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Duplas
Crédito: Romolo
Ilustração de Romolo para a coluna Prosa/Poesia, de 14 de janeiro de
2018
14.jan.2018 às 2h00
MARQUESA
A marquesa saiu às cinco horas. O sr. Valéry saiu às 17h01. Às 17h12 estavam
os dois no mesmo café. A marquesa sentou à mesa em que se encontravam a
duquesa e a baronesa e, juntas, falaram mal da condessa, que estava feliz da
vida com o novo amante, um jovem oficial da Marinha de bigode loiro. O sr.
Valéry sentou sozinho, mas logo se fez acompanhar pelo fantasma de
Mallarmé, a quem confessou alguns de seus problemas, como o incômodo
que os suspensórios lhe causavam —tinha sempre a impressão que uma alça
era mais curta que a outra. Tentou falar também de filosofia, mas Mallarmé
não embarcou na conversa; depois de morto tinha perdido o interesse por
assuntos abstratos. Quando a marquesa foi ao banheiro, passou muito perto
do sr. Valéry, quem só conhecia de nome. "Pas mal", pensou, "melhor do que
eu imaginava". O sr. Valéry não reparou na marquesa. (Ao contrário de
Mallarmé, que babou feito um fauno à visão de seus braços rechonchudos.)
Às 19h45 o sr. Valéry pediu a conta e foi embora, pois tinha o hábito de
dormir cedo. Já a marquesa só chegou em casa às 8h21 da manhã seguinte,
com uma baguete quentinha acomodada entre as alças da bolsa e um meio
sorriso nos lábios desbotados.
FUMAÇA
Fabrício Corsaletti
É autor de 'Movediço', 'Zoo' e "Golpe de Ar". Foi editor de poesia na 'Ácaro'.