do
tracoma, que ia encetar (ibidem, p. 8).

De forma esclarecedora, apontava para o que deveria ser o princi-


pal alvo das ações públicas com os recursos disponíveis: o saneamento
das áreas urbanas. Para Neiva, os sertões apareciam mais no sentido do
ainda não alcançado pelas autoridades públicas do que uma região geo-
gráfica claramente definida. Apontava para

[. . .] o saneamento das cidades de quase todos os estados onde


quase tudo está por se fazer, bastando lembrar que na zona mais
adiantada do país, à beira da cidade de aspecto mais estrangeiro
que a nação possui, tivemos de instalar um posto para combater a
opilação, em Santo Amaro, ligado à capital de S. Paulo por bonde
elétrico (ibidem).

Parafraseando Afrânio Peixoto, os sertões do Brasil também co-


meçavam nos subúrbios paulistanos. São as áreas urbanas os espaços da
interdependência humana, nos quais as condições sanitárias têm uma
importância social e econômica crucial. Neiva qualificava como enorme
a diferença entre o número de cidades paulistas com esgotos e abasteci-
mento de água (sessenta) e o número de cidades de outros estados que os
possuíam, dando como exemplo o Rio Grande do Sul, que, mesmo sen-
do mais “adiantado”, tinha apenas duas cidades com sistema de esgota-
mento. Enfim, São Paulo teria mais cidades com abastecimento de água
e esgoto do que todos os demais estados. Sendo estas atividades conside-
radas atribuições do poder local, qual papel caberia ao Governo Federal?
Para o diretor da saúde pública paulista:

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[. . .] induzir, aconselhar, pedir, rogar, aos governos estaduais que


procurem dar abastecimento de água e construir esgotos para as
cidades de seus Estados [. . .] (ibidem).10

O projeto de Neiva revela enorme cuidado com o tema da auto-


nomia e das prerrogativas mais evidentes dos estados e municípios. Ca-
beria ao poder central não mais do que o estabelecido pela legislação
referente à DGSP, com ênfase no controle dos portos e da imigração,
temas sensíveis às elites paulistas, e no auxílio aos estados nordestinos
no combate à febre amarela, que já vinha ocorrendo desde 1910, e que,
com a resistência de alguns estados como o da Bahia, acabava por amea-
çar não só São Paulo, como também o resto do país. Mas era reticen-
te, quase silencioso, em relação aos serviços de profilaxia rural que co-
meçavam a ser acordados entre a União e alguns estados, já em 1918.
Assim sendo, o que fora alcançado por São Paulo deveria ser seguido
pelos demais estados, com a assessoria do Governo Federal, mantendo-
se sempre o princípio da autonomia estadual e da independência dos
serviços sanitários.
Para finalizar, talvez a melhor expressão de um projeto paulista de
saneamento do Brasil esteja na sequência imaginada por um entusiasta
divulgador da causa. Para Monteiro Lobato,

[. . .] os trechos saneados ir-se-ão constituindo em oásis purifica-


dos; o número desses oásis crescerá pela persistência da obra: e no
correr de alguns anos o oásis será todo S. Paulo. E será um dia o
Brasil inteiro [. . .] (Lobato, 1956, p. 302).

10
Descrevendo entusiasticamente o trabalho dos serviços sanitários comandados
por Neiva no interior de São Paulo, o escritor Monteiro Lobato indicava que a ação
inicial deveria partir do governo estadual “[. . .] já dotado do aparelhamento necessário
[. . .]”, coordenando os trabalhos que caberiam aos municípios. Trata-se de uma perspec-
tiva corrente, na época, sugerindo que a organização da autoridade sanitária viesse do
centro para depois ser devolvida às municipalidades, que continuavam a ser consideradas
legalmente competentes para promover saúde e saneamento, mas financeiramente inca-
pazes e dominadas por “coroneloides” que lesariam a saúde pública com “suas opiniões
pessoais” (Lobato, 1956, pp. 297-302).

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4.2. São Paulo cuida de si e dos outros: a internalização dos custos da


interdependência

Os serviços sanitários paulistas desenvolveram-se como uma du-


pla resposta. De um lado, às demandas da economia cafeeira no tocante
às condições de saúde da mão de obra imigrante e nacional, conjugada à
problemática do comércio internacional do café. A expansão dessa eco-
nomia para o Oeste paulista ampliou a magnitude dos problemas, assim
como o processo de urbanização. De outro, a ameaça permanente das
péssimas condições sanitárias, em outras unidades federativas, fez com
que São Paulo, para proteger seu território, sua população e sua econo-
mia, constituísse e ampliasse ao longo do tempo seus serviços sanitários.
Ambas as respostas continham a reivindicação de autonomia e indepen-
dência em relação aos serviços sanitários federais.
Os paulistas demandavam que a DGSP cumprisse seu papel no
controle sobre os portos e sobre o Distrito Federal, e auxiliasse os estados
em caso de epidemia, principalmente atuando sobre os elos de comuni-
cação interestaduais. Isso implicaria que as demais unidades federativas
deveriam instituir ou melhorar seus serviços sanitários. A comunidade
nacional desejada pelos paulistas corresponderia a um arranjo cooperati-
vo no qual cada um cuidaria de si, e o poder central, da defesa sanitária
nacional. Essa proposição estava no projeto de uma presidência que não
houve — a de Rodrigues Alves.
O desenvolvimento dos serviços sanitários paulistas também sig-
nificou uma política de internalização dos custos sanitários impostos por
outros estados no intuito de proteger sua população e território, em espe-
cial da ameaça de epidemias. São Paulo incorreu nos custos de desen-
volver serviços de saúde e campanhas sanitárias em seu próprio terri-
tório, assim como, algumas vezes, arcou com a responsabilidade e os
custos de realizar campanhas sanitárias em estados vizinhos. Ao custea-
rem esses serviços, as autoridades sanitárias paulistas substituíam tanto o
Poder Público de outros estados, muitas vezes a convite deles, como a
própria autoridade sanitária federal (Blount, 1971, p. 151; Castro San-
tos, 1993, p. 328).

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Um exemplo dessa política pode ser verificado na descrição feita


pelo presidente do estado, Altino Arantes, em mensagem ao Legislativo
Paulista, em 1918, da qual considero importante transcrever esta longa
citação:

Foi objeto de preocupação do Serviço Sanitário a campanha contra


as doenças transmissíveis, sendo tomadas providências especiais
contra a varíola, que assolava a Capital Federal e vários outros esta-
dos em comunicação com São Paulo, onde deram entrada enfer-
mos procedentes do Rio Grande do Sul e desembarcados em San-
tos, já em pleno período de erupção, outros vindos do Rio de Janei-
ro ou que ali se infectaram, e um de Uberaba, que adoeceu em
Ribeirão Preto, um dia após sua chegada.
Foi então o Serviço Sanitário obrigado a intensificar a vacinação
em todo o estado, tendo realizado 82.688 vacinações e 111.759
revacinações, e, para prevenir que o contágio do mal se fizesse pela
Noroeste, para onde se deslocava grande massa de população, teve
de solicitar a permissão do interventor federal no estado de Mato
Grosso, a fim de vacinar nas cidades de Três Lagoas e Campo Gran-
de, naquele estado, com o intuito de prevenir uma erupção de va-
ríola naquelas localidades, em constante contato com o estado de
São Paulo. Tal iniciativa foi muito bem recebida pelas municipa-
lidades mato-grossenses, [. . .] enquanto serviço análogo era exe-
cutado nas localidades vizinhas dos estados do Rio de Janeiro e
Minas Gerais (Egas, 1927, pp. 602-3).

Assim, observa-se que São Paulo realizou campanhas de vacinação


em cidades mato-grossenses ligadas ao estado por meios de transporte,
assim como em cidades fronteiriças em Minas Gerais e no Rio de Janei-
ro, para impedir a entrada da varíola que aparecera no Rio de Janeiro e no
Rio Grande do Sul, além de assessorar campanhas sanitárias em áreas
vizinhas.11 Isso revela que os governantes paulistas preferiram incorrer

11
Love (1982, p. 279) assinala que Mato Grosso e Paraná eram satélites econômi-
cos de São Paulo, o que provavelmente facilitava ações de defesa sanitária em sua frontei-
ra oeste.

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nos custos da provisão de cobertura vacínica em outros estados, para pro-


teger São Paulo, a arcar com os custos da inação.
Nesse caso, aparece a condição para que uma unidade decida produ-
zir individualmente um bem coletivo, mesmo que, por definição, possa
beneficiar aqueles que nada contribuíram para sua produção: os custos de
consumir um mal público, gerado pela inércia coletiva, são percebidos como
superiores aos custos de se arcar solitariamente com a produção da sua so-
lução ou prevenção, independentemente de esse bem vir a beneficiar aque-
les que não participaram do seu custeio. Os custos políticos e financeiros
de uma campanha sanitária a ser realizada em outros estados, substituin-
do o Poder Público local, seria inferior aos custos econômicos e humanos
que lhe seriam impostos pela não contenção de uma epidemia em suas
fronteiras. Para São Paulo, os custos que lhe seriam impostos por não desen-
volver essas campanhas em outros estados eram percebidos como superio-
res aos custos de fazê-lo individualmente (cf. Santos, 1993, pp. 51-9).
Um fator importante na dinâmica paulista, no contexto da minha
interpretação, foram os já citados convênios firmados com a Fundação
Rockefeller, para serviços de profilaxia rural. É razoável afirmar que,
independente dos motivos que levaram o International Health Board (IHB),
da Fundação Rockefeller, a começar a atuar no Brasil na década de 1910,
os estados consideravam seu auxílio como a possibilidade de assistência
técnica e financeira para o combate às endemias rurais.12 A legislação de
1919-1920 tornara mais institucional essas relações, e as estimulou, ao
incluir recursos federais na parceria entre estados e a Rockefeller, ao mesmo
tempo que exigia que, além da ancilostomíase, mais uma endemia, a
malária, fosse alvo dessas ações.13 Portanto, esses convênios seriam mais

12
Algumas análises tendem a ver o IHB como instrumento do imperialismo ame-
ricano, outras valorizam a ação filantrópica da Fundação Rockefeller, correspondendo a
traços da cultura norte-americana, e, por último, e mais recentemente, alguns autores
buscam acentuar a interação da Rockefeller com as especificidades de cada país onde
atuou. Para um balanço dessa literatura, ver Cueto (1994; 1996) e Faria (1994).
13
Por exemplo, uma carta do diretor de saúde pública da Bahia, Gonçalo Moniz,
ao cônsul americano no estado, para que este entrasse em contato com a missão médica
da Fundação Rockefeller para possível auxílio, já que não estava sendo possível implementar
quaisquer medidas de prevenção de doenças infecciosas nas áreas rurais. Vários outros
convites e pedidos de auxílio à Rockefeller foram feitos por governos estaduais, a partir de
1916. Ver Arquivo Rockefeller: Banco de Dados, Uerj/IMS.

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um suporte político, técnico e financeiro no campo da profilaxia rural


para os estados, além de desonerarem, em parte, o Governo Federal. Nesse
sentido, considero a Fundação Rockefeller como mais um recurso à dis-
posição dos governos estaduais e federal para ações em saúde pública.14
Um ponto a ser ressaltado é que alguns autores indicam que tanto
o Governo Federal como os governos estaduais viam a cooperação com a
Fundação como mais um reforço na tentativa de estabelecer a autoridade
pública, via saúde pública e saneamento, em áreas até então não alcançadas
pelo Estado ou com barreiras impostas pelas oligarquias locais (Castro
Santos, 1987; Cueto, 1994; 1996).
No caso paulista, a colaboração funcionava com uma lógica diferente.
A Fundação apoiava não só os serviços sanitários estaduais, nas ações de
profilaxia rural com recursos técnicos e financeiros, como também a forma-
ção de médicos sanitaristas com bolsas no exterior, além da instalação da
cadeira de Higiene, na Faculdade Paulista de Medicina (Castro Santos,
1987; Faria, 1994). O acordo com a Fundação Rockefeller, a partir de 1917,
seria mais um elemento no desenvolvimento autônomo dos serviços sani-
tários estaduais, em relação aos federais, sobretudo no campo da profilaxia
rural. Tanto que, nos termos do acordo negociado pelo diretor do Serviço
Sanitário de São Paulo, Artur Neiva, e a Fundação Rockefeller explicitava-
-se a exclusão da participação do Governo Federal.15 Mais uma vez, São
Paulo diferenciava-se dos demais estados, buscando apoio e recursos sem
nenhuma interferência federal. Resulta que, em 1922, o estado contava
com doze postos de profilaxia rural, em doze municípios diferentes, em
convênio com esta Fundação, além de obter seu auxílio para a organização
de serviços municipais permanentes (Folhetos de Higiene, LXIV, 1922).16

14
A obrigatoriedade de incluir a malária nos convênios, originalmente dedicados
somente à ancilostomíase, foi uma decisão unilateral do Governo Federal, de certa forma
imposta ao IHB, indicando que as ações da Fundação não eram nem livres nem baseadas
em decisões autônomas. Pelo menos duas cartas de L. Hackett, diretor do IHB no Brasil
a W. Rose, diretor-geral do IHB com sede na cidade de Nova York, indicam as insatisfa-
ções e dificuldades do IHB em cumprir essa determinação legal. Ver cartas de L. Hackett
a W. Rose de 28-4-1919 e 1.o-8-1919 no Arquivo Rockefeller: Banco de Dados, Uerj/IMS.
15
Ver correspondência de L. Hackett a W. Rose de 28-4-1917 no Arquivo
Rockefeller: Banco de Dados, UerjJ/IMS.
16
Ao solicitar a ajuda da Rockefeller, os serviços sanitários paulistas também utiliza-
vam esta agência internacional para demonstrar sua capacidade e independência

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Ao tratar os convênios da Fundação Rockefeller dentro da lógica


paulista — descrita como internalização dos custos e busca de recursos
externos com a manutenção de sua independência —, pode-se desfazer o
estranhamento indicado por alguns analistas sobre uma contradição de
Artur Neiva, diretor dos serviços estaduais: um ativo participante de um
movimento de caráter nacionalista, como a campanha pelo saneamento
do Brasil, buscando o auxílio de uma agência que representaria interesses
norte-americanos, no Brasil (Merhy, 1993, p. 78). A interpretação pro-
posta aqui é que os convênios com a Rockefeller são mais um elemento
na tentativa de São Paulo internalizar os custos sanitários sem auxílio
federal, uma estratégia racional, que superaria qualquer ideologia dos di-
rigentes paulistas, e contava com razoável capacidade de negociação das
bases técnico-financeiras sobre as quais os convênios seriam formados.
No caso dos outros estados, os convênios com o IHB estabeleciam, ne-
cessariamente, relações com o Governo Federal.
A solução paulista implicava realizar ações sanitárias, buscar com
independência recursos externos e, também, internalizar os custos da
interdependência sanitária. O problema é que seria impossível arcar ili-
mitadamente com todos os custos impingidos aos serviços sanitários
paulistas. A percepção da elevação dos custos da doença que se pega esti-
mularia a negociação de um arranjo mais amplo.

4.3. São Paulo cuida de si e o Governo Federal dos outros:


uma política viável de saúde pública

A configuração de 1891 modificou-se e tornou-se bem mais com-


plexa, exigindo novas respostas. Ficara patente que a grande maioria dos

na implementação de campanhas sanitárias. Com isso, mais uma vez, se diferenciaram


dos demais estados. Propuseram duas campanhas simultâneas contra a ancilostomíase,
em diferentes locais do estado, comandadas, independentemente, uma pelos serviços esta-
duais, outra pelo IHB, no Brasil. Para Hackett, essa novidade seria uma espécie de “com-
petição amistosa”, que objetivava, entre outras coisas, garantir mais recursos estaduais
para os serviços sanitários, desenvolver o espírito competitivo dos servidores estaduais e
mostrar ao Governo a capacidade dos serviços de produzir resultados de forma indepen-
dente e eficientemente, sem nenhum auxílio externo. Ver correspondência de L. Hackett
a W. Rose de 28-4-1917 (ibidem).

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estados não tinha condições financeiras e técnicas de implementar polí-


ticas de saúde e saneamento. O próprio Governo Federal ampliara sua
esfera de atuação no Distrito Federal, no controle dos portos e no auxílio
a estados e cidades atingidas pela febre amarela e pela peste. A interna-
lização dos custos de proteção à saúde, operada por São Paulo, e de forma
análoga pelo Distrito Federal, tinha limites, uma vez que seria impossível
cerrar as portas do estado a todo e qualquer problema sanitário externo.
O estado de São Paulo criara um serviço sanitário considerado compe-
tente e uma base de pesquisa, ensino e produção que lhe permitia enfren-
tar os problemas sanitários e manter sua autonomia política. Porém, não
poderia combater todos os problemas sanitários que o ameaçavam, nem
obrigar as demais unidades federativas a fazê-lo, ou mesmo substituir o
Poder Público, em alguns estados, ainda que o tivesse feito emergencial-
mente. O aumento da complexidade dos elos de dependência dentro da
Federação tornara elevados os custos que estavam sendo internalizados
por São Paulo.
O resultado desse impasse seria a proposição de uma organização
pública e nacional para administrar os efeitos da interdependência sanitá-
ria. A questão central seria a comparação entre os custos da interdepen-
dência internalizados por São Paulo e aqueles incorridos tanto para a
criação de uma organização pública e nacional como os impostos pelas
atividades dessa nova agência governamental.
O estabelecimento dos Serviços de Profilaxia Rural e do Departa-
mento Nacional de Saúde Pública (DNSP) foi uma mudança que aca-
bou por conformar mecanismos administrativos e financeiros que ajuda-
ram no equacionamento do dilema enfrentado por São Paulo, qual seja:
como aumentar o poder de intervenção das autoridades federais nos de-
mais estados, diminuindo os seus custos sem ameaçar, porém, a sua auto-
nomia? Esses mecanismos deveriam, necessariamente, e ao mesmo tem-
po, contemplar a seguinte questão, enfrentada pelos estados: como o
Governo Federal poderá auxiliar a combater os graves problemas sanitá-
rios que atingem São Paulo, que o estado não pode solucionar individual-
mente, e que, consequentemente, ameaçam os demais, sem que isso im-
plique uma imposição sobre todas as partes envolvidas no problema da
interdependência sanitária? Como evitar um veto paulista?

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O dilema encontrou resposta nos mecanismos do convênio requeri-


do para a implementação de políticas de saneamento e profilaxia rural. O
desenho institucional adotado em 1919, mantido e ampliado no DNSP,
responderia adequadamente a São Paulo e aos estados. Foi viável porque
a regra estabelecida era que os convênios seriam opcionais para as partes
interessadas. Qualquer projeto, como o de um Ministério da Saúde e depois
do DNSP, teria de ser aprovado pela Comissão de Finanças da Câmara
dos Deputados, com forte presença paulista, e pelo plenário do Legislativo
federal, onde São Paulo não possuía a maior bancada, mas tinha peso im-
portante, além de sua participação crucial no Governo Federal. Os acordos
entre estados e poder central seriam atos voluntários, dos quais todos po-
deriam usufruir, se assim lhes conviesse. Dessa maneira, para a grande
maioria dos estados, que não podia produzir condições hígidas em seus
territórios, esse ato era compulsório. Para São Paulo, poderia ser efetiva-
mente voluntário. A natureza da doença que se pega explicitava os custos da
interdependência social, mas não garantia por si mesma reformas e seus
conteúdos. A coalizão política que viabilizou a transferência de responsa-
bilidades para o poder central resultou de um cálculo em torno de custos
e benefícios da estatização e das regras que presidiriam essa transferência.
Todas as partes envolvidas nos problemas da interdependência fo-
ram induzidas a aderir, por razões diversas. Os estados vislumbravam
oportunidades de recursos técnicos e financeiros à sua disposição e os
benefícios da melhoria das suas condições sanitárias. A indução aos esta-
dos, sugerida no projeto paulista de 1918, foi substituída agora pela obri-
gação, um vez que poucas alternativas havia, diante da reconhecida pe-
núria da maioria. Para São Paulo, a consciência da interdependência sig-
nificava a percepção da impossibilidade de continuar internalizando cus-
tos e, portanto, da crescente ineficácia da solução individualizada para os
males da doença comunicável. A alternativa de poder excluir-se volunta-
riamente de um arranjo que ampliava o poder das autoridades sanitárias
federais foi a senha que promoveu a aceitação de uma organização sani-
tária federal mais ampla. Na prática, o direito de opção poderia ser exer-
cido apenas por São Paulo.
Essa fórmula permitia que os custos impostos a São Paulo pela
introdução de mais governo, que afetariam fundamentalmente os demais

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estados, e os custos de organizar a ação coletiva, arcados pela União e


estados interessados, fossem menores do que os custos da interdependência
sanitária impostos por esses a São Paulo. Ao mesmo tempo, os custos
percebidos pelos estados pelo crescimento do poder central eram meno-
res do que os impostos pela sua ausência, isto é, pela presença da doença.
Mais ainda, os benefícios da ação federal seriam superiores aos benefí-
cios da manutenção de suas autonomias.
Assim sendo, sem a presença federal em seu território, mas com os
benefícios dessa presença nos demais estados, ou seja, pela diminuição
dos custos externos impostos por eles, São Paulo pôde apoiar um arranjo
nacional e se beneficiar dos acordos sanitários com o poder central, justa-
mente porque lhe foi permitido deles se excluir. E assim foi até o final da
Primeira República.

5. Considerações finais

O esforço deste capítulo foi tratar a excepcionalidade paulista não


como constatação, mas como uma questão à luz da interpretação propos-
ta anteriormente, que passo a resumir. Primeiro, as elites paulistas admi-
nistraram e desenvolveram autonomamente um prodigioso serviço sani-
tário, durante a Primeira República, evitando ingerências ou intervenções
das autoridades sanitárias federais, além das possibilidades abertas pelos
convênios diferenciados com a Fundação Rockefeller. Ao ampliarem seu
espaço de atuação na década de 1910, os serviços sanitários federais já
encontraram os serviços paulistas desenvolvidos e consolidando sua pre-
sença em todo o estado. Progressivamente, revelou-se a impossibilidade
de São Paulo continuar internalizando todos os custos impostos pela sua
interdependência sanitária com as demais unidades federativas, além de
administrar seus problemas internos. Portanto, a consciência dos custos
da doença que se pega fez com que as relações entre os pactuantes de 1891
fossem percebidas como mais intensas e complexas.
Segundo, para reduzir os efeitos negativos impostos por outros es-
tados, São Paulo moveu-se no sentido de colaborar na criação de um
arranjo público e nacional para produzir políticas públicas de saúde, em
especial o combate às endemias rurais, às epidemias de febre amarela e à

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peste. A condição para sua participação era que a adesão não fosse com-
pulsória. Terceiro, a fórmula dos acordos voluntários para a realização de
serviços de profilaxia rural, instituída em 1918 e ampliada a partir de
1920, foi a chave para a emergência de uma política nacional de saúde e
saneamento. Ao colaborar para que os outros estados pudessem abrigar
serviços federais de profilaxia rural, São Paulo participou de um arranjo
que seria compulsório para todos e voluntário para si, mantendo-se sua
posição mais autárquica. O seu consentimento significava a possibili-
dade de permanecer singular. Esse modelo de relacionamento permitia
às elites paulistas maximizarem sua autonomia política e administrativa,
minimizando os custos impostos pelos problemas sanitários de outras
unidades federativas.
Os estados, que como vimos não podiam ter muitas veleidades
autonomistas, obteriam recursos técnicos e financeiros federais para a
solução de seus problemas sanitários, com o aval interessado da locomo-
tiva da Federação. O resultado imediato seria que São Paulo minimizaria
seus custos de interdependência, sem arcar com o ônus da presença fede-
ral, enquanto os demais interessados poderiam usufruir dos benefícios
do poder central, assumindo, porém, os custos da sua presença. A políti-
ca de saúde pública seria o produto de escolhas fundamentadas em uma
interação tensa e peculiar, envolvendo a pátria paulista, os demais estados
e o poder central, ao longo da Primeira República. A política nacional de
saúde pública foi o resultado de uma combinação específica entre autono-
mia estadual e interdependência sanitária, e não o simples isolamento e
singularização de São Paulo, derivado de uma leitura que anteporia auto-
nomia estadual e poder central. Utilizando os termos de Love, foi uma
síntese entre regionalismo, interpenetração e integração (1982, p. 12-3).
O argumento desenvolvido é complementar à interpretação de Reis
(1982; 1991) sobre a opção das elites paulistas de recorrer ao Gover-
no Federal para a regulação das atividades econômicas de seu interesse,
em oposição ao recurso do mercado, e às consequências não previstas
dessa decisão. São Paulo valia-se do poder central na economia, afastava-
o nas políticas de saneamento e saúde, mas concordava com a sua fran-
quia aos demais estados. A presença federal nos outros estados, para ad-
ministrar os efeitos da interdependência sanitária, seria como o recurso

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ao Executivo federal para regular a economia do café, uma decisão que


traria benefícios líquidos de curto e médio prazo para São Paulo. Nos
termos desta análise, as elites paulistas recorreram seletivamente ao po-
der central, tanto para administrar a interdependência sanitária entre São
Paulo e os demais estados como para regular a economia do café.
Com isso, estavam lançadas as bases de uma concentração e cen-
tralização de poder e de um ativismo estatal não previstos pelas elites no
momento do cálculo e da decisão de transferir atividades para o poder
central. A longo prazo, um arranjo inicialmente voluntário transformou-
-se em obrigatório para quase todos, além de aumentar significativa-
mente a capacidade do Estado de implementar políticas públicas, cada
vez mais independentemente do consentimento das elites políticas, tam-
bém das que calcularam que tinham minimizado os custos da presença
do poder central. O período que se inicia em 1930, considerado por mui-
tos uma ruptura com o passado, em criação e institucionalização de polí-
ticas sociais e de centralização estatal, herdou o processo acelerado de
criação de Poder Público que se vinha forjando ao longo das duas déca-
das anteriores. Este é um dos legados da era do saneamento.

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Capítulo 6
CONSIDERAÇÕES GERAIS
♦♦♦

[. . .]
— Quero vê-lo, doutor.
Houve uma pausa grave.
— É vacinado?
— Sou.
— Já viu um varioloso?
— Não.
— Gosta desse rapaz?
— É meu amigo.
— O diretor [do hospital São Sebastião]
pensou. Depois:
— É melhor não vê-lo. Aceite o meu
conselho. A ele nada falta. O senhor pa-
rece tão comovido. Tenha esperança, vá
descansar. As emoções fazem mal neste
período [. . .]
— J OÃO DO R IO , 1910

É
difícil tratar de forma neutra e exclusivamente analítica as polí-
ticas de saúde pública no Brasil, um objeto que nos aproxima do
sofrimento e da destituição humana. Ao longo de minha pes-
quisa, procurei seguir o conselho do diretor do hospital — por sinal, um
conselho que não foi aceito pelo seu interlocutor, na sequência da crônica
de João do Rio (1978, pp. 193-205). Não me envolver com o objeto de
estudo implicava evitar tanto uma avaliação dos resultados concretos do
crescimento das responsabilidades governamentais para com a saúde da
população, como o julgamento das decisões tomadas, diante das alterna-
tivas existentes, ou mesmo dos principais atores e instituições. Significa-

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va, também, silenciar sobre questões mais contemporâneas. Assim sen-


do, decidi, ao final deste livro, visitar o amigo doente.
Afastadas as “emoções [que] fazem mal neste período”, iniciei meu
empreendimento de compreender por que, quando e como ocorreram a
estatização e nacionalização das políticas sanitárias, e de apontar os for-
tes indícios de que isto se deu em um período que, para muitos, não seria
o mais adequado para se identificar processos de centralização estatal.
Preocupei-me em elucidar a forma pela qual a saúde foi coletivizada, ou
como a saúde acabou por ficar sob a responsabilidade do Estado, e em
apresentar as bases históricas das políticas de saúde no Brasil. O resulta-
do desse desafio está apresentado ao longo dos capítulos anteriores.
Entretanto, ao redigir este estudo, me vi, muitas vezes, encantado
com muitas das ideias, políticas e personagens que habitavam a era do
saneamento. Fiquei tentado, ao final, a avaliar positivamente as formula-
ções, intenções e esforços públicos para recuperar e preservar a saúde da
população brasileira, na Primeira República. Esses esforços intelectuais e
políticos, mesmo quando inviáveis precários ou contraditórios, significa-
vam a constituição de uma consciência pública sobre o abandono e as
péssimas condições de vida da imensa maioria da população e a constru-
ção dos alicerces de uma política pública que começaria a se estender por
todo o país. Poucas vezes, na experiência republicana brasileira, a saúde
pública foi objeto de tamanha atenção do governo e da opinião pública.
Se, como procurei mostrar em minha análise, foram os interesses
que prevaleceram, ao se combinarem com as ideias na constituição da
política sanitária, devo confessar que terminei este trabalho nutrindo uma
simpatia pessoal enorme pela dimensão cívica e heroica de muitas dessas
ideias, intenções e esforços, independentemente da convicção ideológica
e da posição política dos personagens. Com certeza, o que mais me sedu-
ziu foi a generosidade e a preocupação social que apareceram em discur-
sos e ações emoldurados pelo decisivo mundo dos interesses e das opor-
tunidades tangíveis.
Minhas tentações para valorizar positivamente a ação estatal e as
opções pela provisão coletiva do bem-estar dizem respeito ao desafio
imposto pelo convívio cotidiano com um conjunto de formulações sobre
o papel do Estado e sobre o imperativo de sua reformulação, presente na

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agenda nacional. Refiro-me, em especial, à discussão pública sobre o que


seriam as atividades essenciais do Estado ou funções típicas de Estado e as
que, não estão na natureza de suas funções. Diante da necessidade de
reformulação do Estado, essa distinção tem sido apresentada à sociedade,
por alguns, como natural, e apontada como diretriz para a escolha das
atividades que permaneceriam sob a responsabilidade do Estado, as que
seriam privatizadas e, finalmente, as que seriam transferidas para outras
esferas de governo. Dessa perspectiva, os desafios do Estado contempo-
râneo seriam enfrentados por uma reforma que devolveria à sociedade
atividades as quais se encontrariam de forma antinatural e indevida sob
os cuidados do Estado.
Isso posto, constatei que realizara um estudo sobre o processo de
coletivização em um momento em que aparece como consensual jus-
tamente a necessidade do movimento inverso. Em tempos de privati-
zação e de retorno ao mercado, venho estudando a formação do Estado
e suas políticas sociais. Longe de estar na contramão da história, o meu
objeto deve ser entendido como a outra face de uma mesma moeda
— constituição de Estado/reforma do Estado — e possibilita, entre
outras coisas, uma qualificação da naturalidade das afirmações correntes
sobre as ações que caberiam legitimamente ao Estado. Afinal, a era do
saneamento foi, principalmente, um período de experimentação política
e de reformas.
Ao longo do trabalho, indiquei que a extensão da autoridade pú-
blica foi uma solução encontrada diante da percepção do caráter trans-
missível da doença, dos dilemas por ela impostos, e do cálculo dos custos
e benefícios dessa ampliação. Mostrei que o problema da interdependência
social, se inevitável na constituição das modernas sociedades urbano-
-industriais, não pressupunha que o arranjo institucional daí derivado
fosse semelhante em diferentes experiências ou momentos históricos. A
consciência do caráter supralocal e nacional da ameaça da doença trans-
missível, construída pelo movimento sanitarista, não geraria, necessaria-
mente, a sua federalização e estatização e, se isso ocorresse, os mesmos
dilemas poderiam gerar políticas públicas alternativas. O encontro entre
consciência e interesse seria viabilizado por respostas políticas possíveis,
em determinados contextos institucionais.

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Foram escolhas e decisões políticas que, fundadas em cálculos reali-


zados em condições específicas, geraram leis, regulamentos, instituições
e ações públicas e atores estatais, que deram início ao desenvolvimento
de uma infraestrutura estatal e nacional de saúde pública e saneamento
rural. Tal dinâmica moldou novas decisões e políticas subsequentes com
resultados não previstos, inicialmente, pelas unidades pactuantes. Os fa-
tores que compunham o cálculo inicial (custos externos e benefícios e
custos do estado) seriam profundamente alterados, assim como o con-
texto e as restrições que demarcaram essas decisões. A transferência de
responsabilidades para o poder central e a presença da autoridade sanitá-
ria federal em todo o país fez com que fosse alterado o próprio universo
das unidades decisórias relevantes, os fóruns de decisão, e as questões a
serem enfrentadas. A agenda sanitária foi se modificando, com velhos e
novos problemas adquirindo visibilidade, na medida em que se realiza-
vam esforços sobre os alvos principais da atenção pública, nas décadas de
1910 e 1920, as endemias rurais e as epidemias.
Os novos arranjos legais e institucionais que aceleraram a expansão
da autoridade pública foram, em grande parte, propostos, aprovados e
implementados por aqueles que, à primeira vista, seriam lesados por es-
sas mesmas medidas, as chefias e elites políticas estaduais. De fato, hou-
ve menos resistência à expansão estatal do que às fórmulas específicas de
como seriam transferidas atividades para o poder central. A consciência
da interdependência e os incentivos oferecidos pelo ativismo do Poder
Público possibilitaram a saída do impasse na direção de um arranjo capaz
de agir eficazmente sobre todas as partes envolvidas e viável politicamente.
As elites concluíram que não poderiam concorrer com a autoridade fede-
ral na resolução dos males gerados pela onipresença da doença, mas po-
deriam dela se beneficiar.
Algumas das atividades de saúde pública que passaram a compor a
cesta de bens estatais foram objeto de conflito e negociação política, outras
foram sendo incorporadas, ao longo do processo de implementação das
ações sanitárias do Estado. A transferência de atividades para o Poder
Público, em especial para o poder central, resultou de escolhas e barga-
nhas entre as unidades que as detinham inicialmente, por força de um
pacto político anterior, a Constituição de 1891. Os resultados de longo

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prazo dessa transferência não foram antecipados no momento da deci-


são. Ao longo dos capítulos deste estudo, o empreendimento foi demons-
trar a plausibilidade dessa interpretação sobre a coletivização da saúde.
O ponto que gostaria de frisar aqui é que o crescimento das ativi-
dades estatais não foi um processo conformado por uma naturalidade do
seu pertencimento à esfera pública. Nesse sentido, o debate e a análise
sobre a reforma do Estado, a partir de critérios naturais de legitimidade
de suas funções, é tarefa espinhosa, dada a complexidade de sua própria
constituição, que este trabalho buscou apontar. As minhas considerações
visavam explicitar a política como foco analítico, e um dos mecanismos
definidores, ao longo do tempo, da amplitude da esfera pública. Observei
que, historicamente, as bases dos cuidados públicos com saúde foram
objeto de uma negociação que viabilizava o encontro entre ideias, cons-
ciência e interesses. Em tempos de reforma, o que ficará sob os cuidados
do Estado dependerá, talvez, de novo, da forma pela qual esse reencon-
tro acontecer.
Ao final deste estudo, observo discursos contemporâneos tão fun-
damentalistas sobre o papel do Estado quanto os do movimento sanita-
rista, aqui tratado. Ainda que completamente opostos, tanto os discursos
de ontem como os de hoje expressam a necessidade de um saneamento do
país. Mas, contando com o benefício do tempo, cabe mencionar que, no
período analisado, a palavra saneamento, e por conseguinte o slogan sanear
o Brasil, não significava apenas o ato de tornar são ou de curar males,
quaisquer que fossem, mas tinha, também, significados que estão hoje
em desuso: reconciliação e congraçamento.

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TÍTULOS PUBLICADOS NA COLEÇÃO “SAÚDE EM DEBATE” ATÉ 2007

Saúde e Assistência Médica no Brasil, Carlos Gentile de Mello


Ensaios Médico-Sociais, Samuel Pessoa
Medicina e Política, Giovanni Berlinguer
O Sistema de Saúde em Crise, Carlos Gentile de Mello
Saúde e Previdência: Estudos de Política Social, José Carlos de Souza Braga & Sérgio Góes de Paula
Saúde nas Fábricas, Giovanni Berlinguer
Ecologia: Capital, Trabalho e Ambiente, Laura Conti
Ambiente de Trabalho: a Luta dos Trabalhadores Pela Saúde, Ivar Oddone et al
Saúde Para Todos: um Desafio ao Município — a Resposta de Bauru, David Capistrano Filho (org.)
Os Médicos e a Política de Saúde, Gastão Wagner de Sousa Campos
Epidemiologia da Desigualdade, César G. Victora, Fernando C. de Barros & Patrick Vaughan
Saúde e Nutrição das Crianças de São Paulo, Carlos Augusto Monteiro
Saúde do Trabalhador, Aparecida Linhares Pimenta & David Capistrano Filho
A Doença, Giovanni Berlinguer
Reforma Sanitária: Itália e Brasil, Giovanni Berlinguer, Sônia M. Fleury Teixeira & Gastão Wagner de
Sousa Campos
Educação Popular nos Serviços de Saúde, Eymard Mourão Vasconcelos
Processo de Produção e Saúde, Asa Cristina Laurell & Mariano Noriega
Trabalho em Turnos e Noturno, Joseph Rutenfranz, Peter Knauth & Frida Marina Fischer
Programa de Saúde dos Trabalhadores (a Experiência da Zona Norte: Uma Alternativa em Saúde Pública),
Danilo Fernandes Costa, José Carlos do Carmo, Maria Maeno Settimi & Ubiratan de Paula Santos
A Saúde das Cidades, Rita Esmanhoto & Nizan Pereira Almeida
Saúde e Trabalho. A Crise da Previdência Social, Cristina Possas
Saúde Não se Dá, Conquista-se, Demócrito Moura
Planejamento sem Normas, Gastão Wagner de Souza Campos, Emerson Elias Merhy & Everardo
Duarte Nunes
Epidemiologia e Sociedade. Heterogeneidade Estrutural e Saúde no Brasil, Cristina Possas
Tópicos de Saúde do Trabalhador, Frida Marina Fischer, Jorge da Rocha Gomes & Sérgio Colacioppo
Epidemiologia do Medicamento. Princípios Gerais, Joan-Ramon Laporte et al.
Educação Médica e Capitalismo, Lilia Blima Schraiber
SaúdeLoucura 1, Antonio Lancetti et al
Desinstitucionalização, Franco Rotelli et alii
Programação em Saúde Hoje, Lilia Blima Schraiber (org.)
SaúdeLoucura 2, Félix Guatarri, Gilles Deleuze et al.
Epidemiologia: Teoria e Objeto, Dina Czeresnia Costa (org.)
Sobre a Maneira de Transmissão do Cólera, John Snow
Hospital, Dor e Morte Como Ofício, Ana Pitta
A Multiplicação Dramática, Hernán Kesselman & Eduardo Pavlovsky
Cinco Lições Sobre a Transferência, Gregorio Baremblitt
A Saúde Pública e a Defesa da Vida, Gastão Wagner de Sousa Campos
Epidemiologia da Saúde Infantil, Fernando C. Barros & Cesar G. Victora
Juqueri, o Espinho Adormecido, Evelin Naked de Castro Sá & Cid Roberto Bertozzo Pimentel
O Marketing da Fertilidade, Yvan Wolffers et alii
Lacantroças, Gregorio Baremblitt
Terapia Ocupacional: Lógica do Trabalho ou do Capital? Lea Beatriz Teixeira Soares
Minhas Pulgas, Giovanni Berlinguer
Mulheres: Sanitaristas de Pés Descalços, Nelsina Mello de Oliveira Dias
Epidemiologia — Economia, Política e Saúde, Jaime Breilh
O Desafio do Conhecimento, Maria Cecília de Souza Minayo
SaúdeLoucura 3, Herbert Daniel et al.
Saúde, Ambiente e Desenvolvimento, Maria do Carmo Leal et al.
Promovendo a Eqüidade: um Novo Enfoque com Base no Setor da Saúde, Emanuel de Kadt & Renato Tasca
A Saúde Pública Como Política, Emerson Elias Merhy
Sistema Único de Saúde, Guido Ivan de Carvalho & Lenir Santos
Reforma da Reforma, Gastão Wagner S. Campos
O Município e a Saúde, Luiza S. Heimann et al
Epidemiologia Para Municípios, J. P. Vaughan
Distrito Sanitário, Eugênio Vilaça Mendes
Psicologia e Saúde, Florianita Braga Campos (org.)
Questões de Vida: Ética, Ciência, Saúde, Giovanni Berlinguer
Saúde Mental e Cidadania no Contexto dos Sistemas Locais de Saúde, Maria E. X. Kalil (org.)
Mario Tommasini: Vida e Feitos de um Democrata Radical, Franca Ongaro Basaglia

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Saúde Mental no Hospital Geral: Espaço Para o Psíquico, Neury J. Botega & Paulo Dalgalarrondo
O Médico e seu Trabalho: Limites da Liberdade, Lilia Blima Schraiber
O Limite da Exclusão Social. Meninos e Meninas de Rua no Brasil, Maria Cecília de Souza Minayo
Saúde e Trabalho no Sistema Único do Sus, Neiry Primo Alessi et al
Ruído: Riscos e Prevenção, Ubiratan de Paula Santos (org.)
Informações em Saúde: da Prática Fragmentada ao Exercício da Cidadania, Ilara Hammerty Sozzi de Moraes
Saúde Loucura 4, Gregorio Baremblit et al
Odontologia e Saúde Bucal Coletiva, Paulo Capel Narvai
Manual de Saúde Mental, Benedetto Saraceno et al
Assistência Pré-Natal: Prática de Saúde a Serviço da Vida, Maria Inês Nogueira
Saber Preparar Uma Pesquisa, André-Pierre Contandriopoulos et al
Pensamento Estratégico e Lógica da Programação, Mario Testa
Os Estados Brasileiros e o Direito à Saúde, Sueli G. Dallari
Inventando a Mudança na Saúde, Luiz Carlos de Oliveira Cecílio et al
Uma História da Saúde Pública, George Rosen
Drogas e Aids, Fábio Mesquita & Francisco Inácio Bastos
Tecnologia e Organização Social das Práticas de Saúde, Ricardo Bruno Mendes Gonçalves
Epidemiologia e Emancipação, José Ricardo de Carvalho Mesquita Ayres
Razão e Planejamento, Edmundo Gallo, Ricardo Bruno Mendes Gonçalves & Emerson Elias Merhy
Os Muitos Brasis: Saúde e População na Década de 80, Maria Cecília de Souza Minayo (org.)
Da Saúde e das Cidades, David Capistrano Filho
Sistemas de Saúde: Continuidades e Mudanças, Paulo Marchiori Buss & María Eliana Labra
Aids: Ética, Medicina e Tecnologia, Dina Czeresnia et al
Aids: Pesquisa Social e Educação, Dina Czeresnia et al
Maternidade: Dilema entre Nascimento e Morte, Ana Cristina d’Andretta Tanaka
Construindo Distritos Sanitários. A Experiência da Cooperação Italiana no Município de São Paulo, Carmen
Fontes Teixeira & Cristina Melo (orgs.)
Memórias da Saúde Pública: a Fotografia como Testemunha, Maria da Penha C. Vasconcellos (coord.)
Medicamentos, Drogas e Saúde, E. A. Carlini
Indústria Farmacêutica, Estado e Sociedade, Jorge Antonio Zepeda Bermudez
Propaganda de Medicamentos: Atentado à Saúde? José Augusto Cabral de Barros
Relação Ensino/Serviços: Dez Anos de Integração Docente Assistencial (IDA) no Brasil, Regina Giffoni Marsiglia
Velhos e Novos Males da Saúde no Brasil, Carlos Augusto Monteiro (org.)
Dilemas e Desafios das Ciências Sociais na Saúde Coletiva, Ana Maria Canesqui
O “Mito” da Atividade Física e Saúde, Yara Maria de Carvalho
Saúde & Comunicação: Visibilidades e Silêncios, Aurea M. da Rocha Pitta
Profissionalização e Conhecimento: a Nutrição em Questão, Maria Lúcia Magalhães Bosi
Saúde do Adulto: Programas e Ações na Unidade Básica, Lilia Blima Schraiber, Maria Ines Baptistela Nemes
& Ricardo Bruno Mendes-Gonçalves (orgs.)
Nutrição, Trabalho e Sociedade, Solange Veloso Viana
Uma Agenda para a Saúde, Eugênio Vilaça Mendes
A Construção da Política Nacional de Medicamentos, José Ruben de Alcântara Bonfim & Vera Lúcia
Mercucci (orgs.)
Ética da Saúde, Giovanni Berlinguer
A Construção do SUS a Partir do Município: Etapas para a Municipalização Plena da Saúde, Silvio Fernandes
da Silva
Reabilitação Psicossocial no Brasil, Ana Pitta (org.)
SaúdeLoucura 5, Gregorio Baremblitt (org.)
SaúdeLoucura 6, Eduardo Passos Guimarães (org.)
Assistência Social e Cidadania, Antonio Lancetti (org.)
Sobre o Risco: Para Compreender a Epidemiologia, José Ricardo de Mesquita Aires
Ciências Sociais e Saúde, Ana Maria Canesqui (org.)
Agir em Saúde, Emerson Elias Merhy & Rosana Onocko (orgs.)
Contra a Maré à Beira-Mar, Florianita Braga Campos & Cláudio Maierovitch
Princípios Para Uma Clínica Antimanicomial, Ana Marta Lobosque
Modelos Tecnoassistenciais em Saúde: o Debate no Campo da Saúde Coletiva, Aluísio G. da Silva Junior
Políticas Públicas, Justiça Distributiva e Inovação: Saúde e Saneamento na Agenda Social, Nilson do Rosário Costa
A Era do Saneamento: as Bases da Política de Saúde Pública no Brasil, Gilberto Hochman
O Adulto Brasileiro e as Doenças da Modernidade: Epidemiologia das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis,
Ines Lessa (org.)
Malária e Seu Controle, Rita Barradas Barata
O Dengue no Espaço Habitado, Maria Rita de Camargo Donalisio
A Organização da Saúde no Nível Local, Eugênio Vilaça Mendes (org.)
Trabalho e Saúde na Aviação: a Experiência entre o Invisível e o Risco, Alice Itani

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Mudanças na Educação Médica e Residência Médica no Brasil, Laura Feuerwerker
A Evolução da Doença de Chagas no Estado de São Paulo, Luis Jacintho da Silva
Malária em São Paulo: Epidemiologia e História, Marina Ruiz de Matos
Civilização e Doença, Henry Sigerist
Medicamentos e a Reforma do Setor Saúde, Jorge Antonio Zepeda Bermudez & José Ruben de Alcântara
Bonfim (orgs.)
A Mulher, a Sexualidade e o Trabalho, Eleonora Menicucci de Oliveira
Saúde Sexual e Reprodutiva no Brasil, Loren Galvão & Juan Díaz (orgs.)
A Educação dos Profissionais de Saúde da América Latina (Teoria e Prática de um Movimento de Mudança) —
Tomo 1 “Um Olhar Analítico” — Tomo 2 “As Vozes dos Protagonistas”, Marcio Almeida, Laura Feu-
erwerker & Manuel Llanos C. (orgs.)
Vigilância Sanitária: Proteção e Defesa da Saúde, Ediná Alves Costa
Sobre a Sociologia da Saúde. Origens e Desenvolvimento, Everardo Duarte Nunes
Ciências Sociais e Saúde para o Ensino Médico, Ana Maria Canesqui (org.)
Educação Popular e a Atenção à Saúde da Família, Eymard Mourão Vasconcelos
Um Método Para Análise e Co-Gestão de Coletivos, Gastão Wagner de Sousa Campos
A Ciência da Saúde, Naomar de Almeida Filho
A Voz do Dono e o Dono da Voz: Saúde e Cidadania no Cotidiano Fabril, José Carlos “Cacau” Lopes
Da Arte Dentária, Carlos Botazzo
Saúde e Humanização: a Experiência de Chapecó, Aparecida Linhares Pimenta (org.)
Consumo de Drogas: Desafios e Perspectivas, Fábio Mesquita & Sérgio Seibel
SaúdeLoucura 7, Antonio Lancetti (org.)
Ampliar o Possível: a Política de Saúde do Brasil, José Serra
SUS Passo a Passo: Normas, Gestão e Financiamento, Luiz Odorico Monteiro de Andrade
A Saúde nas Palavras e nos Gestos: Reflexões da Rede Educação Popular e Saúde, Eymard Mourão Vasconcelos
(org.)
Municipalização da Saúde e Poder Local: Sujeitos, Atores e Políticas, Silvio Fernandes da Silva
A Cor-Agem do PSF, Maria Fátima de Souza
Agentes Comunitários de Saúde: Choque de Povo, Maria Fátima de Souza
A Reforma Psiquiátrica no Cotidiano, Angelina Harari & Willians Valentini (orgs.)
Saúde: Cartografia do Trabalho Vivo, Emerson Elias Merhy
Além do Discurso de Mudança na Educação Médica: Processos e Resultados, Laura Feuerwerker
Tendências de Mudanças na Formação Médica no Brasil: Tipologia das Escolas, Jadete Barbosa Lampert
Os Sinais Vermelhos do PSF, Maria Fátima de Sousa (org.)
O Planejamento no Labirinto: Uma Viagem Hermenêutica, Rosana Onocko Campos
Saúde Paidéia, Gastão Wagner de Sousa Campos
Biomedicina, Saber & Ciência: Uma Abordagem Crítica, Kenneth R. de Camargo Jr.
Epidemiologia nos Municípios: Muito Além das Normas, Marcos Drumond Júnior
A Psicoterapia Institucional e o Clube dos Saberes, Arthur Hyppólito de Moura
Epidemiologia Social: Compreensão e Crítica, Djalma Agripino de Melo Filho
O Trabalho em Saúde: Olhando e Experienciando o SUS no Cotidiano, Emerson Elias Merhy et al
Natural, Racional Social: Razão Médica e Racionalidade Científica, Madel T. Luz
Acolher Chapecó: Uma Experiência de Mudança do Modelo Assistencial, com Base no Processo de Trabalho, Túlio
Batista Franco et al.
Educação Médica em Transformação: Instrumentos para a Construção de Novas Realidades, João José Neves
Marins
Proteção Social. Dilemas e Desafios, Ana Luiza d’Ávila Viana, Paulo Eduardo M. Elias & Nelson Ibañez
(orgs.)
O Público e o Privado na Saúde, Luiza Sterman Heimann, Lauro Cesar Ibanhes & Renato Barbosa (orgs.)
O Currículo Integrado do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina: do Sonho à Realidade,
Maria Solange Gomes Dellaroza & Marli Terezinha Oliveira Vanucchi (orgs.)
A Construção da Clínica Ampliada na Atenção Básica, Gustavo Tenório Cunha
Saúde Coletiva e Promoção da Saúde: Sujeito e Mudança, Sérgio Resende Carvalho
Saúde e Desenvolvimento Local, Marco Akerman
Saúde do Trabalhador no SUS: Aprender com o Passado, Trabalhar o Presente e Construir o Futuro, Maria
Maeno & José Carlos do Carmo
A Espiritualidade do Trabalho em Saúde, Eymard Mourão Vasconcelos (org.)
Saúde Todo Dia: Uma Construção Coletiva, Rogério Carvalho Santos
As Duas Faces da Montanha: Estudos sobre Medicina Chinesa e Acupuntura, Marilene Cabral do Nascimento
Perplexidade na Universidade: Vivências nos Cursos de Saúde, Eymard Mourão Vasconcelos, Lia Haikal
Frota & Eduardo Simon
Tratado de Saúde Coletiva, Gastão Wagner de Sousa Campos, Maria Cecília de Souza Minayo, Marco
Akerman, Marcos Drumond Jr. & Yara Maria de Carvalho (orgs.)
Entre Arte e Ciência: Fundamentos Hermenêuticos da Medicina Homeopática, Paulo Rosenbaum

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A Saúde e o Dilema da Intersetorialidade, Luiz Odorico Monteiro de Andrade
Olhares Socioantropológicos Sobre os Adoecidos Crônicos, Ana Maria Canesqui (org.)
Na Boca do Rádio: o Radialista e as Políticas Públicas, Ana Luísa Zaniboni Gomes
SUS: Ressignificando a Promoção da Saúde, Adriana Castro & Miguel Malo (orgs.)
SUS: Pacto Federativo e Gestão Pública, Vânia Barbosa do Nascimento
Memórias de um Médico Sanitarista que Virou Professor Enquanto Escrevia Sobre. . . , Gastão Wagner de
Sousa Campos
Saúde da Família, Saúde da Criança: a Resposta de Sobral, Anamaria Cavalcante Silva

SÉRIE “ LINHA DE FRENTE”

Ciências Sociais e Saúde no Brasil, Ana Maria Canesqui


Avaliação Econômica em Saúde, Leila Sancho
Promoção da Saúde e Gestão Local, Juan Carlos Aneiros Fernandez & Rosilda Mendes (orgs.)
Ciências Sociais e Saúde: Crônicas do Conhecimento, Everardo Duarte Nunes & Nelson Filice de Barros

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