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COPIAS: c^S.

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Menos governo e mais governança? Repensando a lógica da ação estatal


Ana Cláudia Niedhardt Capella (UNESP)

6S Encontro da ABCP - 29 de julho a 01 de agosto de 2008


UNICAMP - Campinas/SP
Área Temática: Estado e Políticas Públicas

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Introdução

Nos últimos quinze anos, a idéia de governança (governance) tem


ocupado lugar de destaque tanto nos estudos sobre Estado e políticas
públicas, quanto na agenda dos governos. No entanto, não há consenso sobre
o significado do termo, utilizado em diferentes contextos com significados

distintos.
O presente estudo tem como objetivo rever e analisar a emergência da
noção de governança na literatura especializada, procurando compreender o
processo de argumentação sobre Estado e políticas públicas que se estabelece
a partir da utilização desse instrumental analítico. Para tanto, faremos uma
breve exploração das aplicações da idéia de governança em algumas subáreas
da ciência política, destacando as diferentes interpretações conceituais nos
estudos de administração pública e políticas públicas.
9 ^ Num segundo momento, analisaremos a forma como a noção de
governança passa a balizar o processo de produção de políticas publicas,
tomando como exemplo a operacionalização do conceito nas políticas de
gestão pública dos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula.
Por fim, a idéia de governança será analisada como categoria simbólica,
representada estrategicamente para veicular distintos significados e atuar como

facilitadora de legitimação das idéias mais gerais a ela associada.

Os diferentes significados do termo “governança” na literatura

A idéia de governança (governance) está presente em diferentes áreas


das ciências sociais: nos estudos de relações internacionais, nas análises de
política comparada, nos estudos sobre a comunidade européia, nos estudos de
administração pública e políticas públicas. Nesses diferentes contextos, o

termo assume distintas significações.


Nos estudos sobre frêlãções internacionais^) a preocupação com a
governança emerge como resultado da globalização, da crescente
interdependência das instituições e das crescentes necessidades de regulação
no piano global. Com o surgimento de novas instituições internacionais, e com

2
as mudanças no papel das instituições já existentes, outros atores, além dos

Estados nacionais, assumiram um papel importante no-'estabelecimento de


normas e regras em escala global. Nos estudos sobre relações internacionais,
a preocupação central repousa no estabelecimento de regras para instituições
internacionais. Diversas âbordagens competem sobre a idéia de governança,
desde perspectivas baseadas na^iipótese de que os Estados nacionais são oiT).
[a to re s mais importantesjno cenário internacional, até abordagens nas quais se
questiona o papel dos Estados no estabelecimento das normas e regras na
dinâmica política global.
Os estudos sobre a Comunidade Européia, que já vinham sendo
desenvolvido pelos analistas de relações internacionais, mudam
significativamente de escopo com a inserção da idéia de governança. De uma
discussão focada na integração, apenas como uma questão supra-nacional ou
intergovernamental, a adoção da idéia de governança ampliou o debate para o
estudo das questões relativas à política européia. Desta forma, as análises de
governança focalizam a eficiência do processo de formulação de políticas
européias.
Nas análises de política comparada, governança relaciona-se a dois
importantes debates. O primeiro focaliza a questão do papel do Estado no
desenvolvimento econômico e, neste caso governança refere-se a maneira
pela qual as instituições encarregadas pela formulação e implementação de
políticas econômicas são estabelecidas e suas conseqüências sobre o
desenvolvimento. O segundo debate destaca a questão da democratização. A
idéia de governança, neste sentido, está relacionada ao estabelecimento de
regras que orientam o processo decisório. Assim, nos estudos de política
comparada, o emprego do termo "governança” varia de acordo com o foco de
análise: enquanto as teorias sobre o papel do Estado no desenvolvimento
destacam a criação de uma base institucMaaLBara a íorm ulação de políticas
econômicas, as teorias sobre democratização enfatizam o estabelecimento de
uma base institucional para o regime político^
Importante ressaltar também o papel do Banco Mundial, que contribuiu
significativamente para disseminar a noção de governança no início dos anos
1990. O [Banco Mundial, já no final do anos 1980,J relacionou a idéia de

3
governança diretamente às crises econômicas que atingiam os países do
terceiro mundo e passou a orientar a ação desses países, que dependiam dos
recursos do Banco, no sentido da adoção de práticas de "boa governança"
(good governance). No entanto, mesmo nos documentos oficiais emitidos pelo
Banco Mundial, a definição de governança encontra diferentes sentidos e
assume distintos significados:

"The World Bank does not operale wilh one single definition of
governance. Rather, the usage varies according to the particular report
at hand. For example, in 1989 report, governance is defined as 'the
manner in which power is exercised in the management of a country’s
economical and social resources for development'. (...). In a latter
report, ‘governance is The institufio nafcapab iiiíy’"õ"f public organizations
to provide the public and other goods demanded by a country’s
\ citizens or their representalives in an effective, transparent, impartial,
| and accountable manner, subject to resource constraints’" (Kjaer,
| 2004,173).

Desta forma, as distintas utilizações da idéia de governança em


diferentes áreas apontam para a ausência de um consenso sobre o conceito. A
idéia de governança assume contornos ainda mais difusos nos estudos sobre ^
administração pública e políticas públicas, como verem osa seguir.

Governança na literatura de Administração Pública e Políticas Públicas

A partir do início dos anos 1990, o termo governança tem sido utilizado
de maneira cada vez mais freqüente na área de administração pública. Nestes
estudos, a noção de governança também não se desenvolve em torno de um
conceito central. As distintas aplicações do termo capturam diferentes
conceitos, idéias e teorias, como veremos adiante.
Analisando a literatura mais recente, alguns autores têm apontado não
apenas a crescente utilização da idéia de governança, mas o emprego do
termo como um sinônimo para a própria área de administração pública.
Segundo Fredeiickson e Smith (2003, 209), “the term governance is
increasingly a surrogate or proxy for public administration or public
management in the discipline’s leading iiterature”1. Neste sentido, o termo
“administração pública” seria utilizado para designar as abordagens teóricas
mais ortodoxas, ligadas ao modelo weberiano. A administração pública
tradicional pode ser caracterizada por^ algumas características básicas: (a)
neutralidade técnica do serviço público (dicotomia política x administração); (b)
^hierarquia rígida e_adm inistráção voltada ao cumprimento de_ regras; (c)
permanência e estabilidade das organizações governamentais, incluindo a ,
_estabilidade do corpo de servidores públicos; (d) regulação interna, por meio da
submissão^ do serviço público às diretivas políticas; (e) aplicação das normas
para garantia de condições de igualdade na prestação de serviços públicos
(Peters, 2001, 04-13). Embora o sistema tradicional de administração pública
tenha obtido sucesso por décadas, a decepção crescente com o desempenho
governamental nos anos de 1980-1990, decorrente de mudanças na economia
global, fatores demográficos, crescimento excessivo do setor público, entre
outras características, teriam levado ao esgotamento das idéias presentes no
modelo tradicional. “Governança” por outro lado, representaria a abordagem
decorrente do questionamento deste modelo de administração pública, uma
nova teoria da administração pública, focada em mercados e competição;
administração participativa; flexibilidade e desregulamentação. (Peters, 2001.
16-22).
Para outro grupo de estudiosos, a idéia de governança ultrapassa os
limites do conhecimento produzido no campo da administração pública. No
plano teórjco, a idéia de governança .perm itiria formar a base para uma
abordagem capaz de unificar as áreas de administração pública e políticas
públicas por meio do estabelecimento de uma agenda de pesquisa comum e
de modelos explanatórios baseados no desenvolvimento sistemático do estudo
da governança^Heinrich e Lynn, 2000). Uma “teoria da governânça” seria um
corpo teórico capaz de ajudar na compreensão das formas pelas quais as leis,
normas e práticas administrativas restringem, prescrevem ou estimulam a

produção e a oferta de bens e serviços públicos.


Outros autores vêem com desconfiança a idéia de que a governança
represente um projeto desenvolvido para unificar uma ampla literatura

1 Grifo do original.
5
multidisciplinar voltada para os estudos do setor público e mesmo das
atividades públicas considerando também os setores privado e de atividades
não lucrativas. A noção de governança é interpretada por alguns autores como
um modismo do campo acadêmico:

"The concept of govemance is fashionable, the favourite of academic


taste-makers, the flavour not only of the month but also of the year and
the decade (...). Much of the governance literature is a rehash of old
academic debates under a new and jazzier name - a sort of
inteliectual mutton dressed up as lamb - so that pushy new professors
(...) can have lhe same old arguments as their elders but can fiatter
themselves that they are breaking new ground by using new jargon"
(Frederickson, 2007, 289).

Outras perspectivas sobre a governança relacionam o termo não


especificamente a perspectivas teóricas‘"òu'áreas d ê ^ o f^ ê c ím é n tó , mas à
prática contemporânea cia gestão pública. Neste sentido, alguns autores
relacionam governança aos valores e idéias da “nova administração pública”,
ou “administração pública gerencial”, um conjunto heterogêneo de diretrizes
que fixaram os parâmetros para as reformas administrativas desenvolvidas por
diversos países nas últimas décadas. Existem diversas visões sobre o
conteúdo proposto pela nova administração pública2, mas de forma geral
podemos destacar os seguintes tópicos, comuns a diversas experiências de
reforma: (a) mudança no foco de gestão, abandonando a ênfase em processos
para a ênfase em resultados; (b) amplo destaque para medições de
desempenho, indicadores de eficiência e estabelecimento de padrões
quantitativos para os serviços públicos; (c) busca de formatos organizacionais
menos hierarquizados; (d) aplicação de mecanismos de mercado no
provimento de serviços públicos "(in c lu in d o prTva!i^çãò7~’têrceifiFaçao7
desenvolvimento de mercados internos via contratos de gestão, entre outros

2 Para uma análise sobre as idéias presentes nas reformas administrativas baseadas na "nova
administração pública", ver Hood, C. (1991). "A Public Management for Ali Seasons?", Public
Administration, 69 (1), pp. 3-19; Poliitt, C. e Bouckaert, G. (2001). Public Management Reform: a
comparative analysis. Oxford, Oxford University Press.^Abnjcio, Fernando Luiz. "Os avanços e os dilemas _
do modelo pós burocrático: a . reforma da administração púFiTcã^Jrüz'Tra^x^efíênciâ 'iiííeFnãõionSf
TIcente"! in 'Perêíra?Lüiz Carlos Brèsiir e Spinl<rWtèT'(5rgs'j. Refòrmâiio É'stãBd'ê'7(dMínTsrr^aõ“
mecanismos); (e) diminuição das fronteiras entre os setores público e privado,
caracterizado pelo aumento das parceiras púbííco-privado e proliferação cie
organizações híbridas; (ffm udança de prioridades, deixando em segundo plano"
valores como o universalismo e equidade, em direção à eficiência e

individualismo.

---Parã~Kettl (2000), por exemplo, »«..


o debate central em torno da nova
„. ___ ,m.L=., ......... ,
administração pública concentra-se na superação de um gap crescente entre
os governos (as estruturas e funções das instituições públicas) e governança (a
fo rm a te "A tu a çã o dõ governo). De acordo com o autor, tradicionalmente, os
governos responsabilizavam-se quase que exclusivamente pela prestação dos
serviços públicos. No final do século vinte, esses serviços passaram para as
mãos de parceiros não-governamentais. A ssim, a discussão da governança
envolve a reavaliação dos mecanismos de interação entre governo e
sociedade;

“What should goverrtment do? How can it best accomplish these


goals? What capacity does it need ío do it well? (...) The management
reform movement builds on the notion of good governance - a sorting
out of mission, role, capacity, and relationships - is a necessary (if
insufficient) condition for economic prosperity and social stability”
(Kettl, 2000, 05-06).

Governança, neste sentido, é a capacidade de o Estado executar suas


funções, sejam estas de prestação direta de serviços públicos, ou de controle
de atores não estatais na execução desses serviços, por meio de contatos de
gestão, terceirização, entre outros mecanismos..
A identificação da idéia de governança com a nova administração
pública, no entanto, não é consensual. Peters e Pierre (1998) observam que os
debates iniciais sobre a governança ocorreram ao mesmo tempo eiti que as
idéias sobre a nova administração púbiica foram difundidas nas democracias
ocidentais, no início dos anos 1980. No entanto, embora compartilhem algumas
idéias fundamentais, governança e nova administração pública são, para os
autores, conceitos diferentes. O debate inicial sobre governança, como
apontam os autores, concentrou-se no argumento de que as redes passaram a
exercer grande influência nos processos de formulação de políticas. Ao invés
de instituições formais encarregadas pela formulação de políticas, redes
compostas por diferentes atores exerceriam influência crescente sobre as
formas e os meios de produção de bens e serviços públicos. Neste contexto, o
Estado deixaria de exercer o controle direto sobre os serviços públicos e
passaria a exercer influência*sobre'as"redes das quais também faz parte, em
conjunto com organizações não governamentais. As redes também
estimularam parcerias entre os setores público e privado, combinando recursos
oriundos de diferentes origens, além de estimular meios alternativos para a
implementação de políticas pelo Estado (Peters e Pierre, 1998, 225-227). Em
comum com as idéias norteadoras da nova administração pública, as
discussões iniciais sobre a governança destacavam o desenvolvimento de
novos instrumentos de controle e accountability; redução da distinção entre os
setores público e privado, principalmente em termos de mecanismos de gestão;
ênfase em~~mecãnismos de competição como meio de elevar a eficiência da
ação estatal; focalização em resultados; aumento da capacidade
governamental em forjar coalizões inter-organizacionais com atores do
ambiente externo. No entanto, estas similaridades entre a idéia de governança
e a nova administração pública não os tornam sinônimos, como afirmam os

autores:

"However, several significant dífferences also exist belween


governance and NPM [New Public management]. Indeed, these
dífferences are so fundamental that the two models of public service
should be separated. The similarities seem to be primarily at the
òperative levei of administrative reform, whereas the dífferences are
located ai a theoretical levei." (Peters e Pierre, 1998, 231).

Nj Governança, para os autores, representa um conceito - a relação entre


o governo e a sociedade - que sempre esteve presente na democracia.
Governos, por exemplo, sempre estabeleceram parcerias com o setor privado.
A questão da nova administração pública é estabelecer uma visão normativa

! sobre a forma pela qual esta relação deve ser pautada. Uma segunda distinção
apontada pelos autores é o foco das análises: a idéia de governança estaria
centrada no entendimento dos processos pelos quais as políticas públicas são
criadas e implementadas, enquanto a nova administração pública preocuparia-
se fundamentalmente com resultados. Em terceiro lugar, a nova administração
pública constitui-se em um programa de reforma administrativa intra-
organizacioríal, enquanto idéia de governança estaria ligada a uma perspectiva
inter-organizacional. Ãlém disso, e n q u a ritc T 'g r^ K 5 v ^ â d m T ii® ia ^ '“ JJÜBIIcã ’
oferece subsídios para as reformas administrativas partindo do pressuposto de
redução do padrão de intervenção do Estado, as idéias de governança
baseiam-se na manutenção dos recursos públicos sob algum grau de controle
político, além de focalizarem o desenvolvimento da capacidade de atuação do
governo. Assim, argumentam os autores, a idéia de governança distancia-se
dos pressupostos ideológicos da nova administração pública,
Podemos concluir que são distintas as aplicações da idéia de
x» governança e os conceitos envolvidos nas utilizações do termo. Governança
pode ser um projeto intelectual de unificação de uma literatura multidisciplinar
em um ^orpo teórico unificado. Por outro lado, governança pode ser^vísWcoMõ-
o conjunto de práticas presentes nas reformas orientadas pelas idéias da nova
administração pública. Ou, ainda, o termo governança pode ser entendido para
além da nova administração pública, envolvendo idéias como relações laterais,
relações inter-institucionais, diminuição dos limites jurisdicionais e
estabelecimento de redes de cooperação.
Rhodes (2000, 55-60) mapeou diferentes aplicações para a idéia de
governança na literatura de administração pública, tendo encontrado as
seguintes utilizações: a nova administração pública ou gerencialismo; boa
. governança, comparada a eficiência, transparência, meritocracia e equidade;
interdependência internacional e inter-jurisdicional; sistemas de gestão não
governamentais; a nova economia política, incluindo a mudança da provisão
estatal de serviços para o Estado regulador; redes de gestão.
Em um detalhado levantamento bibliográfico, Frederickson (2007)

demonstra diferentes empregos do conceito de governança na literatura. As


aplicações desse conceito por distintos autores encontra-se esquematizada no

quadro 1.

9
QUADRO 1
Conceitos de governança na literatura de
Administração Pública e Políticas Públicas

Idéia centrai Referência

Mílward, H.B. e Provan, K. (2000).


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Governança é a mudança do Estado
Public Administrations Research and Theory
burocrático para um Estado mais restrito (10) (359-379).
em suas funções {hollowState), ou para o
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terceiro setor.
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jurisdicional e gestão de redes
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Ownership and Control: rethining corporate
governance for the 21st century.
Washington, Brookings Institution._________

Assim, não há um significado preciso para a idéia de governança. Os


diversos conceitos, explorados pela literatura, são imprecisos e ambíguos,
podendo fazer referência a um conjunto tão ampio de questões que podem, no
limite, assumir qualquer significado. “Governance is now everywhere and
appears to mean anything and everything”, conciui Frederickson (2007, 285).

à d is c u s s ã o so b re a governança nos e stu d o s b ra sile iro s

A idéia de governança desembarca no Brasil no mesmo momento em


que a discussão sobre o conceito se espalha no plano internacional. Para
alguns autores, que procuravam compreender o conceito sob a perspectiva das

Ciências Sociais, a idéia de governança se apresentava como sucedânea das


discussões sobre governabilidade. Ao discutir a centralidade da questão da
governabilidade no debate político da década de 1980, Melo (1995) chama a
atenção para a crescente ênfase da literatura sobre a dimensão da eficiência
da atuação estatal e da capacidade governativa. Comentando uma das
definições de governança formulada Banco Mundial, o autor estabelece a
diferença entre qovernabiiidad^e.qoyejnaQça: “ Enquanto a qovernabilidade se
refere às condições do exercício da autoridade política, governance qualifica o
modo de uso dessa autoridade" (Melo, 1995, 30) . Em sua análise do conceito
de governança, Melo destaca aspectos como redes e associações, formato
institucional do processo cfeclsorio, relação entre os setores público e privado,
questões relativas à participação e descentralização, mecanismos de
financiamento das políticas e escopo global de programas sociais.

3 Grifo do original.
11
De forma semelhante, Diniz (1997) investiga os conceitos de
governabilidade e governança, relacionando-os, porém, com a reforma do
Estado, A autora analisa a evolução do conceito de governabilidade e afirma
que, em suas versões mais recentes, "viria a confundir-se com o conceito de
govérnance" (Diniz, 1997, 37). A governança, no entanto, apresentaria três
dimensões centrais: capacidade de comando e de direção do Estado,
capacidade de coordenação do Estado e capacidade de implementação?"
aspecto destacado pela autora como essenciaíparã uma reforma democrática
que buscasse superar a crise do Estado. Recorrendo também a uma das
definições do Banco Mundial sobre governança, a autora destaca as diferenças
entre os conceitos de governabilidade e governança da seguinte forma:

"Cabe manter a referência a governabilidade para caracterizar as


condições institucionais e sistêmicas mais gerais sobre as quais se dá
o ^ x e rc ic to dô poSér e m * ú m a l)ã d i^ o c ie ^ á ^ * ta is como a forma de
governo, as características dos sistemas partidário e eleitoral, entre
outras (...). Por outro lado, para analisar questões ligadas à
rbãpSc»3a9e'*clíe "ação“ âcT“Êsfacl& na implementação das políticas
públicas e na consecução das metas coletivas, parece-me pertinente
utilizar o termo governance, . mais apropriado para lidar com a
f i r ru n n n u .u im n o f c M

dimensão participativa e plurál da sociedade brasileira, que se


expandiu de forma considerável a partir dos anos 70" (Diniz, 1997,
39).

Castro Santos (1997) também estabelece distinção semelhante,


caracterizando governança como o modus operandi das políticas
governamentais, sua eficiência e seus impactos em um contexto A c re s c e n te
pluralidade e complexidade. A mesma relação de proximidade entre o s '
conceitos de governabilidade e governança reaparece em Fiori (1998). Para o
autor, o conceito de governabilidade seria uma “categoria estratégia” , variando
conforme o contexto de sua utilização: “nos anos 60 e 70 a idéia/proposta^da
governabilidade apontou para a eliminação de demandas e de atores sociais e
J L ,„ ,------------ ------------ _________
políticos. Já nos anos 80 apontou para a necessidade de privatizar os Estados
....................................... —|--
e desregular economias” (Fiori: 1998, 39). Ainda de acordo com o autor,

12
"É exatamente essa versão eclética da governabilidade que
reaparecerá nos anos 90 na agenda do Banco Mundial e de outras
instituições multilaterais, já agora na forma.de uma preocupação mais
limitada ao que chamaram delgóvernance ou good governance^ (...)
Esta nova definição aumenta apenas o rigor no detalhamento
institucional do que seria um governo pequeno, bom, e sobretudo
confiável do ponto de vista da comunidade internacional'' (Fiori: 1998,
38).

Assim, a discussão sobre a governança na literatura brasileira inicia-se


pautada pela relação do conceito com a idéia de governabilidade, destacando
como diferencial o enfoque relativo à capacidade governativa, presente no
conceito de governança. Nos estudos sobre a reforma do Estado e da
administração pública, é precisamente esta idéia que se desenvolve,
adquirindo contornos cada vez mais precisos. Como afirma Bresser Pereira,

"Governabilidade e governança são conceitos mal-definidos,


frequentemente confundidos. Para mim, governabilidade é uma
capacidade política de governar derivada da relação de legitimidade
do Estado e do seu Governo com a sociedade; governança é a
capacidade financeira e administrativa, em sentido amplo, de um
governo implementar políticas" (Bresser Pereira, 1998, 33).

Em Bresser-Pereira (1998), portanto, a governança é também definida


como capacidade governativa e diferenciada da idéia de governabilidade. No
entanto, a capacidade governativa a que se refere o autor é muito mais restrita
do que aquela imaginada por Melo (1995), Diniz (1997) e Castro Santos (1998).

Mo CSAi\sào M m Capacidade governativa, para Bresser Pereira (1998), representa a capacidade


financeira e administrativa de materializar a ação do Estado. Esta
representação do conceitô de governança esteve presente na concepção do
o
governo FHC, em sua política de reforma da gestão pública.

13
G overnança nas p o lítica s recentes de gestão púb lica

A difusão do conceito de governança como idéia chave para políticas


desenvolvidas no interior do governo se dá a partir de 1995. Neste ano, com a
publicação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Brasil, 1995),
a idéia de governança começa a circular nos documentos oficiais ligados,
principalmente, à política de gestão pública proposta por Bresser Pereira.
Desta forma, no momento em que a idéia de governança ganhava força e se
difundia no cenário internacional - no plano acadêmico e nas recomendações
do Banco Mundial - verificamos também o aporte do conceito na agenda
governamental brasileira.
Podemos pontuar três fases distintas na política de gestão pública
durante o período compreendido entre 1995 e 2007. Nestas três fases, a idéia
de governança é introduzida nas políticas governamentais de gestão
apontando para distintos significados, como veremos a seguir.

1Sfase - 1995-1998: O Plano Diretor


O Plano Diretor, documento que orientou as ações de reforma durante
os anos 1995-1998, destaca a governança em, pelo menos, três sentidos. Em
primeiro lugar, governança significa a própria reforma do Estado: "Reformar o
aparelho do Estado significa garantir a esse aparelho maior governança, ou
seja, maior capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e
políticas públicas. (Brasil, 1995, 44). Significa também o objetivo central das
ações de reforma da administração pública propostas no Plano Diretor, além de
figurar como atribuição central do MARE - Ministério da Administração Federal
e Reforma do Estado:

“A atribuição do Ministério da Administração Federal e Reforma do


Estado é estabelecer as condições para que o governo possa
aumentar sua governança. Para isso, sua missão específica é a de
orientar e instrumentalizar a reforma do aparelho do Estado, nos
termos definidos pela Presidência através deste Plano Diretor." (Brasil,
1995, 11).

14
Em segundo lugar, a idéia de governança assume significado distinto, ao
ser associada com a superação do modelo burocrático de gestão em direção
às idéias da nova administração pública, também chamada administração
gerencial: ,

"Pretende-se reforçar a governança - a capacidade de governo do


Estado - através da transição programada de um tipo de
administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si
própria e para o controle interno, para uma administração pública
gerencial, flexível e eficiente, voltada para o átendimento do cidadão".
(Brasil, 1995, 13).

Em terceiro lugar, governança, relaciona-se à eficiência e efetividade da


ação estatal. “Aum entar a governança do Estado, ou seja, sua capacidade
administrativa de governar com efetividade e eficiência, voltando a ação dos
serviços do Estado para o atendimento dos cidadãos”. (Brasil, 1995, 45). Ou,
como afirma o documento, logo em sua introdução, "a reforma do aparelho do
Estado, com vistas a aumentar sua governança, ou seja, sua capacidade de
implementar de forma eficiente políticas públicas.” (Brasil, 1995,11)
Assim, entre 1995 e 1998, a idéia de governança é associada nos
documentos oficiais sobre a política de gestão pública do governo federal, à
reforma do Estado e à reforma específica da administração pública, às idéias
presentes no movimento da nova administração pública, e à eficiência da ação
estatal. São interpretações diferentes do conceito, bastante comuns na
literatura especializada das áreas de administração pública e políticas públicas.

2- fase - 1999-2002: Gestão Pública Empreendedora


Ao final do primeiro governo Cardoso, finda também a política de gestão
pública orientada pelo Plano Diretor e executada pelo MARE. Com a saída do
tema da reforma do Estado e da administração pública da agenda

4 Grifo do original.
15
governamental5, novas representações sobre a relação Estado e sociedade,
sobre o papel do governo, e da burocracia federal são produzidas.
Com a dissolução do MARE, a política de gestão pública é transferida,
em janeiro de 1999, para ' Ministério Orçamento e Gestão6, mais
especificamente para a SEGES (Secretaria de Gestão). No ano seguinte, a
SEGES publica o documento "Gestão Pública Empreendedora” no qual define
sua política de gestão pública (SEGES, 2000). É importante observar que este
documento não faz nenhuma referência à idéia de governança, nem à crise do
modelo burocrático de administração, tão pouco à crise do Estado - idéias
fundamentais para a representação sobre o Estado brasileiro no interior Plano
Diretor. A idéia de eficiência e da implantação da nova administração pública
(ou administração gerencial) também perde centralidade no discurso a respeito
da administração pública. De acordo com o documento, as deficiências
presentes na administração pública não repousam sobre um modelo específico
de administração, mas em sua forma de gestão, nas práticas e métodos
administrativos cotidianos. Assim, o documento propõe uma “transformação
gerencial”, por meio da atuação pontual e focalizada em órgãos da
administração federal, questionando a idéia de reforma do Estado; Em termos
da operacionalização da política de gestão pública, a SEGES passa a vincular
suas ações ao suporte do Piano Plurianual "Avança Brasil” , assessorando os
órgãos do governo federal na implantação dos programas previstos no Plano,
deslocando o foco das ações anteriormente previstas no Plano Diretor.

3a fase - 2003-2007: Gestão Pública para um Brasil de Todos


Durante o governo Lula, a SEGES foi mantida no interior do MPOG,
constituindo sua competência legal a proposição de diretrizes e políticas para a
administração pública. O documento de referência da SEGES deste período,
intitulado "Gestão Pública p a ra ’ um ferasÍÍ"3i” TocÍos - ^ l a n o de G estlo^do”
.p.—........ n-n i i 1
..J.. i i j i i ii i —- - - - ■■•—««=■■ - r ■■ .'i-v : m-j j i;- ---------- r7
Governo Lula” (SEGÈS, 2003), também vincula a política de gestão pública ao

5 Sobre a dinâmica de entrada e saída da política de retorma da agenda governamental, ver Capella,
2004.
6 O M inistério de O rçam ento e Gestão (M OG) se transform aria, meses depois, em Ministério do
O rçam ento, Planejam ento e Gestão (M POG).
16
Plano Plurianual (2004-2007), à semelhança da estratégia da SEGES no
período anterior.
A idéia de governança volta a ser utilizada no documento orientador das
ações no período (SEGES, 2003). De acordo com o documento, o país sofre
de um "défict institucional” , entendido como a "ausência do Estado onde este
deveria estar atuando” (SEGES, 2003, 08). O "défict institucional” seria o
resultado de um processo histórico, marcado pela ausência de mecanismos de
Estado na garantia de direitos civis e sociais básicos. O “déficit” se manifesta
na incapacidade governamental em cumprir suas funções básicas e na baixa
qualidade dos serviços prestados. “A marcante e crescente desigualdade
social, a exclusão e a insegurança que assolam a sociedade brasileira” seriam
reflexos da falta de governança, ou seja, da incapacidade do Estado em
formular e implementar políticas (SEGES, 2003, 09). Assim, o documento
defende transformações (ao invés de reformas) na administração pública:
“Significativas transformações na gestão pública serão necessárias para que se
reduza o déficit institucional e seja ampliada a governança, alcançando-se mais
eficiência, transparência, participação e um alto nível ético" (SEGES, 2003,

0 9 )7 .
^A governança seria, portanto, a resposta para o “déficit institucional"^
diagnosticado como o maior problema a ser superado pela política de gestão
pública. Ainda segundo o documento, a governança é definida da seguinte
forma: “Aumentar a governança é promover a capacidade do governo em
formular e implementar políticas públicas e em decidir, entre diversas opções,
qual a mais adequada” (SEGES, 2003, 09).
Portanto, a idéia de governança apresentada vincula-se à capacidade de
governo, porém em uma perspectiva diferente daquela apresentada no Plano
Diretor. Em lugar de enfatizar eficiência administrativa e financeira, a
governança teria como objetivo outros valores adicionais, como transparência,
participação e ética. Mas, talvez a mais importante distinção entre as duas
perspectivas, é o fato de a governança ser considerada como o produto final da
política de gestão (visão do Plano Diretor), ou como condição essencial para o
sucesso dessa política (visão da SEGES sob o governo Lula). A aüsência de

7 Grifo do original.
17
um entendimento claro sobre o conceito e a conseqüente a ambigüidade da
idéia de governança permite seu emprego de forma situacional, de acordo com
o contexto das idéias mais gerais nas quais se insere.

Governança como categoria simbólica na literatura e nas políticas de


gestão pública

O objetivo deste estudo não consiste na busca por um significado


preciso para o conceito de governança na literatura especializada. Da mesma
forma, não se propõe a detectar possíveis incongruências em sua utilização
nos documentos governamentais. A preocupação central deste trabalho é
procurar compreender como a noção de governança é empregada no processo
de produção de políticas públicas. Neste caso, estudando a política de gestão
pública, as diferentes aplicações da idéia de governança apontam para a
ambigüidade do termo. Limites bastante imprecisos estão também presentes
em sua definição teórica. Apesar disso, a aplicação da idéia de governança -
na bibliografia e nos documentos oficiais - é crescente. Cabe destacar,
portanto, a [dimensão simbolTca do~cõn ce^, ou seja, as idéias veiculadas por
meio da utilização do termo “governança”.
Durante os anos 1990, pesquisadores de políticas públicas destacaram
crescentemente os efeitos das idéias sobre os processos de produção de
políticas (Majone, 1989, Stone, 2002, Kingdon, 2003). Considerando as idéias
como um sistema de crenças que refletem diferentes visões de mundo, as
abordagens desenvolvidas por estes pesquisadores consideram que essas
visões de mundo produzem a realidade e que a disputa sobre diferentes
^representações está nò centro do processo de produção d e políticas.

“Ideas are a medium of exchange and a mode of influence even more


powerful than money and votes and guns (...). Ideas are at the center
of ali political conflict. Policymaking, in tum, is a constant struggle over
the criteria for classification, the boundaries of categories, and the
definition of ideais that guide the way people behave" (Stone, 2002,
11).

18
As idéias se apresentam como argumentos em defesa de diferentes,
visões de mundo. Assim, os autores que destacam o papel das idéias
enfatizam a centralidade do discurso, da interpretação, da representação
simbólica, entendendo que a produção de políticas se aproxima mais do
processo de argumentação do que de técnicas formais de solução de
problemas. "As politicians know only too well but social scientists too often
sasBBBBgaaaâa»flflB»eaar
forget, public policy is made of language. W hether in written or oral form,
argument is central in ali stages of the policy process” (Majone, 1989, 01).
A crescente utilização da idéia de governança parece derivar
precisamente do fato de o conceito não comportar significados e limites muito
precisos. O significado do termo governança depende da forma ^como^as
pessoas o interpretam, utilizam, ou respondem a ele. A idéia de governança
pode assumir mais de um significado ao mesmo tempo, pode significar coisas
diferentes para pessoas diferentes, pode ainda significar coisas distintas em
distintos contextos. Neste sentido, governança é um símbolo, coletivamente
criado, que molda as percepções como instrumentos políticos de influência.e
controle. Como descreve Stone (2002,137),

"A symbol is anything that stands for something else. (...) It can be an
object, a person, a place, a word, a song, an event, even a logo on a
T-shirt. The meaning of a Symbol is not intrinsic to it, but is invested in
it by the people who use it. In that sense, symbols are collectively
created. Any good symbolic device, one that works to capture the
imagination, also shapes our perceptions and suspends skepticism, at
least temporarily. Those • effects are what make symbols political
devices. They are means of influence and control, even4hough it is
often hard to tell with symbols exactly who is influencing whom”

Pa ambigüidade é a característica central dos sím b o lo s^Governança,


como categoria simbólica, pode representar duas ou mais coisas ao mesmo
tempo: pode significar a mudança de um modelo burocrático de administração
para um modelo gerencial de gestão, ou a manutenção do modelo burocrático
com maior eficiência. Pode significar a capacidade de implementação ou a
capacidade também de formulação das políticas públicas. Pode ser um projeto
acadêmico baseado em uma nova abordagem para os campos da
administração pública e de políticas públicas ou uma recomendação de
agências de financiamento internacionais para o gerenciamento de recursos
econômicos e sociais. Pode ser o resultado de uma ampla reforma do Estado
visando o ajuste fiscal, reduzindo e remodelando o padrão de intervenção
estatal, ou o fortalecimento do papel do Estado na economia e nas políticas
sociais. O conceito de governança é, em suma, indeterminado e
indeterminável, precisamente por ser uma categoria simbólica.
A ambigüidade é essencial na política na medida em que permite a
transformação de intenções e ações individuais em resultados e propósitos
coletivos. A exploração da ambigüidade presente nas aplicações do termo
governança constitui-se em um recurso estratégico permitindo que, ao mesmo
tempo, grupos com interesses contrários possam se unir em torno da mesma
idéia; bases amplas de apoio para - uma mesma política possam ser
eslabelecidas; o processo de negociação possa ser facilitado, permitindo que
os oponentes defendam uma mesma política a partir de pontos específicos do
projeto. Por permitir a transformação de questões individuais, ou de grupos
específicos, em questões coletivas, a ambigüidade é considerada a “cola” da
política (Stone, 2002, 157).
Nas políticas dè gestão pública, outros conceitos são também ambíguos.
“Eficiência” , “desempenho”, “igualdade”, são termos que representam
diferentes significados para grupos distintos. A ambigüidade desses termos e
da própria noção de governança cresce à medida que procuramos detalhar
esses conceitos. Quem determina as metas, objetivos e padrões de
desempenho do setor público? O que é".a capacidade governamental, afinal?
Como diferentes padrões de eficiência são recebidos por diferentes grupos de
beneficiários de uma política? A exploração da característica de ambigüidade
na produção de políticas públicas permite difundir representações de mundo
direcionando o discurso a diferentes audiências ao mesmo tempo, abrindo
espaço para a obtenção do apoio de grupos distintos. Por sua dimensão
simbólica, as interpretações terão múltiplos significados, dependendo do ponto

de vista adotado.

20

a
De forma geral, nas políticas de gestão pública, governança é ainda uma
idéia sempre ligada a soluções positivas para o Estado e a administração
pública, independente do diagnóstico estabelecido. Seja o problema detectado
como a crise de um Estado burocrático, ou a "ausência de Estado”, a
governança é sempre apresentada como um valor em si próprio. Neste sentido,
o termo aproxima-se das chamadas valence issues (Baumgartner e Jones,
1993). Valence issues s ^ ^ u e s tõ e F a p re s e n ta 3 a s ^ m õ T n q u e s fiü rf§ ^ lffle ? rt^
legítimas, de forma que defender o ponto de vista contráfTô’^ e lo rn IT J rF â T ÍM rã ” ''
extremamente difícil, senão impossível. Quase todas as questões podem
assumir características de valence issues, desde que estrategicamente
representadas como tal. Se a governança é associada ao aumento da
eficiência, à melhoria da prestação dos serviços públicos, como podemos nos
colocar contrariamente a essa idéia? Este tipo de representação reforça os
argumentos da política proposta, dificultando a legitimação de soluções
contrárias. Posições divergentes tendem a se manifestar apenas no
detalhamento das ações a serem desenvolvidas - por exemplo, na forma de
obter maior capacidade das ações governamentais.
Assim, a idéia de governança é associada a soluções positivas
relacionadas a mudanças que promoveriam a modernização do Estado e da
gestão pública. Governança, neste sentido, implicaria a incorporação de novas
práticas que rompem com as formas tradicionais de administração, em direção
a métodos e estilos de gestão mais modernos. Ao mesmo tempo, governança
significaria uma mudança - em escala global e inevitável para os estudos e a
prática governamental. Ou, ainda, governança representariam mudanças - e
mudanças benéficas.

Considerações finais

Uma das questões mais poderosas na retórica da administração pública


contemporânea é a idéia da governança. O uso do termo se difunde a partir
dos anos 1990, em grande parte por conta de seu emprego pelos relatórios do
Banco Mundial. No entanto, as próprias formulações do Banco Mundial são
imprecisas e variam conforme o contexto empregado.

21
No plano teórico, a imprecisão do conceito leva a interpretações
bastante distintas. No entanto, é possível perceber uma utilização bastante
comum do conceito, presente em diversas abordagens. Esta utilização comum
relaciona-se ao entendimento de governança como algo além do governo,
envolvendo também suas relações com atores não estatais, unidos em redes
de articulação e cooperação. De fato, as rápidas transformações pelas quais
passam os Estados e os níveis sub-nacionais de governo têm profundas
implicações sobre os estudos em administração pública e políticas públicas.
Neste septido, cabe questionar se a utilização da idéia de governança é
realmente útil para as análises na área e se os diversos conceitos de
governança - e seus distintos significados - contribuiriam para a ampliação da
compreensão sobre esses fenômenos.
Por outro lado, algumas abordagens apresentam a governança em
substituição ao próprio governo: “What the people want is less government and
more governance” (Cleveland apud Frederickson, 2007, 283). Como também
observa outra analista: “In public administration and public policy, and to some
extent in the governance literature in IR [International Relations], there is a
tendency to argue that governance now takes place without government”
(Kjaer, 2004, 204)8. A idéia de governança, neste caso, enfatiza o papel das
instituições não-governamentais (sejam elas dirigidas ao lucro ou não) e
enfatiza os processos de privatização, terceirizaçao e a realizaçao aè parcerias
público-privadas, defendendo a superioridade do mercado sobre õ Estàaô. Esta
perspectiva da governança carrega implicitamente uma teoria política
normativa e prescritiva, tendo pouco a contribuir para os estudos sistemáticos
na área de administração pública e políticas públicas uma vez que enfraquece
a ação governamental e o papel do Estado.
No plano da ação governamental, a idéia de governança - aplicada
também de forma indeterminada e ambígua - é invocada para explicar e
justificar mudanças na administração pública e na relação Estado e sociedade,
relacionando estas mudanças, fundamentalmente, a aspectos positivos. Nos
documentos oficiais, governança pode ser tanto a base para a idéia de
"desconstrução” de um Estádo em crise (sem capacidade financeira e

8 Grifo do original.
22
administrativa) quanto pára a construção de um Estado capaz de garantir
direitos civis e sociais básicos.
Dissertando sobre as dificuldades conceituais do termo
“governabilidade", Fiori faz a seguinte afirmação, que poderia ser aplicada à
idéia de governança:

“Expressões e palavras desprovidas de qualquer significado preciso


vão se transformando nas pedras angulares de uma nova sabedoria
convencional e dominante (...). Os ensaios acadêmicos e a mídia
martelam diariamente e logo todos repetem, como se fossem tópicos
ou conceitos indiscutíveis de uma ‘agenda política’ comum e
consensual, o que de fato não passa de um amontoado de fórmulas
■ empregadas de forma intencionalmente vaga" (Fiori, 1998, 33-34).

Governança, como “pedra angular” da produção contemporânea nas


áreas de administração pública e políticas públicas pode ser um môdísmòTüm
conceito vago e impreciso, ou a própria metáfora da incompreensão sobre a '
lógica contemporânea da ação estatal e sua relação com os mercados e a
sociedade.

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