You are on page 1of 3

MITO E FILOSOFIA

QUESTÃO: O QUE SÃO OS MITOS?

Normalmente, quando ouvimos o termo “mito”, entendemos que se trata de uma história
falsa, mentirosa, que é tomada como verdadeira por muitos ou então algum relato inventado por
sociedades arcaicas contendo elementos mágicos, irracionais, fantasiosos. Os próprios filósofos
antigos, a exemplo de Platão e Xenófanes, já o viam com descrédito. Mas, para sociedades que
viviam ou que ainda vivem o mito, nas quais o significado e o valor da existência é conferido por tal
relato, sim, o mito é uma história verdadeira, e justamente porque se refere a realidades, seja a
existência do mundo ou a mortalidade dos homens. Inclusive, esses grupos fazem uma distinção
entre as histórias verdadeiras (mitos) e as histórias falsas (fábulas ou contos).

Em grego, mythos designa uma palavra formulada, quer se trate de uma narrativa (relato,
história), de um diálogo ou da enunciação de um projeto. Pode-se destacar as seguintes
características:

1. O mito constitui a História dos atos dos Seres Sobrenaturais;


2. Essa História é considerada absolutamente verdadeira (porque se refere a realidades) e sagrada
(porque é a obra de seres sobrenaturais);
3. O mito se refere sempre a uma criação, contando como algo veio à existência, ou como um padrão
de comportamento, uma instituição, uma maneira de trabalhar foram estabelecidos;
4. Conhecendo o mito, conhece-se a origem das coisas, chegando-se, consequentemente, a dominá-las
e manipulá-las à vontade; não se trata de um conhecimento exterior, abstrato, mas de um
conhecimento que é vivido ritualmente, seja narrando cerimonialmente o mito, seja efetuando o
ritual ao qual ele serve de justificação;
5. De uma maneira ou de outra, “vive-se” o mito, no sentido de que se é impregnado pelo poder
sagrado e exaltante dos eventos rememorados ou reatualizados.

“Viver” os mitos implica, pois, uma experiência verdadeiramente religiosa, pois ela se distingue
da experiência ordinária da vida cotidiana. A religiosidade dessa experiência deve-se ao fato de que,
ao reatualizar os eventos fabulosos, exaltantes, significativos, assiste-se novamente às obras
criadoras dos Seres Sobrenaturais; deixa-se de existir no mundo de todos os dias e penetra-se num
mundo transfigurado, auroral, impregnado da presença dos Seres Sobrenaturais. Não se trata de uma
comemoração dos eventos míticos, mas de sua reiteração. O indivíduo evoca a presença dos
personagens dos mitos e torna-se contemporâneo deles. Isso implica igualmente que ele deixa de
viver no tempo cronológico, passando a viver no tempo primordial, no tempo em que o evento teve
lugar pela primeira vez. Reviver esse tempo, reintegrá-lo o mais frequentemente possível, assistir
novamente ao espetáculo das obras divinas, reencontrar os Seres Sobrenaturais e reaprender sua
lição criadora é o desejo que se pode ler em todas as reiterações rituais dos mitos. Em suma, os
mitos revelam que o mundo, o homem e a vida têm uma origem e uma história sobrenaturais, e que
essa história é significativa, preciosa e exemplar.

QUESTÃO: POR QUE O SENSO COMUM ENTENDE O MITO COMO SENDO UMA
HISTÓRIA FALSA? QUAL A ORIGEM DESSE DESPREZO?

Se o vocábulo “mito” denota uma “ficção”, é porque os gregos o proclamaram desde os


primórdios da filosofia. Certo que tais críticas raramente foram dirigidas contra o “pensamento
mítico” em si, visavam sobretudo os atos dos deuses tais quais eram narrados por Homero e
Hesíodo. Tais deuses tomavam decisões arbitrárias, agiam de forma caprichosa, injusta, “imoral”,
eram por demais humanos (antropomorfizados). Já não se concebia um verdadeiro Deus que fosse
ciumento, vingativo, ignorante, injusto, imoral, etc. A mesma crítica foi retomada e exacerbada
mais tarde pelos cristãos.

Além disso, a escrita em prosa – tratados médicos, discursos de oradores em defesa de uma
causa, dissertações de filósofos – não constitui somente, em relação à tradição oral e as criações
poéticas, um outro modo de expressão, e sim uma nova forma de pensamento, possibilitando um
maior nível de abstração dos conceitos e um rigor maior nos raciocínios. De maneira semelhante, a
leitura de um texto possibilita uma análise mais minuciosa do que se esse texto fosse escutado. A
mensagem oral é envolta por um prazer momentaneo que procura encantar o ouvinte apelando para
as emoções. A escrita apela apenas para a inteligência crítica do leitor, tendo a utilidade de reter de
forma duradoura um conhecimento que julgamos válido, importante. Não se trata mais de vencer o
adversário enfeitiçando-o graças a um dom da palavra, mas de por o escrito abertamente a
disposição dos outros, para que qualquer um possa avaliar as razões que estão ali expostas. Nesse
caso, o jogo intelectual reflete o jogo democrático da pólis.

Mas como a mitologia grega sobreviveu até os dias atuais? Apesar da crítica dos filósofos, a
elite grega e romana continuava interessada na mitologia. Claro que os mitos não eram mais
compreendidos literalmente: procuravam-se neles agora “significações ocultas”, significados
subentendidos, ou seja, eram vistos como alegorias. Por exemplo, o estóico Crisipo reduziu os
deuses gregos a princípios físicos ou éticos. Não só o alegorismo manteve o interesse vivo nos
mitos, o evemerismo também contribuiu nesse sentido. Evemero, em princípios do século III a.C.
publicou um romance no qual afirmava que os deuses gregos representavam na verdade antigos reis.
Portanto, graças ao alegorismo, ao evemerismo, e juntamente com a literatura e as artes plásticas, a
mitologia grega não foi esquecida e, como não estava mais carregada de valores religiosos viventes,
pode ser tolerada e assimilada pelo cristianismo, passando a ser vista como um “tesouro cultural”.

QUESTÃO: QUAL A DIFERENÇA ENTRE O MITO E A FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA?

Há basicamente três diferenças:

1. Abordagem redutiva: ao invés de utilizar uma gama de protagonistas cósmicos como a Lua, o Sol,
etc. e de deuses para explicar a origem e a estrutura do universo ou dos seres vivos, a filosofia pré-
socrática reduz o número desses fatores;
2. Abordagem naturalista: em lugar de deuses ou entidades mais ou menos antropomórficas, a gênese
do cosmos é explicada em termos de elementos reconhecíveis na natureza;
3. O uso de analogias: os filósofos passam a utilizar analogias para aumentar a clareza e a
inteligibilidade de sua teoria. Os mitos explicavam de forma insuficiente, restando passagens
obscuras e lacunas no entendimento de certos detalhes.
4. Diferença de contexto: o mito incorporava a tradição e era pra ser recitado em importantes eventos
sociais e rituais ; os primeiros filósofos engajam-se na atividade teórica por si mesma e não tem
quaisquer escrúpulos de propor teorias radicalmente diferentes daquelas da tradição.

Claro que a filosofia grega não nasce do nada e há quem defenda certas proximidades entre mito
e filosofia, chegando mesmo a dizer que a mitologia esconde uma verdade que a filosofia diz
diretamente. Nesse caso, o mito prefiguraria a filosofia, da mesma forma que o modo de falar
infantil prepara a linguagem do adulto. O mito seria então uma espécie de esboço do discurso
racional. Certo é que percebemos alguns esquemas do pensamento mítico em pensadores como
Platão, no cristianismo, no nazismo e até nos produtos da mídia.
QUESTÃO: QUAL A RELAÇÃO ENTRE MITOLOGIA E CRISTIANISMO?

Afinal, podemos também falar de uma mitologia cristã? As relações entre cristianismo e
pensamento mítico suscitam imediatamente três problemas. O primeiro refere-se ao emprego do
termo “mito”. Como os primeiros teólogos cristãos tomavam esse vocábulo na acepção que se
impusera há muitos séculos no mundo greco-romano, isto é, de fábula, ficção, mentira,
consequentemente, recusavam-se a ver na pessoa de Jesus uma figura mítica, e no drama de Cristo,
um mito. Isso levou a teologia cristã a tentar defender a historicidade de Jesus. O segundo problema
repousa sobre o valor dos testemunhos que fundamentam essa historicidade. O terceiro pode ser
formulado da seguinte maneira: se os cristãos se recusaram a ver em sua religião o mythos
dessacralizado da época helenística, qual é a situação do cristianismo face ao mito vivente, tal qual
foi conhecido nas sociedades arcaicas e tradicionais?

QUESTÃO: QUAL A DIFERENÇA ENTRE COSMOGONIA, TEOGONIA E


COSMOLOGIA?

A palavra gonia vem de duas palavras gregas: do verbo gennao (engendrar, gerar, fazer nascer e
crescer) e do substantivo genos (nascimento, gênese, descendência, gênero, espécie). Gonia,
portanto, quer dizer: geração, nascimento a partir da concepção sexual e do parto. Cosmos quer
dizer mundo ordenado e organizado. Assim, a cosmogonia é a narrativa sobre o nascimento e a
organização do mundo, a partir de forças geradoras (pai e mãe) divinas.

Teogonia é uma palavra composta de gonia e théos, que, em grego, significa: as coisas divinas,
os seres divinos, os deuses. A teogonia é, portanto, a narrativa da origem dos deuses, a partir de
seus pais e antepassados.

A palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmos, que significa mundo ordenado e
organizado, e logia, que vem da palavra logos, que significa pensamento racional, discurso racional,
conhecimento. Assim, a filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da
natureza, donde, cosmologia.

You might also like